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Em busca de um sonho Concursos, testes e programas de TV aparentam ser uma saída para quem busca reconhecimento artístico. Mas, vale abandonar tudo para ir atrás deles? Guilherme Popolin É comum a todo artista um mesmo desejo: ter seu trabalho reconhecido. Fama, sucesso e dinheiro são consequências que vêm com o tempo, mas não são menos importantes. Todo profissional tem os mesmos anseios, mas é na carreira artística, seja como ator, cantor ou modelo que esses aspectos são potencializados. Concursos e testes são os meios que muitas pessoas encontram para mostrar seus trabalhos e terem seus dons reconhecidos. Vale a pena abandonar e enfrentar tudo para ir em busca de um sonho? Sair de sua cidade natal e ir para as grandes metrópoles submeter-se a testes e programas de TV? Nem sempre. Na maioria dos casos, um choque com uma nova realidade acontece. A pressão e o isolamento contribuem para que muitos desistam, ou que não se entreguem de forma total nas apresentações. Muitos participantes percebem que tudo é ilusório e montado apenas para garantir a audiência, sufocando qualquer tipo de esperança existente. Há 10 anos cantando profissionalmente, Vinícius Zanin, 26 anos, de Rolândia (PR), já participou de vários concursos de grande projeção nacional. Quando se inscreveu para o “Fama” (Rede Globo), “Popstars” e “Ídolos” (SBT), enxergava os programas como uma porta de saída. “A gente, do interior, passa por muita dificuldade em cidades pequenas. Não temos noção de como funciona o esquema desses reality shows”, diz, referindo-se às experiências que vivenciou. “Não temos liberdade como artista. É tudo dirigido para parecer espontâneo, o público não consegue identificar e assimilar toda a bagagem que a gente leva para o programa”, afirma. Outros rumos Hoje, Vinícius, que é formado em Direito e Jornalismo, por “garantia profissional”, trabalha como jornalista freelancer e canta em uma banda de Blues, além de fazer alguns trabalhos paralelos, como jingles publicitários. “Aqui na região temos que fazer de tudo, mas o meu foco é Blues, rock e pop. É muito importante formar um público definido.” Para ele, atualmente, a grande rede de computadores é mais importante do que os programas de TV. “A internet é um grande reality show para o artista, mostra quem você realmente é para todo o mundo”, diz. Vinícius Zanin ainda largaria tudo em busca do seu reconhecimento profissional como cantor, dependendo da proposta. “Se tivesse uma oportunidade que completasse o meu trabalho já construído, seria válido. O artista não deve se apegar à sua região, é natural que vá para outros lugares.” Ao contrário do que ele diz, foi o apêgo às raízes o que mais influenciou a estudante Ana Cláudia Corrêa, 20 anos, a abandonar a competição do programa “Ídolos” (em 2008, na TV Record) e retornar para sua cidade, Rolândia, e para seus estudos, em Londrina (PR). Quando chegou entre os 60 finalistas decidiu voltar para a casa. “Tinha acabado de fazer 18 anos e resolvi que terminaria primeiro a minha faculdade de Nutrição para depois tentar algo mais sério relacionado à carreira de cantora”, conta. Ana Cláudia canta profissionalmente em uma banda desde os 13 anos e foi para o “Ídolos” em busca de experiência profissional. “Sabia que lá eu teria que dar o meu máximo. Queria ver até onde eu conseguiria chegar, seja em extensão vocal, qualidade profissional e resistência emocional”, relembra. O sentimento de que não valeria a pena ficar longe de casa e

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Reportagem sobre pessoas que buscam reconhecimento artístico, através de concursos e programas de TV.

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Page 1: Em busca de um sonho

Em busca de um sonhoConcursos, testes e programas de TV aparentam ser uma saída para quem busca

reconhecimento artístico. Mas, vale abandonar tudo para ir atrás deles?Guilherme Popolin

É comum a todo artista um mesmo desejo: ter seu trabalho reconhecido. Fama, sucesso

e dinheiro são consequências que vêm com o tempo, mas não são menos importantes. Todo profissional tem os mesmos anseios, mas é na carreira artística, seja como ator, cantor ou modelo que esses aspectos são potencializados. Concursos e testes são os meios que muitas pessoas encontram para mostrar seus trabalhos e terem seus dons reconhecidos.

Vale a pena abandonar e enfrentar tudo para ir em busca de um sonho? Sair de sua cidade natal e ir para as grandes metrópoles submeter-se a testes e programas de TV? Nem sempre. Na maioria dos casos, um choque com uma nova realidade acontece. A pressão e o isolamento contribuem para que muitos desistam, ou que não se entreguem de forma total nas apresentações. Muitos participantes percebem que tudo é ilusório e montado apenas para garantir a audiência, sufocando qualquer tipo de esperança existente.

Há 10 anos cantando profissionalmente, Vinícius Zanin, 26 anos, de Rolândia (PR), já participou de vários concursos de grande projeção nacional. Quando se inscreveu para o “Fama” (Rede Globo), “Popstars” e “Ídolos” (SBT), enxergava os programas como uma porta de saída. “A gente, do interior, passa por muita dificuldade em cidades pequenas. Não temos noção de como funciona o esquema desses reality shows”, diz, referindo-se às experiências que vivenciou. “Não temos liberdade como artista. É tudo dirigido para parecer espontâneo, o público não consegue identificar e assimilar toda a bagagem que a gente leva para o programa”, afirma.

Outros rumosHoje, Vinícius, que é formado em Direito e Jornalismo, por “garantia profissional”, trabalha

como jornalista freelancer e canta em uma banda de Blues, além de fazer alguns trabalhos paralelos, como jingles publicitários. “Aqui na região temos que fazer de tudo, mas o meu foco é Blues, rock e pop. É muito importante formar um público definido.” Para ele, atualmente, a grande rede de computadores é mais importante do que os programas de TV. “A internet é um grande reality show para o artista, mostra quem você realmente é para todo o mundo”, diz.

Vinícius Zanin ainda largaria tudo em busca do seu reconhecimento profissional como cantor, dependendo da proposta. “Se tivesse uma oportunidade que completasse o meu trabalho já construído, seria válido. O artista não deve se apegar à sua região, é natural que vá para outros lugares.” Ao contrário do que ele diz, foi o apêgo às raízes o que mais influenciou a estudante Ana Cláudia Corrêa, 20 anos, a abandonar a competição do programa “Ídolos” (em 2008, na TV Record) e retornar para sua cidade, Rolândia, e para seus estudos, em Londrina (PR). Quando chegou entre os 60 finalistas decidiu voltar para a casa. “Tinha acabado de fazer 18 anos e resolvi que terminaria primeiro a minha faculdade de Nutrição para depois tentar algo mais sério relacionado à carreira de cantora”, conta.

Ana Cláudia canta profissionalmente em uma banda desde os 13 anos e foi para o “Ídolos” em busca de experiência profissional. “Sabia que lá eu teria que dar o meu máximo. Queria ver até onde eu conseguiria chegar, seja em extensão vocal, qualidade profissional e resistência emocional”, relembra. O sentimento de que não valeria a pena ficar longe de casa e

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apostar todas as fichas no “Ídolos” cresceu a cada etapa da competição. “Eu vi muita gente boa sendo eliminada e muita gente que foi apenas para ganhar seus 15 minutos de fama passando para as outras etapas. Isso me retraiu em relação ao programa”, diz.

“Os reality shows brasileiros que buscam revelar novos artistas precisam ser mais sérios, menos comerciais e mais artísticos”, reclama Vinícius Zanin. Compartilhando da mesma crítica, Ana Cláudia sentiu que o programa do qual participou era muito instável e não dava segurança ao verdadeiro artista. “A primeira audição não é com os jurados, é com o pessoal da produção. Muitos não entendem de musica, não tem visão artística, de mercado, nem do que o povo vai gostar. Isso foi uma das coisas que me afastou”, revela.

Principalmente na TV, o público tem uma visão idealista e fantasiosa dos que estão dentro da telinha. “Falta senso crítico nas pessoas. Muita gente faz sucesso, apesar de não serem bons. É preciso que todos ouçam músicas boas. Hoje em dia o popular brasileiro não é popular brasileiro”, comenta Ana Cláudia. Para ela não compensava arriscar tudo em busca do reconhecimento. “Não queria fama, para isso teria que me mudar para São Paulo, deixar meus amigos, minha faculdade e minha família”, confirma. O programa “Ídolos” não transmitiu para Ana Cláudia a segurança que ela precisava para seguir em frente. “Para mim não valia arriscar tudo por uma carreira incerta e depois cair no anonimato. Poderia perder muitas oportunidades em minha vida”, reflete.

Outro final para a mesma história?Ao contrário de Vinícius e Ana Cláudia, Thaeme Mariôto, 24 anos, enfrentou seus pais e

mais alguns milhares de concorrentes e foi até o fim do “Ídolos 2” (SBT, em 2007), tornando-se a campeã da edição. Ganhou um carro, uma viagem para Nova York e, o mais importante, um contrato com uma gravadora para a produção de um CD. A cantora, que nasceu em Presidente Prudente (SP) e com poucos dias de vida mudou-se para Jaguapitã (PR), batalhava pela música desde os sete anos. Já formada em Farmácia, viu na inscrição para o programa a chance de reconhecimento pelo seu talento.

Para Thaeme, a participação no “Ídolos” foi bem enriquecedora. “Foi a escola que me ensinou mais coisas em menos tempo. Aprendi a lidar com críticas, absorvê-las e aprender com elas”, conta. Além do profissional, o programa ensinou lições para a vida, como conviver e respeitar as pessoas de culturas diferentes. “Comecei, também, a dar mais valor no abraço de uma pessoa querida, já que lá ficávamos confinados e esse momento era raro”, diz.

Conforme avançava no programa, Thaeme ganhava uma legião de fãs bem fiéis, apelidados carinhosamente de “Thaêmicos”, que votavam toda semana para garantir a sobrevivência da “Ídola” na competição. Foram eles que, logo após o término do programa, em menos de uma semana, deixaram o primeiro CD, "Zero" (com músicas cantadas no “Ídolos”), em primeiro lugar entre os mais vendidos entre todas as lojas virtuais do país. Porém, o lançamento do segundo CD, “Tudo Certo”, com músicas inéditas, demorou para acontecer. Isso refletiu no número de vendas, que não obteve um desempenho compatível com a qualidade do trabalho produzido.

“As gravadoras deveriam aproveitar mais os vários artistas que saem de reality shows e que já trazem um público que admira seu trabalho”, afirma Thaeme. Ainda sobre as gravadoras, a cantora completa. “É fácil dizer que os participantes nunca fazem sucesso, pois não estão preparados, ou porque o Brasil não acolhe, mas, infelizmente, o trabalho construído não é bem aproveitado posteriormente por parte delas.”

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Dona de um talento enorme e de uma simpatia que impressiona, Thaeme, que atualmente mora em São Paulo (SP), teve suas músicas executadas em várias novelas e gravou um single em parceria com o Rapper Helião, do grupo RZO. O contrato que assinou com a gravadora quando saiu vitoriosa do “Ídolos” acabou. Ela não se arrepende de nada, mas os frutos colhidos não foram tão saborosos quanto os prometidos nas propagandas e durante o programa, que tem a pretensão de revelar um novo ídolo para o Brasil a cada edição. Prova disso é que ela continua trabalhando para consolidar sua carreira. Thaeme se destaca nas aulas da Escola de Atores Wolf Maya, apresenta o programa Viver Sustentável (TV Rede Vida), trabalha com vídeos institucionais, fotos, além de fazer sua pós-graduação em Engenharia Farmacêutica.

Mas o principal projeto artístico de Thaeme continua sendo a música. Um novo CD está em fase de produção e deve ser lançado no final de 2010. “Estou muito feliz este ano com meu trabalho. No momento estou entrando em estúdio para a gravação de um novo projeto pelo F&S (Fernando e Sorocaba) Produções Artísticas.” Para quem pensa em ir atrás de um sonho, Thaeme diz: “Vale tudo o que for realizado com dignidade. Toda profissão tem seus desafios, por isso, corra atrás, não desanime por nada, só você sabe do seu real valor e no que acredita de verdade”, conclui.

BoxIncertezas no mundo fashionNão é somente em programas de TV que existem as incertezas. Laressa Zampieri, 16

anos, trabalha como modelo e participa de concursos desde os 14. “O mundo da moda é muito exigente. Em um momento você pode estar no auge, e logo depois ninguém lembra mais de você”, diz. Os pais de Laressa apóiam a filha nas competições, mas não é isso que eles querem para o futuro dela. “Eles dizem que esta profissão é muito incerta, e que para ter futuro nisso tenho que morar fora. Querem que eu estude e me forme”, afirma.

Laressa sempre consegue boas colocações nos concursos dos quais participa. Entretanto, muito mais que o talento e beleza das participantes, um nome forte e bons patrocinadores fazem a diferença. “Já participei de um concurso em que o público vaiou a vencedora. Pessoas que eu não conhecia vieram falar comigo sobre a injustiça do resultado”, relembra. São situações como essa que a fazem refletir se realmente compensa abandonar uma futura vida estável para tentar uma carreira tão volátil e inconstante.

“Já senti vontade de largar tudo e seguir essa profissão”, diz Laressa, que já passou por alguns castings e chegou a ser cotada para participar de um teste para a novela “Malhação” (Rede Globo). “Mas, para seguir adiante, teria que me mudar para São Paulo. Idéia a qual meus pais são contra.” A jovem já se revoltou algumas vezes por isso, apesar de depois ter achado que as medidas tomadas foram as melhores.

Sobre os concursos e testes apresentarem muitas vezes propostas ilusórias, segundo Laressa, para se dar bem, grande parte do empenho depende da modelo. “Já ganhei concursos e surgiram muitos trabalhos depois. Mais tarde, aparece outro concurso e outra vencedora, e os trabalhos vão se voltar a ela. Depende do brilho, da sua força de vontade e do talento para continuar no mercado”, finaliza a jovem, acreditando que com um trabalho bem feito a profissional nunca será esquecida.

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