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METODOLOGIA PARA ANALISES DE CONSEQUENCIAS DE RUTURAS EM BARRAGENS DE REJEITO Claudio Azevedo Maia; Delfim Jose Leite Rocha; Douglas M. Morrison Golder Associates Brasil Ltda. Wilhelm K. Kross Golder Associates RESUMO Na Engenharia de Barragens, um conjunto consideravel de informag6es t6m sido publicado sobre metodologias, procedimentos para previsao e estudos de casos relativos a analises de modos e consequbncias de rutura; pianos de contingancia e de emergOncia; e analises dos niveis de toxicidade, para a saude humana e para ecossistemas, inerentes as substancias mantidas nos reservat6rios conformados por barramentos. A respeito do assunto, pode-se comentar que, em geral, os procedimentos utilizados vbm sendo aplicados para a realizagao de avaliag6es "de defesa" de problemas ja ocorridos ou que possam vir a acontecer, ignorando, portanto, o grau de incertezas e as restrig6es de recursos que sao enfrentadas, nas etapas iniciais dos empreendimentos, pelos responsaveis pelo projeto, implantacao e operagAo das obras. Alam disso, poucas informacoes estao normalmente disponlveis, para os gerentes e planejadores, que os habilitem a avaliar as provaveis consequbncias de ruturas de barragens, especialmente, quando estas funcionam como estruturas retentoras nao s6 de agua. Recentes ruturas de barragens de rejeito vam sendo investigadas, em todo o mundo, em urn nivel mais apurado de defalhamento. Este artigo apresenta a metodologia para a previsao do fluxo a curto prazo, para jusante, de sedimentos e agua reservada, considerando diversas formas tlpicas de rutura de barramentos, podendo esta metodologia ser verificada e correlacionada as informag6es efetivamente coletadas nesses escudos de casos. A metodologia foi aplicada, recentemente, como uma ferramenta de planejamento, para um projeto real, atualmente, em elaboragao, para fins de licenciamento ambiental e implementagao. 0 nome do projeto sera mantido como dado confidencial, para evitar riscos de interfer2ncias com o processo de licenciamento e com a estratagia de comunicagao do empreendedor junto aos grupos de interesse. Os estudos foram desenvolvidos em um periodo de poucas semanas, resultando em recomendagOes claras no sentido de que os parametros originals de projeto da barragem de rejeito deveriam ser alterados, de forma que fossem eliminados os riscos de consequbncias adversas associadas a urn modo de rutura particularmente desastroso. 1. INTRODUcAO Uma empress que esta atualmente preparando- se pars o licenciamento e posterior implantagao de urn empreendimento minerArio solicitou a Golder Associates (Golder) que fossem analisa- dos cenArios de diagn6stico/prognostico, associados a um potencial rompimento de uma barragem de rejeitos . Este barramento e o Onico, para o projeto em questao , que, se for objeto de rutura, poderA causar impactos potenciais em uma bacia ambientalmente sensivel , localizada a jusante, reconhecida como urn habitat valioso para fins de reprodurao. Foram, inicialmente, identificadas as provAveis consequ2ncias am- bientais de uma rutura e , subsequentemente, foi desenvolvida uma modelagem numarica para a obtengao de resultados quantitativos relativos ao transporte a curto prazo , para jusante, das substAncias que estarao contidas no reservat6rio, considerando os intervalos de tempo associados a diversos tipos de rutura. Ha que se observar que esse estudo nao se constituiu no que 6, comumente, referenciado como uma "avaliacao de risco". Esta, se desen- volvida, teria considerado , tanto as consequAn- XXlll Seminirio Naclonal de Grandes Barragens 277

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METODOLOGIA PARA ANALISES DE CONSEQUENCIAS DE RUTURASEM BARRAGENS DE REJEITO

Claudio Azevedo Maia; Delfim Jose Leite Rocha; Douglas M. Morrison

Golder Associates Brasil Ltda.

Wilhelm K. Kross

Golder Associates

RESUMO

Na Engenharia de Barragens, um conjunto consideravel de informag6es t6m sido publicado sobremetodologias, procedimentos para previsao e estudos de casos relativos a analises de modos econsequbncias de rutura; pianos de contingancia e de emergOncia; e analises dos niveis de toxicidade,para a saude humana e para ecossistemas, inerentes as substancias mantidas nos reservat6riosconformados por barramentos. A respeito do assunto, pode-se comentar que, em geral, osprocedimentos utilizados vbm sendo aplicados para a realizagao de avaliag6es "de defesa" de problemasja ocorridos ou que possam vir a acontecer, ignorando, portanto, o grau de incertezas e as restrig6es derecursos que sao enfrentadas, nas etapas iniciais dos empreendimentos, pelos responsaveis peloprojeto, implantacao e operagAo das obras. Alam disso, poucas informacoes estao normalmentedisponlveis, para os gerentes e planejadores, que os habilitem a avaliar as provaveis consequbncias deruturas de barragens, especialmente, quando estas funcionam como estruturas retentoras nao s6 deagua.

Recentes ruturas de barragens de rejeito vam sendo investigadas, em todo o mundo, em urn nivel maisapurado de defalhamento. Este artigo apresenta a metodologia para a previsao do fluxo a curto prazo,para jusante, de sedimentos e agua reservada, considerando diversas formas tlpicas de rutura debarramentos, podendo esta metodologia ser verificada e correlacionada as informag6es efetivamentecoletadas nesses escudos de casos. A metodologia foi aplicada, recentemente, como uma ferramenta deplanejamento, para um projeto real, atualmente, em elaboragao, para fins de licenciamento ambiental eimplementagao. 0 nome do projeto sera mantido como dado confidencial, para evitar riscos deinterfer2ncias com o processo de licenciamento e com a estratagia de comunicagao do empreendedorjunto aos grupos de interesse. Os estudos foram desenvolvidos em um periodo de poucas semanas,resultando em recomendagOes claras no sentido de que os parametros originals de projeto da barragemde rejeito deveriam ser alterados, de forma que fossem eliminados os riscos de consequbncias adversasassociadas a urn modo de rutura particularmente desastroso.

1. INTRODUcAO

Uma empress que esta atualmente preparando-se pars o licenciamento e posterior implantagaode urn empreendimento minerArio solicitou aGolder Associates (Golder) que fossem analisa-dos cenArios de diagn6stico/prognostico,associados a um potencial rompimento de umabarragem de rejeitos . Este barramento e o Onico,para o projeto em questao , que, se for objeto derutura, poderA causar impactos potenciais emuma bacia ambientalmente sensivel , localizada ajusante, reconhecida como urn habitat valioso

para fins de reprodurao. Foram, inicialmente,identificadas as provAveis consequ2ncias am-bientais de uma rutura e , subsequentemente, foidesenvolvida uma modelagem numarica para aobtengao de resultados quantitativos relativos aotransporte a curto prazo , para jusante, dassubstAncias que estarao contidas no reservat6rio,considerando os intervalos de tempo associadosa diversos tipos de rutura.

Ha que se observar que esse estudo nao seconstituiu no que 6, comumente, referenciadocomo uma "avaliacao de risco". Esta, se desen-volvida, teria considerado , tanto as consequAn-

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cias, quanto as probabilidades de rutura. No casoem questao , as probabilidades de rompimentoforam ignoradas em termos dos objetivos doestudo, uma vez que o cliente desejava ter oconhecimento de quaisquer consequ6ncias deuma eventual rutura , a despeito de quao reduzidafosse a probabilidade deste evento vir a sematerializar.

2. INFORMAcOES PREVIAMENTEDISPONIVEIS PARA 0DESENVOLVIMENTO DOS ESTUDOS

0 reservat6rio de rejeitos est6 planejado paralocalizadoo em um vale e provocara, quandoimplantado, a elevag5o do nivel de um lagonatural ai existente . Durante a vida util do projeto,os rejeitos serao dispostos em conjunto com umarelativa pequena quantidade de est6ril rochosoadvindo das operag6es miner6rias. A precipitagaono sitio do empreendimento excede a evapora-gao, mesmo nos anos considerados mais secos.

A equipe de projeto disp6s, a priori, de umconsideravel conjunto de informag6es, ainda que,em alguns aspectos, altamente incertas, geradaspor diversos estudos e projetos de engenharia eambientais, anteriormente, desenvolvidos. Aseguir, estao relacionados os dados pre-exis-tentes que foram utilizados para os estudos:

- dados climaticos, incluindo an6lises progn6s-ticas de eventos extremos;

- dados topogr6ficos e batim6tricos, relativos,tanto ao local previsto para implantac9o dabarragem /reservat6rio , quanto a cursos d'6guae outros ambientes hidricos localizados ajusante;

- dados hidrol6gicos que possibilitaram umaavaliagao de coeficientes de "run-off", tantopara a bacia diretamente afetada pelo em-preendimento, quanto para aqueles ambienteslocalizados a jusante;

- fotografias a6reas e resultados de mapea-mentos geol6gicos de superficie, de investi-gacbes para determinagao do topo rochoso edas estruturas geol6gicas principais , associa-dos a uma interpretagao geot6cnica dos tipos

de solos, coberturas e caracteristicas do toporochoso;

- curvas e envoit6rias granulom6tricas, caracte-risticas dos rejeitos a serem dispostos, beencomo avaliag8es sobre o seu peso especffico;

- estimativas realistas das quantidades prova-veis de rejeitos e de material esteril previstaspara langamento no reservat6rio, durante avida Otil do empreendimento;

- estudos de viabilidade e pianos de langamentodos rejeitos, possibilitando uma avaliagao dageometria e de outros fatores relevantesassociados as estruturas componentes doarranjo do empreendimento, a( incluindo-seaspectos como borda-livre da barragem,caracteristicas do 6rg6o extravasor, modospossiveis de rutura, e volume de material quepoderia ser liberado para jusante ao longo dosv6rios estagios componentes da vida Otil doprojeto.

3. REVISAO TECNICA

De forma a dar inicio ao processo de an6lise,procedeu-se a uma fase inicial de revisao t6cnica,com a participaco de um elenco de especia-listas, incluindo as areas de mineragAo, geologiade engenharia, geotecnia, hidrologia, hidro-geologia , gerenciamento de rejeitos e tacnicas eprocedimentos pars analises formais de risco. Osobjetivos dessa revisi o t6cnica foram a identi-ficagao de:

- possiveis modos de rutura;

- todas as prov6veis consequ2ncias do rompi-mento da barragem;

- procedimentos de mitigac6o.

Ressalta -se, novamente , que a meta bbsica eradesenvolver an6lises a titulo de ferramentas deplanejamento, para os casos realistas maisdrbsticos que poderiam vir a ocorrer, e n6o arealizagao de avaliac6es voltadas para a "defesa"ou "justificativa" de futuras ruturas e suasconsequencias ambientais . Durante a fase derevisao t6cnica, foram identificadas, para o casoem estudo , os seguintes modos de rutura erespectivas consequOncias possiveis:

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Modo de Rutura

Enchentes

Secas

Bloqueios do sistema extravasor (por 6rvores, etc)

Entupimento/colmatagao do sistema de drenagem internado macigo

Entubarnento (erosao internal"piping")

Atividades sismicas corn rutura da fundagao

Escorregamentos internos ao entorno do reservatbrio

Sabotagern

Processos erosivos a longo prazo

De forma a facilitar as analises quantitativas, osmodos de rutura e suas respectivas consequ2n-cias supracitados foram agrupados em doiscen6rios: aquele correspondente 6 ocorr2ncia detransbordamento e outro relativo 6 deformacaodo macigo do barramento.

O cen6rio de transbordamento, uma vezmaterializado, conduziria 6 liberagao de 6guapara jusante, 6 possivel deformagao do macigoda barragem, tamb6m com mais 6gua sendoliberada e, por fim, a urn transporte de sedi-mentos. Obviamente, estas consequ2nciassupOem que, durante a rutura, nao haveria inter-veng6o mitigadora por parte dos respons6veispelo empreendimento. 0 cen6rio de deformagaodo macigo tamb6m conduziria as mesmasconsequ2ncias, apenas em um intervalo detempo diferenciado. Na realidade, as quantidadesa serem liberadas para jusante de 6gua e desedimentos, geralmente, seriam dependentes domontante de deformag6o sofrido pelo barra-mento, dos niveis de 6gua e de rejeitos noreservat6rio e tamb6m do grau de interveng6oque possivelmente seria aplicado ao problema.

Foi considerado que a materializagao do cen6riode transbordamento fosse causada por umevento de cheias ou por problemas ligados 6operagao do sistema extravasor, induzindo, emultima an6lise, a elevagao do nivel d'6gua a cotassuperiores 6quela da crista do barramento.Segundo uma 6tica conservadora, o prazo paraque esse evento viesse a ser configurado foiassumido como sendo igual a muitos anos ap6sa desativagao do processo de langamento demateriais no reservat6rio, tendo tamb6m j6ocorrido o bloqueio do 6rgao de extravasoo.

Consequencias Para o Barramento

Transbordamento ("overtopping")

Nenhuma

Transbordamento ("overtopping")

Deformagao do macigo

Deformagao do macigo

Deformagfio do macigo

Transbordamento ("overtopping") eloudeformagao do macigo

Deformagao do macigo

Deformagao do macigo

Considerou-se ainda, nesse cen6rio, que odesenvolvimento de trincas e fissuramentos nomacigo do barramento ocorreria de forma lenta,se comparado com uma rutura brusca defundacao ou com efeitos de Iiquefagao. Inicial-mente, o transbordamento se verificaria ao longode uma reduzida extensao da barragem,conduzindo, no entanto, a uma expansao, emaigumas horas, do campo de atuagao dosprocessos erosivos, assim instalados na crista domacigo, quando a 6gua sobrenadante, provavel-mente, j6 atingiria condigOes de escoamento parajusante . Da mesma forma, uma parcela dossedimentos (rejeitos) seria liberada 6 medida queocorresse uma majoragao nas dimensOes dasbrechas conformadas no macigo. Baseado nes-tas consideragOes e em fungao da geometria dobarramento e do reservat6rio, procedeu-se aestimativa do quantitativo m6ximo de 6gua e desedimentos que poderia ser liberado para osambientes localizados a jusante , assumindo queos processos erosivos se desenvoiveriam,progressivamente, at6 atingir-se o contato doterreno de fundagao com o macigo.

0 cen6rio de deformagao do macigo antevistocorresponde 6 formagao de trincas no macigo dabarragem no verso ou no outono (quando severifica uma diluigao minima, considerando apotencial toxicidade dos rejeitos), estendendo-seat6 os n(veis de fundagao, conduzindo 6materiaiizag6o de brecha com largura de 30 a 60m (valores escoihidos arbitrariamente), com incli-nagdes laterais de aproximadamente 45.Considerou-se ainda que a conformagao destemodo de rutura ocorreria em poucas horas, tendoinicio, segundo uma 6tica conservadora, quandoa elevacao maxima do nivel d'6gua estivesse

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concordante com a cota de extravasao . Portanto,o volume de 6gua sobrenadante nesse cenariopossivelmente nao atingiria condig6es de esco-amento para jusante , conforme considerado nasituag5o anteriormente antevista. H6, no entanto,que se observar que o cen6rio assim configurado6 considerado conservador frente a outros modosde rutura , em especial 6quele relativo a umfenbmeno de entubamento no macico, uma vezque este se desenvolveria ao longo de umperlodo muito major de tempo.

Os cenarios assim previstos foram entfioanalisados , em maiores detalhes , atrav6s dem6todos num6ricos, possibilitando a identifjcagaode procedimentos mitigadores , conforme abor-dado a seguir.

4. MODELAGEM NUMERICA

A metodologia utilizada para a modelagemnum6rica dos cen6rios antevistos para a ruturada barragem considerou os seguintes aspectos:

- a caracterizagao das condig6es hidrol6gicas ehidr6ulicas v6l1das para a area em estudo;

- a caracterizagao das condic6es de reservac6odos rejeitos e do material est6ril rochoso,materializada pelo barramento em an6lise;

- a utilizaco de m& dos num6ricos apropriadospara a previsao de efeitos de chejas (onda eevoluC6o da hidr6grafa de cheia no reser-vat6rio, em seu entorno e a jusante);

- a docurnentagao dos resultados das an6lises,com um navel suficiente de detaihe que possi-bilitasse avaliag6es futuras dos coeficientes dediluicao e do tempo m6dio de residencia.

Na pr6tica , a aplicagao da metodologia com-preendeu a consecugao das seguintes atividades:

- a partir dos resultados dos levantamentostopograficos e batim6tricos, foram identificadasas seg6es transversais t(picas para subsidiaras an6lises , bern como os gradientes, pos-sibilitando ainda o delineamento das bacias esub-bacias que deveriam ser consideradas;

- foram , entao , desenvolvidos balangos hidricose correspondentes an6lises de sensibilidadepara o reservat6rio de rejeitos e para as baciasde montante e de jusante;

- caracterizaram -se as condig6es geotecnicasdos solos e rochas em diferentes caminhos defluxo na area em estudo;

- foram identificadas e avaliadas as condig6esnormais e sazonais de fluxo na area em estu-do;

- por fim, foram desenvolvidas as an6lises derutura do macigo e de consequente passagemdo fluxo , em duas fases . A primeiracompreendeu uma modelagem das dimensbesda brecha , a ser formada no macigo, e doperlodo de tempo necess6rio para tal. Asegunda implicou na an6lise do caminhamentoda onda de cheia gerada , atrav6s da brecha.

reconhecido , em geral , que barragens de terran5o tendem a romper completa e instan-taneamente (Fread , 1998). No entanto, oprocesso de formagao e evolugao de brechas emmacigos terrosos 6 ainda apenas conhecidoparcialmente. Nesse sentido , ressalta-se quedispbe -se de um n6mero razo6vel de relag6esnum6ricas derivadas , estatisticamente , a partir deruturas observadas em barramentos . Froehlich(1995) estabeleceu , com base em 63 casosconfigurados de brechas em barragens, que alargura m6dia da "janela " e o intervalo de temponecess6rio 6 condug5o da rutura, podem serdeterminados a partir das seguintes equag6es:

b = 9,5K3 (V,hd)o,25

T = 0,59 (V,0,4 7/hd0 9)

onde:

b = Largura media da brecha (pes)

T = Intervalo de tempo necess6rio 6 rutura(horas)

KO = 1,0 para o caso de transbordamento

Vr = Volume do reservat6rio (pes cubicos)

Hd = Altura da barragem (p6s)

Para o caso em estudo , o intervalo de temporelativo 6 materializacao da rutura , bern como alargura da brecha , foram calculados a partir dasexpressbes numericas acima apresentadas,tendo sido ainda avaliados , criticamente , 6 luz deoutros metodos empiricos e de registroshist6ricos de ruturas de barragens disponiveis naliteratura t6cnica . 0 pico das higr6grafas decheias foi determinado utilizando -se o "SimplifiedDam Break Model" (SMPDBK ), do U.S . NationalWeather Service. A partir das elevagOes dobarramento, do volume do reservat6rio, do temponecess6rio a rutura e da largura da 'janela", omodelo produz estimativas conservadoras dopico de cheia , utilizadas, entao , para a gerar ahidr6grafa de cheia para a situacao de rutura dobarramento,

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0 caminhamento da hidrografa de cheia atrav6sda topografia de jusante foi obtido empregando-se o modelo DAMBRK, do U.S. National WeatherService. 0 modelo em questao representa oestado da arte corrente sobre ruturas debarragens e sobre a utilizacbo de teoriashidrodindmicas para prever a progressfio, parajusante , da onda de cheia gerada na situagao derompimento de macigos . 0 modelo inclui umalgoritmo hidraulico computacional que possibilitadeterminar o caminhamento da hidrbgrafa,atrav6s dos vales a jusante do barramento,considerando a influbncia das condicbes dereservagao do vale , a resistencia por atrito aofluxo , a aceleracbo da onda de cheia , perdas nofluxo e as constricbes representadas por canalsexistentes a jusante , bern Como por estruturas decontrole de fluxo. 0 modelo tamb6m determinaos niveis d'agua resultantes , assim como osperiodos de tempo inerentes ao caminhamentoda onda de cheias

Para o caso em questao , a partir do enten-dimento da topografia da regiao, dos ceniriosestabelecidos para a rutura e dos matodosnum6ricos empregados no modelo DAMBRK,foram identificados alguns aspectos relevantes aserem considerados nas an9lises , a saber

- o caminhamento da onda de cheias atrav6sdo reservat6rio , associado aos lagos exis-tentes a jusante iria requerer a utilizacao deteorias hidrodinamicas especificas paraconduzir a previsao dos niveis d ' agua resul-tantes no reservat6rio , bem como a atenua-gao da onda de cheias.

foram detectadas diversas alterag6es subs-tanciais nos gradientes longitudinais , ao longodo percurso a ser seguido pela onda decheia , que iriam requerer a aplicagao de ummodelo capaz de considerar regimes de fluxosubcrlticos e supercriticos . Esta opcao estidisponlvel atrav6s do modelo DAMBRK e foiefetivamente utilizada nas anfilises,

- A elevada sinuosidade do canal natural dabacia de jusante nao foi considerada namodelagem , uma vez que o fluxo na situagaode rutura do barramento excederia , em muito,a capacidade do canal e, como resultado, amaior parte do fluxo ocorreria al6m dasmargens . Assim , foi pre-definido que o canalexistente nao influenciaria significativamentea forma da onda de cheias,

- A migracao da polpa de rejeitos ao longo deperiodos de tempo extensos nao foi objeto demodelagem.

5. RESULTADOS DA ANALISE NUMERICA

Os resultados da modelagem numerica condu-ziram ao estabelecimento dos niveis mbximosatingidos pela onda de cheias para cada cenfirioe em cada secao transversal considerada naanalise . Da mesma forma , foi obtida a atenuagaodo pico da onda de cheias 6 medida que amesma caminha para jusante . Alem disso, asvelocidades maximas e a migraggo dos rejeitospara jusante foram tambem disponibilizadas paracada segao transversal . As seguintes conclusbese observacbes principais foram feitas, entbo,ressaltando-se que algumas considerag6es espe-cificas serao omitidas por questbes de confiden-cialidade

- as eleva0es maximas do nivel d ' agua nasdiversas sec6es transversais , para cada umdos cenarios analisados , nao se mostraramparticularmente sensiveis a alterag6es signi-ficativas nos picos das cheias;

- a elevacao mais baixa prevista para a mina ac6u aberto, assim como a cota inicialmenteplanejada para as instalag6es de benefi-ciamento, necessitavam de uma revisao, umavez que , no cenario de transbordamento, opico da onda de cheias resultou em nivel umpouco inferior a essas elevag6es;

- as velocidades medias nas seg6es transver-sais vanaram de, aproximadamente , 0,5 m/sat6 5 m/s, com alguns valores superiores nostrechos mais declivosos do canal de jusante,indicando um significativo potencial erosivo,em especial , nos dep6sitos de materialgranular mais fino, existentes no vale dejusante , considerado de elevada sensibi-lidade em termos ambientais . Ha que seobservar que o desenvolvimento de proces-sor erosivos e deposicionais a longo termo,assim como alterag6es na conformagao dasseg6es transversais assumidas nas analises,nao foram considerados no presente estudo;

- o pico da onda de cheias (que foi quantificadoem m3/s para cada cenario ) deveri3 levar emtorno de 4 horas para atingir o oceano, apartir do ponto de passagem pela brechaformada na barragem. Dependendo do ceni -rio considerado , o pico da onda de cheias aatenuado entre 40% a 80 % a medida que amesma dirige -se do barramento para ooceano;

o volume total de s6lidos potencialmenteliberado mostrou -se aproximadamente cor-respondente a um quadrante de um coneinvertido , que teria a profundidade igualaquela da brecha formada na barragem.desconsiderada a altura da borda livre em

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relagao ao nivel dos rejeitos no reservatbrio.A base do cone invertido seria igual a cercade 30 vezes a profundidade da brecha. Sob adtica conservadora, foi assumido que ovolume total de sdlidos consistiria apenas derejeitos , desconsiderando , portanto , a quanti-dade presente de material esteril rochoso.

Estimativas da sedimentacao dos rejeitos foramfeitas utilizando-se a Lei de Stokes e a Teoria deCarga Superficial de Hazen, adaptadas pelo USEPA para estudos de qualidade das Aguas embacias hidrograficas. A Lei de Stokes foiempregada como uma base tedrica para ocalculo da velocidade de deposig5o das parti-culas, considerando a variagao granulometrica

vfilida para os rejeitos em questao. A Teoria deHazen assume que, para que uma particula sejaremovida da coluna de 6gua, ela dever6 alcancaras elevag6es mais baixas da bacia antes que ofluxo da agua responsavel pelo seu carreamentodeixe a bacia . Para que uma particula sedeposite, sua velocidade de deposigao deve,portanto, ser major que a relagAo 0/A. A tabela aseguir apresenta a variagao media dasenvoltbrias granulometricas, assim como as velo-cidades de deposig5o correspondentes aosdiferentes tamanhos de particulas . 0 percentualrespectivo de cada diametro de particula a serremovido em cada um dos dois lagos localizadosa jusante da barragem de rejeitos analisadatambem consta da tabela.

DiametroM6dio

Percentual Removido

% passando Di9metro(mm)

Velocidade de Deposicao(m/h)

no PrimeiroLago

no SegundoLago

Cumulativo

d2% 0,0035 0,00491 1,73% 6,14% 7,76%

d5% 0,0015 0,5295 15,96% 41,39% 50,75%

d1O% 0,019 1,4455 34,155 65,84% 77,51%

d25% 0,04 6,4065 69,68% 89,52% 96,82%

d50% 0,07 19,6200 87,56% 96,32% 99,54%

d75% 0,08 25,6261 90,19% 97,16% 99,72%

d90% 0,105 44,1450 94,06% 98,33% 99,90%

d95% 0,155 96,1981 97,18% 99,23% 99,98%

d98% 0,26 270,6759 98,98% 99,72% 100,00%

Observa -se ainda que ani lises quimicas da aguaforam tambem realizadas, nao sendo osresultados aqui apresentados por razbes deconfidencialidade. Pelo mesmo motivo, ashidrbgrafas obtidas e plotadas nao estao aquirepresentadas.

6. RECOMENDAcOES PARA 0 PROJETO

Conforme obtido atraves das modelagensnumericas aplicadas ao estudo , tanto o cenariode transbordamento, quanto o de deformagao domacigo, uma vez configurados, conduziriam a umvolume significativo de 6gua sendo liberado paraos lagos e para os ambientes ecologicamentesensiveis localizados a jusante do barramento, e,em ultima anfilise , para o oceano . Da mesmaforma, ocorreria urn transporte de um volumerazo9vel de sedimentos, sendo que algunssofreriam deposigao durante esse processo. Apartir dessas observag6es e de outras an9lises

mais aprofundadas a partir dos modelosestabelecidos , as seguintes recomendag6es decar6ter generico puderam ser feitas, alum deoutras de cunho mais especifico consideradasconfidenciais:

- construir a barragem 1,0 m mais alta do queo previsto originalmente , eliminando , automa-ticamente , a possibilidade de configuradoofutura de um cenario de transbordamento e,consequentemente , tambem as potenciaisconsequ2ncias deste cenario sobre a infra-estrutura do empreendimento (uma alterna-tiva intermediaria , neste caso em particular,seria rever as elevacbes do sistema dedrenagem e de acessos no entorno e nointerior da mina a ceu aberto , que seriamatingidos pelas ondas de cheia , em caso deruturas do barramento , mantendo-se aelevagao de crista inicialmente planejadapara o macigo);

282 Tema 2 - Seguranya do Barragens . Auscultacao, Desempenho e Reparatao

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investigar a sensinilidade de outras estruturasdo empreendimento a uma potential rutura,de forma a possibilitar uma priorizac o demedidas voltadas para a reducao dos riscos(isto 6, valor monetario gasto para reducaodo risco),

considerar a possibilidade de disposirao deesteril rochoso contra os macicos dasbarragens e revisar as medidas de proteg5ocontra erosao previstas no projeto. Uma vezque o reservatbrio do barramento, em ana-lise, sera utilizado, a principio, tanto paralancamento de rejeito, quanto de materialesteril, uma parte deste Ultimo poderia serdisposto contra o macigo, reduzindo significa-tivamente, ou mesmo eliminando, o trans-porte de rejeitos para fora do reservatbrio nocaso da ocorrencia de uma rutura dabarragem;

considerar a possibilidade de construgao deestruturas adicionais de controle de egua esedimentos no entorno dos dois lagos loca-lizados a jusante do barramento, bern comoanalisar a viabilidade de conduzir fluxos decheias para o segundo lago, de forma aconformar a atenuacao e a precipitagao desedimentos, antes de sua entrada nos am-bientes considerados ecologicamente maissensiveis localizados a jusante dos lagos;

- identificar o que seria efetivamente neces-sario se a rutura da barragem vier a ocorrer.Embora se reconhega que os barramentossao, em geral, projetados de formaconservadora, e que a possibilidade deruturas a muito reduzida, os responsaveispelo empreendimento devem ser alertadospara que sejam elaborados pianos deresposta para atuag6es em caso deemergencias. 0 Plano de Emergencia deveincluir a indicagao de responsabilidades paraa equipe nele envolvida, considerandotambem fatores ligados a remediagao apbs asituacao de emergencia ter se instalado, ecomunicagao ea documentaceo do ocorrido;

- anteriormente a construgao da barragem e aoinlcio de sua operagao, implementar sistemasapropriados de gerenciamento, monitora-mento e manutencao para minimizar asprobabilidades de ruturas.

7. CONCLUSOES

A efetivacao de uma revisfio tecnica, a partir doconjunto de informag6es existentes, e com aparticipagao de diferentes especialistas daGolder, configurou a base para uma analisequantitativa dos modos de rutura e dasconsequencias para a barragem de rejeitos emestudo. Qualquer um dos dois cenarios realistasavaliados, em detalhe, incorreria no transporte,para ambientes ecologicamente sensiveis loca-lizados a jusante, de uma quantidade significativade sedimentos e, principalmente, de um relevantevolume de agua. Medidas mitigadoras, assimcomo estrategias de gerenciamento e plane-jamento do empreendimento como um todo,puderam ser identificadas a partir dos estudosrealizados. Nesse sentido, uma supervisao ade-quada da construgao, assim como a imple-mentagao de procedimentos de monitoramento emanutenceo, sereo fundamentals para que oempreendedor assegure-se a respeito de quenenhum dos cenfirios de rutura antevistos poderavir a ocorrer.

H9 que se observar que o estudo descrito nopresente trabalho foi desenvolvido ao longo deumas poucas semanas e sem introduzir custosadicionais significativos ao empreendimento, umavez que todos os dados de entrada para asanalises je estavam disponiveis ou teriam que sergerados, de qualquer forma, para subsidiar outrosobjetivos. A principal vantagem associada a estetipo de estudo a poder dotar o empreendedor deinformac6es que possibilitem o desenvolvimentode um planejamento bern articulado de geren-ciamento de risco para o projeto , desde os seusestegios iniciais de concepcao.

8. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

Fread, 1988: "Breach and Erosion Model for EarthernDam Failures", Hydrologic Research Laboratory,National Weather Service, Silver Spring,Maryland.

Froehlich, D.C., 1995: " Embankment Dam BreachParameters Revisited", First InternationalConference on Water Resources Engineering,Vol. 1, ASCE, San Antonio, Texas, pp. 887-891.

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Page 8: EM BARRAGENS DE REJEITO METODOLOGIA PARA … PARA ANALISES.pdf · Este barramento e o Onico, para o projeto em questao , que, se for objeto de rutura, poderA causar impactos potenciais

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