elide bastos - a construção do debate sociológico no brasil

14
 A CONSTRUÇÃO DO DEBA TE SOCIOLÓGICO NO BRASIL 1 Elide Rugai Bastos*  Quando entre cientistas sociais nos referimos ao termo construção imediatamente inferimos que se trata de um processo que se estende ao longo de um tempo ou período e num de!nido espaço, mobilizando diferentes atores ou agentes. Mais ainda, entendemos que esse processo compreende diferentes dimensões e tratamos de mobilizar algumas delas, entre as quais destacamos a econômica, a social, a política e a cultural. É a partir dessa perspectiva que retomo aqui a problemática da formação da disciplina Sociologia no Brasil, buscando não estabelecer um salto entre a produção dos autores anteriores a 1930, usualmente denominados “intérpretes do país” lembrando que esse decênio constitui-se em momento privilegiado no processo de sistematização e institucionalização dessa área. Re!ro- me, assim, a dois aspectos desse processo de construção – de um lado a sistematização do pensamento sociológico e de outro a institucionalização da sociologia – aspectos que se desenvolvem de forma articulada. Primeiramente lembro os caminhos da sistematização. Antonio Cândido no livro “Formação da literatura brasileira” (1981) mostra que os diversos passos que levam à sistematização de 1  Aula Inaugural Programa de Pós-graduação em Sociologia Unicamp, proferida em 13 de março de 2013 no Instituto de Filoso!a e Ciências Humanas da Unicamp. * Professora do departamento de Sociologia da Unicamp.

Upload: marcos-henrique-amaral

Post on 04-Oct-2015

280 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Elide Bastos - A construção do debate sociológico no Brasil

TRANSCRIPT

  • A CONSTRUO DO DEBATE SOCIOLGICO NO BRASIL1

    Elide Rugai Bastos*

    Quando entre cientistas sociais nos referimos ao termo construo imediatamente inferimos que se trata de um processo que se estende ao longo de um tempo ou perodo e num de nido espao, mobilizando diferentes atores ou agentes. Mais ainda, entendemos que esse processo compreende diferentes dimenses e tratamos de mobilizar algumas delas, entre as quais destacamos a econmica, a social, a poltica e a cultural.

    a partir dessa perspectiva que retomo aqui a problemtica da formao da disciplina Sociologia no Brasil, buscando no estabelecer um salto entre a produo dos autores anteriores a 1930, usualmente denominados intrpretes do pas lembrando que esse decnio constitui-se em momento privilegiado no processo de sistematizao e institucionalizao dessa rea. Re ro-me, assim, a dois aspectos desse processo de construo de um lado a sistematizao do pensamento sociolgico e de outro a institucionalizao da sociologia aspectos que se desenvolvem de forma articulada.

    Primeiramente lembro os caminhos da sistematizao. Antonio Cndido no livro Formao da literatura brasileira (1981) mostra que os diversos passos que levam sistematizao de

    1 Aula Inaugural Programa de Ps-graduao em Sociologia Unicamp, proferida em 13 de maro de 2013 no Instituto de Filoso a e Cincias Humanas da Unicamp. * Professora do departamento de Sociologia da Unicamp.

  • Seo Especial|288|

    nossa literatura se estendem por longo perodo, compreendendo o que chamou de manifestaes literrias at chegar sistematizao dessa literatura: a presena de temas comuns aos autores, de uma lngua brasileira e de um pblico leitor. O argumento central do texto o estabelecimento de uma linha de constituio, onde os elementos autor-obra-pblico em interao dinmica operam como um tringulo explicativo do processo de sistematizao da literatura brasileira, processo esse que explicita a continuidade de uma tradio de pensamento. Isto , embora haja uma separao esttica entre as diferentes escolas a vocao histrica as aproxima, o que cimenta a unidade sistemtica entre essas diferentes expresses. Assim, a ideia de formao ganha centralidade como mtodo que articula os aspectos esttico e histrico.

    Esse instrumento permite que o autor mostre como existe um interesse bsico na literatura brasileira referido aos perodos que analisa; isto , trata-se de uma literatura voltada para a construo de uma cultura vlida no pas, uma cultura nacional. Quem escreve, contribui e se inscreve num processo histrico de elaborao nacional. (Candido, 1981, p.18) certo que essa produo literria est perpassada pela questo das in uncias estrangeiras e ainda da dialtica entre o cosmopolitismo e o localismo, questes que esto fortemente articuladas proposta original.

    Coloco aqui a questo: Esse mtodo pode ser estendido para a anlise do pensamento social brasileiro em geral? Ou para a sociologia brasileira, em particular? Creio que sim, o que j foi feito em vrios trabalhos.

    Como, pois pensar esse processo de constituio da sociologia brasileira? Ou mais amplamente do debate sociolgico? Comecemos pela temtica: existe um tema privilegiado nas anlises sobre o social no Brasil que atravessa os diferentes perodos?

    Creio que simpli cando a resposta podemos dizer que a grande indagao presente nos vrios momentos de desenvolvimento do pensamento social brasileiro diz respeito questo do atraso. Porque uso a palavra atraso? No s porque esse termo aparece explicitamente em muitas das abordagens

  • Elide Rugai Bastos

    Idias|Campinas (SP)|Edio Especial|nova srie|2013

    |289|

    dos autores, como porque est implcito em quase a totalidade dos textos, mesmo com outra denominao. As temticas da modernizao, os debates sobre o subdesenvolvimento, mas tambm as mais gerais como a pobreza, o analfabetismo, as diferenas regionais, ilustram bem a questo.

    Para re etir sobre esses problemas, diferentemente das sociedades metropolitanas, centrais, as sociedades perifricas como o Brasil acabam, a maior parte das vezes, por re etir as ideias produzidas fora delas e aplic-las a uma realidade que nem sempre as comporta plenamente. Ou seja, as explicaes so transferidas para uma sociedade onde, se no so ausentes, pelo menos so exguos os portadores sociais para as mesmas, o que di culta sua legitimao. Essa adaptao e esse deslocamento alteram tanto a funo das ideias como o papel dos intelectuais. As ideias operam como foras sociais e os intelectuais, nessas sociedades assumem um grande protagonismo poltico o que torna necessrio explic-lo. Assim, as caractersticas da sociedade brasileira nos obrigam a pensar num mesmo movimento a estrutura da sociedade, os problemas que a atravessam e as ideias que interpretam tanto a sociedade como esses problemas, pois estas servem de suporte institucionalizao das medidas que visam o funcionamento poltico e social. No sem sentido que entre ns coube s Cincias Sociais a produo de uma narrativa e uma interpretao do pas que ao mesmo tempo ancora discursos, medidas institucionais, comportamentos polticos e o senso comum que fundam a cultura poltica. por isso que o estudo sobre os intelectuais e sua interpretao do pas elemento constitutivo da re exo sociolgica brasileira. Mais, o dilogo entre as diferentes interpretaes componente fundamental da busca das explicaes sobre o pas.

    Inmeros autores, desde o sculo XIX so desa ados a pensar sobre esses problemas. Qual ou quais os traos que nos afastam das sociedades ditas adiantadas? Essa questo foi respondida atravs de diagnsticos diferentes, mas que em geral indicavam pontos comuns: a escravido, os resqucios coloniais, a questo agrria, etc. Para exempli car lembro um questionrio enviado pelo regente D. Joo, em 1807, portanto antes da transferncia da

  • Seo Especial|290|

    Corte para o Brasil. So perguntas endereadas aos agricultores, isto , queles proprietrios dos empreendimentos agrcolas sobre sua opinio a respeito dos obstculos que impediam a modernizao da economia e da sociedade brasileira. Alguns desses depoimentos so notveis. Pelo que conheo um dos primeiros trabalhos de interpretao do pas. Destaco a resposta de Rodrigues de Brito que entre outros problemas aponta a situao subordinada da mulher na sociedade, que segundo ele se transformava em impedimento a que esse setor da populao pudesse constituir-se em mo-de-obra produtiva economia da colnia. (Brito, 2004)

    Mas se temas e dilemas convergem, esses autores contam com um reduzido instrumental analtico para a abordagem das questes sociais. Em outros termos, no existe um discurso espec co que permita a convergncia dos dilogos e mesmo o contraponto com outras sociedades e seus analistas.

    Essa situao se altera partir dos anos 1920, com a crise do pacto oligrquico que impele os intelectuais ao dilogo sobre as razes da crise. Assim, discutem-se problemas da adequao das instituies vigentes ao per l da sociedade brasileira, o transplante de ideias, costumes, comportamentos, etc. Nesse quadro vrios movimentos, com caractersticas muitas vezes diversas, emergem: falo da mobilizao catlica em torno do Centro D.Vital, da revista A Ordem, da semana de Arte Moderna e outros movimentos modernistas em vrios pontos do pas, do debate comemorativo dos 100 anos da independncia entre intelectuais e polticos que faz um balano sobre os rumos da Repblica - que podemos acompanhar atravs do livro de Vicente Licnio Cardoso Margem da Histria da Repblica-, do movimento regionalista do Nordeste liderado por Gilberto Freyre, entre outros. Lembro ainda do projeto no completado de Oliveira Vianna de um estudo regionalista, cujos primeiros resultados aparecem em Populaes Meridionais do Brasil.

    Mas ser no decnio de 1930 que o processo de sistematizao do pensamento sociolgico avana, pois as explicaes fundadas na sociobiologia e no determinismo geogr co, que servem de suporte para as explicaes anteriores, sero questionadas. Nesse

  • Elide Rugai Bastos

    Idias|Campinas (SP)|Edio Especial|nova srie|2013

    |291|

    movimento a gura de Gilberto Freyre ser fundamental; em Casa-grande & senzala argumentar na direo de demonstrar a anticienti cidade das a rmaes sobre a inferioridade ou superioridade racial, e da restrio considerao das formas sociais e culturais desenvolvidas nos trpicos como civilizadas. possvel a rmar-se que o movimento de constituio do discurso sociolgico na bibliogra a brasileira tem seu momento privilegiado nesse perodo. Trata-se da linguagem, um dos elementos apontados por Antonio Candido como constitutivo do processo de sistematizao.

    O terceiro ponto apontado pelo autor um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de pblico, sem os quais a obra no vive no caso da sociologia se de ne mais claramente aps 1930, e coincide, em alguns pontos com a institucionalizao dessa disciplina.

    Passo rapidamente ao processo de institucionalizao das cincias sociais que compreende, naturalmente, o da sociologia. Quero enfatizar que no existe uma ruptura de fato na considerao da importncia das anlises anteriores, nas o contexto de transformao do caminho trilhado est associado s transformaes polticas e institucionais desencadeadas pela denominada Revoluo de 30. Nesse cenrio a Sociologia vai tornar-se disciplina acadmica, absorvendo as mudanas impostas por esse estatuto. Entre estas lembro a centralizao da poltica educacional, a nfase na formao dos professores para o curso primrio, o surgimento de novas editoras, o lanamento de algumas colees de livros de interpretao do pas.

    Sabemos que a institucionalizao dos cursos de Cincias Sociais no pas se d, primeiramente na dcada de 1930, com a criao dos da Escola de Sociologia e Poltica, em 1933, da Universidade de So Paulo, em 1934, ambos na cidade de So Paulo e o da Universidade do Distrito Federal, em 1935, no Rio de Janeiro. Este ltimo foi fechado com a extino da UDF no incio do Estado Novo, ressurgiu, inicialmente com outras caractersticas, na Universidade do Brasil, em 1939.

    Tambm, conhecido o fato desses cursos terem sido formados a partir da contratao de muitos professores

  • Seo Especial|292|

    estrangeiros por exemplo, a denominada misso francesa na USP, os professores americanos de Antropologia e Sociologia, na ESP.

    Embora se possa falar de pesquisas importantes e publicaes nos primeiros anos de atuao desses cursos por exemplo, a revista Sociologia, publicada pela Escola de Sociologia e Poltica de 1939 os primeiros alunos que passam a atuar como professores na rea se consolida como conjunto na segunda metade da dcada de 1940.

    No por acaso esse o momento imediatamente posterior Segunda Guerra Mundial. Trata-se, sem dvida, de um perodo marcado pela crise ou pelas crises uma vez que no s necessria a reconstruo material dos elementos que compem as esferas econmica, poltica, social e cultural, como se con gura uma tarefa spera: Fazer um balano das causas que levaram barbrie, barbrie relacionada prpria questo do humanismo e, ainda, re etir sobre as formas de evitar-se uma nova queda. Naturalmente, trata-se de uma avaliao sobre a crise nos seus vrios momentos, anteriores e posteriores.

    Hannah Arendt, a rma que uma crise nos obriga a voltar s velhas questes e fazer dela mesma uma experincia e oportunidade de re exo. Exige respostas novas ou velhas, mas, de qualquer modo, julgamentos diretos. Trata-se de um momento de grande importncia na circunscrio e na ampliao do papel do intelectual, quando se coloca o perigo representado pela naturalizao do con ito social e a consequente indiferena em relao ao sofrimento humano. Se isso ocorrer perde-se o senso crtico e essa perda traz um esvaziamento da substncia constitutiva da atividade intelectual. Ilustram bem o perodo ps Segunda Guerra Mundial Jean-Paul Sartre editando a revista Temps Modernes e Elio Vi# orini, com a publicao de Il Politcnico. Essas propostas se pautam por grande amplitude, pois no pressupe apenas atuar na direo de mudanas nas condies materiais, mas de operar uma espcie de reforma moral referida emancipao do homem. Pode-se dizer que se trata de um programa dos intelectuais europeus do ps-guerra que busca

  • Elide Rugai Bastos

    Idias|Campinas (SP)|Edio Especial|nova srie|2013

    |293|

    resgatar os princpios iluministas esquecidos durante o perodo nazi-fascista. Poderia dar mais exemplos da retomada da questo sobre o compromisso do intelectual, mas creio que estes exemplos j so su cientes para continuar desenvolvendo a temtica que proponho. As preocupaes dos intelectuais europeus que viveram a guerra e em muitos casos, lutaram contra o nazismo e o fascismo como partisans, traziam para todos a necessidade de pensar o mundo, de sair da torre de mar m, de olhar alm das suas limitadas fronteiras pessoais, comunitrias ou nacionais.(Bastos e Rgo, 1999, pp. 7-41)

    Nos anos 1950, essas questes levam fundao de organizaes internacionais, reunindo intelectuais e polticos, que abrigaram aqueles objetivos e que passaram a se preocupar com a misria no mundo. Um dos mais fortes exemplos o da atuao da UNESCO, agncia da Organizao das Naes Unidas - ONU. A rea do conhecimento que ganhou fora no sentido de denunciar, diagnosticar, analisar as causas da misria e da fome, foi a rea das Cincias Sociais, na qual a Sociologia assume destaque.

    Assim, o grande tema da sociologia, tanto no plano mundial como no nacional o da mudana social, assunto que alcanou importncia dentro e fora dos meios acadmicos. Nos anos 1950 a Sociologia se tornou linguagem privilegiada para a percepo das transformaes ocorridas. Nesse momento, no Brasil trs socilogos, pertencentes a diferentes tradies tericas, lideravam grupos dedicados ao debate no s dessa temtica, mas sobre o papel do socilogo no processo de mudana provocada. No Rio de Janeiro Luiz Aguiar Costa Pinto e Guerreiro Ramos; em So Paulo, Florestan Fernandes. (Villas Boas, 2006) No I Congresso Brasileiro de Sociologia, promovido pela Sociedade Brasileira de Sociologia em 1953, as posies diferentes, principalmente entre Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes aparecem explicitadas. A oposio entre ambos refere-se basicamente denncia de Florestan Fernandes ao processo uniforme de desenvolvimento que se aplica ao Brasil, desconhecendo-se que estamos diante de uma sociedade ou um sistema interligado entre partes, resultando que a absoro das medidas aplicadas se d de forma desigual e combinada. Para

  • Seo Especial|294|

    Guerreiro Ramos, membro do ISEB, a combinao da poltica que entende basicamente como a ao do Estado e da cincia garantiria um processo de desenvolvimento homogneo, ben co a toda a populao.

    Costa Pinto, dirigindo ento o Centro Latino-americano de Pesquisas em Cincias Sociais, realiza em 1959 um seminrio sobre resistncias e obstculos mudana, colocando em debate ideias de intelectuais de vrios pases, apresentando interpretaes em oposio. O diagnstico de Costa Pinto, por exemplo, enfatiza os con itos decorrentes da coexistncia de duas ordens sociais a antiga e a nova (Villas Boas, 2006, p. 76). Florestan Fernandes, embora salientando a importncia do debate, no concorda com essa tese, explicitada na a rmao de Jacques Lambert sobre a existncia de dois Brasis. Nas vrias verses do livro Mudanas Sociais no Brasil, primeiramente publicado em 1960, refundido em 1974, revisto em 1979, lembra como a modernizao se d e se alimenta a partir da permanncia do tradicional; as novas formas se nutrem das antigas. (Fernandes, 1974).

    Assim, os debates da sociologia, nessa fase, desde 1958 at meados dos anos 60 esto associados a um movimento mais amplo que abarca preocupaes comuns aos intelectuais dos pases latino-americanos, bem como a iniciativas de diversos organismos internacionais que propiciam o debate comum dos problemas. Ilustram esse caminho e mostram o resultado dessas re exes vrias revistas lanadas nesse perodo: Amrica Latina, no Rio de Janeiro, 1958; Revista Brasileira de Cincias Sociais, em Belo Horizonte, 1961; Ciencias Sociales: notas y info rmaciones, da Unin Panamericana, Washington, 1950; Revista de ciencias sociales, da Universidad Rio Pedras, em Porto Rico, 1957; Revista de ciencias sociales, na Costa Rica, 1956; Tiers monde, do Institut dtudes du developpement economique et social de lUniversit de Paris, 1960; Latin American Research Review, da Latin American Studies Association, em Austin, 1965; Estudos Sociais, no Rio de

  • Elide Rugai Bastos

    Idias|Campinas (SP)|Edio Especial|nova srie|2013

    |295|

    Janeiro, 19582. Isso sem esquecer os livros, relatrios e anais de encontros editados no perodo.

    A Sociologia, nesse debate, ganha um lugar especial por vrias razes. O estabelecimento do mbito e das tarefas da Sociologia procura responder formulao, presente nas sociedades latino-americanas, sobre a necessidade de planejamento do desenvolvimento. Comentando em 1967 o livro de Celso Furtado Subdesenvolvimento e Estagnao na Amrica Latina, Simon Schwar$ man (Schwar$ man, 1967) lembra que as re exes do autor apresentando a tese de que o desenvolvimento espontneo, depois da fase de substituio das importaes no mais possvel e colocando como central a necessidade do planejamento , so antes devedoras sociologia poltica do que economia.

    Sendo o planejamento visto como tarefa no apenas tcnica, mas poltica, envolvendo mudanas sociais, con gura-se a tarefa de re etir sobre as articulaes entre o Estado e a Sociedade, aquele encaminhando as necessidades, aspiraes e reivindicaes desta. Naturalmente, a noo supe a participao ativa dos intelectuais no processo, pois o que estaria em questo seriam os movimentos polticos capazes de alterar as bases das estruturas de poder. Ora, o passo seguinte para a de nio desse objetivo o diagnstico dos fatores estruturais que impedem o desenvolvimento. Aponta para um movimento de especializao da Sociologia e da Cincia Poltica, que possibilitaria o aprofundamento das pesquisas, indicando que o problema reside na quase ausncia de comunicao entre essas especialidades. Assim, essas disciplinas poderiam assumir a investigao voltada ao diagnstico, aprofundando o estudo do que est ocorrendo no continente, sem chegar necessariamente a concluses, mas pelo menos equacionando os problemas existentes. (...) Estamos em um momento em que necessrio mudar os

    2 Re ro-me a peridicos cuja publicao foi iniciada nesse perodo. Vrias outras revistas haviam se rmado como importantes nas dcadas anteriores, por exemplo: Sociologia (So Paulo, 1939); Revista Mexicana de Sociologia (Mxico, 1939); Boletn del Instituto Sociologa (Buenos Aires, 1942); a coleo Cuadernos de Sociologia (Mxico, 1947).

  • Seo Especial|296|

    supostos, discutir o evidente, e estabelecer a comunicao e o dilogo entre as especialidades. (idem: 6)

    Se o perodo ditatorial fez calar por momentos certo debate intelectual, voltou-se pouco a pouco a certos temas. Naturalmente falar sobre os temas desenvolvidos nas Cincias Sociais nos anos 1970 e 80 tarefa muito ampla. Lembrarei como, de modo geral, eles foram se alternando no desenrolar dos anos.

    Nos anos 1970 encontramos uma grande produo sobre a questo agrria, pois diante da censura poltica o tema apresentava-se como uma das formas de denuncia das assimetrias presentes na sociedade. Em outras palavras, as polticas do governo militar voltadas modernizao e ocupao territorial, ambas no descoladas das medidas de segurana adotadas, remetem diretamente s temticas rural e agrria. Um dos eixos importantes da discusso, em grande parte acionado por um documento da CEPAL de 19663 o das populaes marginais. Sem entrar agora no debate que o prprio termo marginalidade provocou, sendo posteriormente substitudo por excluso ou pela formulao mais ampla sobre o processo de excludncia, lembro que a discusso sobre arcaico e moderno, to presente nas re exes anteriores decorre dessa de nio.

    nesse quadro que, por exemplo, se encaixou a viso do rural como atrasado, como obstculo ao desenvolvimento, que conduz vrias pesquisas e justi ca vrios artigos. A grande pesquisa do Comit Interamericano de Desenvolvimento Agrcola CIDA , sobre Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconmico do setor agrcola, publicada em 1966, tem ampla divulgao na Amrica Latina.

    Nos anos 1970 e incio dos 80 essa questo ganha outra dimenso. Passa-se a discutir a importncia desses atores sociais e dos movimentos sociais que ocorrem no setor agrrio como

    3 O documento da CEPAL, muito debatido no perodo prope a de nio de marginalidade em trs nveis: marginalidade radical, marginalidade por desajustamento e marginalidade em geral. Vide Luiz Pereira, 1971, pp. 159-178.

  • Elide Rugai Bastos

    Idias|Campinas (SP)|Edio Especial|nova srie|2013

    |297|

    fundamentais para uma nova discusso sobre a poltica. O encontro das disciplinas Antropologia, Sociologia, Poltica e Histria rede nem o modo pelo qual se analisa a situao social, tanto no campo como na cidade.

    Alguns passos da nova de nio dos problemas urbanos j haviam sido dados na dcada de 1960. Exempli co com os artigos de Richard Morse, Cidades Latino-Americanas: aspectos da funo e estrutura e de Milton Santos, As grandes cidades Latino-Americanas, ambos na revista Amrica Latina4 .Esses dois autores continuaram suas re exes no perodo posterior, enfocando novos aspectos da questo.

    importante lembrar as discusses sobre o papel do Estado, sobre os novos atores dos movimentos sociais, entre os quais se mostrava o peso da classe mdia urbana, debate que fazia parte das denncias s restries democrticas durante o perodo ditatorial.

    Ps- abertura poltica, a partir de meados dos anos 1980, ganha fora, tambm graas a um movimento internacional em torno da questo dos direitos, a re exo sobre a questo democrtica, no mais centrada apenas na questo da desigualdade, mas compreendendo, tambm a questo da diversidade. Volta-se ao estudo da vida privada, da identidade. Constata-se, naturalmente, o perigo de uma viso fragmentada da sociedade se os dois elementos no forem colocados em discusso de modo simultneo. Nesse processo se rede ne a questo nacional resumindo, a discusso da necessidade/possibilidade de superposio das fronteiras da sociedade e do Estado. Em outros termos, a sociologia retoma sob outra tica a questo da representao de todos os setores da populao.

    Temas culturais e polticos ganham espao: diferenas culturais, respeito pelos direitos compreendidos nas fronteiras da cultura versus direitos universais, polticas sociais e polticas culturais, incluso social, transformaes do trabalho, questo de gnero, como atenuar os resultados negativos da excluso histrica de vastos setores da sociedade.

    4 Respectivamente: Ano V, n 3, 1962, pp. 35-64 e Ano 6, n3, pp. 85-90.

  • Seo Especial|298|

    O mundo abre para as Cincias Sociais novos temas. Porm, outra vez, nos pases onde a questo democrtica chega com atraso por exemplo o Brasil, pases latino-americanos, pases africanos por vrios motivos colonialismo, escravido e independncia e abolio tardias os desa os re exo so maiores. Por isso as tarefas da nova gerao de cientistas sociais que agora est se formando ampla, importante, necessariamente criativa e deve ter por base o conhecimento, a competncia e principalmente o compromisso social e poltico. Ser cientista social hoje, como sempre, requer um incorformismo face s injustias do mundo e o empenho com sua superao.

    Bibliogra a

    BASTOS. E.R e RGO. W.D.L. Intelectuais e poltica: a moralidade do compromisso. So Paulo: Olho Dgua, 1999.

    ________. A Sociologia e a circulao de idias. In: Linhagens do pensamento poltico-social no Brasil, Projeto Temtico, 1 relatrio. So Paulo: FAPESP/CEDEC, 2009, pp. 300-314.

    CANDIDO. A. Formao da literatura brasileira. 6 Ed., Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.

    CHARTTERJEE. P. The Nations and its Fragments. Princeton: Princeton University Press, 1993.

    COSTA PINTO. L.A. Panorama geral. In: COSTA PINTO. L.A e CARNEIRO. E. As Cincias Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: CAPES, Srie Estudos e Ensaios 6 1955, pp.7-72.

    ________. Introduo. In: Anais do Seminrio Internacional Resistncias s Mudanas - fatores que impedem ou di cultam o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Centro Latino-Americano de Pesquisas em Cincias Sociais, 1960, publicao n 10, pp. 5-11.

  • Elide Rugai Bastos

    Idias|Campinas (SP)|Edio Especial|nova srie|2013

    |299|

    FERNANDES. F. Mudanas sociais no Brasil. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1974.

    ________. A Sociologia no Brasil. Petrpolis: Vazes, 1977.

    ________. A condio de socilogo. So Paulo: Hucitec, 1978.

    ________. A Sociologia numa era de revoluo social. So Paulo: Nacional, 2 ed., 1976.

    IANNI. O. Sociologia da Sociologia. 3 ed. So Paulo: tica, 1989.

    ________. Sociologia da Sociologia latino-americana. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1971.

    LIEDKE. E. F. Sociologia brasileira: tendncias institucionais e epistemolgico-tericas contemporneas. Sociologias, Porto Alegre, ano 5, n 9, jan./jun. 2003, pp. 216-245.

    LIPPI OLIVEIRA. L. Dilogos intermitentes: relaes entre Brasil e Amrica Latina. Sociologias, Porto Alegre, ano 7, n 14, jul./dez. 2005. Scielo.

    MAIO, M. C,.VILLAS BAS, G. (orgs.). Idias de modernidade e Sociologia no Brasil. Ensaios sobre Luiz de Aguiar Costa Pinto. Porto Alegre: Editora UFRGS, 1999.

    NOBRE. M. Luta por reconhecimento: Axel Honneth e a Teoria Crtica. In: Axel HONNETH. Luta por reconhecimento. A gramtica moral dos con itos sociais. So Paulo: Editora 34, 2003, pp.7-19

    PEREIRA. L. Ensaios de Sociologia do Desenvolvimento. So Paulo: Pioneira, 1970.

    ________. Ensaios sobre o Brasil contemporneo. So Paulo: Pioneira, 1971.

    RODRIGUES DE BRITO. J. Cartas econmico-polticas sobre a agricultura e comrcio da Bahia. [1807]. Srie FIEB Documentos Histricos. Salvador: FIEB, 2004.

  • Seo Especial|300|

    SCHWARTZMAN. S. Subdesenvolvimento, revoluo e Ideologia. Originalmente em Revista Latinoamericna de Sociologia. n 1, 1967. (site schwar$ man)

    VILLAS BOAS. G. Mudana Provocada. Passado e futuro no pensamento sociolgico brasileiro. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006.