eleuterio pado - formação de preços como processo complexo

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    EST.ECON., O PAULO, V. 37, N. 4, 745-769, OUTUBRO-DE RO 2007

    Formao de Preos como Processo

    Complexo

    ELEUTRIO F. S. PRADO

    RESUMO

    O artigo parte da dificuldade do economista moderno em compreender o modo como Marx e os economistas clssicos pensavam a formao de preos. Com base na distino entre microeconomia reducionistae microeconomia sist mica, compara esse modo com aquele da teoria neocl ssica. Para tanto, examinaem seqncia trs tipos de representaes da formao de preos: o mercado como coerncia, o mercadocomo equilibrismo e o mercado como processo. Mostra que o modo antigo de pensar o funcionamentodo mercado pode ser reconstrudo com base na teoria econmica computvel. O mercado, enquanto meraaparncia do modo de produo capitalista, ento teoricamente representado como algoritmo, ou seja,como mercat mato.

    PALAVRAS-CHAVE

    formao de preos, microeconomia sistmica, teoria econmica neoclssica, Economia Poltica Clssica,mercatmato.

    ABSTRACTThe paper arise from the troubles of moderns economists for understanding how Marx and the classicaleconomists thought about the formation of prices. On the base of the distinction between reductionist microeconomics and systemic microeconomics, it compares that mode with the mode of thinking ofneoclassical theory. For that, investigate three types of prices formation representations: the market ascoherence, the market as equilibrium and the market as process. It shows that the old mode of thinkingthe working of the market can be reconstructed on the base of computable economics. Then the market while appearance of capitalist mode of production is theoretically described as an algorithm, that is,as markomata.

    KEY WORDS

    formation of prices, systemic microeconomics, neoclassical economic theory, Classical Political Economy,markomata.

    J L CLASSIFICATION

    B41, D59

    Professor da USP. Endereo para contato: FEA-USP: Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 Cid. Universitria So Paulo SP CEP 05508-010. E-mail: [email protected]

    (Recebido em junho de 2006. Aceito para publicao em maro de 2007).

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    1. INTRODUO

    As consideraes que se seguem de Karl Marx em O Capital dificilmente podem sercompreendidas de modo imediato por economistas formados nos moldes tericos dosculo XX:

    Nada mais fcil do que compreender as desigualdades entre procura eoferta e o desvio conseqente dos preos de mercado em relao aos valoresde mercado. A verdadeira dificuldade consiste em determinar o que sedeve entender por coincidncia entre procura e oferta. [...] Procura eoferta de fato jamais coincidem, ou, se alguma vez coincidirem, por

    mera causalidade; portanto do ponto de vista cientfico, deve-se admitirque [a probabilidade d] esse evento como = 0. [...] A relao entre pro-cura e oferta explica, portanto, por um lado, somente os desvios dos preosde mercado em relao aos valores de mercado e, por outro, a tendncia anulao desses desvios, isto , anulao do efeito da relao entreprocura e oferta(Marx, 1983b, p. 146).

    Para entender a dificuldade que esse modo antigo de pensar a formao de preosna economia capitalista apresenta para a compreenso do economista moderno preciso fazer um exerccio de microeconomia comparada. necessrio contrastar cui-

    dadosamente os modos marxiano e neoclssico contemporneo de pensar a formaode preos. De um modo preliminar, pode-se adiantar que a diferena crucial entreesses modos reside no seguinte: seguindo os grandes economistas polticos clssicos,Smith e Ricardo especialmente, Marx pensava a gnese de preos por meio de leis demovimento inerentes ao sistema econmico como um todo; j os atuais economistasneoclssicos fazem anlise de coerncia e, por isso, raciocinam de maneira estticacom base em funes de oferta e de demanda, que sempre definem equilbrios. Masessa considerao, ainda que central, bem insuficiente para uma boa compreensodo problema. Destarte, faz-se necessria uma exposio detalhada de ambas as con-cepes tericas visando mencionada comparao.

    O confronto entre os modos marxiano e neoclssico atual de pensar a formao depreos levar concluso de que subsiste uma diferena profunda entre eles e que estapode ser sintetizada no contraponto conceitual entre duas espcies de microeconomias,uma delas a que cabe chamar de reducionista e uma outra a que se deve denominarde sistmica ou evolucionria (Prado, 2006). Ainda que educativa e interessante porsi mesma, essa comparao, que atravessa o artigo como um todo, no pode ser o fimda investigao. Ao mergulhar na questo terica e metodolgica, as duas primeirassees deste artigo revelaro tambm a inadequao da representao por meio de sis-temas de equaes como meio de apreender o sistema econmico como processo que

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    se desenvolve no tempo. Em conseqncia, essa comparao vai se configurar comoum caminho para o desenvolvimento de um modo mais adequado de representar osistema econmico apreendido como evolver sistmico e as suas leis tendenciais demovimento.

    Seguem-se trs sees: o mercado como coerncia, o mercado como equilibrismo eo mercado como processo. Na primeira, trata-se do modo como a teoria neoclssicacontempornea apresenta a formao de preos, buscando-se revelar alguns de seusaspectos menos discutidos, principalmente em suas verses didticas, sempre mais di-

    vulgadas. Na segunda seo, procura-se desenvolver um modelo de formao de preocom base no suposto de que os agentes tm racionalidade limitada, sem dispensar, no

    entanto, as noes de funo de oferta e de funo de demanda. Havendo notado osproblemas que esse segundo modo traz, na seo seguinte busca-se criar um modelosimples de formao de preos que respeita a concepo de sistema econmico comoprocesso. Ao faz-lo, apresenta-se um entendimento da formao de preo em queas consideraes de Marx apresentadas no primeiro pargrafo deste artigo se tornamcompreensveis. Ao final, sintetizam-se os resultados.

    2. MERCADO COMO COERNCIA

    Para entender como a teoria neoclssica atual pensa a formao de preos, tenha-se emmente de incio, como usual, o mercado de apenas um bem. Para as consideraesconceituais que viro aps os primeiros passos ser necessrio raciocinar em contextode equilbrio geral.

    A teoria neoclssica contempornea que rigorosamente deve ser classificada comoneo-walrasiana j que deve muito mais a Walras do que a Marshall faz de inciouma distino analtica entre o lado da oferta e o lado da demanda, supondo queesses lados sejam independentes entre si. Caso isto no ocorresse, de tal modo quemudanas na demanda, por exemplo, pudessem afetar a oferta e vice-versa, ento a

    formulao terica no conseguiria superar as circularidades; surgiriam indetermina-es que minariam a prpria formulao enquanto tal.

    Em seqncia, essa corrente de pensamento faz distines entre demanda e quan-tidade demandada e entre oferta e quantidade ofertada. As funes de demanda ede oferta so derivadas por meio de otimizaes levadas a efeito por consumidorese produtores, respectivamente. Esses agentes otimizam de modo independente unsdos outros, mas o resultado coletivo ter de se tornar de conhecimento comum. Afuno demanda relaciona os preos possveis de uma determinada mercadoria comas quantidades timas que os consumidores desejariam adquirir em cada preo (por

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    unidade de tempo e mantidas as demais condies constantes, ou seja, renda, gosto,outros preos etc.). E a oferta consiste numa funo que relaciona os preos possveisdessa mercadoria com as quantidades timas que seriam ofertadas pelos produtoresa esses preos (mantidas igualmente todas as outras condies constantes, ou seja, atecnologia, preos dos insumos etc.). Define-se, ento, como preo de mercado aqueledeterminado pela interseco da oferta com a demanda; nesse ponto a quantidadeofertada coincide com a quantidade demandada e ambas so timas. Assim, o equi-lbrio tambm um timo.

    A Figura 1 apresenta o plano do preo unitrio e da quantidade por unidade de tempode um bem qualquer. OO curva da oferta e DD a curva da demanda desse bem.

    O equilbrio, encontro de ambas as curvas, est indicado pelo pare e

    p e por q .

    FIGURA 1

    Com base nesse modo de pensar, a teoria econmica contempornea considera a

    igualdade da quantidade ofertada e da quantidade demandada como algo corriqueiro,pois todo preo possvel implica imediatamente a coincidncia entre essas duas quan-tidades. Assim, todas as transaes mercantis ocorrem em equilbrio e todo preo demercado que realmente possibilita as transaes vem a ser um preo de equilbrio.

    Mesmo raciocinando em equilbrio parcial, costuma-se associar fixao do preode mercado uma dinmica de formao de preo, inspirada no chamado ttonnement

    walrasiano. Quando h excesso de demanda, ocorre escassez no mercado do bemconsiderado e o preo de fechamento das transaes tende a subir; em caso contr-

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    rio, se h excesso de oferta, ocorre abundncia e o preo de equilbrio tende a cair.Entretanto, ainda que os livros didticos no tratem disso com clareza, esse modode ajustamento no se refere a um processo de gnese que ocorre efetivamente nomercado. Isto porque nada pode acontecer nesse lugar abstrato onde as trocas supos-tamente acontecem antes que o preo de equilbrio seja concertado com exatido pelosparticipantes do mercado.

    No h aqui um verdadeiro processo de mercado, mas sim uma dinmica que tem anatureza de um processo seqencial de raciocnio1 que acontece num tempo mera-mente lgico.2 Para que todos os desacordos sejam eliminados, ou seja, para que hajaequilbrio nessa teoria no h transao fora do equilbrio o preo de mercado

    considerado tem de subir ou descer dependendo se o excesso de demanda ou deoferta. Por meio da subida ou da descida dos preos, supe-se que todos os excessospossam ser eliminados, instalando-se o equilbrio. Tudo isso, entretanto, simples-mente um processo idealizado por meio do qual a informao necessria se difundeplenamente para os participantes do mercado, tornando possvel a compatibilidadedos planos. E assim tem de ser, pois o pleno conhecimento um requisito lgico dessadefinio de equilbrio.

    Dito de outro modo, essa dinmica agora, o termo merece ser posto entre aspas concebida mantendo os olhos bem fixos no ponto de equilbrio. Ela apenas expres-sa a idia de que os agentes econmicos so miraculosamente capazes de coordenarperfeitamente as suas decises, mesmo atuando de um modo no-cooperativo. Na

    verdade est-se pressupondo o que se deveria demonstrar, ou seja, que tudo se tornaimediatamente de conhecimento comum e assim, tambm, o equilbrio. Nas apre-sentaes usuais da anlise de equilbrio diz Hayek , parece que as questes relacio-nadas emergncia do equilbrio j foram resolvidas. Mas, ao se atentar bem, logo se tornaevidente que essas aparentes demonstraes no so mais do que provas aparentes do que jhavia sido antes assumido.(Hayek, 1948, p. 45).

    Por que a teoria neoclssica pensa dessa maneira, colocando-se num mundo constru-do pelo entendimento em que os agentes tm racionalidade substantiva, maximizam

    metas distintas e claras, em que as expectativas e o conhecimento de si mesmos e doambiente so perfeitos? Ao contrrio do que pode parecer primeira vista, essa teo-ria no visa fazer compreender como os mercados funcionam, mas, supondo desdelogo que so eficazes e eficientes, dedica-se de modo consciente a apreender apenas a

    1 No contexto da teoria dos jogos deliberativos, Binmore chamou de edutivo esse tipo de processo, enfa-tizando que se baseia apenas em raciocnio cuidadoso dos jogadores (Binmore, 1987). Lembre-se queeduzir signif ica extrair o que est implcito, no por deduo. Mesmo nessa perspectiva, pe-se aindao problema de saber se possvel derivar a dinmica de ajustamento dos preos de um comportamentomaximizador (Boland, 1986, cap. 9).

    2 Ver Robinson (1978).

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    coerncia possvel que possam ter. Ao invs de examinar aquilo que emerge de com-portamentos adaptativos sob condies mutveis, inclusive em razo dos prprioscomportamentos, pergunta que espcies de decises, estratgias e expectativas indi-

    viduais so consistentes com resultados coletivos que eliminam quaisquer incentivospara a mudana dos prprios comportamentos individuais.3 E esse modo de teorizarse mantm tanto na teoria de equilbrio geral, na teoria dos jogos deliberativos, quan-to na economia das expectativas racionais (Brian Arthur, 2005).

    Enquanto mtodo de explanao cientfica, esse modo de apreender as situaes eco-nmicas no-cooperativas reducionista. E por reducionismo entenda-se aqui o pre-ceito metodolgico que manda buscar a explicao de qualquer fenmeno nos elemen-

    tos e somente nesses elementos do todo em que aparece. Dado um fenmeno quese deseja explicar, tal como, por exemplo, o preo de mercado de determinado bem,dados os fatores exgenos, busca-se apresent-lo como efeito de decises e planos dosagentes que formam o mercado em considerao. Esses agentes so tomados como to-mos indivisveis, estveis, consistentes e completos. Devidamente distinguidos comoconsumidores e produtores, passam a responder respectivamente pela demanda e pelaoferta do bem em questo. As suas decises, que permanecem exteriores entre si, sopartes de um plexo coletivo; se elas podem ser agregadas de modo consistente, tem-se a explanao do fenmeno considerado, em particular, do preo de mercado. Paratanto, as propriedades dos indivduos devem ser cuidadosamente especificadas de tal

    modo que a agregao possa resolver tambm, ao mesmo tempo, um problema decoordenao (Prado, 2006).

    Esse modo de representar um sistema como um estado e de apreender a realidadecomo harmonia pr-estabelecida encontra sua forma adequada num sistema de equa-es simultneas que normalmente construdo no campo e na perspectiva da teoriados conjuntos.4 Essa formulao j a expresso matemtica e, portanto, altamenteabstrata de um problema de coerncia: fornecidas as formas funcionais, especificadosos parmetros que entram nas equaes, que valores das variveis ou incgnitas essa a questo tornam o sistema isento de contradio? Para que as decises, estratgiase expectativas de um conjunto de agentes atomizados possam ser apreendidas desse

    modo preciso supor que seus comportamentos possam ser expressos em funes dereao exaustivas, contnuas, infinitas e preferencialmente diferenciveis. Apenas assimtudo se torna adequado para que o mtodo reducionista possa fazer o seu trabalho,resolvendo o problema posto pela ambio desmedida da razo dedutivista.

    3 A compreenso da teoria econmica contempornea dominada pelo convencional ismo doutrinametodolgica que sustenta a validade da teoria na coerncia lgica e no em sua adequao emprica ouem seu realismo (Boland, 1992, p. 36).

    4 Nesse caso, o conceito de funo vem a ser definido como aplicao, ou seja, como :f A Bo em queem nA R B R . (Velupillai, 2004).

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    O foco na agregao consistente dos comportamentos, ou seja, no seu exato balancea-mento, encontra a sua expresso nas provas de existncia. Considerando as caracters-ticas e propriedades atribudas de incio aos (a rigor, denominados impropriamente)agentes, a funo extraordinria das provas de existncia neste tipo de teoria mostrarque a consistncia das decises, planos e expectativas formalmente possvel. Mesmono interior dessa construo tautolgica, entretanto, a possibilidade formal no aindapossibilidade efetiva. As provas de existncia no contexto da anlise de equilbrio geraltm de ser complementadas com argumentos ou refinamentos que garantam a unici-dade e a estabilidade de equilbrio; todavia, que fique registrado, diante do problemade justificar de um modo edutivo a consistncia dos planos, as provas matemticasno tm sido bem-sucedidas em geral: pode haver multiplicidade de equilbrios e a

    convergncia a um equilbrio determinado no fica garantida.5

    Mesmo fazendo abstrao desses problemas, preciso ver que tambm a prova deexistncia pode ser questionada. Para tanto, preciso entrar um pouco na teoria dacomputao.

    Como foi visto, todo esse modo de pensar demanda justificaes edutivas. De quemaneira, porm, agentes podem formar crenas racionais sobre crenas racionais deoutros agentes? Como formar expectativas mutuamente consistentes sem cair numproblema de regresso inf inita ou de circularidade viciosa? Essa dif iculdade j era doconhecimento de Morgenstern, em 1935:

    Tal formao de crenas suscita uma cadeia sem fim de reaes e con-tra-reaes conjecturais. Essa cadeia no pode ser quebrada por um atode conhecimento, mas somente por um ato arbitrrio uma resoluo. Eisque essa resoluo, outra vez, teria de ser prevista pelas pessoas envolvidas.O paradoxo se mantm por mais que algum queira virar e revirar ascoisas. A previso perfeita e o equilbrio econmico so assim irreconcili-veis entre si (Morgenstern, 1976, p. 174; Knudsen, 1993).

    Ora, o obstculo contido no processo edutivo de formao de crenas que sustenta os

    conceitos de equilbrio da teoria econmica ortodoxa um velho conhecido da Lgicaque recebe o nome de problema de auto-referncia. Como sabido, esse problemaj estava contido numa exclamao paradoxal de Epimnides: esta sentena que aquidigo falsa!Na matemtica desenvolvida a partir de Gdel e Turing, conhecida comomatemtica recursiva ou computacional, o problema lgico da auto-referncia costuma

    5 Est-se fazendo referncia aos teoremas de Sonnenschein, Debreu e Mantel. O primeiro desses autoresmostrou pioneiramente, em 1973, que os supostos usuais da teoria de equilbrio geral no impemrestries suficientes nas funes de excesso de demanda, de tal modo que a estabilidade global doequilbrio no fica garantida. Uma apresentao interessante dessa dif iculdade da teoria neoclssicaencontra-se em Soromenho (2000).

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    ser traduzido num problema terico de impossibilidade de computao. Nessa teoria,um problema dito no-computvel quando no existe algoritmo capaz de solucio-n-lo num tempo finito. Koppl e Rosser, por exemplo, mostraram ilustrativamente aconexo entre a tese de Morgenstern acima citada e a impossibilidade de computar oequilbrio de Nash num jogo de par ou impar (Koppl e Rosser, 2002). 6 A questo,numa perspectiva geral, pode ser tratada aqui apenas de modo superficial.

    Grosso modo, a teoria neoclssica formula o problema da formao de preos re-presentando o sistema econmico por meio de um sistema genrico de equaesem que as variveis e os parmetros esto definidos no campo dos nmeros reais.Enxergando-se como teoria rigorosamente demonstrativa, emprega os teoremas de

    ponto fixo para provar, com base nos assim chamados axiomas de Arrow-Debreu,a existncia de equilbrio. Ao faz-lo, pensa implicitamente os preos de equilbriocomo vetor que pode ser computado a partir dos dados do problema, pelo menos emprincpio. Ora, tornou-se conhecimento corriqueiro na matemtica contemporneaque a imensa maioria dos nmeros reais nmeros infinitos sem qualquer regra deformao no computvel. Como o sistema genrico, no plano terico da prpriaconstruo grande parte dos equilbrios possveis topologicamente so possibilidadescomputacionalmente vazias.

    Na construo que caracteriza quanto forma todo o projeto da teoria neoclssicacontempornea em sentido amplo, como exigncia intrnseca do prprio mtodo, atemporalidade dos processos econmicos simplesmente omitida ou ela apreendidade um modo irrelevante. Isto se verifica quando as mercadorias so datadas no modelode equilbrio geral, quando o tempo participa do sistema de equaes como varivelexgena, quando o tempo tomado como um recurso escasso cujo emprego tambmtem de ser otimizado. Em todos esses casos, o tempo compreendido do mesmomodo que o espao, ou seja, como reversvel.

    O tempo apenas se torna importante na apreenso do sistema econmico quando sefoca o seu devir fora do equilbrio, quando captado em seu funcionamento descentra-lizado, espontneo e anrquico. Apenas raciocinando fora do equilbrio que os pro-

    cessos podem se mostrar como irreversveis e as decises tomadas podem se apresentarcomo irrevogveis. Apenas pensando que os processos ocorrem longe do equilbrio que pode surgir o fenmeno da dependncia de trajetria (Boland, 1978). Nessecaso, as interaes descentralizadas tm de ser compreendidas como constitutivas dosprprios agentes estes aprendem e se transformam com elas de tal modo que osresultados globais dessas interaes em processo vm a ser propriedades emergentesdo prprio sistema. O modo neoclssico contemporneo de fazer teoria expressa,assim, na elegncia to louvada da construo matemtica conjuntista, um horror ao

    6 Ver Albin e Foley (1998, p. 73-103) para uma viso geral do problema.

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    antagonismo das decises incoerentes e aos atropelos dos processos desequilibradosque caracteriza o mundo real!

    3. MERCADO COMO EQUILIBRISMO

    O modo marxiano de entender a formao de preo deve muito, evidentemente, aoseconomistas clssicos, em particular a Adam Smith e David Ricardo. No plano darepresentao, esse modo essa tese aqui defendida respeita a temporalidade emflecha dos processos econmicos,7 configurando-se como sistmico e evolucion-rio.8 Quer-se mostrar neste artigo que a formao de preo em Marx, ao contrriodo que ocorre com aquela formulada pela teoria neoclssica, consistente com ateoria da computao. O equilbrio do sistema econmico, mesmo se de ocorrnciaimprovvel, tem de resultar de processo efetivo de equilibrao que representvelcomputacionalmente.

    Marx, diferentemente da teoria neoclssica, considera os preos de mercado determi-nados em geral pelas desigualdades entre a oferta e a demanda; em conseqncia, elepergunta o que h de oculto nessa coincidncia possvel outrossim, altamente im-provvel. Distingue preo de mercado de valor de mercado9, afirmando que o enigmada formao de preos se encontra na determinao do valor de mercado, o qual se

    tornaria efetivo apenas casualmente quando oferta e demanda se encontrassem emequilbrio. A oferta e a demanda, assim, explicam os desvios dos preos de mercadoem relao aos valores de mercado, portanto, o movimento dos preos fora do equi-lbrio e a tendncia deles a gravitar em torno do equilbrio. De qualquer modo, paraele, a relao entre procura e oferta no explica o valor de mercado, mas, pelo contrrio, este que explica as flutuaes de procura e oferta(Marx, 1983b, p. 147).

    Caminha-se na compreenso do pargrafo anterior quando se tem em conta que nose encontram em O Capital distines entre quantidade demandada e funo de de-manda ou entre quantidade ofertada e funo de oferta. Quando a se fala em oferta

    ou em demanda deve-se entender, respectivamente, quantidade ofertada ou quantidadedemandada, em certo momento e em dadas circunstncias. Apesar disso, encontram-se nesse livro indicaes de que prevalece nos mercados relao direta entre oferta epreos e relao inversa entre demanda e preo; por exemplo, na frase seguinte: no

    7 irnico, mas a seguinte tese de Hayek vem a ser consistente com o modo de pensar de Marx: comoequilbrio uma relao entre aes, e como as aes [...] devem acontecer neces sariamente no tempo, bvio quea passagem do tempo essenc ial para dar ao conceito de equilbr io algum sentido(Hayek, 1948, p. 37).

    8 De modo mais geral, sustenta-se a tese de que a cientificidade positiva (ou saber do entendimento) combase na qual trabalha criticamente a dialtica marxiana em O Capital sistmica e evolucionria.

    9 Marx, no captulo X do livro terceiro de O Capital, emprega o valor de mercado como termo relacio-nado a preo de produo.

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    caso em questo, se o preo fosse mais alto do que o valor mdio de mercado, a procura seria

    menor(Marx, 1983b, p. 139).

    Note-se, em adio, que pensar com base em funes estveis que retratam comporta-mentos microeconmicos pressupe j compreender o mercado seno como coern-cia permanente pelo menos como equilibrismo. E isto contrasta fortemente com a

    viso de Marx que considera o sistema capitalista como modo metablico e anrquicode produo social ou seja, como processo estruturado por relaes de produo quese reproduzem por meio de formas em transio e que se apresenta de modo irregular,flutuante, irreversvel e dependente de trajetria. Ademais, Marx indicou claramenteque concebia a formao de preos como um processo que hoje seria dito estocstico :

    a possibilidade de uma incongruncia quantitativa entre o preo e a grandeza de valor [...] a forma adequada a um modo de produo em que a regra somente pode impor-se como leicega da mdia falta de qualquer regra(Marx, 1983a, p. 92).

    Entretanto, um procedimento analtico10 no coincidente, alis, com o da teoria ne-oclssica contempornea pode ser empregado na obteno de uma primeira aproxi-mao ao modo de compreender clssico e marxiano do funcionamento dos mercados.Contudo, a tentativa se justifica no tanto pelos aclaramentos que propicia, mas pelasdificuldades que gera e apresenta. Considera-se, ento, um mercado em isolamentodos outros mercados e se investiga a formao dos preos nesse mercado. Supe-senesta seo que o funcionamento do mercado no seja afetado por aleatoriedade.

    Nessa perspectiva, no se supe que os agentes tenham racional idade perfeita e quesejam capazes de otimizar. Ao contrrio, admite-se que eles desconhecem em largamedida os modos de funcionamento do mercado e que, por isso mesmo, agem adap-tativamente, procurando alcanar os seus objetivos, quais sejam, o atendimento domelhor modo possvel das prprias necessidades ou a obteno do maior lucro poss-

    vel. Eles se movem com base em um conhecimento aproximado sobre os preos, sobreas quantidades ofertadas e demandadas, sobre a qualidade dos produtos, assim comosobre outras condies do mercado. Os seus comportamentos, no entanto, apresentamregularidades, as quais se manifestam agregadamente. Supe-se, por isso, que tais

    regularidades microeconmicas resultam em regularidades macroeconmicas.

    Os consumidores e os produtores fazem planos de consumo e de produo. Os planosdos consumidores manifestam-se simplesmente como pares de preos e quantidadesdemandadas; nesses pares, os preos consistem de valores mximos que os consumi-dores desejam pagar pelas quantidades demandadas. J os planos dos produtores, quese expressam tambm em pares de preos e quantidades ofertadas, contm os preos

    10 Esse procedimento foi sugerido pela leitura de um texto de Leijonhufvud sobre o mtodo de anlise deKeynes que o apresenta como um marsha liano (2006). No se pretende aqui, por outro lado, ser f iel aqualquer desses autores.

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    mnimos que os produtores querem obter pela venda das quantidades ofertadas. Os

    planos dos consumidores e dos produtores, em conjunto, formam a demanda e a ofer-ta da mercadoria, respectivamente. Essas funes, entretanto, no refletem decisesprojetadas timas dos agentes; expressam, outrossim, de forma agregada, os planosconjeturados, possivelmente falhos, dos consumidores e dos produtores. Elas tm,assim, o carter de uma configurao coletiva de projetos que baliza o funcionamentodo mercado enquanto os planos individuais permanecem estveis.

    A situao do mercado pode ser retratada do modo que aparece na Figura 2 (que apenas ilustrativa). Em face das caractersticas do modelo, se h apenas um pequenonmero de agentes, tanto a demanda quanto a oferta tm de ser apresentadas na forma

    de escadas. Como os agentes agora so pouco informados e tm racionalidade limi-tada, no se pode garantir que os seus comportamentos conjugados sejam coerentescom a configurao de mercado estabelecida por seus planos. O preo vigente podeestar acima ou abaixo daquele que produz o balanceamento do mercado; a quantidadeofertada pode ser excessiva ou insuficiente, de tal modo que a situao observada numdado momento pode no corresponder de equilbrio situao em que as forasda oferta e da demanda deixariam de operar. Se ocorrer, entretanto, transao fora doequilbrio, deixa de existir razo para que os planos permaneam estveis.

    FIGURA 2

    evidente que a anlise do mercado e de seu ajustamento depende agora dasinstituies que regem o seu funcionamento (Lesourne, 1992). Ademais, a anlisemicroeconmica se torna inerentemente dinmica. preciso considerar a flecha dotempo, pois as aes individuais e as seqncias dos eventos agregados so dependen-

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    tes de trajetria. Supe-se no que se segue que o funcionamento do mercado ocorrepor meio de transaes bilaterais e que os produtores tenham um papel ativo naformao de preos.

    A Figura 3 a seguir apresenta mais uma vez o plano do preo unitrio e da quantidadepor unidade de tempo referido a certa mercadoria. O segmento de reta VM, o qualno pode ser entendido como uma funo de oferta, representa o valor de mercado.Ele nada mais do que a expresso monetria da quantidade de trabalho socialmentenecessria11 para produzir uma unidade da mercadoria no momento considerado.

    Marx no pressupe que esse valor seja constante no tempo, mas sustenta, ao con-trrio, que se encontra em permanente mudana no desenvolvimento do capitalismo.

    Est aqui fixado, entretanto, por que as causas de sua mudana no esto sendo exa-minadas. Ademais, VM no pode ser explicado apenas pelas tecnologias de produoda mercadoria, mas vem a ser uma propriedade emergente das interaes sociais es-truturadas que constituem o prprio sistema econmico como um todo.

    Enquanto expresso do valor trabalho, o preo de produo permanece desconhecidoaos participantes do mercado.12 Marx supe, entretanto, que ele aparece no processoda concorrncia como preo mdio que contm uma taxa de lucro mdia, a qual, porsua vez, figura agora como fonte de compensao de diferenas nas condies deproduo dos diferentes setores da economia. Depois de os preos mdios e de os preosde mercado que lhes correspondem terem se f ixado por algum tempo, aparece na conscinciados capitalistas individuais que nessa equalizao [ou seja, das taxas de lucro] determina-das diferenas so compensadas, de modo que eles as incluem logo em seu clculo recproco(Marx, 1983b, p. 160). Logo, ta is preos mdios no se referem ao curto prazo, noso simples mdias de preos, mas valem como orientao num intervalo de tempomais ou menos longo.

    Enquanto manifestaes aparentes do sistema econmico, eles devem figurar na re-presentao de seu funcionamento perceptvel, ou seja, na modelagem do modo de sersuperficial dos mercados. Note-se que esses preos mdios funcionam como preosnocionais, que permitem aos produtores capitalistas individuais, assim como aos

    consumidores em geral, se posicionarem diante das condies objetivas dos mercados.Cada um dos primeiros, assim, pode aferir se a taxa de lucro por ele obtida alta oubaixa; cada um dos consumidores pode julgar se o preo de determinada mercadoriaque est sendo ofertada no mercado alto ou baixo. Assim, o valor de mercado VM,

    11 Ao se considerar a existncia de diferentes composies orgnicas do capital, a lei do valor se transformaem lei do preo de produo.

    12 O que a concorrncia no mostra a determinao de valor, que domina o movimento da produo; esses soos valores que esto atrs dos preos de produo e que, em ltima instncia, os determinam(Marx, 1983b,p. 159).

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    enquanto aparncia, deve ser devidamente reinterpretado como o preo mdio nocio-nal do mercado em considerao.13

    FIGURA 3

    A semi-reta OO que aparece na figura, em conseqncia, apresenta graf icamente osplanos de oferta dos produtores num momento do mercado e DD indica os planosdos consumidores, ambos considerados coletivamente.

    A oferta representada na figura por OO posta pela reproduo do capital, pelo movi-

    mento que comanda a alocao da fora de trabalho e, assim, o dispndio de trabalhoentre as diferentes esferas da produo. Eis que a reproduo do capital normalmenteem escala ampliada ocorre de modo descentralizado por meio da concorrncia doscapitais. E isto somente acontece por meio de flutuaes permanentes: ora o mercadose encontra excessivamente abastecido ora ele se encontra insuficientemente aprovisio-nado. Acima de VM, pelo menos para alguns capitalistas, h superlucro e este surgeem decorrncia da subproduo do bem em considerao num momento anterior; olucro excedente ao normal suscita aumento do investimento no setor, o que produziruma tendncia ao aumento da produo; abaixo de VM h superproduo e, assim,sublucro pelo menos para os capitalistas mais ineficientes; a queda do investimento

    decorrente gerar tendncia para a reduo da produo. Dado o comportamento dademanda, o aumento ou a diminuio da produo faz o preo de mercado cair ousubir, respectivamente. Da que o valor de mercado (VM) seja o centro em torno doqual as f lutuaes da procura e da oferta fazem oscilar os preos de mercado(Marx, 1983b,p. 140).

    13 Os produtores e consumidores, entretanto, no sabem que os preos nocionais so de equilbrio. Naprtica, como se sabe, so valores imprecisos. A informao de que so preos de equilbrio, por umlado, lhes seria totalmente intil. Por outro lado, se um coletivo dos agentes ou o Estado tentasse co-ordenar as aes individuais com base nesses preos, ele provavelmente fracassaria.

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    A Figura 3 retrata um momento do mercado. Suponha-se que os preos pedidos pelosprodutores se situem em PF. Nesse caso, h excesso de demanda, de tal modo que opreo tender a subir. Como o mercado funciona por meio de encontros bilaterais en-tre vendedores e compradores, haver necessariamente trocas fora do equilbrio. Comoas transaes fora do equilbrio podem alterar os planos dos agentes, nada garante queo ponto A possa permanecer como o atrator momentneo do sistema.

    Mesmo se o ponto A continua sendo um ponto de atrao, ele apenas pode ser vistocomo aquele em que haveria balanceamento momentneo do mercado. Se a economiaporventura se situasse sobre esse ponto, a oferta e a demanda ainda se encontrariamem conflito. Se isto no se afigura plausvel para o economista contemporneo acos-

    tumado a pensar estaticamente, perceba-se que para Marx o ponto A poderia ser vistocomo de equilbrio instvel, ou seja, como situao que contradiz a lei tendencial demovimento regedora da formao de preos o que, alis, est implcito na prprianoo de gravitao.

    Enquanto um evento raro e apenas transiente, o equilbrio verdadeiro s poderia ocor-rer para Marx no ponto B em que a oferta e a demanda se igualariam, satisfazendo-semutuamente. Assim o intercmbio ou a venda das mercadorias por seu valor o racional,a lei natural de seu equilbrio (Marx, 1983b, p. 145). O equilbrio aqui no conce-bido como decorrente da consistncia intencional de planos dos agentes, mas comocoerncia eventual produzida pelo operar tateante do prprio sistema econmico. Daque Marx possa chegar concluso inesperada de que esse ltimo equilbrio explica osdesvios dos preos de mercados e no, inversamente, que se possa explicar este equil-brio por meio dos desvios, ou seja, por meio da interao entre oferta e demanda.

    Alm da instabil idade necessria dos planos quando a economia opera fora do equi-lbrio, aqui comeam a aparecer outras limitaes do mtodo analtico empregadonessa seo para compreender de modo preliminar as concepes de Marx sobre aformao de preos. Para ele, os preos de mercado e os valores de mercado das di-

    versas mercadorias so co-determinados em processo. As flutuaes dos preos demercado das mercadorias, flutuaes essas afetadas por aleatoriedade, assim como a

    mobilidade da fora de trabalho e a alocao social do trabalho nas diferentes esferasda produo, so condies fenomnicas para a formao subjacente e essencial dos

    valores de mercado. Da que os valores de mercado determinados pelas quantidadessocialmente necessrias de trabalho se imponham ao prprio funcionamento do mer-cado como lei natural cega.

    A interpretao oferecida nesta seo atendeu s pr-concepes dos economistascontemporneos. Porm, ao final mostrou-se inadequada para representar o mercadoenquanto manifestao do metabolismo complexo do capital. De fato, pode-se ar-

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    gumentar que no se afasta suficientemente do modo de representao reducionistae mecnico.14 Ainda que produza melhor compreenso do mercado, j que trata deseu funcionamento e no apenas de sua coerncia gera anlises inconsistentes: aestabilidade das funes demanda e oferta entra em contradio vulgar com as trocasfora do equilbrio.

    Marx diz que as determinaes quant itativas da necessidade social e da produo nosistema capitalista so completamente elsticas e oscilantes. A fixidez das determina-es quantitativas diz mera aparncia (Marx, 1983b, p. 145). O carter sistmicoe metablico que enxerga nesse sistema se manifesta com grande fora expressiva eretrica no trecho que se segue e que fecha esta seo:

    Se a procura e a oferta determinam o preo de mercado, por outro lado,o preo de mercado e levando-se a anlise mais longe o valor de mer-cado determinam a procura e a oferta. [...] A essa confuso determina-o dos preos por procura e oferta e, ao mesmo tempo, determinao deprocura e oferta pelos preos acresce que a procura determina a oferta e,inversamente, a oferta a procura, que a produo determina o mercado,e o mercado a produo.(Marx, 1983b, p. 147)

    4. MERCADO COMO PROCESSO

    Ainda que sugestivo, o mtodo acima empregado bastante inadequado para repre-sentar o modo clssico e marxiano de apreender a formao de preos na economiacapitalista. O seu principal defeito no articular de forma satisfatria o nvel micro-econmico com o nvel macroeconmico. As aes de procura dos consumidores e deoferta dos produtores no se encontram explicitamente ligadas ao andamento temporaldos preos de mercado e das quantidades a vendidas. Em conseqncia, um novomtodo tem de ser considerado e este deve necessariamente apreender a formao depreos explicitamente como processo dinmico, temporalmente orientado, por meio

    de algoritmo computacional.

    15

    Para tanto, antes de mais nada preciso abandonar o modo de pensar fundado nasfunes neoclssicas de oferta e demanda; essas relaes so construdas sob supostos

    14 Entenda-se aqui concepo mecnica aquela em que os fenmenos so explicados de modo determi-nista por meio de antecedentes causais invariveis, sem a interferncia de qualquer finalismo sistmicoou qualidade essencial. Concepo metablica, por sua vez, aquela que enxerga os fenmenos comoexpresses de processos vivos cuja essncia vem a ser a assimilao e a desassimilao de substncias;no caso do processo metablico do capital trata-se de absoro e consumo produtivo e improdutivo detrabalho.

    15 O mercado, assim, representado por um algoritmo; porm, isto no implica que se suponha que omercado real possa ser compreendido, redutivamente, como um algoritmo (Koppl, 2007).

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    muito restritivos os quais enviam a anlise para o cu azul da tautologia. A idia deque consumidores e produtores pessoas, faml ias, empresas etc. formulam planosde transao para cada preo possvel precisa ser repelida. A noo de que os agentesem geral mantm planos estveis conforme o processo de mercado tem andamentotambm deve ser rejeitada. Isso necessrio para poder pensar a formao de preoscomo manifestao em processo do metabolismo do capital. Apenas as noes dequantidade demandada e quantidade ofertada so suficientes para formular uma boacompreenso do funcionamento do mercado ao modo de Marx. Ademais, precisoadmitir que as transaes pontuais que ocorrem no mercado so afetadas por aleato-riedade de tal modo que o sistema econmico deixe de ser compreendido ao modo deLaplace.16 Em suma, preciso assumir explicitamente o carter evolutivo do sistema

    econmico.

    O objetivo desta seo , portanto, representar a formao de preos de um modo quese afasta da teoria neoclssica e que se aproxima da teoria clssica e marxiana.

    Assim, por exemplo, Marx af irma textualmente que a demanda decorre da estruturasocial e da configurao de foras prevalecentes de forma conjuntural na sociedade.

    A demanda, pois, regulada pela necessidade social, mas esta condicionada demodo essencial pelas relaes das diversas classes entre si e por sua respectiva posioeconmica. Donde decorre que essa prpria necessidade regulada pela repartio do

    valor adicionado entre lucro e salrio e pela subdiviso do lucro em lucro industria l,juros, renda fundiria, impostos etc. (Marx, 1983b, p. 141). claro que os desejos ouas preferncias individuais tambm inf luem nas quantidades socialmente demandadasde mercadorias, mas esses prprios desejos e preferncias esto em larga medida con-dicionados pelo processo social - em particular, por exemplo, pela propaganda. Nocapitalismo em estgio avanado, os consumidores passam mesmo a ser produzidospelos produtores de mercadorias.

    Prosseguindo nessa linha de pensamento, h ainda outras caractersticas importantesque devem ser obedecidas por uma representao cientificamente adequada do pro-cesso de mercado, tal como aparece em O Capital. Para uma boa articulao do nvel

    das aes com o nvel dos resultados coletivos no basta modelar explicitamente comoos elementos do sistema agem necessrio considerar as relaes por eles travadas,assim como os modos especficos pelos quais as suas aes e relaes se compem.Isto porque os fenmenos globais em geral decorrem no s do modo de atuar dosindivduos socializados (que no so tomos, mas elementos de uma totalidade), mas

    16 Na esfera da Mecnica, Laplace, numa passagem famosa, declarou que para uma inteligncia dotada deracionalidade perfeita, ciente, pois, da posio de todas as partculas materiais e das foras agindo entreelas, o futuro assim como o passado estaria diante de seus olhos (apud Nagel, 1961, p. 281).

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    tambm da estrutura social subjacente que embasa os modos pelos quais esto organi-zados. evidente que se deve pensar os agentes, por realismo representacional, comoseres dotados de limitada racionalidade instrumental. O que significa dizer que elestm um conhecimento imperfeito do ambiente em que atuam e que agem tendo porreferncia principalmente a prpria situao local; de modo contrrio, no se podesupor que consumidores e produtores tenham um conhecimento global e pleno domercado como um todo.

    De um modo essencial, torna-se necessrio construir agentes que aprendem e que soafetados pelos resultados de suas prprias aes no ambiente de atuao e, em espe-cial, no que se refere consecuo de seus objetivos. Sendo assim, as conseqncias

    intencionais e no intencionais das aes devem realimentar as motivaes e os planosdos agentes de tal modo que os resultados possam ser dependentes de trajetria. Essesagentes no devem ser construdos como tipos, mas como membros de populaes,as quais, em princpio, so heterogneas nos aspectos relevantes considerados. Asaes tm, pois, conseqncias no intencionadas. Isto implica que os seus resultadoscoletivos podem se configurar como propriedades emergentes. A composio em pro-cesso das aes, por outro lado, apresenta assim a propriedade da auto-organizao,ressalvando-se desde j que no se associa a essa caracterstica nenhum elogio ao mer-cado. De qualquer modo, considerando os agentes como capazes de tomar iniciativasno que se refere descoberta de alternativas disponveis, o modelo deve ser capaz de

    apresentar desempenho caracterizado pela novidade permanente de tal modo que oestrito equilbrio, se existe, seja apenas uma probabilidade remota.17

    Em sntese, julga-se que a concepo marxiana de formao de preo pode ser captadapor meio daquilo que tem sido chamado de modelo de agentes (agent-based computa-tional model), dentro da compreenso do sistema econmico como sistema complexo.Para tanto, preciso formular modelos matemticos de sistemas dinmicos carac-teristicamente no-clssicos.18 Est-se admitindo que esse modo de ver o mercadocapitalista consistente com as formulaes tericas dos autores dessas duas correntesarticuladas de pensamento econmico. Essa leitura est baseada na suposio adicionalde que autores como Smith, Ricardo e Marx no dispunham de recursos matemticos

    para expressar as suas concepes formalmente.19

    17 Aqui o modelo estar interessado na representao do processo de formao de preos, mas em geral essetipo de modelo tem de deixar um lugar importante para as instituies (regras, convenes, leis etc.).

    Mirowski chamou este tipo de modelo de mercatmato (traduo de markomata) (Mirowski, 2007).18 Os sistemas dinmicos clssicos so formados por equaes diferenciais ou por equaes a diferenas

    finitas, instrumentos tradicionais do clculo diferencial e integral. Os no-clssicos so sistemas recursi-vos formados por algoritmos que expressam alta complexidade combinatria e d inmica, permanecendoainda finitos. Pertencem esfera da matemtica recursiva em que se definem funes como regras,

    procedimentos ou conjunto de instrues para realizar uma tarefa(Velupillai, 2004)19 A propsito, pensar a transformao de valores em preos fazendo uso da anlise matemtica, por meio

    dos chamados sistemas duais, foi o pecado original responsvel pelos descaminhos do centenrio debatesobre o problema da transformao (Souza, 2004).

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    Como ilustrao, constri-se abaixo um modelo simples de um sistema econmico20

    formado por apenas dois mercados; neles se comercializam bens que, por isso, adqui-rem a forma de mercadoria. Desse mercado participam m produtores e n consumi-dores, devidamente ordenados pelos nmeros naturais positivos. Os m/2 primeiroscapitalistas produzem a mercadoria 1 e osm/2 seguintes produzem a mercadoria 2, eo fazem apenas contratando fora de trabalho; por suposio simplificadora extrema,a produo nessa economia no requer meios como insumos, mquinas etc. Todos osconsumidores conjunto formado pelos trabalhadores empregados e pelos capitalistas querem sempre comprar ambas mercadorias para garantir a prpria sobrevivnciaem sociedade. Nem todos os trabalhadores disponveis, porm, encontram-se empre-gados. Aqueles rejeitados pelo sistema formam o exrcito industrial de reserva. Os

    componentes desse contingente sobrevivem supostamente por meio das doaes demercadorias advindas de programas Fome-Zero, organizados pelos capitalistas.

    As unidades de tempo do modelo vm a ser momento, fase e vida. Momento oinstante do tempo em que ocorre uma transao. Fase o tempo necessrio para quetodos os agentes tenham uma oportunidade de transacionar. Vida o tempo total defuncionamento do mercado, formado por uma sucesso finita de fases.

    Cada produtor definido por seu nmerok. Em cada fase, ele oferta uma determinadaquantidade de mercadoria fixando determinado preo. Sejam ( )S

    i kp t ,i = 1, 2 e k =

    1, 2,...., m, estes preos de oferta. Eles so ajustados adaptativamente no processo demercado, mas apenas podem mudar de uma fase para outra, dentro do tempo de vidado mercado. Um preo ( )Si kp t um mnimo desejado pelo produtor k no momentot. Em conseqncia, o preo de fechamento da transao dever ficar acima desse m-nimo em virtude da barganha que ocorre no momento da venda.

    Para focar o metabolismo inerente formao de preos em isolamento das transfor-maes das foras produtivas, supe-se que os dois bens sejam produzidos com tec-nologias de coeficientes fixos. Isto equivale a admitir que a produtividade do trabalhose mantenha constante nos dois setores durante a vida do mercado. Sejam i kl , i = 1,

    2 e k= 1, 2,...., m, os coeficientes de trabalho de cada empresa. Sejam 1 2el l as quan-tidades mdias de trabalho necessrias para produzir uma unidade de cada um dosbens 1 e 2.

    Admite-se, em seqncia, que o salrio indicado por w est fixado nominalmentepor contratos coletivos de longa durao vlidos para a economia como um todo, detal modo que os ajustes adaptativos feitos pelos produtores de mercadorias se restrin-

    20 Esta parte do artigo inspirada nos modelos de formao de preos construdos por Lesourne (1992).Os modelos encontrados em seu livro, ainda que construdos na perspectiva da teoria do valor subjetivo,contradizem as vises tradicionais walrasiana ou neo-walrasiana e neo-ricardiana.

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    jam s alteraes nos preos de oferta. Estes preos variam, em princpio, de empresapara empresa. A varivel de deciso de cada capitalista , pois, a taxa de lucro que fixada numa fase para valer na fase seguinte do curso do mercado. Estabelecida essaltima taxa21, fica definido em cada fase de produo, para cada setor i e cada empresak, um preo de oferta.

    [1 ( 1)] ( )si k i k i k

    l w r t p t

    Os valores sociais ou de mercado forma aparente dos preos de produo das mer-cadorias22 sero indicados por N

    ip ,i = 1, 2. Tais preos no decorrem diretamente

    das escolhas dos agentes; de modo diferente, segundo a teoria clssica e Marx, sodeterminados intrinsecamente pelo metabolismo do sistema econmico do capital.Dadas as suposies feitas sobre as tecnologias de produo, postos entre parntesesos modos de organizao da produo, permanecem constantes durante todo tempode vida do sistema considerado. Ademais, pressupondo como conhecido o valor in-trnseco do dinheiro e o padro monetrio em vigor, pode-se admitir que apareampara os agentes como

    1 2eN Np p , ou seja, como preos de referncia que informam o

    comportamento dos vendedores e dos compradores de mercadoria. Na implementaodo modelo, supe-se formalmente que

    1 1

    Np l M e2 2

    Np l M , onde I um parmetro

    que faz a converso do valor em preo.23

    Cada consumidor definido por seu nmero j. Em cada fase, ele demanda certasquantidades das duas mercadorias, estimando preos mximos que deseja pagar porunidades de cada uma delas. Tais preos de demanda, indicados por Di jp , sendoi =

    1, 2 ej = 1, 2,...., n, so ajustados adaptativamente no processo de mercado. No va-riam em cada fase, mas podem mudar na passagem de uma fase para outra. Note-setambm, desde j, que o preo de fechamento da transao poder ser menor do queo preo da demanda em virtude do processo de barganha que ocorre nas transaesbilaterais.

    Cada consumidor, em cada fase, dispe de uma renda ( )jy t que sempre inteiramen-te gasta na compra dos bens da economia ainda que no necessariamente na mesmafase em que recebida. Destina parte dessa renda, ou seja, ( )j jy tD , ao consumo de

    21 Na implementao, a taxa de lucro de cada empresa fixada com certa arbitrariedade como condioinicial de funcionamento do modelo.

    22 Ver Carcanholo (2007, p. 98-118).23 A transformao de valores em preos de produo feita pelo processo social cegamente, refletindo-se

    na superfcie do sistema, segundo Marx, por meio de preos mdios. Como aqui se trabalha estrita-mente no plano da representao, necessrio fazer a suposio de que esse parmetro seja conhecido.Outrossim, segundo Marx, o processo socia l dialtico e, como ta l, no pode ser apresentado comple-tamente pela matemtica, j que esta nunca deixa de ser analtica.

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    1 e a parte restante, ou seja, (1 ) ( )j jy tD , ao consumo de 2. Por simplicidade,[0,1]

    jD tomado como fixo na fase. Como o preo de fechamento de cada tran-sao pode ser menor do que o preo de demanda, a quantidade efetivamente adqui-rida da mercadoria poder ser maior do que aquela planejada.

    Entre os consumidores, existem trabalhadores e capitalistas. H rtrabalhadores inde-xados pelos nmeros naturais e nem todos encontraro emprego. Se o volume geradode produo em certa fase requerer ( 1)s t trabalhadores [ ( 1)s t r ], sero pagos

    ( 1)s t salrios ao final dessa fase. Sem perda de generalidade, supe-se que os( 1)s t primeiros trabalhadores estiveram empregados e receberam tal salrio. A ren-

    da desses trabalhadores consumidores na fase seguinte ser igual a( ) , 1,2,...,

    jy t w j s . A renda dos trabalhadores desempregados nula, ou seja,

    ( ) 0, 1, 2,...,j

    y t j s s r . H tambm m capitalistas e estes esto reordenados

    em seqncia enquanto consumidores (com r m n ). A renda de cada um deles,

    em cada momento, dada pelo lucro total obtido na prpria empresa no momentoanterior. Para calcul-lo, preciso saber o montante vendido de mercadoria, indicado

    por ( 1), 1, 2,....,Si j

    q t j r r n . De todo modo, tem-se que a renda de cada capi-

    talista pode ser ca lculada.

    1( ) ( 1) ( 1)S

    j i j i jy t l w q t r t

    Todos os agentes conhecem as qualidades dos bens comprados e vendidos. Ambos osbens so perecveis e no duram mais do que uma fase. Se ( 1)Si jq t o montante

    produzido, ento ( 1) ( 1)S Si j i j

    q t q t vem a ser o desperdcio ocorrido na fase con-

    siderada, o qual inerente ao funcionamento do mercado. Os contratos de compra ede venda so pontuais. Os valores de uso comprados como mercadoria so imediata-mente consumidos.

    Os produtores e os consumidores esto sempre presentes no mercado, respectivamen-te, como vendedores e compradores. Em cada fase, cada um dos consumidores tema oportunidade de adquirir as quantidades planejadas de cada uma das mercadorias.Para tanto, tm de escolher, primeiro, um produtor de bem 1 e, depois, um produtorde bem 2, realizando, assim, dois encontros bilaterais. Se uma compra pretendidano ocorre, o consumidor ter nova oportunidade de adquirir essa mesma mercadoriaapenas na fase seguinte. A renda assim poupada em uma fase acumulada para sergasta na mesma mercadoria, na fase seguinte. Em menor nmero do que os consu-

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    midores, os produtores podem vender para vrios deles, com diferentes preos defechamento.

    Em cada fase acontece uma seqncia de encontros aleatrios entre produtores e con-sumidores, de tal modo que todos os consumidores tenham oportunidade de compraras mercadorias desejadas. Em cada encontro, haver transao se D S

    i j i k p p! e o preo

    de fechamento, de acordo com as suposies anteriores, se situar entre esses dois va-lores, ou seja, S F D

    i k i k i jp p pd d . A incerteza inerente ao processo de barganha mo-

    delada fazendo com que o preo de fechamento seja aleatrio nesse intervalo.

    Os preos de oferta e de demanda podem mudar na passagem de uma fase para outra.

    Um preo de demanda determinado aumentado na fase posterior sempre que oconsumidor no consegue adquirir a mercadoria ao seu referido preo na fase anterior. reduzido quando o preo de fechamento na fase anterior se situa abaixo de um li-miar definido como uma porcentagem Jdo preo de demanda projetado pelo consu-midor. J a mudana dos preos de oferta de uma fase para outra depende de um li-miar definido como certa porcentagem Eda quantidade produzida pela empresa nafase em considerao. Se a quantidade comercializada for superior ou igual quanti-dade produzida, ou seja, se ( 1) ( 1)S Si k i k q t q t t E , ento o capitalista aumenta o

    preo na fase seguinte. Porm, se ( 1) ( 1)S Si k i k q t q t E , ento ele o reduz.

    Implicitamente, o investimento flutua e o capital se desloca de um setor para outro,de uma empresa para outra, dependendo do que ocorre com as taxas de lucro.

    Os produtores de mercadoria, na busca da mxima remunerao para o capital inves-tido, no s tateiam o funcionamento do mercado regulando a taxa de lucro, mastambm o fazem procurando minimizar o desperdcio. Assim, a quantidade ofertadade mercadoriai pelo produtor knuma determinada fase determinada pela quantidadeofertada na fase anterior e por um delta (positivo ou negativo) constitudo pela dife-rena entre a mdia do preo de fechamento e o preo natural. Sendo ( 1)

    i ktT o n-

    mero de vendas da mercadoria i na fase t1 feitas pelo produtor k, e sendo Oi um n-

    mero positivo prximo de zero, tem-se formalmente:

    ( 1)( ) ( 1)

    ( 1)

    F

    i kS S N

    i k i k i i

    i k

    p tq t q t p

    t

    O T

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    Essa espcie de modelo apenas pode ser estudada por simulao.24 Pretendeu-se aquidesenvolver apenas um argumento metodolgico que aponta para um novo programade pesquisa, o qual consistente com certas preocupaes mais gerais da fronteira dateoria econmica (Mirowski, 2007). Indicou-se apenas como o modo clssico e mar-

    xiano de pensar a formao de preos pode ser reexaminado com base na matemticacomputacional. Construiu-se, assim, um modelo muito simples de dois mercados emque os preos de mercado flutuam, permanentemente fora do equilbrio, em tornodos preos de produo. Apesar de suas bvias limitaes, foi possvel dar sentido sseguintes palavras de Marx: a relao entre procura e a oferta explica, portanto, por umlado, somente os desvios dos preos de mercado em relao aos valores de mercado e, por outro,a tendncia anulao desses desvios, isto , a anulao do efeito da relao entre procura e

    oferta(Marx, 1983b, p. 146).

    5. CONCLUSES

    O ltimo modelo, ainda que bastante simples em face das complexidades da econo-mia capitalista real, permite voltar teorizao de Marx sobre a formao de preospara reexamin-la de um novo ponto de vista. Construdo a partir da concepodo funcionamento do sistema econmico como metabolismo do capital, apresenta aformao de preos como processo que se desenvolve no tempo irreversvel, fora do

    equilbrio. Nessa perspectiva terica, no se pode mais pensar que os preos de mer-cado resultam da igualdade entre demanda e oferta e que eles sintetizam a coernciapossvel dos mercados. Os preos de mercado passam a ser considerados como eventosmomentneos de processos homeostticos, isto , como ocorrncias instantneas defuncionamentos de equilibrao permanentemente desequilibrados.

    A perspectiva da coerncia apenas se impe pode-se agora perceber com certafacilidade quando as noes de demanda e de oferta so entendidas como funesanalticas, ou seja, como relaes funcionais entre preos e quantidades. Dito de outromodo, a perspectiva da coerncia origina-se da representao da formao de preos

    com base em funes agregadas, as quais so obtidas da agregao de planos exausti-vos, originados de comportamentos otimizadores e plenamente informados de agenteseconmicos atmicos. Quando se deixa de raciocinar sobre esse alicerce da teorianeoclssica e se passa a raciocinar com base em funes recursivas e procedimentosefetivos ferramentas da matemtica computacional e construtivista (Velupillai, 2000)

    24 O modelo aqui apresentado, em termos de tendncias da teoria econmica, caminha no mesmo sentidogeral dos modelos construdos na tradio neo-schumpeteriana de Nelson e Winter (2005). Ver tam-bm, por exemplo, Possas e Dweck (2004). De qualquer modo, a questo da formao de preos temsido ainda pouco explorada na economia computacional. Uma exceo interessante vem a ser Epstein e

    Axtell (1996).

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    , procura e oferta passam a explicar apenas as f lutuaes dos preos de mercado emtorno de atratores dinmicos. Isso exige, evidentemente, considerar a teoria do valortrabalho j que esta a nica capaz de prover os fundamentos do preo natural, do

    valor de mercado ou preo de produo. A alternativa vem a ser pensar a formaode preos tautologicamente, o que, alis, tem sido feito abundantemente pelas teoriasneoclssicas, demark-up ou neo-ricardiana.

    O modelo representativo do desenrolar efetivo da economia capitalista e sua maiordeficincia est em no tratar de modo explcito da formao dos prprios preos deproduo. Isto, evidentemente, exigiria considerar o papel das mudanas tecnolgicase organizacionais na formao dos valores de mercado e, por esse meio, dos preos de

    referncia. Outras complicaes da economia capitalista, como a existncia de meiosde produo correntes e durveis, a intermediao de setores bancrios e f inanceiros,poderiam ser consideradas. evidente que o modelo apresentado pode ser consideradouma porta de entrada para um amplo programa de pesquisa que investigue no sa formao de preos na economia capitalista, mas, de forma mais ampla, o prprioprocesso de acumulao de capital.

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