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ELDORADOMárcia Rejaine Piotto

Outrora paraísoVerdes matas,Taboas perenes, Águas cristalinas Lugar lindo e solene

Sem demoraDinâmico desenvolvimentoPássaros reluzentes Amplas clareiras Nascentes remanescentes.

De ora em dianteConstruções coloridas, Trilhas desmatadasCrianças e futuro.Estradas consolidadas.

Eldorado! Em lírios brancos, noites claras. Arraigado! Em lírios francos, lua fala.Fala das florestas floridas,

Às multidões reunidas!

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Realização

UNIVERSIDADE ESTADUALDE LONDRINA

ReitorSergio Carlos de Carvalho

Vice-reitorDecio Sabbatini Barbosa

Centro de Letras e Ciências HumanasDiretorViviane A. B. Furtoso

Departamento de HistóriaChefe de Departamento Rogério Ivano

MUSEU HISTÓRICO DE LONDRINA

Direção Acadêmica

Regina Célia Alegro

Secretaria

Cesar Augusto de Poli

Auxiliares Operacionais Ailton Alves Marcelino Alex Pereira Neiva Lemes Albrecht Batista

Ação Educativa Regina Célia Alegro Edeni Ramos Vilela

Biblioteca e Documentação Rosangela Ricieri Haddad Ruth Hiromi Shigaki Ueda

Comunicação SocialBarbara Daher Belinati

Imagem e Som Célia Rodrigues de Oliveira Rui Cabral Auxiliar: Vanessa Andréia Borela Ferreira

Objetos Tridimensionais Auxiliar: Amauri Ramos da Silva

EstagiáriosAna Paula Bellomo de SouzaAna Raquel Abelha CavenaghiAndré Xavier da SilvaAryane Kovacs Fernandes Fabíola Ferro da SilvaFelipe Augusto Leme de Oliveira Gregório Bernardino Matoso Higor de Melo Silva

Isabella Pezzo BeraldoJuliana Souza BelasquiLaura Zecchini dos AnjosLuana Bortoletto Gonçalves Marcela Almeida Brasil Matheus de Freitas Figueiredo Natan RibeiroOsvaldo Fiorato JuniorPedro Henrique CezarRafael Vitor Mattos PiresRitielly Gouvêa MeloRuan Lucas MarcianoTaiane Vanessa da Silva Thiago Machado Garcia

CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS DO NORTE DO PARANÁ: MEMÓRIA E EDUCAÇÃO PATRI-MONIALPrograma de Extensão PROEXT-UEL

CoordenadorRegina Celia Alegro

DocentesClaudia Regina Alves Prado FortunaDeise Maia

Alunos de Graduação da UELAdja Nadine de Souza Amanda Maki KobayashiAmanda Soares SteffenAna Carla Florio de PaivaAna Luisa Moure PeresAna Paula Bellomo de SouzaAnanda Fernandes Della GiustinaAndre Alexander AlvesBarbara F de Carvalho FranciscoBarbara Taiane Gomes das NevesBianca de Lima BondioliBianca Neves BolettiCamila de Almeida BritoCristiano Aparecido do NascimentoDaniel Henrique Alves de CastroEduardo Eiiti FujikawaEnzo Crosati SaavedraFlavio Alfredo MartinsGabriel Arantes CorreaGabriel Formigoni Jardinette Gabriela de Carvalho RibeiroGabriella Ribeiro Ferreira do CoutoGiovanna Barboza da CruzGregório Bernardino MatosoGuilherme Tavares Lopes Balau

U51c Universidade Estadual de Londrina. Museu Histórico de Londrina Contação de histórias no Norte do Paraná: memória e patrimônio / Museu Histórico de Londrina. Universidade Estadual de Londrina, organizadoras : Eliana Aparecida Candoti e Regina Célia Alegro ; Projeto gráfico e editoração Petra Maria Schauff Mendes. – Londrina : UEL, 2018.

184p. : il. ; 21 cm. – (Programa Contação de Histórias do Norte do Paraná)

ISBN: 978-85-7846-520-9

1. Paraná – História. 2. Educação Patrimonial. 3. Memória. I. Candoti, Eliana Aparecida, org. II. Alegro, Regina Célia, org. III. T. IV. Coleção.

981.62

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Todos os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não cabendo qualquer responsabilidade legal sobre seu conteúdo ao Museu Histórico de Londrina.

Gustavo Andre de Souza da SilvaHenrique Jun YoshidaHenrique Mantovani PetrusIsabella Pezzo BeraldoJaqueline Aparecida Araujo CraveiroJoão Victor RigoniJonatas Filipe de PaulaJuliana Sayuri Nakatani ChidaLarissa Moraes MartinsLeticia Fernandes de OliveiraLeticia Fernandes de OliveiraLucas Ferreira MottaMarcello Leonardi CaciolatoMarcelo Kloster JuniorMariana de Quadros SilvaMatheus Silva DallaquaPatrick Eduardo de BarrosPedro Henrique CezarPetra Maria Schauff MendesRubens Estevam de CarvalhoRubia Fernandes da SilvaSandra Sanches da CunhaThiago Souza BritoVander Felipe Ortiz dos SantosVander Felipe Ortiz dos SantosVinicius Luiz Iatecola da CunhaAndre Xavier da SilvaOsvaldo Fiorato JuniorThiago Souza Brito

Colaboradores ExternosAryane Kovacs FernandesCristina Megumi KawabataEdson Kenji KawabataEduardo Eiiti FujikawaEmily Ayumi Ozaki KurodaErick Shimote LimaInês Kiyomi Koguissi MorikawaJuliana BalduinoLeane Pedroso BorgesTaiane Vanessa da SilvaVanda de MoraesVictoria Caroline Lira FurtadoVictoria da Silva Santos

Projeto Gráfico e EditoraçãoPetra Maria Schauff Mendes

Foto de capaRita de Cássia de Araújo

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Sumário

5 Apresentação Regina Célia Alegro

6 Narrativas do Bairro: Memória e educação patrimonial no contexto local Eliane Aparecida Candoti

30 Conjunto Habitacional Pindorama: Uma história construída e contada por gerações Rita de Cássia de Araújo

42 Sertanópolis: Terra - da concessão à venda dos lotes Ivonete Aparecida Pazinato

51 Califórnia, Eldorado, Nova Conquista, Ok e Kobayashi: Memórias de um passado recente Márcia Rejaine Piotto

78 Conhecendo a história de nossa escola Delman Raquel Gonçalves

86 Álbum Novos Olhares sobre o Bairro Desenvolvido pelos alunos do 2º ano do Curso Técnico Integrado em Administração de Empresa do Colégio Estadual Professora Maria José Balzanelo Aguilera sob a orientação da professora Eliane Aparecida Candotti na disciplina de História

97 Histórias contadas: Experiências dos alunos da EJA (SESC – Londrina) Ademar Firmino dos Santos; Cláudio Francisco Galdino; Éber Prado; Flávia H. Unbehaum Ferraz

105 Refletindo sobre o Ensino e a Escrita da História Osvaldo Fiorato Junior

114 Representações e apropriações: A narrativa da exposição de longa duração do Museu Histórico de Londrina

ressignificada por professoras do ensino básico Taiane Vanessa da Silva

121 Monitoria para a Exposição “Do Quebra Canela ao Tubarão: Memórias do futebol londrinense” do Museu Histórico de Londrina André Xavier da Silva; Osvaldo Fiorato Junior

129 Estratégia para formação do leitor, ação pedagógica, respaldada na Lei 10.639/2003

Maria Aparecida de Barros

138 A memória como processo educacional entre indígenas e não-indígenas: O caso do “Centro De Memória E Cultura Kaingang” Luis Henrique Mioto

150 Da União à Vitória: Histórias de guerreiros unidos e suas memórias vitoriosas Márcia Rejaine Piotto

175 Colégio Mãe de Deus: Décadas educando os londrinenses Márcia Rejaine Piotto

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Apresentação

Regina Célia Alegro

O Programa Contação de Histórias do Norte do Paraná tem a satisfação de apresentar alguns dos escritos dos professores atuantes no Programa. Desenvolvido por meio de par-ceria entre o Museu Histórico de Londrina, órgão suplementar da Universidade Estadual de Londrina, e a Secretaria de Educação do Município, foi concretizado com o apoio do Progra-ma Extensão do MEC/SESU e Universidade Sem Fronteiras (SETI/PR).

Essa proposta constitui-se como a quarta etapa da ação extensionista iniciada em 2010, com base em três pressupostos:

a) a construção coletiva da memória e da expressão identitária regional é trabalho que demanda negociações relativas à pesquisa e documentação para ampliar o ingresso de dife-rentes grupos e acontecimentos em acervos públicos; b) a escola com inserção comunitária pode contribuir muito para o reconhecimento social do patrimônio;

c) carências comuns aos jovens, inclusive de valores sociais estruturantes da vida coleti-va que dificultam a construção da identidade adulta, podem ser enfrentados na relação entre educação e patrimônio, e seu lugar no ensino.

Nesse Programa, nós, participantes, professores e estudantes de diferentes níveis de ensino, somos introduzidos em reflexões e fazeres que pretendem a formação de grupos de trabalho em escolas de cidades do norte do Paraná em vista do nosso envolvimento no re-gistro de lembranças de moradores acerca da formação histórica da região e reconhecimento do patrimônio cultural.

Nessa etapa do Programa Contação, a ênfase esteve na apropriação consciente, pelas comunidades escolares, do seu patrimônio como condição para a sua preservação e prática cidadã. A valorização dessa herança prepara para o usufruto desses bens e o processo contí-nuo de criação da própria história.

Nesse volume, alguns dos professores participantes do Programa Contação comparti-lham com os colegas e a comunidade, os seus relatos, reflexões e descobertas sobre memória e patrimônio em Londrina. Olhares que evidenciam a diversidade e especificidades de expe-riências de sujeitos múltiplos.

A atuação conjunta de mestres e estudantes na recolha de depoimentos orais e imagens junto às comunidades com origens sociais e culturais diversificadas pode constituir “outras memórias” relativas ao cotidiano da cidade. O leitor encontrará nesse livro muitas informa-ções inéditas sobre comunidades e grupos de Londrina, frutos do trabalho escolar.

Essa ação foi acompanhada pelos parceiros: Museu Histórico de Londrina, Universi-dade Estadual de Londrina e Secretaria Municipal de Educação de Londrina. Todos somos testemunhas da qualidade do trabalho realizado nas escolas da região. Uma alegria e uma honra atuar em conjunto com professores e alunos participantes do Programa.

E, interessados pela memória na região norte do Paraná, saibam que, em breve, novos volumes estarão disponíveis para sua leitura.

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Narrativas do Bairro:Memória e educação patrimonial no contexto local

Eliane Aparecida Candoti

1. Introdução

O desafio de vivenciar uma prática vinculada à realidade dos nossos alunos por meio de uma aprendizagem significativa nos motivou a concentrar nossos estudos nas questões identi-tárias e nos elementos de memória que caracterizam a comunidade e o contexto sociocultural dos mesmos, utilizando as narrativas de moradores do bairro como uma das principais fontes de pesquisa.

A experiência educativa vivenciada fundamentou-se na proposta de educação patri-monial enquanto mecanismo capaz de gerar os sentimentos de pertença e identidade em grupos e indivíduos, envolvendo memórias coletivas e individuais em meio à diversidade de experiências e narrativas.

Nossa escolha pelo trabalho com o patrimônio e as memórias locais justifica-se nas pa-lavras de Horta (1999), a qual aponta a educação patrimonial como instrumento de alfabeti-zação cultural, possibilitando ao indivíduo a capacidade de ler o mundo que o rodeia e assim, maior compreensão do meio sociocultural em que está inserido. Para tanto, é necessário que haja uma experiência direta com os objetos de estudo, instigando a curiosidade, a descoberta, a valorização e a preservação dos mesmos. Trata-se de um instrumento capaz de envolver crianças e adultos num processo ativo de produção do conhecimento, além de promover o reconhecimento e o empoderamento de grupos e pessoas.

Com base nessa proposta, direcionamos estudos, reflexões e produções sobre a forma-ção da comunidade em meio à história de Londrina, partindo dos conhecimentos dos alunos e dos relatos de outros indivíduos sobre a história do bairro e da escola, além de elementos do contexto nacional e mundial presentes no currículo e relacionados ao tema. Desse modo, a história oral e local, juntamente com o conhecimento histórico já produzido, possibilitaram novas configurações identitárias à comunidade escolar por meio da valorização das narrativas familiares, além de reafirmar o sentimento de pertencimento.

2. Educação Patrimonial no Ensino de História

Definir as memórias e identidades locais enquanto objetos de estudo e elementos sig-nificativos no processo de construção do conhecimento histórico, capazes de direcionar a prática do professor em sala de aula, nos leva a repensar e (re) significar o currículo escolar no ensino de História (SILVA e FONSECA, 2007). Deste modo, consideramos que o conhe-cimento histórico deve estar relacionado ao contexto da comunidade escolar, contemplando vivências, saberes e identidades presentes na mesma, possibilitando novas leituras do meio em que os alunos se inserem, bem como a valorização do mesmo.

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Nesse contexto, entendemos a memória enquanto fenômeno construído e intimamente ligado ao sentimento de identidade, sendo capaz de ocasionar uma disputa política em torno dos elementos que serão gravados na memória do povo e assim, constituindo-se em memória nacional e em mecanismos de coerção social (POLLAK, 1992). Com base nessa referência, destacamos a importância do trabalho com essa temática nas diversas faixas etárias enquanto mecanismo de empoderamento e libertação dos indivíduos, uma vez que outras instâncias de poder e dominação já se deram conta do mesmo e assim, tentam forjar as memórias coletivas conforme seus interesses.

Quando nos referimos aos muitos sujeitos e suas memórias, compreendemos que estas são tão diversas quanto eles, bem como as narrativas que se formaram. Isso redimensiona o conhecimento construído sobre o passado e as nossas próprias narrativas a respeito dos fatos passados e presentes. Cerri (1999) nos chama a atenção para um dos focos do ensino de His-tória que se concentra na formação dos cidadãos, apontando que suas memórias se diferem ao longo do tempo e do espaço, sendo o próprio reflexo da diversidade. Isso nos faz ponderar sobre os riscos de uma história única ao restringirmos nossas fontes de ensino e entender a importância das muitas narrativas coletivas ou individuais.

Pollak (1992) aponta a importância das fontes orais ao afirmar que “a coleta de repre-sentações por meio da história oral, que é também história de vida, tornou-se claramente um instrumento privilegiado para abrir novos campos de pesquisa” (p.8), sugerindo novos objetos e interpretações, além de dar palavra àqueles que jamais a tiveram. O fortalecimento das identidades por meio da valorização das mesmas proporciona novos olhares, bem como motivações que impulsionam mudanças e permanências capazes de repercutir positivamente no contexto da comunidade e na promoção da cidadania.

Sobre a construção do conhecimento histórico, Rüsen (2001) destaca a importância de propiciarmos reflexões a respeito das vivências cotidianas dos diversos grupos, abordando as mudanças e as permanências, bem como as suas razões. Sendo assim, nossa área de ensino pode colaborar para o desenvolvimento da consciência histórica nos educandos, uma vez que o raciocínio elaborado com a finalidade de entender as ações individuais e coletivas no decorrer do tempo dá condições para que se orientem em suas vivências no tempo presente.

Nesse processo, recorremos a Peter Lee (2006) que mostra a importância da alfabetiza-ção histórica já nos anos iniciais da formação escolar. Esta, corresponde ao desenvolvimento da capacidade de ler o mundo no qual nos inserimos, partindo de situações do passado expressas de forma concreta, permitindo assim, a sua compreensão. Para viabilizar essa com-preensão da ação humana no tempo e no espaço, o autor destaca a utilização de objetos, lugares e narrativas que possibilitem a materialização do passado no tempo presente, sendo capaz de proporcionar situações de aprendizagem juntamente aos elementos do cotidiano e conhecimentos históricos. Estes encaminhamentos permitem o desenvolvimento de compe-tências de análise e interpretação de fontes diversas, enquanto ampliamos a compreensão do passado e das relações com questões presentes.

Siman (2004) relaciona esta prática à importância de uma metodologia que envolva ele-mentos definidos como geradores e /ou mediadores do processo de aprendizagem. Por meio deles os alunos podem colocar-se no lugar de outros indivíduos, em diferentes contextos e temporalidades e assim, levantar novas hipóteses sobre situações vividas, o que promove o raciocínio e o pensar historicamente. E, por fim, como professores de História, sabemos que as noções de temporalidades são ampliadas à medida que o professor, como mediador cultural, possibilita ao educando que se transporte a outras temporalidades e sociedades por

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meio do contato com objetos geradores, os quais podem ser lugares de memória, paisagens, objetos do cotidiano, documentos escritos ou imagéticos, relatos orais ou impressos, entre outros, capazes de mediar a produção do conhecimento histórico, agregando significado à aprendizagem.

Deste modo, optamos por trabalhar com a proposta de educação patrimonial desen-volvida por Horta (1999) presente no Guia Básico de Educação Patrimonial. Esta pode ser realizada em quatro etapas: observação dos objetos, fenômenos ou temas estudados; registros do que foi observado; análise e julgamento crítico do que estiver sendo estudado; apropria-ção do que foi pesquisado por meio de vínculos afetivos e consequentemente de ações de salvaguarda. Com isso, percebemos na educação patrimonial o princípio básico a experiência direta com bens e fenômenos, sendo esta, capaz de promover a compreensão e a valorização do objeto de estudo, num processo contínuo de descobertas.

Sendo assim, a problematização e o estudo da história local, perpassam o estudo do meio e das narrativas nele presentes, possibilitando a elaboração de novas percepções sobre o mesmo. Já em 1979, Nidelcoff afirmava que o meio é composto por todo elemento físico, biológico e humano que caracteriza o ambiente do qual fazemos parte. O qual, por sua vez, se relaciona conosco através das experiências cotidianas. Para a autora, o estudo do meio envolve a análise da realidade, o desenvolvimento da curiosidade e a observação crítica, além de novos olhares e narrativas a partir do meio e seus elementos.

Entendemos que a proposta de educação patrimonial se utiliza de lugares e suportes da memória no processo educativo, a fim de promover a valorização e preservação de patri-mônio material e imaterial. Sendo assim, as dimensões socioeconômica, cultural e ambiental são intrínsecas e de imensa relevância para o reconhecimento e a identificação do patrimônio local (ORIÁ, 2013).

Horta (2003, p.1) aponta a educação patrimonial como um instrumento que envolve crianças e adultos num “processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto desses bens, propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos”, além de possibilitar o desenvolvimento das “habili-dades de observação, de análise crítica, de comparação e dedução, de formulação de hipóteses e de solução de problemas colocados pelos fatos e fenômenos observados”. De acordo com a autora, este processo contribui para o desenvolvimento da autoestima de pessoas e de comu-nidades, propiciando o empoderamento por esses grupos diversos, os quais se percebem no contexto das relações sociais como sujeitos responsáveis e atuantes, portadores de novas per-cepções sobre o seu tempo, sobre si mesmos e as pessoas que os cercam. Consequentemente, temos a valorização das experiências vivenciadas e dos conhecimentos construídos por meio delas ao longo de gerações, os quais nos dão subsídios para estabelecermos comparações e diferenciações entre o passado e o presente, buscando através de nossas hipóteses, reflexões sobre os problemas do tempo presente.

A fim de justificar a importância e a presença destes elementos no desenvolvimento deste trabalho, destacamos a memória enquanto um fenômeno coletivo e social, construído coletivamente e submetido a transformações constantes, além de considerar a existência de uma memória individual e coletiva, constituída por acontecimentos vividos pessoalmente e acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade ao qual o indivíduo pertence. Neste sentido podemos dizer que a identidade dos sujeitos se forma em relação a outros sujeitos e em determinados momentos e situações. As identidades não são homogêneas, ao contrá-rio estas se dão na multiplicidade de vozes e por esta razão se transformam com a história

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(POLLAK, 1992). Thompson (1992, p. 208) associa os elementos de memória e identidade declarando

que “recordar a própria vida é fundamental para nosso sentimento de identidade; continuar lidando com essa lembrança pode fortalecer, ou recapturar, a autoconfiança” e com isso afirma que nossas lembranças representam os fundamentos das relações de pertencimento e autoconfiança de indivíduos e sociedades, ressaltando a importância de conhecermos o modo como pessoas e grupos a nós relacionados se organizaram e viveram no passado, por meio de comparações e análises frente às vivências e desafios do presente.

Assim, enfatizamos a necessidade de revisitarmos o passado local, promovendo pes-quisas e discussões que remontem ao contexto dos nossos alunos enquanto envolvemos diferentes sujeitos, memórias e identidades presentes no mesmo. Trata-se de (re) significar suas memórias e o sentimento de pertença, bem como suas interpretações e produções a partir do meio em que se inserem. Levá-los a campo a fim de ouvirem diferentes narrativas sobre a formação social na qual a comunidade escolar está estruturada, contrapondo estas falas às suas memórias pessoais e familiares, proporcionou novas leituras do passado e novas compreensões sobre o presente, proporcionando a elaboração de narrativas sobre as relações e o contexto estudado.

Halbwachs (1990, p.60) observa que “não é na história aprendida, é na história vivida que se apoia nossa memória”, apontando que nossas lembranças têm uma origem mais social que individual, na medida em que, enquanto membros de um coletivo, nós a vivemos como se fossem nossas.

Apoiarmos nossa produção nas narrativas de diferentes sujeitos da comunidade para então relacionarmos fatos que caracterizam a memória e a história em diferentes instâncias, nos permite relacionarmos as coletividades em diferentes temporalidades e os vínculos que se estabelecem entre os sujeitos nelas presentes. Não se trata de optar pela subjetividade da história oral, em detrimento da objetividade da história social presente nos registros, mas sim de vê-las como continuidade potencial, uma vez que nos permite cruzar informações de diferentes fontes oportunizando a ampliação do nosso campo de pesquisa e produção. Pollak (1992, p.9) nos diz que “se a memória é socialmente construída, é óbvio que toda documen-tação também o é”. Para ele não há diferença entre fonte oral e fonte escrita. Sendo assim, a mesma crítica que se aplica à fonte oral também deve ser aplicada as demais fontes, o que nos faz sair da área de conforto em busca de novas condições e possibilidades no campo da pesquisa e consequentemente do ensino de História.

Assim, pudemos constatar na realização deste trabalho o quanto alunos, professores, funcionários e moradores do bairro se identificaram com o tema e se envolveram com a proposta ampliando as possibilidades de pesquisa e produção, uma vez que encontraram o prazer de narrar suas próprias histórias, advindas de memórias individuais e coletivas, e de poder ouvir as narrativas que outros trouxeram, entrelaçando-as e (re) siginificando-as no processo identitário e de pertencimento ao grupo. Neste sentido, puderam contemplar suas contribuições no meio escolar e vendo-se valorizados e reconhecidos pela comunidade, algo que emocionou a muitos.

Nesta prática envolvemos a pesquisa-ação, a qual, de acordo com Engel (2000), surgiu e ganhou espaço entre os séculos XVIII e XX, com o objetivo de suprir a lacuna entre a teoria e a prática. De acordo com o autor, esta proposta pode ser aplicada em qualquer ambiente de interação social caracterizado por um problema, no qual estejam envolvidos pessoas, tare-fas e procedimentos, tendo este, o objetivo de atingir as mudanças necessárias na busca por soluções.

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Caimi aponta a integração entre ensino-pesquisa como elemento capaz de favorecer o diálogo entre o conhecimento histórico e a história local, uma vez que,

A análise do material empírico revelou-nos que a integração ensino-pesquisa, a produção do conhecimento no ensino básico, a interlocução entre o conhe-cimento histórico e as experiências cotidianas dos indivíduos são proposições centrais no ensino de história atualmente (2001, p.139).

A autora define como ensino-pesquisa “a capacidade de problematizar o cotidiano dos sujeitos e com base em suas experiências, compreender a dinâmica das sociedades humanas” (2001, p.139). Nessa perspectiva, apresentamos a cidade e o bairro como espaços de múltiplas aprendizagens, agregando significado à prática docente e fazendo-a transpor os muros da escola. Partimos dos conhecimentos prévios e os redimensionamos por meio de novas inter-pretações. Isso instiga professores e alunos a buscarem e a (re) construírem o conhecimento a partir do confronto de informações.

Hernandez (1998) embasa nossos argumentos quando afirma que o aluno aprende melhor quando se torna significativa a informação ou os conhecimentos que foram adqui-ridos. Isso nos remete ao I Congresso Internacional das Cidades Educadoras ocorrido em novembro de 1990, na cidade de Barcelona. Deste congresso resultou a Carta das Cidades Educadoras, cujos principais eixos são a educação, a igualdade e o acesso aos recursos e tecnologias para a formação de uma sociedade do conhecimento sem exclusões, havendo maiores investimentos nestas áreas. Este documento, elaborado em novembro de 2004, apre-senta a escola enquanto espaço comunitário e a cidade enquanto grande espaço educador, valorizando o aprendizado decorrente das vivências na formação de princípios éticos e iden-titários e o compromisso do poder público em garantir a as condições necessárias à formação sociocultural dos indivíduos.

Com base no mesmo, apoiamo-nos na proposta defendida por vários autores de que “a cidade educa”, sendo esta um espaço de muitas narrativas que provocam olhares e inter-pretações de seus lugares, sujeitos e sociabilidades. Medeiros Neta (2010, p.215) se refere à pedagogia da cidade como sendo “tecida pelos movimentos dos cidadãos que exploram e traduzem a cidade e o viver nela”. Para a autora, a cidade é um elemento impulsionador e materializador das dimensões da cidadania e da educação, uma vez que o espaço expressa os conceitos, os valores e a cultura daqueles que a delimitam e organizam, configurando-se num produto das relações humanas.

Ao destacarmos o papel educativo da cidade, nos desvencilhamos da escola como úni-ca instituição capaz de educar e envolvemos outros agentes sociais de aprendizagem neste processo, configurando o saber numa produção a muitas mãos e com diferentes enfoques.

Sardenberg (2011, p.22) aponta que,

É nessa perspectiva que devem ser entendidas as trilhas educativas, que são caminhos pedagógicos, percursos de aprendizagem nos quais campos diver-sos do conhecimento se organizam como contextos temáticos, integrando a escola à cidade. Nas trilhas, os espaços da comunidade são tomados como espaços educativos [...].

Com base nestes documentos e autores, referendamos nossos procedimentos didáticos, os quais contemplam o trabalho com fontes orais, análise de diferentes narrativas e imagens, trajetos entre o bairro e o centro histórico e elaboração das próprias narrativas a serem apre-sentadas à comunidade.

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3. Memórias dos bairros no processo de expansão urbana de Londrina

De acordo com os registros oficiais, a cidade de Londrina, a segunda em importância no Estado do Paraná, teve suas origens em 21 de agosto de 1929 com a chegada da primeira expedição da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), no local denominado Patrimô-nio Três Bocas. Aí firmaram o marco inicial do projeto imobiliário.

A atuação da CTNP, subsidiária da firma inglesa Paraná Plantations Ltd., não se restringiu apenas a compra e venda de terras, pois ao adquirir as terras do Estado e de outras concessionárias (cerca de 20% da região norte do Paraná), adquiriu também os contratos das companhias ferroviárias São Paulo- Paraná e Central do Paraná, os quais acabaram sendo uni-ficados pelo Estado em um único contrato. O monopólio exercido pela Companhia sobre as ferrovias visava principalmente, aos lucros proporcionados pelos fretes ferroviários, os quais seriam garantidos através do processo de colonização baseado na venda de lotes de terras (TOMAZI, 1989).

Até a década de 40, Londrina manteve-se nos limites da ordem estabelecida pela CTNP, porém a propaganda de terras férteis, acessíveis e promissoras atraiu muitos compradores. Com os bons resultados da cultura cafeeira, muitas famílias vieram em busca da riqueza e das oportunidades do “ouro verde”. É nesse momento que os limites do quadrilátero inicial foram rompidos (ADUM, 1991).

Inicialmente os primeiros aglomerados urbanos situados nas regiões periféricas da ci-dade ocuparam a região abaixo da linha férrea e as margens das principais vias de transporte.

Na década de 50 e 60, com o auge do café, a população urbana de Londrina cresceu consideravelmente, passando a representar mais de 50% da população total da cidade. Este elevado contingente populacional contribuiu para a expansão da cidade com o primeiro plano urbanístico (1954) que estabelecia o zoneamento de Londrina (ATLAS AMBIENTAL DE LONDRINA, 2008).

Na década de 70, a política agrícola adotada e as geadas intensas ocasionaram um forte êxodo rural. Entendemos que as transformações ocorridas no campo, como a mecanização e a diversificação de atividades, diminuindo o emprego de mão de obra, fizeram com que famí-lias inteiras se deslocassem para a área urbana em busca de trabalho, o que também contribuiu para o adensamento das ocupações irregulares.

Nas décadas de 70, 80 e início dos anos 90, as ações políticas se voltaram para a cons-trução de habitações populares com recursos públicos. Obras que envolviam tanto o poder público como os interesses imobiliários presentes na cidade, contribuíram para a implantação de mais de 130 conjuntos habitacionais em áreas distantes da malha urbana central a fim de adequar as populações ao espaço físico (FRESCA, 2002).

Temos ao longo do período mencionado tentativas de reordenar e higienizar o espaço urbano londrinense, que até então havia se afastado dos padrões desejados para o seu de-senvolvimento. Os loteamentos voltados às populações menos abastadas ocuparam regiões afastadas do centro urbano, definindo de modo claro o distanciamento entre os espaços de trabalho e os de moradia, promovendo segregação social (CANDOTI, 1997).

A expansão urbana de Londrina se deu em todas as direções da antiga malha urbana, ultrapassando os ribeirões Quati e Lindóia na região norte e ribeirões Cambé e Cafezal na região sul. A construção dos Cinco Conjuntos na região norte e o asfaltamento da PR 445 que liga Londrina a Curitiba, na região sul, foram impulsos significativos nesse processo.

Às margens da PR 445, iniciou-se em 1980, a construção de 660 unidades habitacionais, as quais foram entregues pela COHAB (Companhia de Habitação de Londrina) em 1981,

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como Conjunto Habitacional Anníbal de Siqueira Cabral, conhecido como Conjunto Cafezal, nome do ribeirão que corta a região. No entorno vieram outros conjuntos habitacionais que mantiveram o nome Cafezal (II, III e IV), entre outros (COHAB-LD, 2013).

Foi neste bairro que começou a trajetória do Colégio Estadual Profa. Maria José Bal-zanelo Aguilera, sendo naquele período Escola Estadual do Conjunto Anníbal de Siqueira Cabral (1987).

De acordo com a resolução n° 466/87 de 02/02/1987, foi autorizado o funcionamento da escola, enquanto a resolução n° 776/89 de 02/02/1989 reconheceu a criação e funcio-namento do estabelecimento como Escola Estadual do Conjunto Habitacional Anníbal de Siqueira Cabral - Ensino de 1° Grau.

Inicialmente, ocupou o espaço físico cedido pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura no prédio da Escola Municipal Dr. Joaquim Vicente de Castro, localizado à Rua Ananias Fonseca da Silva, número 171, no Conjunto Anníbal de Siqueira Cabral e somente a partir do ano de 1992, a escola passou a funcionar em prédio próprio, localizado à Rua Tarcisa Kikuti, número 55, no Conjunto Cafezal IV, onde permanece até hoje.

Em 1994, de acordo com a Resolução 2298/94 de 29/04/1994, como forma de ho-menagem póstuma, passou a denominar-se Escola Estadual Professora Maria José Balzane-lo Aguilera - Ensino de 1º grau, referenciando a professora e assistente administrativo do Núcleo Regional de Educação de Londrina. Em 1998, através da Resolução nº 3120/1998, tornou-se Colégio Estadual Professora Maria José Balzanelo Aguilera - Ensino Fundamental e Médio. Em 2010, por meio da Resolução n°3161/09, ocorreu a criação do curso profissio-nal. Atualmente, o colégio oferta os cursos Técnico em Administração de Empresa e Técnico em Recursos Humanos, além de abrigar uma sala de Recursos para o Ensino Fundamental na área de Deficiência Intelectual e Transtornos Funcionais Específicos e o Centro Estadual de Línguas Estrangeiras Modernas (CELEM), com o curso de Espanhol Básico e Aprimora-mento no período noturno.

Colégio Estadual Professora Maria José Balzanelo Aguilera, 2014. Professoras Eliane Candoti e Luciana Tejada Abraão em aula de campo com os alunos do 2º ano do Curso Técnico em Administração de Empresa.

A comunidade onde se localiza a escola tem um forte aspecto residencial com pouca rotatividade e as atividades econômicas são predominantemente locais. Apesar de não ser uma região expressiva na economia londrinense, é marcada pelo apreço dos moradores que

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mantém relações de prestação de serviço, trabalho, consumo e lazer com o bairro. A principal via de acesso ao bairro é a Avenida Eurico Gaspar Dutra. Saindo da PR

445 e seguindo por ela em direção ao Cafezal I, temos de um lado a outro das vias, uma forte representatividade do comércio local, geralmente empreendimentos familiares, atendendo satisfatoriamente a população que se encontra a dez quilômetros do Centro de Londrina. Moradores atestam que dificilmente saem do bairro para fazer compras, ressaltando a como-didade e a relação de confiança com os lojistas, o que favorece as negociações (ACIL, 2013). Percebemos que estes vários aspectos, característicos do bairro e da escola, podem contribuir para a pequena rotatividade de moradores no local, lembrando que boa parte deles trabalha nas imediações.

Conjunto Habitacional Anníbal de Siqueira Cabral – Cafezal I. Rua Eduardo de Pinho Neto.

4. Entre narrativas e imagens: a identidade sociocultural do bairro

4.1. A memória no processo de construção da identidade

Durante a apresentação do projeto e da metodologia adotada aos alunos do ensino médio, realizamos uma sensibilização quanto à importância sobre a história local e da história de vida que cada um possui, discutindo os conceitos de “História”, “narrativa”, “memória” e “identidade”, além de iniciarmos uma produção textual sobre a história de vida. Como tema de pesquisa inicial, solicitei acontecimentos e imagens que marcaram a história, relacionados à data de nascimento dos alunos.

Na aula seguinte, os alunos que desejaram, compartilharam aspectos da sua história pessoal e fatos ocorridos em Londrina, no Paraná, em outras partes do Brasil e do mundo que marcaram seu nascimento. Nesta atividade levantamos elementos particulares da memória de cada um e elementos de uma memória coletiva, os quais nos identificam como integrantes de determinado grupo, nos transmitindo o sentimento de pertença. Também evidenciaram aspectos da história da escola e do cotidiano do bairro que se relacionam com suas memórias. Noções temporais de anterioridade, posterioridade e simultaneidade foram identificadas em meio das narrativas.

A partir desta aula adotamos o “caderno de narrativas” como forma de avaliação. Cada aluno teria um pequeno caderno para registros da aula de História. Nele realizamos os regis-tros acima descritos, além de produções textuais após o trabalho com cada tema em sala de aula. Nosso primeiro registro abordou a história de vida e a pesquisa realizada.

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4.2. Vivências e narrativas na constituição das memórias coletivas e individuais

Na sequência assistimos ao filme “Narradores de Javé”, drama dirigido por Eliane Ca-ffé, em 2003. Trata-se da história dos moradores do vilarejo do Vale de Javé e da ameaça de destruição da cidade. A construção de uma represa prevê o alagamento da cidade de Javé. Para impedir a instalação da usina, decidem provar que a cidade possui um valor histórico a ser preservado. Para tanto, precisam registrar os fatos que são contados de boca a boca pelo povo de Javé. Mesmo com a vitória dos empreendedores capitalistas, há algo que os mantém unidos em busca de novas oportunidades.

Ao discutir sobre o filme, muitos destacaram a importância das narrativas no processo de registro da história e outros apontaram aspectos da cultura nordestina que caracterizaram o grupo, sendo que alguns deles podiam ser identificados nas famílias do bairro. Algo que também chamou a atenção foi a perspectiva dos narradores conforme gênero ou posses fa-miliares. Enquanto isso, enfatizamos a importância do papel do narrador e da história oral na elaboração do conhecimento histórico e dos registros oficiais.

Entre as atividades programadas, trabalhamos questões presentes no currículo, as quais foram relacionadas às temáticas locais, como as populações indígenas e negras no Paraná; presença das missões, bandeiras, tropeiros, latifundiários e companhias colonizadoras no pro-cesso de (re) ocupação do Paraná; além de destacar a figura do caboclo, do indígena e das comunidades remanescentes de quilombo nos conflitos de terra e movimentos de resistência. Também abordamos a importância da cultura cafeeira no processo de urbanização e desen-volvimento econômico do norte do Paraná, especialmente em Londrina, uma cidade que devido ao empreendimento imobiliário, atraiu um fluxo de migrantes e imigrantes, extrema-mente significativo. As geadas, a queda da produção do café, a mecanização do campo e o êxodo rural foram fatores que cooperaram para o processo de expansão urbana e surgimento de grande parte dos bairros de periferia juntamente com as políticas habitacionais, da qual o bairro em questão se originou. Toda a discussão ocorreu a partir da análise de imagens apresentadas em slides, textos e documentários, aulas de campo, além de discussões e apre-sentações de trabalho.

4.3. Oficina de Entrevista e as fontes orais

Com o apoio do Setor de Ação Educativa do Museu Histórico de Londrina, realizamos uma oficina abordando a importância da história oral, os procedimentos e a ética na realiza-ção de entrevistas, destacando os seguintes aspectos:

• Conceito de história oral e sua importância na produção do conhecimento históri-co;

• Elaboração do roteiro de entrevista e orientações para a realização da mesma;• Prática da entrevista com profissionais da escola e antigos moradores do bairro;• Retorno e relato de experiências, analisando aspectos positivos e negativos da fala

do grupo;• Orientações para a transcrição e análise das informações obtidas.Podemos analisar alguns fragmentos de transcrição de uma das entrevistas realizadas

pelos alunos, na qual a pessoa entrevistada trabalha e mora no bairro.

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Destaque para o bairro:

A.: O que mudou no bairro e nas escolas ao longo dos anos, alunos, pessoas, a edificação, etc.D.: Bom, como toda movimentação ao longo dos anos, é óbvio que com o crescimento a própria escola

cresceu e...A.: Mas você viu alguma mudança nos alunos, comportamento...?D.: É, a gente que trabalha com criança desde pequena, a gente percebe que com o tempo o comporta-

mento da criança é mais (houve uma pequena pausa) se levando até a parte de indisciplina, né, porque, é, há dez, doze, quinze anos atrás, a maioria das mães ainda ficava em casa cuidando dos filhos, a maioria. Hoje é cem por cento mãe fora de casa quase, a criança sai da rua pra vir pra a escola...

A.: (houve uma confirmação)A.: Ééh, há quanto tempo você mora ou trabalha, assim, no bairro?D.: Na verdade eu moro no bairro há vinte e cinco anos e na escola acho que é vinte e seis ou vinte e

sete anos, por aí...A.: Ééh você sabe alguma causa ou motivo da mudança, que influenciou o bairro a mudar, coisa e tal,

assim?D.: Ah eu acho que é a própria população, né. O crescimento de comércio faz com que haja mudanças,

né... e a melhoria da própria escola, né? Porque quando a escola iniciou ela tinha apenas o quinto e o sexto ano e ela vai crescendo automaticamente com o crescimento da população, a escola cresce e melhora.

Destaque para a unidade escolar:

S.: (Neste momento da entrevista, a vice diretora Sílvia, interrompeu para resolver um assunto impre-visto sobre um material que foi emprestado dela – a bola de vôlei. Depois de um certo tempo retornamos à entrevista).

A.: Quando você começou a trabalhar aqui na escola, como era a escola, assim, que tinha diferenças assim, como que era?

D.: (risos) Era beem diferente, viu? Na verdade a escola não iniciou aqui neste prédio, ela iniciou ali no prédio do Joaquim Vicente de Castro (escola municipal), depois, éé, por razões políticas internas, passou-se para o barracão da igreja lá de baixo (referiu-se ao Cafezal I), onde as salas de aula, que conhece lembra,... quem lembra depois vai ver, as salas eram divididas com “cortina” (houve um tom de revelação ao dizer “cortina”).

A.: Nossa.D.: Imaginou? Uma sala com a outra cortina? Até que construiu esse prédio. Esse prédio na verdade, ele

não foi nem inaugurado e nem entregue, nós que viemos com barro e tudo porque se ficasse esperando não saia. Aí, aqui era um barro minha fia! Sabe como que nóis vinha trabalhar? Com um saco plástico na perna até aqui (ela fez um sinal na altura do joelho), porque era tudo barro aqui, não tinha asfalto, essas coisas, a gente tinha que vir trabalhar com saco plástico até aqui (novamente o gesto na altura do joelho), aquele barro, a gente chegava mais sujo do que... antes de sair de casa. (risos)

A.: Entendi.

Dentre as observações dos alunos sobre a prática da entrevista percebemos: os pare-ceres críticos ao ouvirem os áudios das gravações uns dos outros apontando aspectos em que poderiam ser melhores e aspectos em que alguns se sobressaíram; as emoções e reflexos percebidos no decorrer da entrevista, ficando visível o medo de exposição por parte dos entrevistados; a presença de variações linguísticas; a distinção entre o “português falado” e a escrita formal; dentre outras curiosidades.

Por questões de tempo e deslocamento, não consegui acompanhar os alunos em outras entrevistas, mas me surpreendi ao encaminhá-los para realização de entrevistas e registros com familiares e moradores vizinhos. Todas as equipes fizeram a coleta de informações e transcrição das entrevistas conforme as orientações e dos modelos concedidos pela equipe pedagógica do Museu Histórico.

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Eu: Vamos começar a entrevista, então? Como é seu nome?Entrevistado: João de Morais (mexeu as mãos).Eu: Sua idade?Entrevistado: 53 anos.Eu: (cara de surpresa)Eu: Local de seu nascimento?Entrevistado: É... Marumbi, Paraná.Eu: Se nasceu em outra cidade, qual é a data em que veio para Londrina?Entrevistado: (Olhou para baixo) 1983.

De posse das transcrições e outros registros, os alunos apresentaram em sala os temas abordados pelos entrevistados, a partir dos quais elencamos algumas categorias (migração; família; paisagem – mudanças e permanências; trabalho e consumo; condições de vida no bairro – mudanças e permanências; condições de vida na escola – mudanças e permanências; necessidades da comunidade) a partir das quais analisamos as entrevistas.

Reunidos em grupo, os alunos analisaram de duas a quatro entrevistas utilizando siglas ou abreviaturas para os nomes e mencionando por categoria o que cada um abordou sobre aquele determinado tema. Exemplo: Migração: D.V. veio de Jacarezinho; X. veio de Minas Gerais; Q.L.S. veio de Caetés – Pernambuco. A cada tema, os alunos pesquisaram e registra-ram falas dos entrevistados que se remetiam ao assunto e assim foram organizando os regis-tros por categorias conforme a questão analisada. A partir da categorização das informações, os alunos puderam constatar elementos sobre o perfil da comunidade e aspectos cotidianos da sua história, observando no processo as mudanças e permanências e assim, além de con-frontar as informações. Esse processo favoreceu a construção das próprias narrativas.

Categorias (elencadas pelo grupo):1) Migração2) Família3) Paisagem 4) Trabalho e consumo5) Espaço urbano 6) Condições de vida do bairro 7) Condições de vida na escola 8) Necessidades da comunidade

Migração:X: Araçaí, Minas Gerais.I.S.: Cambé, Paraná.

Família:X: Veio para o Paraná acompanhando seus pais que vieram para esse estado em busca de trabalho.I.S.: Veio morar no Cafezal porque saiu uma casa popular para os pais dela.

Paisagem: mudanças e permanências:X: O colégio era no salão da igreja, antes de vir para o Joaquim Vicente de Castro.I.S.: Era muito simples e as casas eram todas iguais e sem muros que a cercassem, pois eram cercadas

por arames. Por conta das semelhanças entre as residências, era muito fácil de se confundir e as casas eram localizadas por quadras e datas.

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Trabalho e consumo:X: Auxiliar de serviços gerais e cozinha. (...) no bairro haviam muitos cursos.I.S.: Auxiliar de serviços gerais e cozinha. Hoje (...) surgimento de vários comércios e o que permaneceu

foi os espaços das praças.

Espaços urbanos: mudanças e permanências:X: As pessoas se reuniam nas ruas para conversar. I.S.: Surgimento de vários comércios e o que permaneceu foi o espaço das praças.

Condições de vida no bairro: mudanças e permanências:X: O colégio mudou de lugar.I.S.: Era muito simples.

Esta fase foi uma das mais interessantes, pois se surpreenderam sobre vários aspectos da trajetória dos moradores do bairro e da própria escola. Algo que chamou a atenção foi o fato da escola não possuir registros sobre sua trajetória, tanto que não conseguimos fotos que retratassem as primeiras fases vividas pela escola e sua equipe. Deste modo, os regis-tros obtidos por entrevistas e empréstimos de fotos por parte da Escola Municipal “Doutor Joaquim Vicente de Castro”, da Paróquia Santo Antonio e de moradores do bairro, foram significativos para a comunidade escolar. Ao entrevistarem familiares e vizinhos, os alunos se depararam com uma gama de informações que não encontraram em livros ou textos apre-sentados sobre a história da cidade, sendo curiosas as falas dos mesmos: “Não imaginava que minha avó soubesse tanta coisa.”; “Isso que você está falando é verdade, meu pai disse a mesma coisa.”; “Eu não imaginava que era assim.”; “Ah, eu não queria morar aqui nessa época. Já pensou não ter nada pra comprar, ter que andar a pé, não ter o que fazer de sábado à noite...”; “Como era difícil estudar naquela época...”; “Colocaram os pobres no meio do mato e afastado de tudo.”; “Ah, o povo do Cafezal é guerreiro!”; “Tá vendo o interesse que a ACIL tem na região Sul. A gente é importante.”; “Tinha Kaingang aqui? Que legal!”.

Vista do Cafezal I,1983, do local onde hoje está o Jardim Tarobá (região sul de Londrina).

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As informações obtidas com pessoas próximas tiveram um significado maior do que as informações obtidas no âmbito do colégio, apesar de que as informações mais consistentes sobre a história da escola vieram dos professores e funcionários mais antigos, muitos dos quais também são moradores do bairro. Percebemos nisso, a grande satisfação dos alunos em perceber o conhecimento tecido a partir das narrativas familiares, promovendo a valorização de suas origens. O acervo fotográfico concedido por algumas famílias e instituições locais confirmaram as falas dos entrevistados que despertou o olhar surpreso dos alunos, pois o confronto das fontes oriundas de diferentes sujeitos confirmaram as versões dos mesmos junto à versão histórica dos fatos.

Início das obras da Capela São Bonifácio e missa com frei Ernesto na rua próxima à construção no C. H. Anníbal de Siqueira Cabral (Cafezal I), 1983. No altar, da esquerda para direita: Ministro da Eucaristia Nalo Fontolan, Frei

Ernesto e Ministro da Eucaristia Joaquim Domingues de Oliveira.

Moradores do Cafezal I, 1984, em frente a igreja (ao fundo, casas do cafezal). Da esquerda para a direita: João Nogueira; Maria Inês Gomes Domingues de Oliveira; (?); Erisson Vilela Ramos; (?); Cidinha; Marcos Santiago; Edeni Ramos; Sandra Martins; (Pároco Frei Ernesto); Sirlene Soares; Silvana Martins; Valdecir Eleutério; Izilda

Guedes; Roseli; Rosilene; Valdemir Eleutério; Edson Ramos com camisa listrada; Helena Martins(?). Agachados: Joaquim Domingues com a filha Joamara no colo; menino de calça Jens, Silvio Martins: e demais pessoas não

identificadas.

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“Quem ganhava menos, comprava casa na parte baixa do bairro. Casa ‘meia água’ que era chamada de ‘cachorro sentado’. A primeira igreja do Cafezal também foi construída lá embaixo. Antes dela as missas eram feitas na rua. O padre rezava com todos em pé”. Quitéria Laura de Lira Santos. Natural de Caetés, PE – moradora do Cafezal I, Londrina, PR, desde 1983.

4.4. Narrando e registrando histórias

Nosso ponto de partida sempre foi o conhecimento prévio, de modo que já nas primei-ras aulas solicitei que escrevessem no caderno de narrativas o que sabiam sobre a história de Londrina e a história do bairro.

A indagação foi imediata: “O que vou escrever? Não sei nada sobre o Cafezal e nem sobre Londrina!”. “Escrevam o que souberem.” As narrativas foram sendo ampliadas gra-dativamente à medida que avançamos com a análise de fontes (fotos, mapas, plantas da ci-dade, trechos de documentários, fragmentos de jornal, textos variados, entre outros) sobre as temáticas locais. Pedi que observassem as narrativas anteriores e apontassem as mudanças identificadas e foram enfáticos ao dizer que a consistência dos argumentos frente aos ques-tionamentos se deu por terem adquirido um conhecimento do qual não dispunham sobre a própria realidade. Conhecimento construído não apenas a partir de textos didáticos e de pes-quisas de outros, mas da própria pesquisa e dos saberes presentes na comunidade. Retoma-mos a discussão sobre o filme “Narradores de Javé” e foi visível a ampliação do vocabulário e dos elementos que compuseram as novas narrativas sobre a própria história. Perceberam-se enquanto narradores capazes de confrontar as memórias narradas juntamente com o conhe-cimento científico registrado, e a partir delas elaborar suas próprias narrativas.

Como produto final deste processo, reuniram as falas de todos os entrevistados por categoria e, a partir da análise das informações reunidas, elaboraram coletivamente um texto que, não teve a pretensão de narrar toda a história do Conjunto Habitacional Anníbal de Siqueira Cabral, conhecido como Cafezal I, mas sim de discutir e promover reflexões sobre a história da comunidade a partir das memórias e saberes de seus integrantes. Construir um material a partir de suas pesquisas e impressões, bem como das falas de pessoas com as quais se identifica, é gratificante, principalmente quando este enriquece o conhecimento produzido até o presente momento e ao mesmo tempo, abre as portas para novas continuidades. Sobre isso Pollak (1992, p. 10) nos diz que, “a história tal como a pesquisamos, pode ser extrema-mente rica como produtora de novos temas, de novos objetos e de novas interpretações. A história está se transformando em histórias, histórias parciais e plurais...”.

A produção textual coletiva foi associada à análise das fotos coletadas pelos alunos, de modo que ao construírem os parágrafos demonstraram interesse pela associação de imagens e comprovassem a escrita. Perceberam alguns aspectos no processo de coleta de fotos: a dificuldade em encontrar fotos das décadas de 70, 80 e 90 dentre os moradores do bairro; muitos não tinham fotos (até por questões financeiras) e as poucas fotos que possuíam, não registravam o espaço físico, pois a preocupação maior era com as pessoas a serem fotografa-das e não com o lugar em que estavam; muitos não permitiram o empréstimo da foto, mesmo com a justificativa escolar, o que é natural, uma vez que a foto se torna um bem familiar de cunho afetivo.

Dando sequência ao trabalho, realizamos uma oficina de sensibilização para exploração da fotografia como documento.

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Categoria 2 - Família:

João: veio para o bairro estudar as filhas.Xuxa: veio acompanhando os pais em busca de trabalho.Ivanusa: veio acompanhando os pais que conseguiram a casa num programa habitacional do governo.Dirce: quando adulta conseguiu uma casa num programa habitacional do governo.Leolinda: veio com a família para morar e trabalhar em Londrina.Aparecida: veio acompanhando o marido, para ter oportunidade de trabalho.Jeane: conseguiu uma casa num programa habitacional.Marisandra: casou e veio com o marido para morar e trabalhar em Londrina.Maria José: depois de casada se inscreveu num programa habitacional do governo, e quando foi chamada

veio morar com a família.Sonia: (nunca morou no bairro)Sergio: casou e comprou uma casa no bairro.

Parágrafo construído coletivamente pelos alunos a partir da categorização de informa-ções sobre o tema “família”:

“O Conjunto Habitacional Anníbal de Siqueira Cabral, popularmente conhecido como Conjunto Cafezal I foi formado por famílias vindas de várias regiões do Brasil, especialmente paulistas, mineiros, nordestinos e pessoas de outras cidades do Paraná. Muitos dos que mo-ram no bairro hoje, vieram acompanhando seus pais ou o seu cônjuge e se instalaram assim que conseguiram uma casa pela Companhia Habitacional de Londrina (COHAB-LD)”.

4.5. Oficina de Fotografia: conhecendo e explorando a fonte imagética

Com o apoio do Setor de Ação Educativa do Museu Histórico de Londrina e da pro-fessora de Arte Luciana Tejada Abraão, realizamos uma oficina abordando a importância da fotografia enquanto documento histórico dentre os seguintes aspectos:

• Histórico da fotografia;• Procedimentos realizados a partir da intencionalidade do fotógrafo;• Estimulação de diferentes formas de olhar para o objeto;• Orientações sobre a utilização da máquina fotográfica;• Saída para coleta de imagens no âmbito escolar;• Apresentação das imagens coletadas e análise das mesmas;• Discussão sobre os resultados, a qual significou mais do que a intencionalidade dos

alunos, enfatizando elementos significativos que caracterizam o espaço físico do colégio e que humanizam os mesmos.

A discussão sobre as imagens capturadas pelo olhar dos alunos contribuiu para o de-senvolvimento das aulas de campo, sendo uma no bairro e outra pelo centro histórico da cidade, incluindo uma vista ao Museu Histórico de Londrina, nas quais puderam utilizar os conhecimentos transmitidos durante a oficina.

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Mata entre o Conjunto Cafezal IV e o Jardim Acapulco. Alunos observando e registrando o entorno da escola durante a aula de campo, 2014.

4.6. Trilhas do bairro ao centro histórico de Londrina

Antecedendo a aula de campo, realizamos trabalhos prévios sobre a história de Londri-na partindo da análise de fotografias, mapas e textos sobre a formação histórica da cidade e o processo de urbanização em diferentes momentos. No decorrer das atividades relacionamos mudanças e permanências na paisagem e nos usos e funções de determinados espaços, os quais muitas vezes são associados à topografia local, além da diversidade étnica e cultural presente no espaço.

Primeiramente, realizamos um trajeto entre o bairro e o centro histórico da cidade, contemplando uma visita ao Museu Histórico de Londrina. Neste trajeto, consideramos as-pectos e irregularidades da ocupação do espaço no bairro, comparando com outros bairros visualizados no percurso. Também abordamos o sentido de patrimônio material e imaterial, patrimônio natural, tombamento, processo de higienização da cidade, humanização e de-sumanização de alguns espaços, além do contexto histórico e social em que se formaram. Finalizamos com a visita ao Museu Histórico de Londrina “Padre Carlos Weiss” durante a exposição itinerante “Ferrovia e Café”.

Além de encontrar narrativas nos diferentes espaços da cidade, pudemos verificar algu-mas continuidades no discurso existente no modo como as exposições permanente e itine-rante estavam organizadas. Para esta atividade, recebemos a monitoria do museu.

Visita monitorada ao Museu Histórico de Londrina, 2014.

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De posse dos relatos e imagens registradas durante a aula de campo, os alunos monta-ram apresentações em power point e vídeos, os quais foram apresentados em sala e discutidos pelo grupo, juntamente com a professora.

Num segundo momento, realizamos um trajeto no entorno do colégio e nos Con-juntos Cafezais, contando com parceria da professora Luciana Tejada Abraão da disciplina de Arte. Nosso percurso envolveu o levantamento da religiosidade, da arquitetura, do lazer, do trabalho e do consumo no bairro. Para tanto, visitamos a Paróquia Santo Antonio, de onde tivemos uma vista panorâmica dos Cafezais I, II, III e IV. Na capela, a professora de Arte explorou os vitrais, os formatos, as texturas e os relevos. Surpreenderam-se ao observar aspectos da história e da cultura religiosa da comunidade por meio das construções e das manifestações presentes na comunidade. Após a igreja, focamos a atenção nos aspectos do comércio local, dentre os quais se destacou o comércio existente nas casas dos moradores: oficinas, bazares, lojas de confecção e calçados, sacolões, bares, lanchonetes, sorveterias, pa-darias, mercearias, salões de beleza, farmácias e borracharia, além de igrejas, o que reforçou boa parte das leituras realizadas em sala de aula. Durante o percurso e a monitoria dos profes-sores confrontaram informações obtidas com a pesquisa. Visitamos a pedreira desativada e pudemos observar a grande quantidade de rocha basáltica da qual se origina a terra vermelha que caracteriza o norte do Paraná, além de aspectos da economia rural ainda presentes e a poluição ambiental existente no local. Ali relataram vários casos e “causos” relacionados ao uso da pedreira (brincadeiras de crianças, aventuras, mortes e histórias assombrosas). Mui-tos não conheciam os locais visitados e, principalmente na pedreira, foi grande o interesse e registrar as imagens. Depois nos direcionamos a parte mais baixa do Cafezal I, próximo à nascente do fundo de vale onde hoje se encontra a capela São Bonifácio e a primeira creche da comunidade (lembramos que durante algum tempo o salão paroquial da capela abrigou as salas de aula do colégio). Neste local os alunos relataram experiências vividas com os avós que buscavam verduras, frutas, leite e ovos, além de galinhas para o abate nos sítios e chácaras vizinhos ao bairro. Perceberam nesta parte do bairro uma vida social intensa: missas e festas da igreja, prática de esporte, atendimento em unidade escolar e de saúde, além de reuniões comunitárias. Identificaram que a arquitetura do conjunto habitacional atestava a diferença social existente dentro do mesmo, de modo que na parte mais alta haviam casas maiores (grandes e médias com telhado duas águas) e na parte baixa, próximo ao fundo de vale, as casas menores (com telhado meia água, conhecida pelos antigos moradores como “cachorro sentado”). Apesar da distinção social confirmada pelo padrão das construções, chamou-lhes a atenção o fato de que a região mais desvalorizada concentrava o maior número de atividades de lazer e serviço comunitário. Perceberam as narrativas familiares pelo contexto dos espaços percorridos, identificando a si mesmo e aos seus como integrantes da história pesquisada e como agentes de mudança do seu tempo. Comentaram as conquistas observadas nas fotos e descritas pelas famílias entrevistadas, dando ênfase ao perfil de luta da comunidade. Durante o percurso fotografaram diversos locais e destes registros resultou uma pequena exposição de fotos chamada “Nossos olhares sobre o bairro”.

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Aula de campo nos Conjuntos Cafezais I, II, III e IV (2014).

4.7. Compartilhando nossos olhares sobre o bairro.

O produto final seria a produção e divulgação de um texto com as imagens coletadas e produzidas pelos alunos, porém nos surpreendemos quando a equipe pedagógica sugeriu como tema da semana cultural “Londrina 80 anos”, abordando a história da cidade e do bairro. Neste momento, nossa preocupação maior foi divulgar a pesquisa entre professores e alunos envolvidos com o trabalho, de modo que os materiais utilizados e produzidos durante a aula circularam entre os três períodos que a escola atende. A produção tornou-se material de estudo para outros professores e alunos a fim de contribuir com suas produções. Dentre as atividades de destaque da semana cultural tivemos a pintura dos muros da escola com te-mas relacionados à nossa pesquisa (lembrando que este projeto já estava sendo realizado pela professora de Arte, juntamente com alunos do departamento de Arte da UEL, de modo que a referida temática sugeriu temas); elaboração de vídeo a partir do texto construído em sala com base nas entrevistas realizadas; organização de danças e salas temáticas com monitoria dos próprios alunos; e a visitação de antigos moradores do bairro para participarem de uma solenidade. Este foi um dos momentos marcantes do projeto, oportunizando que senhores e senhoras fossem ouvidos e homenageados. Alguns narraram experiências de vida na co-munidade, o que emocionou a muitos. Mais tarde, quando indagados sobre a melhor parte da semana cultural, os alunos da turma com quem realizamos o projeto, disseram que foi a visita dos moradores do bairro, quando puderam ouvir outras histórias, além daquelas que já sabiam. Dentre os idosos convidados, vários eram avós de outros alunos do colégio, tendo in-

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clusive, um ex-funcionário do mesmo. As produções dos demais professores e alunos do co-légio aprofundaram o tema indo muito além do que havíamos sequer pensado ou imaginado.

5. Produto final

A avaliação dos alunos ocorreu em conformidade com a realização dos trabalhos pro-postos a partir de observação da participação e produção do conhecimento por parte dos alu-nos. O caderno de narrativas com as conclusões e relatórios de cada tema abordado também foi um importante instrumento de avaliação. Com base nas pesquisas, entrevistas, leituras, vídeos, observações e exposições do professor, os alunos redigiram textos com elementos da história de Londrina, do bairro, da escola e da própria história de vida, dentre outros.

O produto final correspondeu a produção de um texto coletivo no qual os alunos, com a orientação da professora, registraram parte da história da cidade e do bairro associando às fotos e outros documentos selecionados. O material adquiriu um caráter todo especial a partir do momento que perceberam a utilidade do mesmo por meio da semana cultural. O texto acabou sendo divulgado no facebook do colégio para outras pesquisas e para surpresa dos alunos o texto foi divulgado no Jornal da Região Sul de Londrina (https://issuu.com/jornalsul/docs/jornal-sul_janeiro2015?e=0 ).

Recentemente, a comunidade das Paróquias São Bonifácio e Santo Antonio na região dos Cafezais se mobilizou para pesquisar sobre a história dos Cafezais e apresentar à co-munidade, nos procurando para obter o material e compartilhar numa evento local. Outras

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pessoas entraram em contato oferecendo-se para serem entrevistadas (funcionários antigos do colégio, moradores do bairro e moradores das chácaras no entorno dos Cafezais) e desse modo, apesar de não acompanhar os alunos que iniciaram o trabalho, percebo que ainda há um interesse considerável por participar das pesquisas que deram visibilidade à comunidade e suas histórias.

6. Considerações Finais

O elemento motivador para realização deste projeto foi em grande parte o desejo de agregar significado à minha prática docente de modo a beneficiar e valorizar a grande diver-sidade com a qual trabalho.

No colégio tivemos total apoio da direção e da equipe pedagógica para a implementa-ção do projeto, o qual também foi favorecido pela realização da semana pedagógica com o tema “Londrina 80 anos”. Durante a apresentação vários professores interagiram comentan-do sobre as possíveis contribuições de cada área no contexto da comunidade. A discussão se deu em torno da necessidade de repensarmos o currículo a partir das temáticas locais e significativas aos nossos alunos, de modo que a nossa proposta correspondeu aos segmentos apontados pela equipe pedagógica.

Durante a apresentação da proposta aos alunos do 2º ano do Ensino Médio Integrado de Administração de Empresas, confesso que não percebi grande interesse dos mesmos em realizar o trabalho, mas no decorrer das aulas, com a utilização de fontes diversas e ampliando as discussões para além da grade curricular e do próprio livro didático, a partir de temas e pro-blemáticas locais, percebi que a proposta passou a despertar a curiosidade dos alunos. As ati-vidades propostas para o desenvolvimento do projeto foram intercaladas com os conteúdos presentes no currículo (o qual enfatizava o processo de colonização da América), trazendo o mesmo enfoque para elementos locais. Deste modo, tratar das comunidades indígenas da América, em especial os povos do Paraná, provocou muitos questionamentos sobre a diver-sidade existente entre eles. Assim, discutimos o conceito genérico de índio, a importância destes povos na sociedade e os movimentos de extermínio e intolerância para com o “outro”, presentes em nosso contexto desde o início do empreendimento colonizador na América. A diversidade, os saberes e as tradições afro-brasileiras no contexto regional e local também foram abordados e identificados no perfil da comunidade, uma vez que percebemos com as pesquisas, a predominância de nordestinos e mineiros entre os moradores do Cafezal I.

A dificuldade em motivá-los a produzir o material se deu em função de não estarem habituados com a prática da pesquisa e do tratamento da informação, no entanto, as ofici-nas práticas, as aulas de campo e a utilização de documentos (fotos, mapas e depoimentos) onde conseguiram cruzar informações e constatar a veracidade dos fatos, instrumentalizaram os alunos em suas produções, ampliando as narrativas gradativamente. Isso proporcionou momentos de realização tanto para eles quanto para mim à medida que percebiam em seus textos a ampliação do conhecimento. É importante dizer que a utilização de fontes variadas favoreceu o envolvimento dos alunos, bem como a compreensão das vivências em diferentes temporalidades.

O modo como se deu a ocupação do espaço dos Cafezais; as vivências rurais em con-traposição às urbanas; as conquistas da comunidade no que se refere à prestação de serviços, ao transporte, ao atendimento de unidades escolares e de saúde; os vínculos afetivos entre os membros da comunidade, os quais interferem nas relações de lazer, trabalho e consumo;

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o perfil e a baixa rotatividade dos moradores permitiu que identificassem por meio desses elementos as razões de mudanças e permanências, além das necessidades e alvos a serem atingidos, os quais foram discutidos pelo grupo, que se sentiu surpreso diante dos relatos de conquista das primeiras famílias estabelecidas no local.

O texto coletivo dos alunos, resultante das informações e imagens coletadas, foi re-lacionado com a experiência dos moradores de “Javé”. O mesmo foi disponibilizado para diferentes turmas da escola, em diferentes períodos. Isso foi gratificante.

Quando já havíamos praticamente encerrado o processo de pesquisa, consegui entrar em contato com a segunda presidente da Associação de Moradores do conjunto Cafezal I, hoje Conselheira Tutelar. Esta nos forneceu fotos da inauguração da primeira creche, de uma lavanderia pública, da construção de um parque de diversões, da realização de ruas de recreio e desfiles de “7 de setembro” pelos moradores da comunidade, além de informações que confirmaram o espírito de luta e reivindicação presente entre os mesmos. Esta solicitou o texto redigido pelos alunos para publicação num jornal de circulação da região Sul de Lon-drina elogiando a iniciativa e dizendo que este envolvimento significativo por parte das pes-soas precisa ser reavivado. Não houve tempo hábil, mas surgiram muitos outros nomes para entrevista, pessoas com o desejo de contar a suas histórias. Quanto aos alunos, percebi que se pudéssemos nos deslocar com maior frequência para as entrevistas ficariam satisfeitos em poder ouvir, interagir e registrar as muitas falas. Isso foi confirmado pela iniciativa de outros professores em acrescentar na gincana, um momento em que as equipes trariam para uma conversa, os “pioneiros do Cafezal I”. Todos os presentes ouviram e aplaudiram as falas de idosos de diferentes ascendências e muitos, naturais de outras regiões do Brasil, que contaram suas histórias de vida, histórias de muitos dos alunos.

Inicialmente não se deram conta do que estavam produzindo, mas ao final, perceberam uma produção que, mesmo modesta, passou a ser utilizada como fonte de conhecimento para outros. Isso, literalmente, lhes trouxe a sensação de empoderamento, assim como aos muitos idosos convidados para falar sobre as histórias de vida durante a homenagem realizada na semana cultural. Sendo assim, percebo uma história que precisa ser constantemente revisitada e que o grande mistério da prática docente está em oportunizar descobertas e abordagens significativas a partir de temas locais que façam a ponte com os temas curriculares, além de buscar e valorizar o conhecimento presente no contexto dos nossos próprios alunos. A comunidade do Cafezal possui problemas sociais como todas as outras, mas também é resul-tado das vivências e histórias de inúmeros indivíduos e culturas, as quais tratamos como se estivessem desvinculadas do conhecimento que temos que transmitir. Pollak (1992, p.11) nos diz que este conflito se deve ao fato de que o historiador estava se restringindo aos arquivos e que agora está se deparando com a realidade concreta, nas falas e nas vivências, de modo que é preciso trazê-las para dentro da sala de aula.

Perceber elementos da própria história dentre os conteúdos ensinados, identificando-se como portador e produtor de conhecimentos fez com que alunos e demais membros da comunidade se envolvessem com a pesquisa de modo prazeroso e instigante, ampliando os domínios da escola e dos saberes escolares.

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Introdução

Londrina é uma cidade que teve um acelerado processo de urbanização, ultrapassan-do rapidamente os planos definidos por seus governantes, o que resultou no aumento da segregação social e da carência de serviços públicos (saúde, educação, infra-estrutura, etc.). Assim, este texto tem o objetivo de apresentar reflexões sobre o processo de urbanização de Londrina, procurando compreender a história do bairro Pindorama.

A metodologia utilizada neste trabalho envolveu pesquisa bibliográfica e de campo, visto que foram realizados estudos teóricos, análise e sistematização de textos, bem como realização de entrevistas e coleta fotografias com moradores do bairro.

Assim, inicialmente, apresentaremos apontamentos sobre o processo de colonização de Londrina e a constituição das primeiras favelas; a seguir abordaremos a formação do bairro Pindorama, tendo como base fontes biográficas e relatos de antigos moradores; por fim mos-traremos o bairro pela visão das crianças que habitam e nele estudam.

Londrina e o seu processo de urbanização

A cidade de Londrina foi sistematicamente planejada pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), no entanto o seu acelerado processo de urbanização atrapalhou os pla-nos, conforme explica Martins (2007, p.56) “a cidade fora desenhada pela CTNP para abrigar cerca de 20.000 habitantes sendo em seu planejamento delineada áreas para os novos cidadi-nos, mas seu crescimento acelerado ultrapassou as previsões”.

A CTNP dividiu e loteou as terras, bem como adotou uma política de propaganda e parcelamento da divida para estimular a venda das mesmas (ALVES, 2002), sempre seguindo a Lei de Zoneamento1. Nesse sentido, Martins (2007, p.57) afirma que

As áreas centrais do quadrilátero tinham um preço maior, portanto, não estava acessível a todos, desta forma, ai se instalou uma população de maior poder aquisitivo e as atividades comerciais. No entanto, tinham-se bairros residen-ciais obedecendo a um zoneamento previamente estabelecido.

Essa política de zoneamento provocou uma segregação sócio-espacial, visto que as

1 Segundo Paula (2008, p.28)[...] Em 1963 foi estabelecido pelo poder público local uma lei de zoneamento que detalhava a divisão da cidade em zonas diversas com o objetivo de ordenar a expansão urbana na ótica da racio-nalidade. [...] Este zoneamento [...] visava uma proposta para um planejamento harmônico, com normas e critérios para expansão urbana, uso do solo, dentre outros aspectos.

Conjunto Habitacional Pindorama:Uma história construída e contada por gerações

Rita de Cássia de Araújo

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pessoas de baixa renda não tinham condição financeira de comprar lotes próximo ao centro, sendo obrigadas a se instalarem nas áreas distantes do centro e próximas aos vales, extrapo-lando os limites do zoneamento. Martins (2007, p. 59) explica que “[...] houve um avanço da especulação imobiliária e que os lotes sem benfeitoria, naquele momento distante de tudo, eram mais baratos. Mediante esta lógica começaram a surgir as vilas fora dos limites inicial-mente projetados para a cidade”.

Por volta de 1950, contrastando com o crescimento da cidade, surgiram as primeiras favelas de Londrina, visto que houve um aumento da população sem condição financeira para adquirir uma moradia.

A maioria dos habitantes das primeiras favelas de Londrina2 eram trabalhadores rurais e migrantes de outros estados, principalmente da região nordeste, que viam nesta cidade novas oportunidades (MARTINS, 2007). O autor ainda afirma que

Para esta população de excluídos a única alternativa era ir morar na favela, não era uma escolha, mas, sim a única possibilidade. A população urbana de Londrina cresceu rapidamente resultando em um enorme déficit habitacional morar em Londrina para a população de menor poder aquisitivo já no inicio da década de 1950, era um problema de ordem pública, econômica, ambiental e, principalmente, social (MARTINS, 2007, p.74)

A fim de controlar a construção desordenada de moradias por famílias de baixa renda, principalmente, nas favelas, foi criada, em Londrina, a Companhia de Habitação (COHAB)3, que, apesar de ser criada na década de 1960, passou a ter forte atuação a partir da década de 1970. Nessa década, sob a administração do prefeito Dalton Paranaguá, houve uma dina-mização na construção de moradias em conjuntos habitacionais, em Londrina, procurando sempre fornecer a infra-estrutura necessária para os seus moradores (PAULA, 2008).

Os conjuntos habitacionais, inicialmente, foram construídos em áreas próximas ao cen-tro da cidade, procurando ocupar espaços vazios existentes. Mas a partir dos anos 1980, estes passaram a ocupar malhas urbanas distantes das centrais, os quais ainda eram carentes de infra-estrutura e serviços públicos (MARTINS, 2007)

Em um primeiro momento, o Estado procurou fornecer habitações a população que não possuíam condições de adquirir com recursos próprios, mas em um segundo momento passou a estabelecer critérios para a aquisição das mesmas (MARTINS, 2007). Nesse sentido, o autor explica que

Essa população que chegou em Londrina até o começo dos anos de 1970 aca-bou sendo em alguns casos, levadas pelo governo para alguns conjuntos ha-bitacionais destinados ao processo de desfavelização, o qual foi adotado pela Cohab-Ld em sua primeira fase, no entanto, não foram suficientes no sentido de atender à demanda crescente, logo seguida foi exigida comprovação de três salários mínimos de renda, medida totalmente excludente (MARTINS, 2007, p.78).

2 Segundo o levantamento feito pela Cohab em 1970 eram nove as favelas em Londrina. São elas: Bom Retiro, Grilo, esperança, Pito Aceso, Grilinho, Boa Vista, Novo Mundo, Vila Paulista e Marisa. (GAVETTI,1998).3 A Cohab é uma empresa criada no ano de 1965 pelo Decreto de Lei nº 1.008 e é composta por vários, sócios, sendo a Prefeitura Municipal de Londrina o seu majoritário. A sua homologação junto ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e ao Banco Nacional da Habitação (BNH) ocorreu somente no ano de 1969.

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A construção desses conjuntos habitacionais tinha como objetivo central promover a erradicação das favelas existentes, conforme explicita Martins (2007, p.91)

Em alguns casos os conjuntos foram utilizados para promover a erradicação de algumas favelas, como foi o caso do conjunto habitacional Barravento que acolheu as famílias da favela do Bom Retiro; conjuntos habitacional Pindora-ma I que acolheu as famílias da favela Fraternidade e Pito aceso.

Nesse sentido, podemos dizer que a política de habitação da Cohab atendeu um grande número de pessoas, porém não foi suficiente para suprir a necessidade de moradia e servi-ços públicos da classe trabalhadora que veio a Londrina em busca de novas oportunidades de empregos e melhorias na qualidade de vida. Além disso, vários conjuntos habitacionais construídos pela Cohab receberam tardiamente infra-estrutura e serviços públicos, o que contribuiu para que alguns se tornassem favelas.

O conjunto habitacional Pindorama foi construído nesse processo de urbanização com o objetivo de contribuir com o processo de desfavelação. Aqui nos deteremos exclusi-vamente na construção desse bairro a fim de compreender como ocorreu a sua constituição. Para isto, nos fundamentamos em fontes biográficas e relatos de alguns de seus moradores, os quais foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas.

A escolha dos entrevistados teve como critérios morar no bairro desde o seu início, bem como, ter vindo de uma das primeiras favelas de Londrina. Assim selecionamos os seguintes moradores: Patrocina Alves de Souza4, Geni Francisco5 e Régis Adriana Santos6.

Pindorama: olhar do passado e do presente

O conjunto habitacional Pindorama foi construído pela Cohab para receber, principal-mente, a população das primeiras favelas, visto que o objetivo dos governantes eram cons-truir uma cidade planejada e as habitações irregulares não se encaixavam nos planos traçados - e estas marcaram a construção de Londrina, visto que a classe trabalhadora que chegava na cidade não possuía condições para comprar lotes de terras que construir uma moradia.

A favela Pito Aceso, localizada nas encostas do Córrego Água Fresca - onde atualmente fica o Cemitério João XXIII - era composta por moradores vindos, principalmente, do esta-do de Minas Gerais e do nordeste. No ano de 1953, habitavam o local aproximadamente 90 pessoas. Essas pessoas vieram para Londrina em busca de uma vida melhor, no entanto, não tiveram muitas oportunidades, sendo obrigados a habitar uma região sem infra-estrutura e serviços públicos.

4 A Dona Patrocina tem 87 anos e antes de se mudar para Londrina, morou em Minas Gerais. Ela trabalhou como bóia-fria, principalmente nas lavouras de café, e como cozinheira no Iate Clube. Em Londrina ela morou na Favela Pito Aceso e de lá se mudou para o Pindorama, local onde mora atualmente.5 Dona Geni tem 59 anos, nasceu em Assaí e se mudou para Londrina ainda criança. Atualmente atua como doméstica, mas está prestes a se aposentar. Em Londrina ela morou na Favela Vila Esperança, depois foi para a Vila Fraternidade e por fim no Pindorama, onde reside até os dias de hoje.6 Régis Adriana Santos tem 40 anos, nasceu e cresceu em Londrina-Pr, morando sempre no bairro Pindora-ma. Atualmente, atua como zeladora no Centro Municipal de Educação Infantil Abdias do Nascimento, localizado também no bairro Pindorama.

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Favela Pito Aceso - 18 março 1965.

Favela Pito aceso - 18 março 1965.

Nelson Gavett - então presidente da Cohab a convite do prefeito Dalton Paranaguá - disse que as favelas existentes em Londrina eram verdadeiras pocilgas e isto o deixava estarre-cido, pois jamais imaginaria alguém habitando tal lugar. Nas palavras do autor: “na medida em que eram demolidas aquelas pocilgas, mais estarrecido eu ficava e imaginava: como podiam sobreviver ali” (GAVETTI, 1998, p.68)

No entanto, esse espaço ocupado irregularmente contrapunha-se ao planejamento rea-lizado pela CTNP e o governo de Londrina, principalmente, por ele estar localizado no cen-

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tro da cidade e próximo a Avenida Higienópolis7, local planejado para ser o mais glamoroso bairro de Londrina.

Sobre a localização da favela Pito Aceso Gavetti (1998, p.71) diz que

Essa favela localizada em um dos vales programados pela Prefeitura para ser agilizado a recomposição do córrego Água fresca, manutenção de toda a ve-getação, pois era um dos principais canalizadores da oxigenação natural da cidade, principalmente que está situado bem ao lado do centro da cidade.

Assim, acabar com as habitações irregulares nesta região era algo necessário e imediato, por isso ofereceram aos ocupantes da favela Pito Aceso as moradias construídas no Conjunto Habitacionais Pindorama, região leste de Londrina, argumentando que seria uma oportunida-de de vida melhor, conforme diz Souza (2015, p. 2),

Nóis morava... nóis morava na/no grilo, sabe. Sabe fala grilo, né. Então elis, então elis garro um dia nóis tava lá neh, elis falou só seis qué morá, seis tem interesse... Vontadi de morá num lugar melhor de que aqui. Se sabe... Claru que nóis teim vontade. Então né nóis... trouxi nóis aqui pra nóis olhá tudu, como é que era né. Tava começando aqui, quando nóis cheguemu. Quando nóis viemo, trouxeram nóis aqui tava começandu a fazê as casas, já tava, já tinha pino, tava assim começandu. Já tava bem adiantado já, né. Então quando termino, termino de fazê, então tirou nóis de lá, onde nóis morava.

A promessa de uma vida melhor e de acesso aos serviços públicos que essa população recebeu nesse novo bairro, não amenizou a dor de ver sua “casa” sendo destruída, conforme relata SOUZA (2015, p.4) “a gente se segura pra não chorá. Porque se morá muito tempo num lugá, muito tempo, se pega amor né, pega amor”.

Mesmo diante de todo o sofrimento de ver anos de sua vida sendo demolidos junto com suas habitações, os moradores acreditavam que neste novo local teriam condições de vida melhor, isto fica evidente no relato de Francisco (2015, p.03) “pra comparar onde eu morava, pra vim pra cá, tava no paraíso né. Porque eram aquelas casinhas bem... de tábua quase caindo. Então veio pra cá.”

Ao descrever o lugar para onde se mudaram, as falas se convergiam ao mencionar o as-falto, que era inexistente na época e quando o construíram foi muito comemorado, conforme explicita os relatos abaixo:

“Ahh... só tinha casa, né. Não tinha asfalto ainda.” (FRANCISCO, 2015, p.02)“Não tinha asfalto. Era tudo cheio de pedras.” (SANTOS, 2015, p.02)“O asfalto mioro bastanti. O asfalto miorou bastanti porque... o asfatu miorou bastan-

ti”. (SOUZA, 2015, p.03)“[...] eu lembro que foi mui/mui/muito comemoradu na época, foi fazê o asfalto né,

que não tinha né, que o povo... disso eu me lembro bem [...]”.(FRANCISCO, 2015, p.04) Assim, podemos dizer que inicialmente aquele lugar havia uma infra-estrutura mínima,

porém apresentavam uma expectativa de desenvolvimento, a qual foi se confirmando com o passar do tempo, conforme indica no último relato acima.

Atualmente, o conjunto Pindorama tem uma população de aproximadamente 744 pes-

7 [...] Londrina, na época, só possuía avenidas estreitas, a ideia era projetar uma mais larga, com alamedas e jardins. O local escolhido foi, não por acaso, o ponto mais alto da cidade, o mais arejado, livre das epidemias que ocorriam no centro do núcleo urbano portanto o local mais “higiênico” (BONI; SILVA, 2014)

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soas, organizadas em 248 unidades habitacionais, as quais medem, em média, 29,74 m², se-gundo informações contidas na página da internet da Cohab.

Os entrevistados ao mencionarem as residências, apontaram que eram todas iguais, mas que com o passar do tempo as pessoas foram realizando reformas. Os depoimentos abaixo demonstram tais confirmações:

“As casa não tinham muro, não eram aumentada, a maioria delas eram do jeito que a Cohab tinha entregue, desse modelo.” (SANTOS, 2015, p.02)

“Só tinha umas casinhas. Num tinha muro. Uma casinha nova quando faz, assim, não tinha. [...] Mudaram bastante, né. Teve muita reforma, né. mudaram bastante, né. Teve muita reforma, né.” (FRANCISCO, 2015, p. 02).

Essa conclusão também foi obtida por Paula (2008) ao desenvolver um estudo sobre as residências dos conjuntos habitacionais Jacomo Violim e Maria Cecilia S. de Oliveira - ambos localizados na região norte de Londrina – e segundo os autores, esses conjuntos também fo-ram construídos pela Cohab e apresentavam as casas em um único padrão, diferenciando-se apenas na metragem e na existência ou não das divisórias dos cômodos. Mas com o passar do tempo, a população foi melhorando seu poder aquisitivo e realizando reformas em suas moradias, construindo muros e ampliando-as.

Outra questão encontrada nos relatos é que o bairro se desenvolveu, porém ainda apre-senta uma infra-estrutura precária e ausência de alguns serviços públicos. Carvalho; Zequim (2003) desenvolveu um estudo, na cidade de Londrina, para verificar as doenças infectocon-tagiosas – hepatite A e esquistossomose – relacionadas às carências habitacionais e ao final do trabalho, eles perceberam que várias regiões da cidade apresentaram casos positivos da doença, sendo o Conjunto Habitacional Pindorama um dos que apresentam o maior índice. Os autores afirmam que

Esses lugares onde ocorreu um aglomerado de casos de Hepatite A, são mo-radias de população de baixa renda ou nenhuma. Há deficiência de moradia, de saneamento básico, de alimentação e de instrução quanto a hábitos de hi-giene. Esses fatores contribuem para que a doença continue a se desenvolver naquele meio (CARVALHO; ZEQUIM, 2003, p.10)

Sobre a ausência de infra-estrutura e serviços públicos os entrevistados apontaram que não há mercados e farmácias próximos, o posto de saúde foi desativado, a inexistência de um centro comunitário e o índice de criminalidade que aumentou com o tempo. Os depoimentos abaixo demonstram tais conclusões:

“[...] não tem uma farmácia perto, né? Não tem um... por exemplo, um... açougue perto, não tem [...] a gente mora num buraco, né. Cada lugar que a gente vai tem subida. Pra quem ta de idade igual eu tô, é muito cansativo, né. Todo lugar que você vai tem qui subi.” (FRAN-CISCO, 2015, 03)

“Mas eu acho que deveria ter um centro comunitário, que não tem, né... mesmo pra essas meninada ai aprendê a fazê um crochê, aprendê fazê alguma coisa. E aqui não tem nada, né. Tudo longe o que tem. Então eu acho que aqui deveria ter aqui”. (FRANCISCO, 2015, 03)

“[...] porque disativaram o posto, disse que vai fazê, ihh neh. Mais agora... porque com o posto era mais perto8”. (SOUZA, 2015, p.05).

8 Esse depoimento foi dado pela Vera, filha de Patrocina Alves de Souza, que chegou durante a entrevista e participou da mesma. Ela mudou-se para o Pindorama com aproximadamente 13 anos e lá reside até os dias atuais.

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“Falta posto de saúde, não tem aqui no bairro. E a gente... para usar tem... tinha um aqui na Fraternidade, ele foi desativado. Agora tem que usar ali da Vila Ricardo, e é um monte de gente que usa junto, né. Então a dificuldade maior aqui, é a falta de um posto de saúde”. (SANTOS, 2015, p.02)

“Tem veiz que nem no portão a gente pode ficá olhando muito, neh [...] hoje em dia até dentro de casa a gente tem medo, porque ta feio o negócio9” (SOUZA, 2015, p.7)

“Hoje em dia tem medo de fica ai fora e toma um tiro”. (SOUZA, 2015, p.07)O estudo realizado por Martins (2007) sobre os conjuntos habitacionais da região norte

relatou situações semelhantes às vividas no Pindorama e o autor afirma que

As transformações econômico-sociais dos moradores dos conjuntos habita-cionais estudados, permitiu entender que a classe social dos trabalhadores é muito dinâmica e complexa. É dinâmica porque mostra como os trabalhado-res criam os próprios caminhos para suprir suas necessidades de moradia sem precisar esperar pela atuação do Estado já que este atua no sentindo de re-produzir as condições para a reprodução do capital ao favorecer a população de maior poder aquisitivo em detrimento da classe trabalhadora (MARTINS, 2007)

Assim, podemos dizer que os moradores do conjunto Pindorama, assim como os da região norte, vivem ainda em uma situação bem precária, imersos em problemas sociais, porém não se deixam submergirem por estes. Todos estão sempre trabalhando e buscando por vias próprias melhorar sua realidade social, visto que são esquecidos e/ou ignorados pela administração pública.

Vários outros elementos foram encontrados nas entrevistas realizadas com os morado-res do Pindorama – tais como nível de escolaridade, profissão; memórias do tempo de escola, histórias engraçadas -, porém este texto visou recontar a história do bairro tendo como base fontes bibliográficas e relatos de antigos moradores, por isso nos detivemos às informações que relatavam a história do bairro e não a estes outros elementos.

Pindorama ao olhar das crianças

Depois de apresentarmos o bairro Pindorama pela visão dos seus antigos moradores, mostraremos agora o bairro pela visão das crianças que nele estudam e vivem, construindo sua história de vida, ao mesmo tempo em que constroem a história do bairro. Nesse sentido, foram desenvolvidas atividades pedagógicas junto às crianças para que elas se apropriassem da história do bairro e assim pudessem expressar a sua visão do bairro, isto porque

[...] cada geração começa, portanto, a sua vida num mundo de objetos e de fenômenos criados pelas gerações precedentes. Ela apropria-se das riquezas deste mundo participando no trabalho, na produção e nas diversas formas de atividade social e desenvolvendo assim as aptidões especificamente humanas que cristalizaram, encarnaram nesse mundo (LEONTIEV, 2004, p. 284).

As atividades foram desenvolvidas junto às crianças do Centro Municipal de Educação

9 Esse depoimento também foi dado pela Vera, filha de Patrocina Alves de Souza.

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Infantil Abdias do Nascimento10, localizado no Conjunto Habitacional Pindorama e objeti-vou sensibilizar o olhar das crianças e de seus familiares para perceber a realidade social em que está inserida. Os trabalhos foram inspirados no artista Walter Ney, um fotógrafo cuja obra capta a realidade e a conserva por gerações, promovendo reflexões sobre a mesma, e foi isto que se procurou desenvolver com as crianças. Isto é, que elas pudessem olhar ao seu redor, observando minuciosamente o ambiente, notando os detalhes e registrando-os por meio da fotografia e, em segundo momento, discutindo o captado pela imagem fotográfica.

Cada turma realizou uma atividade que abordassem a realidade do bairro e evidencias-sem a identidade do local. Uns fotografaram o que gostam e o que desgostam, já outros, os objetos abandonados na rua, enquanto outros estudaram a história de Londrina, detendo-se ao bairro e a forma como está organizado.

Os trabalhos foram expostos na III Semana Cultural, realizada de 16 a 20 de novembro de 2015, onde a comunidade pode observar o bairro mostrado pelo olhar das crianças, conhe-cendo o que elas aprovam ou desaprovam ali, ou seja, perceberam que elas têm consciência da sua realidade social, seja ela positiva ou não. Também notaram que os pequenos apresentam um olhar muito singular, o qual possibilitou observar e registrar elementos que não são nota-dos mais pelos adultos, mas que fazem parte do local e influenciam a sua história.

As fotografias das crianças registraram a poluição existente no bairro, evidenciando a necessidade de um trabalho de conscientização da população, pois as atitudes de descartar lixo em qualquer lugar poderão provocar doenças e agridem o meio ambiente; assim como conseguiram capturar paisagens encantadoras do bairro e das pessoas que ali vivem e de situ-ações cotidianas que vemos, porém não notamos a beleza presentes nelas. As imagens abaixo evidenciam estes fatos.

Fotografia realizada por uma criança de 3 anos do lixo depositado atrás do CMEI.

10 O Centro Municipal de Educação Infantil Abdias do Nascimento atende 102 crianças com idade de um a cinco anos. Inicialmente, esta instituição era filantrópica, sendo municipalizada no ano de 2012, inclusive uma das entrevistadas estudou na mesma e destacou que ao longo dos anos o local passou por várias modificações, tanto na estrutura física como na pedagógica.

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Criança de 3 anos registrando a poluição próxima ao CMEI.

Poluição registrada por uma criança de 3 anos.

Córrego poluído localizado atrás do CMEI registrado por criança de 5 anos.

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Paisagem atrás do CMEI registrada por uma criança de 5 anos.

Homem trabalhando nas proximidades do CMEI registrado por uma criança de 5 anos

Pichação nas proximidades do CMEI registrado por uma criança de 5 anos.

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Residência localizada na esquina do CMEI registrada por uma criança de 5 anos.

Quintal de um residência próximo ao CMEI registrado por uma criança de 5 anos.

Considerações finais

Podemos dizer que Londrina enfrentou acelerado processo de urbanização, pois veio uma grande quantidade de pessoas de diferentes regiões do Brasil e de outros países devido a intensa propaganda de que as terras eram extremamente produtivas e ofereciam inúmeras oportunidades de trabalho. Essa propaganda foi contínua após o período inicial de venda de lotes e derrubada da mata.

Esse processo de urbanização foi acompanhado pela construção de habitações irregula-res, pois nem todos que aqui chegaram possuíam poder aquisitivo para adquirir uma moradia nas regiões centrais, as quais possuíam infra-estrutura e serviços públicos. Essas habitações irregulares foram se aglomerando, originando as favelas londrinenses, as quais desconfiguravam os planos da CTNP para Londrina.

Com o objetivo de por fim as favelas foram construídos, pelo governo, os conjuntos habitacionais, os quais deveriam abrigar os moradores das favelas e fornecer a eles o mínimo de infra-estrutura e serviços públicos, foi assim que foi construído, na região leste de Londrina, o Conjunto Habitacional Pindorama. A moradia neste local foi oferecida, principalmente, a po-pulação da favela Pito Aceso e da Fraternidade, que viu nele a oportunidade de uma vida digna.

Atualmente, ele apresenta certa infra-estrutura e acesso a serviços públicos, porém apre-senta grandes problemas, tais como criminalidade, ausência de posto de saúde e comércios nas proximidades, mas os moradores relataram que a vida deles lá é melhor que onde eles viviam, pois têm casa, asfalto, esgoto, escola, dentre outras coisas. Já na visão das crianças esse bairro

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tem elementos muito ricos, tais como campo, escola, rio, apesar de apresentar muitos objetos descartados em lugares inadequados, poluindo o ambiente.

Por fim, podemos afirmar que a intenção manifestada era retirar a população das favelas Pito Aceso e Fraternidade e acomodá-la em outro lugar; mas isto no final não se cumpriu total-mente, pois, atualmente, o Conjunto Habitacional Pindorama se tornou uma favela e apresenta um alto índice de criminalidade e ausência de serviços públicos como comentado anteriormen-te.

BIBLIOGRAFIA

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CARVALHO, Marcia Siqueira de; ZEQUIM Maria Angelina. Doenças infectocontagiosas relacionadas as carências habitacionais na cidade de Londrina-Paraná - Brasil. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2003, vol. VII, núm. 146(113). Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn146(113).htm>. Acesso em: 09 jan 2016

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FRANCISCO, Geni. Geni Francisco: depoimento [set. 2015]. Entrevistadora: Rita de Cássia de Araújo. Londrina, Museu Histórico de Londrina Pe Carlos Weiss, 2015. 3 cassetes sonoros. Entrevista concedida ao Projeto Contação de histórias do Norte do Paraná: memória e educação patrimonial

GAVETTI, Nelson. A dignidade política e administrativa: por que tem q ser assim? Londrina: [s.n.], 1998.

LEONTIEV, Aléxis. O desenvolvimento do psiquismo. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2004.

MARTINS, Victor Hugo Teixeira. Habitação, infra-estrutura e serviços públicos: conjuntos habi-tacionais e suas temporalidades em Londrina-Pr. 2007. Dissertação (mestrado em geografia, meio ambiente e desenvolvimento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

PAULA, Hugo Ribeiro Borges de. Mudanças do padrão de moradia e poder aquisitivo nos “Cinco Conjuntos”: estudo com os Conjuntos Habitacionais Jacomo Violim e Maria Cecília S. de Oliveira. 2008. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

SOUZA, Patrocina Alves de. Patrocina Alves de Souza: depoimento [set. 2015]. Entrevistadora: Rita de Cássia de Araújo. Londrina, Museu Histórico de Londrina Pe Carlos Weiss, 2015. 2 cassetes sonoros. Entrevista concedida ao Projeto Contação de histórias do Norte do Paraná: memória e educação patri-monial

UNFRIED, Rosana Aparecida Reineri. O uso da iconografia e da iconologia para a análise de fotografias e recuperação da história de Londrina. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem – ENCOI, 2014, Londrina. Anais eletrônicos. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2014. Dis-ponível em:< http://www.uel.br/eventos/encoi/anais/TRABALHOS/GT7/O%20USO%20DA%20 ICONOGRAFIA%20E%20DA%20ICONOLOGIA.pdf> acesso em: 06 jan 2016.

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“Seja universal, fale de sua aldeia” Lév Tolstói

Introdução

Este texto é resultado de pesquisas sobre a história de Sertanópolis e está inserido no Programa Contação de Histórias do Norte do Paraná. É uma análise de documentos, tais como os autos de medição da concessão Leopoldo de Paula Vieira, Livro Tombo da Paróquia Santa Terezinha de Sertanópolis e de narrativas de antigos moradores.

Para entender o processo de ocupação de terras do Norte do Paraná faz-se necessário considerar a política, a legislação de terras com relação às concessões, medição e demarcação das terras no final do século XIX e início do século XX. Havia um interesse do capital em ocupar e explorar a região e o Estado agia no sentido de estabelecer como seria essa ocupação regulamentando esse processo. Nelson Tomazi mostra que o interesse do Estado era o de povoar a região e, desta forma, aumentar a sua arrecadação (TOMAZI, 1989).

O Estado age como regulador do acesso à terra, o concessionário aparece como inter-mediário, pois assume o papel de abrir espaços para a ocupação das terras pelo capital (LO-PES, 1982, p. 65). “No norte do Paraná, as concessões dos anos 20 constituíram a primeira forma organizada de pôr à venda grandes áreas de terras devolutas divididas em pequenos lo-tes” (LOPES, 1982, p. 64). Para receber a terra em concessão, era necessário que se tivesse ca-pital para investir em aberturas de estradas, em propaganda e no transporte dos compradores.

Considerando essas questões este estudo tem busca compreender o processo de con-cessão da colônia Leopoldo de Paula Vieira e a venda dos lotes que deram origem a Sertanó-polis. E para tanto, como já foi afirmado, serão analisados documentos contidos nos autos de medição e narrativas sobre a ocupação encontradas no Livro tombo da paróquia Santa Terezinha de Sertanópolis.

1. Negócios de Terras

A Lei de terras de 1850 estabelecia que só por meio da compra poderia ter acesso à terra na nova ordem capitalista em um contexto de leis que proibiam o tráfico de escravos e no final do séc. XIX e início do séc. XX um contexto de vinda de imigrantes ao determinar que a terra só pudesse ser adquirida pôr meio da compra não só estava regulando o acesso à terra, mas garantindo mão de obra às lavouras, principalmente cafeeira.

“A regularização de terras não se inscrevia como um projeto de povoamento e, sim, visando à transformação das relações de trabalho” (SMITH, 1990, p. 326).

Sertanópolis:Terra - da concessão à venda dos lotes

Ivonete Aparecida Pazinato

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De acordo com a Constituição de 1891, as terras ditas devolutas estavam sob o domínio dos Estados. A partir de então o Paraná, procurou criar leis regulamentando o acesso à essas terras. Em 1892 criou, a lei estadual n° 68, regulamentava os serviços de registro, medição e demarcação de terras, adquiridas por concessão de sesmarias, posse, compra ou aforamento (COSTA, 1977, p.31-32).

A forma encontrada pelo Estado para promover a rápida ocupação dessas áreas devo-lutas foi uma política de concessões à particulares. O Estado entrava com papel regulador e recebedor das taxas e emolumentos referentes a venda dos lotes. Através da Lei 1642, de 05 de abril de 1916, o Estado estabeleceu normas para fins de colonização. Fixou a área a ser concedida em 50.000 Hectares, para o estabelecimento de colonos nacionais e estrangeiros, sendo que a área deveria ser medida e demarcada em lotes de 05 (cinco) a 25 (vinte e cinco) hectares. O Concessionário ainda deveria arcar com o ônus da abertura de estradas, medição, demarcação dos lotes, deveria construir um espaço urbano, com prédio escolar, igreja, hospi-tal, fórum, casa da câmara e uma cadeia.

De acordo com essa lei foram feitas as concessões: “... Miguel Matte, no município de Foz do Iguaçu, Augusto Loureiro no município de Tibagi, a César Corain e Antonio Macha-do Cesar, A Leopoldo de Paula Vieira, todos com terras no município de Tibagi, a James Cad Terry, Percy James Allen, José Hauer Junior & Companhia, no município de Tibagi, entre outros” (COSTA, op. cit. p. 77-78). A propaganda utilizada para vender as terras era a terra roxa, própria para o cultivo do café, produto incentivado na exportação do Brasil na época. O que atraia os compradores de terras no norte do Paraná era a ideia de desmatar e fazer o plantio do café, como diz Cancian: “Ao mesmo tempo a proibição do plantio em São Paulo e outros estados, bem como o declínio da produção dos cafeeiros nas regiões velhas agiram no sentido de atrair numerosos fazendeiros em busca das terras paranaenses de boa qualidade para o café, e onde não havia proibição de plantio”(CANCIAN, 1977, p.53).

É nesse contexto que o Paraná fez a Concessão de terras à Leopoldo de Paula Vieira (hoje Sertanópolis).

2. As origens de Sertanópolis

As origens de Sertanópolis estão ligadas a Conceição de Monte Alegre no interior de São Paulo. Leopoldo de Paula Viera, líder político, era presbiteriano e em 1922 era prefeito de Conceição de Monte Alegre. “Em Conceição de Monte Alegre, jamais se presenciou uma festa cívica de maior brilho como foi, a 7 de setembro de 1922, a festa do centenário. Essa festa obedeceu ao seguinte programa: às 5 da manhã, salvas de baterias de 21 tiros e alvorada pela Banda municipal, logo a seguir, recepção na residência do Prefeito Municipal, Sr. Leopol-do de Paula Vieira” (GIANNASI, 2008). No título de propriedade e translado de procuração encontrado durante a pesquisa é chamado de “coronel”. Ao usar sua influência política fez a solicitação da concessão onde hoje é Sertanópolis.

A Lei 1642, de 05 de abril de 1916. permitia a concessão de terras para fins de coloni-zação. O contrato de concessão foi assinado em 24 de outubro de 1919, sendo que o conces-sionário foi representado neste ato pelo seu procurador, José Maurício Higgins. O conces-sionário pagou cinco mil réis por hectare, em prestações, no prazo de dois anos e na medida em que foram sendo localizados os colonos. Cabia ao concessionário ainda, pagar a cada trimestre um conto e duzentos mil réis ao tesouro do Estado, como quota de fiscalização.

As terras localizadas no município de Tibagi, na margem esquerda do rio Tibagi, entre os ribeirões Biguá e Kágados.

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No dia 6 de fevereiro de 1920, em Catanduva, São Paulo, Leopoldo de Paula Vieira solicita que seu procurador Higgins vá até Curitiba requerer, junto ao governo estadual a permissão para começar os serviços de demarcação das terras. O requerimento passou pela aprovação do então Comissário de Terras, Ernesto Luiz de Oliveira.

A figura do comissário de terras no Paraná surge em 1900, quando o Estado foi divi-dido em vários comissariados, que sofreram diversas modificações quanto à área de atuação – ora as áreas eram unificadas, ora eram divididas.

Ao Comissário de Terras cabia fiscalizar e fazer cumprir as cláusulas do Contrato de Concessão estabelecido entre o Estado e particulares. Também era sua atribuição aprovar a medição e demarcação dos lotes. Por muitas vezes, o comissário recebia, como pagamento de serviços prestados, lotes de terra, tornando-se proprietário de grande área dentro das colônias.

Ernesto Luiz de Oliveira entrou em litígio com o concessionário, por áreas de terra localizadas no interior da área concedida (Grilo Barra do Tibagi). Foi, então, substituído em 1923 por Mábio Gonçalves Palhano, no acompanhamento dos trabalhos de medição e demarcação da área. Esses trabalhos tiveram início em 1923 – os editais de medição e demarcação foram assinados por Palhano a 11 de outubro de 1923, no distrito de Jataí, na confluência dos rios Biguá e Tibagi, na divisão da Concessão feita a Corain & Companhia, que também foram convidados a comparecer ao local indicado para o início dos trabalhos. Outros vizinhos da Concessão (João Leite de Paula e Silva e demais interessados) também foram notificados para assistirem aos trabalhos.

A medição e demarcação foram realizadas sem que nenhuma contestação ou protestos fossem apresentados. A área que ficou pertencente a Leopoldo de Paula Vieira correspondia a 483.266.179,5 m² 0u 48.326 hectares, 61 ares e 79 centiares (PARANÁ, 1919-1935).

Nesse processo foi deduzida uma posse que estava dentro da área concedida, a Pos-se Sete Ilhas, com área total de 22.983.990m², pertencente a Martiniano Morosini Borba. Segundo a escritura, nessa posse havia cultura de canaviais, cafezais, matas, capoeiras e “fa-chinaes” (PARANÁ, s/d). Veja abaixo o Mapa 1 relativo à Concessão Leopoldo de Paula Vieira. Observe que os mapas são ilustrações, assim, não leve em conta a escala. O mapa a seguir foi produzido pelo ITCF e é intitulado Concessão Leopoldo de Paula Vieira, pasta V, Curitiba-PR.

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Percebe-se que a posse respeitada não era de qualquer pessoa, mas a de Borba, que era pessoa influente em Tibagi, onde ficavam as terras.

Apesar de ser obrigação do concessionário medir e demarcar a área em quatro meses após a assinatura do contrato, só em 1924 estavam realizados os referidos trabalhos. O con-cessionário conseguiu a prorrogação dos prazos contratuais.

Em 1924 as terras, onde hoje é Sertanópolis pertenciam ao município de São Jerônimo. O Comissário de Terras, porém, ficava em Jataí (hoje Jataizinho). A 18 de abril de 1924, Mábio Gonçalves Palhano fez as seguintes observações sobre a área demarcada:

“Qualidade das terras são quase na sua totalidade, terras roxas, pouco aciden-tadas, encontrando-se em alguns pontos relativa abundância de pedra ferro.Estão cobertas de matas virgens, onde se encontram além de outras madeiras, os seguintes padrões: figueiras, palmitos ou jussareiras, pau d’alho, jangada branca, jaborandi, jaracatiá, etc. Na sua totalidade as terras são de primeira or-dem, apropriadas para todas as culturas do nosso clima, inclusive a da canna de assucar e do café para qual os terrenos se prestam admiravelmente, não só pela natureza chimica, como pelas suas altitudes” (PARANÁ, 1919-1935, p.63).

As qualidades do solo e a possibilidade de explorar a madeira e do plantio de culturas, tais como o café, eram utilizadas pelos vendedores dos lotes como propaganda das terras. O que atraía muita gente para a região.

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Grilagem

A grilagem era um expediente utilizado para comprovar a compra de terras naquela época. O grileiro falsificava os documentos que eram colocados em uma gaveta junto com grilos. Que deixava o papel envelhecido. Na referida concessão encontrava-se o grilo conhe-cido como Barra do Tibagi. Vamos entender como ocorreu esse fato.

MAPA 2 – GRILO BARRA DO TIBAGI (EM DESTAQUE)

Em 14 de março de 1924, Luís Antonio de Campos Mesquita, cunhado de Ernesto Luiz de Oliveira (que tinha sido Comissário de Terras na região estudada), enviou requerimento à Diretoria de Obras e Viação (D.O.V) solicitando contestação da área medida da Concessão Leopoldo de Paula Vieira e afirmando que o mesmo teria invadido terras que lhe pertenciam. E anexou uma escritura de compra e venda, tendo como vendedor, Cycero Meirelles Teixeira Diniz, que afirma ter herdado essas terras de seu pai Antonio Teixeira Diniz, conhecido como Barão de Campo Mystico.

Em relação ao imóvel reclamado, mil alqueires de terra, alegava ter pago impostos na Coletoria de São Jerônimo, e taxas referentes a 6%, 20% do adicional de transmissão, e 0,5% e 20% adicional de transcrição da compra dessa área. Verificou-se que os documentos estavam rasurados e com retificações feitas pelo coletor de São Jerônimo. Sobre o município de São Jerônimo, Ruy Wachowicz escreve: “instalado o município, veio a polícia, delegacia, coletoria etc., tudo colocado a serviço dos interesses dos grileiros” (WACHOWICZ, 1987, p.62).

Em 11 de julho de 1924, foram juntados aos autos os protestos do Dr. Ernesto Luiz de Oliveira, que em nome de seus filhos menores, alega que o concessionário teria invadido terras que lhe pertenciam no Ribeirão Abóboras. Reivindicou também a anulação da Conces-são Leopoldo de Paula Vieira devido a caducidade, não ter cumprido os prazos contratuais. Porém, o concessionário protestou dizendo que o atraso teria ocorrido devido aos interesses do Dr. Ernesto Luiz de Oliveira e que havia conseguido um termo de prorrogação publicado

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no diário oficial do Paraná, em 05 de novembro de 1923, sendo que, até três dias após a pu-blicação, se contava a efetividade. O prazo só findaria a 09 de maio de 1924, data em que os autos já haviam dado entrada na Inspetoria de Terras. E os autos de medição deram entrada na Inspetoria de terras a 07 de maio de 1924. O concessionário contesta, ainda, as escrituras, transcrições e SISAS apresentadas pelos contestantes Luiz A. C. Mesquita e Dr. Ernesto L. de Oliveira, alegando serem documentos falsificados. Afirma a ausência no processo da certidão de Partilha no processo do inventário de Antonio Teixeira Diniz (Barão de Campo Mystico) a favor de seu herdeiro Cícero M. T. Diniz, de quem Mesquita e Oliveira alegam ter adquirido as referidas terras.

O concessionário apresenta uma certidão extraída dos autos do inventário acima citado, processado na comarca de Poços de Caldas, Minas Gerais, afirmando que o inventariante Cycero M. T. Diniz não possuía terras no Paraná.

Analisando os documentos constantes nos Autos de medição percebe-se que a solução do conflito foi favorável ao Concessionário Leopoldo de Paula Vieira que fez a venda dos lotes com títulos expedidos entre 1925 a 1935.

Venda de lotes

Segundo narrativas de antigos moradores quando foram medidos os lotes já havia umas quinze famílias na área em estudo. Quando os lotes foram demarcados tiveram o direito de posse assegurado pagando apenas o trabalho das divisões na base de trinta mil réis por alqueire. O que é relatado também nos autos de medição quando consta uma lista com os re-querentes a as áreas pretendidas. “[...] os cidadãos abaixo pedirão lhes fosse reservado a cada um cincoenta alqueire de terras onde lavrão para em tempo serem legitimados...” (PARANÁ, 1919). Porém, se observou que apenas uma posse foi descontada da área demarcada a Posse Sete Ilhas (Veja no mapa 1). O que não significa que os interessados ficaram sem as terras como observa-se no relato, os antigos moradores pagaram pelas áreas de interesse.

O concessionário organizou uma empresa para vender os lotes. A “Sociedade Colo-nizadora do Tibagy Ltda”, com escritório na Rua Líbero Badaró, n.28, em São Paulo, tinha como sócio o Dr. João Leite de Paula e Silva, o Coronel Leopoldo de Paula Vieira e o Dr. Francisco Gutierres Beltrão, de acordo com títulos de propriedades expedidos em 23 de no-vembro de 1927. Na época Sertanópolis pertencia ao município de São Jerônimo, comarca de Tibagi.

As terras do Norte do Paraná já eram de interesse de pessoas que viviam na região (Ja-taí, hoje Jataizinho), Tibagi, e no Estado de São Paulo, Minas Gerais e do nordeste e atraiam também imigrantes de origens variadas.

Como diz Verena Stolcke (1986, p.87): “Na década de 20, mais terras vinham se tor-nando acessíveis, através das atividades das companhias privadas de colonização na fronteira, para uma clientela de recursos modestos, e alguns dos antigos imigrantes provavelmente puderam aproveitar as novas oportunidades de adquirir terras próprias”.

Nem todos conseguiam comprar as terras, trabalhavam na derrubada das árvores. Ser-viam como trabalhadores e recebiam por empreita.

Muitas pessoas adquiriam os lotes esperando a valorização (especulação), outros com-pravam, mas não tinham recursos para a derrubada da mata e do plantio. Outros fatores im-pediram que adquirentes ocupassem os lotes tais como estradas e doenças típicas da fronteira entre a floresta e a área cultivada. Havia muitos mosquitos. A febre tifo e a malária mataram muita gente.

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A propaganda da venda dos lotes era realizada por vendedores, entre eles Luiz Delibe-rador, que hoje é o nome de uma rua da cidade. Por vezes, aqueles que compravam terras na Concessão, convidavam amigos para fazerem o mesmo. Muitos moradores de Conceição de Monte Alegre, através de convite de amigos, foram morar em Sertanópolis.

O concessionário, ou seus representantes, solicitava junto ao Estado do Paraná a ex-pedição dos títulos de propriedade mediante o pagamento ao Estado de 5$000 (cinco mil réis) o hectare, mais as despesas com selos. Mas o concessionário, ou seus prepostos, podia vender os lotes pelo preço que lhe conviesse. Chegando até a 1:000$000 (um conto de réis) por alqueire. Isto mostra o quanto podia ser lucrativo o negócio de terras: “Essas terras foram compradas a 400$000, 500$000 e até 1:000$000, por alqueire” (PARANÁ 1963, p.1).

O pagamento era feito em prestações, sendo que, em 1932, a maioria já havia pago todo o valor devido pelo lote. Primeiramente ganhavam um recibo como comprovante do paga-mento e só depois era solicitada a expedição dos títulos de propriedade. O primeiro ofício enviado ao Governo do Paraná solicitando a expedição dos títulos de propriedade data de 07 de janeiro de 1925, sendo que os títulos de propriedade datam de 09 de janeiro de 1925 (ver tabela 1 abaixo).

A falta de títulos expedidos entre 1931 a 1933 está relacionada à Revolução de 1930. Pois, o interventor nomeado por Getúlio Vargas interditou os bens dos sócios da companhia que estava colonizando Sertanópolis.

Para entender o contexto é preciso lembrar que até 1929, conforme pode-se verificar na tabela 1 abaixo, os títulos estavam sendo expedidos normalmente, porém, com a revolução de 1930 assumiu o interventor com o objetivo de resolver os conflitos de terra (concessões em atraso nos prazos contratuais, áreas griladas). A falta da expedição dos títulos fez com que os compradores dos lotes (chamados nos documentos da época como colonos), por vezes representado pelo padre Jonas Vaz Santos1, enviassem reclamações junto ao governo do Estado para que a situação se regularizasse e os títulos de propriedade fossem emitidos.

A regularização ocorreu entre 1934 e 1935, conforme tabela 1 abaixo, visto que o Pa-recer do Conselho Consultivo do Estado do Paraná de 1932 declarando a caducidade da Concessão Leopoldo de Paula Vieira não se efetivou porque o concessionário conseguiu a prorrogação dos prazos contratuais, resolvendo as reclamações com a emissão dos títulos em 1934 e 1935, totalizando cem por cento da área. Ter o título de propriedade e não a simples posse da terra torna-se uma exigência da nova ordem capitalista. Terra torna-se uma mercadoria de grande valor até os dias atuais. Por isso, que até os dias de hoje ainda existem conflitos no campo.

1 Nascido em 1896, na Bahia, tendo seguido para o Estado de São Paulo em 1928, onde assumiu a função de vigário em Ariranha – diocese de São Carlos. De lá veio para Sertanópolis, onde foi prefeito.

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BIBLIOGRAFIA

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LOPES, Ana Y. D. Pioneiros do capital. A colonização do norte do Paraná. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma-nas da Universidade de São Paulo. 1982.

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Inicio expondo aqui meu interesse pelo Programa Contação de Histórias do Norte do Paraná: Memória e Educação Patrimonial, as razões que me levaram ao desejo de estudo e conhecimento sobre a região relativa ao relato aqui apresentado.

Foi-me despertado através de minha mãe, pois ao longo de minha infância, ouvi “his-tórias” de seus antepassados e de outras famílias. Sempre imaginando, delirando em fantasias, em suas “histórias”, fascinada e boquiaberta, ora acreditando, ora duvidando, as ouvia atenta. Assim os anos se passaram e a deslumbramento também cresceu.

Convido-o a apreciar este texto com “histórias” dos bairros, descobertas e revelações de uma jovem Londrina, porém repleta de memórias. Histórias relatadas pelos próprios auto-res, onde deixam fluir suas lembranças de vivências e de percepções.

Recordo neste primeiro momento, uma das mais fascinantes “histórias” de minha in-fância. Ocorrida em 1959, onde as personagens viviam na região da Gleba “Cinco Mil”, município de Palotina, Oeste do Paraná. Inúmeras vezes a ouvi, vivida por minha mãe Milca e sua mãe Maria, minha avó. Saudosa, narro-lhes.

Milca José do Nascimento, londrinense há 28 anos, veio da região conhecida como Gleba “Cinco Mil”, Municí-pio de Palotina, oeste do Paraná. Ano da foto nº1, 1978; foto nº2, 1961.

Califórnia, Eldorado, Nova Conquista, Ok e Kobayashi:Memórias de um passado recente

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A cobra

De cabelos cacheados, dourados pelo sol, vivia uma menina pequenina chamada Milca e sua família em meio à floresta, no Oeste do Paraná em um lugar em que o desmatamento se iniciava. Acontecia a primeira fase de colonização do Paraná. Era ano de 1959. Só havia mato, mato por todos os lados, só pra cima que não, via-se o céu! À noite ficava tão linda, estrelada que dava a impressão que o céu era pequeno e a qualquer instante uma estrela derrubaria a outra por falta de espaço.

Também havia as mais variadas espécies de plantas e árvores de todos os tipos, alecrim, peroba, tim-burí, cedro, canela, marfim, jequitibá, jaracatiá, ipê roxo e vermelho, canjarana e figueira. Havia também muitos animais, onças, veados mateiro/pardo, veados-cambuta, quatis, pacas, cotias, antas, tatu, gato do mato, tucanos paraguai, gralhas, pássaros preto, araras, papagaios, periquitos, jararacas, cascavéis, urutus. Cobras, cobras enormes de todas as cores.

Um dia de sol quente, muito quente, em meio aos arrozais, Milca menina de 11 anos recém-chegada de Ibiraci, Minas Gerais, foi colher melancia, sozinha. A plantação era em meio ao arrozal, depois do rio, que continha um tronco de árvore como ponte, “pinguela”, próxima a “mina d’água”, um pouco distante de sua casa.

Ao avistar uma melancia com aparência de estar suculenta e apetitosa, ouve um barulho estranho, ficou em alerta, atenta, ao abaixar-se para apanhar a melancia, o barulho se intensificou e ficou mais alto. Nesse momento Milca a menina, foi dominada pelo medo esquecendo-se até do que fora fazer lá. Imediatamente movida por esse sentimento e por sobrevivência, aquela menina franzina e serelepe pôs-se a correr, ou melhor, voar. Sua velocidade era tanta, que flutuava sobre os tocos de árvores e taquaras cortadas sem se machucar.

A força do vento atingia o capim deitando-o para um lado e para o outro em zigue-zague, acariciava sua face também. Ao olhar para trás via-se apenas uma abertura, um trilho em meio ao arrozal em zigue-zague, esse trilho vinha em sua direção se abrindo, porém na velocidade em que se encontrava estaria em alguns segundos ao seu alcance.

O que poderia ser aquele movimento? O que era aquilo? Pensou a menina chocada, pra não dizer estarrecida. Sorte não estar paralisada!

Ao chegar à clareira onde se encontrava o quintal de sua humilde casa em madeira erguida sobre tocos e janelas com taramelas, gritou sua mãe Maria para socorrê-la, a qual se encontrava próxima à porta da cozinha, socando arroz no pilão da colheita passada, pois seria almoço no dia seguinte. Sua mãe Maria lhe perguntou do que estava correndo, sem fôlego e desorientada, quase desfalecida, a menina fez sinal para trás. Quando Maria olhou para trás viu uma enorme cobra de uns cinco metros de comprimento e uns trinta centímetros de espessura, de cor preta, cinza e amarela, seu peito era amarelo esverdeado.

Sem tempo para sentir medo, porém em pânico, Maria mais que depressa pôs-se rápida, pegou um “pau” que estava segurando o varal de roupas limpas e bateu ferozmente na cobra, não surtindo efeito algum. De repente a enorme cobra ergueu-se exatamente um metro do chão, esguia, até poderia dizer “graciosa”, estufou o papo, em seguida murchou formando um alargamento, como se fosse uma táboa, abrindo a boca babenta de cor rosa, com uma língua à mostra, soltando suas enormes presas. Milca amedrontada correu para a cozinha de onde ficou observando da janela com taramela. A cobra deixou as duas, mãe e filha nesse instante, horrorizadas e temerosas, pois a enorme cobra estava mais viva que nunca.

Naquele instante, no alvoroço surgiram como que caído dos céus, seus protetores, seus anjos da guarda. Salvas pelos vira-latas da fazenda que avançando e latindo raivosamente assustaram a peçonhenta.

O réptil assustador retirou-se e como dantes, foi abrindo o arrozal em zigue zague, passando por um aboboral deixando apenas seu rastro, e aquela que era temida, caiu rolando rio acima, nadando contra a corrente, próximo a casa. De longe só se via sua cabeça erguida, esguia e imponente sobre as águas torrenciais, cristalinas da fazenda.

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Como no caso do Oeste do Paraná, o Norte do Paraná também teve seu desenvolvi-mento repleto de emoções, bravuras, perigos e “histórias” empolgantes.

Partindo de minhas próprias memórias e histórias de vida, percebi que não houve dife-renças nas lembranças contadas com emoção, entusiasmo e veracidade nas pessoas que parti-ciparam deste Projeto. A colaboração de todos os envolvidos foi deveras efetiva neste Projeto “Memória e patrimônio cultural imaterial: cartografia de causos circulantes em Londrina (PR) como estratégia de preservação” do Programa Contação de Histórias do Norte do Paraná.

Participaram comunidade local e escolar com objetivo de coletar entrevistas, “causos” e fotografias de acervos familiares, relativos às suas memórias em Londrina, à vivência coti-diana.

Envolvemos estudantes de 4º ano num processo de estudos sobre a história de Lon-drina. Juntos, alunos e a autora realizaram entrevistas, coletas de fotografias e gravações com relatos de experiências e os “causos”.

Para a construção deste artigo, foi necessário, seleção das entrevistas coletadas pelos alunos dos quartos anos A e B. Ao término, todas as entrevistas gravadas foram transcritas e digitadas. Deixo aqui explicito que foram utilizadas as falas de alguns entrevistados fidedigna-mente e, em outros casos, apenas as informações mais significativas.

Para um trabalho tão rico e significativo para os alunos dos 4º anos, aconteceram ante-cipadamente oficinas realizadas por alunos da UEL, estagiários no Museu Histórico de Lon-drina, oficinas de entrevistas e fotografias com participação maciça das crianças, cumprindo seus objetivos.

Nosso estudo volta-se para um pedacinho de Londrina que se iniciava. Jardins como Califórnia, Eldorado, Nova Conquista, OK e Kobayashi. Lembramos, junto com moradores antigos, os tempos difíceis da origem dos bairros onde moram os alunos. Era mata, onde clareiras deveriam ser abertas, e foram. Aos poucos as famílias foram chegando e se acomo-dando. O resultado é que, por trás de tantas necessidades, o paraíso sempre esteve ali e ainda está. Está em suas nascentes, nos espaços de lazer, nas brincadeiras das crianças, nas reuniões de famílias a beira da calçada, nos animais que desfrutam tanto quanto seus donos, ou mais da região.

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Foram vários os motivos que levaram essas famílias a residirem nesses bairros. Dentre os eles, pode-se citar a falta de opções para outros lugares, fatos estes que enfrentaram a vida em meio às adversidades. Ocupações, “posse de lotes” ou pelas condições de compra em pagamentos facilitados. Anos depois, as legalizações sobre os direitos dos lotes deram-se a partir de herança de família, doação ou compra.

No início era uma região de chácaras, no decorrer dos anos, foram loteando essas chá-caras. Eram bairros pobres, muitas famílias abriram clareiras e construíram seus barracos para abrigarem seus filhos pequenos.

Havia muito mato, cafezal, horta, pomar, animais. No início não existiam ruas, eram apenas trilhos, somente mais tarde abriram-se as ruas.

Uma dos problemas enfrentados na região pelas famílias, era a falta de trabalho, con-sequentemente gerava a escassez de alimentos, sofrimento, trazia o infortúnio para essas famílias.

Relataram que naquela época, o lugar era longe de “tudo”, no caso do centro da cidade, onde suas necessidades poderiam ser atendidas. Antigamente o bairro se apresentava com poucas casas e muitas datas vazias.

Quando as ruas não eram asfaltadas, havia muita dificuldade para se locomoverem nos dias de chuvas, era difícil sair de suas casas, pegar ônibus. A terra se transformava num barro muito escorregadio e pegajoso. Não havia cascalho nos bairros. Não havia escolas, posto de saúde e os comércios eram reduzidos.

A igreja católica Paróquia Santa Rita de Cássia teve seu início em um barracão em ma-

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deira, de paredes vazadas, antes de sua inauguração as missas eram realizadas na praça. Com o passar dos anos os bairros começaram a receber benfeitorias, porém, faltava

água quase todas as semanas, luz com baixa potência (amper), para assistir TV havia a neces-sidade de colocar transformador.

Segundo a moradora Cleuza os muros eram cercas de balaústres e os postes de energia eram de madeira.

Poucas décadas se passaram e as transformações desses bairros foram se concretizan-do. A começar pelas linhas de ônibus, posto de saúde, escolas, praças, saneamento básico, as-faltos, iluminação pública, rede de energia elétrica, não utilizando mais lamparinas e lampiões. Substituição dos postes de madeira por concreto, reformas ou novas construções de casas, cercas de madeira por alvenaria, construção da Via Expressa, aumento da quantidade de casas na região, comércios, padarias, mercadinhos, açougues e construções de igrejas.

Muitas coisas mudaram. Por exemplo, houve a “proibição” de criar galinhas no quintal, entre outros animais. E desapareceram as moradias ao redor do Rio Cambezinho, um lugar onde não havia vielas. As mudanças foram significativas, mas, a comunidade acredita que poderia avançar em relação à limpeza, áreas de lazer, mais comércios, mais segurança, uma passarela na Via Expressa, revitalização do riacho (Córrego Carambeí) e que a comunidade fosse mais unida.

Origens do Bairro Kobayashi segundo a família homenageada

Da esquerda, Suzue Kobayashi, Sozi Kobayashi e Kadio Kobayashi, familiares e Tomi Kobayashi (in memoriam). Jardim Kobayashi, 1960.

Entrevistamos a família Kobayashi, referência na região, de importância histórica para a cidade de Londrina e ligada à origem do nome do bairro Kobayashi.

Sozi Kobayashi disse que comprou as terras (da região onde houve loteamento) em 1953, de Akira Tam, e que antes era cultivo de eucaliptos. As terras pertencentes aos Ko-bayashi estendiam-se até a região do Jardim OK. A regularização das escrituras dessas terras formalizou-se alguns anos depois, em 1958.

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Referiu-se a Carambeí, pois a mesma ainda não existia.Não havia mais mata nativa na região. Ali se cultivava eucaliptos e café. Em suas terras havia uma nascente (Córrego Carambeí) e que nela encontrava-se muita

taboa e bambuzal onde a água era cristalina, serviam-se da mesma para consumo. Sobre os animais da região, lembra os tatus, cobras, gambás, ratos, lagartos, Carambeís, pombas, pás-saros pretos, sabiás e pica-paus.

Suzue (a esposa) complementa relatando sobre a casa onde moravam, que era em ma-deira, de terra o chão e que tiveram 4 filhos, Armando, Otávio, Claudia e Olga.

Claudia, filha de Sozi Kobayashi, relata o início de vida dos irmãos Kobayashi aqui na região. Uma história que não é diferente de outras, repleta de memórias felizes, porém às vezes não tão felizes assim.

Segundo Claudia, no ano de 1953 os irmãos Kadio Kobayashi, então com 21 anos, e Sozi Kobayashi com 18 anos, resolveram comprar 52 mil metros quadrados de terra (2 al-queires e mais um pouco), em Londrina para começarem juntos a uma plantação de alface. Profissão essa que marcou suas vidas, pois muitos moradores antigos se lembram deles como “os japoneses plantadores de alface”. Naquela época a mão de obra custava 6,00 cruzeiros, mas eles pagavam um pouco mais, 8,00 cruzeiros, por esse fato os jovens tinham mais inte-resse em trabalhar na roça.

Oito pessoas marcaram os Kobayashi pelo empenho no trabalho. Eles trabalhavam sem atravessadores, essa forma de trabalho era importante, pois dava para pagar melhor e ainda ter ganhos, os preços para a venda compensavam muito. A entrega era feita em um caminhão Chevrolet 50, em quitandas e para feirantes.

Nos anos 70 faziam entregas no Com-Tour, hotéis, restaurantes, Café-Cacique, Colégio Mãe de Deus e Mercado Shangri-lá.

Em 1955 compraram mais 16 mil metros quadrados, pois havia uma nascente (Caram-beí), porém, somente em 1958 fazem o registro destas terras.

Após dois anos, em 1960, Sozi Kobayashi, carregando uma caixa de verduras na Vila Brasil, conhece Suzue Chiba, com quem logo se casa.

Com o crescimento da população, na gestão do prefeito Antônio Belinati, aproxima-damente em 1980, o então vereador Sadao Masuko e o advogado Teófilo, negociaram o loteamento das terras. Segundo Sozi Kobayashi, partes das terras ficaram como doação por haver água (nascente Carambeí).

A família Kobayashi relatou que hoje o espaço doado, não se tornou fundo de vale, mas uma comunidade vive de frente, ao lado da nascente, do Córrego Carambeí. Inclusive sem a mata ciliar como determina a lei. Os 16 mil metros quadrados começaram com invasão e depois foram entregues às famílias. Construíram casas e mais casas nessas terras, asfaltaram e fizeram rede de esgotos.

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Nascente Carambeí. S/d.

Rua Antônio Luciano, Conjunto Nova Conquista, S/d.

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Rua Aristides Leonardo da Fonseca, Conjunto Nova Conquista. S/d.

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Rua Pitágoras. S/d.

A rede de esgoto na Rua Pitágoras, onde a família Kobayashi reside, demorou muito para se instalar, ocorreu por volta do ano de 2006, 2007.

Por incrível, um fato inusitado aconteceu nessa época, a família Kobayashi recebeu um comunicado que os impostos dessas terras doadas pela prefeitura e ocupadas por terceiros estavam atrasados há vários anos.

Claudia Kobayashi, filha de Sozi Kobayashi afirma que foi a prefeitura, a COHAB, novamente a prefeitura averiguar o porquê dos impostos. Como resultado descobriu-se que as terras estavam em nome dos irmãos Kobayashi ainda. Depois de longa espera e conversas receberam um comunicado que fora deferida a alegação de que as terras não mais pertenciam aos Kobayashi e que a COHAB, no ano de 2015, estaria regularizando as casas com cadastro.

Saudosamente Claudia menciona um fato ocorrido com sua mãe Suzue. Digo saudosa, por seu comentário, “nos tempos em que a vida era sossegada e não havia tanta preocupação com roubo”.

Relata que após dois meses de casamento, Suzue estava alimentando os porcos, então de repente, um “louco”, um mecânico que agia de maneira estranha, entrou correndo no sítio, e com um pau golpeou sua mãe Suzue na cabeça, saindo correndo novamente. As pessoas ao redor, vendo o ocorrido saíram atrás dele para capturá-lo. Kadio, cunhado de Suzue, come-çou a soltar rojões. Essa era a comunicação entre os sitiantes quando havia algo errado, então, os vizinhos, solidários deixaram seus afazeres e foram prestar ajuda. O mecânico “louco” ficou mais agitado ainda ao som dos rojões e quebrou as vidraças da residência de Kadio Ko-bayashi. Kadio, mais que depressa, entrou em seu carro e foi buscar ajuda da polícia. Assim sendo, com a chegada dos policiais o mecânico foi capturado e preso.

Claudia, conta que seu pai diz que naquele tempo eles acreditavam na “palavra dita”. A negociação dava certo, a honra em cumprir o acordo acontecia. Mas quando o “papel”, a documentação entrava em cena, o ser humano perde o valor da palavra, da confiança, do

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acordo. Então a culpa é do “papel”!Retomando o fato de que a nascente Carambeí pertencia aos Kobayashi, contam que

bebiam água dela, puxada a motor. De vez em quando recebiam visita de cobras, tatus e vá-rios pássaros.

Sozi Kobayashi contou a sua filha que matou somente uma sucuri que apareceu por acidente perto de sua residência.

Criavam galinhas, porcos e peixes. Os peixes eram na represa que construíram no Cór-rego Carambeí que pertencia a eles. Pescava-se traíra, lambari, carpa e caranha.

Claudia cita um fato marcante de tempos atrás, que se comprava da cidade nos merca-dos de vez em quando, carne bovina, mortadela “daquelas gordas, inteiras”, “era uma alegria mortadela com pão francês”!

Lembra que não havia doenças nos pés de laranja, nem veneno nas frutas. Recorda que quando alguém ficava doente, gastava-se muito, era muito caro, pois pagava-se todo o tratamento.

O sítio dos Kobayashi fazia divisa com o rio Cambezinho, a água era límpida, eles atra-vessavam sobre um tronco de árvore, “pinguela”, que servia de ponte. Próximo, mais acima havia uma fábrica de mocotó e suspiro fresquinho.

Cita a largura do rio Cambezinho, que está imenso, e que em época de chuvas invade o Parque Arthur Thomas.

E por fim Claudia Kobayashi fala do bom tempo, e que, o que fica é a lembrança e a saudade da vida simples e fartura a mesa.

Agora, a região se encaminha para uma nova situação: a criação do arco leste que ligará a PR 445 e a BR 369.

Rua Charles Lindemberg, execução das obras para implantação do arco leste. S/d.

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Álbum da Família Kobayashi

Primeiro caminhão da família Kobayashi, F600 0Km, 1963.À frente ao lado do pneu, Kadio Kobayashi aos 31 anos, Jardim Kobayashi.

Rua Pitágoras esquina com Rua Vitor Hugo, 1966.Da esquerda, sobrinha Helena, filho Armando, pai Sozi Kobayashi e filho Otávio.

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Residência da família Kobayashi, na varanda Sozi Kobayashi, década de 60.Rua Pitágoras esquina com Rua Vitor Hugo.

Kadio Kobayashi e suas filhas, Helena e Lúcia. Colhendo alface no Jardim Kobayashi, 1968.

Avó Tomi Kobayashi (in memoriam) e seus netos, Armando, Claudia e Otávio, 1966.

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Mãe dos Kobayashi, Tomi Kobayashi (in memoriam), Mitsuko Kobayasi, Helena e Milton, à frente Lúcia e Mário. Jardim Kobayashi. Ao fundo, atualmente é o Jardim San Fernando, por volta do ano de 1971.

Da esquerda, ao fundo Claudia, Suzue, Olga, Sumiyo (in memoriam) mãe de Suzue Kobayashi, e outros parentes. Jardim Kobayashi. Ao fundo, início do Jardim San Fernando, por volta do ano de 1976.

Da esquerda: Claudia Kobayashi, Lúcia Kobayashi, amiga da família Sayuri e Olga Kobayashi.Apresentaram-se dançando música típica japonesa na TV Coroados, 1972.

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Família Kobayashi, 2005. Esquerda ao fundo, Alberto, Graciela, Ana Paula, Ester e Claudia. À frente esquerda, Leonardo, Joel, Suzue, Sozi, Olga e Larissa.

Da esquerda para a direita, Claudia Midori Kobayashi, Sozi Kobayashi e Suzue Kobayashi.Maio de 2016.

O Eldorado na lembrança de Maria Laudelina Trindade

Em uma conversa descontraída Maria Laudelina, nascida a 29/01/1934, portanto, com 81 anos, conta entusiasmada sobre o bairro onde vive há 48 anos, o Eldorado. Ela gosta de seu bairro, diz que todas as pessoas são boas, e a tratam bem, deixa claro que não tem inimigos. Maria Laudelina conta que trazia água da nascente (Córrego Carambeí) na cabeça para beber, lavava roupa no Rio das Pombas. Como que um alerta, conta que naquela época já havia bandido. Trazia água do rio para dar banho nas crianças. Não era poluída, diz: “era clarinha”. Depois que construíram o Hospital Evangélico, nunca mais pegou água do rio.

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Maria Laudelina Trindade, 2015, há 48 anos no Eldorado.

Sempre preocupada com as crianças, pois havia muito mato e tinha cobras. “Eu tinha muito medo, matei umas três no meu quintal, de duas cabeças, cobra verde”. Para passar do outro lado no Jardim Igapó (não havia a Via Expressa) tinha que passar em um trio (picada), pois não havia estrada, seu marido (in memoriam) cortava o mato com foice.

O rio das Pombas era um córrego limpo e raso, lá se pescava e lavava roupa. Conta que havia muita taboa, “enchia os travesseiros”, também havia flores azuis, muitos lírios, à noite ficava clara por sua brancura. Onde está a Escola Municipal Maria Irene Vicentine Theodoro, havia árvores, a figueira é uma das espécies que habitavam o local.

No bairro encontravam-se árvores frutíferas, pés de laranjas e de caquis, pois o lotea-mento pertencia a um “Japonês” que tinha horta, Maria Laudelina comprava verduras desse “Japonês”.

A vida era difícil, trabalhava-se muito, mãe de 11 filhos, ganhava-se mixaria. Comprou o terreno em prestações para pagar em 5 anos, o valor de cada prestação era de 32 cruzeiros por mês. De início, Maria Laudelina fez um rancho de tabuinha velha, lona e um fogão à lenha de cimento. “Eu fiz um ranchinho, mais tarde o José Richa me deu essa casinha”.

Outro fato interessante abordado por Maria Laudelina e a história de indígenas vivendo próximo ao Rio das Pombas, quando se mudou para o Eldorado. Ao lado da via expressa onde hoje há prédios, próximo ao “Centro Cultural Kaingáng”, havia uma grande árvore e eles viviam embaixo dessa árvore. Diz ter visto algumas catacumbas de indígenas junto com seu marido (in memoriam), e que construíram casas sobre essas catacumbas, complementa “quando vinha a polícia eles [os indígenas] sumiam, depois voltavam”.

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Nova Conquista e três gerações

Bairro Nova Conquista e três gerações: Ana Francisca de Amaral, Maria Santos de Barros e Ilma Dias de Barros. Outubro de 2015.

O bairro Jardim Nova Conquista acolheu um grupo de mulheres, que “cresceram” neste lugar cheio de histórias, desde o ano de 1975. Ao recordar de anos atrás se lembraram de que existia uma árvore bem grande e antiga no local próxima à mina d’água, (Córrego Carambeí) da espécie angico, porém esssa planta apodreceu. Então, a cerca de 10 anos atrás houve a necessidade de cortá-la. Por esse fato, a nascente era chamada de Mina do Angico.

Ana Francisca fala sobre as melhorias no bairro, disse que gostaria que fosse um jardim onde existe a nascente (Córrego Carambeí). Já do ponto de vista de Maria e Ilma, é a sujeira dos cavalos que incomodam, como a urina, estrume, fedor, carrapato, principalmente quando chove, exala um cheiro desagradável, “fedor de palha”, diz Ilma. Apesar de tudo, Ana e Maria gostam do bairro, pois criaram seus filhos e são felizes.

Maria relata que quando se mudaram era só bambu, roçaram e colocaram um plástico para proteger as crianças “até o Belinati dar o terreno” para elas, onde elas construíram sua casa. Na região havia esgoto, muito piche e muitos buracos. A Fábrica Carambeí já existia naquela época, porém fabricava-se rami, hoje a atividade é outra, faz-se linha.

Vivia preocupada com o bambuzal e o capim “colonhão”, até que tamparam os bura-cos. Contaram que a casa que fora construída era de “taboa”, buscavam barro na mina para passar no chão para ficar lisinho, depois buscavam pó de serra para jogar no chão para as crianças não ficarem na “friagem”. Buscavam longe, no Vale Verde, pois o barro neste local era branquinho.

Próximo a elas havia apenas bambuzal, bananeiras e três vizinhos. Os lotes foram sendo divididos aos poucos, o que dependia da necessidade de organi-

zação, pois de início não havia divisão alguma, inclusive para abertura de ruas essa organiza-ção foi necessária.

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O Califórnia nas lembranças de Lissandra e Édna

Califórnia

Tão veloz como águia,Tão vivaz como a esperança,

Tão sagaz como o dia, à noite,reluz como o sol!

Em minh’alma um passadoTão voraz, tão recente,

Tão feliz, tão Califórnia!

(Márcia Rejaine Piotto)

Lissandra Marques Martins Romagnolli, 2015.

Lissandra Marques Martins Romagnolli, nasceu em 08 de novembro de 1972, em Lon-drina e mora há 36 anos no Califórnia. Casada, mãe de dois filhos, pedagoga com especiali-zação, chegou ao Jardim Califórnia no ano de 1980, pois ficava próximo ao trabalho de seus pais e próximo a sua escola. Vieram para a Rua Confúcio, localizada atrás da igreja católica. Neste endereço permaneceu até 1994, mudando-se para o bairro vizinho: Vale Cambezinho, onde reside até hoje.

Lissandra conta que naquela época, década de 80 e 90, funcionava a Fábrica Carambeí que empregava muitos moradores do Jardim Califórnia, e que tinha uma sirene, onde se baseava as horas por ela. Também que algumas mudanças aconteceram com o aumento da população no decorrer desses anos, como: onde está instalada a atual farmácia Eldorado, funcionava naquele lugar, uma venda, chamavam de “Venda do Seu Mineiro”, que era uma pequena mercearia. Outra mercearia antiga do local era a “Casa Prudente Secos e Molhados”, o dono, na época, era o Seu Paulo, e hoje, nesse mesmo lugar, está instalada a mercearia de seu pai, “Mercado e Sacolão Martins”, localizada na Rua Comandante Rhul.

Lembra-se da Feira Livre, que acontece todas as terças-feiras e, o Tiro de Guerra, loca-lizado próximo ao bairro Jardim San Fernando.

Naquela época a linha de ônibus era a “201”, passando pela Avenida Salgado Filho e descendo pela Rua Alan Kardec. Com o aumento populacional e de novos bairros mudou-se todo o trajeto.

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Foi uma época muito gostosa, quando criança, brincávamos na rua, com di-versos brinquedos que nós mesmos construíamos e várias brincadeiras, todos naquela época se divertiam muito. Um outro fato importante, é que a praça no final de semana, era bem frequentada por vários moradores do bairro, iam todos para se divertir.

Lissandra conta também, que próximo à praça havia um salão de madeira onde ce-lebravam as missas da Igreja Católica, chamavam o local de “Barracão”. Mais tar,de com a construção da igreja, esse espaço passou a ser o seu salão.

Neste local, todos os finais de semana, no domingo à noite, tinha a quermesse, tinha bingo, comes e bebes e muita música. Nessas quermesses reuniam-se muitas pessoas, que fechava a Rua Pedro Abelardo, além de preencher todos os espaços do salão. Era uma festa muito gostosa.

Ali morava uma família: a mulher, Dona Maria, era quem cuidava da organização do espaço.

Conta também, que não houve mudança de endereço da Igreja Presbiteriana, ela conti-nua na Rua Confúcio com a Rua Pedro Abelardo.

Édna da Silva Messias Mota. S/d. Acervo Familiar.

Já, Édna da Silva Mota, nascida no ano de 1969, relata um episódio angustiante aconte-cido no dia primeiro de maio de 2015, ocorrido no Jardim Califórnia, na Rua Pitágoras. Conta que houve uma ocupação de terras e 66 famílias permaneceram por oito meses no terreno. E, ela, como integrante dessa ocupação, ressalta que o fez por falta de moradia no bairro.

Relata que foi difícil, pois não havia saneamento básico, água, luz. Porém a ajuda entre os ocupantes era mútua, mostrou como é importante o companheirismo. Para construção dos barracos, o Ecoponto foi de grande importância para os habitantes da ocupação, pois lá havia portas, pregos, madeira e outros materiais.

A ocupação nomeada como “Deus Conosco” foi matéria de várias entrevistas, reper-cutiu na mídia.

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O Jardim OK segundo João e Maria, mãe e filho

Maria Rosa de Oliveira Souza de Barros - Jardim OK, por volta de 1973.

João Nate Theodoro de Oliveira Souza,“Jacaré” - Jardim OK, por volta de 1973.

Escola Municipal Professora Maria Irene Vicentini Theodoro, 4º Ano A entrevista “Jacaré” e sua mãe Maria Rosa. Em 22 de setembro de 2015. Ao lado de Maria encontra-se a professora e autora deste artigo.

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Maria Rosa de Oliveira Souza de Barro, é nascida em 8 de abril de 1940. Mora há 45 anos na região, tendo chegado em 7 de setembro de 1970 no Jardim “OK”, hoje mora no Jardim Eldorado. Teve como profissão doméstica. Gosta dali, pois tudo que tem, conseguiu neste lugar. E enfaticamente disse: “eu adoro aqui”.

Não havia nada, só havia mato, porém o bairro já estava separado em lotes. A vida era muito difícil para Maria Rosa. Em sua fala ela deixa claro:

muito pobrema, muito pobrema, muito pobrema se eu for falar [...] muitos po-brema eu morava até no tempo, eu morava no tempo, eu morava debaixo de um pé de banana [...] já tinha sete, sete, sete filhos, eu já tinha [...] eu guardava as crianças dentro de uma caixa de água, os pequenininhos, tinha uma caixa de água vazia, então eu colocava eles dentro da caixa e tampava com um pano por causa dos pernilongos, à noite, à noite pra dormi [...] e quando era época de chuva, então eu pegava uma lona do vizinho e cobria, cobria quando parava a chuva eu tirava a lona [...] tudo barro [...] muito sofrimento.

[...] nóis pegava água numa piscina (Córrego Carambeí) que tinha lá embaixo na favela, tinha uma piscina lá e nóis pegava água lá [...] é uma água que saía assim de dentro da terra, é aquela água saía de dentro da terra e enchia aquela piscina [...] aí depois quando começou a favela, aí eles estragaram tudo, estra-garam tudo, dava até dó!

Maria Rosa diz que daquela época para os dias de hoje o bairro mudou muito. Dentre tantas mudanças, ela conta onde ficava um campo de futebol, local que as crianças brincavam, e hoje cedia a Escola Municipal Maria Irene Vicentini Theodoro. Saudosa diz: “eu ficava lá da minha área apreciando eles”. Reformaram a favela, arrumaram a igreja. Antes havia muito mato e cobras, ratos e outros bichos. Há 30 anos mora na Rua Pitágoras e nesse tempo relata que aconteceram umas 4 ou 5 tempestades na região.

João Nate Theodoro de Oliveira Souza, conhecido como “Jacaré”, nasceu no dia 12 de agosto de 1954. Mora no Califórnia há 43 anos. Homem de labuta, de coragem, que esbraveja cheio de gestos e sorrisos seu amor e encanto pelo lugar onde cresceu e formou sua família. Emocionado, relatou, aos alunos do 4º ano A, acontecimentos de sua infância até os dias de hoje sobre o bairro onde vive.

Toda vida [...] eu trabalhei de empregado doméstico quando era criança, quan-do eu completei meus 13 anos, um senhor me colocou para trabalhar com tapeçaria, e eu tô até hoje, fiz minha família, ajudei a minha mãe construir essa casa que ela tem... que a gente morava no tempo, nós não tinha casa, nós morava no tempo.

Eu amo aqui, porque é um lugar bom, eu entrei aqui ainda nem tinha asfalto, é... Tinha bastante, bastante passarinho, bastante verde, o verde a gente tem que continuar né, [...] tirou uma árvore, tem que por outra no lugar. Por isso que eu gosto daqui, isso aqui é um paraíso... As ruas aqui era assim, era trio, você andava assim no meio do trio.

Mas, a vida era muito dura:

Antes não, antes os “coitadinhos” vinha naquele sol quente, vinha, e as mãe ficava esperando em casa. Passava no meio dos pastos por aí, correndo de gado, correndo de boi bravo, era assim antigamente.

Então hoje tá bem melhor!

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... as dificuldades é que de manhã cedo a gente saía pra ir trabalhar sem comê, ia comê só de tarde, hora que chegava.

[...] nós saía da escola, descia aqui pra baixo, aqui oh... pra catá caqui pra comê, Catá mandioca pra minha mãe cozinhá no [...] pra ela cozinhá lá no fogo de lenha lá pra nós comê ainda. Gente a coisa foi sofrida!!! [...] nós já sofremo tanto frio, olha quantas veis eu deitado no meio da bananeira, assim, e o frio era muito grande. Eu falo e voceis não vão acreditá: eu levantava de noite e cortava as folha da bananeira e cobria chegava de manhã cedo tava tudo queimado, assim ó... porque a folha da bananeira é quente, é, ela é quente e tem aquele leite, então aquele leite dela esquentava a pele, só que queimava. [...] o inverno, o inverno parece que ele vinha e não acabava mais, ele não acabava mais, hoje gente...ééé, doe agasalho, doe...não sei o que...antigamente cê via uma coberta na rua e cê catava ela correndo, hoje as coisas tão bem mais fácil, tá fácil, fácil, gente seis não sabe que é a vida 50 anos atrás aqui, pra quem não tinha condições. Agora pra quem era dono das propriedades sempre teve melhoras, eles criavam né, né porco, galinha, gado, aqui mesmo [Rua Pitágoras] passava gado, bastante gado, aí gente tocando gado [...] aqui nessa região, aqui nessa rua, aqui ó! Nessa rua aqui, ela era um pasto, um trio assim...e descia ali pra baixo, ali, ali tinha um riozinho, passava dentro do riozinho, aí depois desse lado aqui onde é [...] desse lado aqui aonde é o...esse conjunto aí né, tem um Conjunto aí de casinhas menores, ali era tudo horta, mato e taboa, é, bem no meio onde corre o riozinho era uma taboa onde tem aquele, pasto ali grande. Aquilo ali foi um aterro que fizero viu, aquilo ali era um taboal, a gente, quando era muleque, ia em 15, 20 muleque, ia e rancava cá mão, rancava com a mão e fazia piscina pra brincar, e o que que tinha na piscina? cobra, rato, cachorro morto, a gente enfrentava tudo isso aí, a gente não conhecia outras condições...

[...] nadava aqui, aqui tem o Arthur Thomas não tem? Então a água vinha, não era cercado, aqui era junto, esse Parque aí, ele vinha pra cá, [...] aonde tem o asfalto, ele vinha tudo, é, era intero. Então a gente ia pro meio do mato, assim já aproveitava pra caçá o passarinho e nadava naquela lá, naquela imundiça [...] mas era uma verdadeira imundiça. Existia a Bucharia é ali na... , é onde tem o Instituto do Câncer, ali é o Jardim Petrópolis terminava o Jardim Petrópolis aí tinha a Bucharia. A Bucharia é onde eles tratavam de pele de animais, e essa sujeira, ela puxa tudo pelo rio e acabava aqui. A gente só tinha essa op-ção: nadá aqui ou no Igapó. Mas se a gente nadava no Igapó, ela começava a ensebar os olhos e eu perdi muito amigo afogado. Por causa disso, então a gente vinha aqui que era mais fraco, mas ela terminava aí também, [...] já muito poluído, hoje não [...], é em 86, 87.

Essas duas nascentes aqui (Córrego Carambeí), a gente tomava banho, era uma água excelente para beber a gente bebia dela, não tinha outra, é aquela lá de cima, a gente bebia daquela nascente. Ali todo mundo pegava água, tomava banho, depois quando começou a surgir as primeiras casinhas, o que que eles fizeram? Eles foram fazer perto da nascente, então começaram a fazer o que? Fossa! [...]Aí oh...Foi uma tragédia! Foi uma tragédia! Ali fia, um tempo o prefeito Belinati ele veio e deixou bunito, arrumô tudo certinho, porque a nas-cente era linda demais!!! As criancinhas que entravam embaixo tomava banho, era lindo! Lindo! Bibia, carregava água pra cá, de repente veio a saúde aí e falô: “ olha a água tá deixando todo mundo doente, pára”, cabô, cabô, cabô...”.

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...aí com o tempo começou, ééé popular bastante, nós já conseguimos já de-pois de um...em 88, já tinha, nós já tínhamos uma casinha lá embaixo pro lado de cima, compramo o terreno, fizemo a casinha, tudo, e eu consegui compra um jipe ainda de menor... [...] Ainda com uns 15 anos eu já tinha um jipe, aí o que que acontece muita pobreza, muita gravidez, as mininas ficava ruim pra ganhar neném, eu discia lá embaixo com o jipe, chovendo, catava e levava no HU [...] nunca cobrei nada, nunca ganhei nada, só quem pagô pra mim foi Deus, Deus pagô, bem pago! Mas eu fiz coisas que olha, a Saúde hoje eu ainda não vejo fazer.

“Jacaré” nos relata tão comovido, que todos os presentes foram acometidos por tal emoção.

[...] gente, se vocês soubessem o quanta caridade eu e a minha mãe fizemos aqui, fizemo muita, e eu por isso eu ainda consegui guardar esse jipe que eu falo pra vocês, que eu socorri tanta gente. Eu consegui guardar ele, e agora, depois de dez ano, eu restaurei ele. Ele tá andando. Muita gente vem, éé, pessoas de idade, assim que me conhece vem atrás pra comprar, mas eu não vendo, não vendo[...] é uma relíquia da família.

[...] aqui na onde tá a escola, aqui a gente brincava de jipe era um, era um, era uma buraquera, era mato e tinha uns buraco, umas coisinhas, e a gente brincava de jipe aqui. Daqui descia até lá embaixo na expressa, éé, eu vi tudo a fundação disso aqui, eu vi tudo, tudo, não tinha nada.

“Jacaré” agradece a todos os professores, pois seus filhos estudaram e ainda estudam nessa escola. “Que Deus abençoe essas criancinhas”.

Família Pereira

Hélio Pereira, 74 anos, mora no bairro Jardim Califórnia desde 1970. Foto de 2016.

Aos 74 anos, Hélio, é um dos fundadores da igreja católica, conta que antigamente fal-tava água, era racionada, quase a semana toda, a Carambeí era quem fornecia água para eles. A luz era tão fraca, não tinha potência, inclusive teve que comprar um transformador. Com o passar do tempo tudo melhorou. “Aqui, quando mudei, aqui não tinha asfalto, era só terra né, terra, ou quando chovia, era barro, e de sol era um poeirão danado né, é o que tinha!”.

Empolgado, relata sobre aquela história que contaram sobre os tremores no Califórnia.

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Diz que falaram que era chuva, porém na verdade não era a chuva, era “tudo mentira”. Hélio relata que no bairro passa um tubo de aro e, de vez em quando, falta luz. Então

faltando luz, a bomba para a água que está sendo bombeada volta e fica aquele espaço de ar no cano. Quando a bomba volta a funcionar a água traz aquela bolha de ar. Ressalta que na Rua Jaime Americano com Rua Dolores Maria Bruno foi construída uma caixa, quando a bolha descia e a água batia na parede da caixa acontecia o tremor.

Enfatiza que “hoje” foi provado, pois a SANEPAR trocou umas válvulas, acabaram os tremores. Os tremores começaram em janeiro e depois das trocas das válvulas acabaram os tremores. Complementa dizendo que se percebe, pois não passou de 1.9, 2.0 na Escala Richter.

Saiu no jornal, na TV, tem muita casa rachada por conta dessas ocorrências, comenta.Conta que nessa região era um sítio de um “Japonês”, depois foi dividido em lotes, e

que cortaram um pé de araucária que havia lá na residência do “Japonês”. Também revela que presenciou o surgimento da favela OK. No meio do bambuzal surgiu um ranchinho e rapidamente encheu-se de casas.

Igreja Católica, Rua Pedro Abelardo, Jardim Califórnia-Batizado, Hélio Pereira (padrinho), Frei Fortunato (1º padre da Paróquia Santa Rita de Cássia). Novembro de 1984.

Frei Fortunato (1º padre da Paróquia Santa Rita de Cássia-Jardim Califórnia); Dóroti Pereira e seu filho Hélio Pereira dos Santos e sua mãe Erotides Ascenso Pereira (esposa de Hélio Pereira). Foto de 1980.

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Rua Theodore Roosevelt, nº 432, Jardim Califórnia. Hélio Pereira, Erotides Ascenso Pereira seu pai Jacinto As-

censo e Ercília Ascenso. Segundo Hélio a araucária no fundo da imagem estava na residência do senhor “Japonês” que era antigo proprietário da região. S/d.

Residência da família Pereira. Rua Theodore Roosevelt, nº 432, Jardim Califórnia. Ano de 1972.

Hélio Pereira e seu filho Sérgio Pereira (3 anos) integrante da dupla Júlio Cézar & Rafael. Rua Theodore Roose-velt, nº 432, Jardim Califórnia, março de 1981.

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Jardim Califórnia - da esquerda para a direita: Ricardo César Abucce; Wellington Rodrigo Abucce; Keila Cristina Uhlmann; Kátia Regina Uhlmann; Kellen Nayara Ferraz. S/d.

Ao fundo Avenida Dez de Dezembro - Jardim CalifórniaAnthônio Carlos Uhlmann; Keila Cristina Uhlmann. S/d.

Da esquerda p/ direita: Joaquim, Cleide, Neuza, Adélia e Nivalda. S/d. Acervo familiar.

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Da esquerda p/ direita em pé: Cleide, Joaquim, Neuza, Izaque, Nivalda e Lazinho.Agachados: 1ª Eliane, 2ª Keli, 3ª Grasiele e última Flávia. S/d. Acervo familiar.

Mituyo Notomi Iwanaga e Tsukasa Iwanaga. As crianças da esquerda para a direita: Edson Massayuki Iwanaga; Celso Hideki Iwanaga e Fátima Sonae Iwanaga. Ano de 1974.

Mitsuyo Notomi Iwanaga e Tsukasa Iwanaga, setembro de 2006.

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Considerações finais

Este Projeto destaca as particularidades das lembranças de cada colaborador, os moti-vos que os trouxeram para a região. Bairros como Califórnia, Eldorado, Nova Conquista, OK e Kobayashi abrigam cidadãos embebidos de sentimentos sobre fatos do passado, memórias que sobreviveram ao tempo.

Através dos relatos coletados, percebe-se que antigamente a vida na região era sofrida, sem conforto e segurança, sofrendo-se, por vezes, carências do básico para a sobrevivência, como alimentação e higiene. Não havia, em determinados momentos, nenhuma infraestru-tura, e que as mesmas demandaram muito esforço e longos anos para que seus habitantes as usufruíssem. Atualmente, as comunidades desfrutam dos serviços básicos, escolas, sanea-mento básico, energia elétrica, posto de saúde e comércio em geral.

É notório também, que, além do desenvolvimento e expansão da região, houve êxito entre seus habitantes, a condição de melhoria em suas vidas é evidente.

Sabe-se que o desenvolvimento está para atender as necessidades da população, porém a natureza tem sofrido há algumas décadas por esse fato. As riquezas naturais existentes na região estão comprometidas pela devastação, pelo lixo e abandono. O desmatamento irregu-lar, destruição das nascentes, falta de manutenção, além da poluição.

Outro fato importante a salientar neste estudo é que os acontecimentos são narrados segundo a versão dos entrevistados. Suas memórias foram reveladas e expostas ao serem por eles relatadas.

Com a participação dos alunos o projeto pôde ouvi-los e revelar aos moradores, suas referências, compartilhando conversas, favorecendo a compreensão do processo de transfor-mações nos bairros, em suas vidas e de seus familiares, preservando suas memórias.

BIBLIOGRAFIA

Setor de Licitação, Concorrência Pública 2015, Concorrência n° CP/SMGP0017/2015 Objeto: Exe-cução das obras para implantação do arco leste, Prefeitura de Londrina (SITE).

Agradecimentos aos entrevistados

Aline Cristina da Silva – 01/04/1985 – 20 anos no Califórnia;Ana Francisca de Amaral – nascida em 1925 - 40 anos Nova ConquistaAnita Genteluz Correa – 08/10/1942 – 46 anos EldoradoAntônio Fagundes de Brito Filho – 09/06/1945 – 47 anos no CalifórniaAparecida Vieira Machado – 09/03/1965 – 43 anos Nova ConquistaBerenice da Silva Vieira – 25/11/1966 – 23 anos no CalifórniaClaudia Midori Kobayashi – 04/08/1965 – 51 anos no KobayashiCleuza Maria dos Santos – 29/10/1968 – 44 anos KobayashiEdna da Silva Messias Mota – 30/06/1969 –10 anos CalifórniaGeralda Ribeiro – 25/07/1959 – 48 anos OKHélio Pereira – 22/08/1941 – 46 anos no CalifórniaIlma Dias de Barros – 01/07/1975 – 40 anos Nova ConquistaIlton Neri da Fonseca – 05/11/1937 – 43 anos no EldoradoJoão Nate Theodoro de Oliveira Souza – 12/08/1954 – 45 anos OK/ CalifórniaLissandra Marques Martins Romagnolli – 08/11/1972 – 36 anos no CalifórniaMaria Aparecida Uhlmann – 31/07/1957 – 46 anos CalifórniaMaria Josefa Conceição Lourenço – 26/05/1939 – 22 anos CalifórniaMaria Laudelina Trindade – 29/01/1934 – 48 anos EldoradoMaria Rosa de Oliveira Souza de Barros – 08/04/1940 - 45 anos no OK/Eldorado

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4º A

Adryan De Oliveira VieiraAmanda Vitoria Gomes GrassiBeatriz Radhyba Mello SouzaCaio Filipe SilvaEmilly Vitória MoraesGeovana Vieira Da FonsecaGustavo Da Silva MoreiraHairan Romano Rojo LimaHeloisa Monique Pereira

Maria Santos de Barros - 12/08/1948 - 40 anos Nova ConquistaMaria Sueli Ferraz – 19/08/1967 – 38 anos no CalifórniaMilca José Nascimento – 05/05/1949 – 28 anos LondrinenseMitsuyo Notomi Iwanaga – 31/08/1941 – 46 anos CalifórniaSheila de Mello Souza – 19/07/1988 – 22 anos no CalifórniaSozi Kobayashi – 20/01/1935 – 63 anos no KobayashiSuzue Kobayashi – 15/11/1937 – 56 anos no Kobayashi

Alunos participantes 4º anos A e B

João Paulo Ramos GomesJoão Vitor Genteluz CorreiaKaue Iwanaga Takeda PaisKetlin Da Silva MoraesLeyla Geovana Da SilvaLuana Gabriella Rocha Dos SantosLucas Benvindo DinizLucas Hinterlang Almeida

Maria Ester De Oliveira RibeiroMatheus Mauricio Oliveira CustodioNaiara Aparecida PereiraRachel Uhlmann BuenoRayssa Allana SecciRayssa De Oliveira Sampaio

4º B

Alana Niagrid Da Silva VieiraAna Clara Vieira Da FonsecaAnthony Mendes HeckCatherine Louise TeixeiraEverson Junior De MoraesGabriella Graciano LimaGlauber Rafael Dias Da SilvaGraziella Laureano De Andrade

Guilherme Pelizzaro CardosoHeloisa De Almeida PereiraIgor Ribeiro FrançaIsabella Rodrigues AccorsiniJennifer Duarte De PaulaKelson Oliveira Dos SantosLucas Pietro Coronado De OliveiraMaria Eduarda Cardoso Graciano

Matheus Henrique Da Si LvaMurilo Hiroshi TakemotoNayara Vitória De Oliveira LourençoNicolly Micheletti De SousaPatrick Bergamo AlexandreStephany Pizolito Do CarmoTarik Henrique CoutinhoThayná Vitória Do Nascimento

Agradecimentos às professoras

Adriana Regina Piotto TirolaDaniela Mattos CésarEliane CandottiSiomara PeresThais Piva Gouveia Paulo Roberto Guilherme - Engº Agrônomo da Secretaria Municipal do Ambiente

Agradecimentos aos estagiários do Museu Histórico de Londrina

Aryane Kovacs Fernandes Fabíola Ferro da SilvaFelipe Augusto Leme de Oliveira Higor de Melo Silva Juliana Souza BelasquiLaura Zecchini dos AnjosMatheus de Freitas Figueiredo Pedro Henrique CezarRitielly Gouvêa MeloTaiane Vanessa da Silva Thiago Machado Garcia

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Introdução

O objetivo geral do projeto na origem desse estudo foi pesquisar a história da Escola Municipal Maria Shirley Barnabé Lyra, em Londrina (PR). Para tanto, eu e meus alunos entre-vistamos funcionários antigos da unidade escolar. Entrevistamos cinco funcionários de nossa escola e um ex-funcionário. As entrevistas e as suas transcrições foram realizadas pelos 22 estudantes do 4º ano, turma B, período matutino, e por mim.

A coleta de entrevistas foi a estratégia escolhida devido ao objeto de estudo, conhecer a história da escola, sabendo que há poucos documentos escritos a respeito do assunto. E tam-bém porque as entrevistas possibilitam a participação dos alunos. Buscamos nas lembranças dos entrevistados os documentos para o nosso estudo. Uma experiência muito enriquecedora para todos os envolvidos, particularmente para mim, que me preparei estudando sobre me-mória e história oral.

A importância de conhecer a história da escola

Começando por História, componente curricular

Conforme estabelecido, a disciplina de História é componente curricular de ensino Fundamental de Nove Anos. É nesse campo de conhecimento que compreendemos porque as coisas e as pessoas são como aparecem hoje, pois existe um passado relacionado ao nosso presente.

Segundo Oliveira, Sandra (2010) afirma:

a constante relação entre o passado e o presente, condição teórica elementar para o estudo da História, não no sentido de constatação de “como era” e “como é”, mas no intuito de analisar os porquês das permanências e transfor-mações; e o trabalho com as diferenças temporalidades.

Conhecer história implica em realizar pesquisas, para compreender as transformações, porém para chegar a uma conclusão são necessárias diversas fontes, conforme afirmação de Barca (apud OLIVEIRA, 2010), “consistência com a evidência, entendida como o conjunto de indícios fornecidos pelas fontes sobre o passado”.

OLIVEIRA (2010) esclarece que “[...] a interpretação histórica do passado é formulado a partir de evidências[...]” , as evidências são oriundas de diversas versões que temos com as mais variadas fontes. O trabalho pedagógico do ensino de História necessita mostrar ao aluno esta realidade. “Organizar o trabalho pedagógico a partir da identificação e exploração de fontes é condição fundamental para que o aluno compreenda como a História é construí-

Conhecendo a história de nossa escola

Delman Raquel Gonçalves

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da.” (OLIVEIRA, 2010).Faz-se necessário apresentar aos alunos diversas fontes históricas, não somente os

livros didáticos e/ou ilustrados, como também outros registros que elucidam as evidências, OLIVEIRA (2010), comenta nas Orientações Pedagógicas para os Anos Iniciais (SEE/PR):

Nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, no processo de trabalho com as fontes, deve-se incentivar o exercício da imaginação histórica, entendida como a capacidade de fazer inferência, suposições sobre as fontes. [...] Na es-cola, ao propor várias vezes atividades cm fontes, o objetivo é levar a criança de uma imaginação histórica, pra uma imaginação histórica válida, pautada na evidência e plausibilidade.

As fontes de pesquisa históricas utilizadas são diversas. Podem ser materiais, escritas, visuais e fontes orais, incluindo entrevistas e relatos de viva-voz, por exemplo.

A escola: lugar comum da comunidade

Pois bem, se é curricular o ensino de História nas séries iniciais, assim como despertar nos alunos o interesse e busca pelo saber histórico, por que não eles mesmos buscarem informações para conhecerem a própria escola, sendo um dos lugares de identidade deles? Ou seja, que faz sentido para eles.

Trata-se de um intercâmbio entre o currículo escolar e a realidade dos alunos, já que a escola é um local comum da comunidade e faz parte do dia a dia. Além do mais, busca-se oportunizar aos alunos se sentirem protagonistas de suas próprias aprendizagens.

Conforme Hernandez (apud Sardenberg, 2011)

[...] o consenso de que o estudante aprende melhor quando torna significati-va a informação ou os conhecimentos que foram adquiridos e a concepção de que a escola é um local de intercâmbio, onde estudantes e educadores transformam em aprendizagem suas experiências sociais. Aliam-se, ainda, as percepções de que o desenvolvimento curricular não deve ser concebido de forma linear e por disciplinas, mas sim por interações e em espiral, e de que o processo de avaliação deve ser essencialmente formativo, contínuo e global, adaptando-se à diversidade dos alunos e possuindo caráter autoavaliativo e recíproco (entre estudantes e educadores).

Aqui, considera-se fundamental os procedimentos de coleta de entrevista, como a ela-boração do roteiro e a própria coleta, assim como a atividade de transcrição das entrevistas, visto que os estudantes puderam ter contato com um tipo de fonte sendo constituída desde o planejamento da coleta até a transformação num documento escrito sofrendo indaga-ções. O que podemos observar nesse processo? Um desenvolvimento na escrita e marcas da oralidade transmitidas pelos entrevistados. Assim, este trabalho não focou apenas na área de conhecimento de História e sim de Língua Portuguesa, pois para transcrever são necessários conhecimentos importantes de nossa língua, como por exemplo, os sinais de pontuação.

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O caminho percorrido

Apresentando a proposta da pesquisa

- Conversando com os alunos:

“Conhecendo a memória de nossa escola”, foi o tema de ensino escolhido. Devido a impossibilidade de circular pelo bairro e a falta de tempo para realizar entrevistas com pesso-as e/ou líderes da comunidade – pois a história do bairro era uma das opções interessantes – devido às dificuldades optou-se por conhecer a história da nossa escola.

Foi conversado com os alunos sobre a proposta e sobre o necessário para realizar entrevistas com pessoas mais antigas da escola: elaboração de roteiro de entrevista e de seus objetivos, ética na abordagem dos entrevistados, como usar o gravador e fazer a transcrição, distribuição das atividades no ato de entrevistar. A turma demonstrou interesse fazendo per-guntas para detalhamentos do andamento do trabalho.

- Planejando as ações:

Dividimos em grupos de 4 a 5 alunos, em seguida e pensamos sobre os funcionários de nossa escola que poderiam ser entrevistados e foram selecionados os seguintes: secretária Ticiane , que foi a primeira diretora da escola; a professora Salete, a auxiliar educativo Vanda e as funcionárias da limpeza e cozinha, respectivamente, Márcia e Andréia.

Cada grupo ficou encarregado de entrevistar uma delas. Então sentaram-se para orga-nizar as perguntas, a professora passou nos grupos para auxiliar na formulação das perguntas.

- Ação: Entrevista e Transcrição.

Para as entrevistas foi autorizado aos estudantes trazerem para a escola o celular, gra-vador ou máquina fotográfica. O processo das entrevistas foi realizado em quatro dias di-ferentes. As funcionárias foram convidadas a visitar a nossa sala de aula, a turma inteira acompanhou cada entrevista.

Após as entrevistas realizadas foi orientada a transcrição das mesmas. A professora fez uma demonstração de como se faz a transcrição, após ter transferido a entrevista para o computador. Procedeu-se da seguinte maneira: com o recurso ligado, fomos ouvindo e mostrando como pausar e como registrar as marcas linguísticas, as reações do entrevistado como emoção, dúvidas e outras. E assim escrevia no quadro alguns exemplos para as crianças compreenderem o processo, principalmente a importância de ouvir com respeito e registrar fielmente o que os entrevistados diziam.

Cada grupo foi encaminhado a um espaço físico da escola com o aparelho eletrônico utilizado na entrevista para realizar a audição e a transcrição. Nestes dias tivemos muitas dificuldades, pois estava chovendo constantemente, o que impedia ouvir claramente, foi ne-cessário um bom trabalho em equipe para auxiliar quem estava escrevendo. Algumas transcri-ções também não foram concluídas no mesmo dia. Com uma delas foi necessária a ação da professora, pois os alunos tiveram dificuldades na transcrição da mais longa entrevista e com linguagem não muito fácil para sua compreensão.

Foi muito interessante a experiência. Por exemplo, entrevistamos uma professora que lecionou na escola Maria Shirley à época em que ainda funcionava num centro comunitário enquanto aguardava o prédio atual ficar pronto. Foi muito enriquecedora a pesquisa e as

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crianças realizaram plenamente os objetivos propostos para o projeto. Creio que colaborou para que possam conceber como um documento histórico se constitui, as intencionalidades que permeiam a geração e conservação de documentos e as análises que deles fazem os his-toriadores. Além, é claro, de saberem um pouco mais sobre a nossa escola e de se sentirem parte dessa história.

Abaixo trago algumas imagens dessa eperiência:

Momento de entrevista com a secretária Ticiane.

Transcrição da entrevista.

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Exemplo de entrevista coletada, transcrita e revisada (texto integral):

ENTREVISTA 1 – Ticiane (secretária da escola)Entrevistadores: Vitória, Miguel, Vinícius e Camile

1) Quanto tempo faz que a senhora está nesta escola ?16 anos.

2) De quando a senhora entrou na escola , vê muita diferença nas crianças daquela época com relação a hoje ?

Sim ..... Que é a educação básica que é a educação vinda de casa, a gente percebe que tem muitas crianças que são bem educadas, outras crianças que ainda tá faltando um pouco mais empenho das famílias nas questões principalmente da escolaridade. Tem crianças que não fazem tarefa, tem crianças que não estudam pra prova, tem crianças que os pais não assinam bilhetes que a escola manda. Então, tem muitas coisas aí que foram se perdendo ao longo dos anos, mas, de modo geral, a nossa escola sempre foi uma escola que acolheu muito as nossas crianças, a começar por mim, da época de 1999. Eu sempre fui uma pessoa que trabalhou pela harmonia, pela paz, pelo companheirismo, pela colaboração e acima de tudo pela educação integral de vocês.

3) Como é que você virou secretária?É assim .... eu sou professora com formação de Educação Física. Quando eu fui esco-

lhida, né? Na verdade eu fui escolhida para ser diretora na época, eu estava trabalhando na escola José Garcia Vilar, como vice diretora, ao lado diretor, e essa escola ia inaugurar e não tinha ainda um nome para ser diretor ou diretora. E eu fui convidada, então, pelo secretário de educação da época, José Dorival Perez e ele me perguntou se eu tinha interesse em dirigir esta escola porque no momento estava tendo várias características com relação ao trabalho que poderia ser bem desenvolvido aqui na nossa escola. Daí como eles tiveram referência, né, do trabalho que eu fazia lá no Garcia Villar, eles me escolheram, né? Me ofereceram a função e eu, como sempre gostei de desafios, eu falei: Eu topo, eu não vou nem pensar porque se eu pensar eu não pego. Eu já era vice-diretora, então eu já sabia que era difícil essa função. E daí então eu fui escolhida dia 04 de maio de 1999, eu estava aqui nesta escola com uma carteira e uma cadeira fazendo matrícula sozinha, não tinha nada aqui nesta escola, só uma carteira e uma cadeira que tinha vindo lá de um setor da prefeitura. E dalí comecei a fazer as matrículas e daí estamos aí. Vamos lá para as próximas perguntas.

4) Qual é a sua formação ?Sou professora de Educação Física, fiz especialização na área de Educação Física tam-

bém, e depois que eu entrei como diretora, eu fiz pós graduação também na função de Ges-tão Escolar.

5) Quando você foi diretora, quais conquistas a escola conseguiu ?Muitas conquistas, porque na época da mesma forma que tinha crianças diferentes,

também tinha um grupo de professoras e funcionários que eram também bastante interes-sados na causa da escola. Então a gente tinha a Associação de Pais e Mestres que participava pais e professores e ali a gente foi conquistando através da nossa associação, eventos que a gente promovia aqui dentro da escola. E a gente conquistava muitas coisas através daquele dinheiro extra que vinha e além, também na época, tinha uma verba que a prefeitura doava para as despesas mensais e poderia comprar o que precisasse para a escola. Hoje já não é

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assim, hoje já não tem nada mais de verba para a escola adquirir coisas que quer. Hoje se a escola quiser adquirir coisas tem que adquirir promoções ou esperar um outro dinheiro do governo federal que é o PDDE, que é o Programa Dinheiro Direto na Escola que traz esta verba pra gente adquirir coisas que precisa. E essas coisas que precisam são colocadas como uma participação de todo o grupo da escola pra ver as prioridades da escola, para ver o que necessita de mais urgência pra adquirir. Então nós conquistamos várias coisas desta diretoria da APM, de muito trabalho, a gente vestia a camisa mesmo, suava a camisa pra adquirir coisas pra cada vez mais melhorar a escola.

6) Você já deu aula nesta escola ?Aula não. Eu nunca dei aula aqui. Eu trabalhei como professora durante 11 anos de

Educação Física, daí eu entrei .... fui convidada pra ser vice diretora de uma outra escola, lá no Garcia Vilar, e daí quando fui vice diretora, já não dei mais aula.

Que mais? .... Ah ela me fez uma pergunta que comecei a falar e não terminei a res-posta.

Eu parei de dar aula, né? Quando fui vice-diretora lá e depois fui convidada para ser diretora aqui. Eu fiquei diretora aqui durante 11 anos e durante estes 11 anos foi complicando uma situação que eu tenho no quadril. Eu tenho um desgaste, e eu não posso ficar nem muito tempo em pé, nem muito tempo sentada. E quando eu era diretora eu podia sentar e levantar conforme as necessidades do meu problema. E quando eu não fui mais diretora e não quis mais estar nesta função, eu peguei um laudo de readaptação funcional porque eu não posso dar aula de Educação Física, porque o meu corpo, meu organismo dá este desgaste.

Fragmentos de entrevistas coletadas

ENTREVISTA 2 – Andrea (funcionária da cozinha) Equipe: Juliana, Cristoffer e Heloísa.

5) De quando você entrou até agora, notou alguma diferença da alimentação dada aos alunos ?

A alimentação é passada para o prefeito, a nutricionista chefe nossa leva o cardápio e a gente tem que seguir aquele cardápio, muitas crianças reclamam, porque não pode ter “bobeira”, cachorro quente, porque não é saudável, então tem que seguir, que a nutricionista já balanceou, proteínas, nutrientes, não tem nada frito nada, nada, tudo que tem não é frito, é cozido ou assado.

ENTREVISTA 3 – Vanda (auxiliar educativo)Equipe: Sâmela, Fredy, Beatriz, Emilly e Eduarda

3) Quando você entrou na escola como era ?Como era a escola ? Ah ... a escola não era tão grande como é agora, bem menor porque

era só a parte de cima, depois fez o refeitório e depois fez embaixo, aí aumentou mais uma sala, é a sala dos professores.

Obrigado !!

De nada !!

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ENTREVISTA 4 – Professora SaleteEquipe: Matheus, Ellen, Gustavo e Gabriely

1) Há quanto tempo você trabalha na escola ?10 anos.

2) Há quanto tempo você trabalha na Oficina de Informática ?Mais ou menos quatro anos.

3) É difícil dar aula para os seus alunos ?Não. Só é difícil deixar os computadores ligados.

Muito obrigado pela atenção !

De nada !!

ENTREVISTA 5 – Márcia (funcionária da limpeza)Equipe: Larissa, João Flávio, Marc e Raíssa

2) O que mudou na escola enquanto você esteve aqui ?Mudou muita coisa aqui, era pequena...

5) Quais são as mudanças mais importantes que viu acontecer nessa escola ?Os projetos para as crianças, os computadores para as crianças, aulas de inglês, os bair-

ros comentam muito bem da escola e dos professores e diretores bons.

Obrigado !!

De nada !!

ENTREVISTA 6 – Professora Célia Célia Regina Vidoti Cherotti dos Santos, atualmente trabalha na escola Bartolomeu de

Gusmão, 52anos, 40 anos de rede.

3) E você estava comentando que não era asfaltado ...Lá fora era terra, aí quando chovia era engraçado porque .... meu ex marido, uma vez

me deixou lá na igreja, né ? Porque pra baixo não dava pra ir ... Aí ele falou assim: “Ô Célia o que é aquele monte de coisa branca, lá embaixo?” Coisa branca...? Eu falei: você não tem noção do que que é ?” Ele: “Não ...” Eu falei, é sacolinha de supermercado. “Pra que?” Eu falei, todo mundo colocava sacolinha pra andar no barro pra chegar lá e não formar aquele bolo de terra embaixo do sapato, a sacola serve de sola, uma sola não aderente ao barro. Aí, na época, foi quando abriu o Carrefour, então as mães falavam assim: “Olhem aqui, heim, gente, nós só aceitamos sacolinha do Carrefour”, por que? Era chiquérrimo ir no Carrefour, amor, né ... Então a gente morria de rir ... Aí eu dava aula na frente ...

... E o dia que teve enxame de abelha, gente do céu! O dia do enxame de abelha foi o

máximo, o enxame de abelha chegou lá pra se instalar e as crianças estavam tudo dentro, onde as crianças estavam tendo aula! Foi um “fundurço”, menina do céu .... ficou uns dois dias.

8) Você lembra qual ano que foi?Sou péssima pra data .... foi em 95 ou 96.

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Considerações Finais

O objetivo do trabalho foi de conhecer a história da escola, pudemos perceber que o surgimento de uma escola vem depois do surgimento do bairro. Gostaríamos de ter avançado no conhecimento o bairro também, infelizmente não foi possível. A última entrevista con-tribuiu para conhecermos o momento anterior ao prédio da escola, trazendo a sua origem.

Para os alunos foi um momento diferente na história de vida escolar deles, a passagem por todas as etapas, as quais citamos: pesquisa de pessoas que podem fornecer informações; formulação das perguntas; a própria entrevista e a transcrição da mesma. Cada uma destas etapas proporcionou habilidades como pensar em quem poderia contribuir para a pesquisa, depois a clareza em formular perguntas que pudessem responder ao objetivo da pesquisa, du-rante a entrevista a expressão oral e na transcrição, o desenvolvimento na produção de texto, gênero textual Entrevistas, que é um conteúdo também apresentado aos alunos do Ensino Fundamental, séries iniciais.

Somando às habilidades, este tipo de trabalho pedagógico contribui com a educação das crianças nos aspectos da conscientização para a importância da oralidade, das pessoas e do respectivo registro, além de uma visão ampliada da história e percepção.

Nem todos se sentem a vontade com entrevistas, algumas pessoas se sentem tímidas ao falarem perante algum aparelho eletrônico e acabam deixando de falar e contribuir mais. Para os alunos também, como algo novo, não foi tão fluente entrevistar, porém esta experiência ficará marcada na vida deles, agora estes que participaram deste projeto possuem um olhar diferente dos demais alunos da escola.

Vale ressaltar que o processo das entrevistas e da transcrição que oportunizou a reali-zação do projeto, foi apenas um fragmento, pois para uma história mais completa de nosso objeto de estudo necessitaria mais entrevistas e mais outras fontes históricas que poderiam ser exploradas pelos alunos se houvesse mais tempo e continuidade.

BIBLIOGRAFIA

SARDENBERG, Agda. Trilhas Educativas: o diálogo entre território e escola. Rev. Tecnologias do Bairro Escola, v.2, 2011. Disponível em http://www.cidadeescolaaprendiz.org.br/wp-content/uplo-ads/2014/04/Tecnologias-do-bairro-escola_Vol2_trilhas-educativas.pdf

OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de Oliveira. História. In: Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Ensino Fundamental de 9 anos – Orientações Pedagógicas para os Anos Iniciais. Curitiba. Governo do Paraná, 2010, p. 119-134.

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Álbum Novos Olhares sobre o Bairro

Desenvolvido pelos alunos do 2º ano do Curso Técnico Integrado em Administração de Empresa do Colégio Estadual Professora Maria José Balzanelo Aguilera sob a orientação da professora Eliane

Aparecida Candotti na disciplina de História

Na década de 20, uma companhia inglesa adquiriu do governo paranaense grande parte das terras do norte do Paraná a fim de lucrar com a venda dos lotes de terra e com a cobran-ça dos fretes ferroviários, já que parte da estrada de ferro que passava por aqui era sua. O empreendimento da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) deu origem à cidade de Londrina, uma “pequena Londres”.

Planta da cidade de Londrina (1936).

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Planta da cidade de Londrina (1932).

A propaganda feita pela CTNP atraiu pessoas de diferentes partes do Brasil e do mun-do para Londrina, tornando-a pluricultural. Por outro lado, tentou esconder a existência de outros grupos que já habitavam estas terras muito antes da colonização: povos indígenas Kaingangs e Guaranis, além de posseiros e pequenos agricultores instalados nesta região.

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Parte da propaganda distribuída pela Companhia de Terras Norte do Paraná em 1934. Jornal Paraná Norte.

Nas décadas seguintes, a cidade projetada para abrigar cerca de 30.000 habitantes, pas-sou por um acelerado processo de crescimento urbano, ultrapassando os limites estabelecidos pela Companhia. A propaganda da CTNP que destacava a prosperidade da terra e os lucros com a produção do café, mais tarde a ocorrência de geadas nas décadas de 50 e 70 e, conse-quentemente, o êxodo rural, contribuíram para que muitas pessoas saíssem do campo e de suas cidades em direção à cidade de Londrina, especialmente para o núcleo urbano.

Rede urbana do norte do Paraná. Planta destacando a expansão urbana de Londrina.

Já no final da década de 50 começam a surgir favelas e moradias irregulares. Nas déca-das de 60, 70 e 80 surgiram vários loteamentos e as primeiras iniciativas públicas para orde-nação do espaço urbano por meio dos programas de habitação.

Entre os conjuntos habitacionais da década de 80, temos a construção das casas do Conjunto Habitacional Anníbal de Siqueira Cabral (Cafezal I) em 1981, C.H. Oscavo Gomes dos Santos (Cafezal II) em 1983, C.H. Bárbara Daher (Cafezal III) em 1989 e C.H. Antonio Marçal Nogueira (Cafezal IV) em 1989.

O Conjunto Habitacional Anníbal de Siqueira Cabral, popularmente conhecido como Conjunto Cafezal I foi formado por famílias vindas de várias regiões do Brasil, especialmente paulistas, mineiros, nordestinos e pessoas de outras cidades do Paraná. Muitos dos que mo-

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ram no bairro hoje, vieram acompanhando seus pais ou o seu cônjuge e se instalaram assim que conseguiram uma casa pela Companhia Habitacional de Londrina (COHAB-LD).

Vista panorâmica do C. H. Anníbal de Siqueira Cabral (Cafezal I).

O bairro se ergueu isolado em meio às plantações de algodão, café e milho, além da mata que acompanhava os fundos de vale. Na paisagem se destacavam as casas iguais e enfi-leiradas nas quadras. Eram identificadas por pequenas faixas com cores diferentes. No come-ço, muitas pessoas erravam o endereço devido à semelhança entre elas.

Havia casas com tamanhos diferentes: casas com duas águas (grandes e médias) na par-te mais alta do bairro e casas com apenas uma água (pequenas) na parte mais baixa do bairro. Estas eram chamadas de “cachorro sentado”.

Terreno da Capela São Bonifácio no C. H. Anníbal de Siqueira Cabral (Cafezal I).

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As ruas eram de terra, o que dificultava muito quando chovia. Os terrenos não eram murados e algumas casas eram cercadas por arame. Os ônibus não chegavam até o bairro. Era preciso andar por um bom tempo até o Parque Ouro Branco a fim de conseguir transporte. Não havia escolas, nem centro de saúde ou comércio local, mas por outro lado, era um lugar tranquilo, onde as pessoas costumavam se reunir na rua para conversar, tocar e ouvir música, ver as crianças brincarem e participar de missas, novenas e terços. Todos trabalhavam em prol do bairro.

A primeira escola começou a funcionar em 1982 no espaço do centro comunitário, na última rua do bairro, sendo uma extensão da Escola Municipal “Dalva Fahl Boaventura”. Nela havia turmas de 1ª à 4ª série e muitas atividades eram desenvolvidas na rua. As festas contavam com a participação da comunidade.

Centro comunitário do C. H. Anníbal de Siqueira Cabral (Cafezal I). Alunos da extensão da E.M. Dalva Fahl Boaventura.

Vista parcial do C. H. Anníbal de Siqueira Cabral (Cafezal I). Alunos da extensão da E.M. Dalva Fahl Boaventura.

Em 1986 a escola passou a ocupar o próprio prédio, denominando-se Escola Mu-nicipal Dr. Joaquim Vicente de Castro. Neste espaço, as atividades realizadas continuaram envolvendo cada vez mais a comunidade.

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Festa Junina dos alunos da E.M. Joaquim Vicente de Castro.

Em 1982, começaram as obras da primeira igreja do bairro que foi construída próxima ao centro comunitário entre as últimas ruas, a Capela São Bonifácio. Antes que ela ficasse pronta (1984), as missas eram celebradas nas ruas pelos religiosos da ordem franciscana que vinham da Paróquia Nossa Senhora das Graças, no Jardim Petrópolis. As conversas após as missas e reuniões familiares, as quermesses e os bingos da Igreja e as reuniões de trabalho comunitário envolviam muitas pessoas e garantiam a diversão da comunidade.

Início das obras da Capela São Bonifácio e missa com frei Ernesto na rua próxima à construção no C. H. Anníbal de Siqueira Cabral (Cafezal I).

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A pedreira desativada era um lugar de lazer para os moradores do bairro e de regiões próximas. Até hoje pessoas costumam explorar o local e escalar o paredão de pedra. Crianças brincavam nas ruas e fundos de vale sem nenhuma preocupação. O jogo de bola na rua e nos campinhos de terra nos arredores do bairro, um próximo à pedreira e outro próximo ao centro comunitário, também eram grandes atrações da garotada.

Pedreira do Cafezal.

No ano de 1987, a Secretaria Municipal de Educação cedeu algumas salas de aula no prédio da Escola Municipal Dr. Joaquim Vicente de Castro (Cafezal I) para o funcionamento da Escola Estadual “Conjunto Habitacional Anníbal de Siqueira Cabral” no período noturno, com turmas de 5ª a 8ª série.

Alunos da E.M. Dr. Joaquim Vicente de Castro na comemoração da Semana da Criança.

Antes de ocupar o prédio próprio, a escola estadual foi transferida para o salão paro-quial da Capela São Bonifácio. Neste espaço, as aulas eram aconteciam com muita dificuldade, pois eram apenas quatro salas divididas por cortinas.

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Vista lateral da Capela São Bonifácio no C. H. Anníbal de Siqueira Cabral (Cafezal I). Salão paroquial no piso inferior.

Em 1992, quando o prédio construído para a escola estadual ficou pronto, os professo-res ocuparam o local e iniciaram as aulas antes mesmo da inauguração. O novo endereço, Rua Tarcisa Kikuti número 55, passou a ser o Conjunto Habitacional Antonio Marçal Nogueira (Cafezal IV) e mesmo com dez novas salas de aula, algumas dificuldades continuaram, como as ruas de terra e muito barro nos períodos de chuva. A comunidade e o número de alunos foram crescendo e com eles a nossa escola que hoje conta com dezenove salas de aula. Em 1994, esta passou a se chamar Escola Estadual Professora Maria José Balzanelo Aguilera e em 1998 tornou-se Colégio Estadual Professora Maria José Balzanelo Aguilera - Ensino Fundamental e Médio. Em 2009 passou a atender com uma sala de Recursos para o Ensino Fundamental na área de Deficiência Intelectual e Transtornos Funcionais Específicos, além de abrigar o Centro Estadual de Línguas Estrangeiras Modernas (CELEM), com o curso de Espanhol Básico e Aprimoramento no período noturno. Em 2010 passou a ofertar os cursos técnicos.

E.M. “Dr. Joaquim Vicente de Castro” em dia de chuva. Ao fundo, parte do prédio da E.E. “Conjunto Habitacio-nal Anníbal de Siqueira Cabral”.

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Colégio Estadual Professora Maria José Balzanelo Aguilera. (Cafezal IV).

Quando as primeiras famílias chegaram ao bairro, a vida era muito difícil. Faltava tudo: transporte, asfalto, centro de saúde, escola, igreja, comércio. Se precisassem de ônibus, farmá-cia, mercado ou de algum atendimento, o local mais próximo era o Parque Ouro Branco. O abastecimento de água e a iluminação pública eram precários. As famílias que vinham da área rural ou de outras cidades para começar uma nova vida, estudar os filhos, arrumar emprego e conseguir a tão sonhada casa própria, tinham a intenção de se fixar no bairro e crescer com ele. Muitos trabalhavam na construção civil, no comércio, no funcionalismo público como professores, auxiliares de serviços gerais, auxiliares administrativos e motoristas, além dos funcionários do IAPAR (Instituto Agronômico do Paraná) que empregava muita gente no campo e na sede administrativa. Muitas mulheres trabalhavam como faxineiras, costureiras, cozinheiras ou faziam pães, salgados, bolos e doces que eram vendidos em suas casas ou nas portas dos vizinhos. Além daqueles que ainda permaneciam como trabalhadores rurais. De modo geral, eram pessoas que vinham para ficar.

Assim, o histórico da comunidade é marcado pela participação efetiva dos moradores por meio do trabalho em mutirão e das movimentações que visavam o benefício das famílias. Dentre as muitas conquistas podemos citar a creche; a construção de um parque infantil (no espaço hoje ocupado pela Creche Níssia Rocha Cabral), de uma lavanderia (hoje desativada) e das capelas existentes entre o Cafezal I e IV em projetos de mutirão, além da realização de ruas de recreativas, desfiles comemorativos, festas, limpeza e arborização dos fundos de vale e outros espaços.

Nos anos 80, outros bairros também estavam crescendo e se estruturando, como a região dos Cinco Conjuntos. Uma nova rodoviária foi construída, pois a que havia não dava conta da quantidade de passageiros chegavam e saiam todos os dias e a linha férrea foi remo-vida do centro da cidade. A área urbana se estendia e se adequava às necessidades dos novos moradores.

Hoje, praticamente todas as casas do Conjunto Cafezal (I, II, III e IV) foram refor-madas, já não preservam as características iniciais. As ruas foram asfaltadas. O transporte é frequente. Possui unidade de saúde, escolas (municipal e estadual) e centros de educação infantil (públicos e particulares). O comércio do bairro é resultado do investimento de muitos moradores que transformaram suas casas em estabelecimentos comerciais, empregando fa-miliares e atendendo a comunidade. Com o tempo outras atividades e pequenos empresários se instalaram.

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C. H. Anníbal de Siqueira Cabral – Cafezal I. Rua Eduardo de Pinho Neto.

A localização do bairro é às margens da PR 445 e a dez quilômetros do centro da cida-de. Nossa principal via de acesso é a Avenida Eurico Gaspar Dutra e seguindo por ela, entre a rodovia e o bairro, temos um fundo de vale que precisa de maiores cuidados. Apesar do afastamento em relação à região central, nosso bairro conta com uma grande variedade de serviços e ainda consegue manter o aspecto residencial com pouca rotatividade. Isso demons-tra que aquela comunidade unida, onde todos trabalhavam em prol do bairro, deixou suas marcas. Os moradores reconhecem que o bairro oferece tudo, ou quase tudo, que precisam e que são poucas as vezes que saem para realizar suas compras em outros locais.

Vista aérea do IAPAR, da PR 445 e da região dos Cafezais (canto esquerdo superior) em 2012.

Avenida Eurico Gaspar Dutra no C. H. Anníbal de Siqueira Cabral.

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Muitos comerciantes dizem que a permanência das famílias no bairro e a proximidade entre as pessoas fortalece a economia local, que por outro lado também agrada os moradores fazendo-os fixar a residência. O fato de muitas empresas nas proximidades procurarem con-tratar seus funcionários a partir das referências do colégio também favorece empregabilidade e estabilidade local.

Hoje, não só a população do bairro, como de toda cidade, sofre com problemas relacio-nados à segurança pública, à precariedade do atendimento nos hospitais e unidades de saúde, à falta de alguns serviços que facilitem a rotina, além de um cotidiano que já não favorece a comunicação e a união entre as pessoas. Mesmo assim, os moradores dos Cafezais ainda se reúnem em função das celebrações e festejos religiosos (que hoje são diversos); se encontram nos estabelecimentos comerciais e na feirinha de domingo de manhã; participam ou assistem aos jogos dos times locais no campinho gramado ou nas quadras de esporte; visitam os ami-gos e familiares; estudam e trabalham por uma vida melhor, fazendo da sua comunidade um lugar bom de viver.

A Escola Municipal “Dr. Joaquim Vicente de Castro”, o Colégio Estadual “Professora Maria José Balzanelo Aguilera”, as igrejas e o movimento após as reuniões, as praças e cam-pinhos, a farmácia do Olício, o Armarinho Luso, o supermercado Santarém, a bicicletaria e borracharia do Vando, o Lanche do Fabinho, as lojas e confecções, a feira, a pedreira, a proxi-midade com as chácaras e sítios, a avenida principal e o vai e vem das pessoas que trabalham e fazem a história do Cafezal, misturam suas histórias com as histórias de outros londrinenses, histórias passadas e presentes, tornando nossa identidade múltipla e plural.

Coração do Cafezal: Praça no centro dos bairros C. H. Anníbal de Siqueira Cabral (Cafezal I), C.H. Oscavo Go-mes dos Santos (Cafezal II), C.H. Bárbara Daher (Cafezal III) e C.H. Antonio Marçal Nogueira (Cafezal IV).

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Durante o curso do Programa Contação de Histórias do Norte do Paraná, realizado no Museu Histórico Pe. Carlos Weiss, no ano de 2015, surgiu a proposta dos professores do Centro de Educação Básica para Jovens e Adultos Prof. José Rubens da Costa, ensino funda-mental e médio – SESC Londrina, de registrar as vivências e experiências dos alunos que por lá estiveram estudando em 2015.

O perfil do Colégio é diferenciado por ter uma clientela com experiências e culturas particulares que se diferencia do ensino regular como um todo, tendo faixa etária distinta, variando entre 18 a 70 anos. Sendo assim, o ensino de jovens e adultos torna-se um campo fecundo de possibilidades e troca de conhecimentos que aqui tentamos mostrar nas diversas experiências vivenciadas pelos alunos da EJA – SESC Londrina.

Os trabalhos com entrevistas foram realizados da seguinte maneira: no segundo semes-tre de 2015, comentamos com os alunos que estávamos participando do projeto Contação de Histórias do Norte do Paraná e tínhamos o objetivo de realizar entrevistas para serem analisadas e registradas em artigos. Dos interessados a participar dos trabalhos, coletamos 68 entrevistas, em três turmas do 3º ano do ensino médio e, em seguida, numeramos e categori-zamos as entrevistas para aprofundar ainda mais nas análises e não passarmos despercebidos diante de informações preciosas.

Dessas entrevistas, escolhemos as que forneceram dados relevantes para o objetivo desse trabalho que era apontar o perfil do aluno de EJA na atualidade. Foram respondidas al-gumas perguntas primordiais como segue: de onde veio? Qual o seu histórico de vida? Quais as dificuldades que enfrentou? Por que parou de estudar e qual motivo o fez retornar aos estudos? São algumas perguntas pelas quais buscaremos respostas, por meio das entrevistas, no desenrolar do trabalho.

E quanto ao uso das fontes orais? Sobre a legitimidade no uso da fonte oral como documento, faz-se necessário informar

que há uma série de debates sobre o assunto, mas no momento não adentraremos em tais discussões e apenas situaremos alguns autores que embasam nosso trabalho.

Segundo Thompson em a Voz do passado: História Oral (2002, passim), o trabalho com fontes orais já vem sendo utilizado desde o século V, com Heródoto, quando na busca por respostas interrogava testemunhos de eventos históricos para realizar os seus registros. Po-rém, a história oral ganha maior impulso na Europa Ocidental, a partir da década de 1960, ob-servando-se pelo número de publicações e pesquisas realizadas nesse período. Para Le Goff (2003, p.538-539), em seu texto documento/monumento, o próprio conceito de documento está sendo ampliado já algum tempo, pois, não é mais apenas o texto escrito, mas o que representa para a sociedade, podendo ser apresentado de diferentes formas de linguagem – ilustrações, imagens, arquitetura, registros sonoros, entre outros – e, a partir das relações de forças que

Histórias contadas:Experiências dos alunos da EJA (SESC – Londrina)

Ademar Firmino dos Santos; Cláudio Francisco Galdino;Éber Prado; Flávia H. Unbehaum Ferraz

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nelas existam, ganha a legitimidade de documento. Até esse ponto, esperamos que tenha ficado claro que o documento oral, assim como

qualquer outro documento, tem o seu valor e pode ser analisado com outras fontes para se chegar às respostas desejadas, pois, a partir desse momento nos concentraremos nas entre-vistas dos alunos.

Como parte inicial das entrevistas os alunos resgataram sua infância, descreveram os locais de nascimento e cotidianos, as brincadeiras, relações com os pais, afetividades, dramas e momentos de alegria. Muitos construíram narrativas cronológicas, destacando acontecimen-tos que marcaram da sua infância até a fase adulta. Outros descreveram aspectos da relação com os pais e sensações que marcaram profundamente sua infância.

Como a questão foi aberta sem pedir nada específico, somente para descreverem a infância, os alunos sentiram-se à vontade para narrar momentos, estabelecer uma ordem cronológica ou comentar brevemente.

As entrevistas foram divididas em categorias como: infância boa, ruim e com dificul-dades, no intuito de classifica-las para organizar a análise. Logo no começo percebemos que essas categorias se misturavam, pois mesmo quem tenha definido sua infância como boa, também descreveu dificuldades que passou. Poucos descreveram somente lembranças ruins de sua infância, mas também descreveram bons momentos com a família ou em sua cidade natal.

Notamos que, em geral, relataram uma infância sem luxos, mas sem passar severas ne-cessidades. Com famílias grandes, entre 4 a 9 pessoas, geralmente tiveram que mudar algumas vezes de cidade por conta da falta de trabalho ou buscando novas oportunidades de melhorar a vida. Como relatou Aline Batista Costa1, 25 anos:

Minha infância foi boa, morei em várias cidades. Minha família é grande então sempre foi legal conviver com as bagunças em casa (...) Não tive computador nem notebook, nem telefone mas tive muitas brincadeiras e diversão, o único telefone que tive era feito de barbante e copo descartado que me divertia pra caramba com ele.

Além da mudança de cidade, alguns relataram experiência em outros países nos quais buscavam novas oportunidades. Como o caso de Winicius Massayoshi Deguti2, 25 anos. Por causa da descendência japonesa, seus pais conseguiram se mudar para o Japão em busca de trabalho:

Meu pai é decendente de japonês, nossa condição financeira não era muito boa o que obrigou meus pais a irem para o Japão. Sem eles aqui tive que fi-car morando com minha tia, irmã da minha mãe, portanto, não passei muito minha infância com meus pais, entre idas e vindas eles foram mais de quatro vezes.

Apesar dos relatos nostálgicos da infância, relembrando uma convivência feliz com os pais, mesmo que enfrentando dificuldades ou pouco contato no dia a dia, não faltaram lembranças de uma infância triste e com dificuldades. Percebe-se que muitos alunos não gostam de lembrar seus problemas da infância ou não gostam de relatá-los. Assim, procuram

1 Aline Batista Costa – Entrevista nº 10/ 2015.2 Winicius Massayoshi Deguti – Entrevista nº 04/ 2015.

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descrever somente os bons momentos e até justificam os momentos tristes com o excesso de trabalho que seus pais tinham para sustentar a família. Cleberson Paiva Leal3, 31 anos, nos conta sua infância e destaca suas dificuldades na infância:

Minha infância não foi muito boa, quando eu tinha quatro anos de idade minha mãe faleceu. Fui criado pelo meu pai, só que ele trabalhava muito não tinha tempo para me ensinar o que era certo ou errado, mas sempre ele me falava que eu tinha que estudar, mas nunca ouvia ele.

Cleberson ainda relata algo muito comum entre os alunos, a falta de estímulos positivos para estudar e superar seus problemas pessoais e familiares e em tom de desabafo comenta que escutou “muito das pessoas e até de familiares que eu nunca seria ninguém na vida (...) Como eu disse no começo não tinha mãe e meu pai trabalhava muito aí eu matava aula, não queria estudar de jeito nenhum”.

Esse é um aspecto que se repete muito nas histórias pessoais dos alunos da EJA. Mui-tos deixam de estudar por falta de um acompanhamento ou estímulo constante aos estudos. Mesmo que muitos tenham deixado de estudar para trabalhar e ajudar no sustento da família, nota-se que teria sido possível continuar os estudos se houvesse um acompanhamento dos pais ou parentes, que o desestímulo ao estudo tem uma força determinante na infância, como no caso de Cleberson, levando-os a desistir da escola.

Como os pais, geralmente, não tinham muito estudo e começavam ainda jovens no trabalho, não tinham muito tempo para acompanhar de perto e incentivar os filhos a continu-arem os seus estudos. Por outro lado, os jovens tinham como referência os pais que haviam tido uma passagem rápida pelos bancos escolares, sendo assim, tendiam a seguir os seus passos.

A modalidade de Educação para jovens e adultos, comumente conhecida como EJA, foi criada para suprir as necessidades educacionais de pessoas que não puderam ou deixaram de frequentar escolas ainda na infância ou na juventude. As motivações para o abandono dos estudos são as mais diversas, indo do abandono familiar ao simples desinteresse pelo estu-do gerado por dificuldades pessoais ou mesmo pelo não acolhimento escolar. A decisão de retomar os estudos e assim concluir etapas socialmente esperadas é uma decisão que requer alguns ajustes por parte de cada indivíduo e que, inevitavelmente, promove mudanças nas histórias pessoais destes, bem como nas histórias das pessoas que os acompanham.

É muito evidente entre os alunos de EJA o medo que sentem ao ter que realizar ati-vidades escritas ou mesmo exposições orais, uma vez que em tais atividades eles colocam em evidência suas dificuldades com a escrita ou com a linguagem dita “culta”. Infelizmente, muitos alunos tendem a relacionar tais dificuldades a um “suposto baixo intelecto” e não às dificuldades vividas. Ao propor a entrevista e, entre outras questões, propor a reflexão sobre os motivos que os levaram a deixar e, posteriormente, a retomar os estudos, provocamos nos alunos o reconhecimento de sua história individual como parte integrante e indissolúvel da história social.

Muitos alunos relatam ter abandonado os estudos para ajudar a família como a aluna Amanda Tomaz da Silva4, que deixou os estudos aos 14 anos para ajudar o pai, vítima de AVC. Além de Amanda, outros alunos enfrentaram dificuldades semelhantes devido a restrições fi-

3 Cleberson Paiva Leal – Entrevista nº 27/2015.4 Amanda Tomaz da Silva – Entrevista nº 14/ 2015.

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nanceiras, como Winícius Massayoshi Deguti5, que relata ter passado a infância morando com tios enquanto seus pais buscavam melhorar de vida trabalhando no Japão (posteriormente, também ele foi para o Japão, abandonando os estudos). A aluna Luciana Augusto Alves6, con-ta ter ajudado os pais no trabalho na roça desde os primeiros anos de vida, ficando 37 anos longe dos estudos regulares. Ainda que hoje o trabalho infantil seja proibido, sabemos que histórias como a de Luciana ainda acontecem. Já Danieli Proença7, jovem de 27 anos, conta ter abandonado os estudos após a morte do pai. “Parei de estudar após a morte de meu pai, desanimei de tudo e abandonei tudo, me arrependo muito”, conta.

Em comum, Amanda, Winícius, Luciana, Danieli, Kellen Karoline e tantos outros são representantes da parcela de brasileiros que se afastam dos estudos devido às dificuldades financeiras e às mudanças da estrutura familiar (ausência dos pais/ dificuldade dos pais em cuidar dos filhos) e também pela não adequação à escola (Kellen Karoline relata que era mo-tivo de chacota devido ao uso de óculos e isso a afastou da escola. Classificamos isso como um descuido da escola, que não trata do devido acolhimento dos alunos. Hoje a sociedade cobra e as escolas procuram combater esse tipo de intimidação, reconhecida como bullying).

As histórias desses alunos e de muitos outros convergem, no final de seus relatos, ao mesmo desejo de alunos como Sueli Castro e Silva, aluna de 56 anos: o desejo de realização pessoal, ainda que tudo à sua volta estimule à desistência. Ela relata que começou a trabalhar aos 14 anos. Casou-se também cedo, aos 18 anos e já aos 19 tinha o primeiro filho. Dedicando sua vida à família e aos filhos, aguardou 35 anos para retornar aos estudos. “Sempre tive a vontade de voltar a estudar, mas o marido não deixava”, relata Sueli, que a nosso ver, repre-senta muito bem a figura da mulher socialmente vitimada não só pela restrição financeira, mas também por costumes e pensamentos claramente machistas, patriarcais. As dificuldades enfrentadas pelas mulheres também surgem em relatos como o de Daniela Almeida8, 41 anos. Daniela conta que teve uma gravidez não planejada aos 16 anos e enfrentou a reprovação familiar, vendo-se obrigada a escolher entre o trabalho e os estudos. Como devia arcar com as despesas do filho, optou pelo trabalho deixando para retornar aos estudos apenas aos 40 anos.

Além da realização pessoal, vemos que os alunos relatam o desejo de ascensão pro-fissional. “Fiquei longe das salas de aula por cinco anos e senti a necessidade de concluir (o ensino médio) pelo fato de olhar pra frente, eu quero mais, não somente ficar com um emprego, eu quero uma profissão”, conforme confidencia a aluna Amanda Tomaz da Silva, expressando opinião semelhante a muitos outros.

Como estudiosos, na escola, das Letras, da Sociologia e da História, sabemos que re-lembrar o passado é essencial para compreensão do presente. Conforme observa a pesquisa-dora da literatura de testemunho Beatriz Sarlo (2007), vivemos um momento em que há uma ideologia da “cura” identitária por meio da memória social e pessoal. A História sempre deu atenção especial aos aspectos coletivos da sociedade, mas no último século vimos o evidente interesse por histórias individuais, seja por meio de livros ou mesmo por meio da internet e das redes sociais.

Segundo a pesquisadora, tanto a memória quanto o testemunho são importantes para

5 Winicius Massayoshi Deguti – Entrevista nº 04/ 2015.6 Luciana Augusta Alves – Entrevista nº 02/ 2015.7 Danieli Proença – Entrevista nº 23/ 2015.8 Daniela Almeida – Entrevista nº 21/ 2015.

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a compreensão de nossa sociedade a partir da compreensão do indivíduo: “O sujeito não só tem experiências como pode comunicá-las, construir seu sentido e, ao fazê-lo, afirmar-se como sujeito (grifo nosso). A memória e os relatos de memória seriam uma ‘cura’ da aliena-ção e da coisificação” (SARLO, 2007, p.39). O termo utilizado por Sarlo – coisificação – traduz um sentimento generalizado de que as pessoas não são tratadas respeitosamente como indi-víduos. Em outras palavras, as pessoas são tratadas como objetos, valorizados pelas posses que venham a reunir.

‘Não podemos esquecer’ é o que dizem todas as vítimas de agressão nas entrelinhas do que expressam em entrevistas ou testemunhos orais, e mesmo por meio da escrita de autobiografias, crônicas ou contos. Ao dar voz a nossos alunos, permitimos que eles não só reordenem suas histórias e compreendam sua trajetória, mas também se compreendam como participantes da sociedade, ora como vítimas de acontecimentos, ora como protagonistas, no momento em que se compreendem como responsáveis por suas escolhas. É pelo exercício da rememoração que as pessoas tecem algum sentido para a experiência vivida e conseguem lidar com a perplexidade desencadeada pela agressão social sofrida quando obrigadas a aban-donar os estudos.

É nesse contexto de dar voz e valorizar as experiências vividas que surge a possibilidade de darmos voz aos alunos entrevistados e aos “causos” que muitas vezes estes ouviram de seus pais, avós e parentes próximos sendo passados de gerações, chegando até nossos dias revelando crenças religiosas e conceitos morais a serem seguidos, como define Benjamin (1987, p.200,201):

Essa utilidade [da narrativa] pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida — de qualquer maneira, o narrador é um homem que sabe dar conselhos. [...] O conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria.

Assim, é justamente essa sabedoria popular que por muitas ocasiões torna-se norma-tizante da sociedade, já que os “causos” possuem uma característica de cunho pedagógico e prático, ou seja, são geralmente informações para serem apreendidas e utilizadas no cotidiano do ouvinte, profundamente ligadas à sua experiência cotidiana.

No Programa Contação, participamos da coleta de “causos” contados em Londrina. Quando recebíamos os “causos” constamos que tem característica de recurso educativo mui-to eficaz. Não apenas porque criam situações de expressão e criação, mas também porque informam, motivam, proporcionam simulações, orientação, entre tantas outras possibilida-des. Para evidenciar essa afirmativa trazemos os “causos” narrados pelos entrevistados aqui mencionados.

“Causos” contados pelos estudantes

O “desgraçado”

A aluna Ângela P. Lolata9, nascida em Londrina no ano de 1973, relata que ainda criança ouvia a sua mãe contar uma história de que sua tia “Nira” chamava todo mundo de desgraça-do e a todo tempo repetia essas palavras pra tudo o que fazia. Até que num belo dia, alguém

9 Ângela L. do P. Lolata – Entrevista nº 49/ 2015.

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bate à sua porta, na casinha do sítio onde moravam e, no momento em que abriu a porta se deparou com uma pessoa maltrapilha, muito suja e feia, o que gerou espanto e medo em to-dos os que estavam na casa. A tia “Nira” perguntou assustada o que o homem desejava e este respondeu que estava ali por sua causa, pois, ela “vivia o chamando”. Percebeu, assim, que aquele era o “desgraçado”, que ela tanto falava e, a partir desse momento, deixou de falar tal palavra. Angela de ouvir a sua mãe contar essa história acreditou e nunca mais teve coragem de dizer “aquela palavra feia”.

Nesse “causo” foi possível perceber o interesse de formar o caráter das crianças, para torná-las adultas que não falassem palavras “feias”, como observado na própria declaração de Ângela quando diz que aquilo serviu para que ela nunca mais pronunciasse tal palavra por toda a sua vida.

A cobra que mamava

A avó de Luciana Augusto10, nascida em Ibiporã em 1975, conta que onde ela morava havia uma mulher que teve um filho, mas com o passar de alguns dias, a criança veio a falecer, sem ninguém saber o motivo. Tempos depois, engravidou e teve outra criança que não parava de chorar dia e noite, todos diziam que aquele bebê não duraria muito tempo e morreria.

O choro era tanto que os pais chamaram uma benzedeira que ali ficou a noite toda jun-to com a mulher e seu filho, com o passar da noite e já chegando a madrugada, a benzedeira, que não dormiu por um segundo, descobriu o motivo do bebê chorar até soluçar, no local havia “uma cobra que mamava na mulher sem ela perceber” e, com fome a criança chorava desesperada. Quando as pessoas mataram a cobra o leite jorrou por todo lado, provando que a cobra roubava leite há muito tempo.

Essa é uma das lendas mais conhecidas tendo algumas poucas variações, mas o princi-pio é o mesmo, a lenda da cobra que mama surgiu por causa da cobra preta ou Muçurana pela coloração da pele, quando pequena tem cor escura depois vai adquirido cor esbranquiçada, daí o pretexto para se achar que ela poderia ter adquirido aquela cor devido ao leite que to-mava das mães grávidas.

A menina do poço

Um relato muito interessante é o de Vanda Cardoso da Silva11, nascida em Assaí no ano de 1966, relembrando o que dizia sua mãe. Ela falava pra Vanda que nos dias que ia lavar roupas no rio sempre levava todos os filhos juntos e, do lado do rio tinha um poço e a sua irmã de oito anos, “sempre gostava de brincar sozinha lá perto do poço, e ficava conversan-do, como se estivesse com outra criança”. A mãe ficava o tempo todo de olho nela e quando perguntava com quem a menina conversava, a irmã dizia que era com a “amiguinha lá dentro do poço”. A mãe não se preocupava, pois, achava que era coisa de criança. Porém, um dia levou um grande susto: a sua irmã estava sentada à beira do poço com os pés dentro da água e estava descendo, quando a mãe de Vanda conseguiu puxá-la pelos cabelos e tirá-la para fora. Sua irmã assustada dizia que a menina estava chamando para brincar com ela lá dentro do poço, se não ela iria embora para sempre. Foi só assim “que meu pai tomou providência de

10 Luciana Augusto C. Alves – Entrevista nº02/2015.11 Vanda Cardoso da Silva – Entrevista nº 08/ 2015.

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cobrir o poço com terra”, explica Vanda, aliviada.Mais tarde investigando o caso, descobriu-se que há muitos anos atrás uma menina de

cinco anos havia morrido afogada dentro do poço.Nesse “causo” a orientação tanto servia para as crianças se cuidarem e não se aproxi-

massem dos poços, como também para os pais não se descuidassem dos seus filhos.

Histórias de saci e lobisomem na quaresma

Algumas crianças já ouviram muitas histórias de “terror” contadas pelos avós, princi-palmente, na época da quaresma, período preferido para contar esses “causos”. Assim, da mesma forma, começa lembrar-se de sua infância, Amanda Silva12, nascida em 1991 na cidade de Londrina. Os seus avôs paternos moravam em sítio e ficavam horas contando histórias para Amanda e seus primos. Por que a preferência de contar esses causos na Quaresma?

Neste período, acreditavam que existia lobisomem e “eles apareciam se você falasse algum palavrão ou xingamento”, eram 40 dias de medo. Segundo a Amanda essas histórias pareciam tão reais e ficaram marcadas durante tanto tempo na sua memória que ela assume: “o avô materno me fez acreditar realmente até hoje que o saci pegou ele no colo”.

O objetivo era que as crianças respeitassem, principalmente, o período religioso da quaresma e evitassem falar palavrões sob pena de se transformarem em monstros como o lobisomem ou espíritos como o saci. A estratégia era usar o medo para coibir certas atitudes condenáveis pela sociedade, que seguia um padrão comportamental religioso a ser copiado.

A cobra e o trator

Um “causo” curioso tendo como cenário o meio rural é o que nos conta Kellen Ka-roline13, nascida em 1993. Segundo o relato de seu tio que morava num sítio e sempre ia embora de trator pelo mesmo caminho. Um dia, seguindo o caminho de costume, sentiu algo batendo na roda do trator, quando olhou para trás viu que se tratava de “uma cobra grande” que tentava atravessar a estrada, com medo desligou o motor do trator e resolveu ficar quieto.

Na cabine, olhava a cobra e fumava seu cigarro de palha. Fumou “um, dois, três, sete cigarros de palha”, no oitavo cigarro a cobra, finalmente, conseguiu atravessar toda a estrada. Depois de ter certeza que a cobra estava longe, o tio de Kellen ligou o motor do trator e seguiu em direção a sua casa.

Nessa história percebe-se uma característica cômica no “causo” que procura muito mais distrair o ouvinte e fazê-lo rir, do que transmitir uma ideia de medo e cuidados que deveria ter quando estivesse nos arredores de sua propriedade.

12 Amanda Tomaz da Silva – Entrevista nº 14/2015.13 Kellen Karoline – Entrevista nº 66/2015.

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A título de conclusão

Concluímos então que a modalidade de Educação para jovens e adultos (EJA), torna-se de suma importância devido à possibilidade de suprir as necessidades educacionais de pessoas que por motivos sociais, econômicos e familiares, não puderam dar continuidade aos estudos e abandonaram as salas de aula. A decisão de retomar os estudos não é fácil, pois, o aluno da EJA, na maioria das vezes, encontra muitas barreiras como, por exemplo: a idade um pouco avançada e as limitações advindas dela; saber administrar, dosar o seu tempo entre atividades escolares, responsabilidades familiares e economia doméstica; a psicológica, pois, muitos se dizem incapazes e com dificuldades de aprendizagem por terem sido reprovados várias vezes ou desistido dos estudos, entre outras. Em meio a tudo isso, é importante que o professor perceba que a modalidade EJA possui aspectos diferenciados do ensino regular e, saiba valorizar as experiências adquiridas pelos alunos, mediando a relação ensino/aprendiza-do contribuindo para elevar a sua autoestima, formando cidadãos melhores. Nesse sentido, os “causos”, principalmente aqueles narrados pelos próprios estudantes configuram-se como recursos pedagógicos muito eficazes.

BIBLIOGRAFIA

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In: Sobre arte, Téc-nica, Linguagem e Política. Trad. Sergio Paulo Rouanet. 7ª ed. Lisboa: Relógio D’Agua Editores, 1987.

LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão. 5ª ed. Campinas: Editora da Unicamp. 2003.

SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura de memória e guinada subjetiva. Trad. Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.

THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: História Oral. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra. 2002.

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Introdução

Este trabalho se propõe a analisar a atual conjuntura do ensino de história, sob a pers-pectiva do conceito de experiência, proposto pelo filósofo espanhol Jorge Larrosa Bondía. Inicialmente refletimos sobre o atual caráter da história no seu contexto escolar. Devido a constantes transfigurações de seus sentidos, cada vez mais sente-se a necessidade de justifi-cação de sua aplicação. É necessário ainda, caracterizar nossa contemporaneidade, marcada pela efemeridade, tanto das relações humanas, como também dos modos de se conhecer e perceber o mundo. Aguirre Rojas, historiador mexicano, elenca os principais equívocos, ou alguns dos primordiais, do ofício do historiador, considera-se suas contribuições e os reflexos de seus argumentos para o ensino da história. De certa maneira, estes “pecados capitais” são bastante presentes no ensino de história, reverberando no trabalho, por vezes acrítico, de professores de todos os níveis educacionais. Por fim, apresentamos uma possível alternativa para a execução do ofício de professor de história, calcado na experiência, enquanto uma ação marcada pela sensibilidade à existência dos fenômenos ao nosso alcance, em meio a um cenário de crise educacional.

A história tem passado por constantes reformulações teóricas, definitivamente já não possui o caráter de unicidade da Antiguidade Clássica ou mesmo do Iluminismo. Albuquer-que Júnior (2012) argumenta sobre a escrita e o ensino de história serem formadores de subjetividades, mais do que qualquer outra definição atual. O autor delineia a trajetória da concepção de história desde a Idade Antiga até o atual status científico a qual adquiriu nos tempos modernos. É na Grécia Antiga que se localiza os primeiros registros consideráveis sobre a noção de história. Neste momento, a história era tratada como a mestra da vida, no sentido de orientar o rumo da vida dos cidadãos. Assim, ao registrar os fatos decorridos, tinha a função de dar exemplos para ações futuras. Como um gênero literário, é, além do mais, uma instrução para a posterioridade, fonte inesgotável de acúmulo de conhecimentos e experiên-cias, principalmente no que tange ao aspecto bélico. Existia uma forte preocupação com a estética que se criava em torno desta narrativa, o estilo na escrita era requerido, pois continha a missão de encantar os leitores e ouvintes.

Essas concepções marcaram a ideia de história durante um bom período na perspectiva dos povos ocidentais. Porém, é avançando muitos séculos que chegamos a Idade Contempo-rânea e a história começa a se delinear com certa metodologia. Neste momento é destacado o papel crítico da razão, dentro do contexto Iluminista, presente na Europa do século XVIII. Surge aqui a concepção do processo histórico, no qual se pressupõe o progresso imutável e universal da humanidade.

Somente no século XIX a história vai se firmar enquanto uma ciência moderna, com

Refletindo sobre o Ensino e a Escrita da História

Osvaldo Fiorato Junior

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seus objetivos, metodologias e objetos claramente definidos, para delimitar seu campo de atu-ação e seu propósito enquanto tal. Em meio a um mundo cercado pelas disputas imperialistas, é certo que a história surge para assegurar as ideias de nação e civilização dentro dos países europeus. Ela serviria para definir e afirmar a identidade nacional dos povos. Como ficou conhecida, esta corrente era pejorativamente chamada de Positivista, pautada por princípios de progresso. Sua metodologia prezava pela ideia de cientificidade e veracidade, era a história escrita através do viés dos documentos oficiais. A história dos grandes feitos e dos grandes homens da pátria.

Já no século seguinte, todo este cenário veio a se alterar drasticamente. O grande mo-vimento revolucionário da história ocorreu através da Escola dos Annales. A chamada Nova História tentou incluir outros sujeitos históricos nas suas narrativas. Criou-se a história pro-blema e problematizante, que passa a questionar a hegemonia da história eurocêntrica. Tam-bém passa a ser utilizado o método histórico dialético, influenciado pela corrente marxista da historiografia. Este cenário se desenvolveu no contexto de transformações significativas no século XX, grandes guerras e tragédias afetaram a visão de mundo desses historiadores.

Desta maneira, todo o conceito do ensino de história também se modificou profun-damente. Albuquerque Júnior (2012) salienta o papel atual da história: criar humanidades, tornar-nos mais humanos. Sobretudo, a história possui o dever de criar subjetividades, formar consciências críticas acerca do mundo complexo ao nosso redor. No entanto, o ensino de história não se restringe a esse propósito, serve também para o aprendizado da alteridade, na valorização e respeito por seres humanos diferentes de nós. Assim, a história tem a função de educar para o convívio social, para ensinar os membros da sociedade a frequentar o espaço público, portando-se como verdadeiros cidadãos. Ademais, para executar todo este projeto de ensino, a história não pode estar desconectada do presente. Olhar apenas para o passado, ignorando nossa atualidade, não traz grandes efeitos de análise.

Os riscos de alguns pecados capitais no ensino da história

É perceptível, ainda hoje, a resistência de professores de história quanto ao verdadeiro ensino crítico, voltado a formar consciências interpretativas da realidade. Assim como, pra-ticamente, em todo campo do saber existem alguns erros a serem evitados a qualquer custo, implicando em questões éticas e morais no exercício profissional, na história, mesmo sendo uma área do conhecimento por demasiado subjetiva, podemos enumerar alguns pontos con-flitantes, aos quais, de maneira aceita quase uniformemente por seus membros, são verdadei-ros entraves à prática da “boa” história.

Segundo o historiador mexicano Aguirre Rojas (2007), é possível elencar sete (ou até mais) pecados de um mau historiador. Nesta análise, porém, vamos nos ater a cinco deles.

O primeiro é disposto sob o viés do Positivismo, no qual se considera uma fonte his-tórica apenas o texto escrito, e, além disto, oficial, negligenciando os inúmeros documentos disponíveis atualmente para um profissional da história. O bom professor deve ser capaz de contrapor fontes distintas em sua natureza, de tal modo a proporcionar o conhecimento não restrito a apenas uma tipologia. Desta maneira, pensa-se no Positivismo enquanto uma coleção de “fatos mortos”, “apenas nos conta em prosa o que já estava dito em verso nes-ses mesmos documentos”. (AGUIRRE ROJAS, 2007, p. 21). Esta análise tende a ser feita reduzidamente a uma crítica interna e externa ao texto. Mantém distância dos diálogos, hoje irrefutáveis, com as demais ciências humanas.

Já o segundo pecado capital seria o anacronismo. Para muitos historiadores, esse é na

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verdade o maior deslize possível, tormenta a ser evitada primordialmente. Conhecer o passa-do é como visitar um país estrangeiro; não obstante, trazer ao nosso tempo, recorrendo a lin-guagem atual, relações passadas, é anacronizar por natureza. Sofisticados são os profissionais que se distanciam, ou camuflam, o quanto puderem do anacronismo. Sua definição, de modo simplório, nada mais é do que enxergar o passado com os olhos do presente. É utilizar o pensamento do sujeito moderno, individualista e egoísta para pensar sociedades do passado, de séculos ou milênios anteriores a nós. No quadro de análise deste mau historiador mudam as datas, os fatos, os governantes, mas pecam na análise da mudança cultural, econômica, da mudança dos sentimentos e dos modos de viver. A grande questão colocada nesse ponto específico é a respeito da percepção cuidadosa das transformações na trajetória humana. Para o bom historiador, cabe demonstrar essas mudanças. Se a metáfora do país estrangeiro for válida, as explicações sobre sociedades e tempos passados devem obedecer a regras próprias e particulares. Culturas, invariavelmente, não são universais, tampouco estáticas. O “talento” do bom profissional se mede, em grande medida, através de sua capacidade de captar essas variações no tempo e espaço.

Outro pecado a assolar os historiadores é a ideia de progresso, suposição de uma huma-nidade caminhante de forma linear e eterna. A pressuposição aqui estabelece a hierarquia do dia de hoje ser melhor que o de ontem, tal qual o amanhã será sempre superior ao hoje. As-sim, o trajeto percorrido pelas sociedades humanas é evolutivo, do nível mais baixo de tecno-logias e conhecimentos, até o mais elevado ponto de maturação científica. Este pecado recai tanto sobre os defensores do capitalismo, crentes de ser este o melhor sistema possível, como também afeta os marxistas. Destes, extraímos de sua teoria clássica a definição de sociedade em caminho progressivo, movida pela luta de classes, perpassando por etapas: do comunismo primitivo ao escravismo, feudalismo e capitalismo, até finalmente alcançar o comunismo de fato, a grande utopia, o sistema ideal. Para Rojas (2007, p. 27), “o bom historiador crítico res-titui à noção de progresso um sentido totalmente diferente, mostrando essa multiplicidade de linhas e de trajetórias diversas que o integram”. Cabe, assim sendo, uma análise descontínua, tecida em uma teia de tempos históricos e possibilidades variáveis e infinitas.

Mais um pecado fatal, mas interligado ao primeiro descrito, é a atitude extremamente acrítica que alguns pesquisadores persistem em fazer sobre as fontes históricas. Na prática desses profissionais não compete questionamentos profundos da intertextualidade documen-tal. Os significados implícitos, emaranhados nas entrelinhas, por vezes, não são perceptíveis aos seus olhos. Desta maneira posta, acabam por repassar preconceitos disparados contra so-ciedades diferentes, na medida da inexistente interrogação de suas transformações no tempo, suas subjetividades. Outra questão que ajuda a tornar este “pecado” grave, é a visão limitada quanto à narrativa histórica, tratando-a como única possível. Pensam ancorados somente numa versão, construída por grupos sociais bem delimitados. Ignoram ainda as diversas vozes que emanam da história subalterna, dos diversos grupos que reivindicam constantemente seu lugar no mundo.

Por fim, o autor critica a busca irrefletida pela objetividade e neutralidade, herança deixada pelos positivistas. Este “pecado” está impregnado tanto nas ciências exatas como nas humanas, é especialmente problemático. Neutralidade é mito recorrente entre sujeitos ambientados fora do universo escolar. Exemplo claro é o projeto de lei do Senado Federal nº 193, conhecido como “Escola Sem Partido”, apresentado em 2016, no intuito de controlar e proibir a “ideologização” e “doutrinação” de professores, principalmente das ciências hu-manas, em relação ao ensino ofertado. Ideia falsa, porém com grande adesão de uma parcela

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considerável de nossa sociedade. Se o papel da história é formar subjetividades, esta tarefa não se faz objetivamente. Rojas demonstra a impossibilidade de não se aproximar do objeto de estudo, de não se relacionar, se apaixonar. Este é um mito que deve ser refutado pelos bons historiadores, podemos nos aproximar, sim, das nossas fontes, de nossas ideologias, sem, com isso, comprometer a seriedade do trabalho. A característica primordial a ser assumida diante deste quadro conflituoso é a honestidade em relação as fontes e a pesquisa, mas também com seu público, explicitando suas escolhas, recortes e critérios. Somos todos homens de nosso tempo, assim, nossas escolhas serão sempre conduzidas pelo momento atual, à luz de nossas questões e nosso presente. Definitivamente, não existe neutralidade nas ciências - nem nas exatas.

Esses pecados abordados empobrecem consideravelmente todo e qualquer trabalho de história. Essas elucidações são projeções de Aguirre Rojas (2007), situado na perspectiva de seu país. Concomitantemente, percebemos a reverberação deste cenário para além das fronteiras mexicanas. O autor tece a análise devido à sua sensibilidade frente as atuais cir-cunstâncias dos diversos âmbitos acadêmicos e escolares; esses pecados, falhas conscientes e inconscientes, são cometidos frequentemente pelos historiadores. Fator que influencia inva-riavelmente o ensino de história.

As tendências da modernidade e a atitude crítica em relação ao mundo

Vivemos cada vez mais sob a égide dos tempos modernos. Há, inclusive, muitos pensa-dores assumindo uma postura pós-moderna (tentativa de explicar as transformações decorridas desde aproximadamente meados do último século). São mudanças essas, drásticas no plano material, tecnologias e industrializações imensuráveis, época de globalização. Nossa concep-ção cognitiva da vida e dos eventos a ela correlacionados tendeu a sofrer os efeitos advindos de transmutações recentes, porém, iniciadas ainda na contemporaneidade. Passamos a pensar moldados pela tecnologia, cada vez menos, as relações humanas atingem a posteridade. A eternidade já não é realidade inconteste em ideologias, relações de trabalho, no amor, nem mesmo nas religiosidades. O nível e o tempo de concentração de um aluno já não atende as expectativas forjadas séculos atrás. Não se aprende mais como se costumava aprender ou-trora, do mesmo modo, não é possível ensinar embasado em metodologias ultrapassadas. O refazer e a atualização do profissional da educação é constante. As leituras tendem a ser frag-mentas, desconexas, múltiplas e variáveis. Presenciamos este quadro nas relações de ensino e aprendizagem da história.

O historiador Nicolau Sevcenko (2001), numa reflexão sobre as características da mo-dernidade e do século XXI, utiliza uma metáfora particularmente interessante. Demonstra como os movimentos ocorridos a partir do século XVI até o presente momento, alteraram nossa sociedade. Trata-se de uma comparação a um passeio de montanha russa num parque de diversões. Com efeito, o autor divide este movimento em três fases distintas.

Na primeira etapa, observa-se a experiência vivida pelas elites ocidentais, então emer-gentes, das grandes navegações empreendidas e do desenvolvimento tecnológico. O resul-tado desses empreendimentos acarreta em um sentimento exorbitantemente eufórico, ba-seando-se em um pensamento extremamente positivo quanto ao progresso e o futuro da humanidade. Esta fase corresponde aos séculos XVI até o XIX; é comparável à primeira subida que se percorre na montanha russa, na qual se experimenta uma sensação agradável e prazerosa. Do alto do brinquedo, o homem enxerga o restante do mundo visível com olhos de certo desprezo, seu posicionamento favorece a apreensão do irretocável sentimento orgu-

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lhoso nutrido quanto aos seus feitos.Já num segundo momento, vivesse o ápice das descobertas tecnológicas, com o apare-

cimento do vapor, das grandes indústrias, do telefone, da fotografia etc. A década que marca esse momento é a de 1870. Contudo, com a virada do século, o mundo experimenta duas grandes guerras mundiais, além da guerra fria e de diversos golpes e ditaduras militares espa-lhados por todo o mundo, resultantes em incontáveis mortes num período de tempo jamais visualizado. Esse cenário foi favorecido pelo grande avanço tecnológico, nunca experimen-tado nesta escala. No comparativo com a montanha russa, é o momento da primeira grande descida e o sentimento provocado é de grande frio na barriga e medo estrondoso. “O otimis-mo, a expansão das conquistas europeias e a confiança no progresso pareciam ter atingido o seu ponto mais alto. E então, num repente inesperado, veio o mergulho no vácuo, o espasmo caótico e destrutivo, o horror engolfou a história [...]”. (SEVCENKO, 2001, p. 15-16).

Chegamos ao terceiro momento, segundo a denominação do autor, é a fase da síndrome do loop. Aqui nos encontramos totalmente perdidos, desamparados, incrédulos em um futuro melhor e passivos diante deste panorama. Ante a configuração do mundo tão fugaz e efême-ro, não temos atitude para reagir. A passividade diante do caos é marca indelével nestas cir-cunstâncias. Este momento é marcado também pela Revolução Microeletrônica, na explosão da tecnologia controlando a vida humana. Em tempos de smartphones e selfs, somos coagidos a padronização esdrúxula no comportamento social. Nada mais é do que o restante do passeio pela montanha russa, quando se abre mão de um posicionamento, aceitando aquele trajeto pasmos, sem esboçar reação alguma. Nas palavras de Sevcenko (2001, p. 17), a reação do ser humano diante de tudo isso é “relaxar e gozar”, é também a perda da percepção do tempo e do espaço, é a globalização transformando tudo em uma única coisa.

Porém, o autor credita uma brecha para reagirmos à aceitação passiva e irrefletida deste quadro, que é a crítica, e, acima de tudo, a atitude crítica. É necessário ter em mente esta posição. Mas como fazê-la? Sevcenko (2001) trabalha com três movimentos para executá-la. O primeiro seria se afastar do tempo apressado, estabelecendo uma posição de distancia-mento prolongado. Pois é este fator que nos impossibilita de qualquer reflexão crítica. Pos-teriormente, é necessário recuperar o tempo histórico, para nos conceituar neste universo, avaliar as mudanças em curso e a quem elas beneficiam. Por fim, é requerida a capacidade de “sondar o futuro” a partir da crítica para definir como a tecnologia pode trabalhar a favor da humanidade, respeitando os valores morais. Uma relação democrática, livre de injustiças nas distribuições de recursos tecnológicos parece ser possível, tanto quanto pleiteada pela nossa sociedade.

Em suma, podemos, através da crítica, definir as intenções dos usos da tecnologia, as quais fins deve se destinar. Possível pelo uso e desfruto das tecnologias em distribuição igua-litária, respeitando o meio ambiente. Um mundo livre de todo e qualquer tipo de injustiça parece um almejo utópico, porém, a defesa por este intento é esperança para o futuro, é a fuga da barbárie total. É humanização das relações e sociedades. Em meio a crises e incre-dulidades na educação, reside espaço para o “fazer história crítica”. Desafios ao nosso ofício são obstáculos não imutáveis, nos movemos para alcançar objetivos menos românticos, mais experienciais.

Possibilidades de resistência e de construção de experiências

Ensinar não é tarefa simples, exige esforços, porventura, acarreta em crises e dores. Acompanhamos as transformações do mundo, isso reflete na atuação educacional de profis-sionais da área. Na fugacidade hodierna é bem possível se perder na infinidade de informa-

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ções, bombardeio vindo de todos os lados. A caracterização do espírito humano reflete um sentimento de perda de referenciais sólidos. A perspectiva aos educadores concretiza-se na inserção e reivindicação de grupos minoritários da sociedade, os quais querem fazer parte da história, postulam a sua própria historicidade. Questões referentes a igualdade social e gênero estão cada vez mais presentes em diversos debates educacionais. Qual a postura deve ter o educador ingressante neste cenário? Quais suas possibilidades de ensino crítico? De acordo com o filósofo da educação Larrosa Bondía (2002), a possível alternativa é a opção pelo ensino através da experiência, conceito cunhado para atender ao movimento caótico do aprendizado e do processo de conhecimento.

O pensador tem como objetivo propor a reflexão, tanto quanto apresentar sua proposta circunscrita à questão da experiência, suas definições, os principais impedimentos de alcança-la, e também sobre o saber desta experiência. Primeiramente temos a crítica quanto a manei-ra na qual se pensa a educação comumente, na dualidade entre teoria/prática, e, de maneira geral, a relação entre ciência/técnica. Mormente, acredita-se em a pressuposição da teoria ser oposta à prática, ao menos disposta em atividades diferentes, teoria é estudo e prática ação. Por outro lado, são, na verdade, categorias inseparáveis para o professor.

Algumas características são profundamente marcantes para o alcance da experiência de acordo com Larrosa (2002). Apresentaremos as quatro principais, após, estabeleceremos um caminho para a aplicação do saber da experiência.

A primeira grande oposição é o excesso de informação, pois vivemos na sociedade in-formacional por excelência. Nela exige-se que o indivíduo deva estar sempre bem informado, buscando novas interações, a fim de buscar o conhecimento. O jornalismo tem papel fulcral nessa relação, a comunicação de massa iniciada no século XX investiu na crença da sociedade do espetáculo, movida pela última notícia. No plano escolar não é estranho encontrar efei-tos desse movimento. Cria-se a ilusão, afinal, de que a informação permite o conhecimento. Porém, estas informações apenas surgem como obstáculos intransponíveis para a real expe-riência.

A segunda característica aparece quase como uma consequência da primeira, trata-se da opinião. Segundo o autor, esses dois atributos formam um par: informação/opinião. Esta du-alidade penetrou até nos sistemas escolares. Somos coagidos a primeiro receber a informação, para depois emitir uma opinião a respeito. Sofremos com a pressão diária, assim como somos forçados a opinar e a se posicionar diante do mundo. Geralmente, esta opinião passa pela consideração qualitativa maniqueísta: bom ou ruim. Desta maneira, a experiência se afasta continuamente da possibilidade de um ensino emancipador.

Tempo, outra categoria problemática, cada vez mais fugaz e passageiro. O sujeito mo-derno é um ser insatisfeito, necessita de atualizações recorrentes a todo instante, sua busca por novidades é o alvo contemporâneo. É também ansioso, apressado diante desta circuns-tância, deste tempo fugitivo. No não há tempo para ociosidade, não nos permitimos. Corre-se atrás de atividades para preencher a vida, continuamente vazia. Esse tempo (ou a falta dele) só afastará a experiência.

Em última instância, Larrosa (2002) credita ao mundo do trabalho e suas excessivas atividades mais um empecilho a ser superado. Mas, há uma diferenciação a ser feita quanto à relação entre trabalho e experiência. Para o autor, a experiência não pode ser contada como crédito, como valor de troca ou de mercado. O trabalho obriga o sujeito a estar sempre em busca de cumprir tarefas, executar programas, sempre recorrendo a uma ocupação. Não ao acaso, a hiperatividade tem se tornando marca indelével da modernidade.

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Descritas as principais oposições ao conceito experiencial, o autor se propõe a discutir o sujeito dessa experiência. A palavra possui significados diferentes em línguas diferentes. Em espanhol, a experiência é aquilo que nos toca, o que nos passa, mas não simplesmente o acontecimento que passa por nós. Sob certo aspecto, é um território de passagem, é travessia do saber.

“[...] seja como território de passagem, seja como lugar de chegada ou como espaço do acontecer, o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade feita de paixão, de pade-cimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial”. (LARRO-SA BONDÍA, 2002, p. 24).

Se nada tem a capacidade de lhe tocar, lhe estimular, acabará por não experimentar. A receptividade referida pelo autor não condiz estritamente a experiências prazerosas, pelo contrário, o sofrimento proporciona sua realização. O medo é natural (como na montanha russa aludida alhures), mas é vencível.

O conceito etimológico da palavra experiência advém do latim: experiri, que significa provar. “A experiência é a passagem da existência, a passagem de um ser que não tem essên-cia ou razão ou fundamento, mas que simplesmente ‘ex-iste’ de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente”. (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 25). Para ser um sujeito da experiência é requisitado existir, a existência humana condiciona a experiência. É, sobretudo, lugar de perigo, fronteira do conforto. Ao ser duro, intransigente, resistente e acabado não é lhe é permitida.

A contribuição do pensador ainda indica a paixão como elemento adjunto à sua con-cepção, enquanto sentimento que nos toca. Nesse caso específico, a paixão pode ser entendi-da como uma heteronomia. É o professor atuando para o seu aluno, dando-lhe ferramentas capazes de experimentar por sua via. Não significa a perda da autonomia, é a impulsão da liberdade individual de conhecer por si e através de si.

O saber da experiência é acima de tudo idiossincrático, extremamente pessoal, subjetivo e particular. É próprio para cada ser, não pode ser repetido, o mesmo fenômeno é invariavel-mente sentido opostamente por indivíduos diferentes. A impregnação de condutas unifor-mizadoras no ensino acaba por assassinar a criticidade. Compreender o universo particular de cada aluno, apesar da aparente tarefa, praticamente impossível, estaria em acordo com a proposta de Larrosa.

A sabedoria exprimida da experiência também é sentida na relação entre o conhecimen-to e a vida humana. Para além do tecnicismo do conhecimento atual, propagado na hierarquia de titulações, a vivência e seu saber não correspondem a conceituação da ciência moderna e sua atribuição do experimento como método. Há distinções ponderáveis nesta relação. Enquanto o método empírico atribui o valor da experiência para fins científicos e mercadoló-gicos, a experiência revela um propósito educacional muito mais amplo, não pode ser medida em termos quantitativos, muito menos qualitativos.

Vemos, paralelamente, a instaurada crise educacional em nosso país. Como instituição, a escola é fruto da modernidade e suas aspirações iluministas. Albuquerque Júnior, no entan-to, atesta que é preciso mesmo reavaliar todo o papel dessa instituição, em consequência, a própria profissão docente deve ser posta em pauta. Observamos um crescente desprestígio com relação ao exercício da função, na medida em que o professor está perdendo sua centra-

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lidade no processo de ensino. É perspicaz a suposição do aluno enquanto elemento primeiro na concepção funcional da escola. Em acordo com Larrosa, o autor salienta o tecnicismo e o interesse mercantil no qual tem se impregnado todo o sistema escolar. “A escola é cada vez mais um espaço desinteressante, um espaço que revela toda a engrenagem disciplinar que a fundamenta, sem oferecer em contrapartida nenhuma compensação simbólica, imaginária, para o seu existir”. (ALBUQUERQUE JÚNIOR).

Se não houver existência, não poderá haver experiência. Assim como o ensino de histó-ria é em sua finalidade criação de subjetividades, o papel do professor também o é. Albuquer-que Júnior define desse modo a tarefa docente: “Professor que pense o ensinar como uma atividade de autotransformação, como uma atividade diária de mutação do que considera ser sua subjetividade, sua identidade, seu Eu”, ou seja, sua experiência.

Acima de tudo, o ensino deve deformar sujeitos, e não o contrário. É relevante quando possibilita a quebra de paradigmas, o questionamento de verdades, de identidades, postula novas maneiras de pensar, para além do sistemático modelo linear e tradicional do conhe-cimento. A sociedade e a comunidade escolar tendem a valorizar muito mais o aluno e o cidadão disciplinado, obediente, encaixado no sistema. A libertação é rebelde, a experiência é transformadora e indaga até mesmo o valor da escola enquanto instituição enraizada, natu-ralizada e inquestionável.

Considerações Finais

Por meio destas postulações, percebemos um cenário um tanto desestimulador para o professor de história. Sua profissão é continuamente desvalorizada, seus recursos são en-cruados e o alcance de seus objetivos está cada vez mais distante. Mesmo assim, há lugar para o desempenho transformador, de si, e de seus alunos. Estes devem adquirir autonomia para significar o mundo. O professor, para além de ensinar determinado conteúdo, deve criar oportunidades para o pensamento crítico, deve ousar, estimulando o questionamento de instituições e condutas pouco analisadas seriamente. A escola se insere prontamente nesse contexto, sem ter ciência de sua função e objetivos, permanecerão todos os seus membros alienados e desorientados.

Não existem parâmetros delineados em verdades últimas. A história continua subjetiva, seu ensino e seu propósito também. Sua beleza se encontra justamente dada essa razão. Pois, é também manifestação artística, a narração presume estilo. Enquanto arte deve encantar e ser prazerosa, como todo o ensino e aprendizagem por extensão. Sistemas fechados e es-táticos pouco têm colaborado para a emancipação de uma sociedade oprimida por valores distorcidos. Se o professor não existir enquanto sujeito consciente de si, sua experiência não será validada para o bom ensino crítico da história.

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Introdução

A iniciativa da construção de um museu histórico em Londrina concretizou-se na anti-ga Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Londrina. Em 1970 foi inaugurado o Museu Geográfico e Histórico do Norte do Paraná, sob a coordenação do professor de his-tória Padre Carlos Weiss, no porão do atual Colégio Estadual Hugo Simas. Ainda na mesma década, em 1974, o Museu se torna órgão suplementar da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e em 1978 recebe o nome de Museu Histórico de Londrina “Pe. Carlos Weiss”.

A desativação da estação ferroviária da cidade, na década de 1980, trouxe o local como favorito para a realocação do Museu Histórico de Londrina (MHL), de forma que, em 10 de dezembro de 1986, a transferência foi efetivada. Por conseguinte, o projeto intitulado “Memória Viva”, ocorrido entre 1996 e 2000, foi responsável pela revitalização do prédio utilizado pelo MHL, com o intuito de reestruturá-lo a partir da construção de alas expositivas e da reorganização da exposição de longa duração (HILDEBRANDO, 2010).

Posto isto, o objetivo desse artigo é apresentar os resultados gerais da análise de apro-priação de professoras do ensino básico, mais especificamente docentes do 4º ano do Ensino Fundamental I, vinculadas ao Projeto Conhecer Londrina1, acerca da narrativa2 presente na expo-sição de longa duração da galeria histórica do MHL. Tal narrativa visa uma representação da história da cidade uma vez que, de acordo com Edson José Holtz Leme, os museus classifi-cados enquanto “[...] históricos, geralmente, têm nas suas respectivas exposições, o seu cartão de visitas, ou seja, procuram proporcionar uma espécie de síntese da história representada pelo seu acervo. [...]” (2013, p. 205).

Foram utilizados como fontes históricas 11 questionários respondidos por professoras e o memorial descritivo da exposição de longa duração do MHL, selecionados de acordo com o critério de saturação – quando a introdução de novas informações nos produtos da análise já não produz modificações nos resultados anteriores – proposto por Roque Moraes (2003) e analisados sobre a técnica da análise textual discursiva, desenvolvida pelo mesmo autor.

1 De acordo com Eliane Candotti (2013), (a qual faz parte da Assessoria Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Londrina atuando como apoio pedagógico de História na formação de professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental), o referido projeto pretende sensibilizar os envolvidos quanto à memória e o patri-mônio local, enquanto promove a compreensão e interpretação do contexto sociocultural londrinense, por meio do preparo das professoras com materiais de apoio, roteiro de visitas e do trabalho de campo com os alunos.2 A palavra narrativa será entendida, ao longo da pesquisa, de acordo com as perspectivas de Myrian Sepúlve-da dos Santos (2006), a qual diz que em um “museu-narrativa” os objetos passam a ser subordinados à linguagem das palavras.

Representações e apropriações:A narrativa da exposição de longa duração do Museu

Histórico de Londrina ressignificada por professoras do ensino básico

Taiane Vanessa da Silva

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Em linhas gerais, a metodologia de análise visa, inicialmente, a desmontagem dos textos – conjunto de documentos –, denominada unitarização, na qual os materiais são analisados de forma detalhada e, portanto, fragmentados com o intuito de atingir as unidades constituintes dos fenômenos estudados. Em um segundo momento é feito o estabelecimento de relações, intitulado de categorização, possibilitando a construção de relações entre as unidades de base, a fim de combiná-las e classificá-las. Resultado das etapas anteriores, o terceiro estágio permi-te a emergência de uma nova compreensão do todo e a comunicação deste entendimento por meio de um metatexto, que elabora uma combinação renovada dos elementos desenvolvidos nas etapas precedentes (MORAES, 2003).

A representação da história de Londrina na exposição de longa duração do MHL

No que diz respeito a exposição de longa duração do MHL, ao observar o documento “Galeria Histórica: Proposta Museológica (memorial descritivo)”, que compõe o material da idealização e produção da mesma, percebe-se que esta conta com quatro ambientes, sendo o primeiro a antessala, seguida de três salas maiores, as quais recebem os módulos temáticos da exposição embasados no conceito de trabalho.

Em linhas gerais, a narrativa dá ênfase ao progresso da cidade, uma vez que no prefácio apresenta o período anterior à colonização, marcado pela mata fechada, vestígios de povos indígenas e a chegada dos colonizadores a fim de domesticar a natureza, mostrando o pro-gresso do homem sobre a mata. O primeiro módulo continua com a mesma ideia, pois traz o desenvolvimento do empreendimento colonizador sobre um espaço considerado promissor para a construção de uma cidade. O segundo módulo é abordado enquanto consequência daquele mesmo empreendimento, gerando a emancipação político-administrativa da cidade e seu crescimento populacional com a chegada dos migrantes e imigrantes. O terceiro e último módulo ilustra o auge do progresso com a explosão econômica em virtude da cultura cafeeira.

O conteúdo do documento também possibilita comparar o discurso da exposição aos escritos históricos sobre a cidade, produzidos entre as décadas de 1930 e 1970, e denomina-dos por Sônia Maria Sperandio Lopes Adum (2013) como disseminadores de um “discurso de felicidade”. Aquele discurso tinha como particularidade a exaltação de Londrina e/ou do norte do Paraná, tratando-os enquanto paraíso prometido, colonizado de forma pacífica e próspera pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) e por pioneiros que se desta-caram social e economicamente.

A falta de problematização crítica do processo de colonização durante o circuito da ex-posição, proposto pelo memorial descritivo, distancia aquela narrativa da historiografia pro-duzida sobre o norte do Paraná classificada por Adum enquanto “Novas Histórias”, as quais emergiram nos últimos trinta anos. Estas novas produções dialogam com as reformulações historiográficas, principalmente no que diz respeito à diversificação de enfoques temáticos, gerando uma reflexão mais crítica sobre o processo de colonização.

De acordo com Nora (1993), um lugar de memória provoca efeito, pois possui três sentidos: o primeiro é o sentido material, devido ao seu conteúdo demográfico; o segundo é o funcional, pois promove a perpetuação da lembrança e sua transmissão; e o terceiro é o sen-tido simbólico, pois se “[...] caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vivida por um pequeno número uma maioria que deles não participou” (NORA, 1993, p.22). Portanto, conforme o autor, é necessário a vontade de memória. Mas quem seleciona as memórias que, dentro de um museu, tornam-se história?

No caso do MHL isto se deve aos participantes e patrocinadores do processo de revita-

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lização e às influencias dos diretores. Olímpio Westphalen, diretor que antecedeu Conceição Geraldo – diretora do MHL no período da revitalização –, defendeu que Museu deveria cultuar o espírito da tradição e os pioneiros. Coincidentemente (ou não), a Associação dos Amigos do Museu (ASAM) foi formada na mesma época por famílias proeminentes da cida-de que chegaram nas primeiras décadas da formação de Londrina.

Em outras palavras, as representações da realidade social, sendo símbolos dos grupos sociais que às forjam e uma forma de organizar a apreensão do mundo social, buscam impor concepções, autoridade e legitimar escolhas (CHARTIER, 1990). Consequentemente, o pas-sado se faz ausente, uma vez que, segundo Christian Laville, “[...] o laboratório do historiador é inteiramente imaginário. [...]” (1975, p. 33 apud SIMAN, 2004, p. 83), impossibilitando que o real vivido seja restaurado de forma integral.

Myrian Sepúlveda dos Santos (2006) também problematiza as representações do pas-sado enquanto objetos de disputa. A autora parte do pressuposto de que o ato de interpretar não o mundo empírico, mas suas representações, não está relacionada a “criações arbitrárias” da realidade, mas a sistemas e conjuntos de representações capazes de oferecer um novo sentido envolvido por um jogo político e ideológico.

Em adição ao conceito de representação, utilizamos também o conceito de apropria-ção segundo Roger Chartier (1988). Logo, a apropriação se pauta na forma como os leitores recepcionam obras culturais. Porém, convém destacar que esta recepção não se dá de forma passiva, pois os leitores podem reescrever o produto cultural consumido, uma vez que as pessoas possuem experiências diferentes que ressignificam a recepção do produto. De outro modo, a apropriação do conhecimento implica na sua transformação. Tal questão está de acordo com o intuito de problematizar as apropriações das professoras acerca da narrativa (produto cultural) da exposição em questão.

Rupturas e continuidades entre a representação da História de Londrina da exposição e as apropriações de professoras

Ao se apropriarem de uma representação da história de Londrina, com base nas ideias de Chartier (1988), as docentes formulam representações que não são inteiramente iguais a que lhe deu origem. Portanto, mesmo que a narrativa do Museu tenha o intuito de “[...] enviar a mesma mensagem geral para todos os visitantes [...]” (WHITNEY, 1990, p. 70 apud ALMEIDA, 1995, p. 50), “[...] cada indivíduo/visitante vem com conhecimentos prévios e interesses específicos.” (ALMEIDA, 1995, p. 50).

Em linhas gerais, as perguntas dos questionários foram voltadas para a identificação das professoras (idade e sexo), suas opiniões e apropriações sobre a exposição de longa duração do MHL, a instituição museal enquanto espaço de aprendizagem e a preparação dos alunos antes da visita. É válido ressaltar que todos os questionários recebidos são de pessoas do sexo feminino, as quais não precisaram identificar seus nomes. Optamos, então, por identificar cada professora com letras e por ordem alfabética.

As perguntas presentes nos questionários se pautaram nos seguintes questionamentos:

1) Idade; 2) Sexo; 3) Possui magistério ou formação acadêmica? Se sua res-posta foi SIM para formação acadêmica, especifique o curso; 4) Possui for-mação complementar ou curso de pós-graduação? (Especifique o curso); 5) Há quanto tempo trabalha na rede de ensino básico?; 6) Há quanto tempo participa do Projeto Conhecer Londrina?; 7) Qual o nome da(s) escola(s) que

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trouxe ao Museu Histórico de Londrina?; 8) Já havia visitado o Museu His-tórico de Londrina em outra ocasião? Se sua resposta foi SIM, especifique a ocasião; 9) A(s) visita(s) foi mediada por um aluno do curso de História da Universidade Estadual de Londrina?; 10) Quanto tempo você reservou para a(s) visita(s) ao Museu?; 11) Explique qual o intuito da(s) visita(s); 12) Houve alguma preparação prévia para os alunos?; 13) A(s) visita(s) foi ou será traba-lhada em sala de aula?; 14) Você buscou por temáticas específicas ou por uma síntese da História Londrina?; 15) O museu pode ser considerado um espaço educativo? Justifique sua resposta; 16) Quais conteúdos foram ou estão sendo trabalhados em sala de aula acerca da História de Londrina? Indique qual o material de apoio utilizado; 17) Com quais conhecimentos históricos acerca de Londrina a exposição de longa duração colabora para suas aulas?; 18) Houve alguma alteração no que você imaginava ser a exposição de longa duração do Museu Histórico de Londrina após a visita mediada? Justifique sua resposta; 19) A narrativa da exposição reafirmou ou não seus conhecimentos acerca da História Local? Justifique sua resposta; 20) Você sentiu falta de alguma temá-tica na exposição? Caso a resposta tenha sido SIM, especifique qual ou quais temáticas; 21) A(s) turma(s) teve acesso a outros serviços educativos ofereci-dos pelo Museu Histórico de Londrina? Quais?; 22) Indique palavras-chave, de quatro a cinco, que resumam a narrativa histórica oferecida pela exposição de longa duração do Museu Histórico de Londrina; 23) Qual o significado de museu para você?.

Desta forma, a primeira parte do questionário diz respeito à identificação (idade e sexo), formação acadêmica, tempo de lecionamento e tempo de participação no Projeto Co-nhecer Londrina. No que diz respeito à formação acadêmica das professoras, percebe-se que a maioria possui graduação em pedagogia e apenas duas com licenciaturas especificas. Logo, é válido ressaltar que não recebemos questionários de professoras formadas ou pós-graduadas em História, uma vez que existe a predominância de pedagogas na educação infantil (GETTI, 2010).

Após a análise dos questionários, percebemos, em linhas gerais, que o MHL é um dos locais de maior importância dentro do roteiro do Projeto Conhecer Londrina, pois, ao apresentar uma síntese da história de Londrina, podem ser estabelecidas relações entre os conhecimen-tos trabalhados em sala de aula e os oferecidos pela exposição de longa duração. Boa parte das professoras valorizam, então, os objetos e fotografias que compõem a exposição, pois percebem que estes auxiliam no aprendizado histórico de forma mais concreta.

Entretanto, algumas das docentes enxergam o MHL como lugar onde se encontra o passado propriamente dito, fator que dificulta que a exposição seja vista enquanto uma re-presentação do passado que construiu um discurso histórico por meio da disposição dos objetos. Portanto, segundo Ramos, “[...] estudar história não significa saber o que aconteceu e sim ampliar o conhecimento sobre nossa própria historicidade.” (2004, p.24). Não podemos desconsiderar, então, a formação acadêmica das professoras e a influência que isso exerce em suas apropriações. Desta forma, ao analisar a formação dos professores no Brasil, Bernadete Getti diz que nos cursos de pedagogia a disciplina voltada para o ensino de História são abor-dadas, geralmente, de forma genérica. Desta forma,

[...] os conteúdos das disciplinas a serem ensinadas na educação básica (Al-fabetização, Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências, Educação Física) comparecem apenas esporadicamente nos cursos de forma-ção e, na grande maioria dos cursos analisados, eles são abordados de forma

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genérica ou superficial, sugerindo frágil associação com as práticas docentes [...]. (2010, p. 1372)

Logo, percebe-se que existem problemas na formação das professoras graduadas em pedagogia no que diz respeito aos aspectos teóricos, metodológicos e práticos do ensino de História. O mesmo também ocorre com professoras formadas em outras licenciaturas, as quais não tiveram na grade curricular de suas graduações conteúdos vinculados à disciplina de história. Desta forma, o papel do Conhecer Londrina e dos serviços oferecidos pelo MHL, como o Programa “Contação de Histórias do Norte do Paraná”3, são de fundamental impor-tância para as professoras.

As apropriações da narrativa da exposição mostram que as docentes possuem perfis variados. Grande parte abordou os pioneiros e imigrantes enquanto assuntos trabalhados em sala de aula e apropriados na exposição. Porém, enquanto a professora A aponta a dificuldade dos primeiros povos que superaram a adversidade de uma cidade em formação e as profes-soras I e F dão ênfase aos imigrantes, sem citar a contribuição dos migrantes, as docentes B, J e G veem que a exposição, por meio da historicidade dos objetos e fotografias, também comunica conhecimentos sobre a diversidade dos primeiros povos e do movimento imigra-tório e migratório. Portanto, superam a narrativa que enfatiza a contribuição de imigrantes e pioneiros proeminentes.

A professora H se mostra influenciada palas perspectivas tradicionais da história da cidade, pois se apropria da exposição enquanto espaço que rememora a CTNP, apontando assim para a valorização do empreendimento colonizador e do discurso que traz os ingleses como principais imigrantes e contribuintes da formação da cidade. Entretanto, em contra-ponto a uma visita envolvida pelos pontos principais da narrativa da exposição, as professora D e E percebem que naquele espaço é possível trabalhar com a transformação da paisagem de Londrina, abordando, por exemplo, as construções de madeira, ruas e escolas.

No que diz respeito a questionamentos sobre a representação da história presente na exposição, a professora C percebe que aquela narrativa deu um espaço reduzido aos povos indígenas e enfatizou os pioneiros e a elite londrinense, sugerindo, então, que a visita seria mais significativa para os conteúdos de suas aulas se a história dos Kaingang tivesse tido mais destaque. A professora K se apropria da exposição segundo a cronologia oferecida pela mesma, com ênfase nos imigrantes, mas suas perspectivas também apontam uma maior sen-sibilidade acerca da função das fontes históricas naquele espaço. De acordo com a docente a aprendizagem dos alunos seria mais favorecida caso o museu utilizasse, além das fontes materiais, depoimentos orais.

É válido ressaltar que as apropriações das docentes foram influenciadas por seus co-nhecimentos prévios e teóricos sobre o assunto, uma vez que pesquisam sobre a história da cidade enquanto participam do Projeto Conhecer Londrina e são responsáveis pelo conteúdo da história da cidade destinado aos alunos do 4º ano. Entre os materiais de apoio citados pelas professoras, os quais são utilizados para a abordagem do conteúdo, boa parte das docentes faz referência ao livro didático “Conhecer é descobrir... Londrina” de Magda Tuma (2006) e os materiais oferecidos pelo Conhecer Londrina. Além disso, os monitores do MHL também

3 De acordo com o Edital Proex 004/2014 o Programa tem como objetivo, promover estudos e reflexões sobre a memória regional (região de Londrina/PR) junto a professores e alunos do ensino básico mediante ações voltadas para a educação patrimonial e preservação de memórias de antigos moradores na região.

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aparecem nas respostas das professoras, portanto, a mediação oferecida por eles contribui para com as apropriações das docentes. Desta forma, para enriquecer o trabalho, se faz ne-cessário analisar, em futuras pesquisas, o livro didático citado e produzir entrevistas com os monitores do MHL.

Considerações finais

A narrativa da exposição de longa duração do MHL é influenciada pelo discurso tra-dicional da história da cidade de Londrina, a qual visa apresentar uma história exemplar, pautada na atuação positiva da Companhia de Terras Norte do Paraná, dos imigrantes e dos pioneiros proeminentes, deixando lacunas sobre críticas e problemas do processo de colonização, além das memórias de outros sujeitos históricos que contribuíram para com o processo de formação da cidade.

No que diz respeito ás apropriações das professoras, parte delas mostraram aproxi-mações com a narrativa da exposição de longa duração do Museu, devido à abordagem da atuação da CTNP, imigrantes e pioneiros como assuntos principais da história da cidade. Por outro lado, outras docentes deram ênfase na diversidade cultural londrinense, na transforma-ção da paisagem e na historicidade presente nos objetos.

É válido ressaltar que as professoras se apropriaram da narrativa de acordo com seus conhecimentos prévios e teóricos sobre a história da cidade. Desta forma, percebe-se que as apropriações não são passivas e, ao mesmo tempo, que a exposição em questão pode ser problematizada de maneiras que vão além de sua narrativa.

Logo, o discurso presente na exposição não impede que interpretações diferentes sejam feitas. Assim, de acordo com Santos (2006), uma nova abordagem não precisa acabar com a sua antecessora, elas podem conviver e se complementar, impedindo que as memórias de outras épocas sejam apagadas, sob o argumento que uma nova interpretação seja a última, definitiva e verdadeira. Soma-se a isto as perspectivas de Meneses (s/d apud RAMOS, 2004), que caracteriza a exposição como uma leitura possível e, por este motivo, ela não pode assu-mir a posição de conhecimento acabado.

Em linhas gerais, as professoras selecionadas foram ao MHL com níveis diferentes de interesse e conhecimento, os quais estão relacionados com a forma como preparam os alunos e ensinam a história de Londrina para os mesmos. As experiências das docentes na visita à exposição dialogam com as capacidades educativas daquele espaço, pois valorizam a vivência dos objetos. É válido ressaltar que, sob as perspectivas de Munley (1987 apud Almeida, 1995), não buscamos trazer com os resultados dessa pesquisa receitas ou fórmulas para a exposição ou programas educativos do Museu Histórico de Londrina, mas sim auxiliar na identificação de perfis e na compreensão de como as professoras interagem com os diversos elementos da exposição.

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Introdução

Este trabalho teve por objetivo organizar um texto para orientar os monitores do Mu-seu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss para a recepção de público na exposição “Do Quebra Canela ao Tubarão: memórias do futebol londrinense”. A exposição apresenta parte do acervo de Miguel Antônio Ramos, um boleiro “das antigas” que preservou as fotografias obtidas por meio de uma pesquisa pessoal. Seu acervo conta com mais de 600 fotos, e entre elas, imagens que compõem o cenário do futebol londrinense amador e profissional desde a origem da cidade e em distintas modalidades como futebol de campo, suíço e de salão. A orientação acontecerá por meio de estudos e debates sobre a bibliografia, a iconografia, os materiais tridimensionais, e a construção estética do trabalho expositivo. Detalharemos em seguida cada item a ser estudado em forma de tópicos, apresentando a argumentação e os comentários sobre cada etapa que compõe a exposição.

Apresentação

Olhar para o “futebol citadino” permite apreciar a história de Londrina a partir das práticas de esporte e lazer. A chegada de imigrantes estrangeiros e brasileiros favoreceu a formação de uma cidade culturalmente diversificada. Expressando essa riqueza, Londrina acolheu times de trabalhadores de indústrias e comércios, de grupos religiosos, escolas e faculdades, de colonos, de bairros... essas práticas formam, também, o solo onde foi gerado o futebol profissional na cidade.

Esta exposição é idealização do boleiro “das antigas”, Miguel Antônio Ramos, que conserva uma coleção com mais de 450 fotos do futebol de campo, salão e suíço. Vislumbra-mos uma parte desse acervo ao destacar as práticas futebolísticas em Londrina entre 1930 aos anos 2000.

A exposição busca contemplar o desenvolvimento do futebol londrinense desde os pri-meiros jogos amadores e varzeanos até o profissionalismo do Londrina Esporte Clube (LEC) por meio do acervo de Miguel Antonio Ramos, idealizador da exposição. Miguel organiza um encontro que acontece anualmente há 20 anos, é o “Encontro dos Boleiros”, onde ex-atletas do futebol citadino se reúnem para relembrar histórias e reviver os bons tempos de amizade. O “Encontro dos Boleiros” surgiu no velório de Zé Ferreira, um boleiro da antiga e amigo de Miguel. A partir daquele dia Miguel sugeriu aos amigos presentes no velório, que todos eles deveriam se encontrar em vida para conversar e não apenas no velório dos amigos. Nasce as-sim a idéia do “Primeiro Encontro de Boleiros”, em 1996. O Miguel começou a reunir fotos de times de futebol como estratégia para conseguir adeptos no encontro. No ano de 2016 o Miguel buscou a direção do Museu para organizar uma exposição com seu acervo.

Monitoria para a Exposição “Do Quebra Canela ao Tubarão:

Memórias do futebol londrinense” do Museu Histórico de Londrina

André Xavier da Silva; Osvaldo Fiorato Junior

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A Iconografia

As fotografias organizadas por Miguel Ramos é parte do acervo pessoal construído em pesquisa e coleta. As imagens dizem muito sobre o que o referencial bibliográfico aponta nas pesquisas. Equipes varzeanas e amadoras, times de trabalhadores, de estudantes, de grupos religiosos, de pioneiros colonos e os primeiros campos estão contempladas nas fotografias. As imagens revelam a História da cidade como pano de fundo, pois a passagem de uma paisagem rural com campos de terra vermelha para um ambiente urbano e economicamente dinâmico nos revela uma faceta nova com o advento do profissionalismo do LEC que acaba por projetar a cidade para o cenário nacional.

O FUTEBOL EM MEIO AO TRABALHO, AO RÁDIO E À TERRA ROXA

Nos primeiros tempos da cidade foi preciso abrir caminhos, ruas e estradas. Entre a in-tensidade do trabalho com ferramentas e materiais rústicos coexistiu um ambiente esportivo muito rico. Os registros de práticas de futebol eram feitos em função de interesses e movidos a paixões, já que o custo para adquirir um equipamento fotográfico era alto.

Essa era a época de ouro do rádio, em Londrina o futebol era irradiado aos primeiros gritos de “GOOOL”, que geravam emoção e entusiasmo.

O cenário nos remete a um ambiente marcado pelo aspecto rural, aos campos de fu-tebol ao estilo “terrão”, onde incontáveis pés vermelhos deixaram suas marcas na terra roxa de Londrina.

Nesta sala apresentamos fotografias, chuteira, texto do jornal Paraná Norte, rádio, e áudios que nos transportam aos anos de 1930 a 1950. As fotografias apresentam times de trabalhadores como o time Pá e Picareta que traz em seu distintivo uma pá e uma picareta cruzadas inclinadamente. Pela datação da foto (1932), este é o registro mais antigo de uma equipe de futebol encontrado no acervo do Museu Histórico de Londrina, esta era uma equi-pe de trabalhadores da Estrada de Ferro São Paulo-Paraná.

Outras equipes se intitulam com os nomes emprestados das respectivas empresas como outras que são de estudantes, outras de religiosos (Marianos da Vila Casoni, União da Moci-dade Presbiteriana); e equipes de Colonos (E.C. Londrina). A chuteira fabricada pela loja São Pedro, uma antiga loja da cidade ilustra o cenário dos anos 40, o rádio e o jornal nesta sala simbolizam uma era em que os jogos eram transmitidos pelas ondas do rádio e repercutiam nas páginas impressas. Ainda nesta sala contamos com uma página reproduzida do jornal Paraná Norte do dia 18 out. 1934 contendo o primeiro registro de um jogo noticiado na cidade por uma fonte impressa, o jogo foi entre o ainda distrito de Londrina versus o município de Jatahy terminando a partida com o placar de 3 x 0 para a equipe de Londrina. No jogo de volta em Jatahy, alguns dias depois, a partida terminou com um fato curioso, pois os jogado-res de Londrina tiveram que deixar o campo em baixo de muita pedra e cascas de bananas lançadas pelos jogadores e torcedores locais. O expediente do jornal traz Carlos de Almeida e Humberto Puiggari Coutinho Diretor e Redator respectivamente.

O primeiro “era um dos responsáveis pela negociação financeira entre o periódico e a Companhia de Terras, seu maior anunciante”. (BONI, 2004, p. 234) e teve grande relevância no funcionamento e manutenção publicitária do jornal, já sobre o segundo podemos dizer que em pouco tempo, o Paraná Norte – com o empenho e por influência de Puiggari Coutinho – passou a receber recursos oficiais e verbas publicitárias das prefeituras da região, notada-mente de Londrina, que foi instalada quase que simultaneamente ao jornal, e da já instalada

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Prefeitura de Jataizinho, pela publicação de editais, avisos e publicidade da administração pública. A influência foi facilitada pelo fato dele exercer o cargo de secretário municipal, pri-meiro em Londrina e depois em Jataizinho (BONI, 2004, p. 235-236). Assim fica mais fácil de entender porque o primeiro jogo de futebol “registrado em notícia” foi entre equipes das regiões de Londrina e de Jatahy. Pois, o jornal fazia propagandas usando páginas inteiras para anúncio e encobrindo falhas ou elogiando os feitos da CTNP.

O rádio exposto nesta sala simboliza a era de ouro do rádio e o primeiro jogo trans-mitido por uma rádio em Londrina o jogo foi entre Operário X Palmeiras (SP) (BONI; KO-MARCHESQUI; RODRIGUES, 2010). Há relatos que o jogo teria acontecido em 1948 e não em 1947 como nos mostra a legenda. Acima do rádio estão fotos do jogo, com jogadores sentados entre os torcedores, cenas do próprio jogo e uma imagem dos jogadores do E. C. Operário pousados na imagem um dia anterior ao jogo, onde se observa ao fundo os galpões das Indústrias Mortari.

O período que compreende a sala 1 apresenta uma cidade com aspectos rurais, tanto no que diz respeito a paisagem quanto a população, visto ser este um período em que a po-pulação rural era consideravelmente maior que a urbana. O futebol neste contexto apresenta a cidade e suas características, os times são dos distritos, nas áreas rurais e nas zonas urbanas. No que diz respeito à área urbana temos a formação do campo de Foot Ball da quadra 26, futuramente chamado de campo do Sport, do Sport Club Londrina, time da região central no qual jogavam pessoas como Celso Garcia Cid e Aurélio Paglia membros pertencentes a uma elite local. A vitrine de entrada contém uma fotografia do Sport Club Londrina, e notícias sobre o time impressas no Paraná Norte do respectivo ano.

A primeira imagem da exposição é uma fotografia de José Juliani, tirada em cima da antiga catedral. Ao fundo vê-se o campo cercado por madeiras, a rua de acesso ao campo é a antiga Avenida Paraná, atual Celso Garcia Cid. O campo já constava no primeiro desenho ur-bano apresentado pela Cia. de Terras, e guardada as devidas ressalvas, compunha o perímetro urbano delineado pela Companhia. Apesar de já estar dentro do primeiro projeto de malha urbana o campo ficava abaixo a linha da zona do meretrício (antiga rua Heimtal e atual rua Brasil). Em 1935 o prefeito Sr. Adriano Marino Gomes apresenta no Decreto de Lei nº 09 de janeiro de 1935 uma concepção de limpeza e estética da região central. Assim a zona do meretrício, a delegacia, o cemitério e o campo de futebol ficaram fora da nova área delimitada para contemplar a estética e a limpeza. O futebol neste sentido revela uma cidade higienista apesar de agregar em torno do campo da quadra 26 grupos distintos com frações de poderes também distinto.

A década de 30 e os anos subsequentes são marcados por mudanças na economia, na cultura e na política, como o processo de industrialização das grandes cidades do país, o branqueamento da população com o processo de imigração, a ascensão de Getúlio Vargas e mudanças advindas das duas guerras mundiais. Em Londrina, o processo migratório revela estas dinâmicas e os grupos sociais que aqui chegaram vêm em busca de trabalho na terra das promissões. Estes grupos que aqui chegaram, além de encontrar com o trabalho e com ma-teriais rudimentares, apresentam práticas de futebol de maneira considerada bastante intensa para um ambiente rural. Assim os grupos de religiosos, de trabalhadores, de estudantes e de colonos se agregam em torno do futebol.

O aumento populacional, e consequentemente o aumento no número de times e de jogos, aliado às mudanças ocorridas nas leis trabalhistas (CLT) e na tentativa de controlar o processo de popularização dos esportes por meio do CND (Conselho Nacional dos Despor-

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tos), em 1941, e por meio de uma imprensa local que representava as elites locais temos um embate entre o profissionalismo e o amadorismo. As elites propalavam uma prática desinte-ressada e livre do pagamento de salários enquanto alguns times já apresentavam este tipo de pagamento denominado de “amadorismo marrom”. A pressão da imprensa por uma equipe profissional a altura das grandes capitais sugere um discurso de que a cidade deveria ter um time a altura de sua economia e de sua população. Os anos iniciais da década de 50 em diante é muito comum o debate em torno do profissionalismo, assim as equipes varzeanas passam a receber denominações pejorativas e menos espaços nas páginas do jornal Folha de Londrina.

O jornal direcionava mais atenção aos times de elite então denominados de amador (amador eram os times filiados à Liga Regional de Futebol de Londrina, mencionada a sala 3 no baú. A Liga tem mais de 60 anos de existência). É neste período que surge o termo Quebra-canela como uma denominação ao futebol dos times varzeanos também chamados de “Futebol Menor” pelo jornal. Alguns times varzeanos estão expostos na sala 1 como o Radium, o Tiro de Guerra, o time dos Funcionários da Prefeitura, o Diamante, o Triunfo. Entre eles também temos os times amadores como o Sport Clube Londrina, O São Paulo por exemplo.

O FUTEBOL GANHA OUTRAS MODALIDADES

O futebol de campo, adquirindo força e representação, se expande para outras modali-dades, como futebol suíço e de salão.

Significa dizer que grupos sociais distintos passaram a se ocupar destas práticas espor-tivas. Clubes sociais da cidade passam a formar equipes e competir em torneios amadores, muitíssimos disputados. Era o caso dos Jogos Abertos do Paraná.

O futebol suíço, disputado por sete atletas de cada time, e o futebol de salão, composto de cinco jogadores por time, revelam que o esporte ganhou dinamismo nas suas práticas. Definitivamente, estas modalidades conquistaram seu espaço no futebol londrinense.

As duas primeiras fotos da sala são referentes ao primeiro jogo de Futebol de Salão em Londrina, conforme informado por Miguel Ramos. De acordo com o jornalista e amigo de Miguel, Lélio (Padre), este jogo teria sido realizado em 1957, esta informação consta na en-trevista, na íntegra, realizada no VGD. O futebol de salão em Londrina foi muito difundido a partir dos anos 1960. O Troféu menor na vitrine é referente à modalidade. Os Jogos Abertos do Paraná (JAPs), neste ínterim, foi um evento muito popular, que levava centenas de pessoas aos ginásios, o futebol de salão praticado pela seleção londrinense foi muito competitivo, conquistando vários títulos dentro dos JAPs.

Segundo consta no livro “Futebol Suiço Uma opção de lazer”,1 escrito pelos profes-sores Ariobaldo Frisselli e Marcelo Mantovani, o futebol suíço foi inventado em Londrina, e por um português, Vasco de Almeida Martins, em 1966. Segundo os autores, esta modalidade nasceu no Iate Clube de Londrina, quando Vasco resolveu dar mais dinamicidade ao futebol, diminuindo o espaço do campo tradicional e reduzindo o número de praticantes a seis por time.

Hoje o futebol suíço oficial conta com sete jogadores, sendo chamado de Futebol de Sete em muitas localidades. Portanto, o primeiro campo de futebol suíço do mundo teria sido

1 Localizado na vitrine.

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no Iate Clube. A principal intenção de Vasco era proporcionar um esporte recreativo, mais prazeroso, sem as rígidas regras do futebol, como por exemplo, o impedimento. O nome suíço é uma associação à Suiça, onde Vasco visitou quando ainda morava em solo europeu, admirando muito o pequeno país, belo e harmônico, assim como a modalidade que teria inventado.

A foto do Iate Clube de 1966 seria do primeiro jogo de futebol suíço do mundo, como enfatizam os autores. Por outro lado, em pesquisa rápida na rede mundial de computadores conectados à internet, não encontramos nenhuma referência do início da modalidade em Londrina. No site oficial da Confederação Brasileira de Soccer Society,2 na seção histórico, é citada a prática desde a década de 1950 no Rio de Janeiro, concomitantemente, é creditado ao estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente à cidade de Santana do Livramento, a origem da denominação Futebol Suíço.

Não podemos precisar a veracidade de nenhuma das versões apresentadas, mas o inte-ressante é notar uma vontade de memória por parte dos londrinenses. Frisselli e Mantovani (1999) ressaltam que o Iate é composto por 70% de profissionais liberais e portadores de diploma superior em seus associados. Historicamente o clube sempre foi administrado por grupos sociais mais abastados. No documento oficial que regulamentava o Futebol Suíço, enviado pelo Iate ao poder público estadual, consta como objetivo do esporte e do clube a eugenia da população londrinense. Miguel Ramos também foi um praticante da modalidade desde seus primórdios, sendo citado na obra que nos embasamos. Percebe-se que as duas modalidades são mais presentes em clubes sociais (Country Clube, Iate, Canadá), como tam-bém por acadêmicos (Faculdade de Filosofia, Filadélfia, Time dos Professores, 1º Time do Campus da UEL).

O FUTEBOL ATINGE A MAIORIDADE, SURGE O LONDRINA ESPOR-TE CLUBE

Na década de 50 surge uma nova faceta no esporte londrinense, o profissionalismo. A economia movida à produção do café e o aumento gradativo da popularidade das

práticas do futebol acabaram por criar clima favorável à consolidação desta novidade. A ex-pressão máxima do futebol profissional está representada no LEC. Tetracampeão paranaen-se, conquistou o Brasil por duas vezes. Primeiro em 1977, ao desbancar os maiores clubes do país, e novamente, em 1980, com a Taça de Prata. O Tubarão tem lugar garantido no coração dos torcedores londrinenses.

Esta sala apresenta parte da História do LEC através de objetos do seu cotidiano como as camisas, os principais troféus, flâmulas e fotografias de grandes conquistas e, ainda, ima-gens de times do futebol amador que coexistiu com o futebol profissional no Clube, continu-ando a levar torcedores entusiasmados aos seus jogos e campeonatos.

De fato, o Londrina Esporte Clube marca o advento do profissionalismo. Mesmo que outros intentos são verificados anteriormente, este clube significa esta nova faceta, devido aos fracassos das outras agremiações. A década de 1950 é marcada pela expansão da economia cafeeira, e Londrina ainda era uma jovem cidade, mesmo assim já tinha um sentimento de grandiosidade, expressa nas representações da Terra da Promissão e do Eldorado (ARIAS

2 Denominação atual da modalidade.

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NETO, 2008). Movida por este sentimento, grupos da cidade sentiram a necessidade de um clube

grande que pudesse representar a cidade em igualdade à sua economia, já que a vizinha Rolân-dia, menor neste aspecto, já possuía o Nacional, que realizava jogos contra grandes equipes do cenário nacional. Após jogo contra o Vasco da Gama, alguns empresários de Londrina, ao voltarem para à cidade, decidiram criar um grande clube. Nasce o Londrina Futebol Clube, com apoio imediato da imprensa local e de setores da política e do comércio. A ideia foi mui-to bem aceita, tão logo surgiu, foi criada uma sub sede da Federação Paranaense de Futebol em Londrina, que começou a organizar seu próprio certame entre equipes da região.

Existiu um conflito de interesses entre a Liga Regional de Futebol Amador e o Lon-drina F.C., devido ao uso do estádio VGD, a imprensa se posicionou como solucionadora da questão. Talvez, o que representa é a perda de representação do futebol amador, até então proeminente no esporte local, em favor do novo clube. O Londrina começa conquistando campeonatos, sua primeira representação foi o Caçula Gigante3, apelido recebido pelo seu presidente, Franchello.

Nos anos 60, muda de denominação, devido ao interesse de conseguir benefícios es-tatais, que só poderiam ser adquiridos por um clube que extrapolasse a prática do futebol. Torna-se Londrina Futebol e Regatas.

Este momento é marcado pela passagem de um dos seus maiores ídolos, Gauchinho,4 que também é maior artilheiro de toda a história do LEC, com cerca de 300 gols. Ademais, no decorrer da década não tem grandes conquista, chega a enfrentar crises, e no começo dos anos 70 funda-se com o Paraná E. C. Adota a cor vermelha em simbologia a bandeira da ci-dade, mas não é bem aceito, Franchello volta ao comando do clube “apenas” para fazer voltar ao tradicional alvi-celeste, e logo depois deixa a presidência.

Em meados da década, entra em cena um novo grupo gestor, inicia-se um movimento para a inclusão do time no campeonato nacional. Contextualizando, percebe-se uma forte relação com a política da ditadura militar, uma parte da historiografia credita a inclusão de times de médio e pequeno porte à uma estratégia dos militares em fortalecer seu partido onde não tinham representação política. A famosa frase: “Onde a ARENA vai mal, um time no Nacional”, faz todo sentido, se considerarmos que a prefeitura de Londrina era comandada por um emedebista, José Richa.

O ano de 1976 é simbólico por três aspectos principais. Primeiro por marcar o início da participação do LEC no nacional, que disputou o campeonato até 1982. Em segundo lugar, mas também ligado ao primeiro é a construção do Estádio do Café, um requisito para o clube adentrar no cenário futebolístico brasileiro. Um grande estádio, que trouxe ares de modernidade à cidade. Por fim, a nova representação no plano simbólico, o Tubarão. Alcunha recebida após o time começar goleando seus adversários em jogos amistosos antes mesmo do início do campeonato paranaense. O jornalista Grim, publica no Estado do Paraná e na Tribuna do Paraná manchete afirmando que naquele ano o clube iria devorar seus adversários como um Tubarão, em referência ao filme de Steven Spielberg, que lotava as salas de cinema (Jaws, 1975). Torcida e imprensa incorporaram a nova representação, ao passo que hoje é mascote oficial do clube.

3 Ver flâmula exposta na vitrine.4 Fotos e carteirinha.

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No ano seguinte, em 1977, o LEC chega ao êxtase no campeonato brasileiro, obtendo sua melhor colocação da história. Após início não promissor, chega à terceira fase apenas pela repescagem, num grupo com Santos, Corinthians,5 Flamengo e Vasco da Gama, ganha de todos, causa frisson em toda cidade e cai para o Atlético Mineiro na semifinal. A Folha de Londrina dá grande destaque ao feito, publica edições especiais fazendo menção, inclusive, a repercussão do clube no cenário nacional, bate recordes de venda.

Neste campeonato o clube bateu recorde de público no Café (jogo contra o Corin-thians) e em São Januário (jogo contra o Vasco). Nos anos posteriores mantém uma forte equipe com jogadores de renome, conquista a Primeira Taça de Prata em 1980 (em analogia pode ser com a atual série B), e o campeonato paranaense de 81. Novamente entra em crise no decorrer dos 80. A Folha de Londrina atribui a crise aos fortes investimentos providos, mas que não tem condições de perpetuar equipes competitivas a longo prazo. Fala inclusive, já em 82, de uma “geração-Estádio do Café, fria como o próprio”.

Só em 92 que o clube angaria novos conquistas, sendo o paranaense deste ano, e dois vice-campeonatos estaduais no biênio de 93-94. O momento mais turbulento foi, sem dúvi-da, nos anos 2000, com intervenção judicial e ameaça de falência. Hoje, o clube encontra-se num momento de restruturação. Após parceria com a SM Sports, empresa de capital finan-ceiro, que investe no futebol profissional. Já rendou bons frutos, como o título de 2014, assim como o recente acesso a Série B. Recentes pesquisas mostram o aumento gradativo de torcedores do LEC nos últimos anos, sobretudo entre os mais jovens. Numa cidade que historicamente sempre teve preferência por clubes paulistas.

Em suma, a história do LEC é marcada por altos e baixos, agonias e êxtases. Mas, certamente sua história está enraizada no coração do torcedor londrinense. O ano de 2016 é marcado pela efeméride de seus 60 anos. Neste escopo, vislumbra-se a construção de um museu próprio, esta exposição demonstra o interesse pela guarda e resgate de sua história, tão rica e complexa, tal qual a historiografia da cidade de Londrina.

Paralelamente, o futebol amador coexistiu, as fotos da sala ajudam a compor o cenário e demonstrar a permanência desta faceta. Não menos singular, movimentou campeonatos locais e regionais, e um grande público, cresceu em dimensão, justamente a cidade. Por um lado, temos o profissionalismo, não unicamente, mas representado através do LEC, grande expressão deste aspecto. Por outro, o amadorismo, presente desde os primórdios, até hodier-namente.

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5 Foto do gol de Garcia.

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Introdução

Este artigo se destina a apresentar uma alternativa metodológica, voltando-se à forma-ção de leitores, dirige-se a professores, portanto. Os textos escolhidos, para a ação didática, centram-se em gêneros literários que versam sobre a visibilidade da população afro-brasileira, conforme indicação da Lei 10.639/03. A intenção delibera-se a contribuir para afirmação po-sitiva de alunos, sobretudo, os de ascendência africana, que muitas vezes não têm referenciais valorativos, capazes de concorrerem para a autoestima. A intervenção pedagógica será apoia-da no Método Recepcional, porque o aluno é o sujeito do processo de leitura e aprendizagem.

Em minha trajetória docente pude perceber que os alunos afro-brasileiros, geralmente, ocupam os últimos lugares da sala de aula, bem como a negação da negritude de suas colora-ções, marcadamente os pardos, na ênfase de serem brancos. Isso sempre me intrigou e não é difícil encontrar a resposta a essas atitudes, devido o apagamento histórico e a inferiorização da imagem do negro, nas representações externadas nas diversas instâncias sociais.

Pensando nisso, o propósito deste artigo se concentra num plano de aula, referenciado no reconhecimento da cidadania, por meio de textos que notificam a luta e resistência do povo negro no Brasil que nunca deixaram de reivindicar, nos parcos espaços, o direito de seu lugar na história. Deste modo, se buscará nas vias estéticas as diversas formas de resistência, a fim de combater a humilhação e subserviência. Da problematização, o objetivo, acionado pelas práticas de leitura, oralidade e escrita, se pautará na reflexão e na humanidade patentes nos textos, representativos de comunidades que foram silenciadas pelo império da coloniza-ção.

Pensando nos questionamentos levantados por Bertolt Brecht no poema “Perguntas de um operário letrado”, a condução didática se orientou também pela seguinte indagação: os africanos trazidos para o Brasil na condição de escravos aceitaram a submissão a eles de-cretada? Não houve representantes negros nos episódios determinantes para nacionalidade brasileira?. Sob este prisma nos debruçaremos aos textos, a fim de que os alunos possam en-contrar respostas e redirecionar seus olhares, com o propósito de reforçar os valores étnicos e minimizar o racismo.

Abordagem metodológica

Esta prática docente destina-se a alunos das séries finais do ensino fundamental da educação básica, nonos anos. O plano se sustenta no direcionamento disposto no seguinte dispositivo legal:

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá

Estratégia para formação do leitor, ação pedagógica, respaldada na Lei 10.639/2003

Maria Aparecida de Barros

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o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, res-gatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

Acrescido a este preceito, o principal aporte teórico será o Método Recepcional, utiliza-do pelas estudiosas Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira Aguiar, conforme recomendação disposta nas Diretrizes Curriculares do Paraná. O Método Recepcional visa a formação do leitor, sustenta-se em cinco etapas: 1) determinação do horizonte de expectativas; 2) atendi-mento do horizonte de expectativas; 3) ruptura do horizonte de expectativas; 4) questiona-mento do horizonte de expectativas; e 5) ampliação do horizonte de expectativas.

No decorrer da aplicação didática, o docente fará uma sondagem sobre a preferência de tema que chama a atenção dos alunos e levanta questões sobre o assunto, a fim de registrar os conhecimentos prévios acerca do conteúdo, em atendimento à primeira etapa do Método Recepcional. Na sequência, o docente levantará materiais para atender aos interesses, aponta-dos na primeira instância. Lembrando que em cada etapa, o professor intenciona aprofundar o assunto estudado, com inserção de novos recursos. Assim, na terceira etapa os alunos serão surpreendidos com textos literários, que o desafiem a ampliar seus conhecimentos acerca da temática. A quarta etapa reserva-se à comparação das experiências de leitura desenvolvidas nas etapas antecedentes e, na última etapa, o professor promoverá ampla discussão em refe-rência ao avanço de conhecimentos e no que isto repercute enquanto experiência de vida e percepção de mundo.

A aquisição de novas aprendizagens estatui o estudante como sujeito/leitor, já que a proposta do método centra-se na leitura e no leitor, num incessante trabalho de levanta-mentos de visões acerca dos textos estudados, por isso, passíveis de serem (re)construídas. Com este direcionamento, a proposta didática objetiva os gêneros discursivos que abordem a valorização do africano para formação da cultura brasileira. “Numa sociedade desigual, os problemas de leitura se diversificam conforme as características de classe. As soluções possí-veis se orientam para o pluralismo cultural, ou seja, a oferta de textos vários, que dêem conta das diferentes representações sociais” (BORDINI; AGUIAR, 1993, p.13).

Deste modo, a problematização se inicia com os seguintes questionamentos: quem são seus ídolos/heróis? O que você sabe sobre África? Há relação entre Brasil e África? O que representa o dia 20 de novembro? Por que esta data? De posse dos depoimentos, o passo seguinte reserva-se ao estudo, debates e aprofundamento das práticas de oralidade, escrita e análise linguística, referenciadas em textos, tais como: imagem de mapas, letra de canção, poesia, documentário, textos impressos, dosados em complexidade na medida em forem in-vestigados os sentidos neles contidos, conforme dados expostos no item a seguir.

Trajetória para formação do leitor: estratégias didáticas

O plano de trabalho docente se fundamenta em verificar a construção da identidade e valorização da cultura africana na afirmação de alunos, sobretudo, os afro-brasileiros, que se fazem representar na gama de textos literários exemplificados neste artigo, devido “[à] a capa-cidade que ela [a literatura] tem de confirmar a humanidade do homem” (CANDIDO, 1972, p. 804). Então, após os diversos pontos de vista levantados nos questionamentos, dispostos na abordagem metodológica, há apresentação de mapas de África e dos Continentes para que se dissipem fatos errôneos sobre África e também explicar sobre a dominação européia sobre

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os países colonizados. Em seguida, apresenta-se aos alunos o teor da Lei 12.519, de 10 de janeiro de 2011,

que institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro. A ação requer a percepção do estudante sobre a invisibilidade decretada ao povo negro, que sempre resistiu ao processo de escravização. Todo o processo educativo engloba as práticas de leitura, oralidade e escrita. Assim, após o debate, há registros dos principais pontos discutidos.

No próximo tópico, o professor lança aos alunos mais duas leis, questionando-os sobre que informações têm a respeito das mesmas. São elas: Lei 5.465, 3/7/1968 e Lei 12.711, 29/8/2012. Os dispositivos legais da primeira lei versam sobre cotas nas universidades, para filhos de fazendeiros, enquanto que os da segunda lei estabelecem cotas raciais e sociais, nas universidades públicas. O objetivo é destituir o senso comum por meio de informações que abalem as certezas dos alunos, pois

Se o historicismo positivista entende os fenômenos literários como determi-nados pelos fatos sociais numa relação de origem unilateral, em que a obra é sempre conseqüência e nunca causa, o conceito de historicidade da teoria recepcional é o de relação de sistemas de eventos comparados num aqui-e-a-gora específico: a obra é um cruzamento de apreensões que se fizeram e se fazem dela nos vários contextos históricos em que ela ocorreu e no que agora é estudada ( BORDINI; AGUIAR, 1993. p. 81.).

Na esteira desta proposta, o “aqui/agora” é relevante, porque no contexto histórico encontram-se inseridos os sujeitos estudantis. Na tarefa de leitura e discussão abrem-se cami-nhos em que é possível estabelecer relação entre os textos e o que eles repercutem no âmbito social. Os textos encontram-se distanciados no tempo e no espaço, porém “se confrontados no plano de sentido, revelarão relações dialógicas”( Bakhtin (1999, p. 354). Via esta que pro-move o intercâmbio entre os textos e a vida social. Com esses novos referenciais, o professor solicita que o discente analise a charge, produzida pelo cartunista Fabiano dos Santos.

A tarefa principia com as inferências pessoais e em seguida amplia-se pelos pareceres coletivos, com os seguintes questionamentos: do que se trata a imagem? Quem são os perso-nagens? Que leitura você efetua das expressões faciais das personagens? Quais argumentos se poderiam levantar com a grafia “Koizas da vida”? Levando em consideração os dois textos,

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contidos na charge, escreva sobre os implícitos neles contidos e acrescente seu ponto de vista. Logo em seguida, socialize suas ideias com os demais colegas da classe. Ainda sobre o assunto, elabore uma charge, de modo a provocar reflexão sobre o racismo. As produções dos alunos serão afixadas nos murais do estabelecimento de ensino.

Mediando o processo educativo, na sequência, o professor apresenta o vídeo do grupo musical Natiruts, na exibição da canção “Palmares 1999”, com o interesse de que os alunos comparem as características, as aproximações entre os gêneros estudados, com intuito de que aprofundem leituras e consigam perceber os implícitos, manobrados nos textos. Segue um trecho da melodia.

A cultura e o folclore são meusMas os livros foi você quem escreveuQuem garante que palmares se entregou?Quem garante que Zumbi você matou?

Perseguidos sem direitos nem escolasComo podiam registrar as suas glórias?Nossa memória foi contada por vocêE é julgada verdadeira como a própria lei

(...)

Com a canção na íntegra os alunos devem ser questionados sobre a voz que clama e pelo fato de estar em primeira pessoa. O que este dado nos revela? Qual a etnia do cantor? E os demais membros do grupo? O cenário remete a qual cultura? Qual o protesto levantado pelo cantor? De acordo com o IBGE os negros totalizam quase 51% da população brasilei-ra. Levando isso em consideração, pesquise e apresente os resultados, aos demais da sala de aula, dos seguintes dados: quantos Deputados Federais negros há em exercício no Congresso Nacional? E, no Senado? Com os resultados da pesquisa o que podemos concluir? Quais semelhanças há entre os textos abordados e, principalmente, com “Palmares 1999”?

Como já ressaltado, todo encaminhamento pedagógico levará em relevância os saberes dos alunos e se cumprirá na aquisição de novas fontes, sustentados nas práticas da oralidade, da escrita e da leitura como práticas discursivas, porque no “processo de ensino-aprendiza-gem, é importante ter claro que quanto maior o contato com a linguagem, nas diferentes esferas sociais, mais possibilidades se tem de entender o texto, seus sentidos, suas intenções e visões de mundo” (PARANÁ, 2008, p. 55). Nesse sentido, o próximo texto a ser dispo-nibilizado será um poema da poetisa, coreógrafa, folclorista, professora e estilista peruana, Victoria Eugenia de Santa Cruz Gamarra.

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Gritaram-me negra!

Me gritaram negra!

Tinha sete anos apenas,apenas sete anos,Como sete anos?!Não chegava nem a cinco!

De repente umas vozes na ruame gritaram negra!

Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!“Sou por acaso negra?” - me disseSIM!“O que é isso, ser negra?”Negra!Eu não conhecia a verdade triste que isso ocultava.Negra!E me senti negra,Negra!Como eles diziamNegra!E retrocediNegra!Como eles queriamNegra!E odiei meus cabelos e meus grossos lábiose olhei apequenada minha carne tostadaE retrocediNegra!E retrocedi...Negra! Negra! Negra! Negra!Negra! Negra! Neeegra!Negra! Negra! Negra! Negra!Negra! Negra! Negra! Negra!(...)E passava o tempo,e sempre amarguradaContinuava carregando às costasminha carga pesarosaE como pesava!

Alisei meu cabelo,pus pó-de-arroz na cara,e em minhas entranhas retumbava a mesma palavraNegra! Negra! Negra! Negra!Negra! Negra! Neeegra!

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Até que um dia em que retrocedia, retrocedia e estava prestes a cair

(...)

De hoje em diante não queroalisar meu cabeloNão queroE vou rir daquelesque para evitar - segundo eles -que para evitarmos algum dissaborChamam os negros de gente de corE de que cor?!NEGRO

E como soa lindo!NEGROE olha esse ritmo!

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRONEGRO NEGRO NEGRO NEGRONEGRO NEGRO NEGRO NEGRONEGRO NEGRO NEGRO

(...)(tradução de Ricardo Domeneck)

Será ofertada aos alunos o texto escrito, na íntegra, e a exibição do vídeo com a tea-tralização do poema. Posteriormente, o professor promoverá discussão a respeito do texto poético, incentivando o aluno a levantar ideias sobre o conteúdo e estabelecer contato com os demais gêneros trabalhos no decorrer das aulas, de forma que perceba o estreitamento entre a literatura e os fatos sociais, já que eles “não pode(m) ser apreensíve(is) somente em sua constituição, mas em suas relações dialógicas com outros textos e sua articulação com outros campos: o contexto de produção, a crítica literária, a linguagem, a cultura, a história entre outros” (PARANÁ, 2008, p. 57).

Pensando nisso, a análise do poema se pontua nos seguintes direcionamentos: em que pessoa o poema é narrado? Isso faz a diferença. Por quê? Que semelhança há entre a canção “Palmares 1999” e “Gritaram-me negra!”. Como os eu-líricos desses textos se comportam frente a situação política social? Com referência nos textos estudados e, principalmente, nos dois últimos, componha um texto dissertativo orientando-se pela assertiva: “não lutamos por integração ou por separação. Lutamos para sermos reconhecidos como seres humanos” (Malcolm X). Depois, as produções serão lidas para os demais e afixadas nos murais da escola.

No momento seguinte, o professor oferta ao estudante o fragmento a seguir.

Quando Ponciá Vicêncio viu o arco-íris no céu, sentiu um calafrio. Recordou o medo que tivera durante toda a sua infância. Diziam que menina que pas-sasse por debaixo do arco-íris virava menino. Ela ia buscar barro na beira do rio e lá estava a cobra celeste bebendo água. Como passar par o outro lado? Às vezes, ficava horas e horas na beira do rio esperando a colorida cobra do ar desaparecer. Qual nada! O arco-íris era teimoso! Dava uma aflição dana-

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da. Sabia que a mãe estava esperando por ela. Juntava, então, as saias entras as pernas tampando o sexo e, num pulo, com o coração aos saltos, passava por debaixo do angorô. Depois se apalpava toda. Lá estavam os seinhos, que começavam a crescer. Lá estava o púbis bem plano, sem nenhuma saliência a não ser os pêlos. Ponciá sentia um alívio imenso. Continuava menina. Passara rápido, de um só pulo. Conseguira enganar o arco e não virara menino (EVA-RISTO, 2003, p.13).

Posteriormente, os alunos lerão o livro Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo. Há o intuito de que percebam na trama a discussão em que a autora analisa a identidade e a comple-xidade humana, por intermédio das personagens, visto que a literatura “não corrompe nem edifica portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver” (CANDIDO, 1972, p. 805-806).

O destaque que Candido confere ao evento literário, fomento que pode contribuir para humanizar e transformar o homem e a sociedade pode ocorrer na seleção de textos, eleitos neste plano de aula. Isto porque, com a mediação docente, o estudante é mobilizado a deles participarem, como sujeitos da leitura, da escrita e da oralidade, de modo a instigar-lhes a consciência e a tomada de decisões, frente a si mesmo, ao colega e a sociedade.

Os símbolos espalhados em Ponciá Vicêncio remetem à cultura africana, razão de que será solicitada ao aluno pesquisa sobre a autora e sobre os elementos sagrados de religiosida-de angolana, como os seres míticos, “angorô” ou Oxumaré e Nanã. A respeito do arco-íris, explica-nos que

É a cobra sagrada presente em todas as civilizações antigas. O princípio da sabedoria: a cobra que morde o próprio rabo, fazendo um ciclo, simbolizando o infinito.

A corruptela da palavra Hongolô , que significa arco íris, ou réptil, é Angorô, nome pelo qual esta divindade é conhecida nos candomblés de Angola/Con-go. Surge da água em evaporação. O seu caminho é muito próximo da Senho-ra das Águas doces, Mam’etu Ndandalunda, chegando a se confundir, já que estão ambos no reino das águas e da fecundação (Tata Ngunz’tala, 2009, < ocandomble.wordpress.com >).

A questão de vida e morte é frequente na narrativa, há indícios de que se trata de

Nanã, a deusa dos mistérios, é uma divindade de origem simultânea à criação do mundo, pois quando Odudua separou a água parada, que já existia, e libe-rou do “saco da criação” a terra, no ponto de contacto desses dois elementos formou-se a lama dos pântanos, local onde se encontram os maiores funda-mentos de Nana. (...) Senhora de muitos búzios, Nana sintetiza em si morte, fecundidade e riqueza.(...) Sendo a mais antiga das divindades das águas, ela representa a memória ancestral do nosso povo: é a mãe antiga (Iyá Agbà) por excelência. É mãe dos orixás Iroko, Obaluaiê e Oxumaré, mas por ser a deusa mais velha do candomblé é respeitada como mãe por todos os outros orixás (ocandomble.wordpress.com).

Este plano, em conformidade com a Lei 10.639/2003, aponta diretrizes para valorizar e ressaltar a presença africana na sociedade ao trazer as vozes, negadas, distorcidas e/ou silen-ciadas nos diversos meios de divulgação das ideias. Com isso, almeja-se inibir qualquer ato de discriminação e preconceito racial, ao tornar “audíveis” o clamor da luta do povo negro nas diversas instâncias sociais.

Então, a gama de materiais disponibilizados pelo professor aos alunos objetiva pro-

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blematizar o preconceito seja a partir do auto-reconhecimento seja analisando o contorno social. Nesta medida, os textos são parâmetros de compreensão para as tais circunstâncias, ao aprofundar a reflexão, visando a afirmação da igualdade de direitos que devem ser comuns a todos, bem como os deveres que partem do individual para o coletivo, ou seja, a responsabi-lidade de todos consigo próprios e com os outros.

E um dos férteis caminhos para o preconceito ao negro reside no aspecto de inferio-rização e também no religioso. Os deuses africanos foram transportados para o Brasil nos corpos e mentes de seres humanos comercializados como escravos, oriundos, sobretudo de países como Angola, Moçambique, Nigéria, dentre outros. A manifestação de fé às entidades religiosas africanas foi alvo de perseguições e ainda hoje as cenas de intolerância religiosa fazem parte do cotidiano.

Fatores que serão problematizados em sala de aula, com referência aos gêneros ele-candos para esta ação pedagógica. E no item final, os alunos lerão, extraclasse, a obra de Conceição Evaristo, que será antecedida com a pesquisa acerca da autora. Eles deverão fazer aproximação entre ela e os eu-líricos presentes em “Palmares 1999” e “Gritaram-me negra!”, além de inferirem sobre os signos da cultura africana que permeiam todos os textos estuda-dos, estabelecendo significados que os unem.

Em relação a Ponciá Vicêncio haverá amplo debate com levantamento dos principais pontos do romance, tais como: a voz feminina que emana da trama/drama e a subjetividade que a caracteriza, brotada de uma discursividade específica. Observando o lugar provenien-te desta voz e de outras que saltam da narrativa, marcadas pela etnicidade. O aluno deverá contrapor esses dados, também amparados nos textos anteriores, com os fatos atuais, na ex-pectativa de que agindo como sujeitos seus testemunhos e atitudes possam fortalecer ações afirmativas, na superação de procedimentos racistas, intolerantes.

Conclusão

Neste plano de aula os esforços se concentram em atender os encaminhamentos da Lei 10.639/2003, na questão de contribuir para ações afirmativas em sala de aula e inibir qual-quer forma de preconceito em relação ao outro. Para isso, se justifica a seleção do repertório textual a ser trabalhado com o aluno, numa dinâmica respaldada no Método Recepcional.

Deve-se observar atentamente cada etapa do método, a fim de garantir o sucesso, ou seja, aumentar a capacidade leitora do aluno, nas mais diversas abstrações, para posterior exercício nas tomadas de decisões, no âmbito social. Por isso, é necessário atentar-se para o equilíbrio e dosagem dos materiais, com o intuito de motivá-lo a prosseguir na ação de leitura, para aquisição de novas experiências.

Assim, os alunos/leitores devem refletir sobre cada texto disponibilizado, e ao compa-rar cada etapa do Método Recepcional, deverão avaliar qual delas apresentou maior grau de dificuldade e aquela que lhe facultou em maior satisfação. Para alcançar essa meta, eles serão instigados, pelo professor, a participar ativamente do processo, na emissão de seu ponto de vista, a contra argumentar, com elementos apreendidos com os textos analisados, agindo de modo respeitoso para com o colega.

Do mesmo modo, será incentivado a produzir textos, resultante da leitura e investiga-ção do material estudado. “Numa sociedade desigual, os problemas de leitura se diversificam conforme as características de classe. As soluções passíveis se orientam para o pluralismo cul-tural, ou seja, a oferta de textos vários, que dêem conta das diferentes representações sociais” (BORDINI; AGUIAR , 1993, p. 13).

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Por intermédio destas “diferentes representações sociais”, o aluno/leitor adquire cons-ciência e amplia seus horizontes de expectativas, estando aberto a tomadas de decisões, num maior grau de conhecimento, favorecido por meio da experiência com a literatura. Por isso, ao final professor e alunos/leitores planejarão uma exposição à comunidade interna e exter-na, com a finalidade de divulgar as atividades desenvolvidas, tais como: seminário, teatraliza-ção, jogral, declamação de poesias, dentre outras.

A escola, como instituição de socialização dos conhecimentos, é um espaço público e seus agentes, os educadores, devem estar preparados para respeitar as culturas dos educandos e combater qualquer expressão de violência, prezando, desta forma, a dignidade humana.

BIBLIOGRAFIA

BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frateschi. 9 ed. São Paulo: Hucitec, 1999.

BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura - a formação do leitor: alterna-tivas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

_______.A literatura e a formação do homem. Revista Ciência e Cultura, nº 9, vol. 24, São Paulo, set. 1972.

CRUZ, Victoria Santa. Gritaram-me negra! Tradução de Ricardo Domeneck. Disponível em: < re-vistamododeusar.blogspot.com.b>. Acesso em 22/1/2016.

_______. Gritaram-me negra! Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=RljS-b7AyPc0>. Acesso em 22/1/2016.

Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 22/1/2016.

EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2003.

Mapa de África. Disponível em: <http://pt.depositphotos.com/>. Acesso em 22/1/2016.

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Palmares 1999. Natiruts. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br>. Acesso em 22/1/2016.

PARANÁ. Secretaria de Estado Da Educação do Paraná. Diretrizes Curriculares da Educação Básica Língua Portuguesa. Curitiba, 2008.

SANTOS, Fabiano. Charge sobre s consciência negra. Disponível em: <cantinholiterariososriosdo-brasil.files.wordpress.com>. Acesso em 23/1/2016.

TATA NGUNZ’TALA Hongolô / hongolo menha (Angorô)- A cobra sagrada. Publicado em 18/12/2009. Disponível em: < ocandomble.wordpress.com >. Acesso em 24/1/2016.

Nanã. Disponível em: < ocandomble.wordpress.com >. Acesso em 24/1/2016.

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No ano de 2013, enquanto fazia a pesquisa para a realização de um filme documentário sobre a cultura popular de Londrina, discutia junto à equipe a importância de incluirmos na pesquisa alguma fala da comunidade Kaingang, que sempre víamos caminhando pelas ruas da cidade, muitos deles vendendo suas cestarias. Para nós, naquele momento se tornou percep-tível a nossa grande ignorância sobre a cultura indígena e o marcante estado de invisibilidade dos mesmos na cidade, por mais que a região do que hoje chamamos de Londrina tenha sido já milênios lugar de vivência e passagem dos Kaingang.

Essa percepção nos fez procurar desenvolver um projeto de criação audiovisual dentro da comunidade indígena Kaingang da Terra Indígena Apucaraninha, o que acabou resultando em um processo de educação da linguagem cinematográfica e posteriormente na criação de uma espaço museal indígena, o “Centro de Memória e Cultura Kaingang”1.

Nesse texto apresentamos um resumo do histórico e alguns aprendizados que tivemos na confecção destes projetos e ações. E concluímos que a principal discussão que entrelaça nossas ações é o debate sobre a “memória”, em uma perspectiva de “museologia social”. E que a discussão da memória é, no fundo, um grande processo educacional dos pesquisadores e dos indígenas envolvidos.

O povo Kaingang

Os Kaingang somam hoje, aproximadamente, 35 mil pessoas, sendo um dos mais nu-merosos povos indígenas do país em contingente populacional, pertencem à família de tron-co etnolinguístico “Macro-Jê” (um dos quatro troncos linguísticos do Brasil, além do Proto-Tupi, do Aruak e do Karib) e junto aos índios Xocleng formam o grupo etnolinguístico dos “Jê meridionais”. Hoje, os grupo com o qual trabalhamos (Terra Indígena Apucaraninha) compreende que a seu povo deve ser chamado de “Kaingang” porém na língua portuguesa, e que na linguagem interna eles se autodenominam “Kanhgág” (lê-se “caingã”).

Atualmente, residem em aldeamentos ou em cidades da região sul e sudeste do país. Estudos arqueológicos apontam para a chegada dos Kaingang à região Sul do país, há aproxi-madamente 3 mil anos. Até o início do século XIX, os índios Kaingang da bacia do rio Tibagi formavam uma única sociedade e seu território compreendia toda a bacia, sendo que a relação de parentesco das comunidade do entorno da bacia do Tibagi ainda é viva e base até os dias

1 Página na internet do “Centro de Memória e Cultura Kaingang”: www.cmckaingang.blogspot.com. Os indí-genas também mantém uma página no site Facebook.

A memória como processo educacional entre indígenas e não-indígenas:

O caso do “Centro De Memória E Cultura Kaingang”

Luis Henrique Mioto

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atuais.2 (TOMASINO, 1995) O território da TI Apucaraninha atualmente totaliza uma área de, aproximadamente,

6.000 hectares, localiza-se a 80 km da região sul de Londrina e a 25 km do centro da cidade de Tamarana-PR. Seu território é limítrofe entre os rios Tibagi, a oeste, seus afluentes rio Apucarana Grande ao sul e rio Apucaraninha ao norte. Atualmente, a TI Apucaraninha é dividida em quatro aldeias: a aldeia Sede, onde reside a grande maioria da população, a aldeia Barreiro, com aproximadamente vinte famílias e a aldeia Água Branca, a mais recente (criada em 2011), que comporta cerca de oitenta famílias. A outra e a menor das aldeias, a Serrinha, margeia a estrada que dá acesso à aldeia Sede e comporta cerca de dez famílias. Os Kaingang lutam pela ampliação das áreas de demarcação da TI, pois consideram que o atual território não suporta o contingente populacional cada vez mais crescente.

Tradicionalmente os Kaingang são caçadores e coletores e em menor escala também cultivam plantas alimentícias em suas roças de coivara, em que cultivam diversas espécies de milho, batatas, abóboras, feijões, etc. Hoje, porém, devido a diversos fatores de configuração interna e externa à comunidade (como por exemplo a degradação ambiental, a incorporação de hábitos alimentares dos não-índios, arranjos produtivos, econômicos e culturais que in-terferem na vida indígena) a sobrevivência não se dá exclusivamente dos recursos naturais provenientes do manejo da floresta. A importância destes espaços tradicionais tem sido res-significada, uma vez que estes se constituem em espaços de resistência cultural, de memória, saberes e fazeres rituais de seus ancestrais. Áreas de remanescentes de matas e campos são celeiros de matéria-prima para a fabricação de cestaria, de ranchos e também fontes de plan-tas medicinais. Nas encostas fazem suas roças familiares e nas margens dos rios pescam e acampam.

Com a proximidade entre a Terra Indígena e as cidades, a significativa degradação da fauna e flora, a entrada de diversas denominações religiosas, a oferta dentro das TIs de servi-ços públicos de saúde e educação, a influência dos produtos da cultura de massa é perceptível a incorporação de diversos elementos estrangeiros à cultura tradicional Kaingang. Verifica-se entre os Kaingang, porém, uma forma particular de interpretar e atribuir sentido ao mundo e a esses elementos, incorporando-os à sua cultura, eles constituem-se em atores de sua própria história. Acreditamos que os Kaingang reafirmam sua cultura mesmo quando modificam suas práticas ao longo da história, não de forma aleatória, mas atribuindo sentido aos eventos de modo próprio, relativo às suas tradições culturais orientados por sua cosmologia, sua mi-tologia e forma própria de organização social.

Invisibilidade da presença, da fala e da memória indígena

Hoje sentimos e compreendemos mais de perto as estratégias paradigmáticas dos dis-cursos hegemônicos das instituições representantes da “memória oficial” local que criam o estado de invisibilidade da cultura indígena.

Espaço oficiais de memória da cidade, livros de história local, a pouca inclusão no con-

2 Hoje, a comunidade da bacia do rio Tibagi é demarcado em cinco Terras Indígenas (chamamos pela sigla “TI”): a TI Barão de Antonina, a TI São Jerônimo da Serra, a TI Apucaraninha, TI Mococa e a TI Queimadas. Entre elas é incontestável haver uma “unidade cultural”, o que é bastante evidente quando se leva em conta a migração que existe entre os moradores destas TIs, também com relação à quantidade de parentes residentes em cada uma delas, bem como as constantes visitas que os Kaingang destas TI´s fazem umas às outras.

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teúdo dos currículos escolares, entre outros fatores, acabam por praticamente não incluírem a temática indígena, se incluem o fazem com pouca profundidade e contato, com muitas generalizações pouco aprofundadas. Quase não entramos em contato com o discurso do próprio Kaingang, em nossos materiais de pesquisa (textos e livros acadêmicos inclusive) encontramos quase sempre um discurso “sobre os indígenas”, realizado por pesquisadores não-indígenas. As pesquisas quase nunca retornam seus resultados as comunidades, para que as mesmas tenham acesso ou avaliem sobre o que foi dito sobre elas, assim os conceitos sobre os indígenas são pensados com pouca presença da reflexão que o próprio indígena tem de si.

Hoje, após cinco anos de trabalho junto à comunidade Kaingang percebemos essas problemáticas. Porém, lá em 2013, buscávamos justamente isso: criar uma obra “sobre os indígenas”, uma criação artística, um filme de autor não-indígena, uma obra de um artista in-dividual buscando sua própria pesquisa estética, mesmo há anos trabalhando o cinema junto a comunidades periféricas e buscando potencializar a “memória periférica”3, mesmo com essa proposta estética e visão política de cinema, foi somente quando nos aproximamos da comu-nidade indígena para realizarmos os primeiros registros e que percebemos a importância de se trabalhar a partir da visão do próprio indígena.

A importância da participação do indígena na criação da pesquisa

Foi quando ampliamos nossas visitas a Terra Indígena Apucaraninha, a cada registro da comunidade e depoimento colhido percebíamos o vazio da afetividade das cenas.

Em um documentário a força dos depoimentos a força dos depoimentos está direta-mente ligado com a profundidade da relação afetiva sincera que se estabelece entre o cineasta e o depoente. Essa profundidade não se estabelecia muito com os Kaingang nesse momento inicial, por mais que explorássemos todas nossas técnicas de disparo de falas, as falas sem-pre nos pareciam enfraquecidas, um tanto falseadas, nos sentíamos construindo de forma invasiva as cenas, apressado, quase sem resposta afetiva da comunidade que parecia pouco empolgada com a proposta de nosso filme.

Hoje, em nossos aprendizados nessa relação ao longo dos anos, percebemos a des-confiança que os indígenas possuem com projetos e pesquisas propostos por não-indígenas, sempre focados nos objetivos estéticos ou científicos do pesquisador não-indígena que atuam buscando uma resposta que se encaixe em sua pesquisa, os desejos dos indígenas quase não

3 Durante os anos de 2009 até 2013, o autor, coordenando o grupo “Ahoramágica Cinema & Memória”, já havia realizado três longas-metragens documentário junto a comunidades periféricas de Londrina, sujeitos em situação, comunidades de bairros periféricos, agentes da cultura popular, sujeitos de singularidades psíquicas, etc. O foco de nosso trabalho sempre foi desenvolver trabalhos em cinema junto ao que denominamos de “periferia da memória”. (Para acessar as obras e informações sobre os projetos da “Ahoramágica Cinema & Memória” acessem a página virtual www.ahoramagica.blosgpot.com).Esse termo, “periferia da memória”, é formulado em contraposição às “memórias oficiais” hegemônicas. Histórias invisibilizadas, de sujeitos e comunidades que estão deslocadas do acesso ao poder econômico, político ou/e buro-crático, mas também do padrão comportamental e psicológico comum. Buscamos perceber estes sujeitos mescla-dos na periferia da memória como potência, em nosso trabalho não há o objetivo de denúncia social simplesmente, mas sim de perceber as potências que fazem com que um sujeito não seja aceito na memória oficial. A “periferia da memória” nem sempre está territorializada na “periferia geográfica” da cidade, muitas vezes circu-lam e habitam nas regiões centrais, mas não possuem acesso aos espaços e serviços privados ou públicos do centro urbano. Criam, então, suas próprias trilhas singulares e maneiras inéditas de circularem pela região. Sentimos assim a comunidade indígena transitando, de maneira única, específica, própria, pelas regiões centrais dos centros urbanos.

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são considerados e a obra artística ou o produto resultante se concretiza estranho às deman-das estéticas, às demandas de uso da comunidade, ou às demandas de conhecimento dos in-dígenas. Já presenciamos na TI Apucaraninha, por exemplo, muitas construções e projetos de espaços que foram concebidos por não-indígenas, com intensões de beneficiar os Kaingang até, mas que os prédios e produtos resultantes ou são subutilizados ou são usados de formas bastante diversa do objetivo do projeto inicial. O filme que estávamos fazendo fazia sentido para aquela comunidade? Era socialmente relevante? Antes de qualquer coisa o filme ou a pesquisa tem de ter importância para a comunidade que se está inserindo.

Percebemos que para acessar a intimidade daqueles Kaingang somente um outro Kain-gang o faria. O projeto, então, centrou na capacitação de indígenas na linguagem do cinema. Atualmente o grupo é formado por nove (9) indígenas4.

As imagens que vinham registradas pelos indígenas tinham vários problemas técnicos (muito tremidas, problemas de captação de áudio, iluminação inadequada, etc.) mas o conte-údo dos depoimentos e histórias que traziam foram sempre muito surpreendentes.5 Cabia a nós realizar exercícios práticos para melhoria técnica das captações, iniciamos um processo educativo de capacitação em movimento de câmera, captação de áudio, noções de enquadra-mento, uso de tripé, etc.

Os usos do cinema pelos Kaingang

Esses registros indígenas de sua própria comunidade nos revelavam trejeitos espontâ-neos dos Kaingang como nunca tínhamos visto pessoalmente. Aspectos cotidianos inacessí-veis para nós não-indígenas (como baladas noturnas dentro da comunidade, as brincadeiras entre eles, o cotidiano interno das casas etc.), bem como as falas dos antigos da comunidade (que sempre se negavam a contar suas histórias para nós) aos poucos foram sendo um dos temas de filmagens que o grupo mais buscava. Essas imagens também mostravam uma co-munidade indígena interagindo com os produtos da indústria cultural de massa (músicas de rádio, aparelhos eletrônicos, automóveis, motocicletas, comidas industrializadas, apropriação da moda de estrelas da mídia, campeonatos de futebol, etc.) e com forte vínculo com as novas igrejas evangélicas. São imagens que quebravam a imagem ingênua que tínhamos dos

4 As ações do projeto de cinema junto aos Kaingang da Terra Indígena Apucaraninha tiveram a inciativa de Luis Henrique Mioto, durante o processo inicial vários colaboradores estiveram presentes. O projeto se desen-volveu de 2014 a 2016 somado a mais dois pesquisadores, o antropólogo Eduardo Tardeli e o etnomusicólogo Rafael Rosa. Em 2017, Rafael saiu do grupo e foi substituído pela pesquisadora Fernanda Nasser. Afora esses três pesquisadores não-indígenas, participam atualmente do projeto os Kaingang Silas Nivyg Pereira, Rosana Nirygtánh dos Santos, Joaquim Terezo Kó Koj Armandio, Douglas Noján Cândido, Cleber Kronun de Almeida, Armando Kóvg Prág Zacarias, Débora Eulália Nén Prag Atanásio da Silva, Jaqueline Kómóg Marcolino e o ancião João Maria Rodrigues Tapixi. O projeto já foi aprovado em editais em níveis municipal, estadual e federal. Sendo contemplado no programa “Pontos de Memória” gerido pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ministério da Cultura), tem também financiamen-to do programa de indenização “Vehn Kar” (gerido em parceria entre os indígenas e a Companhia Paranaense de Energia – COPEL) e do Programa de Fomento e Incentivo a Cultura do Paraná – PROFICE, bem como aprovado com projeto no “Programa Municipal de Incentivo à Cultura de Londrina” - PROMIC. Os projetos são construídos em diálogo com os indígenas, buscando uma capacitação dos mesmos para que consigam gerir seus projetos em busca de autonomia financeira do CMCK.5 Atualmente, a memória do hard-disk do grupo possui em seu acervo mais de três (3) terabyte de arquivos das filmagens que realizaram. Um importante e representativo acervo em audiovisual sobre a cultura indígena.

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indígenas, mas revelavam maneiras singulares de interagirem com estes produtos de massa e o discurso neopentecostal das novas igrejas, formas próprias de ressignificarem esse uso que nos fazia perceber as características únicas daquela comunidade interagir e se apropriar daqueles produtos e das novas religiões, absolutamente diferente da maneira não-indígena interagir com estes aspectos. A equipe de filmagens indígena que se confeccionava, formada por jovens, fazia questão de mostrar seu cotidiano espontâneo nas filmagens, a vida sendo vivida no presente de sua comunidade. Essas imagens causavam grande interesse nos jovens da comunidade, nas exibições cineclubistas que realizávamos nos espaços públicos das aldeias da comunidade, mas causava estranhamento, também. As imagens mostram o humor singular dos Kaingang, as formas próprias de diálogo entre eles6. Filmar foi se tornando diversão para os Kaingang.

A outra principal leva de filmagens trazidas era, os depoimentos dos antigos da comu-nidade. Histórias filmadas dentro da casa dos velhos Kaingang, sobre o passado da comuni-dade e sobre aspectos e saberes tradicionais da cultura. Percebemos, então, a imensidão da riqueza cultural Kaingang, narradas pelos próprios agentes e principais conhecedores de sua cultura, narradas com as expressões e conceitos próprios. Cada termo que os antigos usavam para falar sobre sua cultura acabava por gerar grande debate em roda com o grupo.

Em diversas falas do grupo de filmagens e das lideranças foi nos passado que o registro das histórias e do conhecimento dos antigos era urgente e uma das principais funções da equipe cinema Kaingang. Filmar passava a ser urgente e importante para a comunidade.

Logo as lideranças passaram a perceber a força da linguagem audiovisual como ins-trumento político. Passaram a convocar a equipe de filmagens para participar de reuniões burocráticas com gestores públicos, a filmadora ali presente empunhada por um indígena intimidava as falas de algum gestor que pudesse estar agindo de má fé na ocasião. Em todos protestos e manifestações de reivindicação das causas da comunidade, a equipe de filmagens também passou a ser exigida como imprescindível à luta, registrar a luta protegia os mani-festantes de qualquer abuso de coação policial. Filmar passava a ser instrumento de luta, a filmadora empunhada como arma na guerra.

As lideranças passaram a exigir, também, que a equipe registrasse os eventos sociais grandes (as festas, as reuniões, os mutirões, etc.). Nesse ponto, os indígenas da equipe esta-vam sobrecarregados já, com muitas demandas de registro. Filmar passou a ser imprescindí-vel para a comunidade.

O aprendizado sobre o papel do pesquisador-artista na comunidade

Ou seja, o filmar e fazer filmes extrapolaram nossas intenções iniciais com o projeto. A comunidade se apropriou da linguagem do audiovisual de maneira singular, específica daquela comunidade, fazem dela o uso que lhes convém. Isso nos faz pensar constantemente sobre o nosso papel de pesquisador-artista dentro de uma comunidade.

Cito o termo “pesquisador-artista” porque o objetivo inicial de termos chegado na comunidade para a realização de um filme “sobre os indígenas” se transformou muito após o contato que fomos tendo com os mesmos. Percebemos que nosso trabalho, como “cineasta” estava bastante ligada com uma pesquisa etnográfica e como historiador. Percebemos que

6 Os Kaingangs da TI Apucaraninha falam prioritariamente na língua kaingang e tem como segunda língua o português, que muitos deles falam com dificuldade, muitos antigos quase não falam o português.

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a obra cinematográfica que estávamos buscando realizar, para possuir as imagens com a po-tência afetiva que buscávamos teria necessariamente contar com a participação dos próprios indígenas, filmando o que eles queriam filmar. Passaríamos a colaborar muito mais no aspecto técnico e conceitual do que na participação efetiva do momento da filmagem. A cenas teriam que ser filmadas e pensadas pelos próprios indígenas.

Sistematizamos essa multiplicidade de registros iniciais em uma obra cinematográfica, como resultado do projeto. O processo de edição sendo realizado por nós, não-indígenas, mesmo que a cada versão das cenas sempre trouxéssemos para a equipe indígena analisar e a comunidade dar suas contribuições, a edição dessa obra acabou por ser extremamente di-recionada por mãos não-indígenas. O resultado foi o longa-metragem “Ẽg Ẽn: Nossa Casa” (estreado em 2015), que consideramos um filme de co-criação entre indígenas e não-indíge-nas, pois todas as cenas foram realizadas pelos Kaingang, mas a direção da montagem fora quase inteiramente conduzida e concebida pelos não-indígenas do projeto.

Esse longa-metragem acabou ganhando um papel central para pensarmos nosso papel de pesquisador-artista colaborador da comunidade. A recepção desta obra junto aos não-indí-genas nos revelou discussões profundas sobre os limites éticos dos processo de realização de um filme. Por exemplo, o pouco que foi incluído nas cenas do filme de aspectos de cultura de massa presentes no cotidiano Kaingang chamaram em demasiado a atenção dos não-indíge-nas que viam nessas cenas aspectos de “enfraquecimento” da cultura indígena, ou aculturação das mesmas. A fala do público expectador da obra, nos debates que seguiam a exibição, de-clarava um compadecimento ao fato de os indígenas estarem “perdendo sua cultura”. Porém, tentávamos explicar que não víamos os Kaingang dessa forma, pelo contrário, nossa vivencia na comunidade nos fez reconhecer a riqueza e força da cultura Kaingang e para nós o filme buscava revelar a forte presença da cultura tradicional indígena na comunidade da Apucarani-nha e nas poucas cenas que mostravam os indígenas interagindo com aspectos da cultura de massa tinham como intenção romper com uma visão “idílica” e inocente da cultura indígena e apresentar um pouco da maneira própria e singular que os indígenas se apropriavam desses aspectos. Porém, em sua maioria, o público sentiu nas cenas do filme uma aculturação ne-gativa dos Kaingang. Isso nos revelou uma necessidade de aprofundar a discussão do limite ético da criação de um filme sobre uma comunidade, nós tínhamos grande responsabilidade sobre a imagem daquele povo.

A discussão de como os indígenas queriam aparecer nas imagens de seus filmes passou a ser trazida com maior cuidado nas discussões com os mesmos. Que imagens os indígenas queriam de si?

O filme “Ẽg Ĩn: nossa casa” não foi uma obra totalmente apropriada pela comunidade como sendo um filme deles. O ritmo da edição, as cenas como foram montadas nesse filme, apresentam uma multiplicidade geral da comunidade, mas não aprofunda nos aspectos cul-turais ou em algum depoimento ou história. A comunidade acolhia muito mais, nas sessões cineclubistas, as cenas cruas, sem edição do que o próprio filme editado. Os Kaingang, penso hoje, querem ver filmes mais pontuais sobre os aspectos de sua cultura (o “Ẽg Ĩn” trata de muitos assuntos ao mesmo tempo), com cenas mais contemplativas, queriam ouvir as histó-rias de forma integral, os cortes múltiplos e as amarrações poéticas velozes do “Ẽg Ĩn” eram distantes do interesse deles. O “Ẽg Ĩn” foi um marco em instigar os indígenas a fazerem os filmes que queriam fazer, a partir dele a equipe indígena começou a discutir quais as temáticas que queriam levantar para compor seus próprios filmes, perceberam o muito que se tem para pensar sobre a própria comunidade, e até hoje a estética do “Ẽg Ĩn” é paradigmática na esté-

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tica dos filmes que criam, porém hoje já sentimos o nascimento de uma linguagem própria, um cinema Kaingang genuíno.

Se esvaziou o sentido de se fazer um filme “sobre a comunidade” por completo. Nos ficou claro que para haver potência afetiva em um filme sobre os Kaingang o filme não só teria que ser filmado pelos Kaingang, mas também editado pelos Kaingang. A necessidade da interferência de nós não-indígenas pesquisadores-artistas colaboradores da comunidade como montadores das imagens deles perdeu o significado de ser, visto que – nesse ponto que estávamos – a linguagem e importância do cinema já estava apresentada e estabelecida e a própria concepção de o que seria um “documentário” já estava assimilada pelos indígenas. O nosso papel na comunidade começou a ser de instigar a autonomia da linguagem cinema-tográfica dos indígenas, buscando capacitá-los tecnicamente na edição audiovisual. Tecnica-mente, mas também conceitualmente, aprofundando as discussões sobre a memória e cultura da comunidade nos debates que mantínhamos a partir dos registros, e também trazendo mais referências estéticas de outros autores e outras obras em cinema, ajudando-os a ampliar o horizonte de referência estética e de pensamento sobre suas obras.

Outro papel importante que se instaurou na nova configuração que se desenhava era o papel de manutenção da ação do cinema dentro da comunidade, nosso papel era de buscar mais projetos e recursos financeiros para o grupo, mais equipamentos, mais estrutura. E tam-bém de buscar, politicamente, ampliar a percepção da própria comunidade e das lideranças da comunidade da importância daqueles registros.

Atualmente cada um dos membros da equipe indígena estão desenvolvendo seus pró-prios filmes, cada um com uma pesquisa específica e descobrindo sua estética própria. Du-rante este processo o grupo de cineastas indígenas tiveram liberdade para o manuseio da câmera para descobrir seu estilo pessoal de filmagem e para, posteriormente, descobrir o interesse temático sobre “o quê” filmar. Qual memória precisava – segundo o entendimento deles – ser registrada e valorizada, até onde iria a exposição dos cotidiano do lugar, o que poderia ou deveria ser filmado. Foram levantadas questões sobre o olhar, os sentimentos, os valores da comunidade, seus parentes, suas histórias, suas vidas. Durante estes exercícios de investigação tem surgido documentários realizados inteiramente pelos indígenas, desde sua roteirização, filmagem, até a edição.7

Todo o material registrado é exibido para a comunidade, em sessões cineclubistas de alguns trechos das filmagens editadas, criando um diálogo com todos. A comunidade, hoje, cobra os indígenas da equipe a estarem presentes, filmando todos os eventos marcantes, depoimentos, histórias, manifestações, a todo momento. Esses registros circulam entre pa-rentes, inclusive de T.I.s distantes, é um cinema vivo, cheio de laços de afeto, de extremo in-teresse de uma comunidade própria. Essas filmagens têm significados muito singulares entre os espectadores “parentes”.

A criação do Centro de Memória e Cultura Kaingang

Todas essas ações e projetos deste grupo acabou por resultar na criação (em 2015) do “Centro de Memória e Cultura Kaingang” (CMCK), que é coordenado pelo mesmo grupo de indígenas da comunidade da Ti Apucaraninha que vinham participando nos últimos anos

7 Alguns destes filmes podem ser acessados on line pela página virtual do “Centro de Memória e Cultura Kaingang”, no link: www.cmckaingang.blogspot.com.

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dos projetos de capacitação audiovisual, ampliando sua capacidade de reafirmação cultural. Desenvolvido dentro da aldeia sede da Terra Indígena Apucaraninha, duas vezes por

semana a equipe desenvolve seus trabalhos em uma sala dentro de um prédio gerido pela comunidade que tem funções político-burocráticas que chamam de “escritório”, e que foi transformada em um centro de estudos sobre a memória comunitária indígena8. Nos nossos encontros acontecem diálogos sobre os conceitos de “memória”, “cultura”, “alteridade” e a importância dessas temáticas para a comunidade, buscando fortalecer e discutir a valorização de seus saberes, lembranças e valores. Reflete-se com os indígenas sobre a “memória” dos seus antigos, seus saberes tradicionais, a relação e o conflito com os saberes dos mais novos, bem como se problematiza a mescla da cultura “não-indígena” no cotidiano da comunidade. 9

O CMCK é um espaço de cuidado e fortalecimento da cultura tradicional e contem-porânea dos Kaingang. Espaço onde se guarda e cria acervos de memória kaingang e demais culturas indígenas. Espaço onde se promove debates, ações, pesquisas, circulação e projetos sobre a memória e cultura kaingang. Espaço de capacitação de agentes culturais Kaingang. Espaço de exposição da memória material da comunidade da TI Apucaraninha. Espaço de encontro e troca cultural da comunidade. Um museu indígena dentro de território indígena, desenvolvido dentro de uma perspectiva de “museologia social”10.

O CMCK acolhe em sua coleção museal os registros audiovisuais realizados pelos in-dígenas, seus filmes, alguns objetos tridimensionais (cestarias, armas, cerâmicas), painéis, ex-pográficos e uma pequena biblioteca. Porém, a organização das visitas ao espaço, iniciada há pouco tempo (desde o fim de 2017), abre para visitações mensais. Os indígenas recepcionam os visitantes (estudantes, professores e pesquisadores ou curiosos) em sua prédio sede, porém o espaço de exposição museal ultrapassa as paredes do prédio. As visitas são guiadas por al-guns lugares históricos da comunidade, como a praça central da aldeia sede, a cadeia, as esco-

8 Recentemente a comunidade vem fazendo reuniões para a construção do prédio sede do CMCK, que já possui o projeto arquitetônico finalizado e busca recursos para sua realização. O projeto do prédio do CMCK prevê comportar os espaços de edição audiovisual, biblioteca, espaço de exposição, acervo técnico, cozinha, banheiro, um espaço para recepção das crianças, etc.9 O projeto do CMCK tem apoio do Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss / UEL. Com o impor-tante empenho e apoio da diretora deste importante Museu da região, Professora Regina Alegro, os coordenadores do CMCK receberam uma profunda capacitação técnica durante todo o ano de 2017, visitando mensalmente o Museu Histórico para receberem oficinas (ministradas pelos funcionários e técnicos do Museu) de cuidado e gestão de acervo museal (objetos, fotografia, documentos, etc.). Estes saberes agora são aplicados na gestão do acervo do CMCK, pelos próprios indígenas. Atualmente o CMCK mantém a parceria com o Museu Histórico, desenvolvendo um projeto de readequação da exposição permanente do mesmo, ou seja, os indígenas do CMCK foram convidados pela diretoria do Museu para repensarem e incluírem a memória indígena na narrativa da exposição permanente.10 A “museologia social” ou “sociomuseologia” trabalha o conceito de memória e Museu compreendendo que durante longo tempo os museus serviram apenas para preservar os registros de memória e a visão de mundo das classes hegemônicas política- economicamente; de igual modo funcionaram como dispositivos ideológicos dessas classes e lideranças políticas, provocando uma disciplinarização e controle do discurso do passado, presen-te e futuro das sociedades. Os museus e as políticas mais atuais de cuidado com a memória estão passando por um processo de democratização, de ressignificação. Já não se trata apenas de democratizar o acesso aos museus instituídos, mas sim de democratizar o próprio museu, dispositivo estratégico para uma relação nova, criativa e participativa com o passado, o presente e o futuro. Vale ainda considerar que o Museu pode servir como ferra-menta também para tiranizar a vida, a história, a cultura, para aprisionar o passado e aprisionar os seres e as coisas no passado, pode invisibilizar uma memória. Deste modo, para a museologia social é necessária uma perspectiva crítica sobre o cuidado com a memória de um povo e de suas comunidades. “Os museus são lugares de memória e de esquecimento, assim como são lugares de poder, de combate, de conflito, de litígio, de silêncio e de resistência” (CHAGAS, 2011, p.13).

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las da comunidade, a cachoeira do Salto do rio Apucaraninha etc., o próprio território Kaingang faz parte do que se pensa ser o território museal do CMCK, é o território compreendido como “patrimônio histórico”, como “espaço de memória”.

O processo educacional complexo a partir da memória de um comunidade

Uma rede complexa de processo educacional de ensino e aprendizado se tramou com o desenvolvimento das ações do “Centro de Memória e Cultura Kaingang”.

A equipe indígena, participando dos encontros de capacitação técnica estão conhecendo e experenciando saberes que hoje estão profundamente apropriados e entendidos como im-prescindíveis a comunidade. A linguagem cinematográfica se revelou um meio eficiente para a expressão e registro de uma cultura que tem como base a linguagem oral, corporal e musical em suas expressões, o aprendizado desta linguagem abriu múltiplas possibilidades de cuidado e potencialização da cultura, como citamos acima. Os saberes de cuidado com acervo de memória da comunidade e as reflexões conceituais sobre sua cultura, memória e museologia, também vem sendo acolhido com grande valorização e reconhecimento dentro da comunidade da TI Apuca-raninha, dentro de uma comunidade que valoriza a sua cultura tradicional e os saberes dos anti-gos como base de sua cultura. O cuidado e registro das memórias também fazem muito sentido em uma comunidade que depende deste histórico de seu passado para a garantia de demarcação e retomada de suas terras, o saber museal e a linguagem cinematográfica foram acolhidos como instrumentos de luta.

Por outro lado, essa apropriação e sistematização destes saberes tem possibilitado o exer-cício de uma inciativa educacional para os não-indígenas. As palestras e visitações que o grupo do CMCK coordena, recebendo estudantes e professores das escolas e pesquisadores não-in-dígenas é um trabalho inédito de educação na região, onde quem coordena o conteúdo a ser discutido e quem conduz o processo educativo são os próprios indígenas. O não-índio é posto no lugar de aprendiz e o domínio da fala é dos indígenas. Os indígenas não são apenas “pesqui-sados”, passaram a conduzir o processo educacional, recepcionando os não-indígenas, respon-dendo às perguntas, provocando as reflexões, apresentando seus filmes, caminhando com os não-indígenas por trilhas históricas do território indígena, dando palestras e oficinas de cestaria, etc. A aprendizagem dos conceitos de museologia social por parte da equipe Kaingang possibi-litou a criação de um processo educacional que tem como premissa principal a diminuição do preconceito que sofrem. Os indígenas aprendem quando refletem sobre sua cultura e a expõe, e os não-indígenas aprendem se posicionando como aprendiz de uma outra cultura.11

E, por fim, o processo de transformação e aprendizado que nós como colaboradores não-indígena do CMCK temos sofrido, há cinco anos. A transformação da intenção e compreensão de nosso papel dentro de um trabalho de memória de comunidade foi extrema. Afora a profun-da experiência de estar em contato constante com uma outra cultura, que compreendemos como um verdadeiro “outro”, que faz nos revermos constantemente, afora esse importante aspecto,

11 Um dia, chegando mais cedo na aldeia para iniciar os trabalhos de preparação do dia de visitação, um dos in-dígenas do CMCK me perguntou “Luis, onde estão os nossos alunos?”, fiquei um pouco confuso mas depois entendi que ele se referia aos professores da rede municipal de educação de Londrina que havia agendado a visita naquele dia, então lhe respondi “Seus alunos estão chegando de ônibus, estão um pouco atrasados.” Então o kaingang me acenou positivamente com cabeça e voltou a preparar o espaço do CMCK para recepcionar os professores que logo se torna-riam “alunos” dos indígenas.

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frisamos aqui o aprendizado que tivemos de compreender nosso papel dentro de uma co-munidade. Fomos descobrindo juntos como colaborar sinceramente com uma comunidade, como um trabalho de memória e cinema pode se tornar verdadeiramente relevante para uma comunidade. Temos nos entendido dentro desse processo de fortalecer a discussão da me-mória indígena, aprofundando nossas estratégias de colaborar na realocação das “memórias periféricas” no centro da discussão da memória. Nossas estratégias de trabalho dentro da co-munidade tem sido de colaborar no fortalecimento da autonomia dos indígenas na criação de seus registros e das formas de expô-las e de fortalecer o processo de conceituação sobre me-mória e cultura. Não buscamos mais, como buscávamos no início de nosso contato, a criação de obras artísticas e etnográficas “sobre” os indígenas, agora buscamos pensar estratégias de colaboração da autonomia dos Kaingang para que eles mesmos produzam essas obras e essas pesquisas, a partir de suas compreensões do que consideram relevante para sua comunidade.

Por tudo isso, se trata de um processo complexo de educação, tendo como ponto axial a discussão da memória. Nós como pesquisadores aprendemos ao pesquisar o outro, apren-demos colaborando com a pesquisa do outro sobre sua comunidade, aprendemos a colaborar com o outro sem ferir sua autonomia e buscando estratégias de potencializar essa autonomia; os indígenas aprendem dominando novas linguagem e discutindo e criando novos conceitos sobre a memória de sua comunidade, aprendem sobre si aos sistematizar os aspectos de sua cultura para expô-las, aprendem a comunicação com outra cultura; os educandos e profes-sores não-indígenas em visita aprendem a ampliar sua percepção sobre o outro, aprendem a perceber seus preconceitos.

Assim, percebemos que a discussão da memória, no fundo, é um grande processo edu-cacional e de autoconhecimento.

Importa registrar, no entanto, que a educação é uma prática sócio-cultura. Nesse sentido é que se pode falar no caráter indissociável da educação e da cultura ou ainda na inseparabilidade entre educação e patrimônio. Não há hi-pótese de se pensar e de se praticar a educação fora do campo do patrimônio ou pelo menos de um determinado entendimento de patrimônio. [...] É dese-jável abolir toda e qualquer ingenuidade em relação ao museu, ao patrimônio e à educação. Ao lado dessa abolição é desejável desenvolver uma perspectiva crítica, interessada em investigar ao serviço de quem estão sendo acionados: a memória, o patrimônio, a educação e o museu. (CHAGAS, 2013, p.4 e 5)

BIBLIOGRAFIA

CHAGAS, Mario de Souza. Educação, museu e patrimônio: tensão, devoração e adjetivação. Caderno de Educação Patrimonial. V. 3. Paraíba: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Publicado em 11 de outubro de 2013.

_______________________. Museus, memória e movimentos sociais. Cadernos de Sociomuse-ologia: Questões Interdisciplinares na Museologia. V.41. Lisboa - Portugal: Área da Museologia do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento (CeiED) - Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Publicado em 25 de fevereiro de 2012 / Revista Ano 2011.

TOMMASINO, Kimiye. A história dos Kaingang da bacia do Tibagi: uma sociedade Jê meridional em movimento. 1995. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo - USP, São Paulo.

INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Pontos de Memória: metodologia e Práticas em Mu-seologia Social. Brasília: Phábrica, 2016.

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Anexo: Fotos sobre as ações do CMCK (Fonte: Acervo CMCK)

Catalogando fotografias do acervo do CMCK.

Equipe filmando grupo de dança tradicional.

Equipe editando seus filmes.

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Equipe recebendo visita dos professores das Escolas Municipais de Londrina-PR.

Equipe recebendo educandos de Escola de Londrina-PR.

Equipe transcrevendo histórias coletadas dos antigos.

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União da Vitória 4, maio de 2016.

Descobrir e conhecer um pouco de suas histórias e memórias através dos próprios alunos, e da comunidade, levou-me a recordar as histórias contadas por meu pai desde a in-fância. Por esse fato, inicio esse texto lembrando-me de um de seus “causos”. Reinaldo, suas memórias e histórias, expõem as semelhanças nas necessidades básicas, violências, tragédias e sofrimentos que me fazem aproximar vivências de uma família de trabalhadores em Palotina (PR), nos anos 1960 e experiências na comunidade do bairro União da Vitória, em Londrina, nos idos de 1970. O que há em comum entre essas experiências?

Norte e Oeste do Paraná em tempos de desbravamentos, adversidades e atrocidades.

Da União à Vitória:Histórias de guerreiros unidos e suas memórias vitoriosas

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União da Vitória 1 e 2, maio de 2016.

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“Nossas terras férteis, são consideradas uma das melhores do mundo”, sempre dizia Reinaldo. Em 1960 a família Piotto migrou de Pitangueiras (SP) para o Oeste do Paraná, em busca de novos horizontes, participando assim da primeira fase de colonização, marcada pelo extrativismo e de subsistência familiar. A viagem foi longa para Reinaldo, seu pai, mãe e irmãos, em um caminhão Alfa Romeo, durou 3 dias e 3 noites, passando pelo Norte, em Londrina.

Foram para o Oeste do Paraná trabalhar na colheita de café e plantar feijão em uma fa-zenda na Gleba “Cinco Mil”, município de Palotina. Quando chegaram ao rancho onde iriam se estabelecer, descobriram que já havia um habitante que chegara antes, uma cobra cascavel enorme, morta por meu avô.

A vida era sacrificada pelas adversidades, a água para consumo, vinha da nascente (100 m de distância), a era luz fornecida pelo querosene da lamparina. No inverno, o frio era inten-so, abaixo de 0ºC. Faltavam roupas e cobertas, era muito sofrido, ficavam à beira do fogão de barro para se aquecerem. Para comprar alguns mantimentos como sal, fumo, pinga, açúcar e querosene, caminhavam por 36 quilômetros em meio à mata virgem, os pés descalços.

A alimentação se fazia através de cultivo de feijão e mandioca, e, depois de alguns

Reinaldo Piotto Júnior, 1960.

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Oeste do Paraná, Município de Assis Chateaubriand, 1968. 17 alqueires de terras de sua propriedade e trilhadeira. Trilhava feijão e milho. O trator era emprestado da Cooperativa COTIA. Vê-se Reinal-do na direção, e empreiteiros. Tocos de árvores nativas da região como cedro, peroba rosa e branca, jequitibá, timburí (fazia-se cobertura para as casas dessa árvore), marfim, canela e coqueiro.

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anos, de arroz e milho. Também havia caça de veado mateiro, paca, cotia, jacutinga e cateto. Usavam espingarda para as caçadas. No decorrer dos anos criaram galinhas e porcos.

Para que animais ferozes, como as onças, não comessem os animais “de criação”, amar-ravam cipó à cintura com cerca de 5 a 6 metros de comprimento, pois arrastando as cordas os afugentavam. Por muitas vezes, cobras atravessaram seus caminhos, cascavéis, urutus, ja-raracas e outras.

Após 8 anos de trabalho, adquiriram terras da Companhia “Pinha e Terras LTDA”, 10 alqueires de mata nativa, na Gleba “Cinco Mil”. Derrubando as mais variadas espécies de árvores. Trocavam-nas pela madeira já beneficiada, para construções de casas, tulhas, cercas e outros.

Depois da derrubada, tiravam a madeira restando apenas os tocos, em seguida coloca-vam fogo e, alguns dias depois, faziam o plantio de feijão e milho utilizando-se da matraca. Plantavam também hortelã.

Os anos se passaram, construíram um monjolo para pilar arroz e milho, para fazer fubá, instalaram um alambique para produzir óleo de hortelã, e faziam rapadura com o fruto verde ou o tronco da árvore jaracatiá, pois dava consistência e ficava saboroso.

Neste tempo, havia muitos conflitos por posses de terras, jagunços contratados por fazendeiros e outros, ameaçavam famílias para que elas fossem embora de suas propriedades, do contrário eles assassinavam famílias inteiras.

Um episódio lamentável ocorrido com a família Piotto: num “dia normal”, de muita la-buta na floresta, apareceram dois policiais gritando e usando palavras inapropriadas, armados apontavam as armas para Reinaldo, seu pai e irmão. Sob ameaças, na mira de armas, sendo coagidos, ouviam que os Piottos haviam se apropriado das terras de outras pessoas. Foram encaminhados à delegacia. Lá, não esmoreceram, deram explicações plausíveis ao ocorrido, esclarecendo os fatos. Não havia escritura, porém eles possuíam contrato, haviam comprado e pago pelas terras, comprovando a veracidade da negociação. Essa atitude era uma estratégia para forçar as famílias, para que, amedrontadas, abandonassem suas terras e partissem.

No ano de 1970, com família já constituída, num certo dia de sol de estalar mamonas, Reinaldo e outros, presenciaram um fato bárbaro: um homem que vinha em direção a eles, sacar uma arma e puxar o gatilho, mirando e atirando na cabeça de um daqueles que se en-contrava na multidão, aterrorizando os presentes. E assim, aconteceram muitos episódios lamentáveis, muita luta e resiliência.

Essa é a história contada por meu pai. Ela me ajuda a estabelecer um vínculo empático com aqueles que agora encontro na comunidade escolar do Jardim União da Vitória. Gente lutadora enfrentando obstáculos que não imaginamos para sobreviverem. Essa experiência de ouvir histórias, creio, hoje me estimula a incentivar os alunos da Escola Municipal Tereza Canhadas Bertan a ouvirem as narrativas dos antigos moradores do bairro e assim, aprende-rem mais sobre sua comunidade e sobre si mesmos.

Conhecemos melhor o bairro Jardim União da Vitória participando do Projeto Con-tação de Histórias do Norte do Paraná: memória e educação patrimonial. Participaram do projeto a autora e alunos do 5º ano, turmas B e C. Coletamos entrevistas de moradores con-cedidas à autora e aos estudantes. Nosso objetivo era registrar essas narrativas dos habitantes para a preservação de memórias do bairro.

Fomos descobrindo em cada entrevistado a lembrança do passado sofrido e o orgulho por terem lutado pela transformação do bairro.

Marcos Dhorta, morador veterano vivenciou ativamente os acontecimentos no bairro União da Vitória. Relata a primeira ocupação das terras em 1984, ocorrida às 21h, sendo 45

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famílias invasoras das terras que ficavam escondidas bem atrás do morro.O prefeito na época era Wilson Rodrigues Moreira, que com apoio da policia, con-

seguiu fazer com que os ocupantes saíssem das terras com a promessa de assentar a todos. Após seis meses o prefeito assentou todas as famílias que participaram do movimento. Foram assentadas ao lado da Rodovia que vai para Maravilha, em casas de alvenaria.

Conquistar moradias próprias motivou a segunda invasão no bairro. Assim se deu o início do bairro União da Vitória 1, depois vieram os outros, que hoje somam 6. Segundo Marcos, as dificuldades eram muitas, “enfim, só havia sofrimento, muita violência, muitas mães chora-vam a morte de seus filhos”.

Antônio Marcos de Menezes, o Marco da Horta, com 50 anos, retrocede ao ano de 1978 quando tinha 12 anos.

Eu morava no Jardim Ana Rosa, em Cambé, com minha família e passávamos por uma situação

dificílima, talvez a pior de toda minha vida. Meu pai se chamava Alvino, sempre muito trabalhador, mas usava marca-passo, pois tinha um problema muito sério no coração. Meu irmão mais velho havia sofrido um acidente e não podia trabalhar, então com 12 anos eu trabalhava como boia-fria para sustentar minha família com o “básico”. Por eu ser ainda criança ganhava a metade da diária de um adulto. Fiquei por mais de um ano fazendo este trabalho, capinando soja milho, colhendo café e outros trabalhos da lavoura.

Boia-fria, para quem desconhece este termo, trata-se de pessoas que vivem na cidade, são encaminhadas para trabalhar no campo, se utilizam de transportes junto a outros trabalhadores para se locomoverem, sem segurança alguma. A alimentação era colocada em recipientes sem isolamento térmico, dessa forma, o alimento esfriava e não tinha como esquentar, por isto éramos chamados de boias-frias.

Mas como tudo que está ruim pode piorar, quando eu tinha 13 anos o “Gato” – como eram cha-mados os chefes dos boias-frias – proibiu o trabalho de crianças. O que eu ganhava era nossa única fonte de renda para alimentar seis pessoas. Percebendo a nossa situação, com 13 anos decidi sair de casa em busca de trabalho.

Encontrei trabalho em Tamarana, há 45 km de Londrina em um sítio vizinho à casa de minha avó paterna. Ganhava também metade da diária de um adulto, mas todo final de semana mandava para casa por alguém que vinha à Londrina. Passaram-se três meses e a saudade de casa e da família foi forte.

Resolvi voltar para casa no Jardim Ana Rosa, em Cambé, me deparei com ela vazia. Minha família havia se mudado três dias antes. Os vizinhos me informaram que eles haviam se mudado para um sítio na Região Sul de Londrina e que um vizinho acompanhou a mudança. Esse vizinho me ensinou como chegar até minha família.

Naquela época o ponto final do ônibus estava na Avenida Dez de Dezembro, final da Guilherme de Almeida. Essa avenida era apenas uma estrada de terra que seguia para a usina Três Bocas. Já existia o Parque Ouro Branco, porém não havia asfalto. Desci do ônibus e comecei a caminhar, já eram duas horas da tarde, eu estava com fome e ainda tinha muito que andar.

Segundo o vizinho, descendo do ônibus eu ainda teria que caminhar mais ou menos 5 km para chegar a minha casa nova, mas a saudade da minha família era tanta que nem liguei para a fome ou à distância, eu só queria é chegar logo. Quando passei pela igreja do km 9, pensei já estar perto, logo adiante avistei os três pés de mangas que eram pontos de referências para achar o sítio. As mangueiras estavam exatamente onde hoje é a Padaria Guedes, localizada na Rua dos Cozinheiros.

Fiquei feliz em ver os pés de manga, pois era um sinal de que minha casa estava próxima. Além do que, a mangueira estava carregada de deliciosas mangas amarelinhas. Matei ali minha fome, fui descendo a ladeira e ficando mais feliz, pois estava gostando do que via, tinha muitos pés de mangas, todos carregados de frutos.

Lá embaixo avistei uma casa em madeira e a chaminé estava fumegando, senti um arrepio e apertei o

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passo, “só pode ser ali” eu pensava.Quando cheguei mais perto avistei minha mãe a alegria naquela hora foi tanta que eu não sabia se ria

ou chorava. Abracei minha mãe enquanto ela perguntava como eu os encontrei.Enquanto eu contava as noticias, observei que havia muitas criações, patos, galinhas, cabritos, porcos

e gados. Perguntei de quem era aquele sítio e de que forma eles haviam se estabelecido ali. Minha mãe me falou que nós tínhamos sido contratados apenas para cuidar das criações, não teríamos salários, no entanto poderíamos usufruir da terra, plantar, colher e vender e poderíamos comer um frango todo final de semana. Quanto mais minha mãe falava, mais eu gostava desse lugar.

Fiquei apreensivo, pois não vi meu pai e nem meus irmãos. Perguntei para minha mãe onde é que estavam os outros. Minha mãe respondeu “o pai tá por aí trabalhando ele não para depois que chegou aqui, o Zé e o Carlinho foram pescar”.

Novamente fiquei emocionado, pois quando fui à Tamarana, passei no hospital e o Zé estava interna-do. Saber que ele estava pescando foi realmente muito bom.

Esse sítio foi comprado pela prefeitura no finalzinho do mandato do prefeito Antônio Belinati, em 1981. O objetivo era construir o conjunto habitacional, mas como o terreno era muito ruim devido a muitas pedras e ladeiras, foi impossível construir, ficando assim aos cuidados da COHAB.

Por esse fato José Claudino arrendou toda a área para fazer o uso da forma que quisesse. Então alugou boa parte para um criador de gado chamado Luiz Fonseca, e na outra parte, plantou algodão. Minha família ficou com a casa que ficava ao lado da seringueira (Rua Elsson Pedro dos Santos), próximo de onde hoje é o Posto de Saúde e com toda essa área do União da Vitória 4 para plantar. Em troca nós cuidaríamos e trataríamos de suas criações. Assim começamos a plantar, no entanto, quando começamos a colher, meu pai faleceu. Isso ocorreu no final de 1982, ficamos minha mãe, eu e meus três irmãos.

Passaram-se dois anos e o José Claudino encerrou o contrato com a COHAB e entregou o terreno. Pelo fato de já estarmos alojados, a COHAB e minha mãe entraram em um acordo: nós continuaríamos morando e plantando ali. Em troca, nós cuidaríamos de toda a fazenda para que não houvesse invasão.

Em 1984 houve a primeira invasão. Por volta das 21 horas avistamos faróis de carros que adentravam a Fazenda, eram muitos. Naquela época não tinha telefone, achamos melhor esperar amanhecer para avisar o pessoal da COHAB. Logo pela manhã, sem que a gente tivesse informado sobre o ocorrido, a Fazenda foi invadida por muitos policiais, imprensa e políticos. Houve muitas discussões, gritos e “pancadarias”. Pessoas ficaram machucadas, mas mesmo assim tiveram que sair. Saíram com a promessa de que o prefeito da época, Wilson Rodrigues Moreira, construiria casas para todas as famílias que estavam naquele acampamento.

Cumprindo o combinado, no final de seu mandato foram entregues 38 casas geminadas no comecinho do União da Vitória 1, na quadra aonde hoje é a Padaria Guedes.

Em 1986 na gestão de outro prefeito, novamente Belinati, começou uma nova invasão, dessa vez com muito mais força. Diante da situação, o prefeito decidiu acomodar todos onde se encontravam. Transformou-se em uma loucura, eram famílias vindas de todos os lugares, da zona rural, das favelas, e de pessoas que paga-vam aluguel e queria se livrar dele. Foi uma invasão sem precedentes em Londrina.

Nessa época nós já estávamos estabilizados, já tínhamos carro, moto, gado, e outras criações. Diante da situação a COHAB nos convidou para um acordo, nos ofereceu dois terrenos para cada membro da família como acerto dos anos que passamos cuidando da propriedade. Aceitamos e ficamos com 10 terrenos. Infeliz-mente tivemos que vender o gado, pois havia pessoas e animais convivendo no mesmo ambiente.

O bairro cresceu de forma relâmpago, desorganizado, sem ruas, não havia água, luz. As pessoas usavam a água da “mina d’água” para todos os fins. Pouco tempo depois a prefeitura providenciou caixas d’águas, colocaram 2 caixas por rua. Todos os dias, as tardes eram de confusões, pois era hora que o povo chegava do trabalho, por esse fato todos queriam água ao mesmo tempo. Formavam-se grandes filas, somente 8 meses depois é que chegou a água encanada em algumas casas.

Percebi que havia uma grande quantidade de pessoas, muita gente e nenhum comércio, então resolvi

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colocar um Sacolão Secos e Molhados. Eu vendia uns 100 pacotes de velas por dia, não tinha energia elétrica, dessa forma usavam-se velas para clarear a noite. Passou se mais um ano e três meses, então a Copel começou a instalar energia no União da Vitória. Entre um a dois anos o União da Vitória 1, 2, 3 e 4 estavam com rede de energia elétrica instalada.

Assim as coisas foram acontecendo, as benfeitorias foram chegando. Vale a pena lembrar que as coisas aconteciam, porém eram através de muitas lutas comunitárias. Uma das lutas que ninguém esquece foi com a Empresa de Transporte Coletivo. Existia um monopólio em Londrina e só uma empresa podia explorar o transporte coletivo urbano em Londrina a Empresa Lopes. Havia a Francovig que fazia a área rural, no entanto, a Empresa Lopes não fazia o bairro União da Vitória por diversos motivos, entre eles o preconceito, e eles não liberavam a Empresa Francovig a fazer o serviço, e com isso toda a população do União da Vitória que já passava de 12 mil pessoas tinha que andar 2 km para utilizar o ônibus.

Por todas estas questões, mais de 100 pessoas se reuniram, pararam o ônibus da Francovig na BR e obrigaram o motorista passar dentro do bairro União da Vitória, desencadeando uma grande confusão com pessoas indo parar na cadeia. Todavia esse ocorrido não foi em vão, pois diante da situação quebrou-se o monopólio e liberaram a Francovig para fazer a linha do União daVitória.

Esta foi uma de tantas vitórias aqui conquistadas. Aquele menino que chegou ao bairro União da Vitória com 13 anos e que passou por toda aquela situação, hoje com 50 anos tem muito que falar.

Sobre o apelido Marcos da Horta, como eu já havia dito, nossa família plantava horta aqui antes da urbanização. Quando montei o Sacolão, no inicio coloque o nome de Sacolão da Horta pelo fato de que ele ficava exatamente onde antigamente era a horta. Com o passar do tempo as pessoas começaram a me chamar de Marcos da Horta. Atualmente faço parte do Conselho local de Saúde, já fui presidente do bairro, e também vereador na cidade de Londrina em 2012.

Marcos ressalta que através de lutas e perseverança de alguns líderes, a situação foi mu-dando para melhor. As conquistas foram muitas desde água tratada, depois é que chegou a energia elétrica, asfalto, igreja católica, Posto de Saúde, escolas no decorrer dos anos. Conclui que após 32 anos o bairro União da Vitória ainda tem problemas, contudo se comparar ao início, todos estão muito bem.

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Local onde se encontra o Bairro União da Vitória 2, foto ano de1989.

União da Vitória 2, ano da foto 1988.

Foto 1988 – União da Vitória 5. Da esquerda Antônio Carlos Menezes,Wilson Menezes e Marcos Dhorta. Ao fundo vê-se União da Vitória 3 e 4.

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Foto 1988 – da esquerda, Antônio Carlos Menezes, Roberto Dinamite ao meio e encostado na caminhonete Marcos Dhorta. Local ao lado da seringueira, próximo a creche Imaculada Conceição.

Foto 1991 – “PINGUELA” construída pela própria comunidade, era a única ligação entre o União da Vitória 3 e União da Vitória 4.

Foto 1987 - Plantação de feijão, vagem, União da Vitória 4.

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Foto 1988 - Da esquerda, José Dhorta, Antônio Carlos Menezes,Roberto Dinamite e José Português (in memoriam).

Foto 1988 – José Antônio de Menezes (Zé da Horta, cultivo de tomate);pátio da Escola Professora Tereza Canhadas Bertan.

Foto 1988 – Plantação de brócolis, local onde se encontra hoje a CrecheImaculada Conceição, União da Vitória 2.

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Foto 1988- fundo da horta comunitária. Consertando a bomba quepuxava água para a horta, José Dhorta.

Foto 1991 – Todos os anos comerciantes locais com ajuda de voluntários promoviam comemoraçãodo dia das crianças. Nesse ano foi Marcos Dhorta.

Foto 1995 – União da Vitória 4.

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Foto 1996 – União da Vitória 2, não havia asfalto ainda.

Foto 1990 - União da Vitória 2, ao longe incêndio em um barraco.

Quadra e muro da Escola Professora Tereza Canhadas Bertan antes da reforma.

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Escola Municipal Professora Tereza Canhadas Bertan, 2001.

Entrevista de Eugenia Rodrigues Miranda da Silva

Eugênia –14 anos no União da Vitória 4 trabalhando na Escola Municipal Professora Tereza Canhadas Bertan – foi a 1º diretora da Escola, inaugurada em 2001. Foi diretora por vários anos, sendo sua formação Pedagogia. Trabalhou em uma escola (hoje Colégio Estadual Thiago Terra) que era extensão da Escola Municipal Osvaldo Cruz, Permaneceu por 3 anos, havia uma merendeira e apenas uma sala de aula em madeira, para atender os pequeninos. Alguns anos depois essa escola passou a se chamar Escola Municipal Bárbara Falcoviski Viei-ra, onde atualmente se localiza o Colégio Estadual Thiago Terra. Por volta do ano de 2010 houve a cessação da Escola Municipal Bárbara Falcoviski Vieira. Dessa forma, transferiram os alunos para a Escola Zumbi dos Palmares, CAIC, que iniciou suas atividades em fevereiro de 1997.

A Escola Professora Tereza Canhadas Bertan surgiu para atender a comunidade des-de o Pré a 4º Série. Revela que uma das dificuldades enfrentadas no início era o número de alunos, no entanto poucos professores. Outro ponto a se destacar, era o vandalismo e indis-ciplina na escola.

Relata que por vários anos a escola ganhou presentes do Papai Noel e que certa vez um fenômeno natural ocorreu nas imediações, por volta das quatorze horas uma chuva de granizo deixou a escola branca.

O entorno da escola não mudou muito, aumentaram as casas, antes havia mais barra-cos, e faltava esgoto, por volta de 2010 foi concluído.

Eugenia Rodrigues Miranda da Silva - Inauguração da Escola Municipal Professora Tereza Canhadas Bertan, 2001.

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Portão de entrada da Escola, 2015.

União da Vitória 3, 2015.

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União da Vitória 3, 2015.

Fundo de vale e União da Vitória 3 - muro da Escola Tereza Canhadas Bertan, 2015.

Fundo de vale a escola ao lado da Escola, 2015

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Marina Fernandes Marques, há 23 anos no União da Vitória 2

Marina mora no bairro União da Vitória 2 desde 1993, os motivos que a trouxe para o bair-ro não é diferente de tantos outros moradores, falta de opção. Começa informando que o Jardim União da Vitória era chamado de Sem Terra, relembra que eram tempos sofridos, “Nós vencemos com muita garra este bairro!”

Expõe também, que o Senhor Alriano da Água (in memoriam) é quem deu nome ao bairro. Anos atrás sua casa era de lona, depois de muitas lutas e protestos, ganharam da COHAB, relembra, “Dona Joana (in memoriam) vinha medir os terrenos e fazer as doações de materiais de constru-ções”. O bairro era muito mal falado, não podiam falar que moravam no bairro Sem Terra, quando se procurava emprego. As pessoas tinham muito preconceito. As pessoas não entravam no “ônibus circular” que vinha para o bairro, pois não havia asfalto e o mesmo, enchia de barro quando chovia.

Marina frisa: “muito bom morar aqui agora, às vezes tem um torto, só que antigamente tinha mais, tinha muitas mortes”. Certa vez pegaram um rapaz, o amarraram em uma árvore, e foram matando-o aos poucos. Conta que este rapaz devia dinheiro e gostava de roubar no bairro. Marina revela que tinha medo. Os policiais entravam no bairro com muitas armas, entravam nas casas das pessoas e apontavam os revólveres nas cabeças das pessoas.

Naquela época não havia infraestrutura aqui nos bairros. Quando frequentava a escola, tinha que caminhar bastante, havia pedras. As pessoas lavavam roupas na mina d’água, a qual existe até hoje. A roupa era lavada em taboa, pois não havia tanque. Também o caminhão pipa fornecia água a todos.

Marina Fernandes Marques, 04/02/1980, há 23 anos no União da Vitória 2. (Foto 05/2016).

Ao lado da Escola fundo de vale, 2015.

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Dirce Silvia dos Anjos – Há 12 anos no União da Vitória 2

Há 12 anos Dirce mora no União da Vitória 2, tem cinco filhos, Daiane, Mônica, Luana, Diogo e Leandro. Relata que passou por momentos tristes, porém alegres também. Conta que um momento difícil foi quando seu filho Diogo teve queimadura grave, há 14 anos. Também não se esquece de quando o Papai Noel desceu no campinho do União, foi felicidade geral.

Quando Dirce foi morar no bairro União da Vitória 2, já havia bastante casas. Percebeu há pouco tempo uma farmácia nova, e há 4 anos (2012) o Mortuário.

Dirce menciona algumas mortes feias, horrores na região, e cita uma tragédia ocorrida por volta de cinco anos atrás (2011). Um jovem fora morto diante de seus familiares, e depois deste episódio a família foi embora, permanecendo ali apenas o pai. No entanto, certo dia, num domingo às dezesseis horas, em frente ao Mortuário alguns “caras” atiraram neste “pai”, diante de muitas pessoas. “Uma cena lamentável!”

Elisângela Regina Valentim, residente no Jardim União da Vitória IV há 24 anos.

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Dirce Silvia dos Anjos, 04/01/1970 (Foto 05/2016), – Há 12 anos no União da Vitória 2.

Elisângela Regina Valentim, 27/10/1984. (Foto 2000) Rua dos Agrônomos União da Vitória IV.

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Relata que o bairro era muito pobre, a situação era precária. Não havia água encanada, nem energia elétrica e também sem asfalto na região. Conta que cerca de 20 anos atrás, esse bairro era muito violento. Expõe um episódio lamentável, que viu pessoas sendo assassinadas a pedradas e tijoladas. Também que havia muitos usuários de drogas em todas as esquinas. Deixa claro que muitas pessoas tinham medo de vir ao bairro devido à existência de tanta violência.

Segundo Elisângela, muitas coisas mudaram no bairro e cita algumas, como as casas que eram barracos de lona, agora são de alvenaria. Atualmente há rede de esgoto, água tratada e energia elétrica, Posto de Saúde, escolas, farmácias e mercados.

Agradece a Deus pelo fato de que o bairro hoje é bom, pois houve muitas mudanças, melhorias. Em seu ponto de vista, esse bairro se compara a qualquer outro em Londrina.

Esclarece que ainda são necessárias algumas mudanças, destaca os problemas dos lixões nos terrenos baldios, melhorias na pavimentação, atendimento médico no Posto de Saúde, mais vagas nas creches e entretenimento no bairro, como parques e praças.

Alexandro Lemos, o bebê Ryan Valentim Lemos. Rua dos Agrônomos, ano de 2009,União da Vitória IV.

Celma Balestrim, Viviane Cristina de Oliveira, Elisângela Regina Valentim, “Negão doPandeiro” (Educador); Projeto Viva Vida, União da Vitória 2, ano de 1998.

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José dos Santos mora no bairro União da Vitória 2 há 34 anos.

Relata amistosamente e muito sorridente que ganhou o terreno do Belinati. Comenta, “Antigamente lá era pasto”, ainda que para andar, havia a necessidade de colocar sacolinhas nos pés. Cuida da horta há quase 3 anos, explica que a horta é comunitária e cuidada por 18 pessoas. Trabalha a partir das seis horas todos os dias. Vende verduras no local como também em outros lugares. Mencionou a importância de cultivar os vegetais sem agrotóxicos, ingerir alimentos saudáveis. A alegria de José é trabalhar na horta.

Sandra Feliciano Vieira dos Santos - 23 anos no União da Vitória 2

José dos Santos, Rua Elsson Pedro dos Santos, Jardim União da Vitória 4, ao fundo União da Vitória 3.

Bairro União da Vitória 4. A nascente se localiza cerca de uns 50 metros de distância dolocal que aparece na foto da Horta Comunitária.

Sandra Feliciano Vieira dos Santos.Fundos União da Vitória 3 e 4. Rua dos Tintureiros, 1996.

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Foto ano 1995 – Rua Ana Vargas Ilário, Jardim União da Vitória 2A criança maior Thiago Feliciano dos Santos – 11/02/1986

Ao fundo Jardim União da Vitória 3, Rua dos TintureirosTatiane Feliciano dos Santos - 22/06/1989

Foto ano 2000. Rua Elsson Pedro dos Santos, União da Vitória 4.

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Árvore seringueira testemunha de tragédias - Rua Elsson Pedro dos Santos, União da Vitória 1 e 2.

Rua dos Radialistas, 1999. Em Pé, Maria de Souza Rodrigues, União da Vitória 3.

Rua dos Radialista, 2004. União da Vitória 3.

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Ano da foto1994.

1993 – Rua dos Balconistas, 68 – União da Vitória 3José Luiz, Iolanda, Sebastião, Fernando, Dalva, Branca, William Luís, Lindalva, Jhonathan.

Foram muitos os motivos que levaram os habitantes para a região onde hoje se localiza o bairro União da Vitória, porém, o motivo que se sobressaiu foi o financeiro: falta de condi-ções de arcar com o aluguel, mesmo o mais barato.

Segundo moradores, antigamente a região era de “Sem Terra”, tempos depois tor-nou-se o bairro União da Vitória, no entanto, chamam o bairro União da Vitória de favela. Relatam que era um bairro violento, muitas vezes havia assassinatos, brigas violentas. Contam que, por algumas vezes, a polícia teve que tirar corpos que assassinos penduravam na árvore seringueira, localizada na Rua Elsson Pedro dos Santos, que é a árvore principal do bairro.

Relataram que a polícia circulava até a meia noite, ou quase a noite toda, pois era muita bagunça na rua.

Dentre tantas conquistas, inclui-se a “segurança” do bairro, pois disseram que antiga-

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mente para andar nas ruas, tinha que ser “irmão de bandido”, “irmão de traficante”. Atu-almente não precisa mais “disso”. Essa segurança é importante e maravilhoso pelo fato das crianças poderem brincar sem se preocuparem. Tudo que conseguiram foi com muitas lutas, esforços e persistências das associações de moradores do bairro.

Não havia ônibus, para trabalhar tinha que ir ao bairro Ouro Branco, e que ainda eram chamados de “pé de barro”. As construções eram apenas barracos de lona e de madeira, pegava-se água na nascente para todo tipo de uso. Com o passar do tempo foi colocada uma caixa de água tratada para uso coletivo.

Havia muitas árvores e mato. Não havia água, energia elétrica, nem rede de esgoto, não era asfaltada, usava-se velas ou lamparinas a noite para clarear. No início o ônibus circular só chegava até o União da Vitória I e voltava para o terminal. Naquela época havia muito barro, então ele não descia até “embaixo”. As pessoas tinham que “subir” a ladeira, pisando no bar-ro (amarrava-se sacolas plásticas nos pés) para ir de ônibus ao trabalho ou em outros lugares.

Não havia Posto de Saúde, quando precisavam ir ao médico, tinham que ir até o bairro Ouro Branco. Não havia escolas, apenas a Escola Estadual Tiago Terra que oferecia poucas vagas, muitas crianças estudavam no São Lourenço. Depois de muito tempo colocaram uma torneira em cada rua, as pessoas faziam fila para pegar água, relataram.

Primeiramente instalaram um único telefone público que era o da farmácia do União da Vitória I. As casas eram feitas em madeira, atualmente são de alvenaria. Segundo uma mo-radora “Era muito perturbado, tinha muita matança e traficante, depois do módulo policial melhorou muito”. Outro morador complementa pelo fato de não haver asfalto era estrada de “chão” com muitos buracos, era muito difícil andar de motocicleta e carro, havia pedras e barro. Ressalta que as chuvas acabaram com as ruas.

As condições eram precárias, em tempos de tempestade e destelhamentos, às vezes tinham que esperar para consertar o telhado.

Antigamente era muito perigoso, pois moto taxi e caminhões de bebidas, não passavam pelo bairro, havia o perigo de serem assaltados. Algumas mudanças não passaram desperce-bidas por seus moradores como o asfalto, crescimento da população, construção de novas casas, construção do Posto de Saúde, escolas e creches, rede de esgoto, água tratada, linhas de ônibus (mais), mais infraestruturas, melhorou um pouco de tudo.

No entanto, gostariam que algumas mudanças se concretizassem: reforma geral na saú-de, que instalassem um hospital próximo, policiamento, mais segurança, providências nas ruas esburacadas, escolas, organização do bairro. A iluminação das ruas, pois quando se anda à noite é tudo escuro. Quando chove não dá para andar nas ruas. Que houvesse mais limpe-za, mais áreas de lazer. Tivessem mais respeito entre os próprios moradores, resolvessem o problema da violência. Que cortassem o matagal e construíssem um local para caminhada.

Considerações finais

Neste trabalho realizado coletivamente, constatou-se memórias vivas de cada aluno, seus familiares e pessoas da comunidade. A interação entre os alunos e seus cuidadores, a transmissão de relatos com entusiasmo e afeto foi perceptível.

Aos alunos, descoberta de suas próprias memórias foi algo de encantamento, de co-moção. As lembranças onde os próprios colegas são os principais atores, as descobertas de vidas em comum, de brincadeiras, intrigas dentro e fora da escola. A participação foi geral, a valorização das experiências dos mais velhos por parte dos alunos foi prazerosa.

Percebeu-se também que a violência “era” comum, porém “não era” natural. As pesso-

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as naquela época se preocupavam e se incomodavam.Pode-se constatar que o processo de desenvolvimento, reestruturação do bairro e aces-

so aos direitos da cidada continuam sob reivindicações e protestos por parte da comunidade. O bairro União da Vitória, que se subdivide em seis, está reescrevendo sua história diaria-mente em busca da paz.

AOS ENTREVISTADOS (CO-AUTORES)Adriana Damasceno de Oliveira – 12/02/1981 – 27 anos no União da VitóriaAna Paula Soares F. dos Reis – 23/08/1985 – 31 anos no União da VitóriaAndreza Aparecida Rodrigues – 24/01/1986 – 21 anos no União da VitóriaAntônio Marcos de Menezes – 05/06/1966 – 37 anos no União da VitóriaBranca Rosineia Nápoli Malaquias – 29/11/1968 – 24 anos no União da VitóriaCélia Regina da Costa – 25/05/1974 – 15 anos no União da VitóriaDirce Silvia dos Anjos - 04/01/1970 – 12 anos no União da Vitória 2Elisângela Regina Valentim - 27/10/1984 – 24 anos no União da Vitória 4Eugenia Rodrigues Miranda da Silva – 19/12/1965 – 14 anos no União da Vitória 4Eva Damasceno de Oliveira – 13/11/1979 – 27 anos no União da Vitória 1Genilda da Silva Barroso Novais – 26/08/1048 – 25 anos no União da VitóriaJosé Ademarcio Cardoso – 16/07/1975 – 13 anos no União da Vitória 2José dos Santos – 10/02/1941 - 34 anos no União da Vitória 4Leonir C. Cordeiro – 17/07/79 – 24 anos no União da VitóriaLourdes Almeida Pereira – 23/04/1962 – 17 anos n o União da Vitória 2Luiz Henrique Rodrigues – 19/02/1983 – 8 meses – União da Vitória 3Maria Rosa Marques Bueno – 12/03/11976 – 10 anos no União da Vitória 4Marina Fernandes Marques – 04/02/1980 – 23 anos no União da Vitória 2Marli Valdete Galvão Valdívia Pereira – 08/01/1964 – 28 anos no União da Vitória 1Neusa dos Santos – 17/07/1959 – 11 anos no União da Vitória 1Reinaldo Piotto Júnior – 19/12/1941Rosângela Nunes do Prado – 15/02/1973 – 19 anos no União da Vitória 3Rosinha José da Silva – 16/05/1955 – 24 anos no União da Vitória 3Sandra Feliciano Vieira dos Santos - 30/05/1969 - 23 anos no União da Vitória 2Suely Ângelo Rodrigues – 25/12/1959 – 23 anos no União da Vitória 3Wanderlei Rodrigues – 10/01/1963 – 18 anos no União da Vitória

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DETERMINADA NO UNIÃO DA VITÓRIAMárcia Rejaine Piotto

Ela vem e vem depressa!Vem caindo, correndo, dançando,Rebolando, gira, salta,Desvia, pula e fica marronzinha.Vaidosa traz consigo seus presentes,Latinha, papelzinho, sapatinho,Palitinho, roupinha dos ambientes,Também: Carrinho, espelhinho,Vidrinho, bonequinha não é suficiente,Peixinho, cobrinha, sacolinha,Pneuzinho, frutinha, é imponente!Sua pressa sem maldade encanta!Sua pressa sem maldade é vida!VIVA!!!Sua pressa sem maldade assusta!Sua pressa sem maldade mata!SOCORRO!!!Sua pressa sem maldade...e lá vem ela!Vem depressa em bravata!Do asfalto, do bueiro,Da escada, da cascata,Do basalto, do cerqueiroDa calçada e da mata!ME AJUDA!!!Você tem um guarda-chuva?

Estudantes 5º C

Ana Carolina SilvaAndrielli Damasceno de Oliveira SilvaCristoffer Dener FernandesEmily Nicoli da CostaFelipe Kenedy Cordeiro dos SantosGiovane Gabriel Cardoso MatosJéssica da Silva CardosoKevelin Aparecida FernandesLillian Ferreira dos SantosLuís Fernando MirandaMaria Eduarda BuenoMiguel Junior da SilvaPaola Silva CaetanoRaiane Gomes dos SantosRichard Grosmam RodriguesSteffany Kawane Lima da SilvaTaynara Cristina Souza PaivaWeslei Gustavo Lins BentoYasmin Ângelo Rodrigues da SilvaThalia Nunes de AlmeidaMaria Fernanda Brandette BritoLeonardo Pereira da Silveira

Estudantes 5º B

Gustavo Henrique Rodrigues Dos SantosIsaque Henrique CordeiroJadeh Kauani RodriguesLarissa Cardoso dos SantosLuan Galvão MonteiroNathália Gab Rielly FerreiraRayane Stefany Aparecida dos SantosRichard Yuri Alves RodriguesSamuel Izac do Prado Ferreira dos ReisVitor Emanuel Cordeiro Pereira

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Aos estudantes, participantes desse projeto:RECADO PRA ENSINANTE DA UNIÃO À VITÓRIAMárcia Rejaine Piotto

Sou cria de família, aprendiz,Sou sonhador, audaz, feliz,Sou tororó, tuiuiú e perdiz!Preste atenção!Da inocência ao despertarSugiro que seja devagarOs anos se encarregamNaturalmente sem incomodar!Preste atenção!Da sabedoria ao conhecerSugiro que seja encantarOs autoritários conduzem à iraSeduza sem transtornar!Preste atenção!Aprender fascina!É amor carniça!Impregna! Enfeitiça!Quero deslumbramento, entendimento,Discernimento e conhecimento!Preste atenção!Veja lá!Enalteça e seComprometa!

AGRADECIMENTOSAdriana Regina Piotto TirolaEliane CandottiMônica Cristina BorgesJardim União da Vitória 1Jardim União da Vitória 2Jardim União da Vitória 3Jardim União da Vitória 4Jardim União da Vitória 5Jardim União da Vitória 6

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Colégio Mãe de Deus: Décadas educando os londrinenses1

Márcia Rejaine Piotto

Vou estudar para os sonhos realizar!Sou criança, esta é minha infância,

Alimenta-me com as ciências,Designado e consagrado estou!

Reconheço meu ensejo:Autonomia, Liberdade e Amor!

Mãe de Deus, abençoe-me! (Márcia Rejaine Piotto, Estudante, 2016)

Iniciemos “ouvindo” a voz de Maria Alice Brugin de Arruda Leite. Ela reside em Lon-drina há 85 anos, desde 1931. Lembra que a casa de sua família foi a terceira construída em Londrina. A primeira foi de David Dequêch, e a segunda, de Alberto Koch. Sua família morava onde se localiza hoje a Rua Brasil esquina com Avenida Celso Garcia Cid. Seu irmão, Orlando Brugin, foi um dos primeiros a nascerem em Londrina, em 1932, porém foi regis-trado em Jataizinho.

A floresta ficava bem próxima. Havia muitas onças, ouvia-se as onças miarem. Certa vez viu uma fêmea com os filhotes, pensou ser um gato.

Seu pai fazia compras em Sertanópolis, a cavalo. Levava cerca de uma semana para ir e voltar. A mesa era farta, porém, lembra-se das dificuldades enfrentadas na época da guerra. Certo dia, o pai trouxe de Sertanópolis um pão de centeio, e sua mãe dividiu esse pão, fatia por fatia, e distribuíram aos filhos. Uma felicidade!

A vila que viria a se tornar a cidade de Londrina era tão pequena que, quando chegaram aqui, não havia outras crianças para brincarem. Apenas ela e seus irmãos.

Maria Alice foi a primeira aluna matriculada no Colégio Mãe de Deus, em 1936. Além dela, mais dois irmãos estudaram no Colégio. Lembra que seu pai, Eugênio Brugin, trabalha-va na Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), e na hora do almoço contou para sua mãe que havia acabado de chegar à cidade 12 irmãs vindas da Alemanha, que iriam abrir um colégio, e que a CTNP havia cedido duas salas para as aulas.

Ouviu o comentário de seu pai, ficou em silêncio. Depois, foi à procura das irmãs e pediu para matricular-se. Foi atendida por Malvina de Oliveira, professora e intérprete brasi-leira, pois as irmãs não falavam português. Na ansiedade de estudar insistiu com a professora, que anotou seu nome e disse-lhe que já estava matriculada. As aulas começaram em março e a sala era mista.

1 As fotos relativas ao Colégio Mãe de Deus pertencem ao acervo desse Colégio.

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Para a cidade de Londrina a vinda das irmãs foi um fenômeno, todos ficaram entusias-mados, “enxergavam” o futuro de seus filhos, pois elas vinham de um centro cultural. Trou-xeram aulas de piano, violino, pintura, datilografia, alemão, e outras novidades.

Em 1936 já havia internato e semi-internato, Maria Alice foi semi-interna. Lembra-se que vieram meninas de Rolândia como internas. Eram cinco as meninas semi-internas. Es-tudou até 1941. Depois do primário fez estudos por mais dois anos, em aulas particulares de datilografia, pintura, bordado, trabalhos manuais. Também aos domingos frequentavam a escola, as irmãs faziam muitos piqueniques, inclusive no sítio de sua família onde cultivavam uvas. Passavam o dia com as irmãs no Córrego das Pombas, onde é a COPEL. Balançavam com o cipó de uma margem a outra, “era formidável!”. Brincava-se de barrabol. As irmãs explicavam às crianças sobre uma capela que havia na Alemanha, Mãe Três Vezes Admirável de Schoenstatt2.

À época da Segunda Guerra Mundial conta que ficaram “presos” na cidade, sem viajar, só podiam falar em português, era difícil para os estrangeiros. Ainda sobre a guerra, conta que as irmãs passaram muitas dificuldades, inclusive fome. Havia censura, suas cartas eram aber-tas e os livros que usavam nas aulas foram recolhidos. Seu pai, Eugênio Brugin, tinha uma fa-zenda perto de Tamarana. Na época da colheita ajudava as irmãs com sacos de arroz e batata.

Dois anos após o fim da Segunda Guerra, foi aberto o “ginásio”. Nessa época a escola aceitava apenas meninas. A situação era bem difícil e o Instituto pedia que as alunas levassem talheres, toalhas, copos, guardanapos e outros itens, pois as irmãs não os tinham para oferecer às alunas.

Como observamos nas lembranças de Maria Alice Brugin de Arruda Leite, a trajetória do Colégio Mãe de Deus está na memória de muitos londrinenses e vinculada ao desen-volvimento da cidade. Registrar a sua trajetória é referir pessoas admiráveis e expressivas,

2 Schoenstatt é um bairro da cidade de Vallendar, próximo de Coblença, às margens do Rio Reno, Alemanha, e é traduzido como “belo lugar” (schoen: belo / statt: lugar) É o centro e origem do Movimento Apostólico de Schoenstatt. O Movimento, fundado por Padre Kentenich, em 1914, tem como objetivo a renovação religiosa e moral do mundo, por meio da educação de homens novos. Com uma espiritualidade e pedagogia própria, colabora para que as pessoas busquem a sua auto-educação, a fim de formarem-se pessoas fortes, livres e responsáveis.

As meninas: Fernanda, Leonilda, Maria Alice (3ª) e Ermelinda; os irmãos: 1º da esq. Laurindo,

atrás João e, ao lado da mãe Elvira, Emílio e o pai Eugênio, 1931.

Maria Alice Brugin de Arruda Leite, 27/10/16 .

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não apenas para o Colégio como também para Londrina. Segundo Irmã Rosa Maria Ruthes, Gestora Educacional, “O Colégio Mãe de Deus nasceu e cresceu em meio à exuberância da mata e da terra roxa”.

A instituição que viria a denominar-se Colégio Mãe de Deus nasceu em 1936. A cultura cafeeira atraía compradores de terra do Brasil e de outras nacionalidades, os quais almejavam também uma cultura religiosa e científica para seus filhos. O Instituto Secular das Irmãs Maria de Schoenstatt, de origem alemã, chegou ao Brasil, trazendo um “tijolo do local de funda-ção”, uma cruz, uma maquete do Santuário de Schoenstatt original e um violino.

As irmãs se fixaram primeiramente em Jacarezinho, no ano de 1935. Em 1936, doze ir-mãs foram enviadas para Londrina e aqui fundaram o Colégio Mãe de Deus. São elas: Calixta Hermam, Teresita Flesch, Floriberta Trost, Emanuele Seyfried, Almut Weingãrtner, Diethild Halm, Mariaregis Kessler. 2º Fila: Gerharda Pflips, Agneta Braun, Norberta Shulte, Margrit Lamm, Ludwiga Kestig.

Em 1936, foi criado o Instituto Mãe de Deus, com o curso primário. A primeira aluna a matricular-se foi Maria Alice Brugin, que ainda mora em Londrina. Dos 103 alunos matricu-lados, compareceram 76 no primeiro dia de aula. Aos poucos iam chegando os demais e, em maio, o Instituto contava com 110 matrículas.

Neste primeiro tempo, as irmãs atendiam a alunos de ambos os sexos. No início, a es-cola funcionava em duas salas de madeira cedidas pela Companhia de Terras Norte do Paraná (onde hoje está o edifício Palácio do Comércio, na Rua Minas Gerais) e foi dirigida por Irmã Norberta Schulte.

Irmãs fundadoras do Colégio Mãe de Deus.

Início das aulas, 1ª turma de alunos, 03/03/1936.

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A escola de madeira era pequena e não atendia à demanda de matrículas, sendo neces-sário buscar novos espaços. A construção da nova escola iniciou-se 1938, graças à atuação do Padre Erasmo Raabe, delegado provincial dos Padres Palotinos, que conseguiu o terreno por meio da Mitra Diocesana de Jacarezinho (a cuja jurisdição pertencia esta região eclesiástica). A Companhia de Terras do Norte do Paraná doou o terreno, o local onde hoje se localiza o Colégio Mãe de Deus, por decisão do então gerente, Arthur Thomas. A Mitra repassou esta propriedade para as irmãs.

A pedra fundamental do novo prédio, um tijolo abençoado pelo Padre José Kentenich, Fundador da Obra Internacional de Schoenstatt, e trazido da Alemanha por Irmã Almut Weingaertner, foi lançada no dia 11 de fevereiro de 1938. A construção ficou totalmente aos cuidados das Irmãs de Maria. Irmã Norberta Schulte relata que não se podia esperar ajuda de Londrina, porque as famílias estavam começando a se firmar economicamente e não dispu-nham de meios para ajudar.

Formatura, 1960. Ao fundo, a casa de madeira onde funcionou a 1ª escola.

Lançamento da Pedra Fundamental - 11/02/1938.

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Colégio Mãe de Deus, 1938.

Educação Infantil.

Recreio no Bosque - 1938.

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Em 17 de julho do mesmo ano já era inaugurada a primeira ala, a parte central localiza-da na Rua Pará, hoje denominada ala histórica. Eram quatro salas de alvenaria, com instala-ções para o internato, e uma casa de madeira que atendia as crianças da pré-escola. Em 1941, a escola foi registrada na Secretaria de Educação e Cultura, com a denominação de Instituto Mãe de Deus.

Com o crescimento da cidade, tornou-se necessária a expansão do Colégio, pois a cada ano aumentava o número dos alunos. Em 1947, a Instituição passou a dedicar-se somente à educação feminina para o primário e o ginásio. O ginásio, criado nesse ano, teve como pri-meiro diretor o Padre Alberto Strittmatter.

O plano de uma nova ala na lateral esquerda do prédio tornou-se realidade, podendo o Colégio abrigar suas 800 alunas e tornar-se um dos melhores estabelecimentos de formação para o Magistério no Paraná. Em 1951, o Colégio entra em nova fase administrativa. A comu-nidade das irmãs já incluía brasileiras habilitadas no campo da educação e Irmã Judite Lauer assume a direção. Quando a primeira turma do ginásio estava para concluir os estudos, os pais e as alunas pediram a criação de novos cursos para darem prosseguimento aos estudos no mesmo local. Em 23 de outubro de 1953, foi autorizada a Escola Normal Secundária que passou a funcionar no ano seguinte, com 24 alunas, conforme relatou a Irmã Maria Dorotéia Beggiato, primeira diretora do Curso Normal. O curso tornou-se um atrativo para a juventu-de feminina, por funcionar no período diurno e preparar professores para o ensino primário, muito necessário na época, pois só existia o magistério leigo, sobretudo na zona rural.

Em 1950, acontecia a construção do Santuário da Mãe, Rainha e Vencedora Três Vezes Admirável de Schoenstatt, localizado no pátio do Colégio e aberto à comunidade. À sombra do santuário, existe uma mangueira histórica...

Em 1972, para atender um número significativo de professores leigos, o Colégio Mãe de Deus criou a habilitação em Magistério de 2º grau, de 1ª a 4ª séries, em período integral, ministrado nas férias escolares nos meses de janeiro, fevereiro e julho. Em 1994, o Colégio ampliou sua área de ensino, ingressando na Informática Educacional, por uma parceria com o Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Universidade Estadual de Campinas.

Em 2002, o Colégio Mãe de Deus tornou-se, também, Instituto Superior de Educação, oferecendo o Curso Normal Superior, como uma das primeiras Instituições no Brasil, a aten-der à exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

A música sempre foi parte integrante da educação e cultura no Colégio há 70 anos. O curso de música teve início em 1945, e, onze anos mais tarde, foi criado o Conservatório de Música Mãe de Deus, abrindo caminho para a implantação, em seguida, da Faculdade de Música Mãe de Deus. A primeira diretora da nova instituição foi a Irmã Maria Wilfried Gassemayer que trouxe para o Brasil o Método Suzuki. Em 1986, foram criados os cursos de instrumentos musicais e o magistério em música, habilitações em nível médio.

Com a criação do Curso de Música da Universidade Estadual de Londrina, o Colégio, através de um convênio, confere-lhe sua experiência na área de ensino musical e abriga os alunos em seus primeiros anos de existência.

A partir de 1996, abre as suas portas, todos os anos no mês de julho, para aulas e apresentações do Festival de Música de Londrina. Desde o início do Festival, a instituição colabora com os cursos e possui ex-alunos como professores e diretores. Durante muitos anos realizou a Cantata de Natal, quando integrantes de um coral de 250 vozes se revezavam nas janelas do prédio histórico. Atualmente continua sendo referência para os cursos livres na cidade de Londrina com um andar estruturado e equipado para as diferentes modalida-

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des de instrumentos musicais e referência pedagógica no desenvolvimento da pedagogia de Schoenstatt.

No ano de 2011 o Colégio Mãe de Deus reabre as suas portas para meninos desde o berçário ao ensino médio. E, a partir de 2012, iniciou uma nova fase de modernização na área de gestão, atuando com planejamento estratégico, consultorias externas nacionais e interna-cionais e profissionalização de todos os setores da instituição.

Em 2013, avançou no processo de internacionalização, ao inserir na matriz curricular do Ensino Fundamental II e Ensino Médio três (03) línguas estrangeiras modernas: alemão, inglês e espanhol. Também neste ano, foi estabelecido um convênio com o Ministério das Relações Exteriores da República Federal da Alemanha e ofertado o ensino da língua alemã da Educação Infantil ao Ensino Médio, mediante o Projeto Pasch: “Escolas: uma parceria para o futuro”.

Em julho de 2014 foram realizados os primeiros intercâmbios para estudos na Alema-nha e continuando até os dias atuais. Ainda neste ano, o Colégio Mãe de Deus fez parceria com o Uno Internacional (UNOi). Tal parceria vem ao encontro do seu carisma educacional, fortalecendo uma união entre escola e família para transformar a educação. A concretização dessas propostas é fomentada também pela digitalização do ambiente escolar, pela cons-trução de uma atmosfera bilíngue, pela criação de uma rede internacional de instituições de ensino que aplicam a mesma pedagogia de Schoenstatt no mundo e pela avaliação constante dos alunos com ferramentas que atendem a necessidade de uma escola em movimento e transformação.

No ano de 2017 aplica em sua estrutura pedagógica o regime de estudo em oferta in-tegral de turno e contra turno, desde o Berçário, Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Uma educação integral exige currículo integral em tempo integral. Partindo desse eixo ordenador, a nova proposta ancora-se nos pilares de pedagogia da Schoenstatt: Amor, Auto-nomia e Liberdade.

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Frente do Colégio antes da reforma em 2015. Ao fundo Milca José Nascimento e Luiji Piotto Tirola. À frente Nícolas Yuij Piotto Kumekao, Márcia Rejaine

Piotto e Júlia Kaname Piotto Kumekao.

Gabriel e Tiago no pátio interno da Escola.

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Outro importante fator foi o desenvolvimento de um Plano de Melhoramento da Ges-tão Escolar: considera-se o desenho, a aplicação e a avaliação da Gestão Escolar com base nos resultados do processo de Diagnóstico Institucional, por um período aproximado de três anos. Sua formulação implica tomar decisões em relação às possibilidades de desenvolvimen-to do estabelecimento, visando à instalação progressiva do Modelo de Qualidade da Gestão Escolar na instituição.

Nesse sentido, em 2016, nas comemorações dos seus 80 anos, todo o prédio do Ensino Médio e Ensino Fundamental, Educação Infantil e Berçário, estavam climatizados e para as salas de aulas foram adquiridos novos e modernos mobiliários. O Colégio contava com um moderno ginásio poliesportivo. E com o Teatro Mãe de Deus comportando 535 lugares e estrutura que atende ao Colégio e à cidade.

Assim o Colégio Mãe de Deus, continua escrevendo sua história e oferece uma estrutu-ra completa para receber os alunos e suas famílias. Uma educação integral exige um currículo integral em tempo integral!

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Formatura de 1983.

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Cleide Vitor Mussini Batista, nascida em 1966, atua como professora e psicóloga. Es-tudou no Colégio Mãe de Deus dos 5 aos 17 anos. Quando pequena, passeando pelo centro da cidade com a mãe e, passando em frente ao Colégio mãe de Deus e admirando-o disse à mãe que gostaria estudar ali.

As brincadeiras no parque, na lateral do Colégio. Brincavam de ping pong e lanchavam sentadas na quadra, faziam peripécias pelo Colégio, desde escorregar pelo corrimão no cor-redor até adentrar na ala das irmãs para descobrir coisas... A escolha do ideal de turma, do desenho que representava. Depois, a experiência de cursar o Colegial pela manhã e à tarde, o magistério. Aulas aos sábados pela manhã. Um rol de 24 disciplinas.

Edson Lúcio Pieralisi e Rosângela Viezzi Pieralisi são nascidos em 1963 e 1962. Para eles o Colégio é uma Escola-Santuário (como o Santuário é um Santuário-Escola), onde a Mãe de Deus, como a grande Educadora, anda por seus corredores, está presente em cada sala, vive no coração de todos.

Dizem ter encontrado professores-educadores, que ensinam com alegria, que acredi-tam nos alunos, como a Professora Andréa (Alemão), a Professora Cíntia (Inglês), o Profes-sor Alessandro (Geografia), o Professor Geraldo (História), a Professora Simone (Ensino Fundamental), a Professora-Coordenadora Heloísa.

Vêem o Colégio como aliado na educação dos filhos, uma ajuda eficaz, que partilha os mesmos valores, a mesma espiritualidade e pedagogia. Seus filhos, Rafael e Beatriz, gostaram muito da oportunidade do contato com os alunos de outros Colégios Schoenstatianos dos outros países por ocasião do 1º Fórum Internacional dos Estudantes realizado em 2016. As vivências, o partilhar das culturas, o próprio intercâmbio do idioma, foram marcantes para suas vidas.

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Formanda Cleide Vitor Mussini Batista. Formatura de 1983.

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No espaço curto de tempo entre 1936 e os diais atuais, o desenvolvimento de Londrina foi acelerado. O Colégio Mãe de Deus acompanha esse movimento. No entanto, preserva sua filosofia, o Instituto Secular das Irmãs Maria de Schoenstatt, de nacionalidade alemã e com forte impulso missionário mantém-se atuante, fazendo efetivar sua tradição e objetivos.

Coautores:

Adirley EzequielAdriana Regina Piotto TirolaCleide Vitor Mussini BatistaDaniela Arrais da MotaEdson Lúcio PieralisiIdalina Cândida Barroso Araújo EzequielIlson Reginato TirolaIrmã Rosa Maria RuthesMaria Alice Brugin de Arruda LeiteRosângela Viezzi Pieralisi

Agradecimentos

Amauri Ramos da Silva – Arquivista, Especialista em Patrimônio Cultural.Aos funcionários do CMD pela prestatividade e empenho para a realização deste artigo.

BIBLIOGRAFIA

http://www.maededeus.edu.br/

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Família Piotto Tirola, Adriana Regina Piotto Tirola e Ilson Reginato Tirola. Os filhos Luigi e Bárbara, alunos do CMD. Bárbara, do CMD direto para

Oaklands College, Londres, 2016.