elaborar um álbum fotográfico de memórias familiares que … · 1867. o casamento durou 35 anos,...

4
Registos do tempo que passa As recordações capitalizadas registam-se como em cadernetas de poupança. Madame Alphonse Dau- det chama «cronologia feminina» às coleções de relíquias constituídas por mulheres, luvas usadas, por uma, amostras de todos os vestidos usados, por outra. Relíquias também as inscrições – algumas linhas de prosa, versos, desenhos – com que se enfeitava o «álbum» das damas e das meninas. A invenção da fotografia em 1836 (a abreviatura da palavra em «foto» data de 1876) e o seu desenvol- vimento depois de 1850 vão ser a oportunidade de constituir outros álbuns. O retrato a óleo instala o seu tema na eternidade da arte, fora do tempo. As fotografias conservam instantes. Por um lado são relíquias propícias à rememoração; por outro, no álbum, elas formam séries através das quais se apercebe a passa- gem do tempo, a evolução da criança que cresce, a família que se perpetua através de casamentos, nasci- mentos e batismos. [...] Os diários íntimos são também escritos para serem reservatórios de recordações. [...] É evidente que os diários íntimos podem fornecer detalhes preciosos sobre a vida daqueles que os escreveram. Mas são, sem dúvida, pelo menos tão interessantes no que testemunham do desejo de marcar o tempo. O mesmo acon- tece com as correspondências familiares regulares. [...] Estas cartas veiculam informações que podem ser lidas por toda a família, sobre os filhos, os negócios, as visitas e trocas interfamiliares, e acima de tudo sobre a saúde. Quase não contêm expressões de senti- mentos íntimos. A correspondência tem uma função ritual: marca concretamente a existência dos laços afetivos e vale menos pelo do que aí é dito do que pela regularidade do seu funcionamento. O desejo de ritmar o escoar do tempo aparece em estado puro na edição dos «livros de aniversário», seguindo o modelo dos birthday books ingleses. […] Aquele que tenho entre mãos pertenceu a Claire P. Châteaufort. Segundo as épocas da sua vida, Claire usou-o de formas diferentes: ou anotou aniversários e datas importantes, ou descreveu detalhada- mente certos dias, como num diário – e isto em momentos em que a sua existência era particularmente intensa, o seu noivado, a sua viagem à Rússia… A partir deste livrinho, encalhado num antiquário e cheio de anotações escritas, tão miudinhas que por vezes se tornam ilegíveis, podemos ir em busca do tempo que esta mulher quis preservar do esquecimento. Anne Martin-Fugier, 1990 – Os ritos da vida privada burguesa, em “História da Vida Privada”, dir. Ph. Ariès e G. Duby, vol. 4 “Da Revolução à Grande Guerra”, Lisboa, Círculo de Leitores Situação-problema Elaborar um álbum fotográfico de memórias familiares que abranja o período que decorre entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Saberes a mobilizar Saber Saber-fazer – Caracterizar a sociedade de classes oitocentista – Distinguir as classes burguesas quanto ao estatuto econó- mico e aos valores e comportamentos assumidos – Identificar a condição operária – Explicar o fenómeno emigratório – Pesquisar informação relevante, organizando-a segundo critérios de pertinência – Analisar fontes escritas e iconográficas – Colocar questões – Comunicar a informação de forma criativa e com correção linguística 5 10 15 20 25 Documentação doc A TEHA11-P3 © Porto Editora Resolução de situações-problema

Upload: dangbao

Post on 10-Nov-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Registos do tempo que passa

As recordações capitalizadas registam-se como em cadernetas de poupança. Madame Alphonse Dau-det chama «cronologia feminina» às coleções de relíquias constituídas por mulheres, luvas usadas, poruma, amostras de todos os vestidos usados, por outra. Relíquias também as inscrições – algumas linhasde prosa, versos, desenhos – com que se enfeitava o «álbum» das damas e das meninas.

A invenção da fotografia em 1836 (a abreviatura da palavra em «foto» data de 1876) e o seu desenvol-vimento depois de 1850 vão ser a oportunidade de constituir outros álbuns. O retrato a óleo instala o seutema na eternidade da arte, fora do tempo. As fotografias conservam instantes. Por um lado são relíquiaspropícias à rememoração; por outro, no álbum, elas formam séries através das quais se apercebe a passa-gem do tempo, a evolução da criança que cresce, a família que se perpetua através de casamentos, nasci-mentos e batismos. [...]

Os diários íntimos são também escritos para serem reservatórios de recordações. [...] É evidente que osdiários íntimos podem fornecer detalhes preciosos sobre a vida daqueles que os escreveram. Mas são, semdúvida, pelo menos tão interessantes no que testemunham do desejo de marcar o tempo. O mesmo acon-tece com as correspondências familiares regulares. [...]

Estas cartas veiculam informações que podem ser lidas por toda a família, sobre os filhos, os negócios,as visitas e trocas interfamiliares, e acima de tudo sobre a saúde. Quase não contêm expressões de senti-mentos íntimos. A correspondência tem uma função ritual: marca concretamente a existência dos laçosafetivos e vale menos pelo do que aí é dito do que pela regularidade do seu funcionamento.

O desejo de ritmar o escoar do tempo aparece em estado puro na edição dos «livros de aniversário»,seguindo o modelo dos birthday books ingleses. […]

Aquele que tenho entre mãos pertenceu a Claire P. Châteaufort. Segundo as épocas da sua vida,Claire usou-o de formas diferentes: ou anotou aniversários e datas importantes, ou descreveu detalhada-mente certos dias, como num diário – e isto em momentos em que a sua existência era particularmenteintensa, o seu noivado, a sua viagem à Rússia… A partir deste livrinho, encalhado num antiquário echeio de anotações escritas, tão miudinhas que por vezes se tornam ilegíveis, podemos ir em busca dotempo que esta mulher quis preservar do esquecimento.

Anne Martin-Fugier, 1990 – Os ritos da vida privada burguesa, em “História da Vida Privada”, dir. Ph. Ariès e G. Duby, vol. 4 “Da Revolução à Grande Guerra”, Lisboa, Círculo de Leitores

Situação-problemaElaborar um álbum fotográfico de memórias familiares que abranja o período que decorre entreas últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX.

Saberes a mobilizar

Saber Saber-fazer

– Caracterizar a sociedade de classes oitocentista

– Distinguir as classes burguesas quanto ao estatuto econó-

mico e aos valores e comportamentos assumidos

– Identificar a condição operária

– Explicar o fenómeno emigratório

– Pesquisar informação relevante, organizando-a segundo

critérios de pertinência

– Analisar fontes escritas e iconográficas

– Colocar questões

– Comunicar a informação de forma criativa e com correção

linguística

5

10

15

20

25

Documentaçãodoc

A

TE

HA

11-P3 ©

Porto E

ditora

Resolução de situações-problema

A fotografia

doc

B

1. Família francesa, c. 1900. 2. Mãe e filha, Portugal, 1899. 3. A filha, em 1905, Portugal.

A família do Paço

O avô Teixeira, com todo o ar dostoiewskiano, casou emmarço de 1867 com Justina, filha de José Bento de Bessa, doLugar do Barral. Ele tinha 41 anos quando casou e ela 28,idade que, para uma noiva, era já um pouco avançada, nessetempo. Explica-se isso porque Justina ficara enamoradadesde os sete anos por José, com 20 anos, quando ele a aju-dou a passar um ribeiro em dia de invernia e lhe disse quese casaria com ela, um dia. Esse dia chegou a 3 de março de1867. O casamento durou 35 anos, sem que se apagassenunca a memória do amor da infância e o espírito dumaunião em que os elementos tiveram a sua parte mais sensí-vel. É possível que fosse em março que se viram pela pri-meira vez. Como em março nasceram quatro dos seis filhos.

O rapazinho à direita é meu pai, Arthur Teixeira deBessa, que foi para o Brasil aos doze anos, por efeito daruína da casa de lavoura e duma questão perdida em tribunal. Amélia, que foi o modelo para A Sibila,tinha dezassete anos quando o irmão partiu para o Rio de Janeiro, onde esteve vinte e cinco anos e fez for-tuna considerável. Uma parte da Rua do Ouvidor pertencia-lhe. Eram tempos airosos de fantasia paraquem se fazia ao mundo. Eu tive que abrandar o espírito de aventura e do sabor do ganho não tirei par-tido. Porém, gosto do triunfo que, para ser desculpado, se diz que é aprovação de Deus.

Meu avô Teixeira era perdulário, valente, amava as mulheres, o que é mais do que as desejar. Tinhapor elas um respeito gracioso e sem adulação. Elas adoravam-no e faziam bem. Que há poucos homensque saibam amar as mulheres e merecê-las.

Agustina Bessa-Luís, 2007 – O Livro de Agustina Bessa-Luís, Lisboa, Guerra & Paz Editores

5

10

doc

C

15

20

TE

HA

11-P

3 ©

Por

to E

dito

ra

Resolução de situações-problema

A família Périer

1.ª geração – Cerca de 1730, o antepassado é mercador de panos em Voiron; compra terras e outrosbens imóveis.

2.ª geração – Claude exporta os panos para as ilhas (via Marselha), cria uma fábrica de papel pin-tado. A revolução prejudica numa primeira fase os seus negócios; ele paga as suas dívidas em assinados(Títulos do Tesouro), cria grandes fábricas de armamento em 1794, compra bens nacionais e a maiorparte da Companhia de Anzin. Financia o golpe de Estado de 18 do brumário; é um dos fundadores daBanca francesa.

3.ª geração – Casimir Périer, seus irmãos e cunhados (em 10 filhos e genros de Claude, 8 serão depu-tados) compram as fundições de Chaillot, criam o Banco Périer em Paris (1801) e equipam as minas deAnzin com máquinas a vapor. Em 1832, Casimir Périer é primeiro-ministro, gerente da Banca Francesa ediretor do Banco Périer.

4.ª geração – Fornece um gerente do Banco de França e um ministro em 1871.

5.ª geração – Jean Casimir Périer é presidente da Câmara dos Deputados, presidente da III Repú-blica (1894-95).

Os Périer financiam e controlam numerosas empresas metalúrgicas, mineiras e bancárias.

D. François, J. François e R. Haurez, 1971 – L’Époque Contemporaine 3.e, Paris, Bordas

doc

D

5

10

15

1. Que “registos do tempo que passa” são indicados no doc. A? De que nos informam eles? A que os

compara a autora?

2. Faça uma breve pesquisa sobre a invenção da fotografia.

3. Que tipo de informação podemos tirar das fotografias inseridas no doc. B?

4. O que ficou a saber sobre a família paterna da escritora Agustina Bessa-Luís (doc. C)? Quantas gerações

lhe parecem estar presentes na fotografia que ilustra o texto?

5. Por que é a família Périer uma dinastia burguesa (doc. D)? Está nela presente a mobilidade social?

Porquê? Por que se tornaram políticos alguns dos seus membros?

6. Parta, agora, para a elaboração do seu álbum fotográfico de memórias familiares.

6.1. Pesquise fotos, correspondências, diários.

Atividades

TE

HA

11-P3 ©

Porto E

ditora

Resolução de situações-problema

6.2. Faça perguntas a essas fontes orais notáveis que são os avós e/ou os bisavós:

– Quem são os familiares das fotos? De que localidade eram oriundos? Onde passaram a sua vida?

Algum deles participou no êxodo rural? Algum deles emigrou?

– Ainda existem as casas onde alguns deles habitaram?

– Quais as sua ocupações profissionais? Houve algum negócio que se tivesse perpetuado na famí-

lia? Esteve algum familiar envolvido em conflitos laborais? Existiu mobilidade social na família?

– Há alguma história curiosa relacionada com algum dos seus familiares?

6.3. Legende as fotografias e organize-as, na medida do possível, cronologicamente e segundo os

ramos materno e paterno.

6.4. Construa um pequeno trecho que esclareça algo mais sobre o conteúdo das fotografias. O estilo

dos textos dos docs. C e D poderá ajudá-lo(a).

6.5. Apresente o produto final à turma.

N.B. – Seja criativo(a) e original.

– Lembre-se de que deve privilegiar o período compreendido entre as últimas décadas do século XIX

e as primeiras do século XX.TE

HA

11-P

3 ©

Por

to E

dito

ra

Resolução de situações-problema