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Eixo: História e Historigrafia da Educação FOTOGRAFIAS DE ESCOLAS: FONTES PARA UMA HISTÓRIA SOCIAL DA EDUCAÇÃO DE IGUAÇU (1933) Amália Dias (FEBF/PPGECC-UERJ) 1 Resumo: A partir do resultado de pesquisa acerca dos processos de escolarização em Iguaçu (1916-1933), município do estado do Rio de Janeiro, apresentamos uma análise sobre as possibilidades de contextualização das origens sociais dos alunos e docentes que aparecem num conjunto de fotografias de escolas, encomendadas pelo prefeito, por ocasião da comemoração do centenário do município, em 1933. A distribuição espacial das escolas é investigada à luz das funções econômicas destinadas às distintas paisagens do munícipio, posto que as funções da escola também são compreendidas como partícipes de um projeto político de hegemonia de setores daquela sociedade local em correlação com projetos estaduais e nacionais. As fotografias são examinadas em confluência com a historiografia acadêmica existente sobre a região da Baixada Fluminense. Os resultados da pesquisa buscam diminuir a lacuna de estudos sobre história da educação local no estado do Rio de Janeiro, posto que a maior parte dos estudos trata da cidade do Rio de Janeiro, em diferentes períodos históricos. Palavras-chave: Iguaçu; fotografia; escolas. 1 Professora Adjunta de História da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas (PPG/ECC) da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (UERJ Duque de Caxias). Rio de Janeiro, Brasil. [email protected]

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Eixo: História e Historigrafia da Educação

FOTOGRAFIAS DE ESCOLAS: FONTES PARA UMA HISTÓRIA SOCIAL DA

EDUCAÇÃO DE IGUAÇU (1933)

Amália Dias (FEBF/PPGECC-UERJ)1

Resumo: A partir do resultado de pesquisa acerca dos processos de escolarização em

Iguaçu (1916-1933), município do estado do Rio de Janeiro, apresentamos uma análise

sobre as possibilidades de contextualização das origens sociais dos alunos e docentes

que aparecem num conjunto de fotografias de escolas, encomendadas pelo prefeito, por

ocasião da comemoração do centenário do município, em 1933. A

distribuição espacial das escolas é investigada à luz das funções econômicas destinadas

às distintas paisagens do munícipio, posto que as funções da escola também são

compreendidas como partícipes de um projeto político de hegemonia de setores daquela

sociedade local em correlação com projetos estaduais e nacionais. As fotografias são

examinadas em confluência com a historiografia acadêmica existente sobre a região da

Baixada Fluminense. Os resultados da pesquisa buscam diminuir a lacuna de estudos

sobre história da educação local no estado do Rio de Janeiro, posto que a maior parte

dos estudos trata da cidade do Rio de Janeiro, em diferentes períodos históricos.

Palavras-chave: Iguaçu; fotografia; escolas.

1 Professora Adjunta de História da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e

Comunicação em Periferias Urbanas (PPG/ECC) da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense

(UERJ – Duque de Caxias). Rio de Janeiro, Brasil. [email protected]

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Introdução

Nielson Bezerra identifica, no exame da produção bibliográfica sobre a Baixada

Fluminense, certa invisibilidade sobre a questão racial na região no pós-Abolição e nos

estudos sobre a citricultura (Bezerra, 2012). Contudo, em pesquisa desenvolvida sobre

os processos de escolarização no distrito-sede do município de Iguaçu, Nova Iguaçu, as

fontes informaram a presença de alunos e professores negros nas escolas de Iguaçu. Os

dados acerca do impressionante crescimento populacional em Nova Iguaçu, entre as

décadas de 1920 e 1940, e os próprios interesses da pesquisa, demandaram a

compreensão sobre quem eram os indivíduos abarcados pelo processo de escolarização

e da citricultura no distrito-sede. Nesse sentido, a compreensão do processo de

implementação da rede escolas públicas, particulares e subvencionadas do munícipio

considerou as transformações econômicas, políticas e demográficas ocorridas naquele

território.

Entre 1892 e 1920, quando houve a reordenação da sede do município para

Maxambomba (1891), ocorreu pouca perda territorial e a diminuição da população que

habitava a antiga sede (Cava). Verifica-se o crescimento populacional no distrito que

recebe a nova sede e que é o principal polo de cultivo e de beneficiamento da laranja

(Jacutinga).

Tabela 1 – População do município de Iguaçu, 1892-1920

1892 1920

Iguaçu: 1.499 km2 Iguaçu: 1.315 km2

Distritos Recenseamento estadual Distritos

correspondentes

Recenseamento nacional

Jacutinga 6.840 Iguaçu 12.382

Marapicu 5436 Queimados 3.063

Cava (ant. Iguassu) 4372 Cava 2001

Meriti 2761 Pavuna 8255

Palmeiras 2342 Santa Branca 1261

Pilar 2475 Xerém 2823

Nilópolis ------ São Mateus 3611

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Total: 24.226 33.396

Fonte: Adaptado de Maia Forte, 1933; Soares, 1962.

Ainda que não haja a intenção de utilizá-los como dados precisos, os dados

servem como balizas para dimensionar o contingente populacional da região e os usos

do território. A comparação com os dados de 1940 permite dimensionar as

transformações ocorridas nessas décadas no município.

Tabela 2 – População do município de Iguaçu (1940)

Nova Iguaçu População Urbana e suburbana Rural

Nova Iguaçu 34.680 20.598 14.082

Belford Roxo 7.434 4.051 3.383

Bonfim 1.232 61 1.171

Cava 3.048 455 2.593

Caxias 24.711 23.707 1.004

Estrela 3.617 256 3.361

Meriti 39.569 38.194 1.375

Nilópolis 22.341 22.341 _

Queimados 3.974 1.016 2.958

Total: 140.606 110.679 29.927

Fonte: IBGE, 1948b, p.17 (grifo nosso).

Nos anos de 1940 não houve perda territorial, e a população passou de 33.396

habitantes para 140.606, isto é, quadruplicou. Entre 1920 e 1940 houve crescimento

populacional em todos os distritos do município. Os principais distritos que atestam o

crescimento são Nova Iguaçu, devido à citricultura, Meriti, Nilópolis e Caxias, devido

ao processo de loteamentos. O crescimento populacional no município, que foi

vertiginoso no período, ocorreu pelo afluxo de trabalhadores, tanto do estado do Rio de

Janeiro, das regiões próximas do Vale do Paraíba (Costa, 2011), quanto de nordestinos e

estrangeiros.

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Para o ano de 1940, há dados disponíveis sobre a distribuição da população

(tabela 2). A fonte consultada não esclarece os conceitos de “urbano e suburbano”, mas

interessa observar o resultado do processo de loteamentos no município, que resultou

numa população “urbana e suburbana” maior do que a rural, inclusive no distrito-sede,

ainda bastante ancorado na citricultura na década de 1940.

Contudo, é o distrito-sede que concentra expressivamente a maior parcela da

população rural do município. A comparação entre os dados acerca da população

“urbana e suburbana” e “rural” entre os distritos mais populosos do município em 1940,

Nova Iguaçu, Caxias, Meriti e Nilópolis, apresenta maior equilíbrio entre o número da

população urbana e rural no distrito-sede, Nova Iguaçu, do que a proporção verificada

nos distritos de Caxias, Meriti e Nilópolis (tabela 2,.

Maria Segadas Soares (1962) destaca o crescimento da população, entre 1920 e

1940, devido à “suburbanização” dos distritos limítrofes ao Distrito Federal, mas

ressalta, também, o expressivo crescimento populacional nos distritos “essencialmente

agrícolas”, Nova Iguaçu, Cava, Queimados e Bonfim, que foi da ordem de 18.707

habitantes em 1920, para 43.167 em 1940. Esse aumento devia-se à citricultura, que

atraiu pessoas principalmente para o distrito-sede, posto que para esse distrito afluíram

22.585 dos 24.467 habitantes a mais registrados pelo censo de 1940:

Tais números expressam bem o grande afluxo de pessoas para as

lides agrícolas na região mais próxima da cidade [...]

Fracionamento intenso da terra, afluxo da população para a zona

rural, laranjais que se multiplicavam cada vez mais, fortunas que

surgiam rapidamente, ligadas, principalmente, ao

beneficiamento e à exportação da laranja, tudo, enfim,

representava riqueza para uns, prosperidade para outros,

trabalho para muitos. Ano para ano, crescia, em grandes

proporções, a área ocupada pelos laranjais (Soares, 1962, p.55).

A pesquisa sobre as escolas existentes na região demonstram o crescimento do

número de escolas públicas, ainda que esse crescimento não fosse proporcional ao

crescimento do afluxo de pessoas.

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Sob a ótica das relações entre os processos de escolarização e o “progresso” de

“Nova” Iguaçu, compreende-se por que a instrução escolar ocupava posição relevante

nas ações políticas da administração municipal. Inscrita nas demandas da imprensa e de

associações da sociedade civil, a oferta da escolarização era concebida como elemento

simultaneamente estruturante e indicador do desenvolvimento regional.

A análise da ação municipal em matéria de instrução pública atesta um

crescimento expressivo do número de escolas, ainda que esse crescimento,

provavelmente, tenha sido irrisório em face do crescimento populacional ocorrido no

período. Ao examinar a atuação municipal, sabe-se da existência de uma escola em

18932 e nove escolas municipais em 19203. Em 1925, das 29 escolas públicas do

município,4 11 eram municipais5. O prefeito defendia, em mensagem enviada à Câmara

de Vereadores, a criação da inspeção das escolas municipais. O prefeito Otávio Ascoli

argumentava sobre a importância da fiscalização e instrução do professorado “feita por

alguem competente”, a fim de garantir que “seja eficiente o sacrifício do Municipio” e

que as escolas “deem o resultado almejado”.6

Em 1926, o município comparecia em 4º lugar no número de escolas primárias

do estado, com 32 unidades, não sendo considerado, no ranking, o número de escolas da

capital do estado, Niterói.7 A colaboração do município de Iguaçu também era

salientada no relatório do diretor da Instrução Pública do estado, José Duarte Gonçalves

da Rocha, em 1928, que avaliava positivamente o auxílio dos municípios para a

organização da instrução pública. Naquele ano, o município era responsável por 14

escolas primárias.8

Entre os primeiros atos da administração de Sebastião de Arruda Negreiros em

1931, destaca-se a nova organização e localização para o conjunto das 24 escolas

2 O 1º CENTENÁRIO DO MUNICÍPIO DE IGUASSÚ. 15 jan. 1933. 3 Informação retirada da Tabela Orçamentária da Câmara Municipal, publicada no Correio da Lavoura,

30 dez. 1920, ano IV, n.198. 4CLASSIFICAÇÃO DE ESCOLAS. 9 abr. 1925. 5MENSAGEM DO SR. PREFEITO. 22 mar. 1925.

6MENSAGEM DO SR. PREFEITO. 22 mar. 1925. 7Relatório da Diretoria da Instrução Pública apresentado ao Secretário do Interior e Justiça pelo Diretor da

Instrução Pública, José Duarte Gonçalves da Rocha. Rio de Janeiro, Tipografia do Jornal do Commercio,

1927. Biblioteca Estadual de Niterói, p.255-257. 8MENSAGEM DO SR. PREFEITO. 2 ago. 1928.

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municipais, distribuídas de acordo com a densidade populacional dos distritos. Todos os

professores em exercício foram exonerados dos cargos, para realização do recrutamento

por concurso.9O jornal Correio da Lavoura exaltava a iniciativa municipal:

A instrucção publica sempre tão despresada, não obstante o que

de importante representava para a nossa vida de povo orgasido

(sic), recebeu de s.s. um sopro de vida com a organisado (sic)

que lhe deu novos moldes, condizentes com os recursos

disponiveis e reclamos immediatos.10

Em 1932, 29 escolas eram mantidas pela municipalidade e três eram

subvencionadas: Escola S. José, em Nilópolis; Escola Humildade e Caridade, de

Andrade Araújo; e o Ginásio Leopoldo.11

Em 1933, havia 33 escolas municipais, localizadas preferencialmente nos

centros mais importantes da zona rural.12 Ou seja, o número de escolas municipais foi

duplicado entre 1928 e 1933. Além disso, havia no município cinco escolas particulares

(sendo três delas subvencionadas pela prefeitura) e 40 escolas isoladas mantidas pelo

estado, além do grupo escolar. Com esse número de escolas municipais, o município de

Iguaçu ocupava também o 4º lugar no ranking da rede escolar mantida pelas

municipalidades do estado do Rio de Janeiro, ficando atrás apenas de Itaperuna (53),

Campos (49) e Nova Friburgo (37).13

É necessário ressaltar ainda que a distribuição das escolas pelo território do

município atendia a critérios de localização e diferenciação entre escolas rurais e

urbanas. O distrito-sede, Nova Iguaçu, recebeu o maior número de escolas urbanas e

rurais, sendo as urbanas em maior proporção. Para os demais distritos, era menor o

número e as poucas escolas também estavam localizadas, na maioria, nas regiões mais

urbanizadas dos distritos.

9 PREFEITURA MUNICIPAL DE IGUASSÚ. 12 mar. 1931. 10 O RELATÓRIO DO SR. PREFEITO DE IGUASSÚ. 27 ago. 1931. 11 Negreiros, Sebastião de Arruda. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Comandante Ary Parreiras,

interventor do Estado do Rio, pelo Exmo Sr. Dr. Sebastião de Arruda Negreiros, Prefeito de Iguaçu,

durante o ano de 1931. Iguaçu, 1932. 12 Estado do Rio de Janeiro. O governo do Estado do Rio de Janeiro e de suas municipalidades durante o

ano de 1933. Relatório da Interventoria ao Exmo. Sr. Presidente da República. Ary Parreiras, Niterói,

1934. 13 PARREIRAS, Ary. Estado do Rio de Janeiro. Relatório da Interventoria ao Exmo. Sr. Presidente da

República. Período de 1931-1934. Niterói, 1935, p.120.

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Retratos da modernidade?

Nesse período, por ocasião do aniversário de centenário do município, em 1933,

o prefeito encomendou uma coleção de imagens de escolas e estradas. Os pesquisadores

da região referem-se ao conjunto de fotografias como “Coleção Arruda Negreiros”.

Percorrendo os acervos do Instituto de Pesquisas Históricas e Análises Sociais da

Baixada Fluminense (ipahb), do Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu (ihgni)

e de particulares, foi possível reunir e digitalizar 76 fotografias de escolas.

Esse conjunto não é o acervo completo de fotografias de escolas. Não houve

acesso ao conteúdo do álbum na sua integridade. Em algum momento, o álbum foi

desfeito, as fotos foram distribuídas, pelo que se pode notar, conforme a área de atuação

desses pesquisadores e instituições. Assim, fotos de escolas do distrito-sede ficaram

com o Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu, fotos de escolas de São João de

Meriti foram depositadas no Instituto de Pesquisas Históricas e Análises Sociais da

Baixada Fluminense (IPAHB). Não foi descoberto se a Prefeitura, ou outro pesquisador,

possui outra edição ou cópia da coleção. A datação das fotografias é atribuída ao

período entre 1932 e 1933, em função de o centenário de fundação da vila ter ocorrido

em janeiro de 1933 e pelo cruzamento com informações de outras fontes de pesquisa.

A fotografia, tal como qualquer registro instrumentalizado como fonte pelo

historiador, precisa ser problematizada e interrogada. Recompor a origem e trajetória do

acervo e as possíveis imbricações com outros documentos ou fotografias amplia as

possibilidades de uso para além de insuficientes, e por vezes, inadequados, recursos de

ilustração (Mauad, 2009, p.254). Na recuperação do circuito da produção social das

fotografias da Coleção Arruda Negreiros, identifica-se que, produzidas para compor os

festejos pelo centenário da Vila de Iguaçu, em 1933, são resultado de um processo de

construção de sentido (Mauad, 2004, p.27). A fotografia, na ótica da administração

municipal, foi utilizada com um recurso para “monumentalizar” e “documentar” as

realizações no município. O registro de escolas e estradas explicitava os esforços

presentes no município pela escolarização da população e pelo desenvolvimento de uma

infraestrutura que viabilizasse o transporte da produção e de trabalhadores dos laranjais.

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Interessa investigar o que as fotografias deixam entrever sobre as escolas em

Nova Iguaçu. A identificação de quais escolas pertenciam ao distrito-sede ou aos outros

distritos foi iniciada a partir da legenda manuscrita em cada uma das 76 fotografias. As

legendas, nem sempre precisas, informam o tipo de escola, o nome, a localidade, como,

por exemplo, “Escola Desembargador Eloy Teixeira, Queimados”.14 O recurso a

informações mais precisas, para escolas que possuíam documentos no Fundo

Departamento de Educação, completou este mapeamento.

Ensaiando uma análise de como o espaço é recortado nas fotografias, à luz das

categorias do rural e do urbano, algumas observações emergiram. As observações foram

feitas a partir da leitura da sequência das fotos do distrito-sede, reunidas em um

conjunto, e das escolas das demais localidades do município, alocadas em outra

sequência. Para as 39 fotografias de escolas do distrito-sede, 23 apresentam os alunos

uniformizados. Das 37 imagens das demais escolas do município, apenas 11 apresentam

alunos uniformizados.

A sequência de escolas do distrito-sede apresenta uma variação maior do tipo de

escolas: há o Grupo Escolar, o Ginásio Leopoldo, escolas noturnas, e também escolas

mistas, municipais e estaduais. Nas fotografias de outras localidades do município,

predominam escolas públicas mistas, estaduais e municipais. As fotos do distrito-sede e

das demais localidades não são tão distintas no que concerne aos aspectos da paisagem.

A presença de árvores e plantas, o chão batido, tudo isso em torno do prédio da escola

caracteriza ambos conjuntos. Outras fotografias, do centro do distrito-sede de Nova

Iguaçu, também demonstram que os poucos equipamentos urbanos existentes

coexistiam com os laranjais. Até uma laranja integrou o cenário de uma fotografia de

escola do distrito-sede:

14 Fotografia. Acervo do IHGNI.

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Figura 1 – Fotografia da Escola Municipal Andrade de Araújo

Fonte: Acervo IHGNI, Coleção Arruda Negreiros.

O enquadramento realizado pelo fotógrafo demonstra pouca preocupação com as

margens da fotografia. Partes de árvores, de paredes, de objetos, e pessoas que

observavam a fotografia sendo tirada foram algumas vezes incorporados à foto. Em

alguns casos, as crianças e professores foram dispostos à frente de muros ou abaixo de

árvores.

Figura 2 – Fotografia da Escola Dr. Tavares Guerra, em São João de Meriti

Fonte: Acervo IPAHB, Coleção Arruda Negreiros.

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Figura 31 – Fotografia da Escola Mista n.16

Fonte: Acervo IPAHB, Coleção Arruda Negreiros.

Algumas fotografias também suscitam a impressão de que o fotógrafo estava

numa posição pouco confortável, entre galhos e matos, no meio da rua...

Figura 42 – Fotografia da Escola mista n.26, em Vila Rosaly

Fonte: Acervo IPAHB, Coleção Arruda Negreiros.

Contudo, o que é mais notável são os sujeitos que aparecem nessas fotos. Pois

são os sujeitos que representam a “escola”, e não uma arquitetura especifíca ou nomes

em fachadas. Professoras negras, professoras brancas, alunos e turmas uniformizados,

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alunos e turmas sem uniforme. Escolas em prédios, escolas em quintais. Alunos que

aparentam mesma idade numa mesma turma, alunos e alunas, posando juntos, das mais

diferentes idades. Algumas fotografias apresentam escolas com grande contingente de

alunos se comparadas a outras fotos, com poucos alunos em volta da professora. Essa

diversidade aparente nas fotografias remete à questão da coexistência de diversos tipos

de organização dos espaços, tempos, saberes e sujeitos da escolarização.

Nas escolas primárias retratadas, públicas ou subvencionadas, mistas, femininas

ou masculinas, o perfil racial da população escolar atesta a presença da população negra

na região. Estudos anteriores sobre os processos de escolarização em Iguaçu, no século

XIX, já discutiam a presença de crianças negras e pardas matriculadas nas escolas da

região (GUEDES, 2009; 2012). A questão do acesso e permanência dessa população

nas escolas primárias tem suscitado amplo debate na historiografia da educação sobre as

possibilidades de instrução dessa parcela da população, numa sociedade hierarquizada

pela escravidão Novos estudos em história da educação têm possibilitado conhecer e

refletir sobre os debates, entraves e iniciativas para o ingresso de negros nas escolas,

como alunos ou professores, desde o século XIX (Fonseca, 2009; Gondra; Schueler,

2008; Müller, 2008; Schueler, 1997; Silva, 2000; 2007; Veiga, 2008)

Para a história da Baixada Fluminense, que já é comtemplada com uma

significativa produção acadêmica, a problematização dessas imagens permite observar

aspectos da população do território que, muitas vezes, não foi contemplada pela

historiografia mais tradicional da região. Se para os anos 1920 e 1930 os estudos sobre

Iguaçu procuram enfatizar a importância da produção agrário-exportadora do município

para a economia do Estado, expondo fontes sobre a produção de laranjas e a

prosperidade dos proprietários de terra e comerciantes locais, pouco se sabe sobre os

trabalhadores que para a região migraram em busca de trabalho.

Assim, ao interrogarmos sobre quem seriam as crianças e os adultos que

aparecem nas imagens, somos levados a dialogar com as pesquisas que se debruçam

sobre o pós-abolição na Baixada. Na pesquisa em história, ajustar as lentes para

observar a experiência dos sujeitos é um meio de capturar como estrutura e processo se

articulam. A ordenação do mundo do trabalho naquela região esclarece sobre os usos do

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território e das relações entre o rural e o urbano no distrito-sede. Qual o perfil dessa

população do distrito-sede? Estava empregada em quais atividades?

Carlos Eduardo Costa (2011) apresenta conclusões importantes de pesquisa

acerca de parte da população que aflui para a Nova Iguaçu entre as décadas de 1920 e

1940. Ao recuperar as experiências dos egressos do cativeiro e de seus descendentes no

pós-Abolição, na região do Vale do Paraíba fluminense, Carlos Eduardo Costa

identifica a migração de negros, pretos e pardos, da região de Vassouras para a região

de Iguaçu, no auge da citricultura. Sua pesquisa abarca também um quadro do perfil

populacional. Pelos registros civis de nascimentos e óbitos foram constatadas a fixação

e a permanência destes migrantes pardos e pretos em Nova Iguaçu, assim como as de

nordestinos e estrangeiros.

No Vale do Paraíba, parte das estratégias dos ex-escravos foi manter-se nas

antigas fazendas de café, continuando suas experiências de roçado. Essa ambição era

alimentada pela perspectiva de garantir a moradia e os vínculos da família que,

trabalhando junto na produção do roçado, garantia também relativa autonomia. Os

proprietários precisavam manter a mão de obra para a cultura dos cafezais. Contudo, a

diversificação da produção e a abertura de áreas para o eucalipto e a pecuária iam

atribuindo outros usos ao solo e diminuindo a demanda por trabalhadores no Vale do

Paraíba nas primeiras décadas republicanas (Costa, 2011, p.4).

Nesse sentido, cabe considerar que o “mundo rural, da Primeira República, era

novo para todos, principalmente para ex-escravos e ex-senhores” (Costa, 2009a, p.3), o

que incitava novas experiências do mundo do trabalho e no emprego da população e do

território. Os conflitos entre trabalhadores rurais e proprietários motivaram a migração,

o deslocamento dos ex-escravos e seus descendentes, em busca de novas condições de

sobrevivência e trabalho (Nascimento, 2001, p.4). Cabe ressaltar, contudo, que a

migração foi uma estratégia autoral destes grupos, como um dos recursos de construção

da liberdade (Costa, 2008, p.26).

A investigação sobre os destinos de migração de egressos de cativeiros e

descendentes de escravos da região do Vale do Paraíba para outras regiões do país, entre

1850 e 1959, revela um crescimento expressivo do quantitativo de pessoas que afluem

para a Baixada Fluminense entre as décadas de 1910 e 1930 (Costa, 2011, p.2). Essa

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constatação é pertinente com os censos demográficos do período, como foi visto

anteriormente.

Na análise dos registros civis de nascimento e óbito feitos em cartórios de

Iguaçu, e mantendo a categoria inscrita nas fontes de identificação da cor como preto,

pardo e branco, descobre o autor “a presença expressiva da população de pretos e

pardos buscando os registros civis de nascimento e de óbitos, entre os anos de 1889 e

1940” (Costa, 2011, p.7). O incentivo governamental aos registros é constante no

período. Alterações na legislação removiam empecilhos como a cobrança de taxas ou

pagamento de multas por registros tardios. O crescimento no número de registros de

pretos e partos representava, também, a busca pela legitimação da família e da condição

de cidadania batalhada por esses sujeitos no pós-Abolição (Costa, 2011, p.8-9). Pelas

informações acerca das regiões de origem, pessoas advindas de estados do Nordeste do

país e do estrangeiro (principalmente portugueses, italianos e espanhóis) também

caracterizaram, em grande número, a migração ocorrida na região (Costa, 2011, p.16).

Neste sentido, Carlos Costa argumenta que, além dos motivos que forçavam a

saída dos ex-escravos do Vale do Paraíba, a citricultura em Iguaçu atraiu esses

migrantes e possibilitou modos de permanência desses egressos do cativeiro e seus

descendentes. A reorganização da estrutura fundiária promovida pela citricultura, com

os arrendamentos, o trabalho em chácaras e os loteamentos, pode ter facilitado a fixação

desses trabalhadores migrantes na região.

Dessa forma, a década de 30 tornou-se um dos momentos definidores

da situação de pretos e pardos no Estado do Rio de Janeiro. O avanço

urbano do Município de Nova Iguaçu possivelmente permitiu aos ex-

escravos e, principalmente, aos seus descendentes uma maior

diversificação dos arranjos de trabalho, assim como, o progresso nas

questões trabalhistas, seja nas melhores condições, seja na

regularização dos ofícios. Esses elementos podem, também, ter

contribuído para a estabilização de pretos e pardos no Município de

Nova Iguaçu (Costa, 2009a, p.9).

A migração foi uma “estratégia social” elaborada pelos ex-escravos do Vale do

Paraíba, em função das novas experiências de sobrevivência e trabalho surgidas no pós-

Abolição: “Inicialmente, as migrações estão inseridas na relação campo-campo, porém,

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ao longo da década de 20 para a de 30, os contextos se modificam ainda mais, dando

início a uma migração de caráter definitivo – sendo, agora, dentro de uma relação

campo/cidade” (Costa, 2009a, p.10).

É preciso considerar ainda as margens flexíveis, as relações complementares,

entre urbano e rural. Estudos sobre a Vila de Iguaçu no século XIX percebem, durante o

século XX, a “confluência entre o espaço rural e o espaço urbano” para a compreensão

do mundo do trabalho na região, posto que ali se desenvolvia uma economia de

produção de alimentos, mas também servia de passagem para as mercadorias que eram

transportadas entre o interior serra acima e litoral:

Este dinamismo econômico marcou decisivamente as relações sociais

que construíram na região, um lugar de entreposto, por onde, além de

mercadorias, também passavam pessoas, informações que

influenciaram o modo de vida da sociedade local, aí incluídos os

escravos (Bezerra, 2008, p.21).

A localização do recôncavo da Guanabara entre o litoral e o interior do estado do

Rio de Janeiro conferiu características específicas ao desenvolvimento da região em

diversos momentos.

A importância da região no projeto colonial pode ser verificada pelo empenho na

construção de caminhos de terra firme que diminuíssem os custos e riscos do transporte

do ouro, e, depois, do café. Caminhos construídos durante o século XVIII até a criação da

Estrada Real de Comércio, no século XIX, propiciaram intensa atividade econômica

nessa região, que assim conheceu a transformação das freguesias em algumas vilas.

A produção da região era essencialmente agrária, mas não se pode vê-

la apenas nesse contexto, pois também se forjou como área de

passagem, o que permite pensar que a sociedade que se estabeleceu,

apesar de fortes características rurais, também tinha fortes traços

característicos do setor de transporte, por conta da intensa circulação

de pessoas e da proximidade com a cidade do Rio de Janeiro (Bezerra,

2008, p.26).

Nielsen Bezerra observa que a Vila de Iguaçu se destacou pelos caminhos e

portos, isto é, pela função de entreposto comercial, enquanto outras localidades do

recôncavo se destacavam pela produção agrícola (Bezerra, 2008, p.31). Ele faz um

segundo exercício importante, que é mostrar que no interior do recôncavo da

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Guanabara, vilas e freguesias podiam conviver mais com atividades comerciais e de

transporte, ou de produção agrícola em fazendas e engenhos. Porém, “essas atividades

não são excludentes, pois pode-se perceber que as freguesias agrícolas também tinham

portos, da mesma forma que as freguesias portuárias apresentavam alguma produção

agrícola” (Bezerra, 2008, p.34-35).

O caso de São João de Meriti era um dos que apresentava “diversidade das

atividades produtivas, mesmo podendo haver o predomínio de uma delas em um lugar

específico” (Bezerra, 2008, p.35). Ocorriam, ainda, mudanças na composição

socioeconômica das freguesias, como em Pacobaíba, que, predominantemente rural e

organizada em função do porto marítimo, encontrou o crescimento das atividades

urbanas com a implantação da estrada de ferro Mauá. A partir dessa mudança as

atividades rurais e urbanas dividiram o cenário econômico da região Bezerra, 2008,

p.36).

Nessa análise Nielson Bezerra demonstra que a Freguesia de Nossa Senhora da

Piedade de Iguaçu atraía lavradores e comerciantes. A ideia de confluência entre

atividades rurais e urbanas na Vila de Iguaçu é demonstrada pelo autor através da

análise das atividades que ocupavam os escravos que ali trabalhavam, conforme dados

do censo de 1872. A diversidade de ocupações, assim como a distribuição dos escravos

entre elas, denota a existência de serviços do setor urbano e do setor rural: lavradores,

assalariados e jornaleiros, serviço doméstico, costureiras, pedreiros, entre outros. Havia

uma “forte confluência entre o mundo rural e o urbano” nas relações escravistas da

Freguesia de Iguaçu (Bezerra, 2008, p.39). As ocupações dos escravos demonstram

“que nestas localidades existia a presença de atividades agrícolas, entretanto, nota-se

uma predominância das atividades dos setores de transporte e comércio” (Bezerra,

2008,p.42).

O perfil demográfico da população das freguesias da região de Iguaçu acusa a

predominância da população escrava sobre a livre entre 1779 e 1789. Em 1821, a

população de 18.705 habitantes das freguesias do Pilar, Marapicu, Jacutinga, Meriti,

Iguaçu apresentava 11.115 cativos, cerca de 59,7% do total. Entre 1779 e 1789, metade

da população era formada por escravos (Gomes, 2006, p.31-32). Em 1840 e 1850, a

população escrava também era maior que a população livre. Em 1872 percebe-se uma

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inversão, com 67,5% da população livre e 32,5% de escravos nas mesmas freguesias

(Gomes, 2006, p.33).

Jorge Silveira ressalta o significativo contingente de pessoas livres viventes na

região desde meados do XIX, o que aponta para a existência, além das atividades

agrícolas destinadas à exportação, de uma produção agrícola de subsistência e para o

abastecimento interno entre as funções econômicas da região (Silveira, 1998, p.20-21).

Flávio Gomes (2006, p.61) identifica a presença de escravos, libertos e

quilombolas na região de Iguaçu durante a escravidão, que articulava mocambos,

quilombos, comunidades de senzalas, taberneiros e outros setores sociais em estratégias

de negociação, conveniência e conflito que passavam pela confluência de atividades

agrícolas, extrativistas, contrabando e comércio. Em 1878, o ministro da Justiça, Gama

Cerqueira, declarava a necessidade de destruir aquelas comunidades que se reproduziam

em Iguaçu tal qual a fábula da hidra de Lerna (Gomes, 2006, p.25). Ao longo do século

XIX, diversas expedições – sem êxito – perseguiram os quilombos existentes na região,

escondidos nos rios e pântanos, protegidos pelas relações de solidariedade e de trocas

comerciais que estabeleciam com grupos da região (Gomes, 2006, p.94).

Esses estudos mencionados acerca da população em Iguaçu, desde fins do século

XIX até as primeiras décadas republicanas, são aqui recuperados no interesse de

evidenciar a presença de uma população negra, vivenciando e construindo relações

sociais de produção que amalgamavam atividades de cultivo e de comércio. Funções

rurais e urbanas caracterizavam os usos do território e das fronteiras em Iguaçu .

Este exercício de adentrar alguns aspectos da relação rural–urbano no século XIX

serve para lembrar que a construção da Nova Iguaçu, a reordenação da sede

administrativa para Maxambomba, as mudanças em curso em fins do século XIX,

mesmo conformando a “Nova” Iguaçu, não podem ser vistas, contudo, como rupturas

insolúveis. A eficiência desses enquadramentos da memória sobre Iguaçu, vinculada à

citricultura, reverberou também em publicações memorialistas e estudos de cunho

acadêmico, principalmente até a década de 1980. Além de identificar a citricultura com

o “apogeu” do município, trata-se de uma produção que a ancora às explicações sobre a

transferência da sede para Maxambomba, em 1891, com a “decadência” da Vila de

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Iguaçu. Pesquisas recentes procuram precisar melhor essas interpretações

memorialísticas e até historiográficas, deslocando marcos interpretativos.

A partir de estudos de história agrária, Jorge Luís da Silveira problematiza

concepções arraigadas na historiografia local que interpõem um diagnóstico de

decadência econômica e social no período que implicou, entre outros fatores, a

decadência da Vila de Iguaçu e a mudança da sede administrativa do município em

1891 (Silveira, 1998, p.19). A análise sobre a historiografia local, segundo Jorge Luís,

reverbera um mesmo “panorama interpretativo” que associa “o processo de

desagregação de uma determinada relação de produção (a escravidão) e o declínio

econômico e político de um de seus elementos sociais (a elite agrária)” (Silveira, 1998,

p.36).

Pela análise das conexões entre a desagregação do sistema escravista e as

transformações ocorridas na estrutura fundiária fluminense, principalmente na região de

Iguaçu, durante o século XIX, Silveira (1998, p.15) critica essas interpretações que

incidem no aspecto da “estagnação agrícola e social” causada pelo fim da escravidão

(Silveira, 1998, p.40).

A sua pesquisa demonstra como as formas de apropriação e acesso à

propriedade de terra, entre 1850 e 1890, manifestam as estratégias utilizadas, pelas

elites locais, para reproduzir e manter seu poderio econômico em face da

desestruturação do regime escravista, o controle sobre a terra e sobre a mão de obra. Por

ações destinadas a manter o latifúndio, a “elite agrária” da região pode reproduzir as

relações sociais dominantes “por muitos anos após a abolição” (Silveira, 1998, p.20). O

controle da terra e de um “mercado” de compra e venda “tornou-se o melhor

instrumento para a elite agrária garantir a subordinação da mão-de-obra livre em um

contexto de crise do sistema escravista” (Silveira, 1998, p.165). Através do

parcelamento da terra para fins imobiliários ou produtivos, ou pela ampliação da

concentração de terras, pela compra e outros mecanismos, as elites agrárias acionavam

possibilidades de manutenção da renda por meio de transações comerciais (Silveira,

1998, p.205).

Portanto, a partir dos estudos que caracterizam o perfil populacional do

município desde meados do século XIX até as primeiras décadas republicanas, e

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considerando a diversidade de atividades de ocupação na região, que exerciam tanto

funções urbanas quanto rurais de bastante dinamismo, é possível sustentar que, naquelas

fotografias e naquelas escolas, estiveram presentes egressos do cativeiro e seus

descendentes, migrados de regiões do Vale do Paraíba ou que já habitavam Nova

Iguaçu, os descendentes da população dos libertos, os filhos de migrantes europeus,

nordestinos, mineiros. Acrescentem-se os filhos descendentes de quilombolas, de

taberneiros, dos jornaleiros, dos barqueiros, das comunidades de senzala, das mulheres

que lidavam com o trabalho doméstico, dos apanhadores de laranja, dos embaladores e

artesãos das caixas de acondicionamento do fruto.

Essas possibilidades de identificação dos sujeitos da escolarização que compõem

essas fotos a partir da bibliografia apontada anteriormente, isto é, do perfil da população

que formou Iguaçu ou para ali migrou, se estabeleceu, etc. deixa em aberto novos

caminhos de investigação. Contudo, a presença marcante de pessoas negras, de alunos a

professores, em escolas do distrito-sede ou em escolas de outras localidades do

município, seja de escolas rurais ou urbanas, já evidencia uma questão cara à

historiografia da educação, que é pensar as possibilidades de acesso desses sujeitos aos

processos formais de escolarização. O que esta pesquisa pode dizer sobre esses sujeitos

é que experimentaram um cenário em que se buscou articular e revestir urbano e rural

de caráter do moderno, do novo, do progresso, para a manutenção de antigas formas de

hegemonia.

Transitando pelas escolas e estradas de Iguaçu, contudo, esses sujeitos que

surgem nas fotografias e nos mapas de frequência testemunharam as contradições desse

processo ancorado em intensa exploração da força de trabalho, na precariedade

cotidiana das condições de funcionamento das escolas, nas faltas motivadas por doenças

e por trabalho, nas estradas e ruas que continuaram a alagar nas enchentes, na

disseminação de doenças e na gestação de um modelo de cidadania excludente sob um

regime progressivamente autoritário que procurava engessar as formas de participação

política. No grande afluxo populacional para o território, motivado pela citricultura, mas

também pelo processo de loteamentos, esses sujeitos engrossariam, em fins da década

de 1940, os conflitos pela posse da terra e moradia que eclodiram na região com a

derrocada da citricultura.

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Na confluência entre a lavoura e as letras, os projetos de poder em disputa entre

grupos da sociedade local correlacionaram o desenvolvimento da citricultura com a

introdução de “melhoramentos urbanos”, principalmente no distrito-sede, núcleo

administrativo do município. A instrução escolar era um desses equipamentos que, pela

ótica dos grupos locais, representava, significava, projetava, atribuía visibilidade ao

“progresso” decorrente da lavoura, para a qual, portanto, deveriam convergir todos os

interesses e medidas que a favorecessem. A importância da instrução figurou em

Iguaçu, tanto nos debates ruralistas, quanto nos discursos sobre a urbanização do

distrito-sede. Ao lado dos temas do saneamento e da higiene, da remodelação da cidade,

a instrução escolar figurava como ingrediente da construção da Nova Iguaçu,

inscrevendo-se também no cenário urbano e sendo, por este, convidada a participar e

constituir a vida social, cultural e política da cidade.

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