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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO CLEBER ADIR DA SILVA EFEITOS PENAIS E CIVIS DECORRENTES DA APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DO CHEQUE PÓS- DATADO Biguaçu (SC) 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

CLEBER ADIR DA SILVA

EFEITOS PENAIS E CIVIS DECORRENTES DA APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DO CHEQUE PÓS-

DATADO

Biguaçu (SC)

2008

i

CLEBER ADIR DA SILVA

EFEITOS PENAIS E CIVIS DECORRENTES DA APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DO CHEQUE PÓS-

DATADO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Emanuel Dal’Toé

Biguaçu (SC)

2008

ii

DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia à memória dos meus

avós paternos José Manoel da Silva e Olindina

Gama Silva, avô materno Arverindo Arantes da

Silva e meu tio Arverindo Arantes da Silva

Filho.

iii

AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus, por todas as chances me concedidas e por iluminar o meu

caminho.

À Geovana Michelli de Oliveira, companheira de todas as horas, sem a qual

nada teria sentido...

Aos meus pais, pela educação, carinho e incentivo durante toda a minha

existência.

A minha avó, Hiracemia, pelo exemplo de honestidade e trabalho.

Ao meu tio e padrinho José Carlos, que sempre acreditou em mim.

Aos meus queridos amigos, que sempre me apoiaram durante a minha

formação.

Aos colegas de graduação, pela oportunidade de troca, debate e crescimento.

Aos professores do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, pela

participação nesta etapa significativa na minha vida.

Ao Mestre professor Emanuel Dal’Toé, profissional do Direito Empresarial

que, com seu conhecimento colaborou para a realização desse trabalho.

Por fim, a todos que contribuíram mesmo que indiretamente.

iv

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar os poderes nas mãos dos maus, o homem chega desanimar-se da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.

RUI BARBOSA

v

TERMO DE INSENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale

do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador

de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, maio de 2008.

Cleber Adir da Silva Graduando

vi

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão de Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Cleber Adir da Silva, sob o

título Cheque pós-datado, foi submetida em 20 de junho de 2008 à banca

examinadora composta pelos seguintes professores: Emanuel Dal’Toé, Gabriel

Paschoal Pítsica e Claúdio Andrei Cathcart.

Biguaçu, 20 de junho de 2008.

Professor Mestre Emanuel Dal’Toé Orientador e Presidente da Banca

Professor Gabriel Paschoal Pítsica Membro Avaliador

Professor Claúdio Andrei Cathcart Membro Avaliador

vii

ROL DE ABREVIATURAS OU DE SIGLAS

ART Artigo

CC Código Civil Brasileiro de 2002

CCF Cadastro de Emitentes de Cheque sem Fundos do Banco do Brasil

CF Constituição Federal de 1988

CP Código Penal

DES. Desembargador

SPC Serviço de Proteção ao Crédito

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina

TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo

TJMG Tribunal de Justiça de Minas Gerais

viii

ROL DE CATEGORIAS

Rol de Categorias que o autor considera estratégicas para a compreensão

do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Título de crédito cheque

É uma ordem de pagamento em dinheiro e à vista contra uma instituição financeira.1

Cheque pós-datado

É o cheque emitido com data futura a data da sua emissão.

Usos e costumes

É mera repetição de fatos da mesma natureza; quando passa a ser acolhido pela

sociedade como útil tem-se o costume.2

Estelionato

“Estelionato é o fato de o sujeito obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em

prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou

qualquer outro meio fraudulento (CP, art. 171, caput).”3

Dano Moral

“O dano causado injustamente a outrem, que não atinja ou diminua o seu

patrimônio.”4

Dano Material

É a perda total ou parcial dos bens materiais.

1 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Títulos de crédito e contratos mercantis. V. 22. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 62. 2 QUEIROZ JUNIOR, Antônio Raimundo de Castro. Cheque pós-datado. Disponível em: <http://www.uj.com.br>. Acesso em: 04 de maio de 2008. 3 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio. V. 2. 28ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 439. 4 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. V 4. 20ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 190.

ix

SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................................. XI

ABSTRACT............................................................................................................. XII

INTRODUÇÃO .........................................................................................................13

1 O TÍTULO DE CRÉDITO CHEQUE...................................................................14

1.1 CONCEITO..................................................................................................14

1.2 HISTÓRICO.................................................................................................16

1.3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO CHEQUE NO BRASIL ................19

1.4 NATUREZA JURÍDICA................................................................................21

1.5 OS PRESSUPOSTOS DE EMISSÃO DO CHEQUE...................................23

1.6 REQUISITOS LEGAIS ESSENCIAIS ..........................................................25

1.6.1 A denominação “cheque” ........................................................................26

1.6.2 A ordem incondicional de pagar quantia determinada .........................26

1.6.3 O nome do sacado....................................................................................28

1.6.4 A indicação do lugar de pagamento .......................................................28

1.6.5 A indicação da data ..................................................................................29

1.6.6 O lugar da emissão...................................................................................30

1.6.7 A assinatura do Sacador..........................................................................31

1.7 MODELO OFICIAL DO CHEQUE................................................................33

1.8 CARACTERÍSTICAS DO CHEQUE COMO TÍTULO DE CRÉDITO............33

2 A DESCARACTERIZAÇÃO DO CHEQUE........................................................35

2.1 CHEQUE PÓS-DATADO.............................................................................35

2.2 A ACEITAÇÃO DO MERCADO DO INSTITUTO.........................................37

2.2.1 Uso e Costumes........................................................................................39

2.3 ASPECTO JURÍDICO DO CHEQUE PÓS-DATADO ..................................43

2.4 CONTRATO.................................................................................................44

2.5 NOTA PROMISÓRIA – PROMESSA DE PAGAMENTO.............................47

2.5.1 Conceito.....................................................................................................47

x

2.5.2 Requisitos Essenciais ..............................................................................48

2.5.2.1 Outros Requisitos Relativos a Lei Uniforme......................................................50

2.5.3 Vencimento................................................................................................51

2.5.4 Aceite .........................................................................................................52

2.5.5 Endosso.....................................................................................................53

2.5.6 Aval ............................................................................................................54

2.5.7 Prescrição..................................................................................................55

3 EFEITOS PENAIS E CIVIS DA UTILIZAÇÃO DO CHEQUE PÓS-DATADO ...57

3.1 EFEITOS PENAIS .......................................................................................57

3.1.1 Crime de Estelionato ................................................................................58

3.1.1.1 Conceito ..................................................................................................................58

3.1.1.2 Caracterização .......................................................................................................60

3.2 EFEITOS CIVIS NA UTILIZAÇÃO DO CHEQUE PÓS-DATADO................66

3.2.1 Dano...........................................................................................................66

3.2.1.1 Conceito ..................................................................................................................66

3.2.2 Dano Moral ................................................................................................68

3.2.3 Dano Material ............................................................................................70

3.3 INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DANOS MATERIAIS

DECORRENTES DA APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DO CHEQUE

PÓS-DATADO.............................................................................................72

3.3.1 Indenização Por Danos Morais ................................................................72

3.3.2 Indenização Por Danos Materiais ............................................................75

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................78

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................80

ANEXOS ..................................................................................................................83

xi

RESUMO

Esse trabalho de monografia trata do contraponto existente entre o título de crédito cheque como ordem de pagamento à vista, a natureza contratual da pós-datação e os efeitos civis e penais da sua apresentação antecipada. O título de crédito cheque, regido inicialmente pela Lei nº 2.591 de 1912 e Lei Uniforme de Genebra, é atualmente regulamentado pela Lei nº 7.357 de 1985. O cheque pós-datado, amplamente utilizado no comércio brasileiro não é disciplinado pela lei, e pouco tratado pelos doutrinadores em suas obras. Essa prática fortalecida pelo uso e costume brasileiro gera polêmica, pois, desnatura o escopo previsto pela lei, ou seja, de ser o cheque pagável à vista (art. 32 da Lei 7.357/85). Sobre o tema, destaca-se o cheque pós-datado como uma promessa de pagamento com data fixada, gerando entre o tomador e o emitente um contrato tácito. Fato que dá ao título crédito cheque a feição de nota promissória. A apresentação prematura do cheque pós-datado, de acordo com entendimento dos tribunais gera efeitos civis e penais, acarretando ao responsável pela lesão causada a vítima, obrigação indenizatória por danos morais e materiais. Palavras-chave: Cheque pós-datado. Nota promissória. Efeitos penais.

xii

ABSTRACT

This monograph treats the counterpoint between the check as an order of payment at sight, the contractual nature of post-dating it and the civil and criminal effects of early presenting it. Although, this debenture bond was originally governed by the Law n. 2,591 of 1912 and the Uniform Law of Geneva, it is currently regulated by the Law n. 7,357 of 1985 (Law of the check). The post-dated check, widely used in the Brazilian trade, is not disciplined by the law and is barely covered by the authors on their works. This practice, strengthened by the usage and the Brazilian habit, generates controversy because it distorts the scope prefigured by the law, that is, the check had to be payable at sight (Article 32 of the Law of the check). About this subject, the post-dated check is seen as a promise of payment on a pre-established date, generating a tacit contract between the holder and the issuer. That fact gives the document a promissory note aspect. The premature presenting of a post-dated check, according to the understanding of the courts, creates civil and criminal effects, and thus causes indemnificatory obligations to the responsible for moral and material damage for the injury done to the victim. Key -words: Post-dated check. Promissory note. Criminal purposes.

13

INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objetivo tratar do contraponto existente

entre o título de crédito cheque, como ordem de pagamento à vista, a natureza

contratual da pós-datação e os efeitos civis e penais da sua apresentação

antecipada.

Neste sentido, procura-se, analisar e refletir os efeitos civis e penais

decorrentes da apresentação antecipada do cheque pós-datado, bem como os

entendimentos jurisprudenciais à cerca do tema, sem a pretensão de esgotar o

assunto devido a sua abrangência e complexidade.

A escolha deste tema se deu por ser um assunto polêmico e atual, sobretudo

pela freqüência e habitualidade que tal prática vem sendo adotada no comércio

brasileiro. O cheque pós-datado constitui elevado índice de discórdia entre os

doutos, em função da ampla utilização nas relações comerciais sem o devido

amparo legal.

Para tanto, utiliza-se o método de abordagem indutivo e, na metodologia,

pesquisa bibliográfica em obras doutrinárias, artigos, bem como a copiosa

jurisprudência.

O primeiro capítulo abordará o título de crédito cheque, seu conceito segundo

os doutrinadores, contextualização histórica, natureza jurídica, suas características e

outros requisitos estabelecidos pela Lei 7.357/85.

Em seguida no segundo capítulo, será abordada a descaracterização do

cheque no momento em que ele deixa de ser uma ordem de pagamento à vista para

ser uma promessa de pagamento futuro, caracterizando-o como cheque pós-datado,

semelhante à nota promissória, bem como a sua aceitação no mercado pela prática

reiterada, configurado o uso e costumes, obrigando o tomador a só apresentar o

cheque na data estipulada, embora não haja previsão legal.

No terceiro e último capítulo está direcionado aos efeitos penais e civis

decorrentes do cheque pós-datado, destacando-se na esfera penal, a caracterização

do estelionato, e, dentro da responsabilidade civil, os danos morais e materiais, bem

como a indenização causada por esses danos.

Após o terceiro capítulo, serão apresentadas as considerações finais do autor,

momento reflexivo do tema estudado.

14

1 O TÍTULO DE CRÉDITO CHEQUE

Para que se fale dos “Efeitos penais e civis decorrentes da apresentação

antecipada do cheque pós-datado”, imprescindível se faz abordarmos inicialmente

“O Título de Crédito Cheque”, compreendendo desde a sua conceituação sob ótica

de diferentes doutrinadores; um breve histórico, a cerca do surgimento do instituto,

bem como sua aparição e regulamentação no Brasil, junto do estudo da natureza

jurídica; dos pressupostos para a emissão do cheque; dos requisitos legais e

essenciais; o modelo oficial do cheque; e, por fim, as características do cheque

como título de crédito.

Assim, iniciam-se os estudos da parte conceitual do título de crédito cheque.

1.1 CONCEITO

O cheque é uma ordem de pagamento à vista em dinheiro contra um banco

ou instituição financeira. Porém, não comporta a ele, a figura do aceite.

Segundo Doria5, “o cheque é uma ordem de pagamento sacada contra um

banco ou ente assemelhado, para que pague à pessoa nomeada, à sua ordem, ou

ao portador, a soma em dinheiro dela constante, colocada a disposição do emitente

pelo sacado.”

De acordo com Victor Eduardo Rios Gonçalves6, “o cheque é uma ordem de

pagamento incondicional em dinheiro e à vista contra uma instituição financeira.”

Para Fábio Ulhoa Coelho,

O cheque é uma ordem de pagamento à vista sacado contra um banco e com base em suficiente provisão de fundos depositados pelo sacador em mãos do sacado ou decorrente de contrato de abertura de crédito entre ambos. O elemento essencial do conceito de cheque é a sua natureza de ordem à vista, que não pode ser descaracterizada por acordo entre as partes. Qualquer cláusula

5 DORIA, Dylson. Curso de direito comercial. V. 2. 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 83. 6 GONÇALVES, 2006, p. 62.

15

inserida no cheque com o objetivo de alterar esta sua essencial característica é considerada não-escrita e, portanto, ineficaz (Lei nº 7.357, de 1985 – Lei do Cheque, art. 32).7

Fran Martins, entende “por cheque uma ordem de pagamento, à vista, dada a

um banco ou instituição financeira assemelhada, por alguém que tem fundos

disponíveis no mesmo, em favor próprio ou de terceiro.” 8

De acordo com Requião9, tanto a antiga Lei nº 2.591, como a Lei Uniforme,

resultante da convenção de Genebra, incorporada pela Lei nº 7.357, de 02 de

setembro de 1985, não o definiram. A primeira somente dizia que a pessoa que

tivesse fundos disponíveis em bancos podia emitir cheque em favor próprio ou de

terceiros (art 1º), a Lei Uniforme, em vigor no Brasil pelo Decreto nº 57.595, de 07 de

janeiro de 1966, dispunha no art. 3º que “o cheque é sacado sobre um banqueiro

que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com uma convenção

expressa ou tácita, segundo o qual o sacador tem direito de dispor desses fundos

por meio de cheque” e, a Lei atual, não traz conceito específico de cheque, limitou

apenas em elencar características a serem vistas ao longo do trabalho.

Para o autor acima citado,

O cheque, como ensina J. X. Carvalho de Mendonça, é provido de rigor cambiário na sua forma, no seu conteúdo e na sua execução judicial. Com efeito – prossegue o comercialista – o cheque contém requisitos essenciais que o individualizam; as obrigações dele decorrentes devem ser expressamente formuladas, subsistindo por si, independentemente da sua causa originária. O emissor, os endossantes e avalistas, que porventura nele figurem, assumem para com o portador ou possuidor de obrigação cambial.

No que se refere à origem da palavra cheque, há controvérsias, pois para uns

surgiu do verbo inglês to check (examinar, conferir, verificar); para outros, da palavra

francesa echecs ou èchequier (tabuleiro de contagem de dinheiro, utilizado por

tesoureiros régios ou antigos cambistas, retirar, dar baixa). Segundo Requião e

7 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 200,.p. 272. 8 MARTINS, Fran. Títulos de crédito. V. 2. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 3. 9 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. V. 2. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 482.

16

Bulgarelli, o jurista Souza Pinto publicou um Dicionário da Legislação Comercial

Brasileira em 1892, observando que a origem da palavra cheque era inglesa, já que

á emissão e pagamento desse título pressupõem a verificação prévia de quem o

emite.

Sendo uma ordem de pagamento, o cheque é encaminhado a alguém para

pagar a um terceiro ou ao próprio emitente. Nesse sentido, são três as posições das

pessoas no cheque. A pessoa que dá, emite, passa ou saca a ordem, é o emitente,

conhecido também como sacador ou passador, quem recebe (banco ou instituição

financeira) a ordem para pagá-lo é denominado sacado; e a pessoa a favor de quem

é sacado o cheque se chama tomador, beneficiário ou portador.

A emissão de cheque requer a provisão de fundos pelo emitente, junto ao

sacado (banco).

Enfim, o cheque é um título de crédito padronizado impresso pelos bancos ou

instituição financeira regulamentado pela Resolução nº 885/83 do Banco Central.

A seguir destaca-se o histórico do título de crédito cheque para melhor

compreensão do tema.

1.2 HISTÓRICO

O cheque em sua fase embrionária para alguns pesquisadores surgiu nos

povos da Antigüidade, entre os quais babilônicos, egípcios, gregos e romanos; para

outros, é derivado do bewijs belga. Nessa época, segundo Historiadores, já existiam

ordens de pagamento, apontadas em discursos de Demóstenes, chamadas

singraphos, que comerciantes remetiam aos seus banqueiros (trapezistas), ou em

Roma, com os mandata, dirigidos pelos mercadores ao argentarii.

Fran Martins, ainda colaborando, diz que:

É bastante discutida a origem do cheque, vários autores procurando antecedentes do mesmo na mais remota Antigüidade. Assim, chega-se a dizer que possuíam características de cheques certos documentos, existentes no Egito antigo, contendo ordens de

17

pagamento em favor de terceiros. Essa prática teria influenciado a Grécia e Roma, onde também tais ordens eram encontradas.10

Porém, o cheque com as suas características atuais nasceu na Idade Média,

e difundiu na Europa, quando começou a delinear a sua estrutura jurídica, com o

surgimento e desenvolvimento dos bancos de depósitos cuja função era a guarda

com maior segurança dos valores comerciais. Em decorrência dessa atribuição,

surgiu a emissão de certificados por meio dos quais os banqueiros concediam a

seus clientes o direito de disporem do dinheiro custodiado, para si ou para outrem.

No Entanto, foi na Inglaterra, a partir do século XVII, que o cheque encontrou

ambiente propício para o seu desenvolvimento, pois, era com base no cheque que a

realeza inglesa expedia ordens de pagamento aos seus tesoureiros.

Corroborando, Fran Martins diz que:

[...] com o correr do tempo, tais ordens de pagamento foram tomando outra forma e o seu uso se expandindo. Autores aventam a idéia de que o cheque foi introduzido na Inglaterra em 1557 por Tomas Grescham; a sua maior expansão se verificou com as Goldsmith notes, emitidas, no século XVII, por banqueiros, autorizando a emissão, por parte dos seus clientes, de títulos nominativos ou à ordem, que seriam pagos no ato da apresentação.11

Para o mesmo autor,

O uso do cheque passou da Inglaterra para os Estados Unidos e serviu de exemplo para outros países, como a França que, desde 1826, conhecia os “mandatos bancários” com os quais os clientes do banco de França poderiam retirar dinheiros no mesmo, ao contrário dos mandatos vermelhos (mandats rouges) que serviam para fazer a transferência em contas, resumindo-se essa operação apenas em um jogo contábil (virement).

10 MARTINS, 1997, p. 4. 11 Ibidem, p. 5-6.

18

Segundo Requião, “a partir daquela época passou a acentuar-se o seu uso,

como cheque-mandato, equiparado e confundido mesmo com letra de câmbio

sacada contra banqueiro, substituindo a circulação da moeda.” 12

Todavia, na França, onde era antigo o uso de recibo de caixa, que surgiu a

primeira regulamentação definindo o instituto do cheque, feita pela Lei de 14 de julho

de 1865, complementada posteriormente, pela Lei de 19 de fevereiro de 1874.

Para Requião, a Lei de 1865 definia-o como:

O escrito que, sob a forma de um mandato de pagamento, serve ao sacador para efetuar a retirada, em seu proveito ou em proveito de um terceiro, de todos ou parte dos fundos disponíveis, levados a crédito de sua conta pelo sacado.13

Para o mesmo autor acima citado, o sistema inglês, seguido pelos norte-

americanos, que definia e define o cheque como “uma letra de câmbio à vista

sacada sobre um banqueiro”, deixou de ser válido para os países que passaram a

adotar o sistema francês. Surgindo, então o interesse doutrinário em distinguir o

cheque da letra de câmbio.

Nesse sentido, de acordo com Rubens Requião, tomando-se por base os

dispositivos da Lei Uniforme, pode-se estabelecer três pontos diferentes:

a) enquanto a letra de câmbio é um título de emissão livre, sacada tanto contra comerciantes como contra não-comerciantes, o cheque somente é utilizável, por uns e outros, tendo como sacado uma “instituição financeira”. Mesmo quando na nossa antiga Lei nº 2.591 permitia o cheque contra comerciante, não se vulgarizou essa prática; b) a letra de câmbio não requer provisão de fundos em poder do sacado, mas no cheque essa provisão é imprescindível, sem o que constitui um ilícito penal (pela Lei nº 7.357/85, essa distinção é relativa, pois o art. 4º, § 1º, dispõe que a provisão é verificada no momento da apresentação); c) o cheque é sempre emitido para pagamento à vista, ao passo que a letra de câmbio, além disso, pode sê-lo a prazo. Sendo uma ordem de pagamento à vista o cheque não comporta aceite, que a Lei expressamente veda, considerando, quando ocorrer, como cláusula não escrita (art. 6º).14

12 REQUIÃO, 2006, p. 484. 13 Ibidem, p. 485. 14

Loc. cit.

19

Contudo, ao longo do tempo, pode-se dizer que a palavra cheque e a sua

utilização se difundiram por todo o mundo, passando a integrar o patrimônio comum

de todas as nações.

Feita a abordagem histórica à cerca do surgimento do título de crédito

cheque, parte-se para o estudo da sua origem no Brasil.

1.3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO CHEQUE NO BRASIL

No Brasil, a legislação era dispersa e confusa até 7 de agosto de 1912, data

da promulgação da Lei nº 2.591, que regulava a emissão e circulação do cheque e

vigeu até ser substituída pela Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985.15

Segundo Fran Martins,

A primeira referência que se tem sobre o uso do cheque no Brasil é a constante do Regulamento do Banco da Província da Bahia, aprovado pelo Decreto nº 438, de 13 de novembro de 1845. Nesse regulamento se dispunha que o Banco receberia “gratuitamente dinheiros de quaisquer pessoas”, cabendo-lhe igualmente, “verificar os respectivos pagamentos e transferências, por meio de cautelas cortadas dos talões, que devem existir no Banco, com a assinatura do proprietário na tarja, “contanto que tais cautelas não sejam de

quantia menor que cem mil réis”.16

Nesse sentido, o primeiro documento sobre cheque apareceu após dez anos

da promulgação do Código Comercial, com a Lei nº 1.083, de 22 de agosto de 1860,

que dispôs sobre bancos de emissão e meio circulante, uma referência mais

aproximada do cheque.17

Com a Lei nº 1.083 nasceu à tradição jurídica no Brasil, de a emissão de

títulos ao portador ser precedida de autorização legislativa.18

15 Há autores, como Waldirio Bulgarelli (op. cit., p. 255) e Amador Paes de Almeida (op. cit., p. 98) que classificam tal diploma lega como Decreto e não como Lei, como por exemplo tratam Dylson Doria (op. cit., p. 82) e Rubens Requião (op. cit., p. 486). 16 MARTINS, 1997, p. 6. 17 DORIA, 1998, p. 82. 18 REQUIÃO, 2006, p. 485.

20

Mas foi somente com a Lei nº 149-B, de 1893 que a palavra cheque surgiu

pela primeira vez no Brasil. Contudo, sendo que já se havia utilizado tal expressão

no Decreto nº 917, de 24 de outubro de 1890, primeira Lei de Falências editada,

porém sem regulamentação.

Contudo só com a Lei nº 2.591, de 7 de agosto de 1912, que o instituto do

cheque é disciplinado entre nós.

Segundo Dylson Doria19, esse diploma foi ligeiramente alterado pelos

Decretos nº 22.393, de 25 de janeiro de 1933, e 22.924, de 12 de julho de 1933, o

primeiro disposto sobre data de emissão do cheque e o segundo a respeito de

prazos de sua apresentação.

Porém, a carência de seus dispositivos, de um lado, e a ineficácia das leis

penais repressoras da emissão de cheques sem fundos, de outro, justificam a

reforma da Lei nº 2.591 realizada através do Decreto nº 57.595, de 7 de janeiro de

1966, que promulgou as Convenções para adoção de uma lei uniforme em matéria

de cheques, assinadas em Genebra, em março de 1931. O decreto baixado pelo

Presidente de República determinou que as Convenções de Genebra, sobre

cheques, “sejam executadas e cumpridas tão inteiramente como nelas se contêm,

observadas as reservas feitas”.20

Atualmente, no Brasil, vigora a Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985, a qual

surgiu para acabar com os conflitos introduzidos no país pela adesão do Brasil à

Convenção de Genebra, que trouxe a dúvida para a comunidade jurídica quanto à

aplicação da Legislação Interna (Lei nº 2.591 de 7/8/1912) ou as normas da Lei

Uniforme (inserida em nosso direito interno pelo Decreto nº 57.595, de 7 de janeiro

de 1966). Essa nova lei é, na verdade, uma consolidação dos princípios da Lei

Uniforme sobre o cheque e das leis que anteriormente regularam esse título,

principalmente a Lei nº 2.591 de 1912.

Sendo assim, tivemos várias leis regulamentadoras do instituto cheque,

chegando na atualidade à sedimentação legislativa através da Lei 7.357/85,que

além de incorporar as normas da Lei Uniforme de Genebra, regulamentou as

lacunas deixadas pelas reservas opostas pelo nosso Governo a Convenção de

Genebra.

19 DORIA, 1998, p. 82. 20 REQUIÃO, 2006, p. 486.

21

Em seguida, será abordada a natureza jurídica do cheque.

1.4 NATUREZA JURÍDICA

A natureza jurídica do cheque é bastante controvertida, inúmeras teorias

citadas por Doria21, Requião22 e Almeida23, surgiram para tentar esclarecê-la. Entre

elas, destacam-se: Teoria do mandato, segundo a qual o sacado ao pagar a ordem

estaria representando o emitente, que seria o outorgante do mandato; a Teoria da

cessão, para a qual haveria uma cessão no ato do depósito bancário; a da

Estipulação em favor de terceiro. Entretanto, estas teorias são facilmente derrubadas

quando examinadas as características do cheque, sendo em alguns aspectos

incompatíveis, além do que, nenhuma delas consegue explicar a inoponibilidade das

exceções ao possuidor de boa-fé e a transferência da propriedade da provisão para

o beneficiário.

Na verdade, o maior problema entre os doutrinadores está em definir se o

cheque é, ou não, um título de crédito. Entre os estudiosos que consideram-no como

título de crédito encontramos J. X. Carvalho de Mendonça, Waldemar Ferreira e

Otávio Mendes, tese contestada por Pontes de Miranda. Nesse sentido, disse este

jurista citado por Bulgarelli que:

A discussão sobre ser o cheque instrumento de pagamento (assim, Rodrigo Otávio, Do Cheque, 44) ou título de crédito (J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado, V. 2ª parte, 457; Otávio Mendes, Dos Títulos de Crédito, 3) é superada pela afirmação de ter o portador direito à provisão desde o dia da criação e terem os que discutem de descer, a cada momento, a considerações sobre o negócio jurídico subjacente entre o passador do cheque e o tomador.24

Na opinião de Waldirio Bulgarelli que também considera o cheque um título de

crédito, embora com características especiais - a tendência da doutrina brasileira é

21 DORIA, 1998, p. 84. 22 REQUIÃO, 2006, p. 487. 23 ALMEIDA, Amador Paes. Curso de falência e concordata. 18ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 96. 24 BULGARELLI, Waldírio. Títulos de crédito. 9ª ed. atual. São Paulo: Atlas, 1992, p. 258.

22

afastar-se das doutrinas ultrapassadas que não explicam suficientemente, do ponto

de vista jurídico, as características do cheque, tendendo a considerá-lo como um

título específico, com regime jurídico próprio, autônomo. 25

Na opinião de Fran Martins,

O cheque se beneficia de princípios e institutos próprios dos títulos de crédito, podendo circular através do endosso. Havendo circulação, aparece o elemento crédito, ficando o endossante vinculado à responsabilidade do pagamento da importância mencionada no documento. Por essa razão, o cheque tem sido considerado um título de crédito impróprio, isto é, um documento que, embora não ateste, originariamente, uma pura operação de crédito, com a sua circulação faz uso desse elemento, sujeitando os que participam dessa circulação ao direito próprio, garantidor da obrigação decorrente do título.26

Nesse sentido, para Fran Martins, o cheque não deve ser considerado um

verdadeiro título de crédito, pois o sacado, ao pagar a ordem, estaria simplesmente

cumprindo com uma obrigação de devolver as importâncias que lhe foram confiadas

pelo sacador, atendendo a determinação deste, imposta no título que lhe é

apresentado. Desta forma, inexistiria o fator crédito, e sim uma ordem para que o

sacado pague determinada quantia pertencente ao emitente, e que se encontra em

seu poder. Em compensação, Fran Martins reconhece que o cheque se beneficia de

institutos e princípios próprios dos títulos de crédito, como a circulação através de

endosso, sendo assim, um título de crédito impróprio.

Conforme o novo Código Civil,

A disciplina jurídica dos títulos de crédito está reunida e integra um ramo especializado do direito comercial denominado direito cambial, também chamado por alguns doutrinadores direito cautelar. A partir de agora, o novo Código Civil passa a regular os títulos de crédito, neste Título VIII, dentro do livro I da Parte Especial, como parte do direito das obrigações [...]. Todavia, mesmo sendo reunificadas as normas gerais das obrigações em um único Código, a matéria relativa a títulos de crédito não perde sua natureza mercantil e as características da comercialidade, e continuará integrando a disciplina comercial como direito especial [...]. As normas relativas aos títulos de crédito constantes do novo Código Civil são regras gerais que estabelecem a disciplina da matéria, não revogando as

25 BULGARELLI, 1992, p. 258. 26 MARTINS, 1997, p. 11.

23

diversas leis e convenções internacionais adotada pelo Brasil que regulam esse assunto. 27

Assim sendo, pode-se dizer que quanto à natureza jurídica, a doutrina

majoritária, entende ser o cheque um título de crédito, pois, trata-se de um título

formal já que a lei estabelece os requisitos que ele deve conter para ser considerado

como tal (art. 1º da Lei nº 7.357/85).

No próximo tópico, serão vistas as conseqüências desta qualificação.

1.5 OS PRESSUPOSTOS DE EMISSÃO DO CHEQUE

O cheque entendido como uma ordem de pagamento à vista, sacada em

favor próprio ou de terceiro, sobre quem tenha fundos prevê segundo Waldírio

Bulgarelli28 dois pressupostos para sua emissão determinados pela Lei 7.357/85 nos

artigos 3º e 4º, correspondentes ao art. 3º da Lei Uniforme. São eles: o saque contra

um banco e a provisão de fundos.

Eis o primeiro pressuposto previsto no art. 3º da Lei 7.357/85: “o cheque é

emitido contra banco, ou instituição financeira que lhe seja equiparada, sob pena de

não valer como cheque”.

O segundo pressuposto se caracteriza pelo o que está previsto no art. 4º da

mesma lei: “o emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar

autorizado a sobre eles emitir cheque, em virtude de contrato expresso ou tácito. A

Infração desses preceitos não prejudica a validade do título como cheque.”

Segundo Fran Martins, o § 1º do art. 4º contém normas de suma importância,

de que não tratava a Lei Uniforme e que vêm resolver o problema de saber-se

quando o portador tem direito à provisão. Dispõe o § 1°: “a existência de fundos

disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para

pagamento.”29

27 FIUZA, Ricardo. Novo código civil comentado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 800. 28 BULGARELLI, 1992, p. 259. 29 MARTINS, 1997, p. 15.

24

O § 2º do mesmo artigo enumera como fundos disponíveis os créditos de

conta corrente bancária não subordinados a termo; o saldo exigível da conta

corrente contratual e a soma proveniente de abertura de crédito. Estes fundos

deverão ser verificados no momento da apresentação do cheque para pagamento

(art. 4º, § 1º, Lei 7.357/85).

Ou seja, a provisão de fundos pode resultar de dinheiro efetivamente

depositado pelo sacador em mãos do sacado, ou em crédito, por este concedido

àquele. Nesse caso, a expressão “fundos”, não se limita apenas às importâncias

resultantes de depósitos feitos pelo sacador em mãos do sacado. Esta provisão

pode se dar também através de crédito como por exemplo, o chamado “cheque

especial”.

Além de exigir a provisão do sacador em poder do sacado, a lei determina

que esta provisão seja disponível, ou seja, que possa ser movimentada livremente

pelo sacador.

Segundo Fran Martins, a lei determina ainda como pressuposto para a

disposição da provisão em poder do sacado por meio de cheques, a existência de

um contrato entre o sacador e o sacado autorizando aquele a emitir cheques contra

este. Esse contrato pode ser expresso ou tácito, e resulta da abertura de uma conta

pelo sacador junto ao banco sacado, na qual será feita a provisão, através de

depósito de valores ou abertura de crédito em favor do sacador.

Para a abertura, manutenção e encerramento da conta bancária deve-se

atender a algumas normas que constam na Circular nº 559, de 29 de julho de 1980,

estabelecidas pelo Banco Central, com as alterações constantes da Circular nº 597,

de 31 de dezembro de 1980. De acordo com essas normas é preciso o

preenchimento de uma ficha-proposta com dados como nome completo,

qualificação, endereço, data de abertura e número da conta, condições e

advertências. Após, atendidas as exigências feitas para a abertura da conta, o

sacador receberá um talonário de cheques para a sua movimentação.

O art. 4º, Lei 7.357/85, prevê ainda, em sua parte final que: "A infração destes

preceitos não prejudica a validade do título como cheque". Estes preceitos a que se

refere à parte citada são: a existência de fundos disponíveis e a convenção entre o

sacador e o sacado para a emissão de cheques. Portanto, mesmo que o sacador

não possua provisão disponível em poder do sacado, o documento não deixará de

25

ser cheque e de garantir ao portador o direito de receber do emitente a quantia nele

mencionada.

Fran Martins salienta que, ao emitir o cheque sem a necessária provisão, o

sacador estará cometendo o delito de estelionato, previsto pelo Código Penal, e

continuará devedor do portador, pois sua dívida só deixará de existir com o

pagamento pelo sacado. Desta forma, poderá sofrer ações de origem cível e penal,

ou simplesmente deixará o pagamento do cheque a cargo dos coobrigados, que

poderão ser o endossante, se houver, ou o avalista, se for o caso.

Feito o estudo a cerca dos pressupostos da emissão do cheque, parte-se

para o estudo dos requisitos legais e essenciais do título de crédito cheque.

1.6 REQUISITOS LEGAIS ESSENCIAIS

A lei determina que o cheque esteja revestido de alguns requisitos, sem os

quais não produzirá efeito com tal. Esses requisitos essenciais são: a denominação

cheque inscrita no contexto do título e expressa em língua em que este é redigido

(Lei 7.357/85, art. 1º, I); a ordem incondicional de pagar quantia determinada (Lei

7.357/85, art. 1º, II); o nome do sacado (Lei 7.357/85, art. 1º, III); a indicação do local

de pagamento (Lei 7.357/85, art. 1º, IV); a indicação da data e do lugar da emissão

(Lei 7.357/85, art. 1º, V); assinatura do sacador admitindo a utilização de chancela

mecânica ou processo equivalente (Lei 7.357/85, art. 1º, VI e parágrafo único), bem

como sua identificação através da Cédula de Identidade e Inscrição do Cadastro de

Pessoa Física, do Título Eleitoral ou Carteira Profissional (Lei nº 6.268/75, art. 3º).

Segundo Amador Paes, dos requisitos acima mencionados, não são

essenciais o do lugar do pagamento e da emissão:

Já que na falta de tais indicações é considerado lugar do pagamento o lugar designado junto ao nome do sacado (banco); designados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles; inexistindo indicação, o cheque é pagável no lugar da sua emissão. Não indicando o lugar da emissão, considera-se emitido o cheque no lugar indicado junto ao nome do emitente (sacador).30

30 ALMEIDA, 1998, p. 98.

26

Em suma, a falta dos outros requisitos, descaracteriza o papel como cheque,

tornando-se um simples documento ordinário.

1.6.1 A denominação “cheque”

A denominação da palavra cheque, decorre das cautelas com que o direito

cambiário acoberta os títulos de crédito, que regula para permitir que qualquer

pessoa possa conhecê-lo ao simples contato. Nesse sentido, a palavra cheque deve

ser inscrita no texto do próprio título e no mesmo idioma que foi usado na redação.

A cerca do tema Rubens Requião diz que:

Todo título cambiário contém em sua face, necessariamente, a sua designação, para que qualquer um, por mais desatento que esteja, logo perceba de que documento se trata. Assim, a ordem de pagamento à vista deve conter no texto a expressão cheque como um dos seus elementos essenciais.31

No mesmo sentido, Doria entende que, “assim, como na letra de câmbio e na

nota promissória, que deve conter no seu texto o designativo que lhe assegure o

reconhecimento, no cheque, por igual, o uso do vocábulo é obrigatório e se destina a

sua identificação.” 32

1.6.2 A ordem incondicional de pagar quantia determinada

A Lei 7.357/85em seu art. 1º, II, determina que o cheque deve conter “a

ordem incondicional de pagamento de quantia determinada.” Da mesma forma a Lei

Uniforme usa a locução mandato, mas a expressão é nela empregada não em seu

sentido jurídico, porém, vulgar, equivalendo à ordem de pagar.

31 REQUIÃO, 2006, p. 491. 32 DORIA, 1998, p. 85.

27

Amador Paes de Almeida afirma que “a emissão de cheques consubstancia

verdadeira ordem, como facilmente se percebe na expressão “pague-se à

__________”.33

No mesmo sentido Bulgarelli, ao invés de:

“O mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada” por: “a ordem incondicional de pagar quantia determinada”. Esta última encontra explicação na justificativa do projeto que se converteria na Lei nº 7.357/85, que afirma ter traduzido a expressão “mandato puro e simples de paga” por “ordem incondicional”, com base no texto inglês – inconditional order -, pois a expressão mandato fora usada em sentido vulgar e não com sentido jurídico preciso, como acentua o Relatório da Comissão de Redação da Lei Uniforme.34

Para Requião,

A linguagem da lei brasileira foi mais feliz, substituindo a expressão “mandato”. Aliás foi preciso que a expressão mandato, usada na Lei de Genebra fosse interpretada por Percerou e Bouteron, para explicar que não era ela aplicada no seu sentido jurídico, mas no seu senso vulgar. Achava-se que essa redação não prejudicava, em nada, a natureza jurídica do pagar; “puro e simples” quer dizer sem condições.35

No que se refere à expressão quantia, pode-se dizer que o cheque deva

mencionar o valor da ordem de pagamento que nele se contém, expresso em

dinheiro e moeda corrente e indicado em algarismos e por extenso. Havendo

divergências entre as duas indicações prevalecerá a por extenso. E, se houver mais

indicações predominará a de menor valor (art. 9º da Lei Uniforme e art. 12 da Lei.

7.357/85).

Assim sendo, não há razão para instituição financeira recusar o pagamento

do cheque em que haja discrepância de valores, pois, a lei estabelece regras claras

para dirimir a dúvida.

No que se refere a juros, a Lei 7.357/85 no seu art. 10, assim dispõe:

“considera-se não escrita à estipulação de juros inserida no cheque”, portanto, não é

33 ALMEIDA, 1998, p. 99. 34 BULGARELLI, 1992, p. 261. 35 REQUIÃO, 2006, p. 492.

28

permitido a previsão de juros para cobrir o lapso temporal entre o saque do cheque e

o pagamento pelo sacado.

1.6.3 O nome do sacado

A Lei 7.357/85 estabelece em seu art. 1º, inciso III, que o cheque deve conter

o nome do sacado, que é o banco ou instituição financeira onde o sacador possui

fundos disponíveis. O art. 67 da Lei 7.357/85 “a palavra "banco'', para os fins desta

Lei, designa também a instituição financeira contra a qual a lei admita a emissão de

cheque.

Na opinião de Requião,

As outras instituições financeiras que não se caracterizam como bancos de deposito, são proibidas de operar em contas corrente, como por exemplo, as sociedades corretoras de valores que podem manter conta corrente de seus acionistas, “mais não movimentáveis por cheque.”36

De acordo com art. 3º. “o cheque é emitido contra banco, ou instituição

financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque.”

Segundo Doria, “é imprescindível conste do cheque o nome do sacado, ou

seja, daquele contra o qual é a ordem dirigida.”37

1.6.4 A indicação do lugar de pagamento

A Lei 7.357/85, em seu art. 1º, inciso IV, determina que o cheque deve conter

a indicação do lugar de pagamento. Essa indicação, tem por finalidade fixar o local

onde o portador deve apresentar o cheque para receber a importância do mesmo.

Segundo Fran Martins,

36 REQUIÃO, 2006, p. 494. 37 DORIA, 1998, p.86.

29

Esse lugar deve, em princípio, constar do texto do título, mas se no cheque não contiver designação especial, entende-se que é o lugar constante junto ao nome do sacado. Se forem indicados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles. Inexistindo qualquer indicação, o cheque deve ser pago no lugar de sua emissão como estabelece a Lei do Cheque, art. 2º, I.38

Nesse sentido, o cheque pode ser pagável no domicílio de terceiro, quer na

localidade em que o sacado tenha domicílio, quer em outra, desde que o terceiro

seja banco (art. 11 da Lei 7.357/85).

1.6.5 A indicação da data

A data de emissão do cheque é requisito exigido pelo inciso V do art. 1º da Lei

7.357/85. No entanto, o art. 2º da lei não supre a sua falta no título, sendo assim,

entende-se ser esse um requisito essencial para o documento produzir efeito como

cheque.

A importância da indicação da data de emissão no cheque é essencial para

calcular o prazo da apresentação (Lei 7.357/85, art. 33), o prazo da prescrição (Lei

7.357/85, art. 59) e a preferência no caso de concurso simultâneo de dois ou mais

cheques em soma superior aos fundos disponíveis (Lei 7.357/85, art. 40).

Conforme determinação do Decreto nº 22.393, de 25 de janeiro de 1933, a

data deve indicar o dia, mês e ano, devendo o nome do mês ser escrito por extenso.

Para Fran Martins, um cheque sem data não é válido, pois não fixa o prazo

para a apresentação e, conseqüentemente prescrição, assim ficaria o portador sem

saber até quando poderia exercer o direito regressivo contra os obrigados anteriores,

ou agir contra o sacador.

Contrariando, Waldírio Bulgarelli, baseado no art. 13 da Lei Uniforme, diz: “o

cheque incompleto ou em branco é válido como cheque, desde que esteja completo

até a sua apresentação.”39

38 MARTINS, 1997, p. 33. 39 BULGARELLI, 1992, p. 264.

30

Na opinião de Dylson Doria, mesmo que a lei considere a datação no cheque

como um dos requisitos essenciais, a sua omissão dificilmente acarretaria a sua

nulidade, pois o portador, com facilidade, a supriria. E com base no art. 16 da Lei

7.357/85, afirma: “a possibilidade de ser o cheque incompleto preenchido por

outrem.”40

Conforme a Lei 7.357/85, art. 33 parágrafo único, “quando o cheque é emitido

entre lugares com calendários diferentes, considera-se como de emissão o dia

correspondente do calendário do lugar de pagamento.”

O cheque pode ser ante-datado ou pós-datado, não interferindo na validade

do título. Todavia, a lei determina que o cheque apresentado para pagamento antes

do dia indicado como data de emissão, seja pago no dia da apresentação (Lei

7.357/85 art. 32 parágrafo único, correspondente à 2ª alínea do art. 28 da Lei

Uniforme).

Em fim, o cheque ante-datado é raro, em função de sua inutilidade, já que não

acarreta maior importância prática. O cheque pós-datado será analisado

posteriormente, no terceiro capítulo.

1.6.6 O lugar da emissão

O lugar da emissão é um requisito exigido pelo inciso V do art. 1º da Lei

7.357/85. Se o título não trouxer tal indicação entende-se que foi passado no lugar

designado junto ao nome do emitente. Se, entretanto, não houver no cheque

indicação do lugar em que foi passado nem a menção de um lugar junto ao nome do

sacador, o documento não terá o efeito de cheque, conforme o art. 2º, caput da Lei

7.357/85.

Sendo assim, do mesmo modo que o local de pagamento, o lugar da emissão

não constitui requisito essencial ao cheque, já que admite o suprimento dessa falta.

40 DORIA, 1998, p. 88.

31

1.6.7 A assinatura do Sacador

O cheque deve conter a assinatura do emitente (sacador), ou de seu

mandatário com poderes especiais (art. 1º, VI, Lei 7.357/85). Sendo a assinatura,

para alguns doutrinadores o requisito mais importante do cheque e, obviamente não

pode faltar.

Para Waldírio Bulgarelli,

A assinatura consiste na inscrição no cheque, do nome e prenome ou rubrica, firma ou selo privado. Ao analfabeto não se admite a assinatura a rogo, nem impressão digital; é necessária a constituição de mandatário por intermédio de escritura pública, assinatura a rogo, atestada por duas testemunhas.41

Ainda, a cerca da assinatura Amador Paes de Almeida relata que:

É o principal dos requisitos, sem ela não havendo título. Há de ser de próprio punho, o que afasta a possibilidade do analfabeto, por si mesmo, emitir cheques, só podendo fazê-lo por procurador munidos de poderes especiais para sacar cheques, necessariamente por instrumento público. Também não se admite a assinatura rogo, ou seja, a assinatura posta em documentos é a pedido (a rogo) de analfabeto.42

Não é permitida a assinatura por carimbo, todavia, permite-se a assinatura

abreviada, chamadas de assinatura autorizada e, a assinatura mecanizada.

Havendo necessidade de prévio registro da chancela, ou seja, registro da gravura da

assinatura no cartório de títulos e documentos.

Segundo Fran Martins, o cheque pode ser emitido por mandatário, desde que

o mandato contenha poderes especiais e expressos. Com base no Código Civil (art.

1.298), o autor afirma que “o mandante, naturalmente, deve ser capaz de dispor de

41 BULGARELLI, 1992, p. 262. 42 ALMEIDA, 1998, p. 101-2.

32

seus bens, mas o mandatário pode ser relativamente incapaz, isto é deve ser

apenas maior de 16 anos.” 43

Nesse sentido, o instrumento do mandato deve ficar em poder do sacado,

para que ele possa comprovar a ordem emanada do mandante, e além disso, o

sacado deve manter em seu estabelecimento a assinatura do mandatário para que

possa conferir a assinatura constante do cheque.

O mandatário ou representante que assinar o cheque sem ter poderes para tal,

ou excedendo os poderes que lhe foram conferidos, ficará obrigado pessoalmente

conforme regra do art. 14, Lei 7.357/85, correspondente ao art. 11 da Lei Uniforme.

E, pagando o cheque, terá os mesmos direitos daquele em cujo nome assinou (art.

14, parágrafo único, Lei 7.357/85).

No que se refere à assinatura falsa e assinatura de incapaz, a Lei 7.357/85

dispõe em seu art. 13 parágrafo único que:

A assinatura de pessoa capaz cria obrigações para o signatário, mesmo que o cheque contenha assinatura de pessoas incapazes de se obrigar por cheque, ou assinaturas falsas, ou assinaturas de pessoas fictícias, ou assinaturas que, por qualquer outra razão, não poderiam obrigar as pessoas que assinaram o cheque, ou em nome das quais ele foi assinado.

Sendo assim, conforme Fran Martins, se o cheque entrar em circulação,

aqueles que assinarem posteriormente respondem ao portador pelo pagamento do

mesmo. Havendo vários endossantes, o que pagar terá o direito de entrar com uma

ação contra os obrigados anteriores.

Feito o estudo a cerca dos requisitos legais essenciais do cheque, estudar-se-

á o modelo oficial do cheque.

43 MARTINS, 1997, p. 39.

33

1.7 MODELO OFICIAL DO CHEQUE

O cheque é título de modelo vinculado conforme prevê o Manual de Normas e

Instruções, do Banco Central do Brasil, 16.8.1, que normatiza desde o tamanho até

o papel que deve ser impresso.

Figura 1: Ilustração de cheque Fonte: Do autor (2008).

1.8 CARACTERÍSTICAS DO CHEQUE COMO TÍTULO DE CRÉDITO

Segundo a definição do célere jurista italiano Cesare Vivante citado por

Rubens Requião: “Título de crédito é um documento necessário para o exercício do

direito literal e autônomo nele mencionado.” Essa definição foi adotada pelo Código

Civil, brasileiro, cujo art. 887 propõe: “o título de crédito, documento necessário ao

exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando

preencha os requisitos da lei.”44

O professor de Direito Fábio Ulhoa Coelho define a conceituação de Vivante

como aceita pela unanimidade da doutrina comercialista e sintetizadora dos

principais elementos da matéria cambial.45

44 REQUIÃO, 2006, p. 369. 45 COELHO, 2000, p. 363.

34

Decompondo a definição de Vivante, encontraremos os três requisitos

essenciais dos títulos de crédito: a literalidade, a autonomia e a cartularidade.

A literalidade reside no fato de que só vale o que se encontra escrito no título.

“O título de crédito se enuncia em um escrito, e somente o que está nele inserido se

leva em consideração; uma obrigação que dele não conste, embora sendo expressa

em documento separado, nele não se integra.”46 Daí se dizer que “o que não está no

título não está no mundo.”47

A autonomia, do título de crédito determina que cada pessoa que a ele se

vincula assume obrigação autônoma relativa ao título, não se vinculando uma à

outra, de tal forma que uma obrigação nula não afeta as demais obrigações válidas

no título, a teor do artigo 13 parágrafo único da Lei 7.357/85.48

Por último, a cartularidade, também chamada de incorporação, consiste na

materialização do direito no documento. O título de crédito se materializa, numa

cártula, ou seja, num papel ou documento. “O documento é necessário para o

exercício do direito de crédito. Sem a sua exibição material não pode o credor exigir

ou exercitar qualquer direito fundado no título de crédito.”49

Há ainda, outros requisitos abordados pela doutrina, como a independência e

a abstração, mas que, contudo, não constituem requisitos essenciais aos títulos de

crédito.

Assim, falado nesse capítulo acerca do título de crédito cheque, parte-se, em

seguida, para o Capitulo 2, do qual trará a polêmica em torno da descaracterização

ou não do cheque quando pós-datado. Além disso, estudar-se-á a aceitação do

mercado do instituto, bem como uso e costumes; o aspecto jurídico do cheque pós-

datado; sua natureza contratual e sua afeição a de nota promissória, caracterizada

pela pós-datação.

46 REQUIÃO, 2006, p. 369. 47 BULGARELLI, 1992, p. 55. 48 Art. 13. As obrigações contraídas no cheque são autônomas e independentes. Parágrafo único. A assinatura de pessoa capaz cria obrigações para o signatário, mesmo que o cheque contenha assinatura de pessoas incapazes de se obrigar por cheque, ou assinaturas falsas, ou assinaturas de pessoas fictícias, ou assinaturas que, por qualquer outra razão, não poderiam obrigar as pessoas que assinaram o cheque, ou em nome das quais ele foi assinado. 49 REQUIÃO, op.cit., p. 370.

35

2 A DESCARACTERIZAÇÃO DO CHEQUE

Estudado no capítulo anterior acerca do título de crédito cheque,

compreendendo da conceituação até as características do cheque como título de

crédito, cumpre agora, sempre focando-se no tema desta obra, abordar a

descaracterização do cheque como ordem de pagamento à vista.

E, quanto esta matéria, iniciar-se-á o estudo a cerca do cheque pós-datado.

2.1 CHEQUE PÓS-DATADO

O cheque pós-datado é popularmente conhecido como cheque pré-datado,

termo juridicamente incorreto, mas consagrado pela prática no comércio brasileiro.

Nesse sentido, Othon Sidou, citado por Aldeci de Aquino Magalhães, explica a

terminologia inadequada do uso dos afixos “pré” e “pós”,

“pré” (latim, prae) é afixo que denota anterioridade, antecipação, contraposto a “pós” (latim, post), que é indicativo de ato ou fato futuro. Então, uma ordem, expedida post diem, indica que ela deverá ser executada na ou a partir da data indicada, não antes.50

Nas palavras de Gonçalves,

Essa espécie de cheque, muito utilizada na vida comercial brasileira, não encontra guarita na legislação. Salienta-se que, embora seja largamente conhecido, como cheque “pré-datado”, o correto é chamá-lo de pós-datado, uma vez que traz data posterior àquela em que efetivamente é emitido.51

Por essa razão, adotaremos a expressão juridicamente aceita: “pós-datado”.

50 MAGALHÃES, Aldeci de Aquino. Natureza jurídica do cheque pós-datado. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/27/51/2751/>. Acesso em: 15 de maio de 2008. 51 GONÇALVES, 2006, p. 67.

36

Pontes de Miranda citado por Andréa Aldrovandi52, afirma que “o cheque pós-

datado existe, vale e é eficaz.” Pois, na sua opinião, a lei não prevê nenhuma

sanção de inexistência, invalidade ou ineficácia ao que for usado dessa forma.

O crescente uso do cheque pós-datado, representa, um desvio da natureza

do título, criado para realizar pagamentos à vista.53

Fábio Ulhoa, alerta que,

O cheque pós-datado é importante instrumento de concessão de crédito ao consumidor. Embora a pós-datação não produza efeitos perante o banco sacado, na hipótese de apresentação para liquidação, ela representa um acordo entre tomador e emitente. A apresentação precipitada do cheque significa o descumprimento do acordo.54

Tendo em vista o alargamento do uso do cheque pós-datado, como forma

mais fácil de obtenção de crédito ao consumidor, e a aceitação desse instrumento

por operadoras de crédito (factoring), forçou as autoridades monetárias à liberação

do desconto de cheques pós-datados. No entanto, se o cheque for apresentado

antes da data de vencimento será pago pelo sacado.55

Sendo assim, se um cheque consta determinada data, posterior àquela em

que ele foi efetivamente emitido, mas é apresentado em data anterior à indicada

será pagável imediatamente, no dia da apresentação, pois, o cheque é ordem de

pagamento á vista, de nada adiantando a data posterior aposta.

No entanto, no âmbito cambiário, o destinatário do cheque não é obrigado a

respeitar a cláusula de pagamento a prazo, e nem tampouco o banco deve obedecer

a qualquer cláusula que obsta o pagamento à vista.

Diante dos conceitos apresentados nota-se que o cheque pós-datado é muito

utilizado no comércio brasileiro, como aponta Gonçalves,56 devido a isso, a seguir

abordar-se-á a aceitação do mercado do instituto.

52 ALDROVANDI, Andréa. Cheque pós-datado. Jus Navigandi, elaborado em novembro 2000. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4048&p=1> Acesso em: 21 de abril de 2008. 53 COELHO, 2000, p. 434. 54 Ibidem, loc. cit. 55 Ibidem, p. 437. 56 GONÇALVES, 2006, p. 67.

37

2.2 A ACEITAÇÃO DO MERCADO DO INSTITUTO

Como já vimos, o cheque pós-datado é um instrumento de crédito

amplamente difundido no comércio brasileiro, não encontrando respaldo na

legislação, haja vista, que nos termos do artigo 32 da Lei 7.357/85, “o cheque é

pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário.”

Nesse sentido, Rubens Requião57 entende que a descaracterização do

cheque se dá no momento em que o emitente do cheque consigna data de

apresentação futura e, portanto, diversa daquela de sua emissão efetiva, ou seja, a

pós-datação dá ao título a afeição de uma letra de câmbio, não aparecendo ao

menos na intenção do emitente a função de ordem de pagamento à vista.

Deste modo, a desconfiguração da ordem de pagamento à vista, torna o

cheque uma promessa de pagamento futuro.

Destarte, Almeida Paes salienta que,

O cheque pós-datado emitido em garantia de dívida não se desnatura como título cambiariforme, tampouco como título executivo extrajudicial. A circunstância de haver sido aposta no cheque data futura, embora possua relevância na esfera penal, no âmbito dos direitos civil e comercial traz como única conseqüência prática a ampliação real do prazo de apresentação (STJ, RE nº 16.855 – SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, 4ª T., Ementário da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nº 8, ementa nº 287).58

Por essa razão, esse tipo de cheque surgiu de um mero acordo comercial

feito verbalmente, e que acabou sendo amplamente disseminado no cotidiano.

Assim, lembra Gonçalves, que:

Ao adquirir uma mercadoria, pagando-a com um cheque “pós-datado”, o adquirente está confiando na palavra dada pelo comerciante de que somente apresentará o título ao banco na data indicada pelo comprador, e não em data anterior àquela.59

57 REQUIÃO, 2006, p. 495. 58 ALMEIDA, 1998, p. 113-4. 59 GONÇALVES, 2006, p. 67.

38

Contudo, havendo fundos na conta do emitente, o sacado fica obrigado a

pagá-lo imediatamente, independente da data acordada comercialmente.

Sobre o tema manifesta-se Bulgarelli,

No caso do cheque pós-datado, ou seja, com data posterior àquela em que efetivamente é emitido, a Lei Uniforme dispõe que será pagável na data da apresentação o cheque apresentado a pagamento antes do dia indicado como data da emissão (art. 28, 2ª al.), dispositivo que foi reproduzido no art. 32, § único; assim, a data futura é considerada como não escrita.60

No mesmo sentido Fábio Ulhoa Coelho, em sua obra "Manual de Direito

Comercial", declara:

O elemento essencial do conceito de cheque é a sua natureza de ordem à vista, que não pode ser descaracterizada por acordo entre as partes. Qualquer cláusula inserida no cheque com o objetivo de alterar esta sua essencial característica é considerada não-escrita e, portanto, ineficaz (Lei nº 7.357, de 1985 – Lei do Cheque, art. 32). Desta forma, a emissão de cheque com data futura, a pós-datação, não produz nenhum efeito cambial, posto que, pelo contrário, importaria tratamento do cheque como título de crédito a prazo. Um cheque pós-datado é pagável em sua apresentação, à vista, mesmo que esta se dê em data anterior àquela indicada como a de sua emissão (art. 32, parágrafo único).61

Em suma o cheque pós-datado, surgiu e se firmou através do costume, já que

perante a lei, o cheque é definido como uma ordem de pagamento à vista (art. 32,

Lei 7.357/85), constituindo-se como uma prática rotineira no comércio nacional.

O cheque não tem o poder liberatório da moeda, porém, sua utilização

explica-se pela facilidade com que mobiliza os valores monetários, exercendo

importante função econômica substituindo vantajosamente a mobilização de valores

monetários no meio comercial e social.

A ampla aceitação no mercado do instituto cheque se dá pelas vantagens e

facilidades do seu uso. A principal vantagem do uso do cheque é a substituição do

dinheiro vivo, pelo papel representativo do cheque. Além disso, o uso do cheque

60 BULGARELLI, 1992, p. 263. 61 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 272.

39

possibilita o pagamento à distância, ou seja, alguém que dispõe de fundos em conta

corrente em agência bancária em Florianópolis, poderá efetuar pagamento de uma

mercadoria, com seu cheque, em São Paulo.

A facilidade circulatória deve-se também pela possibilidade de endosso em

vez de exigir a sua imediata apresentação ao sacado.

Enfim, a utilidade prática do cheque é a de servir como instrumento de

pagamento, permitindo, portanto, a retirada de fundos em poder da instituição

financeira, pelo próprio depositante ou por terceiro.62

2.2.1 Uso e Costumes

De acordo com Dylson Doria, a legislação mercantil brasileira não fazia

distinção entre uso e costume comercial. Sendo assim, antes de revogado, o Código

Comercial usava indistintamente a expressão uso e costume, como por exemplo:

uso e prática mercantil (art. 154); estilo e uso do comércio (art. 169); usos do

comércio (art. 201); usos comerciais (art. 291).63

Destarte, “essa distinção se faz tendo em conta que o uso é a simples

repetição de fato da mesma espécie. Mas, se esse uso tem por objeto estabelecer

relações jurídicas entre pessoas, transforma-se em costume.”64

Nesse sentido, o cheque "pós-datado", conhecido vulgarmente como “pré-

datado” apesar de não ser contemplado pela lei brasileira, é considerado uma

expressão de costume comercial, pois, segundo Amador Paes de Almeida, citado

por Antônio Raimundo de Castro Queiroz Júnior,

O uso, em termos de Direito Comercial, é mera repetição de fatos da mesma natureza; quando passa a ser acolhido pela sociedade como útil a configurar ou disciplinar as relações jurídicas, sem contrastar o Direito, ao contrário, ajustando-se a ele porque não repelido, tem-se o costume.65

62 BULGARELLI, 1992, p. 254. 63 DORIA, 1998, p. 34. 64 Ibidem, Loc. cit. 65 QUEIROZ JUNIOR, Antônio Raimundo de Castro. Cheque pós-datado. Disponível em: <http://www.uj.com.br>. Acesso em: 04 de maio de 2008.

40

Carvalho de Mendonça citado por Doria, define usos e costumes como sendo

“as normas ou regras observadas uniforme, pública e constantemente pelos

comerciantes de uma praça e por estes consideradas como juridicamente

obrigatórias para, na falta da lei, regularem determinados negócios”.66

Em face da lei, os costumes se classificam em três categorias: a) “secundum

legem”, são os previstos na lei expressamente para suprimento da lacuna que

apresente; b) “praeter legem”, são os oriundos da prática mercantil na falta de texto

legal e aplicáveis para suprir essas lacunas legislativas; “contra legem”, são os

praticados em sentido oposto ao da lei, e por isso inadmissíveis, já que só se admite

a revogação ou modificação de uma lei por outra lei.67

Os usos comerciais aparecem espontaneamente. Sendo assim, um

comerciante, em sua rotina, fixa determinada norma, que vai sendo adotada por

outros. Passando o “uso” de individual para geral. Inicialmente, em determinada

praça (usos locais), expandindo gradativamente para outras (usos regionais ou

nacionais) podendo, posteriormente, ter uma abrangência internacional (usos

internacionais). Essa prática constante, e o reconhecimento voluntário dos

comerciantes em geral, tornam-se regra implícita da relação jurídica para qual

nasceu.68

Corroborando, Vivante observa que:

O uso deve ser mantido de modo uniforme por certo tempo, e é observado como se fosse uma regra de direito e, portanto, com a convicção de que não se pode violá-lo impunemente. Assim, a exigência de sua formação consiste em: prática uniforme, constante e por certo tempo. São exercidos de boa-fé e conforme as máximas comerciais, não podendo contrapor à lei, quando esta for imperativa.69

Jean Bodin, filósofo francês em comentário sobre o pensamento político, faz

as seguintes observações sobre as relações entre os costumes e as leis:

66 DORIA, 1998, p. 34. 67 Ibidem, p. 36. 68 REQUIÃO, 2000, p. 29. 69 Ibidem, loc. cit.

41

Um rei faz leis, súditos produzem costumes. Existe uma diferença entre ambos. Um costume estabece-se gradualmente no decorrer dos anos. Leis são instantâneas. Costume não necessita ser imposto, leis devem ser impostas. Costume não exige castigo, leis necessitam de penalidades. Mas enquanto uma lei pode quebrar costumes, costumes não podem derrogar leis.70

Os usos e costumes podem ser classificados como usos propriamente ditos,

conhecidos como usos de direito, e usos interpretativos, também chamados de usos

de fato ou usos convencionais.71

No que ser refere aos usos propriamente ditos ou usos de direito, são

imperativos, tendo força de lei. A eles é que o antigo Regulamento no 737, de 1850,

considerava integrantes da legislação comercial (art. 2o : “Constituem legislação

comercial o Código do Comércio e subsidiariamente os usos comerciais...”). A

eficácia dos usos propriamente ditos não resulta de vontade das partes, mas da lei.

Como se disse, são de aplicação imperativa.72

“Os usos interpretativos ou convencionais são os que decorrem da prática

espontânea dos comerciantes em suas relações comerciais.”73

Conforme Rubens Requião,

Integram-se nos contratos como cláusulas implícitas ou tácitas, e de tal forma ingressam nos negócios que seu uso constante os torna implícitos, sendo desnecessário anunciá-los expressamente. Recebem eficácia da simples vontade das partes.74

Como vimos, os usos, não podem se opor à norma legal. Conforme ensina

Rubens Requião,

Não podem ser contra legem. A assertiva deve ser tomada, todavia, em termos, pois na lei comercial há que se distinguir as normas de ordem pública das normas simplesmente supletivas da vontade das partes. É obvio que, não sendo a regra legal imperativa, de ordem pública, pode ser substituída por um uso a que as partes dêem

70 REQUIÃO, 2000, p. 29. 71 Ibidem, p. 30. 72 Loc. cit. 73 Loc. cit. 74 Loc. cit.

42

intencionalmente preferência. Verificando que a intenção das partes, pela natureza do negócio e suas condições, foi a de adotar, embora implicitamente, determinando uso comercial, o julgador deve aplicá-lo, sobrepondo-o à norma legal não-imperativa.75

Os usos e costumes devem ter sua existência e vigência provadas por quem

os invoca, dessa forma, Código de Processo Civil (Lei no 5869, de 11 de janeiro de

1973), não particulariza a forma da prova dos usos e costumes, dispondo apenas no

seu artigo 337: “A parte que alegar direito municipal, estrangeiro ou consuetudinário,

provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz.”76

A prova da existência dos usos e costumes comerciais das praças nacionais é

feita através de certidões das Juntas Comerciais, que são as repartições incumbidas

do registro de comércio e especificamente dos registros dos usos e costumes

mercantis.77

Compete ás Juntas Comerciais, conforme a Lei no 8.934 de 18 de novembro

de 1994, e seu regulamento o Decreto no 1.800, de 30 de janeiro de 1996, dispondo

este último, nos seus artigos 87 e 88. 78

Feita esta abordagem da aceitação do mercado do cheque pós-datado em

função dos usos e costumes comerciais, passar-se-á ao estudo do aspecto jurídico

do cheque pós-datado.

75 REQUIÃO, 2000, p. 30. 76 Loc. cit. 77 Loc. cit. 78 Art. 87. O assentamento de usos ou práticas mercantis é efetuado pela Junta Comercial. § 1 Os usos ou práticas mercantis devem ser devidamente coligidos e assentados em livro próprio, pela Junta Comercial, ex officio, por provocação da Procuradoria ou de entidade de classe interessada. § 2 Verificada, pela Procuradoria, a inexistência de disposição legal contrária ao uso ou prática mercantil a ser assentada, o Presidente da Junta Comercial solicitará o pronunciamento escrito das entidades diretamente interessadas, que deverão manifestar-se dentro do prazo de noventa dias, e fará publicar convite a todos os interessados para que se manifestem no mesmo prazo. § 3 Executadas as diligências previstas no parágrafo anterior, a Junta Comercial decidirá se é verdadeiro e registrável o uso ou prática mercantil, em sessão a que compareçam, no mínimo, dois terços dos respectivos vogais, dependendo a respectiva aprovação do voto de, pelo menos, metade mais um dos Vogais presentes. § 4 Proferida a decisão, anotar-se-á o uso ou prática mercantil em livro especial, com a devida justificação, efetuando-se a respectiva publicação no órgão oficial da União, do Estado ou do Distrito Federal, conforme a sede da Junta Comercial. Art. 88. Qüinqüenalmente, as Juntas Comerciais processarão a revisão e publicação da coleção dos usos ou práticas mercantis assentados na forma do artigo anterior.

43

2.3 ASPECTO JURÍDICO DO CHEQUE PÓS-DATADO

A questão do cheque pós-datado, entregue como garantia da dívida e não

como pagamento à vista, é polêmica, constituindo-se, numa vexata quaestio, já que

no aspecto jurídico, o instituto (cheque pós-datado), não pode ser tido como cheque.

Nesse sentido, a legislação vigente - Lei 7.357/85 – em confronto com os

usos e costumes, posicionam o cheque como ordem de pagamento à vista,

desconsiderando uma eventual pós-data expressa no título.

Entende Dória que,

[...] de sua natureza de meio de pagamento provém a inadmissibilidade do cheque pós-datado. É que sua permissibilidade tornaria o cheque simples título de crédito. Daí dizer que o art. 32, parágrafo único, da Lei n. 7.357/85, repetindo o art. 28, al. 2ª, a Lei Uniforme, que o cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data da emissão é pagável no dia da apresentação.79

Segundo Andréa Aldrovandi,

Existe quase um consenso entre os doutrinadores e operadores do direito quanto à natureza jurídica do cheque pós-datado, pois a grande maioria entende que a convenção entre o beneficiário e o emitente em relação à pós-datação, desnatura o título como cheque comum, mas não retira do título as suas características de cambial, pois, manter-se-á como título executivo extrajudicial, poderá circular e ser apresentado desde logo ao sacado para pagamento.80

Feito este estudo acerca do aspecto jurídico do cheque pós-datado, passar-

se-á a analisar a natureza contratual da pós-datação.

79 DORIA, 1998, p.88. 80 ALDROVANDI, 2000.

44

2.4 CONTRATO

Contrato é a manifestação da vontade de duas ou mais pessoas, com a

finalidade de estabelecer um acordo de interesses entre as partes, em consonância

com a ordem jurídica, com o intuito de adquirir, modificar ou extinguir relações

jurídicas de natureza patrimonial.

Sendo assim, o contrato é fundado na vontade humana, desde que obedeça à

ordem jurídica, devendo seu conteúdo ser fixado de acordo com a vontade das

partes.

Para Orlando Gomes, "o contrato é uma espécie de negócio jurídico que se

distingue, na formação, por exigir a presença de pelo menos, de duas partes.

Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral".81

Baseado em Antunes Varela, Maria Helena Diniz, esclarece que:

Contrato é o acordo de duas pessoas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.82

Na visão de Fábio Ulhoa Coelho, o “contrato está situado no conjunto das

obrigações em que a existência e extensão do dever, que certa pessoa tem de dar

ou fazer algo para outra, são definidas em parte pela lei e em parte pela vontade

dela mesma.”83

No que se refere ao princípio da boa-fé, Rizzardo, citado por Orlando Gomes

leciona que,

Nos contratos há sempre interesses opostos das partes contratantes, mas sua harmonização constitui o objetivo mesmo da relação jurídica contratual. Assim, há uma imposição ética que domina toda matéria contratual, vedando o emprego da astúcia e da deslealdade e impondo a observância da boa-fé e lealdade, tanto na manifestação

81 GOMES, Orlando. Contratos. 24ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 4. 82 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. V. 3. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 24. 83 COELHO, 2005, p. 412.

45

de vontade (criação do negócio jurídico) como, principalmente, na interpretação e execução do contrato.84

Nesse sentido, Amador Paes de Almeida destaca a teoria contratualista,

entendendo o cheque como um contrato sui generis, ou seja, tudo semelhante ao

contrato de compra e venda de moedas.

Os princípios fundamentais do Direito Contratual segundo Maria Helena

Diniz85, são: pricípio da autonomia da vontade e o da função social do contrato;

princípio do consensualismo; princípio da obrigatoriedade da convenção; princípio

da relatividade dos efeitos do contrato e princípio da boa-fé objetiva.

Quanto ao princípio da obrigatoriedade,

Consiste no poder das partes de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontades, a discliplina de seus interesses, suscitando do efeitos tutelados pela ordem jurídica, envolvendo, além da liberdade de criação do contrato, a liberdade de contratar ou não contratar, de escolher o outro contra contraente e de fixar o conteúdo do contrato, limitadas pelo princípio da função social do contrato, pelas normas de ordem pública, pelos bons costumes e pela revisão judicial dos contratos.

No que ser refere ao princípio do consensualismo,

Segundo esse princípio, o simples acordo de duas ou mais vontades basta para gerar contrato válido, pois a maioria dos negócios jurídicos bilaterais é consensual, embora alguns, por serem solenes, tenham sua validade condicionada à observância de certas formalidades legais.

Já o princípio da obrigatoriedade,

Por esse princípio, as estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas, sob pena de execução patrimonial contra o inadimplente. O ato negocial, por ser uma norma jurídica, constituindo lei entre as partes, é intangível, a menos que ambas as partes o rescindam voluntariamente ou haja a escusa por caso

84 GOMES, 2001, p. 42.

85 DINIZ, 2006, p. 45-6.

46

fortuito ou força maior (CC, art. 393, parágrafo único), de tal sorte que não se poderá alterar seu conteúdo, nem mesmo judicialmente. Entretanto, tem-se admitido, ante o pricípio do equilíbrio contratual ou da equivalência material das prestações, que a força vinculante dos contratos seja contida pelo magistrado em certa circunstâncias excepcionais ou extraordinária que impossibilitem a previsão de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação (Lei n. 8.078/90, arts. 6º, V, e 51; CC, arts. 317, 478, 479 e 480).

Quanto ao princípio da relatividade dos efeitos do contrato, a autora declara,

“por esse princípio, a avença apenas vincula as partes que nela intervieram, não

aproveitando nem prejudicando terceiros, salvo raras exceções.”

E por último, o princípio da boa-fé objetiva:

Segundo esse princípio, na interpretação do contrato, é preciso ater-se mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem, e, em prol do interesse social de segurança das relações jurídicas, as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na formação e na execução do contrato. Daí estar ligado ao princípio da probidade.

Enfim, no que se refere ao cheque pós-datado em relação contrato, pode ser

dizer que, há uma relação de confiança mutua entre o fornecedor e o consumidor

pactuada tacitamente, já que consumidor promete que terá fundos quando sacar o

cheque e o fornecedor promete que só o apresentar na data acertada; um acordo de

vontades, em que as partes estipulam livremente, o modo de aquisição e o

pagamento daquilo que foi acordado. Apesar deste acordo, a natureza cambiária do

cheque não se desnatura, pois, quando levado ao Banco, é pago imediatamente,

preservando, assim, sua principal característica, qual seja, a ordem de pagamento à

vista.

Finalizado o estudo acerca do contrato, passar-se-á ao estudo da nota

promissória como promessa de pagamento futuro.

47

2.5 NOTA PROMISÓRIA – PROMESSA DE PAGAMENTO

2.5.1 Conceito

Nota Promissória é um título de crédito emitido por alguém que se

compromete a pagar certa quantia em dinheiro, em data certa, a uma determinada

pessoa, sob forma de promessa de pagamento.

De acordo com Rubens Requião a nota promissória é,

Um título de crédito (literal e abstrato), pelo qual o emitente se obriga, para com o beneficiário ou portador declarado no texto, a lhe pagar, ou à sua ordem, certa soma em dinheiro. É, por definição legal, vale insistir, uma promessa de pagamento.

86

Amador Paes de Almeida, entende que “a nota promissória é uma promessa

de pagamento, como aliás, enfatiza o art. 54 do Decreto nº 2.044, de 31 de

dezembro de 1908 (Lei Interna).”87

Corroborando, Dylson Doria diz que:

A nota promissória traduz uma promessa direta de pagamento que o devedor faz a seu credor. Trata-se de um título de crédito, mediante o qual o seu emitente se obriga a pagar a seu beneficiário, ou à sua ordem, a quantia em dinheiro nele declarada.88

Define Magarino Torres, citado por Waldirio Bulgarelli, que a nota promissória

é um “compromisso escrito e solene, pelo qual alguém se obriga a pagar a outrem

certa soma em dinheiro.”89

Para Gonçalves, “a nota promissória é uma promessa de pagamento em que

o emitente ou sacador se compromete a pagar determinada quantia ao beneficiário

86 REQUIÃO, 2006, p. 475. 87 ALMEIDA, 1998, p. 63. 88 DORIA, 1998, p. 78-9. 89 BULGARELLI, 1992, p. 206. 90 GONÇALVES, 2006, p. 59.

48

do título. Sua emissão, portanto, decorre de uma declaração unilateral de vontade e

não de um contrato.”90

Neste sentido, nota-se que o conceito de nota promissória adotado é unânime

entre os diversos autores citados.

Confundida com a letra de câmbio, a nota promissória envolve apenas duas

posições jurídicas: o emitente, que é a pessoa que emite a nota promissória, na

qualidade de devedor do título e o beneficiário, que é a pessoa que se beneficia da

nota promissória, na qualidade de credor do título.

Conforme Amador Paes,

Distingue-se a nota promissória da letra de câmbio por conter uma promessa em lugar de uma ordem. Ademais disto, envolve duas partes – emitente e beneficiário – em lugar das três figuras intervenientes da letra de câmbio: sacador, sacado e tomador.91

Feito o estudo acerca do conceito de nota promissória sob a ótica de diversos

doutrinadores, passar-se-á a estudar os requisitos essências do instituto.

2.5.2 Requisitos Essenciais

A Nota promissória está regulamentada pelo Decreto nº 2.044/1908 (Lei

Saraiva), arts. 54 a 56 e o Decreto nº 57.663/1966 (Lei Uniforme), arts. 75 a 78.

De acordo com o art. 54 do Dec. nº 2.044/1908, são requisitos da nota

promissória:

I _ a denominação “nota promissória”, expressa no contexto do título, na

língua em que for emitida;

II _ a promessa de pagar uma quantia determinada;

A quantia a ser paga deve respeitar o valor indicado por extenso ou em

algarismos, com exatidão. Havendo divergências entre o valor extenso ou em

algarismos prevalecerá o primeiro.

91 ALMEIDA, 1998, p. 63.

49

Nesse sentido, ressalta o § 3º do artigo acima citado que: “diversificando no

contexto as indicações da soma de dinheiro, o título não será nota promissória.”92

III _ o nome da pessoa a quem deve ser paga;

Acerca do tema, Rubens Requião afirma que não se admite nota promissória

ao portador explicando que,

O motivo da vedação dos títulos cambiários, como a letra de câmbio e nota promissória ao portador, [...] se deve ao receio oficial de que venham substituir o papel-moeda, que tem curso forçado. Temor vão, pois durante mais de meio século no Brasil foram admitidas as letras de câmbio ao portador, sem que o fenômeno ocorresse no terreno monetário. A proibição foi, todavia, adotada pelo Governo brasileiro, sem qualquer ressalva.93

IV _ A assinatura do próprio punho do emitente ou de mandatário especial.

O quarto e último requisito, determinam a impossibilidade do mandato verbal

ou da assinatura a rogo, afastando a possibilidade do analfabeto utilizar a nota

promissória, sem a figura de mandatário especial:

O analfabeto que não sabe nem mesmo assinar, podendo apenas copiar o desenho do seu nome posto à frente em um modelo, não pode obrigar-se validamente na qualidade de emitente de cambial, a não ser através de mandatário como poderes especiais. (Rev. dos Tribs., 275/630).94

A Lei Uniforme (art. 75) acrescenta aos requisitos mencionados os seguintes:

a) época do pagamento;

b) indicação do lugar em que se efetuar o pagamento;

c) indicação da data em que e do lugar onde a nota promissória é passada.

A época do pagamento e a indicação do lugar em que foi passada, não são

requisitos essenciais. Pois, o art. 76 da Lei Uniforme estabelece que:

Se a nota promissória não indicar a época do pagamento, será considerada pagável à vista; não indicando, de forma especial, o

92 ALMEIDA, 1998, p. 65. 93 REQUIÃO, 2006, p. 478. 94 Apud ALMEIDA, 1998, p. 65.

50

lugar onde o título foi emitido considera-se como tendo sido o lugar do pagamento e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do subscritor; a que não contenha indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo sido no lugar designado ao lado do nome do subscritor.95

Porém, de acordo com Gonçalves, a data da emissão da nota promissória é

requisito essencial e na sua falta a ação cambial não é meio de solução da questão

judicial:

Não constando a data de emissão, se não for inserida até o ajuizamento da execução, o título perderá sua eficácia de título de crédito. É imprescindível essa informação para que se verifique se o sacador possuía capacidade jurídica à data da emissão da nota.96

Dando seqüência ao estudo dos requisitos essenciais da nota promissória,

apresentar-se-á, outros requisitos relativos a Lei Uniforme.

2.5.2.1 Outros Requisitos Relativos a Lei Uniforme

Além dos requisitos anteriormente mencionados, outros constam na Lei

Uniforme, especificamente aplicáveis à nota promissória.

Assim dispõe o art. 77 da Lei Uniforme:

São aplicáveis às notas promissórias, na parte em que não sejam contrárias à natureza deste título, as disposições relativas às letras e concernentes: endosso (arts. 11 a 20); vencimento (arts. 33 a 37); pagamento (arts. 38 a 42); direito de ação por falta de pagamento (arts. 43 a 50 e 52 a 54); pagamento por intervenção (arts. 55 e 59 a 63); cópias (arts. 67 e 68); alterações (arts. 67 e 68); prescrição (arts. 70 e 71); dias e feriados, contagem de prazos e interdição de dias de perdão (arts. 72 a 74). São igualmente aplicáveis às notas promissórias as disposições relativas às letras pagáveis no domicílio de terceiro ou numa localidade diversa da do domicílio do sacado (arts. 4º e 27), a estipulação de juros (art. 5º), as divergências das indicações da quantia a pagar (art. 6º), as conseqüências da

95 REQUIÃO, 2006, p. 477. 96GONÇALVES, 2006, p. 62.

51

aposição de uma assinatura nas condições indicadas no art. 7º, as da assinatura de uma pessoa que age sem poderes ou excedendo os seus poderes (art. 8º) e a letra em branco (art. 10). São também aplicáveis as nota promissórias às disposições relativas ao aval (arts. 30 a 32); no caso previsto na última alínea do art. 31, se o aval não indicar a pessoa por quem e dado, entender-se-á ser pelo subscritor da nota promissória.

2.5.3 Vencimento

De acordo com o art. 55 do Decreto n. 2.044/1908 a nota promissória pode

conter os seguintes vencimentos:

I - à vista;

Neste caso não estará indicado no título à data de vencimento, devendo esta

ser paga contra apresentação.

II - a dia certo;

É o modo mais habitual, o título trará fixado o dia do vencimento.

III - a tempo certo da data (da emissão).

O vencimento correrá a determinados dias, meses ou anos, a partir da data

da emissão do título.

No que se refere ao vencimento a certo tempo de vista, o artigo. 78 da Lei

Uniforme dispõem:

As notas promissórias pagáveis a certo termo de vista devem ser presentes ao visto dos subscritores nos prazos fixados no art. 23. O termo de vista conta-se da data do visto dado pelo subscritor. A recusa do subscritor a dar o seu visto é comprovada por um protesto (art.25), cuja data serve de início ao termo de vista.97

Porém, o vencimento da nota promissória a certo termo da vista causa

divergências entre os doutrinadores.

A propósito Rubens Requião acerca do tema acrescenta:

97 REQUIÃO, 2006, p. 478.

52

[...] no momento em que expede a promessa, assinando a nota promissória, o emitente evidentemente aceitou a obrigação a que se sujeitou. [..] Não podemos compreender, pois como possa existir, mesmo na Lei Uniforme, alusão à nota promissória ‘a certo termo de vista’, uma vez que o principal obrigado e devedor do título é o próprio subscritor.98

Diferentemente Waldírio Bulgarelli acredita que “trata de excelente inovação,

em nosso direito, não sendo justificáveis as críticas feitas, sobretudo pela pretensa

equiparação do visto do emitente ao aceite do sacado.”99

No que ser refere ao vencimento por antecipação, pode-se dizer que, também

poderá ser utilizado em situações envolvendo a nota promissória, nos termos do art.

43 da Lei Uniforme.100

2.5.4 Aceite

Como visto anteriormente, há divergências doutrinárias em função do

vencimento a certo tempo de vista, sobretudo, na equiparação do visto do emitente

ao aceite do sacado. Contudo é pacífico o entendimento de que não existe aceite na

nota promissória, pois esta é uma promessa direta de pagamento.

Nesse sentido, os autores Hamel, Lagarde e Jauffret, concluem:

[...] a aceitação de uma nota promissória não pode ser concebida, porque esse aceite é dado pelo próprio subscritor, e o art. 188 dispõe que o subscritor de uma nota promissória é obrigado da mesma maneira que a aceitação de uma letra de câmbio.101

98 REQUIÃO, 2006, p. 478. 99 BULGARELLI, 1992, p. 207-8. 100 Art. 43 L.U. O portador de uma letra pode exercer os seus direitos de ação contra os endossantes, sacador e outros coobrigados: no vencimento; se o pagamento não foi efetuado; mesmo antes do vencimento: 1º) se houve recusa total ou parcial de aceite; 2º) nos casos de falência do sacado, quer ele tenha aceite, quer não, de suspensão de pagamentos do mesmo, ainda que não constatada por sentença, ou de ter sido promovida, sem resultado, execução dos seus bens. 101 Apud REQUIÃO, op. cit., loc. cit.

53

2.5.5 Endosso

Conforme Rubens Requião, “o endosso é o meio pelo qual se processa a

transferência do título de um credor para outro.”102

Corroborando, Theóphilo de Azeredo Santos conceitua o endosso como:

Uma declaração formal, literal, unilateral, facultativa, acessória, incondicional, integral, lançada normalmente no verso do título, mas podendo se escrita em seu anverso, desde que especifique o nome do endossatário, ou, se em branco, empregando-se fórmula que o passa distinguir, de modo inequívoco, pela qual se transfere o título e, em conseqüência, os direitos nele incorporados, mas só se aperfeiçoa com a sua entrega, respondendo o endossante pelo seu aceite e pagamento.103

Nesse sentido, para a validade do endosso é necessária a assinatura do

próprio punho do endossante, no verso do título, como aliás preceitua o art. 8º do

Decreto nº 2.044/1908 e a Lei Uniforme.104

O endossante é garante tanto da aceitação como do pagamento da letra,

salvo cláusula em contrário. (art. 15 da Lei Uniforme).

Para Doria, os efeitos do endosso derivam da transmissibilidade da

propriedade do título e da responsabilidade do endossante tanto pela aceitação

quanto pelo pagamento da letra.105

Segundo Rubens Requião, há duas modalidades de endosso: endosso em

branco ou em preto.106

A cerca do tema ensina Amador Paes que no endosso em branco omite-se o

nome do endossatário, emprestando a letra de câmbio à semelhança de um título ao

portador, sendo transmissível pela tradição.107

102 REQUIÃO, 2006, p. 417. 103 Apud DORIA, 1998, p. 35. 104 ALMEIDA, 1998, p. 36. 105 REQUIÃO, op. cit., p. 419. 106 ALMEIDA, loc. cit. 107 Ibidem, p. 39-40.

54

No que se refere ao endosso em preto, para o mesmo autor, é aquele que

menciona expressamente o nome do endossatário, Isto é, do beneficiário do

endosso.

2.5.6 Aval

O aval, no entendimento de Bulgarelli, é uma forma de garantia cambial.

Através dele, o avalista fica responsável pelo pagamento do título, nas mesmas

condições do seu avalizado. 108

Amador Paes conceitua o aval como:

A garantia de pagamento firmada por terceiro. Instituo típico de direito comercial, conquanto possa ter alguns traços comuns, não se confunde com a fiança, esta última obrigação acessória do direito civil, que, por isso mesmo, pressupõe a existência de outra obrigação principal.109

De acordo com Fábio Ulhoa Coelho, o aval é o ato cambiário pelo qual uma

pessoa (avalista) garante o pagamento de um título de crédito, nas mesmas

condições que um devedor desse título (avalizado).110

Ensina João Eunápio Borges, que o aval, é:

A garantia cambial típica, cuja finalidade exclusiva é garantir o pagamento da letra de câmbio ou da nota promissória, do mesmo modo que o garantiria o coobrigado cambial, ao qual se equipara, se perfeitamente válida fosse a obrigação deste, à qual a do avalista não se subordina por nenhum vínculo de acessoriedade, quer material, quer formal.111

108 BULGARELLI, 1992, p. 159. 109 ALMEIDA, 1998, p. 44. 110 COELHO, 2005, p. 254. 111 Apud DORIA, 1998, p. 42.

55

De acordo com o que dispõe o art. 77 da Lei Uniforme, aplicam-se na nota

promissória as disposições sobre o aval:

[...] São também aplicáveis às nota promissórias as disposições relativas ao aval (arts. 30 a 32); no caso previsto na última alínea do art. 31, se o aval não indicar a pessoa por quem e dado, entender-se-á ser pelo subscritor da nota promissória.112

A Lei Uniforme não oferece a conceituação jurídica do aval, porém, fornece

alguns elementos que permitem retratar o seu perfil dogmático.113

Assim como no endosso, o aval também pode ser em preto ou em branco, no

primeiro, há indicação do nome do avalizado, no segundo, não.114

2.5.7 Prescrição

Conforme ensina Gonçalves, os prazos prescricionais para a execução da

nota promissória são: “três anos, a contar do vencimento, do portador contra o

emitente e avalista; um ano, a contar da data de protesto feito em tempo útil, ou da

data do vencimento, se a letra contiver a cláusula “sem despesas”, do portador

contra endossantes e respectivos avalistas; seis meses, a contar do dia em que o

112 LEI UNIFORME DE GENEBRA: Art. 30. O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra. Art. 31. O aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa. Exprime-se pelas palavras "bom para aval" ou por qualquer fórmula equivalente; e assinado pelo dador do aval. O aval considera-se como resultante da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador. O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta de indicação, entender-se-á pelo sacador. Art. 32. O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. Prática Processual Vinculada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra. 113 DORIA, 1998, p. 43. 114 Ibidem, loc. cit.

56

endossante pagou o título ou em que ele foi acionado, dos endossantes, uns contra

os outros, ou seus avalistas.”115

Assim, com o estudo da descaracterização do cheque pós-datado encerra-se

este capítulo, devendo passar-se então, para o terceiro e último capítulo que, com

base no primeiro e no segundo capítulos, tratará especificamente do tema desta

obra, quanto “Efeitos penais e civis decorrentes da apresentação antecipada do

cheque pós-datado.”

115 GONÇALVES, 2006, p. 62.

57

3 EFEITOS PENAIS E CIVIS DA UTILIZAÇÃO DO CHEQUE PÓS-DATADO

No primeiro capítulo foi explanado de forma objetiva, o título de crédito

cheque, sempre focando-se no tema desta obra, enquanto que no capítulo anterior

foi abordado a descaracterização do cheque no ato da pós-datação.

Neste capítulo, momento mais esperado da pesquisa, será estudado com

base na doutrina e entendimentos jurisprudenciais dos principais Tribunais pátrios,

os efeitos penais e civis decorrentes da apresentação antecipada do cheque pós-

datado.

Para uma melhor compreensão do estudo, analisar-se-á, inicialmente os

efeitos penais decorrente da não observação da data pactuada entre as partes,

conforme segue:

3.1 EFEITOS PENAIS

Um dos delitos de ocorrência mais comum na vida contemporânea é de

fraude no pagamento por meio de cheque, definido no art. 171, § 2º, inciso VI

comete ato ilícito quem “emite cheque sem suficiente provisão de fundos em poder

do sacado, ou lhe frustra o pagamento.”116

No mesmo sentido, Damásio de Jesus ensina:

A fraude no pagamento por meio de cheque é delito material, de conduta e resultado, em que o tipo exige a realização do fim visado pelo sujeito. Não se pode esquecer que o nomen júris é fraude no pagamento por meio de cheque e que devemos a ela aplicar os princípios que informam o estelionato fundamental, descrito no caput do art. 171 do CP.117

116 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal. V. 2. 25ª ed, rev e atual. São Paulo: Atlas, 2007, p. 306. 117 JESUS, 2007, p. 451.

58

Nesse sentido, caracterizado e comprovado o estelionato, a pena conforme o

art. 171 do CP, é de um a cinco anos de reclusão e multa.

No que se refere ao cheque pós-datado,

A jurisprudência penal aceita juridicamente a existência do cheque pós-datado, reconhece seu aspecto de acordo extracambiário, ao aceitar como causa de descaracterização do crime de estelionato. Protege corretamente desta forma o emitente do beneficiário que descumpre o compromisso comercial assumido e ainda tenta enquadrá-lo criminalmente.118

Feita essa abordagem inicial, passar-se-á a estudar o crime de estelionato.

3.1.1 Crime de Estelionato

3.1.1.1 Conceito

Etimologicamente, nas palavras de Mirabete e Fabbrini o estelionato, “deriva

do stellio (lagarto que muda de cores, iludindo os insetos de que se alimenta).”119

De acordo com Damásio de Jesus, “estelionato é o fato de o sujeito obter,

para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo

alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento (CP, art.

171, caput).”120

Nesse sentido, existe o crime, quando o agente emprega qualquer meio

fraudulento, induzindo alguém a erro ou mantendo-o nessa situação e conseguindo,

uma vantagem indevida para si ou para outrem, com lesão patrimonial alheia. No

entanto, sem fraude antecedente, que provoca ou mantém em erro a vítima,

levando-o à entrega da vantagem, não se há de falar em crime de estelionato.121

118 QUEIROZ JUNIOR, 2008. 119 MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 287. 120 JESUS, 2007, p. 439. 121 MIRABETE; FABBRINI, loc. cit.

59

No mesmo sentido, Fernando Capez entende que o estelionato “consiste em

induzir ou manter alguém em erro, mediante o emprego de artifício, ardil, ou

qualquer meio fraudulento, a fim de obter para si ou para outrem, vantagem ilícita em

prejuízo alheio.” 122

No que se refere ao cheque pós-datado, o Desembargador do Tribunal de

Justiça de Minas Gerais, Alexandre Victor de Carvalho, apesar de usar o termo “pré-

datado”, equivocadamente, analisa a questão do estelionato:

Sobre o tema, já tive a oportunidade de me manifestar. O não-pagamento de cheque pós-datado no prazo avençado para o cumprimento da obrigação não configura crime de estelionato e sim mero ilícito civil, merecedor de reprovação em outra seara, que não a criminal. Com efeito, para a configuração do estelionato, é imprescindível que haja uma relação direta entre a vítima e o agente e que este consiga aferir vantagem ilícita mediante o emprego de fraude. Nesse sentido, tenho adotado reiteradamente o entendimento de que o cheque pré-datado caracteriza confissão de dívida a ensejar o seu não-pagamento mero ilícito civil, pois o crime de estelionato exige que a vítima seja ludibriada, enganada, estando convicta, no momento em que recebe o título de crédito, como ordem de pagamento à vista, que vá receber o valor em espécie assim que depositar ou descontar o cheque, o que, não acontecendo, evidencia a fraude, o engodo, pois não existia o dinheiro como sinalizado pelo agente ao emitir a ordem de pagamento. Ora, o cheque pré-datado, prática costumeira do comércio, sendo ordem de pagamento para o futuro, caracteriza promessa de cumprimento do acordo financeiro, o que pode não se efetivar por razões outras, inexistentes no momento da avença mercantil. Dessa forma, não se pode falar em engano e erro da vítima no momento em que recebe o cheque, mas sim em confissão de dívida a ser quitada no futuro. No sentido de todo o exposto, a posição do Supremo Tribunal Federal: ‘A vítima, aceitando o cheque pré-datado para descontá-lo no banco sacado dezessete dias depois de sua emissão, concorreu para que o cheque fosse desfigurado de ordem de pagamento à vista para promessa de pagamento a prazo e, assim, o fato perdeu a tipicidade do crime previsto no art. 171, § 2, VI, do Código Penal’ (STF - RHC 61.353 - Rel. Min. Soares Munhoz) (TJMG. Processo nº 1.0024.00.043.335-9/001 - Pub. Em 17.11.2003).123

Dessa forma, no entendimento jurisprudencial acima citado não há

possibilidade de se caracterizar estelionato em cheques pós-datados.

122 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. V. 2. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 522. 123 Disponível em: < http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 20 de maio de 2008.

60

Para uma melhor compreensão do estudo a cerca do tema, analisar-se-á, a

caracterização do estelionato, como segue:

3.1.1.2 Caracterização

A característica principal do estelionato é a fraude: “engodo empregado pelo

sujeito para induzir ou manter a vítima em erro, com o fim de obter um indevido

proveito patrimonial.”124

Leciona Fernando Capez, que o estelionato:

Trata-se de crime em que, em vez da violência ou grave ameaça, o agente emprega um estratagema para induzir em erro a vítima, levando-a a ter uma errônea percepção dos fatos, ou para mantê-la em erro, utilizando se de manobras para impedir que ela perceba o equívoco em que labora.125

Os meios empregados para a caracterização do estelionato são: artifício; ardil

e qualquer outro meio fraudulento.

a) Artifício: é o meio utilizado para induzir a pessoa ao erro e, com isso, obter a

vantagem. Segundo Mirabete, “o artifício existe quando o agente se utilizar de um

aparato que modifica ao menos aparentemente, o aspecto material da coisa,

figurando entre esses meios o documento falso ou outra falsificação qualquer, o

disfarce, a modificação por aparelhos mecânicos ou elétricos, filmes, efeitos de

luz etc.”126

b) Ardil: no entendimento de Capez, “é fraude no sentido imaterial, intelectualizada,

dirigindo-se à inteligência da vítima e objetivando excitar nela uma paixão,

emoção ou convicção pela criação de uma motivação ilusória”.127

124 JESUS, 2007, p. 440. 125 CAPEZ, 2007, p. 522. 126 MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 289-290. 127

CAPEZ, op. cit., p. 523.

61

c) Qualquer outro meio fraudulento: de acordo com Mirabete “a distinção entre

ardil e artifício carece de importância, configurado-se o crime sempre que a

vítima for iludida pela conduta do agente”.128

Nesse contexto, existem quatro momentos no crime de estelionato:

idoneidade do meio fraudulento empregado, o erro, a vantagem ilícita e o prejuízo

alheio:

Idoneidade do meio fraudulento empregado: deve ser idôneo a enganar a

vítima, ou seja, a fraude empregada deve ser apta o burlar a boa-fé da vítima;

Erro: é a falsa percepção da realidade, um estado cognitivo no qual a pessoa

não tem a perfeita percepção da realidade. Conforme descreve Mirabete, “a conduta

típica é induzir ou manter alguém em erro. No primeiro caso, o agente toma a

iniciativa de causar o erro, levando a vítima à falsa representação da realidade. No

segundo, preexistindo o erro em que a vítima incorreu por qualquer acidente, o

agente prolonga-o, não o desfaz, aproveitando-se dele.”129

Vantagem ilícita: é qualquer vantagem ilegal obtida em favor próprio o ou de

terceiro, sem a correspondente contrapartida (se a vantagem for devida, haverá

crime de exercício arbitrário das próprias razões – art. 345). Como o estelionato é

crime contra o patrimônio, imprescindível que a vantagem seja patrimonial.

Prejuízo alheio: é o prejuízo patrimonial, a redução do patrimônio, sem a

correspondente contrapartida.

Portanto, existem quatro momentos no crime do estelionato: a fraude

empregada objetivando burlar a boa-fé da vítima; a do erro em que incidiu a vítima; o

da vantagem ilícita obtida em favor próprio o ou de terceiro e o prejuízo sofrido pela

vítima.

128 MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 290. 129 Ibidem, p. 291.

62

Para caracterizar o estelionato, “é necessário que a vítima seja determinada.

Tratando-se de sujeitos passivos indeterminados, há crime contra economia popular

e não estelionato.”130 Conforme entendimento jurisprudencial,

Se a conduta fraudulenta do acusado não se dirigir a vítima definida que, em razão dela, tenha sofrido desfalque patrimonial, impossível a condenação por estelionato: o sujeito passivo definido é elemento indispensável à admissão da figura prevista no art. 171 do CP. (TACRIM – SP – AC – Rel. Gonzaga Franceschini – RT 640/313).131

A seguir, colher-se-á entendimentos jurisprudenciais a cerca da

caracterização do estelionato.

Assim, inicialmente colhe-se entendimento do Tribunal de Justiça de Santa

Catarina, em Apelação criminal nº 2005.010889-9, julgada em 31 de maio de 2005,

relatado pelo Sérgio Torres Paladino:

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. INVIABILIDADE. Não se pode absolver o agente se a autoria e a materialidade dos delitos que lhe são imputados emergem de forma cristalina da prova dos autos. "A conduta do estelionato consiste no emprego de meio fraudulento para conseguir vantagem econômica ilícita. A fraude pode consistir em artifício, que é a utilização de um aparato que modifica, aparentemente, o aspecto material da coisa ou da situação etc., em ardil, que é a conversa enganosa, em astúcia, ou mesmo em simples mentira, ou em qualquer outro meio para iludir a vítima, inclusive no inadimplemento contratual preconcebido, na emissão de cheques falsificados, furtados, dados em garantia de dívida etc. Para a caracterização do ilícito é necessário que o meio fraudulento seja a causa da entrega da coisa" (Mirabete, Júlio Fabbrini, Código penal interpretado, 1ª ed., São Paulo, Atlas, 1999, pp.1094/1095). PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITOS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. ART. 45, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. MONTANTE QUE DEVE SER FIXADO DE ACORDO COM A SITUAÇÃO ECONÔMICA DO RÉU E A EXTENSÃO DO PREJUÍZO CAUSADO À VÍTIMA, SENDO SUFICIENTE PARA A REPROVAÇÃO DO DELITO. REDUÇÃO QUE SE IMPÕE. O valor da prestação pecuniária - que não pode ser inferior a 1 (um), nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos - deve ser suficiente para

130 JESUS, 2007, p. 440. 131 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código penal e sua interpretação jurisprudencial. V. 2: parte especial. 7ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 2806.

63

punir a conduta delituosa e prevenir a reincidência, sem, contudo, prejudicar a subsistência do acusado e de sua família.132 (Grifo nosso)

A emissão de cheque sem provisão de fundos caracteriza a prática do

estelionato.

Considerando que o titular de uma conta bancária emite um cheque na

certeza de que tem fundos disponíveis para o devido pagamento pelo banco,

quando na realidade não há qualquer numerário depositado na agência bancária,

não se pode falar em ilícito criminal, ante a ausência de má-fé. Neste caso, o

portador do cheque (tomador), no máximo poderá propor uma ação civil a fim de

reaver o valor do título devolvido pela instituição bancária, cabendo a lei penal

apenas o pagamento fraudulento conforme orienta a súmula 246 do Supremo

Tribunal Federal: “comprovado não ter havido fraude, não configura o crime de

emissão de cheque sem fundos.”

Nesse sentido, Capez orienta: “o fato somente passa a ter conotação criminal

se ficar comprovada ab initio a má-fé do emitente, ou seja, o conhecimento da

ausência ou insuficiência de fundos denotando o propósito de não realizar o

pagamento.” 133

Para Mirabete e Fabbrini,

O dolo é vontade conscientemente dirigida de emitir o cheque que sabe sem fundos ou de frustrar o pagamento daquele título que emitiu com provisão. Tem-se entendido na doutrina que se exige o propósito de obter vantagem indevida (dolo específico). O erro escusável a respeito da inexistência de fundos exclui dolo.134

O crime de estelionato está no ato de o emitente fazer o beneficiário acreditar

na existência de fundos suficientes em sua conta bancária para honrar com o

compromisso assumido. Se o beneficiário da cártula tiver conhecimento da

inexistência de fundos não há que se falar no crime de estelionato.

132 Disponível em: < http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/PesquisaAvancada.do>. Acesso em: 17 de maio de 2008. 133 CAPEZ, 2007, p. 539. 134 MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 310.

64

No que se refere ao título de crédito cheque descaracterizado como ordem de

pagamento à vista, onde o beneficiário (tomador) tem conhecimento da ausência de

fundos, não há que se falar em crime de estelionato.

Sendo assim, o entendimento da jurisprudência atual é no sentido de

descaracterizar o crime de estelionato quando o cheque pós-datado apresentado

antecipadamente não tiver provisão de fundos.

Nesse sentido, o tribunal de justiça de Santa Catarina decidiu:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE ESTELIONATO DE FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE - DÚVIDA SOBRE A NATUREZA DA CÁRTULA - ABSOLVIÇÃO MANTIDA - DESPROVIMENTO DO RECURSO O cheque é uma ordem de pagamento à vista. Se no contexto da prova exsurge dúvida sobre a natureza da emissão da cártula, se como ordem de pagamento, ou se emitida como garantia de dívida, não representando, por isso, prejuízo novo para a vítima, a absolvição se impõe. Quando o cheque exerce a finalidade de garantia de dívida, ou pagamento futuro, assume a condição de promissória, desviando sua natureza, desconfigurando o crime de estelionato135.

Corroborando, Fernando Capez entende que, na emissão do cheque pós-

datado,

O tomador (beneficiário) não é induzido em erro. Ele tem plena ciência da ausência ou insuficiência de provisão de fundos. Caso apresente o cheque antes da data acordada, o emitente não responderá por crime algum. De qualquer forma, segundo a doutrina e jurisprudência, toda vez que o cheque for desvirtuado de sua finalidade específica, qual seja, ordem de pagamento à vista, o delito em estudo não se perfaz. É o que ocorre na emissão de cheque pós ou pré-datado, em que a data posterior o transforma em documento de dívida. 136

A seguir, colher-se-á entendimentos jurisprudenciais a cerca da

caracterização do estelionato.

135 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal 2003.029798-7. Relator Des. Solon d'Eça Neves. Julgado em 20.04.2004. Disponível em: <www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 17 de maio de 2008. 136 CAPEZ, 2007, p. 539.

65

Assim, inicialmente colhe-se entendimento do Tribunal de Justiça de Santa

Catarina, em Apelação criminal n° 2003.014909-0, julgada em 31/08/2004, em que

foi relator o Douto Desembargador Sólon d’Eça Neves:

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO - ESTELIONATO EM SUA FORMA FUNDAMENTAL - AUTORIA E MATERIALIDADE INCONTESTES - RENEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS - CHEQUES PRÉ-DATADOS - CONTA CORRENTE JÁ ENCERRADAS - DE CONTA CORRENTE JÁ ENCERRADA - OBTENÇÃO INDEVIDA DE VANTAGEM - PREJUÍZO ALHEIO - DOCUMENTO FIDEDIGNO DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA - FATO QUE SE MOSTRA CORRIQUEIRO NA VIDA DO AGENTE DIANTE DOS NEGÓCIOS DA EMPRESA - PEDIDO DE CONCORDATA IMEDIATAMENTE POSTERIOR AO GOLPE UTILIZADO - DOLO EVIDENCIADO - AFIRMAÇÃO DE QUE OS CHEQUES FORAM DADOS EM GARANTIA QUE NÃO TEM O ATRIBUTO DE DESCARACTERIZAR O CRIME - RESPONSABILIDADE PENAL EVIDENCIADA ANTE OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA (CONTA CORRENTE ENCERRADA E/OU UTILIZAÇÃO DOS CHEQUES TÃO-SOMENTE COMO MEIO PARA O EXAURIMENTO DA FRAUDE APLICADA) - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO “Se o acusado emitiu o cheque com a conta já encerrada, conseguindo desta forma burlar a boa-fé da vítima e obter, com esse ardil, vantagem ilícita em prejuízo do lesado, configurado resultou o crime de estelionato na sua forma fundamental, ainda que tenha sido o cheque entregue para desconto futuro e não como pagamento à vista” (Ap. Crim. n. 2001.017157-0, de Ituporanga, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz). No momento em que o agente se utiliza dos cheques tão-somente como meio para a perfeita produção do engodo empregado contra as vítimas, e exaurimento do ardil, não se há que falar se a conta corrente estava ou não encerrada, ou, mesmo, se o cheque era ou não pré-datado, pois o que caracteriza sobremaneira a conduta do estelionato, em sua forma fundamental, é toda cilada confeccionada antecipadamente como estratagema para a obtenção da vantagem ilícita.137

Registra-se no mesmo sentido do acórdão anteriormente citado, o Superior

Tribunal de Justiça em recurso especial nº 2000/0147073-6, relatado pelo Ministro

Felix Fischer, em 10 de abril de 2001:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATOS. CRIME CONTINUADO. CARACTERIZAÇÃO.

137 Disponível em: <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/PesquisaAvancada.do>. Acesso em: 17 maio 2008.

66

Tratando-se de fraudes praticadas com o mesmo meio (talonários de cheques de contas abertas em nome da vítima), em condições de tempo semelhantes (num intervalo de cerca de trinta dias) e tendo todos os delitos sido praticados na mesma cidade, resta caracterizada a continuidade delitiva. Recurso provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Ministro Relator. Votaram com o Relator os Ministros Gilson Dipp, Edson Vidigal e José Arnaldo da Fonseca. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Jorge Scartezzini.138

Feito um estudo acerca dos efeitos penais decorrentes do depósito

antecipado do cheque pós-datado, passar-se-á ao estudo dos efeitos civis.

3.2 EFEITOS CIVIS NA UTILIZAÇÃO DO CHEQUE PÓS-DATADO

3.2.1 Dano

3.2.1.1 Conceito

O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil e está tipificado na

Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, X139, no Novo Código Civil art. 186140 e

138 Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=estelionato++cheque&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=54>. Acesso em: 17 de maio de 2008. 139 Art. 5º, CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade nos termos seguintes: X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 140 Art. 186, CC. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar o direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

67

927141, bem como no Código Penal em seu art. 163142, devendo ser indenizado com

o intuito de reparar o ato ilícito causado a outrem.

Conforme os ensinamentos de Maria Helena Diniz, o "dano pode ser definido

como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma

pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou

moral.”143

Ensina Carlos Alberto Bittar, que

O dano é prejuízo ressarcível experimentado pelo lesado, traduzindo-se, se patrimonial, pela diminuição patrimonial sofrida por alguém em razão de ação deflagrada pelo agente, mas pode atingir elementos de cunho pecuniária e moral.144

Segundo Venosa, dano pode ser individual ou coletivo, moral ou material. No

entanto, nem sempre uma transgressão de um direito gera dano. Somente haverá

possibilidade de indenização, como regra, se o ato ilícito ocasionar dano.145

Nesse sentido, esclarece Venosa que,

O dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a princípio, danos hipotéticos. Sem danos ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vitima.146

Verifica-se, portanto, que a maioria dos doutrinadores vislumbram os

aspectos materiais, como prejuízo, redução do patrimônio, pela perda ou pela

impossibilidade de acréscimos ou novas incorporações, e aspetos morais quando se

propõe conceituar dano.

141 Art. 927, CC. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. [...]. 142 Art. 163, CP. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. 143 DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. V. 7. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 62. 144 Ibidem, loc.cit. 145 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. V. 4. 6ª ed. São Paulo: Atlas. 2006, p. 33-34. 146 Ibidem, p. 34.

68

Sendo assim, no próximo tópico tratar-se-á do conceito do dano moral e dano

material, bem como os entendimentos jurisprudências à cerca do tema.

3.2.2 Dano Moral

O dano moral é legalmente conhecido pela Constituição Federal de 1988, em

seu artigo 5º inciso V, assim preleciona: “é assegurado o direito de resposta,

proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".

No entendimento de Wilson Melo da Silva, citado por Silvio Rodrigues, danos

morais:

São lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.147

Na definição de Gabba, referida por Wilson Melo, é “o dano causado

injustamente a outrem, que não atinja ou diminua o seu patrimônio.”148

Segundo a professora Maria Helena Diniz, "dano moral vem a ser a lesão de

interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato

lesivo.”149

Silvio Venosa por sua vez, conceitua dano moral como: “prejuízo que afeta

ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. [...] abrange também [...] os direitos da

personalidade, direito à imagem, ao nome, à privacidade etc.”150

Porém, o lesado pode pleitear uma indenização pecuniária em razão de dano

moral, sem pedir um preço por sua dor, a fim de que as conseqüências da lesão

sejam amenizadas.151

Maria Helena Diniz, aponta que,

147 RODRIGUES, 2003, p. 189. 148 Ibidem, p. 190. 149 DINIZ, 2003, p. 88. 150 VENOSA, 2006, p. 34-5. 151 DINIZ, op. cit., p. 92.

69

O dano moral, no sentido jurídico não é a dor, a angústia, ou qualquer outro sentimento negativo experimentado por uma pessoa, mas sim uma lesão que legitima a vítima e os interessados reclamarem uma indenização pecuniária, no sentido de atenuar, em parte, as conseqüências da lesão jurídica por eles sofridos.152

Sendo assim, verifica-se que o dano moral não corresponde à dor, mas as

conseqüências causadas pela dor e sofrimento como: a tristeza, o abalo emocional

que tomam conta do ofendido. Surge, a humilhação, a vergonha, o constrangimento

de quem é ofendido em sua honra ou dignidade, o vexame e a repercussão na

imagem social por um crédito negado.

Quanto à indenização, ensina Silvio Rodrigues:

O dinheiro provocará na vítima uma sensação de prazer, de desafogo, que visa compensar a dor, provocada pelo ato ilícito. Isso ainda é mais verdadeiro quando se tem em conta que esse dinheiro, provindo do agente causador do dano, que dele fica privado, incentiva aquele sentimento de vingança que, quer se queira, quer não, ainda remanesce no coração dos homens.153

Destarte, a indenização tem caráter compensatória e, concomitantemente

penal.

Sobre a competência de reparar o dano moral através de indenização, ensina

Maria Helena Diniz,

É de competência jurisdicional o estabelecimento do modo como o lesante deve reparar o dano moral, [...] o juiz determina, por eqüidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível tal equivalência.154

Contudo, explica a autora acima citada, que determinar os critérios de

quantificação do dano moral, é um grande desafio para a ciência jurídica.

152 Apud GABRIEL, Sérgio. Dano moral e indenização. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2821>. Acesso em: 20 de maio de 2008. 153 RODRIGUES, 2003, p. 191. 154 DINIZ, 2003, p. 98.

70

Sendo assim, entendendo o dano como “um efetivo prejuízo suportado pela

vítima”, pode-se dizer que a reparação do dano moral de forma indenizatória é um

efeito civil.

Feito um estudo a cerca do dano moral, passar-se-á ao estudo do dano

material.

3.2.3 Dano Material

O dano material, também conhecido como dano patrimonial, no entendimento

de Maria Helena Diniz,

[...] vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Constituem danos patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação, quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios.155

Esta espécie de dano pode afetar tanto o patrimônio presente como o futuro,

assim, ele abrange os danos emergentes e os lucros cessantes, conforme art. 402

do Novo Código Civil, “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas

e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que

razoavelmente deixou de lucrar.”156

Nesse sentido a doutrina157 entende,

Por perdas e danos a indenização imposta ao devedor que não cumpriu a obrigação, total ou parcialmente. O dispositivo estabelece a extensão das perdas e danos, que devem abranger: a) Dano emergente: é a diminuição patrimonial sofrida pelo credor; é aquilo que ele efetivamente perde, seja porque teve depreciado o seu patrimônio, seja porque aumentou o seu passivo; b) Lucros

155 DINIZ, 2003, p. 66. 156 FIUZA, 2004, p. 359. 157 Ibidem, p. 360.

71

cessantes: consistem na diminuição potencial do patrimônio do credor, pelo lucro que deixou de auferir, dado o inadimplemento do devedor. Os lucros cessantes só são devidos quando previstos ou previsíveis no momento em que a obrigação foi contraída.

Ainda dentro do conceito de dano patrimonial encontramos a distinção de

dano direto, quando a lesão for causada de forma imediata ao patrimônio da vítima,

e dano indireto, é o que resulta da conexão do fato lesivo com um acontecimento

distinto.158

Há jurisprudências afirmando que, se um mesmo fato causar prejuízo moral e

patrimonial, suas indenizações podem ser cumuladas, desde que sejam pleiteadas

pela própria vítima.

Assim, no se refere à indenização cumulativa por danos morais e materiais

em relação ao cheque pós-datado, o Desembargador do Tribunal de Justiça de

Santa Catarina, José Volpato de Souza, decidiu:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CHEQUE PRÉ-DATADO APRESENTADO ANTES DA DATA AVENÇADA ENTRE AS PARTES - ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA - INSUBSISTÊNCIA DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO LEGAL - INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA - PREJUÍZO MORAL E MATERIAL - DEVER DE INDENIZAR - DESPROVIMENTO RECURSAL É certo que o cheque é uma ordem de pagamento à vista, a teor do que prevê a Lei n. 7.357/85 (lei do cheque), todavia, embora a lei tenha essa previsão, a parte que faz um contrato com estipulação diversa, se sujeita à manifestação de vontade exarada quando de sua realização. Em razão disso, não pode a empresa contratante invocar essa previsão legal para justificar o seu descumprimento ao princípio do pacta sunt servanda159. (Apelação Cível n. 03.027065-5. Relator juiz Des. José Volpato de Souza. Julgado em 25.06.04.)

Essa polêmica levou o Superior Tribunal de Justiça a formular a Súmula n. 37,

"se o dano material e o moral decorrerem do mesmo fato, as indenizações serão

cumuláveis".160

158 DINIZ, 2003, p. 71. 159 Disponível em: <www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 21 de maio de 2008. 160 DINIZ, op. cit., p 62.

72

Feito um estudo acerca dos danos morais e materiais, passar-se-á ao estudo

da indenização decorrente da apresentação antecipada do cheque pós-datado.

3.3 INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DANOS MATERIAIS

DECORRENTES DA APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DO CHEQUE PÓS-

DATADO

3.3.1 Indenização Por Danos Morais

A legislação brasileira permite a apresentação antecipada do cheque pós-

datado. No entanto, o emitente que for prejudicado por essa atitude poderá exigir

indenização do benefício com o qual havia convencionado a apresentação para

pagamento em data futura.161

Lisandro Moraes, do mesmo modo, entende que,

Se o depósito acontecer em data anterior e isto causar algum problema para o consumidor, como a devolução do cheque e a inclusão de seu nome no CCF (Cadastro de emitentes de Cheques sem Fundos do Banco Central) e na SERASA, certamente o consumidor pode buscar a justiça para fins de exigir a imediata retirada de seu nome dos registros negativos e pedir indenização por danos morais.162

Segundo Aldrovandi, a convenção entre o emitente e o beneficiário,

geralmente é feita verbalmente e efetivada através emissão do cheque com data

futura. Poderá, também, derivar de propaganda de comerciante, prática comum em

nosso país, e que está prevista no Código do Consumidor.163

161 ALDROVANDI, 2000. 162 MORAES, Lisandro. O que é dano moral e quando acontece nas relações de consumo. Disponível em: <http://www.endividado.com.br/faq_det.php?id=228>. Acesso em: 20 de maio de 2008. 163 ALDROVANDI, op. cit.

73

Para Andréa, “o sacado nada tem a ver com a pós-datação no cheque, e deve

pagá-lo quando o mesmo lhe for apresentado; mas entre o emitente e o beneficiário

existe uma obrigação, pois ambos contrataram dessa forma.”164

Fábio Ulhoa citado por Andréa Aldrovandi, do mesmo modo, entende que,

[...] como em qualquer outra hipótese de descumprimento de obrigação contratual, o fornecedor que não observa os termos de seu acordo com o consumidor, deve indenizar as perdas provocadas. Trata-se de mera aplicação de princípio mais que assente na teoria da responsabilidade contratual.165

O entendimento da jurisprudência atual é no sentido de ser devida

indenização por dano moral ao emitente do cheque pós-datado apresentado

antecipadamente:

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINARES REJEITADAS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DE CHEQUES PÓS-DATADOS. IMPRUDÊNCIA. DANO MORAL CONFIGURADO. 'QUANTUM'. CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO. DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. DECISÃO MANTIDA. RECURSOS NÃO PROVIDOS. A indenização por dano moral resultante da apresentação antecipada de cheque 'pós-datado' é devida, em razão do descumprimento de uma obrigação paralela assumida, qual seja a de não o descontar antes da data acordada, sendo que, a inobservância desse acordo plenamente difundido e aceito nos negócios comerciais, propicia a pretendida reparação. A compensação por danos morais deve ser suficiente a incutir na mente do seu causador um sentimento de arrependimento e alerta, para que não incorra mais em erro de tal natureza, e ao mesmo tempo suficiente a amenizar os danos suportados pela vítima, sem, no entanto lhe causar um enriquecimento indevido. Deve-se levar em conta também as condições da vítima e do ofensor, atentando-se aos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade. Os danos materiais devem ser indenizados na medida de sua comprovação. (TJMG – Nº 1.0024.04.352983-3/001(1), Rel., Sebastião Pereira de Souza, Julgado em: 26/03/08 e publicado em: em 11/04/2008.)166

164 ALDROVANDI, 2000. 165 Ibidem. 166 Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em 23 de maio de 2008.

74

No voto do Desembargador Sebastião Pereira de Souza a cerca dessa

jurisprudência, é possível entender melhor.

Extrai-se dos autos, quanto aos danos morais, o certo é que, para seu ressarcimento na espécie, é necessária apenas a existência da culpa do agente, o que ficou mais do que demonstrado na atitude da recorrente, e, como no dano moral é suficiente a violação à imagem, à honra da pessoa para justificar a reparação, cumprido fora o disposto no artigo 333, I, do Código de Processo Civil, visto que o fato de a pessoa ter um cheque devolvido por insuficiência de fundos e, conseqüentemente, seu nome incluído nos cadastros do CCF e SERASA, o que, efetivamente, abala seu crédito e o seu prestígio no comércio, sendo, assim, certo que atingido fora a apelada em sua integridade, o que lhe outorga o direito de obter a tutela jurisdicional pela lesão em tela. Demonstrada, pois, a apresentação antecipada dos cheques para pagamento, em descumprimento do acordo verbal firmado entre as partes, conduta esta determinante da causa da devolução de outros títulos por falta de fundos, com evidente repercussão negativa da imagem da apelada junto ao banco sacado e aos favorecidos dos cheques devolvidos, tem-se que está configurado o dano moral, passível de indenização.167

No mesmo sentido, o Des. Jorge Henrique Schaefer Martins, do Tribunal de

Justiça de Santa Catarina, em apelação cível nº 2000.018584-1, julgado em 15 de

outubro de 2004, decidiu:

EMENTA: 1. APELAÇÃO CÍVEL. CHEQUE PÓS-DATADO. DESCONTO ANTERIOR À DATA COMBINADA. DEVOLUÇÃO DO TÍTULO POR AUSÊNCIA DE PROVISÃO DE FUNDOS. DANOS MORAIS. CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO. PRECEDENTES. Omissis. 'A devolução de cheque pré-datado, por insuficiência de fundos, apresentado antes da data ajustada entre as partes, constitui fato capaz de gerar prejuízos de ordem moral' (STJ, Min. Eduardo Ribeiro). [...] (Apelação cível n. 2001.014146-9, de Videira, relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben, Segunda Câmara Civil, julgado em 17 de outubro de 2002) 2. FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. CRITÉRIOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS. RAZOABILIDADE. Omissis. III - A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, considerando que se recomenda que o arbitramento deva operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se da sua experiência e do bom senso, atento

167 Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em 23 de maio de 2008.

75

à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e as peculiaridades de cada caso. (Superior Tribunal de Justiça, REsp 171084/MA, relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado em 5.10.98). 3. PROVIMENTO DO RECURSO.168

Do mesmo modo o Tribunal de Justiça de São Paulo entende:

Ementa: Ação de indenização por danos morais apresentação de cheque ”pós-datado” antes do prazo combinado devolução por insuficiência de fundos e conseqüente inscrição do nome da emitente no SPC erro reconhecido pela própria beneficiária dever de indenizar presente. Apelo provido. (TJSP - Apelação Com Revisão 4267514800, Relator(a): Testa Marchi. Data do julgamento: 04/03/2008).169

Segundo as decisões apresentadas, o cheque pós-datado tem característica

de cunho contratual, por dispor de vontade de ambas as partes, que, por sua vez,

enseja obrigações recíprocas. Com efeito, o emitente assume a obrigação de, na

data pactuada, dispor de fundos em sua conta para que se efetive o pagamento, ao

passo que o tomador assume a obrigação de não apresentar o cheque ao sacado

antes da data aprazada.

3.3.2 Indenização Por Danos Materiais

Na opinião de Venosa170, a indenização em geral, por danos materiais ou não,

possui em si própria um conteúdo que extrapola, se desloca da simples reparação

de um dano. A indenização, jamais representará a recomposição efetiva de algo que

se perdeu. Desse modo, a indenização, pode representar mais ou menos o que se

perdeu, mas jamais exatamente aquilo que se perdeu. O ideal da chamada justa

indenização é sempre buscado, mas raramente ou nunca alcançado. Por exemplo,

no campo da responsabilidade negocial, a indenização por um contrato não

168 Disponível em: < http://tjsc6.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 24 de maio de 2008. 169 Disponível em: < http:// www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 24 de maio de 2008. 170 VENOSA, 2006, p. 247.

76

cumprido: o valor em dinheiro que se recebe pelo descumprimento nunca

representará o conteúdo do contrato cumprido, qual seja, o bem de vida que o

ofendido procurava e que não mais será satisfeito.

Sendo assim, a respeito da indenização obrigatória, Maria Helena Diniz

ensina que:

Em toda obrigação ressarcitória o indenizante deverá procurar um estado de coisas que se aproxime da situação frustrada, isto, é, a que existiria se não tivesse ocorrido o dano. A reparação do dano processar-se: a) pela reparação natural, isto é, restauração do statu quo alterado pela lesão, que poderá consistir na entrega da própria coisa, que, p. ex., havia sido furtada, ou de objeto da mesma espécie, em troca do deteriorado; e b) pela indenização pecuniária quando for impossível restabelecer a situação anterior ao fato lesivo.171

O entendimento da jurisprudência atual é no sentido de ser devida

indenização por dano material ao emitente do cheque pós-datado apresentado

antecipadamente:

EMENTA: INDENIZAÇAO - COMPRA DE MERCADORIA À PRAZO - CHEQUE PRÉ-DATADO - DEPÓSITO ANTES DA DATA MARCADA - DEVOLUÇÃO - NÃO INCLUSÃO DO NOME EM ÓRGÃO NEGATIVADOR - CULPA DO ESTABELECIMENTO - DANO MATERIAL - NÃO CONFIGURAÇÃO DE DANO MORAL. Em caso de compra de produto através de cheque pré-datado, deverá o estabelecimento comercial vendedor, que acatou este modo de pagamento, aguardar o prazo previsto para o apresentação do título ao sacado, a fim de cumprir o acordo firmado com o comprador, tendo em vista a confiança deste de que sua conta bancária terá o débito naquela data marcada, sendo responsável o comerciante pela apresentação prematura do cheque, se configurar algum prejuízo ao consumidor. O dano moral independe de qualquer repercussão patrimonial, existindo tão-somente pela ofensa, e dela é presumido, o que é bastante a justificar indenização. Contudo, se inexistir a ofensa não haverá dano moral.(TJMG – nº 2.0000.00.284754-7/000(1), Rel., Duarte de Paula. Julgado em 12/04/2000).

Quando a natureza das indenizações, Celso Barbi Filho, citado por Andréa

Aldrovandi, ensina que:

171 DINIZ, 2003, p. 62.

77

Se houver fundos na data da apresentação ou abertura de crédito em conta, a indenização será apenas material, correspondendo à perda monetária pela antecipação do saque, no valor das taxas de remuneração do capital resgatado ou dos juros cobrados pelo crédito utilizado. Já, se o cheque pós-datado for devolvido por insuficiência de fundos, a indenização poderá abranger duas parcelas, um pelo dano material e outra pelo moral.172

Em suma, há pouca proteção ao emitente do cheque pós-datado, pois a sua

apresentação antecipada não encontra óbice legal; pelo contrário, a lei afirma que o

cheque deve ser pago pelo sacado no momento da sua apresentação, não

importando que seja pós-datado. Sendo assim, o cidadão que se sentir prejudicado

pela apresentação antecipada do cheque pós-datado deve procurar o judiciário.

172 ALDROVANDI, 2000.

78

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal ponto de partida para todas as discussões existentes nesta

monografia é a contraposição existente entre o título de crédito cheque, como ordem

de pagamento à vista e a natureza contratual da pós-datação, bem como, os efeitos

penais e civis da sua apresentação antecipada.

O título de crédito cheque, é regulamentado pela Lei 7.357/85, que de acordo

com seu art. 32 apregoa que o cheque é uma ordem de pagamento à vista,

considerando não escrita qualquer menção ao contrário. Todavia, destaca-se o

parágrafo único do artigo mencionado, determina que o cheque apresentado para

pagamento antes do dia indicado como sendo o da emissão, deve ser pago no

momento da apresentação.

Analisando o conteúdo deste artigo, nota-se a idéia de ratificar que o cheque

é pagável na sua apresentação. Todavia, está implícito o reconhecimento da

existência e da legitimidade do cheque pós-datado, já que, no parágrafo único do

art. 32, estabelece que o cheque seja pago na data da apresentação, mesmo que

essa data seja anterior a data da emissão. Assim sendo, a norma reconhece a

possibilidade do emitente lançar no cheque uma data futura em relação a real data

de emissão.

Assim, percebe-se que mesmo não tendo suporte legislativo, o cheque pós-

datado apresentado antes da data avençada, constitui fato capaz de gerar prejuízos

da ordem material e moral obrigando quem deu causa a reparar o dano.

O contrato tácito de pós-datação realizado entre o emitente e o tomador,

desnatura o título de crédito como ordem de pagamento à vista, mas não retira do

título as suas características de cambial, pois, manter-se-á como título executivo

extrajudicial, poderá circular e ser apresentado desde logo ao sacado para

pagamento.

A pós-datação possui um cunho contratual sinalagmático de relevância no

âmbito dos direitos penais e civis, haja vista, que o principio da boa-fé, deve reger a

relação garantindo a prestação e contraprestação. Sendo assim, o emitente, assume

a obrigação de na data acordada dispor de fundos em sua conta corrente para que

se perfaça o pagamento, ao passo que, o tomador assume a obrigação de não

apresentar o cheque ao sacado antes da data aprazada.

79

O cheque pós-datado apresentado antes da data acordada e devolvido sem

provisão de fundos, não caracteriza estelionato. Nesse sentido, entendem a doutrina

e a jurisprudência, que ao pós-datar o título, este se desconfigura como cheque,

transformando-se em promessa de pagamento, não podendo se enquadrado no art.

171, Código Penal.

A prática do cheque pós-datado é fortalecida pelo uso e costume no comércio

brasileiro, sendo assim, não pode ser ignorada. Não se pode negar, que o uso do

cheque pós-datado, é um facilitador desburocratizado do comércio varejista.

Por fim, demonstra-se nesse trabalho, a necessidade da criação de uma

legislação específica para solucionar as questões controvérsias existentes a cerca

do tema, tendo em vista, o grande número de litígios que envolvem o seu uso.

80

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ANEXOS

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Lei do Cheque

Lei 7357/85

(DOU 02/09/85)

Dispõe sobre o cheque e dá outras providências.

CAPÍTULO I - DA EMISSÃO E DA FORMA DO CHEQUE

Art. 1º. O cheque contém:

I - a denominação "cheque'' inscrita no contexto do título e expressa na língua em que este é redigido;

II - a ordem incondicional de pagar quantia determinada;

III - o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado);

IV - a indicação do lugar de pagamento;

V - a indicação da data e do lugar da emissão;

VI - a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais.

Parágrafo único. A assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes especiais pode ser constituída, na forma da legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente.

Art. 2º. O título a que falte qualquer dos requisitos enumerados no artigo precedente não vale como cheque, salvo nos casos determinados a seguir:

I - na falta de indicação especial, é considerado lugar de pagamento o lugar designado junto ao nome do sacado, se designados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles; não existindo qualquer indicação, o cheque é pagável no lugar de sua emissão;

II - não indicado o lugar de emissão, considera-se emitido o cheque no lugar indicado junto ao nome do emitente.

Art. 3º. O cheque é emitido contra banco, ou instituição financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque.

Art. 4º. O emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a sobre eles emitir cheque, em virtude de contrato expresso ou tácito. A infração desses preceitos não prejudica a validade do título como cheque.

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§ 1º. A existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento.

§ 2º. Consideram-se fundos disponíveis:

a) os créditos constantes de conta corrente bancária não subordinados a termo;

b) o saldo exigível de conta corrente contratual;

c) a soma proveniente de abertura de crédito.

Art. 5º. (VETADO).

Art. 6º. O cheque não admite aceite, considerando-se não escrita qualquer declaração com esse sentido.

Art. 7º. Pode o sacado, a pedido do emitente ou do portador legitimado, lançar e assinar, no verso do cheque não ao portador e ainda não endossado, visto, certificação ou outra declaração equivalente, datada e por quantia igual à indicada no título.

§ 1º. A aposição de visto, certificação ou outra declaração equivalente obriga o sacado a debitar à conta do emitente a quantia indicada no cheque e a reservá-la em benefício do portador legitimado, durante o prazo de apresentação, sem que fiquem exonerados o emitente, endossantes e demais coobrigados.

§ 2º. O sacado creditará à conta do emitente a quantia reservada, uma vez vencido o prazo de apresentação; e, antes disso, se o cheque lhe for entregue para inutilização.

Art. 8º. Pode-se estipular no cheque que seu pagamento seja feito:

I - a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa "à ordem'';

II - a pessoa nomeada, com a cláusula "não à ordem'', ou outra equivalente;

III - ao portador.

Parágrafo único. Vale como cheque ao portador o que não contém indicação do beneficiário e o emitido em favor de pessoa nomeada com a cláusula "ou ao portador'', ou expressão equivalente.

Art. 9º. O cheque pode ser emitido:

I - à ordem do próprio sacador;

II - por conta de terceiro;

III - contra o próprio banco sacador, desde que não ao portador.

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Art. 10. Considera-se não escrita a estipulação de juros inserida no cheque.

Art. 11. O cheque pode ser pagável no domicílio de terceiro, quer na localidade em que o sacado tenha domicílio, quer em outra, desde que o terceiro seja banco.

Art. 12. Feita a indicação da quantia em algarismos, e por extenso, prevalece esta no caso de divergência. Indicada a quantia mais de uma vez, quer por extenso, quer por algarismos, prevalece, no caso de divergência, a indicação da menor quantia.

Art. 13. As obrigações contraídas no cheque são autônomas e independentes.

Parágrafo único. A assinatura de pessoa capaz cria obrigações para o signatário, mesmo que o cheque contenha assinatura de pessoas incapazes de se obrigar por cheque, ou assinaturas falsas, ou assinaturas de pessoas fictícias, ou assinaturas que, por qualquer outra razão, não poderiam obrigar as pessoas que assinaram o cheque, ou em nome das quais ele foi assinado.

Art. 14. Obriga-se pessoalmente quem assina cheque como mandatário ou representante, sem ter poderes para tal, ou excedendo os que lhe foram conferidos. Pagando o cheque, tem os mesmos direitos daquele em cujo nome assinou.

Art. 15. O emitente garante o pagamento, considerando-se não escrita a declaração pela qual se exima dessa garantia.

Art. 16. Se o cheque, incompleto no ato da emissão, for completado com inobservância do convencionado com o emitente, tal fato não pode ser oposto ao portador, a não ser que este tenha adquirido o cheque de má-fé.

CAPÍTULO II - DA TRANSMISSÃO

Art. 17. O cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa "à ordem'', é transmissível por via de endosso.

§ 1º. O cheque pagável a pessoa nomeada, com a cláusula "não à ordem'', ou outra equivalente, só é transmissível pela forma e com os efeitos de cessão.

§ 2º. O endosso pode ser feito ao emitente, ou a outro obrigado, que podem novamente endossar o cheque.

Art. 18. O endosso deve ser puro e simples, reputando-se não-escrita qualquer condição a que seja subordinado.

§ 1º. São nulos o endosso parcial e o do sacado.

§ 2º. Vale como em branco o endosso ao portador. O endosso ao sacado vale apenas como quitação, salvo no caso de o sacado ter vários estabelecimentos e o endosso ser feito em favor de estabelecimento diverso daquele contra o qual o cheque foi emitido.

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Art. 19. O endosso deve ser lançado no cheque ou na folha de alongamento e assinado pelo endossante, ou seu mandatário com poderes especiais

§ 1º. O endosso pode não designar o endossatário. Consistindo apenas na assinatura do endossante (endosso em branco), só é válido quando lançado no verso do cheque ou na folha de alongamento.

§ 2º. A assinatura do endossante, ou a de seu mandatário com poderes especiais, pode ser constituída, na forma de legislação específica, por chancela mecânica, ou processo equivalente.

Art. 20. O endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque. Se o endosso é em branco pode o portador:

I - completá-lo com o seu nome ou com o de outra pessoa;

II - endossar novamente o cheque, em branco ou a outra pessoa;

III - transferir o cheque a um terceiro, sem completar o endosso e sem endossar.

Art. 21. Salvo estipulação em contrário, o endossante garante o pagamento.

Parágrafo único. Pode o endossante proibir novo endosso; neste caso, não garante o pagamento a quem seja o cheque posteriormente endossado.

Art. 22. O detentor de cheque "à ordem'' é considerado portador legitimado, se provar seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo que o último seja em branco. Para esse efeito, os endossos cancelados são considerados não-escritos.

Parágrafo único. Quando um endosso em branco for seguido de outro, entende-se que o signatário deste adquiriu o cheque pelo endosso em branco.

Art. 23. O endosso num cheque passado ao portador torna o endossante responsável, nos termos das disposições que regulam o direito de ação, mas nem por isso converte o título num cheque "à ordem''.

Art. 24. Desapossado alguém de um cheque, em virtude de qualquer evento, o novo portador legitimado não está obrigado a restituí-lo, se não o adquiriu de má-fé.

Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto neste artigo, serão observadas, nos casos de perda, extravio, furto, roubo ou apropriação indébita do cheque, as disposições legais relativas à anulação e substituição de títulos ao portador, no que for aplicável.

Art. 25. Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.

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Art. 26. Quando o endosso contiver a cláusula "valor em cobrança'', "para cobrança'', "por procuração'', ou qualquer outra que implique apenas mandato, o portador pode exercer todos os direitos resultantes do cheque, mas só pode lançar no cheque endosso-mandato. Neste caso, os obrigados somente podem invocar contra o portador as exceções oponíveis ao endossante.

Parágrafo único. O mandato contido no endosso não se extingue por morte do endossante ou por superveniência de sua incapacidade.

Art. 27. O endosso posterior ao protesto, ou declaração equivalente, ou à expiração do prazo de apresentação produz apenas os efeitos de cessão. Salvo prova em contrário, o endosso sem data presume-se anterior ao protesto, ou declaração equivalente, ou à expiração do prazo de apresentação.

Art. 28. O endosso no cheque nominativo, pago pelo banco contra o qual foi sacado, prova o recebimento da respectiva importância pela pessoa a favor da qual foi emitido, e pelos endossantes subseqüentes.

Parágrafo único. Se o cheque indica a nota, fatura, conta cambial, imposto lançado ou declaração a cujo pagamento se destina, ou outra causa da sua emissão, o endosso pela pessoa a favor da qual foi emitido e a sua liquidação pelo banco sacado provam a extinção da obrigação indicada.

CAPÍTULO III - DE AVAL

Art. 29. O pagamento do cheque pode ser garantido, no todo ou em parte, por aval prestado por terceiro, exceto o sacado, ou mesmo por signatário do título.

Art. 30. O aval é lançado no cheque ou na folha de alongamento. Exprime-se pelas palavras "por aval'', ou fórmula equivalente, com a assinatura do avalista. Considera-se como resultante da simples assinatura do avalista, aposta no anverso do cheque, salvo quando se tratar da assinatura do emitente.

Parágrafo único. O aval deve indicar o avalizado. Na falta de indicação, considera-se avalizado o emitente.

Art. 31. O avalista se obriga da mesma maneira que o avalizado. Subsiste sua obrigação, ainda que nula a por ele garantida, salvo se a nulidade resultar de vício de forma.

Parágrafo único. O avalista que paga o cheque adquire todos os direitos dele resultantes contra o avalizado e contra os obrigados para com este em virtude do cheque.

CAPÍTULO IV - DA APRESENTAÇÃO E DO PAGAMENTO

Art. 32. O cheque é pagável a vista. Considera-se não escrita qualquer menção em contrário.

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Parágrafo único. O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação.

Art. 33. O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.

Parágrafo único. Quando o cheque é emitido entre lugares com calendários diferentes, considera-se como de emissão o dia correspondente do calendário do lugar de pagamento.

Art. 34. A apresentação do cheque à câmara de compensação equivale à apresentação a pagamento.

Art. 35. O emitente do cheque pagável no Brasil pode revogá-lo mercê de contra-ordem dada por aviso epistolar, ou por via judicial ou extrajudicial, com as razões motivadoras do ato.

Parágrafo único. A revogação ou contra-ordem só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação e, não sendo promovida, pode o sacado pagar o cheque até que decorra o prazo de prescrição, nos termos do art. 59 desta Lei.

Art. 36. Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão de direito.

§ 1º. A aposição do emitente e a revogação ou contra-ordem se excluem reciprocamente.

§ 2º. Não cabe ao sacado julgar da relevância da razão invocada pelo oponente.

Art. 37. A morte do emitente ou sua incapacidade superveniente à emissão não invalidam os efeitos do cheque.

Art. 38. O sacado pode exigir, ao pagar o cheque, que este lhe seja entregue quitado pelo portador.

Parágrafo único. O portador não pode recusar pagamento parcial, e, nesse caso, o sacado pode exigir que esse pagamento conste do cheque e que o portador lhe dê a respectiva quitação.

Art. 39. O sacado que paga cheque "à ordem'' é obrigado a verificar a regularidade da série de endossos, mas não a autenticidade das assinaturas dos endossantes. A mesma obrigação incumbe ao banco apresentante do cheque à câmara de compensação.

Parágrafo único. Ressalvada a responsabilidade do apresentante, no caso da parte final deste artigo, o banco sacado responderá pelo pagamento do cheque falso, falsificado ou alterado, salvo dolo ou culpa do correntista, do endossante ou do beneficiário, dos quais poderá o sacado, no todo ou em parte, reaver o que pagou.

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Art. 40. O pagamento se fará à medida em que forem apresentados os cheques e se 2 (dois) ou mais forem apresentados simultaneamente, sem que os fundos disponíveis bastem para o pagamento de todos, terão preferência os de emissão mais antiga e, se da mesma data, os de número inferior.

Art. 41. O sacado pode pedir explicações ou garantia para pagar cheque mutilado, rasgado ou partido, ou que contenha borrões, emendas e dizeres que não pareçam formalmente normais.

Art. 42. O cheque em moeda estrangeira é pago, no prazo de apresentação, em moeda nacional ao câmbio do dia do pagamento obedecida a legislação especial.

Parágrafo único. Se o cheque não for pago no ato da apresentação, pode o portador optar entre o câmbio do dia da apresentação e o do dia do pagamento para efeito de conversão em moeda nacional.

Art. 43. (VETADO).

§ 1º. (VETADO).

§ 2º. (VETADO).

CAPÍTULO V - DO CHEQUE CRUZADO

Art. 44. O emitente ou o portador podem cruzar o cheque, mediante a aposição de dois traços paralelos no anverso do título.

§ 1º. O cruzamento é geral se entre os dois traços não houver nenhuma indicação ou existir apenas a indicação "banco'', ou outra equivalente, O cruzamento é especial se entre os dois traços existir a indicação do nome do banco.

§ 2º. O cruzamento geral pode ser convertido em especial, mas este não pode converter-se naquele. A inutilização do cruzamento ou a do nome do banco é reputada como não existente.

Art. 45. O cheque com cruzamento geral só pode ser pago pelo sacado a banco ou a cliente do sacado, mediante crédito em conta. O cheque com cruzamento especial só pode ser pago pelo sacado ao banco indicado, ou, se este for o sacado, a cliente seu, mediante crédito em conta. Pode, entretanto, o banco designado incumbir outro da cobrança.

§ 1º. O banco só pode adquirir cheque cruzado de cliente seu ou de outro banco. Só pode cobrá-lo por conta de tais pessoas.

§ 2º. O cheque com vários cruzamentos especiais só pode ser pago pelo sacado no caso de dois cruzamentos, um dos quais para cobrança por câmara de compensação.

§ 3º. Responde pelo dano, até a concorrência do montante do cheque, o sacado ou o banco portador que não observar as disposições precedentes.

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CAPÍTULO VI - DO CHEQUE PARA SER CREDITADO EM CONTA

Art. 46. O emitente ou o portador podem proibir que o cheque seja pago em dinheiro mediante a inscrição transversal, no anverso do título, da cláusula "para ser creditado em conta'', ou outra equivalente. Nesse caso, o sacado só pode proceder a lançamento contábil (crédito em conta, transferência ou compensação), que vale como pagamento. O depósito do cheque em conta de seu beneficiário dispensa o respectivo endosso.

§ 1º. A inutilização da cláusula é considerada como não existente.

§ 2º. Responde pelo dano, até a concorrência do montante do cheque, o sacado que não observar as disposições precedentes.

CAPÍTULO VII - DA AÇÃO POR FALTA DE PAGAMENTO

Art. 47. Pode o portador promover a execução do cheque:

I - contra o emitente e seu avalista;

II - contra os endossantes e seus avalistas, se o cheque é apresentado em tempo hábil e a recusa do pagamento é comprovada pelo protesto ou por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, ou, ainda, por declaração escrita e datada por câmara de compensação.

§ 1º. Qualquer das declarações previstas neste artigo dispensa o protesto e produz os efeitos deste.

§ 2º. Os signatários respondem pelos danos causados por declarações inexatas.

§ 3º. O portador que não apresentar o cheque em tempo hábil, ou não comprovar a recusa de pagamento pela forma indicada neste artigo, perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável.

§ 4º. A execução independe do protesto e das declarações previstas neste artigo, se a apresentação ou o pagamento do cheque são obstados pelo fato de o sacado ter sido submetido a intervenção, liquidação extrajudicial ou falência.

Art. 48. O protesto ou as declarações do artigo anterior devem fazer-se no primeiro dia útil seguinte.

§ 1º. A entrega do cheque para protesto deve ser prenotada em livro especial e o protesto tirado no prazo de 3 (três) dias úteis a contar do recebimento do título.

§ 2º. O instrumento do protesto, datado e assinado pelo oficial público competente, contém:

a) a transcrição literal do cheque, com todas as declarações nele inseridas, na ordem em que se acham lançadas;

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b) a certidão da intimação do emitente, de seu mandatário especial ou representante legal, e as demais pessoas obrigadas no cheque;

c) a resposta dada pelos intimados ou a declarações da falta de resposta;

d) a certidão de não haverem sido encontrados ou de serem desconhecidos o emitente ou os demais obrigados, realizada a intimação, nesse caso, pela imprensa.

§ 3º. O instrumento de protesto, depois de registrado em livro próprio, será entregue ao portador legitimado ou àquele que houver efetuado o pagamento.

§ 4º. Pago o cheque depois do protesto, pode este ser cancelado, a pedido de qualquer interessado, mediante arquivamento de cópia autenticada de quitação que contenha perfeita identificação do título.

Art. 49. O portador deve dar aviso da falta de pagamento a seu endossante ao emitente, nos 4 (quatro) dias úteis seguintes ao do protesto ou das declarações previstas no art. 47 desta Lei ou, havendo cláusula "sem despesa'', ao da apresentação.

§ 1º. Cada endossante deve, nos 2 (dois) dias úteis seguintes ao do recebimento do aviso, comunicar seu teor ao endossante precedente, indicando os nomes e endereços dos que deram os avisos anteriores, e assim por diante, até o emitente, contando-se os prazos do recebimento do aviso precedente.

§ 2º. O aviso dado a um obrigado deve estender-se, no mesmo prazo, a seu avalista.

§ 3º. Se o endossante não houver indicado seu endereço, ou o tiver feito de forma ilegível, basta o aviso ao endossante que o preceder.

§ 4º. O aviso pode ser dado por qualquer forma, até pela simples devolução do cheque.

§ 5º. Aquele que estiver obrigado a aviso deverá provar que o deu no prazo estipulado. Considera-se observado o prazo se, dentro dele, houver sido posta no correio a carta de aviso.

§ 6º. Não decai do direito de regresso o que deixa de dar o aviso no prazo estabelecido. Responde, porém, pelo dano causado por sua negligência, sem que a indenização exceda o valor do cheque.

Art. 50. O emitente, o endossante e o avalista podem, pela cláusula "sem despesa, sem protesto'', ou outra equivalente, lançada no título e assinada, dispensar o portador, para promover à execução do título, do protesto ou da declaração equivalente.

§ 1º. A cláusula não dispensa o portador da apresentação do cheque no prazo estabelecido, nem dos avisos. Incumbe a quem alega a inobservância de prazo a prova respectiva.

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§ 2º. A cláusula lançada pelo emitente produz efeito em relação a todos os obrigados; a lançada por endossante ou por avalista produz efeito somente em relação ao que lançar.

§ 3º. Se, apesar da cláusula lançada pelo emitente, o portador promove o protesto, as despesas correm por sua conta. Por elas respondem todos os obrigados, se a cláusula é lançada por endossante ou avalista.

Art. 51. Todos os obrigados respondem solidariamente para com o portador do cheque.

§ 1º. O portador tem o direito de demandar todos os obrigados, individual ou coletivamente, sem estar sujeito a observar a ordem em que se obrigaram. O mesmo direito cabe ao obrigado que pagar o cheque.

§ 2º. A ação contra um dos obrigados não impede sejam os outros demandados, mesmo que se tenham obrigado posteriormente àquele.

§ 3º. Regem-se pelas normas das obrigações solidárias as relações entre obrigados do mesmo grau.

Art. 52. O portador pode exigir do demandado:

I - a importância do cheque não pago;

II - os juros legais desde o dia da apresentação;

III - as despesas que fez;

IV - a compensação pela perda do valor aquisitivo da moeda, até o embolso das importâncias mencionadas nos itens antecedentes.

Art. 53. Quem paga o cheque pode exigir de seus garantes:

I - a importância integral que pagou;

II - os juros legais, a contar do dia do pagamento;

III - as despesas que fez;

IV - a compensação pela perda do valor aquisitivo da moeda, até o embolso das importâncias mencionada nos itens antecedentes.

Art. 54. O obrigado contra o qual se promova execução, ou que a esta esteja sujeito, pode exigir, contra pagamento, a entrega do cheque, com o instrumento de protesto ou da declaração equivalente e a conta de juros e despesas quitadas.

Parágrafo único. O endossante que pagou o cheque pode cancelar seu endosso e os dos endossantes posteriores.

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Art. 55. Quando disposição legal ou caso de força maior impedir a apresentação do cheque, o protesto ou a declaração equivalente nos prazos estabelecidos, consideram-se estes prorrogados.

§ 1º. O portador é obrigado a dar aviso imediato da ocorrência de força maior a seu endossante e a fazer menção do aviso dado mediante declaração datada e assinada por ele no cheque ou folha de alongamento. São aplicáveis, quanto ao mais, as disposições do art. 40 e seus parágrafos desta Lei.

§ 2º. Cessado o impedimento, deve o portador, imediatamente, apresentar o cheque para pagamento e, se couber, promover protesto ou a declaração equivalente.

§ 3º. Se o impedimento durar por mais de 15 (quinze) dias contados do dia em que o portador, mesmo antes de findo o prazo de apresentação, comunicou a ocorrência de força maior a seu endossante, poderá ser promovida a execução, sem necessidade da apresentação do protesto ou declaração equivalente.

§ 4º. Não constituem casos de força maior os fatos puramente pessoais relativos ao portador ou à pessoa por ele incumbida da apresentação do cheque, do protesto ou da obtenção da declaração equivalente.

CAPÍTULO VIII - DA PLURALIDADE DE EXEMPLARES

Art. 56. Excetuado o cheque ao portador, qualquer cheque emitido em um país e pagável em outro pode ser feito em vários exemplares idênticos, que devem ser numerados no próprio texto do título, sob pena de cada exemplar ser considerado cheque distinto.

Art. 57. O pagamento feito contra a apresentação de um exemplar é liberatório, ainda que não estipulado que o pagamento torna sem efeito os outros exemplares.

Parágrafo único. O endossante que transferir os exemplares a diferentes pessoas e os endossantes posteriores respondem por todos os exemplares que assinarem e que não forem restituídos.

CAPÍTULO IX - DAS ALTERAÇÕES

Art. 58. No caso de alteração do texto do cheque, os signatários posteriores à alteração respondem nos termos do texto alterado e os signatários anteriores, nos do texto original.

Parágrafo único. Não sendo possível determinar se a firma foi aposta no título antes ou depois de sua alteração, presume-se que o tenha sido antes.

CAPÍTULO X - DA PRESCRIÇÃO

Art. 59. Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador.

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Parágrafo único. A ação de regresso de um obrigado ao pagamento do cheque contra outro prescreve em 6 (seis) meses, contados do dia em que o obrigado pagou o cheque ou do dia em que foi demandado.

Art. 60. A interrupção da prescrição produz efeito somente contra o obrigado em relação ao qual foi promovido o ato interruptivo.

Art. 61. A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu parágrafo desta Lei.

Art. 62. Salvo prova de novação, a emissão ou a transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal, feita a prova do não-pagamento.

CAPÍTULO XI - DOS CONFLITOS DE LEIS EM MATÉRIAS

Art. 63. Os conflitos de leis em matéria de cheques serão resolvidos de acordo com as normas constantes das Convenções aprovadas, promulgadas e mandadas aplicar no Brasil, na forma prevista pela Constituição Federal.

CAPÍTULO XII - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 64. A apresentação do cheque, o protesto ou a declaração equivalente só podem ser feitos ou exigidos em dia útil, durante o expediente dos estabelecimentos de crédito, câmaras de compensação e cartórios de protestos.

Parágrafo único. O cômputo dos prazos estabelecidos nesta Lei obedece às disposições do direito comum.

Art. 65. Os efeitos penais da emissão do cheque sem suficiente provisão de fundos, da frustração do pagamento do cheque, da falsidade, da falsificação e da alteração do cheque continuam regidos pela legislação criminal.

Art. 66. Os vales ou cheques postais, os cheques de poupança ou assemelhados, e os cheques de viagem regem-se pelas disposições especiais a eles referentes.

Art. 67. A palavra "banco'', para os fins desta Lei, designa também a instituição financeira contra a qual a lei admita a emissão de cheque.

Art. 68. Os bancos e casas bancárias poderão fazer prova aos seus depositantes dos cheques por estes sacados, mediante apresentação de cópia fotográfica ou micrográfica.

Art. 69. Fica ressalvada a competência do Conselho Monetário Nacional, nos termos e nos limites da legislação específica, para expedir normas relativas à matéria bancária relacionada com o cheque.

Parágrafo único. É da competência do Conselho Monetário Nacional:

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a) a determinação das normas a que devem obedecer as contas de depósito para que possam ser fornecidos os talões de cheques aos depositantes;

b) a determinação das conseqüências do uso indevido do cheque relativamente à conta do depositante;

c) a disciplina das relações entre o sacado e o opoente, na hipótese do art. 36 desta Lei.

Art. 70. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 71. Revogam-se as disposições em contrário.