efeitos do fundo de desenvolvimento da … · early childhood education, as budget law, multi-year...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA
FILHO UNESP - Cmpus de Marlia
Programa de Ps-Graduao em Educao
EZEQUIEL DE LIMA
EFEITOS DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO
BSICA E VALORIZAO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAO -
FUNDEB NA EDUCAO INFANTIL DE MEDIANEIRA - PARAN
Marlia SP
2015
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EZEQUIEL DE LIMA
EFEITOS DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO
BSICA E VALORIZAO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAO -
FUNDEB NA EDUCAO INFANTIL DE MEDIANEIRA - PARAN
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Educao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Campus de Marlia, como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao.
Orientadora: Prof Dr Irade Marques de Freitas Barreiro
Marlia SP
2015
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Lima, Ezequiel de.
L732e Efeitos do fundo de desenvolvimento da educao
bsica e valorizao dos profissionais da educao -
FUNDEB na educao infantil de Medianeira - Paran /
Ezequiel de Lima. Marlia, 2015.
107 f. ; 30 cm.
Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade
Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Cincias, 2015.
Bibliografia: f. 96-107
Orientador: Irade Marques de Freitas Barreiro.
1. Educao de crianas. 2. Educao - Financiamento.
3. Polticas pblicas. 4. FUNDEF. I. Ttulo.
CDD 379.1
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EZEQUIEL DE LIMA
EFEITOS DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO
BSICA E VALORIZAO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAO -
FUNDEB NA EDUCAO INFANTIL DE MEDIANEIRA - PARAN
Dissertao apresentada para obteno do ttulo de Mestre em Educao pela
Faculdade de Filosofia e Cincias, da Universidade Estadual Paulista Unesp
Campus de Marlia, na rea de concentrao: Polticas Pblicas e Administrao da
Educao Brasileira.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Dr Irade Marques Freitas Barreiro
Universidade Estadual Paulista - Campus de Assis
_____________________________________________________
Dr. Jos Milton de Lima
Universidade Estadual Paulista - Campus de Presidente Prudente
______________________________________________________
Dr. Graziela Zambo Abdian
Universidade Estadual Paulista Campus de Marlia
Marlia SP
2015
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AGRADECIMENTOS
Dedico este trabalho Deus em primeiro lugar, pelo dom da vida, da perseverana e
por toda luz nesta caminhada.
minha orientadora, Dr. Irade Marques de Freitas Barreiro, pela orientao
sempre segura, pelas crticas balizadoras, pelas sugestes iluminadas e pela
dedicao dispensada na elaborao desta dissertao.
minha famlia, especialmente minha esposa Denise, pelo permanente incentivo e
apoio incondicional e aos meus filhos Felipe e Arthur, joias raras e estmulo para
esta conquista.
Aos coordenadores e professores do Minter UNESP/UTFPR, que colaboraram para
o atingimento deste objetivo.
Aos profissionais da Secretaria Municipal de Educao e demais servidores da
Prefeitura Municipal de Medianeira, que no mediram esforos no sentido de
viabilizar a coleta dos dados necessrios a esta pesquisa.
Aos meus colegas do Minter, especialmente aos que partilharam conhecimentos e
informaes, por tudo que passamos juntos, nas aulas, viagens, seminrios e
congressos.
Aos meus amigos, que me apoiaram e incentivaram, estendendo suas mos quando
veio o cansao e o desnimo.
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LIMA, E. Efeitos do Fundeb na educao infantil de Medianeira-PR. 99 p. Dissertao apresentada ao programa de ps-graduao em educao da FFC da Unesp, Marlia SP, 2015.
RESUMO
Esta pesquisa analisou efeitos do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Educao na educao infantil do municpio de Medianeira, Estado do Paran. A motivao para realizar a pesquisa esteve relacionada ao desejo de compreender a relao e a influncia entre polticas pblicas de financiamento da educao e os efeitos na educao. O estudo desenvolveu-se a partir de levantamento documental sobre os atos administrativos do municpio de Medianeira, relacionados educao infantil, como lei oramentria, plano plurianual, leis municipais de cargos e salrios dos profissionais da educao infantil, bem como levantamento de dados quantitativos e financiamento da educao infantil aps o Fundeb. O conjunto desses dados foi analisado com foco no contexto da prtica, do ciclo de polticas. O percurso terico-metodolgico, contou com pesquisadores da rea da educao e das cincias sociais A reconstituio histrica acerca da construo jurdico-brasileira dos direitos das crianas de zero a cinco anos, principalmente, aps a Constituio Federal de 1998 e leis infraconstitucionais subsequentes, na formao e organizao do campo da educao infantil como integrante da educao bsica, foi fundamental para melhor compreenso das polticas educacionais no contexto da prtica. Os efeitos revelados pela pesquisa demonstraram que houve: diminuio do dficit de vagas da educao infantil, mas com dificuldades de se atingir a meta do PNE 2014, de matricular 50% das crianas nas creches; aumento de gastos com a educao infantil, de forma mais intensa a partir de 2010, motivados por investimentos em construo de creches e aumento no quadro de profissionais; criao de cargo de educador infantil com atualizao e equiparao dos vencimentos aos demais professores da rede municipal. Finalmente, foram observados aspectos relacionados: ao Conselho do Fundeb no municpio, que evidenciou a necessidade de atuao mais dinmica no sentido de influir no planejamento das aes; e ao Plano Municipal de Educao, em fase de elaborao e que busca a participao mais efetiva da sociedade civil. Palavras chave: Educao infantil. Fundeb. Polticas pblicas de financiamento.
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LIMA, E. Efeitos do Fundeb na educao infantil de Medianeira-PR. 99 p. Dissertao apresentada ao programa de ps-graduao em educao da FFC da Unesp, Marlia SP, 2015.
ABSTRACT
This research analyzes the purposes of the Fund for the Development of Basic Education and Valorization of Education Professionals in early childhood education in the city of Medianeira, State of Parana. The motivation to perform the search was related to the desire to understand the relationship and the influence of public policy education funding and the effects on education. The study was developed from archival work on the administrative acts of the municipality of Medianeira, related to early childhood education, as budget law, multi-year plan, municipal laws positions and salaries of early childhood professionals, as well mapping of quantitative data on early childhood education, and funding after Fundeb. These data were analyzed with a focus in the context of practice, the policy cycle. The theoretical and methodological approach, included researchers from the field of education and social sciences show the historical about the legal and Brazilian construction of the rights of children up to five years, mainly, after the Federal Constitution of 1998 and subsequent infra-laws, in the formation and organization of the field of early childhood education as part of basic education, was key to better understanding of educational policies in the context of practice. The effects revealed by the survey showed that there was: decreased deficit of places in early childhood education, but with difficulties to achieve the goal of the NAP 2014, enrolling 50% of children in day care centers; increased spending on early childhood education, more intensely from 2010, driven by investments in construction of kindergartens and increase in professional staff; creation of post of child educator with updating and equalization of salaries to other public school teachers. Finally, aspects were observed related: the Fundeb Council in the municipality, which highlighted the need for more dynamic performance in order to influence the planning; and the Municipal Education Plan, in preparation and seeking a more effective participation of civil society. Keywords: Childhood education. Fundeb. Public policy funding. .
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SIGLRIO
CF Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, expresso
convencional, Constituio Federal de 1988
CEB Cmara da Educao Bsica
CEE Conselho Estadual de Educao do Paran
CNE Conselho Nacional de Educao
Coepre Coordenao de Educao Pr-Escolar
Conae Conferncia Nacional de Educao
Conanda Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente
Coneb Conferncia Nacional de Educao Bsica
CP Conselho Pleno
DNCr Departamento Nacional da Criana
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
FAE Fundao de Assistncia ao Estudante
FPE Fundo de Participao Estadual
FPM Fundo de Participao dos Municpios
Funabem Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor
Fundeb Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de
Valorizao dos Profissionais da Educao
Fundef Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorizao do Magistrio
GOGM Grupo Ocupacional Geral do Magistrio
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias
ICMS-EXP Imposto sobre Circulao de Mercadorias para Exportao
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
INESC Instituto de Estudos Socioeconmicos
Ipardes Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social
IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
IPCA ndice Nacional de Preos ao Consumidor Amplo.
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IPI-EXP Imposto sobre Produtos Industrializados para Exportao
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IPVA Impostos sobre a Propriedade de Veculos Automotores
ITCMD Imposto de Transmisso Causa Mortis e Doao
ITR Imposto Territorial Rural
LBA Legio Brasileira de Assistncia
Ldben Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
LDO Lei de Diretrizes Oramentrias
LOA Lei do Oramento Anual
LOAS Lei Orgnica de Assistncia Social
MDS Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate Fome
MEC Ministrio da Educao
MS Ministrio da Sade
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OMEP Organizao Mundial de Educao Pr-Escolar
ONU Organizao das Naes Unidas
PAC Programa de Acelerao do Crescimento
PAR Plano de Aes Articuladas
PBT Piso Bsico de Transio
PDE Plano de Desenvolvimento da Educao
PIB Produto Interno Bruto
PME Plano Municipal de Educao
PMM Prefeitura Municipal de Medianeira
Pnad Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio
PNE Plano Nacional de Educao
PPA Plano Plurianual
Pronaica Programa Nacional de Ateno Integral Criana e Adolescente
PSPN Piso Salarial Profissional Nacional
SME Secretaria Municipal de Educao de Medianeira
SUBPLAN Subprocuradoria-Geral de Justia para Assuntos de Planejamento
Institucional
Unesco Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura
Unesp Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho
Unicef Fundos das Naes Unidas para a Infncia
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LISTA DE GRFICOS
Figura 1 Curso de formao para elaborao do PME ..................................................... 88
Grfico 1 Matrculas na educao infantil na rede pblica de Medianeira-PR ...................... 67
Grfico 2 Dficit de vagas em creche e pr-escola na rede pblica ........................................ 69
Grfico 3 Movimentao financeira dos recursos do Fundeb no municpio em estudo. ..... 74
Grfico 4 Variao das receitas totais e do Fundeb e inflao no perodo ........................... 75
Grfico 5 Gastos com a educao infantil no municpio em estudo ....................................... 76
Grfico 6 Quantitativo de profissionais atuantes na educao infantil ................................... 78
Grfico 7 Evoluo do valor salarial do educador infantil ......................................................... 79
Grfico 8 Evoluo dos salrios pagos, da inflao e do PSPN ............................................. 80
Tabela 1 Unidades escolares que atendem fase creche em Medianeira .......................... 67
Tabela 2 Unidades escolares que atendem fase pr-escola em Medianeira .................... 68
Tabela 3 Base legal para formao das receitas do Fundeb ............................................ 72
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SUMRIO
1 INTRODUO ....................................................................................................... 10
2 METODOLOGIA DO ESTUDO .............................................................................. 18
2.1 TIPOS DE PESQUISA ............................................................................................................ 19
2.2 COLETA E ANLISE DOS DADOS ..................................................................................... 21
3 (DES)CAMINHOS DA EDUCAO INFANTIL NO BRASIL ................................ 23
4 POLTICAS PBLICAS E A EDUCAO INFANTIL ........................................... 38
4.1 POLTICAS PBLICAS PARA A EDUCAO INFANTIL ................................................ 39
4.2 O FUNDEB E A EDUCAO INFANTIL NO PNE 2014 ................................................... 52
5 ANLISE DOS DADOS ......................................................................................... 63
5.1 DEMANDA E OFERTA DA EDUCAO INFANTIL EM MEDIANEIRA ......................... 65
5.2 EVOLUO DAS RECEITAS E DESPESAS COM O FUNDEB ..................................... 71
5.3 EDUCAO INFANTIL NA LEGISLAO MUNICIPAL ................................................... 81
5.3.1 Profissionais da Educao e Normas Legais Medianeirenses ................................. 82
5.3.2 Educador Infantil no Municpio de Medianeira ............................................................. 84
5.3.3 Planos plurianuais do municpio de Medianeira .......................................................... 85
5.3.4 Conselho do Fundeb no municpio de Medianeira ...................................................... 86
5.3.5 Encaminhamentos do plano municipal de educao ................................................. 87
5.4 A ANLISE SINTETIZADORA .............................................................................................. 89
6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 93
REFERNCIAS ......................................................................................................... 96
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1 INTRODUO
A educao infantil faz parte das polticas pblicas educacionais e juntamente
com as suas formas de financiamento devem ser estudadas com profundidade e
fazer parte de debates sobre a atuao do Estado e da sociedade. Esses debates
devem envolver o conjunto da sociedade organizada para desvendar o papel do
Estado, analisar as polticas em execuo, demarcar reas participao social e
envolver a sociedade civil para garantir os avanos necessrios educao.
A poltica de ateno criana no Brasil caminha no sentido de se
instrumentalizar, tanto no mbito jurdico como nas esferas de atuao poltica. Esse
aparato ainda no tem garantido o pleno atendimento s crianas, especialmente no
tocante educao infantil, porque deixa grande parcela da populao na idade
entre zero e cinco anos afastada dos direitos j consagrados pela Constituio
Federal de 1988, Estatuto da Criana e do Adolescente de 1990 e Lei de Diretrizes e
Bases da Educao Nacional de 1996. Tais afirmativas juntadas a uma experincia
pessoal, suscitou o desejo em desenvolver esta pesquisa. Trata-se de experincias
vividas como secretrio municipal de administrao e de finanas do municpio de
Medianeira-PR, nos perodos de 1986/88 e 1993/96 respectivamente, quando foi
possvel constatar como se dava o financiamento da educao pblica municipal.
Naquele perodo, a falta de recursos financeiros para investimentos ou mesmo para
atender necessidades bsicas para o bom encaminhamento das questes cotidianas
em uma escola era motivo de muitas reflexes e embates.
Naquela poca, no existiam o Fundef1 ou o Fundeb2 e, portanto, a rea de
educao, mesmo tendo a obrigatoriedade de aplicao de 25% das receitas
municipais, no era atendida de maneira satisfatria e muito menos era sentida a
necessidade de equalizar o atendimento entre os nveis de ensino, definidas na Lei
n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educao
1 Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio,
instrudo pela Emenda Constitucional n 14, de 12 de setembro (BRASIL, 1996a), regulamentado pela Lei n 9.424, de 24 de setembro (BRASIL, 1996b) e Decreto Presidencial n 2.264, de 27 de junho (BRASIL, 1997). 2 Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais
da Educao, instrudo pela Emenda Constitucional n 53, de 19 de dezembro de 2006 e regulamentado pela Lei n 11.494, de 20 de julho de 2007 e Decreto Presidencial n 6.253, de 13 de novembro de 2007. (BRASIL, 2006b, 2007ad).
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Nacional (BRASIL, 1996c). No dia a dia, as necessidades sempre se mostravam
maiores que os recursos e por no existe a obrigatoriedade de destinao
especfica, comumente, as foras atuantes na esfera poltica direcionavam os gastos
sempre para o atendimento dos nveis de ensino com maior poder de presso.
Nesse caso, a educao infantil era sempre deixada para segundo plano em relao
ao ensino fundamental que, na poca, atendia criana em fase de escolarizao da
1a a 4a srie, com matrcula obrigatria aos sete anos de idade, atualmente, de 1 ao
5 ano3.
A educao bsica nacional vive um momento histrico mpar, impulsionado
por foras econmica, cultural, poltica e social, que viabilizaram a insero da
educao infantil em programas de financiamento do Governo Federal, mais
acentuadamente depois do conjunto de Leis4 que instituiu a obrigatoriedade da
promoo de aes objetivas para apoio s demandas da sociedade em relao aos
cuidados e educao das crianas de zero a cinco anos de idade. histrico
porque at a criao/implantao do Fundeb, em 2006-2007, havia ambivalncia do
Governo Federal na gesto das polticas pblicas da educao infantil, dividida entre
assistncia social e educao que, sobretudo, fragilizava a prpria concepo de
educao infantil como dever do Estado e direito de todas as crianas. Devido a
essa ambivalncia, os recursos provenientes da assistncia social se destinavam
creche e os da educao pr-escola. Comumente, em ambas as fontes havia
insuficincia de recursos para atender demanda. Porm, viabilizada pelos recursos
provindos do Fundeb, houve a integrao das creches aos sistemas municipais de
ensino e a expanso da oferta na educao infantil.
Mediante o exposto, a presente pesquisa realizou levantamento de dados e
informaes, tomado como subsdio o contexto da prtica, detalhado por Mainardes
sobre o estudo do ciclo de polticas do socilogo Stephen Ball (2001e 2006), para
sustentar reflexes sobre questes relativas ao atendimento escolar das crianas de
zero a cinco anos de idade, no municpio de Medianeira PR, ao mesmo tempo que
3 Lei n 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redao dos arts. 29, 30, 32 e 87 de Ldben/1996,
dispe sobre a durao de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrcula obrigatria a partir dos 6 (seis) anos de idade. 4 Refere-se ao arcabouo legislativo infraconstitucional construdo a partir dos princpios emanados
na Constituio da Repblica Federativa do Brasil, promulgada em 1988, e posteriores Emendas Constitucionais ordinrias que alteram dispositivos pertinentes aos direitos sociais e aos direitos fundamentais da criana e do adolescente. Em especial, ao longo desse estudo, menciona-se parte desse arcabouo, principalmente, aquela que interfere na dinmica do sistema educacional e do sistema de assistncia social.
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propiciou a anlise de efeitos do Fundo de manuteno e desenvolvimento da
educao bsica e de valorizao dos profissionais da educao na educao
infantil de Medianeira PR.
Informaes acerca da gesto municipal e respectivas polticas em relao ao
oramento pblico, destinado ao atendimento da educao infantil, nas fases de
creche e pr-escola5, bem como aspectos relacionados valorizao dos
profissionais desse nvel de ensino, ampliao de vagas e atendimento legislao
sero postos em evidncias e considerados no transcorrer da pesquisa.
Inicialmente, para a estruturao dessa pesquisa, buscou-se em Ball (2001;
2006 e 2010), Mainardes (2006) e Ball e Mainardes (2011) entendimentos sobre
polticas pblicas e em Frey (2000) para alinhar esse entendimento e fundamentar
as importantes dimenses usadas em investigaes de polticas pblicas que
possuem trs tipos de abordagens especficas, sempre de acordo com os problemas
a serem superados. Para Frey (2000), a cincia poltica que costuma distinguir trs
abordagens de acordo com os problemas de investigao levantados. A primeira
tem a ver com a qualidade de um governo, bom ou ruim, melhor ou pior. Refere-se,
portanto, ao sistema poltico, isto , s preocupaes inerentes proteo da
sociedade. A segunda trata das foras polticas necessrias para a efetivao das
decises. Em terceiro, pensa-se na avaliao das contribuies que uma deciso ou
outra poder trazer para resolver determinado problema. Por isso so pertinentes as
dimenses dos termos policy, politics, e polity que Frey (2000) assim define:
A dimenso institucional. 'polity' se refere ordem do sistema poltico, delineada pelo sistema jurdico, e estrutura institucional do sistema poltico-administrativo; No quadro da dimenso processual. 'politics' tem-se em vista o processo poltico, frequentemente de carter conflituoso, no que diz respeito imposio de objetivos, aos contedos e s decises de distribuio; A dimenso material 'policy' refere-se aos contedos concretos, isto , configurao dos programas polticos, aos problemas tcnicos e ao contedo material das decises polticas (FREY, 2000, p. 216-7).
Policy-politics-polity so termos que diferenciam os aspectos tcnicos, mas
que se entrelaam e se influenciam mutuamente na dimenso poltica. A utilizao
5 Resoluo CNE/CEB n 3, de 3 de agosto de 2005, define normas nacionais para o ensino
fundamental para nove anos de durao e esclarece que a educao infantil atender crianas de zero (0) a cinco (5) anos de idade, sendo creche at trs (3) anos de idade e pr-escola dos quatro (4) e cinco (5) anos de idade. (BRASIL, 2005a)
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adequada, expe Frey (2000), facilita a elaborao de pesquisas por fornecer com
preciso a categoria a que pertencem e onde se enquadra cada um destes termos.
Conforme Ball e Mainardes (2011), as expresses policy sciences e anlises
polticas passam a ser utilizadas por pesquisadores norte-americanos e europeus
aps o trmino da Segunda Guerra Mundial. O sentido da expresso policy sciences
tem a ver com a busca de racionalidade nos projetos sociais e define com mais
clareza os elementos das cincias sociais que deveriam ser mobilizados para
retomar e revigorar o compromisso com a reconstruo planejada.
Se para Frey (2000) o descobrimento da proteo ambiental como uma
poltica setorial peculiar permitiu a sociedade avanar de forma significativa em
termos de transformao institucional, para Bell e Stevenson (2006 apud BALL e
MAINARDES, 2011), a anlise de polticas pode tomar uma srie de formas e
permitir o desenvolvimento de instrumentos de anlises mais precisos, capazes de
tornar mais evidente a compreenso e a interpretao das polticas.
Ao retornar-se a Frey (2000), fica o alerta para a prtica cotidiana de quem
faz pesquisa ou analisa as polticas pblicas: elas se produzem de acordo com
circunstncias em relao ao interesse de quem a solicita e que estes se submetem
s foras polticas estabelecidas. Outro fato que deve ser considerado diz respeito
s limitaes de recursos humanos, financeiros e de tempo que, costumeiramente,
influenciam qualquer processo de formulao e implementao de polticas, sendo
preciso, especialmente no mbito de consultorias para governos, o pesquisador
considerar as dimenses polity e politics como variveis independentes tendo em
vista interesses e exigncias de cada governo que necessita implementar ou
aperfeioar programas em tempo sempre reduzido.
Quando Frey (2000) afirma que o grau de influncia das estruturas polticas
(polity) e dos processos de negociao poltica (politics) sobre o resultado material
concreto (policy) uma orientao caracterstica da policy analysis , acaba por
esclarecer ainda mais as dimenses dos termos policy, politics, e polity dentro do
contexto da anlise poltica. Assim, as disputas no campo das polticas com todas as
relaes de foras acabam por marcar tanto os programas como os projetos, mesmo
que estes passem por profundas discusses atravs de encontros e conferncias
promovidos para debater e legitimar os processos decisrios, como o caso dos
programas e polticas pblicas em educao que so amplamente discutidos pela
sociedade civil organizada e no seio de uma conferncia nacional.
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Ball e Mainardes (2011) constatam que a quantidade de pesquisas,
publicaes e eventos em polticas educacionais aumentou significativamente no
Brasil, a partir da primeira dcada deste sculo. Ainda necessrio aprofundar
estudos, porque esses auxiliam a gesto no sentido de implementar com mais
eficcia aes que a sociedade civil organizada discute e referenda, as quais se
transformam em leis para melhorar a educao no pas.
Com base nos trabalhos de Stephen Ball e Richard Bowe, pesquisadores
ingleses da rea de polticas educacionais, Mainardes (2006) mostra a importncia
de se compreender as polticas a partir do ciclo de polticas. O autor destaca a
natureza complexa e controversa da poltica educacional e indica a necessidade de
articulao dos processos, dos mais amplos e gerais at os mais especficos, nas
polticas educacionais empreendidas.
Na compreenso de Ball (2001, p. 102), existe uma fragilidade muito grande
entre as polticas, exatamente porque podem ou no funcionar. Essas polticas so
retrabalhadas, aperfeioadas, ensaiadas, crivadas de nuances e moduladas atravs
de complexos processos de influncia, produo e disseminao de textos e, em
ltima anlise, recriadas nos contextos da prtica.
Conforme Mainardes, Ferreira e Tello (2011, p. 144), as polticas sociais e as
polticas educacionais ainda no foram consolidadas no Brasil e seguem uma
tendncia de aprofundamento entre os pesquisadores, sendo necessrio discutir os
referenciais de publicaes internacionais, j que a compreenso envolve a anlise
das polticas empreendidas no contexto nacional.
As ponderaes de Ball (2001) deixam clara a importncia de conectar as
polticas educacionais a um crculo muito mais amplo, o da poltica social. S assim
possvel romper com a viso que predomina no sentido de que as polticas se
originam descoladas das pessoas e que se apresentam com certo carter utilitrio
que permite as mais variadas naes adot-las de acordo com suas realidades,
designando aos atores sociais papel secundrio e simplificado de implementao. O
citado autor apresenta uma perspectiva de que h um processo centralizado de
traduo e recriao, o que torna os sujeitos atores ativos das polticas. Dessa forma
cabe uma anlise acurada das polticas educacionais, a qual precisa estar atenta s
diversas interfaces que elas apresentam e, sob o ponto de vista crtico, colocar-se a
servio da luta por justia social.
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Finalmente, a pesquisa revelou-se importante e justificada no mbito das
pesquisas, pois tratou de um assunto fundamental para a sociedade que o
financiamento da educao, especialmente o da educao infantil com suas
nuances e repercusses. Pesquisadores como Pinto (2007) tem apresentado
quadros que preocupam em relao ao futuro do modelo de financiamento da
educao no Brasil. Segundo o autor, o pas experimentou grandes avanos na
oferta de vagas pblicas para a educao infantil com a poltica de fundos do
governo federal, passando de 37 para 52% entre 1997 e 2006, dcada em que vigeu
o Fundef e com a implementao do Fundeb a tendncia que estes percentuais
aumentem pois vantajoso para os estados e municpios. Os municpios querendo
abocanhar parcelas cada vez maiores de recursos e os estados desejando transferir
cada vez mais parcelas de alunos sob sua responsabilidade. Pinto (2007) aponta
que preocupante o fato deste mecanismo de financiamento ter data marcada para
findar, no ano de 2020.
Na mesma linha de raciocnio, Davies (2012) aponta fragilidades do Fundeb,
como o incremento de poucos recursos novos, com exceo da complementao do
Governo Federal, j que se concentra apenas na redistribuio da maioria dos
impostos vinculados. Segundo o autor, a valorizao dos profissionais do magistrio
no est garantida com a destinao de 60% dos recursos do fundo para este fim,
mesmo porque o MEC, segundo o autor no divulgou qualquer estudo que
comprovasse que este percentual seria suficiente para promover a valorizao dos
profissionais
A partir dessas consideraes, definimos como objetivo principal da presente
pesquisa, a analise de efeitos do Fundo de Desenvolvimento da Educao Bsica e
Valorizao dos Profissionais da Educao Fundeb, na educao infantil do municpio
de Medianeira-PR.
Para atender tal objetivo, coletei e analisei dados e informaes atendendo
aos seguintes procedimentos:
a) leitura e anlise das atas do conselho gestor do Fundeb no municpio de
Medianeira-PR;
b) pesquisa e apurao de dados coletados junto Secretaria Municipal de
Administrao, da Prefeitura Municipal de Medianeira PMM , relativos
ao oramento da educao infantil a partir de 2006, bem como dos gastos
efetivamente priorizados nesta rea;
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c) anlise das leis aprovadas que se relacionam s atividades da educao
infantil no municpio;
d) leitura e anlise da documentao referente aos planos de ao constantes
nos Planos Plurianuais do municpio de Medianeira, a partir de 2007;
e) anlise de dados relativos ao quadro de pessoal da educao infantil, junto
ao setor de recursos humanos da PMM, a partir de 2006, a fim de verificar
a formao profissional dos professores antes e aps a implementao do
Fundeb.
Para a realizao da pesquisa empreendida tambm foram analisadas
indicaes do Parecer do Conselho Nacional de Educao CNE / Cmara de
Educao Bsica - CEB n 20, de 11 de novembro de 2009, Conselho Nacional de
Educao, Cmara da Educao Bsica (BRASIL, 2009b), e normas definidas pela
Deliberao n 2, de 6 de junho de 2005, do Conselho Estadual de Educao do
Estado do Paran (PARAN, 2005).
Para se atingir esse propsito, a opo foi dividir o estudo em captulos inter-
relacionados, iniciando com a introduo, que engloba os objetivos, a justificativa e a
base terica que sustenta as reflexes.
O segundo apresenta o percurso metodolgico, os tipos de pesquisa, a coleta
e anlise dos dados, os limites e o perodo de investigao.
O terceiro captulo, intimamente associado ao quarto captulo, apresenta parte
da reviso bibliogrfica. Rene elementos de anlise acerca da evoluo histria da
educao da criana no Brasil, o que permite refletir sobre como a rea da educao
infantil evoluiu e os reflexos dessa evoluo para a formao do cidado.
O quarto captulo, em complemento s reflexes iniciadas no captulo anterior,
explicita aspectos relativos s polticas pblicas na rea da educao. Inicia-se com
abordagem sobre a histrica concepo de educao infantil no entremeio das
polticas de assistncia social e educao, e, posteriormente, pauta-se a educao
infantil como constituinte da educao bsica e, portanto, merecedora de
valorizao semelhante poltica educacional dedicada ao ensino fundamental e
mdio.
O quinto captulo reservado ao levantamento documental das aes
polticas que envolvem a educao infantil, englobando o arcabouo legislativo,
planos de educao e estudos correlatos produzidos pelos entes federados e que
tm repercusso na forma com que o atendimento vai se produzir. Inclui-se
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17
levantamento sobre os atos administrativos do municpio de Medianeira, que
produzem resultados para a educao de crianas de zero a cinco anos de idade,
como Lei Oramentria, Plano Plurianual, Leis Municipais de cargos e salrios dos
profissionais da educao infantil, bem como levantamento de dados quantitativos
sobre a educao infantil no municpio como nmero de crianas na faixa etria para
verificar a demanda, a quantidade de crianas atendidas e o planejamento do
municpio para o atingimento das metas do Plano Nacional de Educao PNE, Lei
no 13.005, de 25 de junho de 2014. Esse captulo comporta tambm a anlise e o
tratamento dos dados coletados em relao s aes desenvolvidas no municpio de
Medianeira e que constituem a base para a verificao de efeitos que a poltica de
fundos Fundef e Fundeb trouxe em relao a valorizao dos profissionais que
atuam neste nvel de ensino, o atendimento da demanda e como o municpio cuida e
educa suas crianas pequenas.
Nas consideraes finais, refletiu-se sobre as polticas de financiamento da
educao infantil, a evoluo dos gastos e das receitas com a educao infantil, os
efeitos produzidos pelo Fundeb e os resultados alcanados em termos de
valorizao dos profissionais da educao infantil com as normas legais aplicadas
em atendimento a dispositivos da legislao do fundo.
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2 METODOLOGIAS DO ESTUDO
O ponto de partida na construo da metodologia a problematizao que
envolve uma situao para ser investigada e elucidada. Mas, Bruyne, Herman e
Schoutheete (1991) lembram que o papel da investigao orientada para problema
especfico no encontrar solues imediatas; a proposta a ampliao da
compreenso do problema para o reconhecimento de suas relaes com as lgicas
e os processos sociais mais amplos, e, nesse caso, interferentes na rea da
educao. Para os autores [...] uma metodologia deve abordar as cincias sob o
ngulo do seu produto como resultado em forma de conhecimento cientfico mas
tambm como processo como gnese desse mesmo conhecimento. (p. 27).
A partir desse entendimento, Bruyne, Herman e Schoutheete (1991) montam
um espao metodolgico quadripolar constitudo pelos polos: o epistemolgico que
a garantia da objetivao isto , da produo do objeto cientfico, da
explicitao das problemticas da pesquisa (p. 35); o terico que guia a elaborao
das hipteses e a construo dos conceitos [sendo] o lugar da formulao
sistemtica dos objetos cientficos (p. 35); o morfolgico, entendido como instncia
que enuncia as regras de estruturao, de formao do objeto cientfico (p. 35); o
tcnico como lugar que controla a coleta dos dados, esfora-se por constat-los
para poder confront-los com a teoria que os suscitou (p. 36). Para os autores, toda
e qualquer metodologia construda na interao e articulao destes quatro polos.
Nessa compreenso, considera-se que a investigao orientada ao problema,
nesta pesquisa, sustenta-se nas Cincias Sociais e Cincias da Educao, e tem
como patrimnio de referncia a Sociologia Poltica e Sociologia da Educao,
espelhadas principalmente em Claus Offe (1984), Stephen Ball (2006) e Almerindo
Janela Afonso (2003). Sob uma perspectiva crtico-social contempornea essa
dissertao se insere no conjunto de anlises que adota as polticas pblicas da
educao como objeto de estudo e contempla especificamente as polticas pblicas
de financiamento da educao infantil, nvel integrante da educao bsica,
conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de 1996.
No decorrer da investigao foi possvel estudar a forma como as polticas
pblicas de financiamento contemplaram e/ou contemplam a educao infantil e de
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19
que maneira essas polticas tem contribudo para o municpio cumprir seu dever de
cuidar e educar crianas de zero a cinco anos de idade e assim garantir-lhes o
direito educao, determinado pela Constituio Federal de 19886.
Para tanto, o objeto da investigao foi a poltica de financiamento da
educao infantil, no municpio de Medianeira, Estado do Paran, como poltica
pblica da educao bsica, financiada por meio de recursos do Fundo de
Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos
Profissionais da Educao Fundeb, vinculado Unio.
2.1 TIPOS DE PESQUISA
Com fundamentos em Bruyne, Herman e Schoutheete (1991) e seu espao
metodolgico quadripolar, a pesquisa foi desenvolvida com a adoo de tcnicas de
pesquisas bibliogrfica, documental e de campo, na perspectiva exploratria, de
abordagens qualitativa e quantitativa.
Ao fazer a pesquisa bibliogrfica busquei refletir sobre os fundamentos
tericos, base essencial para anlise dos resultados alcanados na pesquisa
documental e de campo. Explica Gil (2008) que a pesquisa bibliogrfica realizada
com base em material j publicado sobre o tema em estudo, o que pode ser
consultada na forma tradicional livros e revistas de circulao e na forma online.
Para o acesso online utilizam-se as seguintes expresses ou palavras-chave:
polticas pblicas; poltica de educao; educao infantil, Fundef, Fundeb, e outras.
Essas pesquisas permitem a seleo e a organizao do embasamento terico
necessrio para desencadear a pesquisa de campo.
Especificamente, para a pesquisa bibliogrfica selecionei trs reas
essenciais a fim de embasar a investigao, quais sejam: educao infantil, polticas
pblicas em educao, poltica de financiamento do Fundeb.
Para Gil (2008), a pesquisa documental semelhante pesquisa
bibliogrfica, mas se atm a documentos relacionados ao tema em estudo. Para tal
alm da Declarao dos Direitos da Criana, documento produzido pela ONU, em
6 Constituio da Repblica Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, no governo
Jos Sarney (1985-1990).
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20
1959, e complementado pela Conveno Sobre os Direitos da Criana, de 1989, e
da Declarao Mundial sobre Educao para Todos assinada em Jomtien, na
Tailndia, em maro de 1990, por representantes de 155 pases, que apresentou
preocupaes e metas a serem atingidas no sentido de ampliar a escolarizao e,
principalmente, melhorar a sua qualidade, consultei leis e documentos originados
nas trs esferas de governo ligados rea da educao bsica, especificamente de
interesse para a educao infantil, tais como a Ldben de 1996, o PNE de 2001 e
2014 e, no municpio de Medianeira investigou-se a elaborao do Plano Municipal
de Educao de 2014, as Leis Oramentrias e o Plano Plurianual.
Conforme Gil (2008), a pesquisa exploratria tem por objetivo familiarizar o
pesquisador com o assunto do estudo, em geral, ainda pouco conhecido.
Comumente, esse tipo de pesquisa se torna especfico e assume o formato
de estudo de caso. Tal como definem Bruyne, Herman e Schoutheete (1991), o
estudo de caso exploratrio tem como meta a descoberta de novas reas de
pesquisa ou o delineamento de novas abordagens para objetos pouco explorados.
Nessa dissertao, a pesquisa exploratria tomou a forma de estudo de caso,
porque investigou a problemtica da poltica de financiamento da educao infantil
no municpio de Medianeira-PR, como campo de investigao e tem como lcus de
estudo documentos pertinentes ao problema e tema investigado que se supem
pouco explorados, especialmente a partir da criao do Fundeb.
Na pesquisa documental analisei diversos documentos da administrao
pblica municipal relacionadas com a educao infantil e que se encontravam
dispostos pelos diversos setores, como Departamento de Recursos Humanos,
Secretaria de Finanas e Secretaria de Educao do municpio. Documentos como o
Plano Plurianual PPA , a Lei de Oramento Anual LOA , a prestao de contas
anual, para confrontar o que foi executado em termos de educao infantil, com o
planejamento decenal do municpio em conformidade com o PNE de 2001 e o plano
de investimentos do municpio para a educao infantil e as informaes sobre a
evoluo dos gastos com pessoal para esse nvel de ensino a partir do ano de 2006,
ano da aprovao da lei do Fundeb. Analisei dados de diversos documentos que
continham informaes acerca de planejamento das polticas pblicas para
educao infantil, de investimentos para melhorar a infraestrutura e definies de
poltica de contratao dos profissionais para a educao infantil.
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21
2.2 COLETA E ANLISE DOS DADOS
A coleta de dados ocorreu por meio de pesquisa documental e a anlise, sob
uma perspectiva scio-histrica, obedeceu os princpios da abordagem qualitativa,
mesclados abordagem quantitativa, com a finalidade de auxiliar na interpretao
dos documentos pertinentes ao problema-tema do estudo.
Na explorao da realidade local, fiz a interpretao de documentos em
comparao com a bibliografia levantada, a fim de encontrar possveis respostas s
questes norteadoras da investigao. Foi til o referencial analtico sobre o ciclo de
polticas, proposto por Stephen Ball e Richard Bowe e detalhado por Mainardes
(2006).
Na seleo das questes orientadoras da perspectiva de anlise do ciclo das
polticas medianeirenses para a educao infantil, o foco foi o contexto da prtica,
para verificar como a poltica foi implementada e qual a autonomia que os
profissionais envolvidos tm na implementao da mesma. Dois outros contextos
detalhados por Mainardes (2006) foram observados, como o de influncia, o da
produo de textos.
A investigao prosseguiu com a anlise comparativa das informaes
coletadas na pesquisa emprica e anotaes retiradas das pesquisas bibliogrfica e
documental. A interpretao final e subsequente relato da investigao, constituiu-se
pela anlise que evidenciou uma mescla de abordagens, qualitativa e quantitativa, a
fim de expor de maneira crtico-analtica os resultados alcanados.
Bruyne, Herman e Schoutheete (1991) entendem que o estudo de caso que
se limita mera apresentao de dados quantitativos coletados empiricamente
possui pouco valor cientfico e no contribui para o avano do conhecimento j
acumulado pela humanidade. Na compreenso dos autores, relevante que o
pesquisador estabelea um dilogo entre os achados de seu estudo com a teoria
que lhe serviu de base. Lembram, porm, que a teoria no pode ser entrave para o
afloramento de novas ideias e surgimento de novos pressupostos. A ideia de
cientificidade contempla a unidade e a diversidade, exatamente porque representa
[...] uma forma absolutamente geral de autorregulao do processo de aquisio
dos conhecimentos, e simultaneamente, [...] diversas formas concretas possveis
de realizao. (p. 15). Ento, necessrio garantir a cientificidade do trabalho,
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expor com clareza pontos e contrapontos das teorias, mas o pesquisador no pode
negligenciar ou deixar de explicitar suas descobertas porque contrariam teorias
estabelecidas e reconhecidas como vlidas.
A investigou documentos relativos s polticas pblicas de educao bsica
com foco no nvel de educao infantil. O campo da investigao foi o municpio de
Medianeira-PR, especificamente as Secretarias Municipais de Administrao
(Recursos Humanos), Finanas e de Educao. O perodo de realizao da coleta
de dados ocorreu entre abril e dezembro de 2014 e se referem ao perodo de 2006 a
2014.
A pesquisa revelou que o Fundeb produziu efeitos na educao infantil no
municpio estudado, como: uma maior oferta de vagas pblicas disponibilizadas com
a construo de novos prdios para a pr-escola, apesar de existir um longo
caminho para que o dficit de vagas possa ser suprido na pr-escola; um maior
volume de recursos destinados ao municpio; atualizao da legislao municipal
com ganhos para a educao infantil, como a criao do cargo de educador infantil;
atualizao dos salrios dos profissionais da educao, em percentuais acima dos
ndices inflacionrios e acompanhamento do piso nacional.
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3 (DES)CAMINHOS DA EDUCAO INFANTIL NO BRASIL
Neste captulo fiz uma reflexo sobre o percurso da educao infantil no
Brasil, como ela foi influenciada pelas condies socioeconmicas do pas e como,
ao longo da histria, as crianas pequenas conquistaram, aos poucos, seus direitos
sociais, em especial, aqueles definidos no artigo 6o da Constituio Federal de 1988.
O processo civilizatrio da humanidade registra que, desde a Antiguidade, as
crianas no eram merecedoras de qualquer tipo de tratamento que as diferenciasse
dos homens. O desconhecimento da criana pela arte medieval, por volta do sculo
XII indicava que no existia espao para a infncia no mundo, afirma Aris (1986).
No sculo XIII, as crianas bem pequenas passaram a receber uma
paparicao, que era um novo sentimento que surgia no seio das famlias. Nesse
momento, as crianas eram retratadas nas obras de arte como adultos. Segundo
Aris (1986), esse sentimento ocorria apenas nos primeiros anos de vida das
criancinhas. Era uma forma de diverso dos adultos, que brincavam com a criana
assim como brincavam com um animalzinho. Logo aps cumprir essa fase era
comum as crianas sarem de casa, passando a viver com outras famlias.
Segundo Aris (1986), a idade das crianas permaneceu com seus traos
praticamente inalterados conforme retrata a iconografia do sculo XIV at o Sculo
XVII, momento em que a criana servia como objeto de distrao. Passado a fase
em que a criana era confiada a estranhos, no sculo XVII a criana conquista o
direito de permanecer com a famlia, e diferente da poca das famlias medievais a
criana passa a ser um elemento importante para o dia a dia das famlias. A
educao das crianas passa a ser uma preocupao dos adultos, no entanto durou
muito tempo para que essa evoluo, da famlia medieval para a famlia do sculo
XVII, fosse absorvida pelas famlias que no participavam das castas de nobres e
burgueses ou dos ricos lavradores. Segundo Aris, a populao mais numerosa, a
dos pobres ainda no incio do sculo XIX, levava uma vida parecida com a vida das
famlias medievais, cujo sentimento da casa no diziam respeito a elas, pois viviam
afastadas da casa da famlia.
Foi ento, na Idade Moderna (sculos XV a VXIII), que a criana passa a
receber cuidados especiais da me, porm entre os sculos XVI e XVII, a mudana
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de costumes fez com que a sociedade entendesse como prejudicial este zelo, pois
poderia fazer da criana um adulto mimado e mal educado, sendo imposta aos
colgios uma educao moral para que mais tarde se tornasse indivduo honrado e
racional. Como expe Aris (1986), essa busca pela moralizao acabou se
tornando em um incentivo ao castigo corporal nas escolas. Lembra o autor que, at
final do sculo XVIII, particularmente, a escola no era frequentada por determinada
faixa etria, visto que a educao escolar tinha carter predominantemente tcnico e
se destinava aos jovens de classes sociais diferenciadas educao primria e
secundria e, notadamente, havia as escolas de ofcios para ensinar uma
profisso aos filhos de arteses e outras classes sociais menos favorecidas
economicamente.
A partir do sculo XVIII, com a Revoluo Industrial, acentua-se o processo
de estruturao da sociedade capitalista. Naquela poca, afirma Aris (1986), havia
muitas indstrias e as mes eram trabalhadoras assalariadas, e pelas acentuadas
reivindicaes, a escola acabou sendo estendida a todas camadas da sociedade,
mesmo que o objetivo tenha, a princpio, sido o de educar as crianas para o
trabalho. Disciplina e obedincia era o que se impunha s crianas. Para as fbricas
a mo de obra infantil se tornava interessante, pois era barata e obediente.
Na modernidade, a escola se volta para a criao de espao destinado
proteo da criana. Surge a preocupao com o ato de educar as crianas.
Com o passar dos anos, at os dias atuais, tem crescido cada vez mais o
interesse pela criana. Bernard Charlot (1983; 1988), socilogo e educador francs,
realizou vrios estudos para conhecer o significado ideolgico da criana o que
contribuiu para a compreenso acerca da diversidade cultural infantil a partir de
brincadeiras, msicas, valores e construo de significados no imaginrio infantil.
No Brasil, afirma Freitas (2003), o perodo colonial (1500-1822) correspondeu
a uma poca marcada por altos ndices de mortalidade infantil. At os cinco anos de
idade, considerava-se a criana escrava como no apta ao trabalho; entre cinco e
doze anos de idade, era iniciada no aprendizado de pequenas tarefas domsticas, e
a partir dos treze anos, considerada adulta tanto para o trabalho escravo como para
a sexualidade. Em referncia educao-instruo, notadamente, distinguia-se
criana oriunda de classe social favorecida economicamente da criana escrava.
Para as primeiras,
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[...] alm da educao jesuta7 oferecida a partir dos seis anos, era reservada instruo em casa para a aprendizagem das primeiras letras; para as demais, nenhum direito educao, mas o dever de aprender algum ofcio [...]. com este crivo de desigualdade que comeamos a nossa histria (SILVA; FRANCISCHINI, 2012, p. 259).
Ainda que na Europa, entre os sculos XVI e XVII, discutisse a ideia de
criao de instituies educativas especficas para o atendimento de crianas na
primeira e segunda infncia8, mas, basicamente at final da poca imperial brasileira
(1822-1889) pouco se falava nessas instituies. Nesse perodo, a histria brasileira
mostra o surgimento dos primeiros jardins de infncia por iniciativa do setor privado,
sendo o Colgio Menezes Vieira, fundado em 1875, no Rio de Janeiro, a primeira
instituio a dar atendimento criana menor de seis anos de idade. Somente em
1896 criado o primeiro jardim de infncia de administrao pblica, anexo Escola
Normal Caetano Campos, em So Paulo. Explica Marcelino (2004) que a
metodologia desses jardins seguia princpios da pedagogia froebeliana. 9
Para Kuhlmann Jnior (2011), a chegada do jardim de infncia no Brasil teve
influncia direta dos norte-americanos que dispuseram de materiais utilizados para
as aulas de cantos e marchas, os quais chegaram ao pas por meio de Gabriel
Prestes., A influncia europeia tambm foi percebida pela presena de artigos
traduzidos do italiano, francs e alemo que tinham as instituies educativas,
creches, escolas maternais e jardins de infncia, consagradas como modelo de
atendimento na educao infantil. Ressalta o citado autor que a luta brasileira pela
implantao do atendimento criana, pelo jardim de infncia no pas, comea
antes da instaurao da Repblica em 15 de novembro de 1889. Uma de suas
defesas foi realizada por Rui Barbosa, em 1882, com argumentaes veementes
7 Educao jesutica refere-se educao ofertada pela Companhia de Jesus, que de 1549 at 1759
ocupou-se da instruo (leitura e escrita) e catequese das crianas brasileiras. Toda a criana era vista como folha de papel em branco, passvel de ser moldada e educada submisso e disciplina. 8 Nessa dissertao, com base na literatura, primeira infncia define-se na faixa etria entre zero a
trs (0-3) anos de idade, e atendimento na creche. A segunda infncia define-se na faixa etria entre quatro e cinco (4-5) anos de idade, e atendimento na pr-escola. Lembra-se, no entanto, que a partir de 2009, oficialmente, a Unesco utiliza a expresso educao da primeira infncia para referir-se educao infantil, destinada s crianas na faixa etria do zero aos cinco (0-5) anos de idade, e educao da segunda infncia corresponde faixa etria de seis aos doze anos (6-12) de idade, o que corresponde, no atual sistema de ensino brasileiro, fase do ensino fundamental, do 1 ao 7 ano de escolarizao, aproximadamente. A partir dos doze (12) anos de idade o ECA define como fase da adolescncia. (BRASIL, 1990). 9 Refere-se ao educador alemo Friedrich Froebel (1782-1852), criador dos primeiros jardins de
infncia, um dos primeiros educadores do mundo a considerar o incio da infncia como uma fase de importncia fundamental e decisiva na formao das pessoas. Suas ideias so consagradas na psicologia e na pedagogia contempornea.
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que demonstraram o poder da instituio de atendimento infantil na formao do ser
humano. A linha para construir sua argumentao se baseava em bibliografias norte-
americana, belga e francesa, as quais consideravam o jardim de infncia como
instituio basilar e necessria para todo organismo de educao.
Na linha do tempo referente construo do campo da educao infantil no
Brasil, Lucas (2005) destaca que, no final do sculo XIX, ocorre a criao das
primeiras creches para filhos das classes menos favorecidas, aos pobres. Tais
creches funcionavam como depsitos de crianas para que as mes pudessem
trabalhar, fazendo com que esta atividade fosse relacionada apenas com o trabalho
feminino bem como com alguma preocupao sanitria, com nfase para as
questes de higiene, alimentao e cuidados fsicos, porm deixa de lado qualquer
cuidado com a parte pedaggica e a formao integral da criana. , pois, no
perodo entre 1889 e 1930 que so percebidas as primeiras aes, voltadas
educao da criana, indicativas de maior atuao da administrao publica.
Em 1919 criado o Departamento da Criana no Brasil de abrangncia
nacional e de forte carter mdico-assistencialista , sob a responsabilidade do
Estado, com a finalidade de proteo criana, divulgar conhecimentos, promover
congressos e cursos educativos em puericultura e higiene. Explica Kuhlmann Jnior
(2011) que tal Departamento no expressava maiores preocupaes com a
educao, principalmente, em relao s crianas na primeira infncia. Em 1922, no
Rio de Janeiro, realizou-se o Congresso Brasileiro de Proteo Infncia com o
objetivo de tratar de todos os assuntos que direta ou indiretamente se referiam
criana, tanto no ponto de vista social, mdico, pedaggico e higinico, em geral,
como particularmente em suas relaes com a Famlia, a Sociedade e o Estado.
(KUHLMANN JR, 2002, p. 465).
Em 1930, o governo de Getlio Vargas (1930-1945) cria o Ministrio dos
Negcios da Educao e Sade Pblica com tal denominao para desenvolver
atividades relacionadas sade, esporte, educao e meio ambiente, e retirar do
Departamento Nacional de Ensino, ligado ao Ministrio da Justia, a incumbncia de
tratar de assuntos relativos educao. rgos e iniciativas que se voltam
proteo da criana, com nfase na educao, surgem somente a partir da dcada
de 1940 e, aos poucos, influenciam novas concepes sobre proteo e educao
infantil. Notadamente, o Fundo das Naes Unidas para a Infncia - Unicef exerce
influncia direta na proposta brasileira de educao pr-escolar de massa, surgida
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27
por iniciativa do Departamento Nacional da Criana DNCr , criado em 1940 pelo
ento Ministrio da Educao e Sade para coordenar as atividades de proteo
infncia, maternidade e adolescncia. Com o desmembramento do Ministrio da
Educao e Sade em dois Ministrios, Ministrio da Educao e Cultura e
Ministrio da Sade, em 1953, o DNCr passa a integrar o Ministrio da Sade at
1970, quando substitudo pela Coordenao de Proteo Materno-Infantil,
vinculada Secretaria de Assistncia Mdica do Ministrio da Sade - MS.
Sob a coordenao do DNCr destacam-se algumas iniciativas voltadas
educao de crianas de zero a seis anos de idade. o caso, por exemplo, da
Legio Brasileira de Assistncia LBA , criada em 1948, que se constituiu em uma
iniciativa de parceria entre o pblico, privado e organismos intergovernamentais,
com o objetivo de proteo maternidade e criana nos primeiros anos de vida.
As aes da LBA se fortaleceram e, na dcada de 1970, implementado o Projeto
Casulo10, identificado como o primeiro projeto de educao infantil de massa, cujo
propsito era atender crianas entre quatro e oitos horas dirias, com cuidados em
sade, alimentao e atividades educativas especficas para cada faixa etria
atendida. Explica Rosemberg (1992) que o Projeto Casulo possibilitou atuao direta
do governo federal em vrios municpios por adotar a participao da comunidade
para custeio das instituies, o que resultou na reduo do investimento pblico nas
reas da assistncia social e da educao infantil. Alm disso, expe a autora, tal
projeto, por vrias dcadas, insere-se na mescla histrica brasileira das polticas de
assistncia social e de educao infantil.
Dada nfase ao aspecto educacional, outra questo que merece destaque
a diferenciao entre duas formas basilares de assistncia pr-escola que foram
desenvolvidas no Brasil, notadamente a partir da dcada de 1940: uma de carter
privado, incentivada e desenvolvida pela Organizao Mundial de Educao Pr-
Escolar OMEP e a outra de carter pblico federal, implementada pelo Ministrio
da Educao e Cultura MEC, em 1974, por meio da Coordenao de Educao
Pr-Escolar Coepre, que se manteve ativa at 1987.
Porquanto, analisou-se a iniciativa da OMEP, instituio filantrpica criada em
Praga, na Repblica Checa, em 1948, com o objetivo de atender crianas de todas
10
Com apoio do Fundo das Naes Unidas para a Infncia, que desde a dcada de 1960 firmou parceria com o governo federal para a implantao de programas para crianas pobres. Conforme Rosemberg (2002), o Casulo serviu como estratgia preventiva junto populao pobre para diminuir desigualdades, diferenas e conflitos, especialmente, durante o governo militar (1964-1985).
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as classes sociais, na faixa etria entre zero e sete anos de idade, com nfase na
rea da psicologia da criana, preocupao com a alfabetizao e com o processo
educativo, principalmente em seus aspectos metodolgicos e didticos. Quatro anos
depois, educadores brasileiros participaram do Congresso promovido pela OMEP,
no Mxico, e trouxeram essa ideia para o Brasil. Em 1953 fundada a OMEP/Brasil
e realizado o primeiro levantamento sobre a situao da pr-escola no pas.
Conforme Kramer (2003), tal levantamento mostrou a precria situao em que se
encontrava o atendimento educacional dado criana brasileira em idade pr-
escolar. A autora salienta a importncia que a atuao da OMEP alcanou nos
debates internacionais e nacionais acerca da criana e de seus direitos como
cidad.
Em nvel mundial, o ano de 1959 foi marcante com a proclamao da
Declarao Universal dos Direitos da Criana pelas Naes Unidas, que apesar de
no comportar quaisquer obrigaes jurdicas, constituiu-se em princpio moral para
os direitos da criana. Da em diante, as conquistas para a infncia tomaram
propores globais, o que mudou significativamente a postura das naes em
relao s crianas que, pela primeira vez, passaram a gozar de um status
privilegiado em relao aos seus direitos. Explica Marclio (1998) que essas reaes
provocaram a tomada de medidas imediatas, em diversos pases pelo mundo, para
favorecer as crianas, garantindo-lhes, pela primeira vez, tratamento prioritrio
institudo no ordenamento jurdico, que acenava pela promoo e respeito dos
direitos que a criana tem sobrevivncia, proteo, ao desenvolvimento e
participao.
Mais efetivamente, o MEC passa a se preocupar com a educao pr-escolar
a partir do governo militar de Emlio Mdici (1969-1974), quando sancionada a Lei
n 5.692, de 11 de agosto de 1971 Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1 e
2 Graus , que segue princpios da Lei de 1961. A nova Lei define que os sistemas
de ensino velaro para que as crianas de idade inferior a sete anos recebam
conveniente educao em escolas maternais, jardins de infncia e instituies
equivalentes (art. 19, 2), sem determinar obrigatoriedade de matrcula. Com tal
Lei, o MEC assumiu a conveniente educao das crianas na faixa etria entre
quatro e seis de idade, na educao pr-escolar, na forma como foi orientada e
coordenada pela Coepre.
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29
Para Rosemberg (1992), a inteno do MEC com a criao da Coepre a
organizao de um plano de abrangncia nacional para a educao pr-escolar, por
meio de estudos e contatos diversos. Organizam-se os Planos Setoriais II e III, que
so desdobramentos dos Planos Nacionais de Desenvolvimento, elaborados durante
o governo militar para vigorar nos perodos de 1975-1979 e 1980-1985.
Nos Planos Setoriais II e III do MEC, a educao pr-escolar destaque, no
apenas como soluo para problemas gerados pela pobreza, mas, tambm, como
estratgia para resolver as altas taxas de reprovao existentes no ensino de 1o
grau, defende Kuhlmann Jnior (2000), sendo concebida na perspectiva exclusiva
de preparao para a escolarizao obrigatria, considera Rosemberg (1992).
A proposta de educao de massa na pr-escola elaborada pelo MEC, em
1975, no Plano Setorial II, refletiu parte da luta nacional por um novo modelo de
educao infantil e contou com respaldo do Conselho Federal de Educao que, por
meio de pareceres e indicaes, buscou suprir lacunas deixadas pela legislao de
1971 em relao pr-escola. Essa proposta foi difundida no pas, e, cada vez mais,
ficou evidente a inteno de educao compensatria11, de modelo no
convencional, de educao informal, cuja pretenso foi a mobilizao da
comunidade para o custeio das instituies, isto porque os recursos advindos dos
cofres pblicos destinavam-se exclusivamente ao apoio s aes implementadas,
comenta Rosemberg (1992).
Junto ao Plano Setorial III perodo de 1980 a 1985 , o MEC lana o
Programa Nacional de Educao Pr-Escolar que retorna aos princpios bsicos
contidos no plano anterior, principalmente, cobertura de baixo custo para os cofres
pblicos e indispensvel apoio da comunidade na manuteno e gesto de aes.
Rosemberg (1992) comenta que esse Plano apontou algumas novidades, tais como:
(a) esboo de delimitao da competncia federal por faixa etria, cabendo ao MEC
atender, prioritariamente, crianas entre quatro e seis anos de idade; (b) definio de
metas quantitativas, e atender 50% da demanda nessa faixa etria at 1985; (c)
alocao de recursos prprios do MEC. Para a autora, apesar dos pfios resultados
alcanados pela implementao das aes, at 1985, os Planos II e III do MEC
11
Educao compensatria, expresso originada durante a Revoluo Industrial, em geral usada em referncia pr-escola e primeira etapa do ensino fundamental, definida como um conjunto de medidas poltico-pedaggicas que visam compensar deficincias fsicas, afetivas, intelectuais e escolares de crianas das classes socioeconmica e cultural marginalizadas, a fim de que elas sejam preparadas para o trabalho e tenham oportunidade de ascenso social. (DUARTE, 1986 apud CHRUN, 2009, p. 30).
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serviram para situar o modelo de educao infantil de massa dentro e fora do
sistema educacional do pas, exatamente porque no se tratou da pr-escola como
nvel educacional, mas, sobretudo, como programa autofinancivel, via comunidade,
ou aproveitamento de recursos disponveis, resultante da articulao de programas
interministeriais. Nesses Planos, a educao infantil constituiu-se em programas e
experincias que no se destinaram a alterar estruturas, mas o suprir necessidades
contingenciais, temporrias ou emergenciais (ROSEMBERG, 1992, p. 27).
Apesar da implementao das aes previstas no Plano III do MEC, a falta de
legislao educacional estruturada e especfica que contemplasse a educao das
crianas, especialmente, na faixa etria de zero a trs anos de idade, esquecida
pela Coepre oportunizou a criao e o crescimento desordenado de instituies
informais que no observaram itens bsicos e fundamentais, como estrutura fsica
dos espaos e formao de educadores, lamenta Kramer (2003).
Outra razo que concorre favoravelmente para o surgimento de instituies
de educao infantil, nas dcadas de 1970 at 1990, o fato de que a rea da
assistncia social do governo federal, como j mencionado, tambm se incumbia do
atendimento infncia. Por meio de programa especfico, com previso de auxlio
financeiro e apoio tcnico, conveniado diretamente com instituies comunitrias,
filantrpicas e confessionais, o poder pblico federal oportunizava assistncia s
crianas brasileiras de zero a trs anos de idade , provindas das camadas mais
empobrecidas da populao. Basicamente, a LBA, ligada ao ento Ministrio da
Previdncia e Assistncia Social, desenvolveu esse programa no perodo de 1977
at 1995, quando extinta. Na rea da assistncia social federal, a essncia do
programa e a dotao oramentria para creches permaneceram. Como defende
Rosemberg (2003), a partir do momento em que o MEC definiu um modelo para a
educao infantil de massa, houve superposio de responsabilidades de diversos
setores da assistncia, educao, sade e trabalho, sem que tal modelo
representasse, efetivamente, o que era esperado para a creche e pr-escola. Os
impasses criados em torno desse modelo, fomentaram e acolheram o envolvimento
dos novos movimentos sociais no campo da educao infantil. Esse envolvimento se
expandiu com a abertura poltica no perodo ps-ditadura militar, principalmente, na
segunda metade da dcada de 1980 e dcadas seguintes.
Kuhlmann Jnior (2000) coloca que os embates brasileiros relacionados
educao infantil, na dcada de 1980, concentravam-se em torno da concepo de
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orientao assistencialista como no pedaggica, e envolviam questes polticas e
administrativas. No terreno administrativo, discutia-se a adequada vinculao de
creches e pr-escolas aos rgos de assistncia social mediante o papel atribudo
historicamente para tais instituies; no terreno poltico, diminuio das verbas da
educao e o consequente esvaziamento dos recursos das instituies de ensino
obrigatrio pela incluso das despesas com os servios de assistncia como
merenda, atendimento de sade e higiene nas instituies de ensino obrigatrio s
escolas. O autor explica que predominava a concepo que os servios de
assistncia ameaavam o carter educacional das escolas. Nessa concepo,
notadamente, a educao infantil desvinculada dos direitos da criana por no ter
carter de obrigatoriedade legal matrcula facultativa mas vinculada ao direito da
famlia ou da me trabalhadora. Nota-se, ento, que as instituies de
[...] educao infantil precisariam transitar de um direito da famlia ou da me para se tornarem um direito da criana. Como se esses dois direitos fossem incompatveis, como se as instituies educacionais fossem um direito natural e no fruto de uma construo social e histrica. (KUHLMANN JNIOR, 2000, p. 12).
Tal concepo comeou a mudar no final da dcada de 1980 e incio da
dcada seguinte, quando tericos da educao infantil enfatizavam a
inseparabilidade do ato de cuidar e de educar crianas pequenas. Posteriormente,
retornou-se a essa questo no enfoque dado s polticas da educao infantil.
Em relao aos direitos da criana, explica Marclio (1998) que o progresso
das reas do conhecimento humano como medicina, direito, pedagogia e psicologia,
no sculo XX, possibilitou que a criana fosse descoberta em suas especificidades e
surgiu, da, a necessidade de organizar formalmente seus direitos. A autora comenta
que no incio do sculo XX, na dcada de 1920, a International Union for Child
Welfare, Organizao No Governamental, formulou aqueles que seriam os
princpios dos Direitos da Criana que, no ano de 1924, foram incorporados e
expressos na primeira Declarao dos Direitos da Criana, Declarao de Genebra.
Foram quatro os princpios estabelecidos, a saber: 1. a criana tem o direito de se
desenvolver de maneira normal, material e espiritualmente; 2. a criana que tem
fome deve ser alimentada; a criana doente deve ser tratada; a criana retardada
deve ser encorajada; o rfo e o abandonado devem ser abrigados e protegidos; 3.
a criana deve ser preparada para ganhar sua vida e deve ser protegida contra todo
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tipo de explorao; 4. a criana deve ser educada dentro do sentimento de que suas
melhores qualidades devem ser postas a servio de seus irmos (MARCLIO, p.
48).
O Brasil acompanhou a evoluo jurdica de proteo criana com a
instituio de diversas leis, em uma ao coordenada que antecedeu inclusive a
Conveno das Naes Unidas, influenciado por documentos internacionais e pela
Frente Parlamentar Constituinte. Nessa inteno, em 1987, por meio de portaria
interministerial, criou-se a Comisso Nacional da Criana e Constituinte alm da
Frente Parlamentar Suprapartidria pelos Direitos da Criana. A partir desses atos
proliferaram-se em todo territrio nacional Fruns de Defesa da Criana e do
Adolescente que congregavam diferentes reas da atuao humana.
No atual ordenamento jurdico brasileiro, o Direito da Criana ocupa espao
privilegiado a partir de 1988, o que viabiliza o reconhecimento da criana como
sujeito no curso legal, deixando de ser simples objeto de interveno no mundo
adulto. A criana passou a ter o direito proteo integral, especialmente no artigo
227 da Constituio Federal de 1988, que acompanhou a doutrina da Declarao
Universal dos Direitos da Criana, assinada em 20 de novembro de 1959.
Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-la a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso (BRASIL, 2014).
Em 1989, a Organizao das Naes Unidas - ONU promove a Conveno
sobre os Direitos das Crianas, que gerou grande aceitao entre as naes
mundiais. Para Marclio (1998), chegou-se ao final do ano de 1996 e constatou-se
que 96% dos pases do mundo inteiro ratificaram os termos dessa conveno,
tornaram em lei as medidas de proteo e a obrigao de prestar assistncia aos
responsveis pelas crianas a fim de que todas as obrigaes para com elas fossem
cumpridas.
luz da Constituio da Repblica Federativa do Brasil - CF de 1988,
edificou-se as bases para a criao do Estatuto da Criana e do Adolescente ECA
, institudo pela Lei n 8.069 de 13 de junho de 1990, que estabeleceu com primor
os princpios constitucionais da proteo infncia, calcado na Declarao dos
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Direitos Humanos e na Declarao dos Direitos da Criana (BRASIL, 1988, 1990).
Na opinio de Marclio (1998, p. 56), o ECA de 1990 um documento legal que
representa uma verdadeira revoluo em termos de doutrina, ideias, prxis, atitudes
nacionais ante a criana. O envolvimento da sociedade civil organizada, organismos
nacionais e internacional como a Pastoral do Menor, o Unicef, a Ordem dos
Advogados do Brasil - OAB, o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua,
movimentos de igrejas e universidades, dentre tantos outros organismos criaram
uma atmosfera favorvel ao entendimento da importncia em proteger a infncia no
Brasil. (BRASIL, 1990)
Pondera-se que, pelo fato de as crianas serem vistas na perspectiva de
seres em desenvolvimento, a partir da tica adulta, a infncia tomada como uma
etapa de vida a ser superada. medida em que a criana foi compreendida como
ser humano frgil e incapaz, concebeu-se que necessita de proteo integral para
desenvolver-se plenamente. O ECA de 1990, que se fundamenta na doutrina de
proteo integral, traduz essa compreenso. No entanto, Marclio (1998) pontua que,
embora esse estatuto possibilite um olhar diferente sobre a infncia em comparao
com o aparato legal antecedente, esse documento legal continua sob uma
perspectiva de delineamento dos modos de viver, sentir e agir, posiciona crianas e
adultos como sujeitos em suas comunidades, a partir da determinao de direitos e
deveres para uns e outros, porm no garante o provimento para que ocorra tal
proteo. Contudo, na opinio de Girade e Didonet (2005), uma tarefa quase
impossvel atingir resultados positivos no atendimento aos direitos das crianas sem
que haja previso e execuo oramentria de recursos para tais aes. Na prtica,
afirmam os autores, efeitos concretos s acontecem se o compromisso do Estado,
em suas instncias descentralizadas, for expresso no oramento pblico.
No caminho da construo dos direitos da criana brasileira, muito se desfez
em termos legislativos. Com a implementao do ECA, em 1990, revogou-se o
Cdigo de Menores de 1979, pea discriminatria, assim como a lei de criao da
Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor Funabem. Pela Lei n 8.242, de 12 de
outubro de 1991, criou-se o Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do
Adolescente Conanda, com o objetivo de acelerar a implementao do ECA
(BRASIL, 1991), e, na sequncia, o Programa Nacional de Ateno Integral
Criana e ao Adolescente Pronaica, atravs da Lei n 8.642, de 31 de maro de
1993, para articular e integrar as aes de apoio criana e ao adolescente
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(BRASIL, 1993). Contudo, at meados da dcada de 1990, Marclio (1998) lamenta
que, apesar dos avanos na legislao acerca dos direitos da criana, o caminho da
educao infantil ainda no estava consolidado; muito ainda restava ser feito para
que todas as crianas brasileiras tivessem acesso educao infantil no sistema de
ensino pblico.
Com base nos princpios da CF de 1988, em 20 de dezembro de 1996, foi
sancionada a Ldben. Com tal norma abriu-se novos espaos para a escolarizao e
socializao das crianas brasileiras (BRASIL, 1996c).
Na Ldben de 1996, o artigo 2912 definiu a educao infantil como a primeira
etapa da educao bsica e o artigo 89 determinou que as regulamentaes em
todas as esferas dos entes federados fossem estabelecidas e cumpridas no prazo
de trs anos de forma que creches e pr-escolas passassem a integrar o respectivo
sistema de ensino. Porm, ante os prazos estabelecidos pela Ldben, em 1996, a
expectativa era que o ano de 2000 j se iniciasse com creches e pr-escolas
integradas aos sistemas de ensino pblico estadual e municipal, principalmente.
No obstante, a realidade mostra que tal expectativa efetivamente no aconteceu.
Dentre os motivos para frustrar tal expectativa, salienta-se que a educao
infantil, no ps-Ldben de 1996, vive momento complexo, visto que tal Lei, ao integrar
creches e pr-escolas no sistema de ensino, como primeira etapa da educao
bsica, passou a responsabilidade de operacionalizar tal integrao diretamente
para os municpios, instncia essa com pouca infraestrutura e recursos financeiros e
humanos para atendimento educao infantil. Essa incumbncia legal suscitou
inmeras discusses. Coloca Rosemberg (2003) que, se por um lado, h a busca
pela regulamentao dos servios j existentes na municipalidade, sob a
responsabilidade do setor da educao, por outro, h evidente tentativa de
reintroduzir a antiga concepo de atendimento criana na primeira infncia nos
modelos assistencialistas, deveras conhecidos nos municpios brasileiros, tais como
creches filantrpicas, domiciliares, pr-escolas confessionais, e outros, que firmavam
convnio com o poder pblico federal para obter auxlio financeiro e apoio tcnico
para funcionamento e implementao de polticas de educao.
12
Art. 29. A educao infantil, primeira etapa da educao bsica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criana de at 5 (cinco) anos, em seus aspectos fsico, psicolgico, intelectual e social, comtemplando a ao da famlia e da comunidade. Redao dada pela Lei n 12.796, de 4 de abril de 2013. (BRASIL, 2013b).
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O embate est posto, pois esto em jogo dois modelos de educao infantil, sendo que os chamados alternativos, no-formais, de desenvolvimento infantil vm sendo rejeitados ou questionados por segmentos sociais como modalidades substitutas a creches e pr-escolas completas. Este ltimo modelo entra em conflito com determinaes da LDB e borra o papel de liderana do MEC no momento de implantao da nova Lei. (ROSEMBERG, 2003, p. 37).
Analisa Faria (2003) que, apesar de a educao infantil ser consagrada na CF
de 1988, o incio da sua regulamentao levou uma dcada para garantir o direito
das crianas de zero a seis anos de idade a frequentar creches e pr-escolas, ainda
que no se atenda a todas, considerada a grande demanda nacional. A autora
menciona que foram diversos seminrios realizados em 1997, os quais contaram
com a participao de representantes estaduais de educao e tiveram por objetivo
aprofundar a discusso de temas que oferecessem critrios para que as escolas de
educao infantil pudessem ser devidamente credenciadas e funcionassem
regularmente. Desses encontros, lembra a autora, construiu-se o pioneiro
documento Subsdios para Elaborao de Orientaes Nacionais para a Educao
Infantil e, posteriormente, Subsdios para Elaborao de Diretrizes e Normas para a
Educao Infantil. Em 1998, a Cmara da Educao Bsica do Conselho Nacional
de Educao, por meio do Parecer CNE/CEB n 22, de 17 de dezembro13, que trata
das diretrizes curriculares nacionais para a educao infantil, expressou
reconhecimento da importncia dos movimentos sociais em favor da incluso e
regulamentao da educao infantil na educao bsica, ao afirmar que
[...] a integrao da Educao Infantil no mbito da Educao Bsica, como direito das crianas de 0 a 6 anos e suas famlias, dever do estado e da sociedade civil, fruto de muitas lutas desenvolvidas especialmente por educadores e alguns segmentos organizados, que ao longo dos anos vm buscando definir polticas pblicas para as crianas mais novas. (BRASIL, 1998a, p. 1).
No citado Parecer, o CNE/CEB definiu, ainda, as etapas e fases da educao
infantil e a compreenso sobre o cuidar e educar criana pequena. entendido que
o trabalho nas creches destina-se s crianas de zero a trs anos de idade e nas
pr-escolas ou centros e classes de educao infantil s crianas de quatro a seis
13
Esse Parecer foi homologado pelo MEC em 22 de maro de 1999, e suas normas regulamentares expressas na Resoluo CNE/CEB n 1, de 7 de abril de 1999, que instrui as primeiras diretrizes curriculares nacionais para a educao infantil, a serem observadas na organizao das propostas pedaggicas das instituies de educao infantil integrantes dos diversos sistemas de ensino. (BRASIL, 1998a). Essas normas foram revistas no Parecer CNE/CEB n 20, de 11 de novembro de 2009. (BRASIL, 2009b).
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anos. Afirma o Parecer que as diretrizes, alm de nortear as propostas curriculares e
os projetos pedaggicos, estabelecero paradigmas para a concepo dos
programas de cuidado e educao, com qualidade. (BRASIL, 1998a).
Posteriormente, faz-se anlise sobre a concepo de cuidar e educar no momento
em que so abordadas algumas especificidades das atuais polticas da educao
infantil no Brasil.
Lembra Faria (2003) que, embora a Ldben de 1996 contemplasse a educao
infantil como primeira etapa da educao bsica, o aporte de recursos financeiros
demorou a ser definido, visto que foras contrrias relutaram para repartir a
percentagem de investimentos na educao que, at ento, era destinada quase
que exclusivamente ao ensino fundamental.14 Seguindo por anlise, Campos et al.
(2012) salientam que mesmo que o atendimento criana de zero a seis anos, no
Brasil, exista h mais de cem anos, apenas recentemente, em termos de educao,
a criana pequena, de zero a trs anos, teve reconhecido seus direitos e os direitos
de suas famlias. um avano considervel tal reconhecimento legal do dever do
Estado e do direito da criana ao atendimento em creches e pr-escolas. Os autores
reconhecem esse grande avano exatamente pela vinculao do atendimento rea
educacional.
A CF de 1988, no seu artigo 208, estabelece que o dever do Estado com a
educao ser efetivado mediante garantia de [...] atendimento, em creche e pr-
escola, s crianas at 5 (cinco) anos de idade (BRASIL, 2014a). Tal meno no
texto constitucional evidencia o reconhecimento do carter educativo das instituies
de educao infantil. Nas normas educacionais infraconstitucionais15, esse mesmo
princpio reafirmado, em especial, no ECA de 1990 e na Ldben de 1996,
14
Alm dos dispositivos constitucionais vigentes, forte argumento contrrio distribuio de recursos para financiar a educao infantil era a prpria Ldben, que, por ser norma no mandatria, definia obrigatoriedade de matrcula na educao bsica a partir da etapa do ensino fundamental. Contudo, a Emenda Constitucional n
o 59, de 11 de novembro de 2009, altera os incisos I e VII do art. 208 da CF
de 1988, e torna a educao bsica obrigatria e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)anos de idade, assegurada sua oferta gratuita para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria. (BRASIL, 2009). Com base nessa Emenda, em 4 de abril de 2013, sancionada a Lei n 12.796, que altera art. 4 da Ldben/1996 e torna obrigatria a matrcula na pr-escola aos 4(quatro) anos de idade (inciso I), garante o atendimento ao educando, em todas as etapas da educao bsica, por meio de programas suplementares de material didtico-escolar, transporte, alimentao e assistncia sade (inciso VIII), bem como o art. 6, que define como dever dos pais ou responsveis efetuar a matrcula das crianas na educao bsica a partir dos 4 (quatro) anos de idade. (BRASIL, 2013b). 15
Normas infraconstitucionais so as leis ordinrias ou extraordinrias que, de acordo com a noo de ordenamento jurdico, estejam dispostas em nvel inferior Constituio de 1988, ou seja, so normas, preceitos, regramentos, regulamentos e leis que esto hierarquicamente abaixo da Constituio Federal. (LENZA, 2006).
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documentos balizadores da proteo integral de crianas e adolescentes no Brasil.
Marclio (1998) comenta que o Unicef alerta sobre a importncia da educao
infantil ao conceb-la como nvel de ensino que garante o desenvolvimento pleno da
criana, exatamente porque ofertada no momento propcio para que as crianas
possam desenvolver suas capacidades, habilidades e conhecimentos teis para a
vida toda. Conforme a autora, o Unicef argumenta que a qualidade da educao
infantil proporciona o estabelecimento das bases da personalidade, do
desenvolvimento da inteligncia, da afetividade e da socializao da criana.
Estudos cientficos comprovam que os seis primeiros anos de vida tem uma
importncia crucial para o pleno desenvolvimento do ser humano. Com base nesses
estudos, o Unicef (2009) defende que preciso estabelecer prioridades para que
cada criana tenha garantido o direito sobrevivncia e ao desenvolvimento de suas
potencialidades, elementos determinantes do sucesso ou do fracasso na sequncia
do processo de escolarizao de cada uma. Por tal razo, torna-se necessrio o
aporte de recursos destinados primeira infncia.
Na educao infantil, afirma Faria (2003), as polticas pblicas precisam visar,
sobretudo, a garantia do direito infncia em um ambiente educativo que seja capaz
de permitir o binmio educar e cuidar. Para isso, conclui a autora, fundamental a
otimizao de condies e recursos materiais e humanos voltados ao atendimento
com qualidade. S assim a educao infantil oportunizar ambientes que a criana
consiga ter vida de alegria em um espao educativo, local onde crianas pequenas
possam se expressar na diversidade e conviver com todas as diferenas.
A seguir, analisam-se polticas pblicas empreendidas no Brasil para a
educao infantil, desencadeadas a partir da CF de 1988, que proporcionaram um
legado de textos de importncia capital para a educao brasileira, quais sejam: a
Ldben e o Fundef de 1996, o PNE de 2001, e, mais tarde, o Fundeb de 2006 e o
PNE de 2014.
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4 POLTICAS PBLICAS E A EDUCAO INFANTIL
Apresentou-se, nesse captulo, breve panorama sobre as polticas pblicas
em educao, notadamente, para a educao infantil e como esse nvel se
desenvolve ao longo do tempo, no campo das polticas.
Como toda poltica pblica em educao necessita de recursos para que
possa atingir seus objetivos, motivo de anlise a no incluso da educao infantil
no Fundef, em 1998, bem como efeitos da incluso desse nvel de ensino na Lei que
instituiu o Fundeb, notadamente para atingir as metas do PNE 2014, Lei n 13.005,
de 25 de junho de 2014, ou seja, permitir o acesso de 50% das crianas de zero a
trs anos em c