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ORGANIZADORES Vera Monteiro | Margarida Alves Martins Lourdes Mata | José Morgado Ana Cristina Silva | José Castro Silva | Marta Gomes NO ÂMBITO DO: EDUCAR HOJE: DIÁLOGOS ENTRE PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E CURRÍCULO CENTRO DE EDIÇÕES

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ORGANIZADORESVera Monteiro | Margarida Alves Martins

Lourdes Mata | José MorgadoAna Cristina Silva | José Castro Silva | Marta Gomes

NO ÂMBITO DO:

EDUCARHOJE:

DIÁLOGOS ENTRE PSICOLOGIA,EDUCAÇÃO E CURRÍCULO

CENTRODE EDIÇÕES

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EDUCAR HOJE: DIÁLOGOS ENTRE PSICOLOGIA,

EDUCAÇÃO E CURRÍCULO

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TÍTULO: EDUCAR HOJE: DIÁLOGOS ENTRE PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E CURRÍCULOORGANIZADORES: VERA MONTEIRO, LOURDES MATA, MARGARIDA ALVES MARTINS, JOSÉ MORGADO,

JOSÉ CASTRO SILVA, ANA CRISTINA SILVA, MARTA GOMES

© ISPA-CRLRUA JARDIM DO TABACO, 34 • 1149-041 LISBOA

1ª EDIÇÃO: ABRIL 2019

COMPOSIÇÃO: ISPA – INSTITUTO UNIVERSITÁRIO

ISBN: 978-989-8384-54-6

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EDUCAR HOJE: DIÁLOGOS ENTRE PSICOLOGIA,

EDUCAÇÃO E CURRÍCULO

ORGANIZADORES:

Vera MonteiroLourdes Mata

Margarida Alves MartinsJosé Morgado

José Castro SilvaAna Cristina Silva

Marta Gomes

Edições ISPA

2019

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Í N D I C E

Lista de Autores 1

Nota Introdutória | A Coordenação do XIV Colóquio Internacional de Psicologia e Educação 5

“1, 2, 3 conta-me tu desta vez!”: Programa de leitura dialógica de histórias com crianças de idade pré-escolar | Leonor Moreira Rato, Margarida Alves Martins 7

A atuação dos diretores escolares: Entre limites e necessidades | Maria João de Carvalho, Luciana Salvador Joana 21

Aprender: A conceção de estudantes universitários de um curso na área da educação | Camila Marta de Almeida, Sofia Freire, Juana de Carvalho Ramos Silva, Carolina Carvalho 35

A expressão sonoro musical no desenvolvimento e avaliação em crianças e jovens com necessidades educativas especiais | Ana Rita Laureano Maia, José Morgado 43

A intervenção do psicólogo escolar em contextos de RISCO | Susana Vilarinho, Carolina Carvalho 59

As perdas podem contribuir para o desenvolvimento psíquico?| Cristina Cruz, Helena Ventura, Margarida Pocinho 73

Aspetos afetivos e regulatórios durante o processo de estudo de estudantes do ensino superior | Fátima Leal, Luísa Grácio 85

Bullying e qualidade de interações familiares na perspectiva de estudantes brasileiros | Wanderlei Abadio de Oliveira, Jorge Luiz da Silva, Manoel António dos Santos, Simona Carla Silvia Caravita, Marta Angelica Lossi Silva 105

Comportamento exploratório em relação à carreira de universitários brasileiros de administração: Comparando ingressantes e concluintes| Fernanda Aguillera, Suellen Estevam Bortolotti, Mara de Souza Leal 119

Dependências online: Estudo sobre a perceção da supervisão parental numa amostra de pais de crianças e jovens | Ivone Patrão, Pedro Aires Fernandes 133

Desenvolvimento moral e conceito de mentira nas crianças | Maria José D. Martins, Beatriz Estevão 141

Diferenciação curricular e pedagógica: Dificuldades de concretização nasperceções e representações de professores do ensino básico e secundário emescolas do Alentejo | Maria de Lurdes Moreira, Marília Favinha 157

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Dinâmicas interativas em programas de escrita inventada: Um estudo qualitativo em contexto de jardim-de-infância | Ana Albuquerque, Margarida Alves Martins 169

Estudo longitudinal do desempenho em leitura e perfis cognitivo-linguísticos de bons e maus leitores | Edlia Simões, Margarida Alves Martins 187

Memória e significado dos brinquedos da infância | Maria Cristina Faria, José Pereirinha Ramalho, Adelaide Espírito Santo 203

O impacto de um programa de sensibilização à linguagem escrita nas competências de literacia em crianças de idade pré-escolar | Anabela Reis Antunes, Leonor Moreira Rato, Ana Cristina Silva 217

Percursos de vida de jovens que foram abrangidos por currículos específicos | Maria Teresa Santos, Adelaide Espírito Santo, José Pereirinha Ramalho, Maria Cristina Faria, Cesário Almeida, José Pedro Fernandes, José António Espírito 231

“Remar contra a maré” de uma avaliação burocrática | Maria Isabel Lopes da Silva 247

Escala de autoeficácia para psicólogos em contexto escolar: Processo de construção | Solange Ester Koehler, Lourdes Mata 261

Práticas de literacia familiar – Conceções de papel e perceções de eficácia em famílias de crianças no início de escolaridade: Estudo longitudinal | Lourdes Mata, Patrícia Pacheco, Maria José Mackaaij 277

Uma proposta didático-pedagógica para a aprendizagem de física no ensino médio | Matheus Fernandes Mourão, Gilvandenys Leite Sales 295

Utilização saudável da internet no contexto educativo: O projeto escolas online | Raul Melo, Pedro Aires Fernandes, Ivone Patrão 311

Vozes dos alunos sobre feedback: Um estudo no ensino superior | Juana de Carvalho Ramos Silva, Carolina Fernandes de Carvalho, Camila Marta de Almeida, Sofia Freire 325

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Lista de Autores

ADELAIDE ESPÍRITO SANTO ([email protected]), Instituto Politécnico de Beja

ANA ALBUQUERQUE ([email protected]), Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa

ANA CRISTINA SILVA ([email protected]), Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa

ANA RITA LAUREANO MAIA ([email protected]), Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa

ANABELA REIS ANTUNES ([email protected]), Centro de Bem Estar Infantil de Vila Franca de Xira

BEATRIZ ESTEVÃO ([email protected]), Instituto Politécnico de Portalegre

CAMILA MARTA DE ALMEIDA ([email protected]), Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

CAROLINA CARVALHO ([email protected]), Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

CESÁRIO ALMEIDA ([email protected]), Instituto Politécnico de Beja

CRISTINA CRUZ ([email protected]), Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos dos Louros, Funchal

EDLIA SIMÕES ([email protected]), University of Saint Joseph, USA /

/ Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa

FÁTIMA LEAL ([email protected]), Universidade de Évora

FERNANDA AGUILLERA ([email protected]), Universidade Federal de São Paulo, Brasil

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GILVANDENYS LEITE SALES ([email protected]), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Brasil

HELENA VENTURA ([email protected]), Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos dos Louros, Funchal

IVONE PATRÃO ([email protected]), Applied Psychology Research Center Capabilities and Inclusion,

ISPA – Instituto Universitário, Lisboa

JORGE LUIZ DA SILVA ([email protected]), Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde, Universidade de Franca, Brasil

JOSÉ ANTÓNIO ESPÍRITO SANTO ([email protected]), Instituto Politécnico de Beja, Beja, Portugal

JOSÉ MORGADO ([email protected]), Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa

JOSÉ PEDRO FERNANDES ([email protected]), Instituto Politécnico de Beja

JOSÉ PEREIRINHA RAMALHO ([email protected]), Instituto Politécnico de Beja

JUANA DE CARVALHO RAMOS SILVA ([email protected]), Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

LEONOR MOREIRA RATO ([email protected]), Centro de Bem Estar Infantil de Vila Franca de Xira

Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa

LOURDES MATA ([email protected]), Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário

LUCIANA SALVADOR JOANA ([email protected]), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro /

/ Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Universidade do Porto

LUÍSA GRÁCIO, Universidade de Évora

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MANOEL ANTÔNIO DOS SANTOS ([email protected]),Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Univ. São Paulo, Brasil

MARA DE SOUZA LEAL ([email protected]), Universidade de São Paulo, Brasil; Universidade do Minho

MARGARIDA ALVES MARTINS ([email protected]), Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa

MARGARIDA POCINHO ([email protected]), Universidade da Madeira

MARIA CRISTINA FARIA ([email protected]), Instituto Politécnico de Beja

MARIA DE LURDES MOREIRA ([email protected]), Departamento de Pedagogia e Educação, Universidade de Évora

MARIA ISABEL LOPES DA SILVA, Direção Geral da Educação, Ministério da Educação, Lisboa

MARIA JOÃO DE CARVALHO ([email protected]), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro /

/ Centro de Investigação e Intervenção, Universidade do Porto

MARIA JOSÉ D. MARTINS ([email protected]), Instituto Politécnico de Portalegre, VALORIZA /

/ Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

MARIA JOSÉ MACKAAIJ ([email protected]), Biblioteca Municipal de Loulé

MARIA TERESA SANTOS ([email protected]), Instituto Politécnico de Beja

MARÍLIA FAVINHA ([email protected]), Departamento de Pedagogia e Educação, Universidade de Évora

MARTA ANGELICA LOSSI SILVA ([email protected]),

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Univ. São Paulo, Brasil

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MATHEUS FERNANDES MOURÃO ([email protected]), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Brasil

PATRÍCIA PACHECO ([email protected]), Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa

PEDRO AIRES FERNANDES ([email protected]), Câmara Municipal de Odivelas

RAUL MELO ([email protected]), Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, Lisboa

SIMONA CARLA SILVIA CARAVITA ([email protected]), Facoltà di Psicologia, Università Cattolica del Sacro Cuore

SOFIA FREIRE ([email protected]), Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

SOLANGE ESTER KOEHLER ([email protected]), ISPA – Instituto Universitário, Lisboa /

/ Instituto Federal Farroupilha, Brasil

SUELLEN ESTEVAM BORTOLOTTI ([email protected]), Universidade Metodista de Piracicaba, Brasil

SUSANA VILARINHO ([email protected]), Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

WANDERLEI ABADIO DE OLIVEIRA ([email protected]), Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Univ. São Paulo, Brasil

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Nota Introdutória

Nos dias 9 e 10 de julho de 2018 realizou-se em Lisboa, no ISPA –Instituto Universitário, o XIV Colóquio Internacional de Psicologia eEducação, subordinado ao tema geral “Educar Hoje: Diálogos entrePsicologia, Educação e Currículo”.

O evento, organizado pelo Departamento de Psicologia da Educaçãoe o Centro de Investigação em Educação do ISPA – InstitutoUniversitário (CIE-ISPA), pretendeu criar um espaço de encontro entreos actores do universo da Psicologia e da Educação no âmbito dainvestigação e da intervenção, desde a educação de infância ao ensinosuperior, promovendo trocas interdisciplinares que promovessem apartilha de conhecimento e a divulgação de práticas em contextos edu-cativos, formais ou informais.

Vivem-se tempos caracterizados por rápidas mudanças sociais, cul-turais e científicas e pela diversidade das comunidades educativas.Esta nova realidade exige contínua reflexão sobre o conhecimento e aintervenção da Psicologia, em particular, no domínio da Educação,pelo que a estruturação de espaços de divulgação e discussão de natu-reza interdisciplinar são cruciais.

Neste XIV Colóquio Internacional de Psicologia e Educação foramapresentadas conferências, simpósios e comunicações de temáticasdiferenciadas procurando justamente o alargamento e partilha de conhe -cimentos e práticas. Consideraram-se como pertinentes Avaliação emContexto Educativo, Contextos Educativos e Comportamentos,Contextos sociais e Desenvolvimento, Diversidade e Educação, Educa -ção, Família(s) e Comunidade, Ensinar e Aprender, Interculturalidade eEducação, Literacia e Educação, Motivação e Emoções e Problemáticasdo Currículo.

Destas apresentações resultaram textos que dão conteúdo a este e-book. A sua divulgação tem como objetivo disponibilizar informa-ção que possa contribuir para um aprofundamento da reflexão das

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temáticas abordadas, sendo que os conteúdos apresentados são da res-ponsabilidade dos seus autores.

Agradecemos a todos aqueles que tornaram possível a realizaçãodeste Colóquio Internacional, em particular aos participantes e orado-res convidados. Agradecemos ao ISPA-Instituto Universitário peloapoio institucional bem como ao CIE-ISPA pelo suporte científico eorganizativo.

Agradecemos ainda a todos os colaboradores do ISPA, estudantes eprofessores que nos ajudaram a realizar com sucesso este evento.

Com a colaboração deste leque diversificado de pessoas e estrutu-ras, a quem renovamos o agradecimento, foi possível atingir o nossoobjetivo também traduzido neste e-book.

A Coordenação do XIV Colóquio Internacional de Psicologia eEducação

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“1, 2, 3 conta-me tu desta vez!”: Programa de leitura dialógica de histórias com crianças de idade pré-escolar

Leonor Moreira RatoMargarida Alves Martins

Resumo: Pretendemos com este estudo investigar, se um programa de leituradialógica com crianças em idade pré-escolar, tem implicações no desenvol -vimento da sua linguagem oral, especificamente, ao nível do reconto de histó-rias. Esta investigação contou com a colaboração de 26 crianças de 5 anos deidade. A presente investigação é de natureza quase-experimental, sendo com-posta por várias fases sequenciais: (1) fase de pré-teste, na qual as criançasforam submetidas a uma avaliação individual; (2) fase de intervenção, na qualforam estabelecidos 2 grupos-um grupo experimental com quem foi implemen -tado um programa de leitura dialógica e um grupo de controlo com quem foidesenvolvido um programa de leitura tradicional; (3) fase de pós-teste, comvista a uma nova reavaliação nas mesmas áreas do pré-teste. É possível obser-var a partir dos resultados que no pré-teste o grupo experimental e de controloapresentam resultados relativamente próximos e que após a implementação dosprogramas as crianças do grupo experimental tiveram melhores resultados noreconto de histórias, comparativamente com as crianças do grupo de controlo.Diremos em conclusão que a leitura dialógica de histórias parece ser uma práti-ca a incorporar no quotidiano das rotinas de jardim-de-infância.

Palavras-chave: Leitura dialógica, Leitura de histórias, Crianças de idade pré-escolar.

Introdução

A aprendizagem da leitura e da escrita é um processo gradual quecomeça desde cedo, antes da entrada no ensino formal. É através dasdiferentes oportunidades que são dadas às crianças de exploração econtacto informal com a leitura e a escrita, precocemente, nos maisdiversos contextos como na escola ou em casa, que as crianças vãoadquirindo conhecimentos sobre aquilo que significa ler e escrever.

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Este estudo foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia(UID/CED/04853/2016)

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Estes contactos precoces potenciam também o prazer e motivação paraelas próprias querem vir a aprender a ler e a escrever. Deste modo, temhavido uma preocupação crescente em promover hábitos de leitura emcrianças de idade pré-escolar, estimulantes e com sentido para as crian-ças.

Nos últimos anos têm sido desenvolvidos muitos trabalhos de inves-tigação que demonstram os benefícios subjacentes à prática de leiturade histórias (Gonzalez et al., 2014; Pagan & Sénéchal, 2014; Towson& Gallagher, 2016). Vários autores consideram que a leitura de histó-rias promove, de forma lúdica competências de pré-literacia cruciaispara a sua entrada no ensino formal (NICHD Early Child CareNetwork, 2005; Whitehurst & Lonigan, 1998).

Uma das competências de pré-literacia que a leitura promove é a lin-guagem. Ler livros às crianças permite-lhes aprenderem novas pala-vras – expandir o seu vocabulário e aprofundar a sua compreensão(Pagan & Sénéchal, 2014).

A leitura de histórias é uma prática que possibilita às crianças não sódesenvolverem a sua linguagem, como promove a exploração e toma-da de consciência sobre as características da linguagem escrita comsentido e de forma contextualizada. Aprendem a reconhecer letras,sinais de pontuação, implicitamente compreendem que existe umadireccionalidade da escrita (se escreve de cima para baixo e da esquer-da para a direita) e que aquilo que dizemos pode ser representado atra-vés da escrita (Mata, 2008).

Alves Martins e Niza (2014), realçam esta ideia afirmando que a lei-tura de histórias é um contexto propício no qual as crianças se fami-liarizam com a linguagem escrita e aprendem a prestar atenção ao textoenquanto fonte principal de significado. Foi ainda demonstrado poroutros autores que é uma oportunidade para as crianças verem lerfluentemente e irem adquirindo comportamentos de leitor (como osegurar num livro, ou o virar das páginas). Outros autores referem quea leitura de histórias promove o pensamento crítico e permite ter umconhecimento cada vez mais aprofundado sobre o mundo, tal comofomenta a criatividade e imaginação, resultado da introdução de per-

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sonagens e das sequências da narrativa (Jonhston, 2016; Mata, 2008;Pickman, Kaefer, & Neuman, 2014).

Importa mencionar que, mais do que a quantidade de livros que sãolidos, os benefícios da leitura prendem-se com a forma como a leituraé feita. Se um leitor demonstrar entusiasmo, se o livro abordar temáti-cas do interesse da criança e se a criança tiver um papel ativo durantea leitura, criar-se-á um contexto em que se promove uma maior moti-vação e prazer pela leitura, e que, por sua vez, fará com que as crian-ças peçam mais frequentemente para lhes lerem, demonstrem maiorinteresse, estejam mais atentas e retirem maior partido das aprendiza-gens que podem realizar a partir desta prática (Mata, 2004; Trivette &Dunst, 2007).

Assim, a leitura de histórias é vista como uma atividade funda -mental a desenvolver precocemente, através da qual são trabalhadascompetências imprescindíveis para o sucesso na aprendizagem da lei-tura e da escrita.

Leitura dialógica

Trivette e Dunst (2007) defendem que existem três tipos de leiturade histórias – a tradicional, a interativa e a dialógica. De acordo comestes autores, a leitura tradicional de histórias caracteriza-se pela leitu-ra por um adulto de um livro para uma criança ou para um pequenogrupo de crianças, sem que haja lugar a quaisquer tipos de interaçõespor parte das crianças. A leitura interativa de histórias, de forma dis-tinta, envolve a leitura de um livro por um adulto usando uma varie-dade de técnicas com o objetivo de envolver a criança no texto. E porfim, a leitura dialógica de histórias, sobre a qual se debruça esta inves-tigação e que “é uma leitura de livros ilustrados partilhada e interativa,que foi concebida para melhorar a linguagem e as competências deliteracia das crianças” (Trivette & Dunst, 2007; WWC, 2007, p. 1).

O conceito de leitura dialógica de histórias surgiu com um estudo deWhitehurst et al. (1988), no qual realizaram uma intervenção de ummês com um grupo de 29 crianças com idades entre os 21-35 meses declasse média, que tinha como principal objetivo melhorar as práticas

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de leitura de histórias pelos pais. Os autores concluíram com este estu-do que, mais do que a interação, o uso de técnicas específicas durantea leitura que incentivavam as crianças a participar ativamente, como o“fazer perguntas às crianças sobre as imagens e as histórias”, tinhamefeitos positivos no desenvolvimento da sua linguagem (Zevenbergen& Whitehurst, 2003).

A leitura dialógica em si envolve uma troca de papéis entre o adul-to e a criança, na qual o adulto funciona como um ouvinte ativo e ques-tionador, enquanto a criança aprende a tornar-se a contadora da histó-ria (Trivette & Dunst, 2007; WWC, 2007). Este tipo de leitura poten-cia diferentes aprendizagens, uma vez que a criança tem um papel maisatuante durante a leitura, no qual lhe são dadas oportu nidades de falar,fazer perguntas, explicar palavras desconhecidas e de repetir e expan-dir as suas respostas (Pullen & Justice, 2003, citado por Ergul et al.,2016).

Para fomentar a participação ativa das crianças durante a leitura dia-lógica, foram criados dois acrónimos – PEER e CROWD que são astécnicas específicas que caracterizam este tipo de leitura:

– A técnica PEER refere-se a Prompt Evaluation Expand Repeat e tem por obje-tivo providenciar um feedback corretivo e expandir as respostas das crianças(Zevenbergen & Whitehurst, 2003): (a) Prompt destina-se a incentivar a crian-ça a participar na conversação sobre o livro; (b) Evaluation – avaliar as inter-venções das crianças; (c) Expand – aumentar o número de respostas das crian-ças; (d) Repeat – repetir com vista a uma maior interiorização;

– No contexto do Prompt (um sistema de pistas), é utilizada a metodologiaCROWD, que tem como objetivo ajudar os professores (ou leitores em geral) aestimular a criança durante a leitura. (a) Completion prompts – pedir à criançaque complete frases da história; (b) Recall prompts – recordar/ajudas memória– realizar perguntas à criança sobre as personagens ou acontecimentos da histó-ria para que se lembre da história; (c) Open-ended prompts – perguntas abertas– encorajar a criança a responder a perguntas sobre o livro pelas suas própriaspalavras (“agora é a tua vez, fala-me sobre esta página”); (d) Why prompts – por-quês (o quê? como? porquê? onde?) – para aferir a sua perceção das imagens dolivro e/ou a história; (e) Distancing prompts – relacionar- para estimular a rela-ção entre a história e acontecimentos da sua vida (Ergul et al., 2016;Zevenbergen & Whitehurst, 2003).

Ao longo das últimas décadas, os benefícios da leitura dialógica têmsido evidenciados por inúmeros estudos. Vários autores defendem que

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a leitura dialógica no pré-escolar contribui para um maior desenvolvi-mento da linguagem, em particular ao nível do vocabulário recetivo eexpressivo de crianças tanto de estatuto socioeconómico alto comobaixo (Arnold, Loningan, Whitehurst, & Epstein 1994; Hargrave &Sénéchal, 2000; Zevenbergen & Whitehurst, 2003). Estes últimosautores após realizarem uma intervenção de leitura dialógica em qua-tro centros de Head Start, com 123 crianças de 4 anos acrescentam,também, que o reconto de histórias é outra das competências que podeser melhorada quando são lidos às crianças livros de forma dialógica.Estes autores observaram que após a intervenção as crianças incluíamnas suas narrativas um maior número de elementos de avaliação, esta-dos internos de personagens e diálogo. De forma similar, Lever eSénéchal (2011) vieram demonstrar que as crianças de 5-6 anos quetinham sido expostas a um programa de 8 semanas de leitura dialógi-ca, apresentavam narrativas de reconto mais estruturadas. E por fim,outros autores consideram que a leitura dialógica estimula um maiorinteresse na criança pela leitura e pelos livros (Pilinger & Wood,2014).

Em síntese, Arnold et al. (1994) e Hargrave e Sénéchal (2000) con-sideram que há três vetores que caracterizam a leitura dialógica:

(1) Encorajar a criança a participar;

(2) Providenciar feedback à criança;

(3) Adaptar o estilo de leitura às habilidades linguísticas das crianças.

Dada a inexistência de estudos realizados em Portugal que atestema eficácia deste tipo de intervenção, consideramos pertinente investi-gar se um programa de leitura dialógica com crianças de idade pré-escolar tem implicações no desenvolvimento da sua linguagem oral, aonível do reconto de histórias Colocámos a seguinte hipótese: criançasem idade pré-escolar sujeitas a um programa de intervenção de leituradialógica têm melhores resultados no reconto de histórias no pós-teste,em comparação com crianças que foram expostas a um programa deleitura tradicional.

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Metodologia

Participantes

Participaram neste estudo 26 crianças com 5 anos de idade (médiade 64.89 meses, com um desvio padrão de 3.64), que frequentavam oensino pré-escolar de uma Instituição de Solidariedade Social (IPSS),do Concelho de Vila Franca de Xira.

Estas crianças pertenciam a 3 salas heterogéneas (3, 4 e 5 anos); emcada uma delas, as crianças foram divididas aleatoriamente, em doisgrupos – experimental e de controlo. O grupo experimental foi consti-tuído por 12 crianças (4 de cada sala) e o grupo de controlo pelas res-tantes 14 crianças (3, 5 e 6 em cada sala).

Instrumentos e procedimentos

Avaliação do reconto. Para avaliar o reconto da narrativa foi pedidoàs crianças que ouvissem com atenção a história dos Três Porquinhos.De seguida foi-lhes solicitado que fizessem o seu reconto. Nos casosem que as crianças revelaram maiores dificuldades, foram incentivadasa olhar para as imagens e a relatar o que estava a acontecer. Cada umdos recontos das crianças foi gravado e posteriormente transcrito ecotado de acordo com uma grelha realizada para o efeito. A grelha decorreção do reconto foi elaborada a partir do esquema da narrativa. Narealização deste esquema, inicialmente começamos por dividir a histó-ria em 3 categorias – Introdução, desenvolvimento e conclusão.Contemplamos na introdução o quadro e o acontecimento inicial; nodesenvolvimento, a resposta interna; e por fim na conclusão a conse-quência direta e a reação. Considerámos assim 13 segmentos proposi-cionais nesta história. Cada segmento proposicional referido pelascrianças durante o reconto foi entre 0 a 2 pontos, conforme fosserecontado de forma mais ou menos completa. Consideremos o primei-ro segmento da história – “Era uma vez três porquinhos que viviam emcasa com a sua mãe, o seu pai e os seus irmãos. A casa era pequena equando nasceram novos irmãos não havia espaço para todos”. Às

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crianças que recontassem: “Os porcos” – era-lhes atribuído 0 pontos;As que dissessem: “Era uma vez três porquinhos” – 0.5 pontos; “Erauma vez três porquinhos que viviam em casa com mãe, o seu pai e osseus irmãos” – 1 ponto; os que diziam: “Era uma vez três porquinhosque viviam com a sua mãe, o seu pai, e os seus irmãos e já não haviaespaço para todos” – 1.5 pontos, e aqueles que recontavam com todosos segmentos que anteriormente foram mencionados e acrescentavam“que não havia espaço para todos “ era-lhes atribuído a pontuaçãomáxima de 2 pontos. Ou seja, quanto mais detalhes no reconto, maiorseria a sua pontuação. A pontuação final nesta tarefa variava entre 0 e26, sendo que 26 era pontuação máxima que uma criança podia obter.

Importa referir que, cada criança foi avaliada de forma individualnuma sala à parte, com um ambiente calmo, que lhe permitisse respon -der às tarefas propostas o melhor possível. Todas as tarefas desta ava-liação duravam aproximadamente 10/15 minutos.

Os dados foram recolhidos em dois momentos distintos, tendo o pri-meiro o pré-teste sido realizado entre novembro e dezembro; e apósimplementação do programa, entre março e abril, teve lugar uma rea-valiação com recurso aos mesmos instrumentos utilizados no pré-testeacima descritos.

Programa de intervenção de leitura dialógica. O programa de leitu-ra dialógica teve a duração de 6 semanas, com 2 sessões por semana,cada uma com, aproximadamente, a duração de 10-15 minutos. A his-tória foi lida a 4 crianças, que pertenciam ao grupo experimental, emcada uma das 3 salas. O programa foi constituído por 12 sessões.

Foram utilizados 6 livros e cada um deles foi lido duas vezes. Oslivros foram escolhidos de acordo com 5 princípios: (1) introduziremnovo vocabulário; (2) serem constituídos por ilustrações coloridas paraapoiar a narrativa; (3) não terem texto muito extenso; (4) serem apro-priados à idade; (5) e não terem sido lidos anteriormente.

Antes de iniciar a leitura, mostrávamos a capa, contracapa e folha derosto do livro. Posteriormente era lido o título e eram feitas várias ques -tões com o objetivo de envolver a criança e suscitar a sua curiosidade

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e interesse pela história, nomeadamente: “Sobre o que falará esta his-tória?”; “O que será que vai acontecer?”, entre outras.

Da primeira vez que a história era lida, era feita referência ao novovocabulário e às imagens; no entanto, o objetivo principal era quecompreendessem a narrativa. A leitura era feita de forma pausada, otom de voz adequado eram feitos alguns sons (ex., “Grrrr….”; “ploc,ploc”) consoante fossem aparecendo na história para suscitar a suacuriosidade e maior atenção.

Na segunda leitura as crianças eram questionadas (e.g., “Lembram-sesobre de que é que esta história falava?”; “o que é que isto queriadizer?”) e à medida que se começava a virar as páginas e a ler a histó-ria já eram as próprias crianças que a contavam.

A interação que se segue ilustra algumas das perguntas realizadaspela investigadora na segunda leitura do livro “O grande assalto aoqueijo”:

Investigadora: “Ainda se lembram desta história?”

Crianças: “sim. O grande assalto ao queijo.”

Investigadora: “Muito bem! E lembram-se sobre o que é que falava esta história?”

Crianças: “Falava sobre o medo”.

Investigadora: “Sobre o medo, porquê? O que é que os ratos foram lá fazer?”

Crianças: Os ratos foram lá roubar o queijo. E o papá elefante ficou muito assusta-do porque tinha muito medo de ratos.

Investigadora: “Então vamos lá ler esta história. Vocês gostaram tanto que agoravão-me ajudar a contar!”

Investigadora: “Na verdade havia uma coisa da qual o papá elefante tinha medo?”

Crianças: “De ratos...”

Investigadora: “Exactamente!”

Investigadora: “E vocês têm medo de alguma coisa?”

Crianças: “Eu tenho medo do escuro; Eu não gosto muito de aranhas.”

Após a leitura, era sempre pedido às crianças que recordassem aspalavras que tinham aprendido com aquela história, fizessem o recon-to da história e por vezes eram ainda feitos paralelismos entre a histó-ria e a vida pessoal das crianças.

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Programa do grupo de controlo. O grupo de controlo realizou umprograma de leitura tradicional que teve a mesma duração que o pro-grama de leitura dialógica – 6 semanas, bem como o mesmo númerode sessões – 12 sessões e foram igualmente lidos os mesmos livros,duas vezes por semana.

O que distinguiu este programa do de leitura dialógica foi o facto deas histórias serem lidas pelo educador de infância dessas crianças deforma tradicional. O número de crianças deste grupo variou consoanteo número de crianças de 5 anos que a sala tinha.

Resultados

Apresentam-se na Tabela 1 as médias e os desvios-padrão referen-tes ao grupo experimental e de controlo, obtidos no reconto da histó-ria.

Tabela 1

Médias e desvios-padrão do grupo experimental e de controlo no prée pós testes referentes ao Reconto de Histórias

Reconto

Pré-teste Pós-teste

M D.P M D.P

G. E. 8.46 3.65 14.33 5.26G.C. 6.43 2.54 07.54 5.50

Nota. M=Média; DP=Desvio-Padrão; G.E.=Grupo Experimental; G.C.=Grupo de Controlo.

Como é possível observar na Tabela 1, no pré-teste ambos os gru-pos apresentam médias relativamente similares com resultados ligeira-mente superiores por parte do grupo experimental. No pós-teste ascrianças do grupo experimental melhoraram significativamente os seusrecontos, comparativamente às crianças do grupo de controlo.

Para verificar o impacto do programa foi realizada uma ANCOVAutilizando como variável independente o grupo, como covariável os

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resultados do reconto no pré-teste e variável dependente os resultadosdo reconto no pós-teste.

Os resultados obtidos demonstram que existem diferenças estatis-ticamente significativas entre os grupos [F(1,23)=7.35, p<.05,h2=.24].

No pré-teste as crianças dos dois grupos realizaram recontos pou-cos estruturados como se pode observar nos seguintes exemplos:Grupo experimental: “O primeiro porquinho fez uma casa amarelaigual à minha cama”; Grupo de controlo: “O primeiro porquinho umacasa de palha”. Grupo experimental: “Depois soprou, soprou a casa doporquinho, deitou a casa abaixo” ou “O lobo soprou muito, muito fortee mais forte e soprou, soprou”. Grupo de controlo: “A casa do porqui-nho foi até abaixo”.

No pós-teste as crianças do grupo experimental realizaram umreconto muito mais estruturado, respeitando as sequências de narrativaassim como mais completo no qual atendem aos pormenores contraria -mente ao que tinha feito no pré-teste. Apresentam-se alguns exemplosque ilustram esta melhoria: Pré-teste: “Existiam três porquinhos, masnão cabiam dentro da casa era muito pequena”; Pós-teste: “Era umavez três porquinhos, que viviam com a mãe, o pai e os irmãos. A casaera pequena e quando nasceram novos irmãos não havia espaço paratodos”. Verifica-se que do pré para o pós-teste a criança tem uma maiorpreocupação em produzir frases mais estruturadas, nas quais já incluio motivo que os levou a sair de casa, denotando que aprendeu asequência da narrativa, conseguindo descrever os momentos fulcraisda história. É ainda possível observar esta evolução quando, por exem-plo, enunciam cada uma das casas que os irmãos foram construir.Assim, no pré-teste: “O primeiro fez uma casa amarela igual à minhacama; o outro fez uma casa de árvores porque havia um grande bos-que”. No pós-teste: “O primeiro porquinho fez uma casa de palha; osegundo construiu uma casa de madeira e o terceiro porquinho, o maisvelho, construiu uma casa de tijolos”.

Comparativamente, as melhorias das crianças do grupo de controlonão são tão significativas, não descrevendo os pormenores, esquecendo--se por vezes de contar toda a história, como se pode verificar no

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exemplo que se segue: No pré-teste: “E depois o lobo soprou comforça e a casa foi abaixo”. No pós-teste “Depois foi a casa do outroirmão e disse: Abre-me a porta, porquinho, se não vou deitar a casa…”.É ainda notório, que apesar da melhoria, no pós-teste a criança aindanão identifica a casa do irmão a que foi e não termina a frase.

Discussão

Com o presente estudo procurámos investigar se um programa deleitura dialógica com crianças de idade pré-escolar tem implicações nodesenvolvimento da linguagem oral especificamente ao nível doreconto de histórias.

Os resultados obtidos vieram confirmar o impacto positivo do pro-grama ao nível do reconto. As diferentes estratégias utilizadas durantea leitura dialógica, em particular, as perguntas feitas para que assimi-lassem os aspetos principais das histórias, as pistas dadas e o recontoque lhes era pedido após a primeira leitura, permitiram que as criançasretivessem e recordassem, com maior facilidade, os aspetos cruciais dahistória e a conseguissem reproduzir de forma mais pormenorizada erespeitando a narrativa. Foi igualmente possível observar que as crian-ças usavam nos seus recontos as palavras novas que tinham aprendidoe que ainda não eram habitualmente utilizadas pelas crianças nestaidade.

Foi notório ao longo das 12 sessões a preocupação crescente dascrianças em respeitar a estrutura da narrativa e em atender, progres -sivamente, aos seus pormenores. No pré-teste as crianças de ambos osgrupos recontavam a história de uma forma muito simplista, incluíamaspetos exteriores e, por vezes, faziam alguma confusão na reproduçãodas sequências. Já no pós-teste as crianças do grupo experimental apre-sentaram nítidos avanços, referindo nos seus recontos um maior núme-ro de detalhes relativos às ações das personagens, aos materiais queutilizavam, aos próprios diálogos e expressões utilizados, que espelha-vam a maior preocupação que tinham em incluir pormenores e em res-

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peitar a estrutura da narrativa. As melhorias atestadas vão de encontrocom os estudos anteriores de Zevenvergen, Whitehurst e Zevenbergen(2003) e Lever e Sénéchal (2011), que defendem que as crianças queparticipam em programas de leitura dialógica melhoram substancial-mente os seus recontos em comparação com crianças que foram expos-tas a um programa de leitura tradicional.

Neste programa o adulto funcionou como intermediário – utilizan-do uma variedade de técnicas como fazer perguntas, pedir às criançasque antecipassem os conteúdos da história, falassem sobre as imagens– para incentivar o gosto e a participação de todas as crianças na leitu-ra, em particular aquelas que apresentavam maiores dificul dades.

Outro dos aspectos que caracterizou este programa foi o facto deos livros escolhidos não terem sido lidos anteriormente, terem imagensatrativas, serem apropriados à idade e terem textos pouco extensos,assim como os grupos constituídos terem integrado um número redu -zido de crianças (4 por grupo) o que contribuiu para um maior à von-tade, participação e entre ajuda entre as crianças durante a leitura.

Os benefícios alcançados nesta investigação no que respeita aoreconto de histórias reforçam a importância da promoção de progra -mas de leitura dialógica em idade pré-escolar. Este estudo demonstrouque, a utilização de estratégias que potenciam a participação ativa dascrianças em eventos de leitura, fomentam a aquisição de ferramentascruciais para que as crianças sejam futuros leitores. É importante refe-rir, ainda, que a leitura dialógica não promove apenas aspetos relacio-nados com a literacia mas também as relações de grupo: como o ques-tionar, o refletir, o respeitar a opinião do outro, a criatividade e auto-estima e que a utilização da leitura dialógica não é onerosa, não impli-cando meios adicionais aos que são requeridos na leitura tradi cional,mas apenas que o leitor utilize estratégias específicas que promovamouvintes activos e pequenos contadores de histórias. Uma das limita-ções deste estudo prende-se com o facto do programa de leitura dialó-gica e o programa de leitura tradicional não terem sido realizados pelamesma pessoa, nem no mesmo contexto, o que poderá ter tido influên-cia nos resultados. Em estudos futuros seria importante que o progra-

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ma fosse realizado em contexto de sala de jardim-de-infância peloseducadores.

Consideramos também que em estudos futuros seria pertinente afe-rir os efeitos que este programa de leitura dialógica de histórias no pré-escolar tem a posteriori no primeiro ciclo. Poderá ainda proceder-se àrealização de estudos similares que incluam crianças de diferentes fai-xas etárias, com estatutos socioeconómicos distintos e em escolas tantopúblicas como privadas.

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A atuação dos diretores escolares: Entre limites e necessidades

Maria João de CarvalhoLuciana Salvador Joana

Resumo: A necessidade de as organizações e as suas lideranças se adaptarem àexigente dinâmica atual foi o que mais contribuiu para engrossar o léxico peda-gógico com os conceitos de líder e liderança, situação a que não é alheio o con-texto educativo português. O Decreto-Lei nº 75/2008 formaliza-o de modo bas-tante reforçado quando reconhece importância às dimensões da gestão e da lide-rança para o desenvolvimento de uma escola mais autónoma e de qualidade.Enquadramento que justifica a criação do cargo de diretor, constituindo umórgão unipessoal, “para que em cada escola exista um rosto, um primeiro res-ponsável” (Preâmbulo, p. 2342).Neste âmbito, foi nosso objetivo conhecer se as representações e as práticas deliderança deste órgão de gestão enforma as decretadas características do “refor-ço de liderança” no que respeita ao favorecimento de resultados escolares e docomportamento dos alunos.O nosso trabalho compreendeu uma opção metodológica de natureza qualitati-va sobre 5 agrupamentos de escola situados na região do Alto Douro, sendo quea recolha de dados foi realizada entre o período que mediou entre 2016-2017.Fez-se uso da análise documental, que incidiu sobre os documentos estruturan-tes, e da entrevista semiestruturada realizada aos diretores. A interpretação dosdados foi feita através da análise de conteúdo associada à utilização do MAXQ-DA.Foi possível concluir que os objetivos inclusos no decreto supracitado, na maiorparte dos casos, estão longe de serem atingidos, sendo que nas situações em queparece existir alguma melhoria ela não é consequência direta da unipessoalida-de da gestão.

Palavras-chave: Liderança, Gestão, Diretor escolar.

Introdução

Explícita e implicitamente a racionalidade tecnocrática tem assumi-do grande centralidade e protagonismo ao incorpora decisões e reco-mendações a nível das políticas educativas desenvolvidas a partir dadécada de 80, em estreita ligação com a ideologia da modernização. Oano de 1986 já se tinha apresentado, pelas condições de relativa esta-bilidade política, como o mais favorável à execução de uma reforma

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no sistema educativo que apresentará uma tendência marcadamenteassente na ideologia da modernização, reportando a regulação da edu-cação ao modelo empresarial (Lima, Afonso, 1993), revelando aimportação dos ideais da racionalização, de aumento de eficácia e efi-ciência, de aumento de qualidade e produtividade. Esta tendência demercado no setor educativo, introduzida por influência neoliberal,dilui as finalidades sociais que a escola contempla e reconverte-a emuma organização cujo funcionamento é plagiado do empresarial.

Este é o contexto favorável à implementação do Decreto-Lei nº75/2008 que assume a importância de lideranças unipessoais como oremédio para alguns dos problemas com os quais a organização escolarse depara e que são uma consequência da sua grandeza e complexida-de.

Assim, visando conhecer se as representações e as práticas de lide-rança do órgão de gestão enformam as decretadas características do“reforço de liderança”, no que respeita ao favorecimento de resultadosescolares e ao comportamento dos alunos, realizamos uma investiga -ção em cinco agrupamentos de escola/escola não agrupada na regiãodo Alto Douro, à custa da entrevista semiestruturada, no total de 20,realizada aos diretores, a elementos do Conselho Geral e docentes semcargo, sendo que a interpretação dos dados foi feita através da análisede conteúdo associada à utilização do MAXQDA.

A unipessoalidade na gestão: O diretor

O modelo de unipessoalidade na gestão, preconizado pelo Decreto--Lei nº 75/2008, de 22 de abril, “como uma das mais necessárias medi-das de reorganização do regime de administração escolar”, rompeucom mais de 30 anos de gestão colegial das escolas públicas portu-guesas sob a égide de “reforçar a liderança”, tornando-a mais eficaz aomesmo tempo que dota a escola de um “rosto a quem assacar respon-sabilidades”, alguém a quem “pedir contas”. E, neste âmbito, o supra-citado decreto parece contrariar a máxima de que muitos podem maisdo que um e sugere que os órgãos colegiais são menos respon sáveis emais difíceis de responsabilizar.

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Parece, neste contexto, válida a consideração generalizada de que onovo normativo (DL nº 75/2008) trouxe um acréscimo de responsa -bilidade e visibilidade para o exterior da figura do direto e, por essefacto, não deixa de ser legítima a ideia de que o diretor está sujeito amaior visibilidade e maior pressão, tanto interna como externa, a que nãoé marginal, por exemplo, a atividade de Avaliação Externa de Escolas.

Isso mesmo se pode verificar pelo gráfico que se segue onde seconstata que a totalidade dos entrevistados considera que este “rosto daescola” adquire maior protagonismo em várias frentes.

Gráfico 1. Representações sobre a liderança do diretor

No entanto, se é verdade que não existem trabalhos de natureza empí -rica que possam corroborar a ideia de que lideranças unipessoais sãomais fortes e mais eficientes que as colegiais, de onde se conclui estar -mos perante uma conclusão meramente ideológica, também não pode -mos evitar a consideração de que “A existência de um órgão de gestãounipessoal ou colegial não é, em si mesma, uma questão fundamentalpara a garantia da democraticidade, qualidade e eficácia do exercício dasfunções de gestão do topo de uma organização” (Barroso, 2008: 6).

O diretor passa a concentrar em si os poderes de nomear, exonerar,designar, selecionar, recrutar, avaliar, entre outros, abarcando, destafeita, as áreas pedagógica, cultural, administrativa, financeira e patri -monial, o que parece configurar uma vinculação ao poder político,tanto quanto um reforço de recentralização de poder. E, a este nível, ocargo do diretor apresenta-se como ambíguo, pois tanto pode signifi-

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car modernização administrativa como (re)centralização burocrática.De resto, o enfoque na eficiência permite-nos a consideração de que,para o legislador, “a administração da escola não é diferente daadminis tração de outras organizações e, por isso, os modelos de gestãoempre sarial, a eficiência, a formação técnica dos gestores, entre outras,são temáticas insubstituíveis”(Costa, 1996: 32). Assim, fica evidenteque o normativo em questão traduz o protagonismo da racionalidadeinstru mental presente nos conceitos de eficiência e eficácia e no relevodado às dimensões da liderança e gestão, e que a figura do diretor encer-ra, na medida em que se é importante fazer “aquilo que tem que serfeito” também é importante fazer bem o que é necessário fazer (Bennis,1989), no caso de acordo com a orientação e controlo da administraçãoeducativa, e executar as deliberações do Conselho Geral.

Neste âmbito, em termos operativos, o diretor tem a competência deorganizar e processar a informação e consequente comunicação, garan-tir que toda a comunidade escolar conheça as normas a cumprir, tare-fas a efetuar, quer sejam de natureza mais científico/pedagógica oucultural. Acrescem as competências, por inerência do cargo que ocupa,de representar a organização escolar, exercer o poder hierárquicorelativa mente ao pessoal docente e não docente, exercer o poder disci-plinar sobre os alunos e executar todos os atos burocráticos necessáriosao funcionamento da instituição.

O diretor: Líder e gestor

A natureza do cargo de diretor coloca-nos perante os conceitos degestor e de líder que apesar de diferentes não são antagónicos, sendoque, no nosso caso, eles se assumem como complementares. Se, porum lado, esta distinção pode radicar na ideia, defendida por váriosautores, de que o gestor tem uma preocupação maior com a complexi -dade da organização e o líder com as mudanças que nela podem seroperadas, a verdade é que nas palavras de Crozier e Sérieyx “O lídersabe o que é necessário fazer, enquanto o gestor sabe como fazer bem”(1994: 110). Ou então, como refere Bothwell, a “liderança é a capaci -dade de levar os outros a fazer, com gosto, aquilo que não querem […]

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os gestores não são [...] líderes (capazes de fazer com que os outros os

sigam) por definição ou por categoria profissional” (1991: 17). Fica

assegurada a importância do líder saber motivar e inspirar confiança

nos seus liderados, visando o envolvimento de todos na prossecução

dos objetivos da organização, o que justifica a presença da reflexão

sobre o “quê” e o “porquê”, motivo pelo qual perspetiva a sua ação a

longo prazo. Aspetos que não se revelam imprescindíveis à ação do

gestor, na medida em que ela se pauta pelo curto prazo, pela resolução

imediata de problemas, procurando os melhores meios para responder

ao “como” e ao “quando”.

Certo é que o diretor da escola pública portuguesa tem que ser capaz

de aliar a dimensão do líder à do gestor, ao mesmo tempo que está

obrigado a cumprir o estabelecido pela administração central em arti -

culação com as orientações emanadas pelo Conselho Geral, em conso -

nância com o seu projeto de intervenção, sem esquecer que é profes-

sor, muito embora sem carga letiva.

Tais considerações dão suporte à ideia de que ao diretor escolar se

exige um perfil adequado para responder às solicitações de natureza

diversa próprias da organização escolar, ideia partilhada por todos os

entrevistados. De resto, foram unanimes na apreciação de que o dire-

tor está obrigado a uma disponibilidade completa para com a organi-

zação que, de tão complexa, é tão difícil de gerir. E3 é perentório quan-

do afirma “ser diretor é não ter vida”. Afirmação que encontra eco em

todos os discursos proferidos pelos entrevistados a exercer a função de

diretor, bem como na maioria dos restantes interlocutores. Por isso,

não foi estranho que nas motivações para o cargo a maioria visse no

desejo de servir o motor que aciona a vontade de o exercer, muito

embora tivesse ficado claro que não existe uma única motivação, mas

várias, que se conjugam para que alguém se possa dedicar a um traba-

lho exigente mas que o dinheiro não parece compensar.

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Gráfico 2. Motivação para o cargo de diretor

Este líder que, ao assumir o seu papel, se vai revelando pelo e no exer-cício da sua função adquire uma imagem díptica, aqui numa alusão aLima (1998), pois dependendo da perspetiva dos entrevistados a suaimagem tanto se aproxima da de um gestor, como de um profes sor ouambos, como bem o expressa o gráfico que se segue. Aliás, mais umavez os respondentes têm dúvidas em assumir posições simplistas quepossam traduzir representações rigorosas da imagem que o diretor trans -mite, sendo que “gestor”, “professor” ou “ambos” foram sendo conside -rados ao longo das falas, e em alguns casos pelos mesmos interlocuto-res, sem que houvesse uma apropriação efetiva de uma única visão.

Gráfico 3. Imagem do diretor

A ideia de que o diretor tanto é um gestor como um professor rele-va da importância que é dada ao funcionamento da organização esco-lar no sentido mais técnico, assumindo-se a importância do conheci-

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mento especializado, dando-se relevância a um governo da organiza-ção que incide sobre o tecnicismo a que a mesma obriga, mas à qual seassocia o conhecimento da realidade educacional. Porém, a ideia deque é mais uma coisa em prejuízo da outra acolhe uma maior percen-tagem na imagem de gestor em virtude do trabalhoadministrativo/burocrático que tem em mãos. Alguns dos responden-tes, quando afirmam que o diretor é mais um professor, cingindo-se àrealidade em questão, fazem-no de uma forma pouco abonatória, porconsiderarem que é mais difícil ser gestor que professor. “Para se geriré preciso ter mão, eu não digo pesada, não é isso que está em causa,mas sim o saber dizer não e sim quando é preciso, mesmo que se tratede pessoas que nos são mais próximas” (E10), ou a afirmação de E20quando refere que “um diretor tem que ser capaz de tocar vários ins-trumentos ao mesmo tempo, neste caso o meu diretor está muito presono pedagógico talvez seja por isso que não consegue impor-se relati-vamente às lideranças dos departamentos”.

As diferentes posições assumidas nunca deixaram antever a impor-tância de termos nas escolas técnicos de gestão, simplesmente, comoatesta a afirmação do respondente E11 ao referir que “Não é uma situa-ção que me choque, mas eu não posso esquecer aqui o papel do minis-tério e quando penso nisso, no discurso do poupar, do não gastar, dosermos racionais, etc., etc., deixo de poder considerar essa possibi -lidade no abstrato”.

Um professor com competências de gestão, em teoria, confere maiorprimazia à dimensão pedagógica em prejuízo da administrativa, o queresulta numa maior ingerência na esfera decisória por parte dos pro-fessores, evitando o receio de um gestor como um funcionário ao ser-viço da administração central. A ideia de um diretor/gestor obrigará oresponsável pela governação das escolas a cingir-se exclusivamente aouniverso da gestão eficaz, como descuidando a natureza plural das suaspráticas. Somos de opinião de que é necessário que a competência dogestor não fique restrita ao campo gestionário como componente diver-gente do ministério do professor e não abra caminho a conceptua -lizações de práticas de “especialidade técnica” em oposição às de“especialidade educacional”, não permitindo a convergência de valores

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que possam determinar opções organizacionais e pedagógicas conver-gentes com o sentido emancipatório que a democracia encerra.

São os órgãos de governação de cada escola que têm a responsa -bilidade de adotar um determinado perfil de liderança que seja ou maistecnocrático e gestionário ou mais democrático e emancipatório.

Estamos em crer que uma liderança centrada na figura do diretorreclama para o exercício deste cargo alguém cujo perfil possa conciliaro ser “forte” com o ser “democrático”, o que pode ser uma mais-valiaquando se tenta conciliar os valores da eficácia e da eficiência com osvalores da cidadania democrática.

O que se resolve com a unipessoalidade da gestão

De facto, a premissa de que a unipessoalidade permite reforçar aslideranças não passa de uma conclusão ideológica, sem sustentaçãoempírica, como já havíamos referido, pois fica votado ao esqueci -mento a ideia de que liderança é um fenómeno contextualizado, emdependência com variáveis externas e internas. Caso assim não fosse,não se perceberia como nas cinco unidades gestão investigadas a indis-ciplina tivesse aumentado, como o afirmam de forma inequívoca osentrevistados deste estudo.

Gráfico 4. Impacto dos órgãos unipessoais no comportamento dos alu-nos

Todos os diretores foram perentórios na ideia de que a justificar estaindisciplina está a grandeza dos agrupamentos: Refere E5 “O trabalho

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burocrático é tanto que não resta tempo para a parte pedagógica. Nãotenho tempo de conversar com os colegas, não conheço a maior partedos alunos, porque não me sobra muito tempo para fazer alguma coisapara além das plataformas”. Ou o discurso de E15 que é de opinião que“Não é o ser diretor que altera alguma coisa, se ele não tem uma pos-tura de autoridade, ninguém lha reconhece. Mais importantes que odiretor são os professores que estão em sala de aula. Não é fácil,mesmo pelo tipo de alunos que este agrupamento tem e que são umpouco o espelho dos alunos de todas as outras escolas”. Ou então “Nãomudou nada porque não tinha de mudar. Os alunos são os mesmos e hácasos em que o diretor também já era o presidente do ConselhoExecutivo e, então, é que nada muda” (E8).

É, no entanto, importante referir que esta situação parece naturali-zar-se para os respondentes, pois á uma representação genérica de que“este é um problema que todas as escolas têm em maior ou menorgrau” (E10), corroborada pela afirmação de que “Isto acontece emtodos os agrupamento. Há cada vez menos disciplina em todo o lado,porque há cada vez menos educação, menos regras em casa, mais estí-mulos externos à escola. E que vai fazer o Diretor, ele não pode fazermuito. Os alunos também sabem que os professores têm pouca autori-dade. Ainda nós não temos muito de que nos queixar” (E19).

Estes dados põem em causa a ideia de que a unipessoalidade é, emsi mesma, benéfica para as organizações educativas e que a eficácia eeficiência não estão dependentes da força de um único “rosto”. Há umaconjugação de fatores que concorrem para que nas escolas se vivamsituações para as quais a resolução dos problemas não é nem fácil nemimediata.

No que concerne aos resultados escolares, e tendo nós a consciênciade que cada vez mais, apesar dos discursos proferidos, os resultadoscontam, mesmo porque permitem a criação de uma imagem para oexterior, quisemos saber se a atividade de Avaliação Externa deEscolas se apresenta como algo importante e com impacto para a orga-nização escolar.

Inquiridos neste sentido foi possível identificar uma constância decategorias que, mais uma vez, não permitem uma abordagem simplis-

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ta da questão. Com efeito, as organizações, ou melhor, os seus partici -

pantes posicionam-se de modo diferenciado relativamente à questão,

pois se para E4 “É muito importante, pois hoje o meio externo é muito

sensível a isso, e nós já começamos a ter que competir por alunos,

então não posso desvalorizar”, já para E1 essa é uma questão secun -

dária na mediada em que “a preocupação do agrupamento não podem

ser os resultados escolares, sejam eles quais forem, pois a prioridade é

mesmo resolver outro tipo de questão, e só depois os resultados. Que

importa que eu esteja preocupado com resultados se tenho alunos que

não sabem estar sentados, que não sabem comer, que não fazem higie-

ne pela manhã, que à noite irão ter um parco jantar, e se o tiverem…”.

Porém, foi notório que a generalidade dos interlocutores não reco-

nhece que a Avaliação Externa de Escolas tenha grande impacto, pois

a afirmação de que “Nem me dou conta que venha ao agrupa mento,

talvez porque as mudanças que são implementadas sejam muito resi-

duais e a maior parte de nós nem dá conta delas” (E17) expressa a opi-

nião da generalidade dos nossos entrevistados/professores sem cargo.

Daqui se depreende que este processo também se encontra esvaziado

de sentido e, nesse caso, mais não é que um procedimento burocrático

que a escola tem que cumprir, ao mesmo tempo que propicia conside-

rações do âmbito da democraticidade pelo facto de não implicar todos

os atores no processo. Daqui se conclui que a não participação na orga-

nização escolar nos aliena e pode proporcionar leituras enviesadas,

como se Avaliação Externa de Escolas fosse um assunto da responsa-

bilidade de quem ocupa determinado cargo na organização escolar.

Contudo o mesmo gráfico permite reconhecer que a maioria dos

entrevistados considera que há, efetivamente, uma pressão que a ativi-

dade de avaliação externa de escolas transporta, mesmo porque, “dá

uma imagem para o exterior” (E1)

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Gráfico 5. Representação sobre a avaliação externa de escolas

A Avaliação Externa de Escolas enquanto medida de aferição deresultados dos alunos e, consequentemente, da eficácia da própriaescola, traduz uma perspetiva reducionista destas organizações com-plexas e singulares. De facto, a lógica mercantilista tudo parece quererregular pela política dos números e aí ser “bom”, ser eficaz é apresen-tar números, é a mensuração no seu melhor.

No entanto, e no que aos resultados escolares dos alunos diz respeito,parece não existir qualquer dúvida quanto ao facto da totalidade sentira pressão pelos números, como se pode confirmar pelo gráfico que aseguir apresentamos, sendo que 16,7% dos interlocutores, se num pri-meiro momento afirmaram que sentiam existir pressão, tambémexpressaram a ideia de que no seu caso isso não acontecia, o que pare-ce configurar uma contradição nos termos, ou uma tentativa de elespróprios desvalorizarem os rankings, mas que registamos.

Gráfico 6. Resultados escolares

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No entanto, é importante referir que não são as pressões do diretorque aqui estão em causa, mas mais a profissionalidade de cada um, obrio pessoal, o quererem fazer melhor, muito embora essa “seja umatarefa titânica. Os alunos estão muito desmotivados. A escola não lhesdiz muito. Não é fácil competirmos com os estímulos exteriores” (E8).Lembram, a propósito dos resultados escolares dos alunos que a dire-ção unipessoal não se revelou potenciadora de melhoria, “antes pelocontrário, os resultados, no nosso caso são piores. Eu sei que talveznão o devesse dizer, mas a verdade é esta. Não sei se são os alunos, ouse somos nós, mas as coisas não estão a melhorar” (E13). Esta afirma-ção concretiza a generalidade das opiniões proferidas pelos distintosentrevistados, sendo que foi notório, por parte dos diretores, um efeti-vo desalento relativamente à incapacidade e impotência para fazermelhor. Daí que E3 afirme “tudo tenho feito, principalmente junto dosmeus professores, para os sensibilizar para a importância dos resulta-dos. Eu sozinho não consigo fazer nada, eles sozinhos também não!Também temos aqui uma cota parte de responsabilidade que deve serimputada aos alunos. Mas isto é a escola pública. Eu também gostavade escolher os meus alunos para ficar bem na fotografia”. Assim, ficaevidente que a força da liderança não se funda em decretos.

Conclusão

A complexa realidade organizacional da escola limita a conside -ração do que são as lideranças fortes e boas, pelo simples facto de queas variáveis contextuais são determinantes para uma concetualizaçãodesta natureza, de onde releva que é no domínio prático e não teóricoque as lideranças se constroem.

Em termos genéricos fica a clara ideia de que a força dos decretosnão é suficiente para determinar comportamentos ao nível do ser, doestar e do fazer, o que revela a importância dos que todos os dias fazema dinâmica da organização escolar. Os decretos não são tudo nemfazem tudo. Somos apologistas da ideia de que a força da liderança não

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tem uma relação de causalidade com a composição do órgão de gestão.De resto, é importante o reconhecimento de que muito podem mais doque um, motivo pelo qual no nosso trabalho foi possível aferir que nema indisciplina diminuiu nem os resultados dos alunos melhoraram emvirtude da ação solipsista do diretor da escola.

Assim, este dito reforço de liderança que se traduziu num aumentode poderes do diretor não se constitui em si mesmo como condiçãoabsoluta para a resolução dos problemas com os quais a organizaçãoescolar se depara.

Referências

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Bennis, W. (1989). Porque é que os líderes não conseguem liderar. Lisboa:Publicações D. Quixote.

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Crozier, M., & Sérieyx, H. (1994). Du management panique à l’enterprise du XXI siè-cle. Paris: Maxima.

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Aprender: A conceção de estudantes universitários de um curso na área da educação

Camila Marta de AlmeidaSofia Freire

Juana de Carvalho Ramos SilvaCarolina Carvalho

Resumo: Investigações focadas nas conceções de aprendizagem dos alunosrevelam que estas diferem e que originam formas de aprender também diferen-tes. Algumas destas conceções são compatíveis com perspectivas mais atuaissobre o que se pretende com o ensino superior e que tipo de envolvimento sepretende dos alunos. Sabendo que as conceções sobre o que é aprender originamformas distintas de interagir com o contexto de ensino-aprendizagem, é funda-mental conhecê-las de forma adequá-las às exigências da sociedade actual. Esteestudo de cunho exploratório objetivou conhecer as conceções de estudantes doensino superior sobre o que é aprender. Participaram 56 estudantes do primeiroano de uma licenciatura na área da educação, sendo a maioria do género femi-nino (83,9%), com idade média de 19,5 anos (DP=1,7). Para a recolha de dadosos estudantes responderam a duas questões abertas. Os dados foram analisadosa partir de um conjunto de categorias prévias sobre concepções de aprendizagemutilizadas em investigações fenomenográficas. Os resultados obtidos revelamque os estudantes entendem a aprendizagem como a aquisição de conhecimen-tos e memorização (73% do total de respostas). Poucas respostas mencionaramos processos de construção de significados pessoais e a transformação (27% dototal de respostas), sendo estes aspetos essenciais da pedagogia universitária.Assim, este estudo vem salientar a importância de se explorar a conceção deestudantes sobre o que é aprender e como se aprende, para possibilitar o desen-volvimento de pedagogias promotoras do envolvimento ativo dos estudantes eestimulando a construção de significado.

Palavras-chave: Conceções de aprendizagem, Estudantes universitários.

Introdução

Desenvolver um ensino de qualidade ao nível superior é uma tarefacomplexa, pois requer uma prática pedagógica que permita a cons -trução do aluno como sujeito aprendente ao longo da vida, que sabeusar uma série de recursos para responder a situações novas. Esta visão

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opõe-se a um ensino superior demasiado vocacional, centrado em con -teúdos disciplinares. Esta visão do ensino superior requer novas formasde compreender a aprendizagem e a pedagogia no ensino superior,nomeadamente pelos próprios estudantes. Como referem Freire eDuarte (2010),“a conquista de aprendizagens mais profundas e funcio -nais implica a compreensão das diferentes formas com as quais os inter-venientes dos processos educativos representam a aprendizagem, assimcomo a conscientização dessas representações” (p. 877).

Compreender o processo ensino aprendizagem em sua totalidaderequer compreender como o estudante vivencia esse processo (Freire &Duarte 2016; Grácio, 2006). De facto, é importante que os estudantesdo ensino superior, logo na sua formação inicial, pensem sobre a suaconceção de ensino e de aprendizagem, visto que essa sua compre -ensão pode influenciar a sua aprendizagem durante o percurso acadé -mico (Freire & Freire, 1999). Afinal, como ressalta Duarte (2004), amaneira utilizada pelos estudantes para obter êxito nas atividades decunho académico está relacionada com a sua conceção de aprendi -zagem. E de facto, a aprendizagem dos estudantes pode ser uma tare-fa difícil, se as experiências de aprendizagem que ele viveu ao longoda sua escolarização diferirem de experiências no ensino superior(Säljö, 1979). Como ressalta Boulton-Lewis (2004):

The conceptions for university students are augmented by more advanced qualita-tive conceptions which encompass seeing something in a different way or actuallychanging as a person. These more advanced conceptions are not always apparent atthe beginning of university study for non-Western students or for those such as theAboriginal students who, in many cases have had a less than satisfactory seconda-ry school experience. It is suggested that the apparent developmental sequence forconceptions of learning and congruent strategies is affected by context, generalcognitive development, by acquisition of content knowledge and by challenges tolearn more about learning. Generally students who hold higher conceptions of lear-ning and approaches can orchestrate the whole range depending on the context andtheir motivation. Students who hold only lower level conceptions and approachesare limited to using those (p. 6).

Sabendo que as conceções sobre o que é aprender originam formasdistintas de interagir com o contexto de ensino-aprendizagem, é funda -mental conhecê-las de forma adequá-las às exigências da sociedade

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atual. Este estudo, de cunho exploratório, objetivou conhecer, por meiode uma abordagem fenomenográfica (Marton, 1981), as conceções deestudantes do ensino superior sobre o que é aprender.

Conceções sobre o que é aprender

Freire e Freire (1999) estudaram concepções de aprendizagem deestudantes universitários portugueses. Realizaram duas questões (“oque é aprender?”, “que evidências têm que aprendeu nessa disci -plina?”) no início e após um semestre de aula. Para a análise dos dadosutilizaram as categorias fenomenográficas propostas por Beaty,Dall’Alba e Marton (1993). As autoras após um semestre de aula veri-ficaram uma mudança qualitativa nas respostas dos estudantes. Osresultados apontam que, no início do semestre os alunos associamaprender a aumento de conhecimento e, também, a aquisição de factose procedimentos que podem ser retidos e utilizados na prática de e que,no final do semestre, os alunos associam aprender essencialmente àatribuição de significados, e também aumento de conhecimento etransformaçao pessoal.

Duarte (2004) realizou em estudo com estudantes iniciantes do ensi-no superior de uma universidade de Lisboa. O objetivo do estudo foi aconcepção de aprendizagem nos aspectos: significado, processo e con-texto. Os resultados indicam que a maioria dos estudantes inqui ridosassocia aprender a aumento de conhecimento. Freire e Duarte (2010)com objetivo semelhante, realizaram um estudo com estudantes uni-versitários brasileiros, tendo os resultados sido semelhantes com osestudos de Duarte (2004). Com base nos resutlados, os autores afir-mam que a melhoria da aprendizagem no ensino superior passa peloconhecimento e pela reflexão dos estudantessobre as suas concep çãosobre aprender (Duarte, 2004; Freire & Duarte, 2010). Já Grácio(2006) investigou a concepção de aprendizagem de estudantes do 9ºano, 12° ano e do último ano de um curso de licenciatura na área daeducação. Os resultados evidenciam que os alunos associam aprendera aumento de conhecimento e que, para a maioria, a aprendizagem évista como um processo que se vivencia ao longo da vida.

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Nevogan, Sterian e Colesniuc (2014) estudaram a relação das con -cepções de aprendizagem e a motivação estudantes de universitáriosde ensino presencial e à distância (no final do curso). Os resultadosapontam que os estudantes universitários do ensino à distância apre -sentam concepções de aprendizagem menos associadas a acumulaçãode conhecimento, reprodução e dever e que os estudantes do ensinopresencial associaram aprendizagem menos às categorias: mudançapessoal e processo contínuo. Para além disso, os resultados revelamque a motivação intrínseca está positivamente associada a concepçõesde aprendizagem como mudança pessoal, processo contínuo, dever edesenvolvimento social. Os autores salientam a importância de serepensar o desenvolvimento das concepções de aprendizagem no ensi-no superior, conceções pautadas numa visão reflexiva tanto na moda-lidade presencial e/ou a distância.

Metodologia

Para aceder ao significado que os estudantes universitários associamà aprendizagem, foi utilizada uma investigação fenemográfica, pois estatem-se afigurado como uma abordagem útil para compreender a apren -dizagem de universitários (Richardson, 2013). A fenomenografia é umaabordagem que busca compreender o significado individual sobre o con-ceito de aprendizagem por meio de um enfoque qualitativo, ou seja,pode ser estudada por aplicação de questionários com perguntas abertasou entrevista, que, após a recolha de dados, as respostas dos estudantessão analisadas pela metodologia de análise de conteúdo (Duarte, 2004;Freire & Duarte, 2010). Como referem Rebelo e Duarte (2012),

(…) desde o seu início, a fenomenografia interessou-se sobre a concepção deaprendizagem dos estudantes, atendendo ao impacto potencial dessa concepção nomodo de aprendizagem por eles efectivamente utilizado. Dessa forma, tem vindo aprocurar elucidar as variações daquela representação através de um método de aná-lise qualitativa que envolve a questionação aberta sobre o sentido da aprendizagem,normalmente por entrevistas, seguidas de uma análise de conteúdo de respostas. Astrês dimensões da concepção de aprendizagem normalmente estudadas pelaFenomenografia são a dimensão referencial (i.e., o que é aprender); a dimensão

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processual (i.e., como se aprende) e a dimensão contextual (i.e., onde se aprende).(p. 88).

Participaram no estudo 56 estudantes do primeiro ano de uma licen-ciatura na área da educação de uma universidade de Lisboa. A maioriados participantes era do género feminino (83,9%), com idade média de19,5 anos (DP=1,7).

Para a recolha de dados, recorreu-se a um questionário construídoespecificamente para o efeito. O questionário era constituído por umaquestão abertas (“o que é para si aprender?”) e algumas questões socio-demográficas e relativas ao percurso escolar para caracterização daamostra. O questionário foi aplicado em ambiente sala de aula por umadas pesquisadoras. Os dados foram categorizados por meio da análise deconteúdo (Bardin, 2009). Na pergunta “o que é aprender?” as respostasforam classificadas a partir de um conjunto de categorias prévias sobreconcepções de aprendizagem utilizadas em investigações fenomeno -gráficas, especificamente a proposta por Marton, Dall’Alba e Beaty(1993): aumento de conhecimento; memorização e reprodução; memori -zação e aplicação; compreensão; reinterpretação; mudança pessoal.

Resultados

Na maioria das respostas, aprender surge associado a aumento deconhecimento (62%). Esta categoria tem características de acumulaçãode conhecimentos por imposição, ou seja, é algo externo ao aluno(Freire & Freire, 1999). Aprendizagem como memorização e reprodu -ção surge em apenas 2% das respostas, o que remete para perspetivasmuito associadas à retenção de conceitos (Freire, 2009), presumindouma postura mais passiva do sujeito. Em 9% das respostas, aprender évisto como memorização e aplicação. Aprender nessa categoria signi -fica colocar em prática os conhecimentos aprendidos (Freire & Freire,1999), o que requerá maior envolvimento do sujeito com a sua própriaaprendizagem; mas na mesma pervalece uma visão instrumental deaprendizagem (Quadro 1).

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Quadro 1

Caracterização do que é aprender ou da conceções de aprendizagem

O que é aprenderCategorias Frequência %

Aumento do conhecimento 62%Memorização e reprodução 2%Memorização e aplicação 9%Compreensão 11%Reinterpretação 2%Processo de mudança pessoal 14%

Alinhado com a pouca saliência desta visão mais instrumental daaprendizagem, é de referir que em 14% das respostas emerge a noção deaprendizagem como um processo de mudança pessoal, remetendo-nospara dimensões mais associadas à realização e crescimento pessoal, eque apenas 11% das respostas revelam uma associação de aprender comcompreensão, revelando um perspetiva mais ativa do papel do aluno nasua prórpia aprendizagem.

Conclusões

A presente investigação teve como objetivo conhecer a conceção deaprendizagem de estudantes universitários. Para a maioria dos estu -dantes deste estudo a aprendizagem é vista como um aumento de conhe -cimentos. Estes resultados são consistentes com aqueles reportados nou-tras investigações sobre a conceção de aprendizagem (e.g., Freire &Duarte, 2009; Grácio 2006).

Vivemos numa sociedade do conhecimento, assente na construçãoconstante de novo conhecimento usando ferramentas de conhecimento(Hargreaves, 2003). É esta capacidade de constantemente produzirnovo conhecimento de forma a dar resposta às novas situações que fazavançar a economia (Hargrweaves, 2003) e que torna, simultanea -mente, o ensino superior uma roda fundamental nessa engrenagem(UNESCO, 2009; Yang, Schneller, & Roche, 2015).

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Com efeito, a aprendizagem ao longo da vida é hoje uma elementocentral da agenda política nacional e internacional (e.g., Laal &Salamati, 2012), sendo que são competências consideradas essenciaistodas aquelas que permitem ao aluno desenvolver-se de forma autóno-ma e autorregulada (Partnership for 21st Century Skills, 2009). O ensi-no superior é chamado a dar resposta a este desafio; mas também,como referem Viron e Davies (2015), a universidade tem que tambémdar resposta a necessidades de crescimento pessoal e a oportu nidade deenriquecimento cultural. Isto requer novas formas de desen volver aaprendizagem e a pedagogia no ensino superior e também novoas for-mas dos estudantes compreenderem a aprendizagem.

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A expressão sonoro musical no desenvolvimento e avaliação

em crianças e jovens com necessidades educativas especiais

Ana Rita Laureano MaiaJosé Morgado

Resumo: O presente estudo teve como principal objetivo avaliar a importância daexpressão sonoro-musical no desenvolvimento e avaliação de competências emcrianças e jovens com necessidades educativas especiais. Pretendeu-se recolher eanalisar dados de forma a contribuir empiricamente para um mapeamento do per-fil sonoro-musical individual de desenvolvimento de crianças e jovens com neces-sidades educativas especiais. Procedeu-se à tradução, adaptação e imple mentaçãode um programa musical específico, o programa Sounds of Intent, que trabalha odesenvolvimento e a avaliação de comportamentos musicais em crianças e jovenscom necessidades educativas especiais. Pretendeu-se, assim, focar como alvo demedição comportamentos distais, proximais, cognitivos e emocionais na criança ejovem com necessidades educativas especiais. Os participantes deste estudo,foram crianças e jovens diagnosticados com necessidades educativas especiais,que se encontravam inseridos em unidades de ensino estruturado, de multidefi-ciência, instituições e, respetivos professores/técnicos de educação espe cial.Tendo em mente o objetivo do estudo e para o clarificar, recorreu-se a uma meto-dologia de investigação-ação, com estudo de caso múltiplo longitudinal, metodo-logia esta que assume um carácter qualitativo e experimental. Exigindo esta meto-dologia a descrição detalhada dos participantes, foram também usados, como ins-trumentos para recolha de informação, grelhas de avaliação de desenvol vimento,destinadas a avaliar este tipo de intervenção, entrevistas dirigidas aos professorese a análise documental do processo. Os resultados obtidos sugeriram que é possí-vel observar e avaliar de forma sistemática, através da manifestação de comporta-mentos sonoro-musicais, o desenvolvimento dos alunos com NEE, ao longo deum determinado período de tempo, através de um programa como o SOI. Osdados recolhidos através da grelha e do perfil concêntrico dos alunos, demonstra-ram uma ampla variedade de manifestações sonoro-musicais ao longo do períodode intervenção. Todos os alunos demonstraram diferentes níveis de progresso noque diz respeito aos seus comportamentos musicais.

Palavras-chave: Expressão sonoro-musical, Necessidades educativas especiais,Investigação-ação, Avaliação e Desenvolvimento.

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Este estudo foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia(UID/CED/04853/2016)

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Introdução

Vários investigadores defendem que a música desempenha umpapel importante e crucial no desenvolvimento global da criança e doindivíduo (Gordon, 2000; Ockelford et al., 2006; Read, 2010; Welch etal., 2001). A pesquisa científica tem comprovado que a relação sono-ro-musical do ser humano com o mundo é criada desde a sua existên-cia intrauterina, sendo o feto um ser recetivo e reativo aos sons, querinternos quer externos (Bruscia, 1997; Descarper & Spencer, 1986;Fassbender, 1996; Krueger, 2010; Pocinho, 1999; Nakata & Trehub,2002), que a música tem uma relação e uma influência direta com oorganismo do ser humano (Gordon, 2000; Sacks, 2008) possibilitando,entre outras coisas, avaliar o crescimento físico, psicológico e emocio-nal da criança (Pocinho, 1999), e que desempenha, também, um papelimportante no desenvolvimento de competências musicais e não musi-cais na criança com necessidades especiais (Norddof-Robbins, 1965;Ockelford, 2000; Welch et al., 2001). Contudo, a literatura sobre músi-ca para crianças e jovens com multideficiência ou deficiência profun-da, é ainda escassa, e quase inexistente.

Enquadramento teórico

As artes proporcionam um marco especial de expressão pessoal, poispermitem às crianças oportunidades para explorar o seu ambiente,expressar os seus sentimentos, emoções, sensações e ideias dominantesquando sentem dificuldades em expressá-las mediante símbolos dis-cursivos (Gardner, 1994).

Professores e pais têm demonstrado e reportado que a música é umacomponente significativa na vida das crianças e jovens com necessi -dades especiais (Ockelford et al., 2006), que é um potenciador de desen -volvimento e funciona como um elemento motivador e facilitador deaprendizagem social e académica (Jellion, in Gallegos, 2006).

Gainza (1988) refere que os componentes da música correspondem aaspetos humanos específicos. O ritmo estimula o movimento corporal, a

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melodia estimula a afetividade e a estrutura musical colabora na ordemmental do homem. De acordo com Ockelford (2000), a capacidade queas crianças e os jovens com NEE ou multideficiência têm para produzirmúsica de forma intencional e consciente depende da extensão de suaexperiência auditiva, da sua capacidade de resposta e da sua capacidadede comunicação. Estas competências podem evoluir através da vivênciade oportunidades musicais estruturadas. Na ausência de linguagem fala-da, as respostas das crianças podem assumir a forma de vocalizações ououtras expressões de contentamento ou descontentamento.

A capacidade de fazer música depende de vários atributos além decompetências percetivas diretamente associadas ao processamento desons. Esta atividade pode promover uma variedade de aprendizagens edesenvolvimento, como por exemplo, melhorar o controlo e a coorde -nação motora fina, competências cognitivas, concentração e memória(Ockelford, 1998). A música pode oferecer um apoio inestimável nosestágios iniciais da aquisição da linguagem.

Benenzon (1998) afirma que se deve escutar o tempo biológico par-ticular de cada criança, para assim atuar com mais eficácia no indiví-duo portador de deficiência. Deste modo, tem de se ter um conheci-mento sobre a idade cronológica e o quociente intelectual do indivíduoe, por outro lado, dirigir através de uma linguagem adaptada, uma sériede mensagens que servirão para o seu desenvolvimento. O facto damúsica se inserir num contexto não-verbal, permite a intro dução demensagens que embora pareçam difíceis, são facilmente captadas,facilitando o processo de comunicação e desenvolvimento.

Segundo a teoria zigónica de Ockelford (2012), a intencionalidadecom que as crianças e jovens com deficiências múltiplas e profundasse envolvem na interação musical, pode ser um elemento potencial -mente indicador e avaliativo do desenvolvimento do indivíduo paraprofessores, terapeutas, médicos em cenários de diagnóstico. De acor-do com o autor (Ockelford, 2012), os princípios da repetição, a proba-bilidade da ocorrência por acaso, e a imitação como indicador de inten-cionalidade, submetem e envolvem uma variedade de domínios de ati-vidade humana.

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Segundo o mesmo autor (Ockelford, 2012), o desenvolvimento fun-cional do processamento sonoro acontece precocemente, sendo que apartir dos doze meses de idade a criança já distingue a música, da lin-guagem, dos sons diários, dentro do domínio cognitivo. Segundo oautor, as crianças com multideficiência ou com um atraso global dodesenvolvimento, encontram-se frequentemente em estágios de desen-volvimento precoces, no entanto, têm a capacidade de processar quersons musicais, quer sons organizados, de forma bastante eficaz.

De um modo geral, o impacto emocional da música, enquanto pro-motor do envolvimento de formas básicas de resposta a nível compor-tamental e emocional, envolve, também, um processamento de nívelsuperior. No entanto, para poder reagir é necessário uma compre ensãoao nível do subconsciente de como a música é estruturada, assim comoa capacidade de resposta emocional (Ockelford, 2000).

Competência em áreas como performance, improvisação e compo -sição – no sentido de ter a capacidade de planear e reproduzir séries desons, fielmente a uma intenção interior, em resposta ao que é ouvido, ouatravés de instrução requer um conjunto de competências, incluindo umnível de desenvolvimento para processar a tonalidade, o ritmo e outrasqualidades do som de forma eficaz; uma variedade de competênciasmotoras, coordenadas com o que se ouve; concentração, memória, ima-ginação e motivação; e, em muitos casos, uma consciência da presença,necessidades e expectativas dos outros. Estas competências podem serencontradas em alguns jovens com dificuldades de aprendizagem, cujarealização na música é proporcional ao seu nível geral de funcionamen-to (Ockelford, 2000). Seja qual for o seu contexto e conteúdo, a músicaé particularmente eficaz no suporte ao desenvol vimento da interaçãosocial num nível precoce de funcionamento.

O recurso a musicoterapeutas para trabalharem em contexto escolarcom crianças com necessidades educativas especiais é recorrente empaíses como USA, Inglaterra, Itália, França, Alemanha, Dinamarca,Austrália, Canadá, Espanha, entre outros. É de realçar que a necessida-de de resposta de uma disciplina que recorra a uma abordagem de inter -venção de caráter musical, para intervir em contexto escolar com ques-tões e problemáticas de desenvolvimento faz com que tenham vindo a

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surgir nalguns países especialidades como musicoterapia, educaçãomusical especial (Inglaterra) e musicopedagogia (Itália). Contudo, torna-se cada vez mais importante definir e ressalvar as diferenças entre asvárias disciplinas, principalmente entre musicoterapia, educação musi-cal e educação musical especial.

No Reino Unido, em resposta a uma necessidade existente, de orien -tação no planeamento curricular e avaliação musical para crianças comnecessidades educativas especiais, a entidade ministerial responsável(QCA) criou orientações curriculares neste sentido. Contudo, váriasquestões e lacunas foram levantadas relativamente às característicasapresentadas pelo QCA, levando uma equipa de investigação a adequare apresentar uma nova resposta ao programa apresentado anteriormente.Esta resposta vem dar origem ao Projeto Sounds of Intent (SOI).

O Programa Sounds of Intent (criado originalmente no ReinoUnido), surge na área da educação especial, tendo como objetivo cen-tral estudar o potencial da música, do som e a sua relação no desen-volvimento de crianças com necessidades educativas especiais. Osprincipais resultados do projeto Sounds of Intent até o momento sãoque praticamente todas as crianças (com exceção daqueles incapazesde processar som ou vibração) são capazes de se envolver com a músi-ca, de forma reativa, proactiva ou interativa. A grande maioria tempotencial para o desenvolvimento musical que pode ser realizado aolongo do tempo, dado um ambiente apropriadamente rico e envolven-te (Ockelford, 2015).

Surge-nos assim a questão orientadora deste estudo: de que forma aexpressão sonoro-musical, em contexto educativo, pode contribuir emprocessos de avaliação, manutenção e desenvolvimento de competên -cias em crianças e jovens com NEE?

Metodologia

O presente estudo teve, assim, como objetivo compreender de quemodo a expressão sonoro-musical contribui para a avaliação e desen-

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volvimento de comportamentos recetivos, proactivos e intera tivos,assim como para o envolvimento e consistência dos mesmos em crian-ças e jovens com necessidades educativas especiais.

Neste sentido, desenvolveram-se as seguintes estratégias: a imple -mentação do programa Sounds of Intent, como instrumento de avaliaçãoe de desenvolvimento sonoro-musical e a utilização de uma abordagemde estudo de caso múltiplo, através do método de investigação-ação,com trabalho de campo incorporado, de observador participante e nãoparticipante, focando-se na observação, desenvolvimento e avaliação decomportamentos sonoro-musicais em crianças e jovens com necessi -dades educativas especiais, durante o período de 23 semanas, permitin-do uma análise descritiva e comparativa entre os mesmos.

A presente investigação teve como participantes 10 crianças e jovenscom necessidades educativas especiais, com diagnósticos, idades egénero diversificados, que frequentavam uma UAEM, IPSS ou escolaprivada. As intervenções ocorreram em quatro contextos distintos eforam realizadas por 3 musicoterapeutas/professor diferentes.

A amostra era constituída por 3 elementos do género masculino e 7 dogénero feminino, com idades compreendidas entre os 4 e os 26 anos. Ossujeitos participantes eram detentores dos seguintes diagnósticos: 2 ele-mentos com Síndrome de Rett, 2 elementos Trissomia 21, 3 elementoscom Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) e 3 elementos com atra-so global de desenvolvimento. Os 10 elementos têm associadas, ainda,ao respetivo diagnóstico, diversas co morbilidades.

Análise de dados

Durante o período de investigação foram registados um total de 311observações de comportamentos sonoro-musicais nos sujeitos partici -pantes. Dos 10 sujeitos participantes na amostra da investigação, 5 ele-mentos tiveram intervenção em grupo e 5 elementos tiveram inter -venção individual.

Verificou-se que, de acordo com a análise dos dados obtidos, os sujei-tos que tiveram intervenção grupal revelaram um perfil maioritaria menteinterativo, sendo que foi no domínio reativo que registaram menos com-

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portamentos sonoro-musicais. Foi nas atividades que decorreram nosdomínios interativo e proactivo que estes mesmos sujeitos revelarammaior nível de envolvência.

A média geral do envolvimento dos sujeitos que tiveram interven-ção em grupo, nas atividades sonoro-musicais que decorreram nosdomí nios reativo, proactivo e interativo, foi de 4, numa escala de 1 a6.

Relativamente à consistência dos comportamentos sonoro-musicaismanifestados pelos sujeitos com intervenção grupal, verificou-se que,numa escala de 1 a 5, foi nos domínios interativo e proactivo que seobservaram os comportamentos com mais consistência (nível 5 e 4 res-petivamente). A média geral da consistência dos comportamentossonoro-musicais manifestados foi de 4,2.

Relativamente aos dados do perfil geral dos sujeitos que tiveramintervenção individual, estes revelaram um perfil sonoro-musical maio-ritariamente reativo. No entanto, foi no domínio proactivo que apresen-taram uma média mais elevada dos seus níveis comportamentais, ouseja, foi neste domínio que os sujeitos revelaram comportamentos musi-cais de maior complexidade.

A média geral do envolvimento dos comportamentos sonoro-musicaisobservados nos sujeitos que tiveram intervenção individual foi de 4,09(na escala de 1 a 6). As atividades que registaram maior envolvimento,por parte dos sujeitos, ocorreram nos domínios proactivo e interativo.

O nível da consistência dos comportamentos sonoro-musicais obser -vados nos sujeitos que tiveram intervenção individual, registou-semaioritariamente no nível 3, numa escala de 1 a 5, nos domínios reati-vo e interativo.

A média geral da consistência dos comportamentos observados nossujeitos, que tiveram intervenção individual, foi de 3,24. Foi no domí-nio interativo que se verificaram comportamentos com mais consis-tência.

Pode-se assim concluir que, os sujeitos que tiveram intervenção gru-pal, apresentaram um perfil sonoro-musical predominantemente inte-rativo, níveis de envolvência e de consistência mais elevados que ossujeitos que tiveram intervenção individual.

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Os sujeitos que tiveram intervenção individual, apresentaram umperfil sonoro-musical predominantemente reativo. Contudo, apresen -taram níveis de comportamento e envolvimento sonoro-musicais maiselevados, no domínio proactivo. Foi no domínio interativo que estessujeitos revelaram mais consistência comportamental.

Sendo assim, os sujeitos que tiveram intervenção individualizadarevelaram níveis comportamentais de envolvência e consistência sono-ro-musical, ligeiramente mais baixos que os sujeitos que tiveram inter-venção grupal.

Entrevista semiestruturada aos técnicos

Na sequência da aplicação do programa SOI, foram realizadas 3 entre -vistas individuais, uma a cada musicoterapeuta/professor participante nainvestigação, com o objetivo de obter uma perceção subjetiva, relativa -mente à abordagem e ao programa apresentados nesta investi gação.

Na análise dos dados recolhidos através da entrevista, constata-seque os três técnicos verificaram nas crianças e nos jovens, aquando autilização de atividades musicais, reações de espontaneidade e mobili -zação para a expressividade, movimento, interação socio relacional,comportamentos impulsivos ou de apreensão na exploração dos váriosinstrumentos musicais.

Segundo os mesmos, foi possível verificar se as crianças ou osjovens consideraram a música um elemento facilitador nas suas apren -dizagens, através da observação do aumento dos níveis de atenção//concentração que acontecem quando se utiliza a música com regula -ridade, facilitado pela motivação que a criança/jovem apresenta no seudesempenho/envolvimento musical; maior envolvimento na canção ena relação; aumento de tempo na relação; aumento de capacidade cria-tiva e de flexibilização; aumento da capacidade de co construção e daexpressividade.

Segundo os técnicos, observaram-se e registaram-se pequenas melho-rias ao nível da interação social, comunicação, autocontrolo e mobili -zação das funções motoras. Observou-se um aumento gradual da capa-cidade de iniciativa e de tomada de decisão por parte dos sujeitos, pas-

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sando estes a terem uma intervenção mais ativa nas sessões e nosmomentos sonoro-musicais. Verificou-se aumento do tempo passado atocar/cantar (sem parar), a introdução de sessões mais verbais, algumascom envolvimento pergunta-resposta; aumento de capacidade motora ereciprocidade musical, maior abertura a momentos de improvisaçãomusical, aumento do reconhecimento do espaço e tempo para a relaçãodentro da sessão; aumento de tempo a fazer música com o “outro”, quan-do inicialmente a tendência é para ser apenas um dos elementos.

Existiram, também, elementos de reação/mudança, assinaladospelas técnicas, que se encontram associados à música e á intervenção.Nomeadamente, o continuum da vocalização e expressão no momentopós sessão (observável pelos técnicos intervenientes), assim como, davalorização da música por parte dos pais, no sentido de compreender eperceber o potencial da mesma e repetirem em casa os sons e as músi-cas executadas nas sessões.

Os técnicos participantes na investigação, mencionaram váriosaspetos do programa SOI, que foram contributivos na sua prática pro-fissional. Segundo estes, o facto de o programa SOI proporcionar apossibilidade de se verificar através da grelha concêntrica, o padrãopredominante de desenvolvimento dos alunos, ao longo de um períodode tempo, é não só interessante como facilitador na avaliação, forne-cendo uma perspetiva da tendência comportamental do mesmo.

O facto de o programa SOI fazer com que haja uma reflexão e aná-lise dos comportamentos observados na sessão (através do registo dosformulários de sessão, da grelha concêntrica e do visionamento dosvídeos), e não apenas no final de um determinado período de tempo,faz com que o técnico se aperceba de comportamentos e reações quede outra forma não se teria apercebido.

Discussão de resultados

Houchens (1983, in Joseph, 2011) afirma que a integração musicalproporciona aos alunos com necessidades educativas especiais expe-riências concretas e práticas que são essenciais para o desenvol -

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vimento da capacidade de cada criança raciocinar, pensar, resolver pro-blemas, analisar, avaliar e melhorar a criatividade. Se as crianças tive-rem oportunidade e forem estimuladas a serem expressivas, este exer-cício vai proporcionar-lhes, ainda, um sentimento de autonomia eempoderamento (Dixon & Chalmers, 1990).

Ockelford, Vogiatzoglou, Welch, Himonides e Zimmermann (2010),sugerem a existência de seis etapas principais na compreensão e noenvolvimento de crianças com dificuldades de aprendizagem com amúsica. Estas podem ser resumidos da seguinte maneira: 1. Confusãoe Caos; 2. Consciência e Intencionalidade; 3. Relacionamentos, Repe -tição, Regularidade; 4. Formação de grupos sonoros; 5. Ligações estru -turais mais profundas; e, 6. Expressão artística madura. De acordo comestes mesmos autores, os sujeitos com necessidades educativas espe-ciais mais profundas tendem a funcionar nos níveis 1-3.

Neste caso, a média geral dos comportamentos sonoro-musicaismanifestados na presente investigação, situou-se nos níveis 2 e 3.Sendo que, os elementos que tiveram intervenção grupal revelarammais envolvimento, repetição e regularidade nos comportamentossonoro-musicais manifestados no domínio interativo. Os sujeitos quetiveram intervenção individual, manifestaram mais registos de envol-vimento, repetição e regularidade comportamental no domínio proac-tivo.

Na presente investigação registaram-se progressos ao nível daexpressão, comunicação verbal e não-verbal nos sujeitos participantes.Também num estudo realizado por Özeke (1998), a música revelou seruma ferramenta facilitadora do processo de aprendizagem e no estabe-lecimento de processos de comunicação com as crianças.

Também İzgü (1993, in Kocabas & Ozeke, 2012) concluiu, atravésde um estudo levado a cabo na Turquia, que a expressão sonoro musi-cal afetou positivamente o desenvolvimento da área da lingua gem,emocional, social, física e psicomotora de crianças com defici ênciaauditiva.

A expressão através da produção de vocalizações e a ativação motoraforam elementos comportamentais frequentemente registados e obser-vados nas manifestações sonoro musicais dos sujeitos na presente

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investigação. Ockelford (2009) aprofundou um pouco mais a investi -gação e afirma que as vocalizações expressivas não-verbais, semelhan -tes às que foram manifestadas por alguns participantes na presenteinvestigação, utilizam as competências necessárias para expressaremoções vocalmente em comunicação não-verbal e na fala. Estasmanifestações estão presentes de forma transcultural, sugerindo umaderivação filogenética comum de “vocalizações de efeitos não-ver-bais” e aparentemente incorporadas ontogeneticamente na interaçãovocal mãe/bebê precoce (Papousek, 1998).

Segundo Ockelford (2013), a música desempenha também uma fun-ção importante ao nível da compreensão do significado das palavras,por exemplo, quando os sons que compõem as peças têm qualidadespercetivas, e estas podem ser experimentadas ao mesmo tempo em queos rótulos verbais associados a elas são enunciados.

Relativamente ao tipo de intervenção ser de caráter individual ougrupal, de acordo com Hargreaves e North (1997) pode ser apropriadoque pelo menos algumas das atividades sejam realizadas numa base deum para um, com o professor/terapeuta e o aluno trabalhando em pro-ximidade, soando como um elemento num padrão mais amplo de con-tato multissensorial. Nesta abordagem é provável que haja uma cone-xão íntima entre a atividade compartilhada e a relação entre o adulto ea criança; o que permite com que um incentive o outro a expressar-se,e, consequentemente, evolua.

A expressão sonoro musical revelou-se, também, na presente inves-tigação um meio importante para promoção da aprendizagem coopera-tiva. Segundo Gordon (2000), as atividades de expressão sonoro musi-cal são extremamente benéficas se se promover a partici pação emgrupo e a aprendizagem cooperativa (Marreiros, Fonseca, & Conboy,2001). A interação sonoro-musical em grupo pode influenciar no sen-timento de inclusão e pertença do sujeito a um determinado grupo econtexto, que pode ser desinibidor e um catalisador para a envolvênciado mesmo.

Um outro fator importante a mencionar para este resultado compor -tamental, vai de encontro à Teoria de Autodeterminação (TA) de Decie Ryan (1985, 2002), na medida em que os sujeitos que tiveram inter-

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venção grupal, independentemente do nível de interiorização de cadaum, estiveram num contexto mais propício à envolvência e à motiva-ção intrínseca (a partir da curiosidade e motivação instintiva de cadasujeito) e extrínseca (na procura da aprovação do (s) outro (s) sujeitosdo grupo, no resultado do seu desempenho).

Conclusão

Em modo conclusivo, a expressão musical não é uma atividade pre-dominante nas UAEM, nem nas terapias complementares de criançase jovens com NEE. A inclusão deste tipo de intervenção em equipasmultidisciplinares, não só fornece informação complementar de diag-nóstico e avaliação, como se revela facilitadora e evocadora de mani-festações comportamentais no indivíduo. A abordagem persona lizadae adequada no seu conteúdo, às caraterísticas de cada indivíduo, fazcom que despolete interesse e motivação no mesmo.

Quer a abordagem utilizada quer os instrumentos aplicados na pre-sente investigação, revelaram-se acessíveis e avaliadores da subje -tividade e do nível de desenvolvimento que cada sujeito participante,com necessidades educativas especiais, representa. Foi possível verifi-car índices de desenvolvimento nos comportamentos sonoro musicaisdos sujeitos participantes, assim como, de manutenção de competên-cias. No caso do grupo, as relações socio-afetivas que se foram crian-do nas sessões, entre os vários elementos, pode ter tido uma influênciadireta no desenvolvimento dos sujeitos participantes. No final doperíodo de intervenção, não se registaram regressões no desen -volvimento dos sujeitos participantes na investigação

Os dados obtidos na presente investigação demonstram que foi possí-vel avaliar, manter e desenvolver competências em crianças e jovenscom necessidades educativas especiais, através da expressão sonoro-musical, e por conseguinte, do programa SOI. Foi também possíveldesenvolver e avaliar a manifestação de comportamentos reativos,

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proactivos e interativos, intimamente relacionados com áreas de desen-volvimento cognitivo, motora, comunicativa e sócio relacional.

A escassez de bibliografia relacionada com a música, a expressãosonoro-musical e o desenvolvimento e a avaliação em crianças, jovense adultos com necessidades especiais e multideficiência, demonstra anecessidade de futuras investigações nesta matéria. Tornar-se-ia inte-ressante, em futuras investigações, aplicar e adaptar o programa SOI aoutras tipologias de população, nomeadamente na área da saúde men-tal e demências.

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A intervenção do psicólogo escolar em contextos de risco

Susana VilarinhoCarolina Carvalho

Resumo: Será que a intervenção de um psicólogo escolar, orientada por umPrograma de Competências de Vida (PCV) numa escola com elevada taxa deinsucesso escolar, pode alterar este cenário? No presente trabalho procura ana-lisar-se o impacto do PCV nos comportamentos de 52 alunos de 13 anos(M=12.94, DP=1.23), bem como no desempenho académico. A metodologiaadoptada foi de um estudo quasi experimental, onde os alunos do grupo de con-trolo (n=39), de 13 anos (M=12.79, DP=0.98), não foram alvo de intervenção.O PCV foi implementado durante um ano letivo pelo psicólogo escolar na pre-sença do diretor de turma, consistiu em 30 sessões e assentou em atividades par-ticipativas, assembleias de turma mensais e trabalho de projeto. O programa foiparte integrante do currículo escolar dos alunos. Um Questionário deCompetências de Vida foi aplicado aos alunos dos dois grupos, antes e após aintervenção. Compararam-se os resultados escolares e as competências de vidados dois grupos. Os resultados indicam que o grupo de intervenção reveloumaiores benefícios do que o grupo de controlo, nomeadamente no que diz res-peito ao valor da média total de competências, bem como do raciocínio crítico,aprender a aprender, empatia e resiliência. Os participantes do grupo de inter-venção registaram um maior sucesso académico (taxa de transição) do que osparticipantes do grupo de controlo. Enfatizamos as vantagens observadas paraalunos em risco de trajetórias escolares de insucesso e a importância do psíco-logo escolar em contextos de exclusão social.

Palavras-chave: Psicólogo escolar, Competências de vida, Prevenção.

Introdução

Portugal tem pela frente um grande desafio, segundo o relatório daOrganização de Cooperação e Desenvolvimento Económico: a melho -ria da qualidade e da equidade na educação (OECD, 2015a). A equi-dade refere-se a princípios de justiça e inclusão, e pretende que todosos indivíduos atinjam o seu potencial educacional, pelo menos numnível básico de competências, independentemente das suas caraterís -ticas pessoais (como o género, a origem étnica ou o contexto familiar).A investigação revela que os alunos de contextos socioeconómicos

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desfavorecidos tendem a ter uma maior probabilidade de apresentarbaixo desempenho académico com consequências na sua trajetóriaescolar (Tavares, Carvalho & Santos, 2015). Uma conse quência acabapor refletir-se no abandono precoce da escola, antes de completar oensino secundário. De acordo com dados da OCDE (2013) um em cadacinco jovens adultos abandona em média o sistema educativo revelan-do a ausência de justiça e inclusão social para todos os alunos que fre-quentam o sistema de escolaridade obrigatório.

No que concerne ao insucesso escolar, apesar da notável reduçãonos últimos anos, Portugal parece ainda confiar grandemente na reten-ção como forma de apoiar os alunos com baixo desempenho. Em 2012ficaram retidos pelo menos uma vez ao longo do seu percurso escolar34,3% da população estudantil portuguesa (OECD, 2013). Uma taxabastante elevada quando comparada com a média de 12% dos paísesda OCDE.

Apesar dos esforços e melhoria nas últimas décadas, em 2013Portugal continuava a registar uma taxa de abandono escolar precoce de19%, a terceira mais elevada da Europa (OECD, 2015a), com maiorincidência nos estudantes do sexo masculino (24%) do que do sexofeminino (14,5%). Este número significativo de jovens entre os 18 aos24 anos que abandona a escola sem ter concluído o ensino secundárioencontra-se em risco de exclusão social (Freire, Carvalho, Freire,Azevedo, & Oliveira, 2009), pelo que urge contrariar esta tendência,procurando caminhar para a meta de 10% estabelecida na EstratégiaEuropa 2020 (Comissão Europeia, 2010). O abandono escolar precocetem um impacto relevante nas oportunidades de vida dos jovens adultos,tal como produz efeitos externos negativos para a sociedade e baixa aprodutividade económica. Por estes motivos, e porque a tendência dedescida considera-se bastante promissora, Portugal deve continuar o seuesforço para diminuir as taxas de abandono escolar precoce, nomeada -mente através de iniciativas como o programa de Combate ao InsucessoEscolar e Abandono Escolar Precoce e o programa de TerritóriosEducativos de Intervenção Prioritária (OECD, 2015a).

O programa de Territórios Educativos de Intervenção Prioritária(TEIP) é uma resposta governamental que surgiu da necessidade de

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intervir prioritariamente em zonas geográficas onde existem crianças ejovens em risco de exclusão social e escolar (DGIDC, 2011). Nesteâmbito, o psicólogo escolar é chamado a intervir nas áreas do insuces-so, indisciplina e abandono escolar precoce. Para uma intervenção efi-caz deve adoptar-se uma abordagem sistémica, ecológica, preventiva eenriquecedora (Machado, 2001), como pensamos ser o caso da imple -mentação de programas de promoção e desenvolvimento de competên-cias.

As competências de vida, ou seja, as capacidades para apresentarcomportamentos positivos e adaptativos que permitem aos indivíduoslidar eficazmente com as exigências e desafios da vida quotidiana(WHO & UNICEF, 2003), são uma exigência da sociedade atual, e quese aplicam à generalidade dos contextos académico e profissional, pes-soal e/ou social. Nas últimas duas décadas a investigação tem vindo aenfatizar o poder preditivo que as competências sociais e emocionais,como o autocontrolo e a automotivação, têm em diversos domínios davida dos cidadãos (Kautz et al., 2014; OCDE, 2015b).

Weissberg, Durlak, Domitrovich e Gullota (2015) afirmam que coma implementação dos programas de Aprendizagem Socioemocional(ASE) esperam-se resultados a curto prazo, como o desenvolvimento decompetências sociais e emocionais, atitudes positivas em relação a si,aos outros e às tarefas que o indivíduo tem em mãos, comporta mentose relacionamentos interpessoais positivos, diminuição dos problemas decomportamento, redução do sofrimento emocional e melhoria dodesempenho académico. Mais ainda, o impacto a longo prazo implicamaior probabilidade de: conclusão do ensino secundário, preparaçãopara o ensino superior e para a carreira profissional, relacionamentossaudáveis, redução do comportamento criminal e cidadania partici -pativa.

As orientações das organizações com intervenção ao nível educativoindicam a necessidade de incluir a promoção de competências desdecedo no quotidiano escolar, tanto por constituírem uma estratégia pre-ventiva de comportamentos de risco e de psicopatologia, como por cor-responderem a necessidades da sociedade contemporânea do ponto devista profissional. São exemplo a Coordenação Nacional para a Saúde

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Mental (2008) e os Ministérios da Educação e da Segurança Social e doTrabalho (2004), que incentivam a prevenção nas escolas através daimplementação de programas de competências pessoais e sociais. AOrganização Mundial de Saúde (WHO & UNICEF, 2003) encoraja asescolas e as comunidades a realizarem a educação para a saúde baseadana promoção e desenvolvimento de competências. Recentemente, oMinistério da Educação vem reconhecer a impor tância das competênciasde vida ao publicar o Perfil dos Alunos à Saída da EscolaridadeObrigatória, através da homologação do Despacho n.º 6478/2017, de 26de julho. Desta forma, cria um quadro de referência desejável, necessa-riamente flexível para que possa ser partilhado numa ótica de educaçãopara todos. Aqui as competências são “(…) entendidas como combina-ções complexas de conhecimentos, capacidades e atitudes que permitemuma efectiva acção humana em contextos diversificados” (Direção-Geral da Educação, 2017, p. 9), e abrangem os domínios cognitivo emetacognitivo, social, emocional, físico e prático.

Weissberg et al. (2015) apresentam um modelo conceptual para aaprendizagem socioemocional (ASE) sistemática em contextos educa -tivos. A ASE compreende cinco domínios, relacionados entre si, decompetências cognitivas, afectivas e comportamentais que propor -cionam alicerces/bases para navegar com sucesso na escola e na vida(Weissberg et al., 2015). São eles: (1) a competência no domínio doautoconhecimento consiste em compreender as próprias emoções,objetivos pessoais e valores; (2) a competência no domínio do auto-controlo requer habilidades e atitudes que facilitem a capacidade deregular as emoções e os comportamentos; (3) consciência social impli-ca a capacidade de tomar a perspetiva de outros com diferentes back-grounds e culturas e para ser empático e solidário; (4) a capacidade derelacionamento interpessoal dão às crianças as ferra mentas de quenecessitam para estabelecer e manter relacionamentos saudáveis e gra-tificantes, e para agir de acordo com as normas sociais; (5) a tomadade decisão responsável é o domínio de competência que requer oconhecimento, as capacidades e as atitudes necessárias para fazer esco-lhas construtivas sobre comportamentos pessoais e interacções sociaisatravés de diversos contextos.

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O Programa de Competências de Vida (PCV) surge, por um lado,como uma possível resposta a um problema identificado numa escolaTEIP do distrito de Lisboa (as elevadas taxas de indisciplina, insuces-so e abandono escolar) e, por outro lado, como uma forma de poten-ciar a intervenção do psicólogo em contexto escolar, de forma preven-tiva e enriquecedora (Vilarinho, 2012). É um programa de intervençãoseletiva, uma abordagem pouco explorada no panorama europeu(Weare & Nind, 2011), isto é, dirigido a alunos que frequentam esco-las TEIP e que, por essa razão, apresentam fatores de risco associados,nomeadamente a maior probabilidade de uma trajetória de abandonoescolar precoce e de comportamentos de risco. O fim último doPrograma de Competências de Vida situa-se na linha da EducaçãoGlobal (Silva, 2010), ou seja, contribuir para uma cidadania ativa, umaconsciência global, através de uma aprendizagem transformativa.

O insucesso escolar, particularmente em escolas que integram oPrograma de Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, enqua -dram a problemática do presente estudo: será que a intervenção do psi-cólogo escolar, baseada num programa de desenvolvimento de compe-tências de vida, contribui para a promoção do sucesso escolar e para odesenvolvimento das competências? No presente artigo apre sentam-seos resultados parciais de uma investigação mais alargada no âmbito deuma tese de doutoramento, concretamente os que procuram dar res-posta a duas questões: (1) Existem diferenças entre o grupo de inter-venção e o grupo de controlo no que concerne às competências devida, após a implementação do PCV? Em que competências se obser-vam diferenças? e (2) Existem diferenças entre o grupo de intervençãoe o grupo de controlo no que diz respeito ao sucesso académico (tran-sição/não transição), após a implementação do PCV?

Metodologia

O presente estudo consiste num design quasi-experimental 2x2, compré e pós teste e grupos de intervenção e de controlo. A amostra é de

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conveniência (os alunos a frequentar o 7º ano de escolaridade de umaescola constituem o grupo de intervenção e de outra escola da mesmafreguesia o grupo de controlo). Foi assegurado que ambos os gruposfossem testados sob as mesmas condições.

Participantes

No início do ano letivo, a amostra era constituída por 101 alunos (60do grupo de intervenção e 41 do grupo de controlo). No entanto, devi-do a ausências no momento da aplicação do pós-teste, transferênciase/ou anulação de matrícula, a amostra final é constituída por 91 alunos.

A idade média do grupo de intervenção (13 anos) é praticamente idên -tica à do grupo de controlo, sendo que no primeiro grupo (M=12.94,DP=1.23) a idade máxima é de 17 anos e no segundo (M=12.79,DP=0.98) é de 15 anos.

Os participantes frequentavam seis turmas de duas escolas públicasda zona da grande Lisboa (quatro no grupo de intervenção e duas nogrupo de controlo), ambas inseridas no programa nacional de Territó -rios Educativos de Intervenção Prioritária. Participaram também trêsdocentes, nas assembleias de turma mensais do grupo de intervenção,dois lecionavam a disciplina de Matemática e um a disciplina de Físico-Química.

Instrumentos

O Programa de Competências de Vida (PCV) é um programa deintervenção seletiva que visa a promoção e o desenvolvimento de com-petências de vida de adolescentes a frequentar o 7º ano de escola ridadede escolas abrangidas pelo programa TEIP. A sua construção baseou-se na abordagem socioconstrutivista do desenvolvi mento e em autoresque sublinham a importância dos contextos culturais e das interaçõesinterpessoais no desenvolvimento do sujeito (Bruner, 1983; Rogoff,1990; Vygotsky, 1934/1978). Tomou como referência a definição decompetências de vida da Organização Mundial de Saúde: “(…) abili-ties for adaptive and positive behaviour that enable individuals to deal

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effectively with the demands and challenges of everyday life (WHO &UNICEF, 2003, p. 8).” Constituíram também referencial teórico e prá-tico a aprendizagem socioemocional (CASEL, 2015) e o Movimentoda Escola Moderna (MEM, 2018). As compe tências identificadas narevisão de literatura como relevantes para integrar o programa, e queencontram correspondência com os cinco domínios propostos pelaCollaborative for Academic, Social and Emotional Learning (2015)foram: aprender a aprender, assertividade, autoestima, cooperação,empatia, raciocínio crítico, resiliência e responsabilidade.

O programa é constituído por 30 sessões, dezasseis das quais se des-tinam a atividades estruturadas para a promoção e desenvolvimento decompetências de vida, através de métodos participativos (discussão emgrupo, dinâmicas de grupo, role-play) e do recurso a materiais diversi-ficados (como fichas de trabalho ou materiais audiovisuais). As res-tantes catorze sessões são divididas na realização de assembleias deturma e de um projeto final de turma.

As assembleias de turma, de periodicidade mensal, permitem o trei-no de competências pessoais e relacionais, e constituem um momentode discussão de assuntos importantes do grupo e/ou da escola e conse -quente resolução de problemas e tomada de decisões cooperativas. Já oprojeto final de turma apela ao direito (e correspondente dever) de par-ticipação cívica ativa, seja na vida da escola, seja na comunidade local.Os alunos são incentivados a desenvolver um pequeno projeto, cujadefinição do tema deverá emergir da motivação e necessidades dos par-ticipantes. Com a conjugação de atividades estruturadas e momentosmenos diretivos, procura-se promover a prática, a transferência e ageneralização das competências de vida, sob a orientação da psicólogaescolar e dos diretores de turma.

O Questionário de Competências de Vida (QCV) foi construído paraavaliar as competências de vida selecionadas para integrar o PCV. Foirealizado um estudo-piloto com indivíduos semelhantes aos da popu-lação-alvo, para identificar possíveis problemas inerentes à formula-ção dos itens. Posteriormente o instrumento foi validado com umaamostra nacional representativa do universo de escolas TEIP. Após a

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análise factorial, na versão final, o questionário encontra-se estruturadoem duas partes. Os 35 itens da primeira parte correspondem às compe-tências em estudo, numa escala tipo Likert de quatro pontos (1 – nunca, 2 – poucas vezes, 3 – muitas vezes, 4 – sempre). Na segun-da parte colocam-se algumas questões relativas a dados sociodemo -gráficos (idade, género, percurso escolar, contexto familiar). O seupreenchimento ronda os 20 minutos. Obtém-se um resultado total dasCompetências de Vida (CV total), bem como resultados parcelares paracada Competência de Vida (Subescalas). Obtivemos uma boa medidade fidelidade, tanto no pré-teste (α=.901) como no pós-teste (α=.903).

Procedimento

Realizaram-se entrevistas com as diretoras de duas escolas que acei-taram participar no estudo, explicitando o seu objetivo. O Programa deCompetências de Vida foi apresentado ao Conselho Pedagógico daescola do grupo de intervenção, tendo sido aprovada a sua implemen-tação. Por questões essencialmente éticas, todas as turmas da escolabeneficiaram do mesmo. Foi solicitado o consenti mento informadoativo aos encarregados de educação dos alunos. Foi realizada uma reu-nião com os diretores de turma participantes no PCV, explicitando omodo de funcionamento das assembleias de turma e os objetivos doprograma.

O programa foi implementado durante um ano letivo em três turmasdo 7º ano de escolaridade de uma escola secundária com 3º ciclo doensino básico do distrito de Lisboa (grupo de intervenção), com umaperiodicidade semanal, em sessões de 45 minutos, em horário escolar,como parte integrante do currículo (Vilarinho & Carvalho, 2013). Apsicóloga escolar implementou todas as sessões às três turmas, emcolaboração com o/a diretor/a de turma, que participava também nasatividades propostas. As sessões decorreram numa sala preparada parao efeito, com as cadeiras dispostas em U. O grupo de controlo não usu-fruiu de qualquer programa.

Solicitou-se aos alunos de ambos os grupos que respondessem aoquestionário QCV durante o primeiro período escolar e no final do ano

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letivo, com um intervalo de cerca de oito meses. Após a leitura das ins-

truções em voz alta, os alunos responderam ao questionário sem tempo

limite. Antes de os recolher, solicitou-se que verificassem se tinham

respondido a todas as questões. A psicóloga procedeu também a essa

verificação.

Resultados

Uma primeira leitura dos resultados revela que o grupo de controlo

tem, na sua constituição, uma percentagem ligeiramente superior de

participantes do sexo feminino (59%). O número médio de retenções

(uma retenção) e das habilitações académicas da mãe (oito anos de

escolaridade), por aluno, é semelhante nos dois grupos. Relativamente

às habilitações académicas do pai, são ligeiramente superiores no

grupo de intervenção (nove anos). O grupo de controlo tem um maior

número de participantes de nacionalidade portuguesa. Esta foi a única

diferença estatisticamente significativa [χ2(1)=5.469, p=.019], nas res-

tantes caraterísticas os grupos consideraram-se equivalentes.

Tabela 1

Caraterização dos participantesGrupo intervenção Grupo controlo

Nº alunos 52,00 / 0,00 39,00 / 0,00Nº turmas 03,00 / 0,00 02,00 / 0,00Idade (M/DP) 12,94 / 1,23 12,79 / 0,98Retenções (M) 00,90 / 0,00 00,74 / 0,00Habilitações pai 08,72 / 0,00 07,56 / 0,00Habilitações mãe 08,08 / 0,00 07,82 / 0,00

Masculino Feminino Masculino FemininoSexo (%) 46,2**0 53,8**0 41,0**0 59,0**0

Portuguesa Estrangeira Portuguesa EstrangeiraNacionalidade (%) 69,2**0 30,8**0 89,7**0 10,3**0

Nota. **p=.019.

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O estudo mais aprofundado dos dados com base numa análise explo -ratória revelou estarem cumpridos os pré-requisitos necessários à utili -zação de testes paramétricos, nas subescalas raciocínio crítico, empatia,responsabilidade e competências total. Para analisar a significância dosresultados do ponto de vista estatístico, recorreu-se ao teste ANOVA demedições repetidas. Para as subescalas cooperação, resiliência, autoes -tima e aprender a aprender, os resultados foram analisados recorrendo aoteste Wilcoxon.

A primeira questão do estudo procurava analisar o impacto da imple -mentação do PCV nas Competências de Vida, analisando se existemdiferenças estatisticamente significativas entre o grupo de intervenção eo grupo de controlo, e em que competências se observam diferenças.Apresentam-se os resultados do índice total de Competências de Vida(Tabela 2) e das Subescalas (Tabela 3).

Tabela 2

Índice total de competências de vida dos grupos de intervenção e contro-lo nos pré e pós testes

Grupo de intervenção Grupo de controlo

Competências Pré Pós Pré Pós

Total (M) 3,20 3,24** 3,35 3,34**

Nota. **p=.05.

Tabela 3

Médias das subescalas dos grupos de intervenção e controlo nos pré epós testes

Grupo de intervenção Grupo de controlo

Subescalas Pré Pós Pré Pós

Raciocínio crítico 3.17 3,28** 3,22 3,30**Aprender a aprender 3,05 3,09** 3,26 3,21**Empatia 3,36 3,41** 3,48 3,43**Responsabilidade 2,87 2,83** 2,91 3,04**Cooperação 3,23 3,10** 3,57 3,54**Resiliência 3,14 3,18** 3,14 3,05**Autoestima 3,63 3,68** 3,67 3,73**

Nota. **p=.05.

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O grupo de intervenção, na globalidade, aumentou o valor da médiatotal de competências, enquanto o grupo de controlo diminuiu. Estadiferença revelou-se estatisticamente significativa.

O grupo de intervenção aumentou o resultado médio de todas assubescalas, à exceção da responsabilidade e da cooperação. O grupo decontrolo aumentou o valor da média das subescalas raciocínio crítico,responsabilidade e autoestima.

Ambos os grupos aumentaram o valor da média da subescala racio -cínio crítico, do pré para o pós-teste. No entanto, o aumento do grupode intervenção revelou-se estatisticamente significativo.

Tabela 4

Taxa de sucesso (transição) dos grupos de intervenção e controloTransitou Não transitou

Grupo de intervenção 80,8%** 19,2%Grupo de controlo 61,5%** 38,5%

Nota. **p=.05.

Em relação à segunda questão colocada, se a implementação do PCVteria impacto na taxa de transição dos alunos, observam-se diferençassignificativas entre o grupo de intervenção e o grupo de controlo no queconcerne ao sucesso académico. No grupo de intervenção transitou umamaior percentagem de participantes (81%) do que no grupo de contro-lo (62%). Esta diferença revelou ser estatisticamente significativa.

Conclusão

No presente estudo, a psicóloga escolar implementou o Programa deCompetências de Vida ao longo de um ano letivo, em colaboração comos/as diretores/as de turma. Os resultados sugerem que a intervençãoresultou em maiores benefícios para o grupo de intervenção do quepara o grupo de controlo. No que diz respeito às Competências deVida, esta diferença demonstrou ser significativa do ponto de vista

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estatístico no índice de Competências Total e no Raciocínio Crítico.Pensamos que a descida da média das subescalas Responsabilidade eCooperação, no grupo de intervenção, poderá estar associado ao factode este grupo ser constituído por uma maior percentagem de alunos denacionalidade estrangeira e, possivelmente, enfrentar algumas dificul -dades de inclusão. Relativamente à taxa de transição, o grupo de inter -venção obteve também melhores resultados, significativos do ponto devista estatístico, tendo apresentado mais sucesso académico.

Os psicólogos escolares reconhecem que a implementação de progra -mas de promoção de competências socioemocionais são uma forma depromover um desenvolvimento integral equilibrado, e apostam cada vezmais neste tipo de intervenção (Marques Pinto & Raimundo, 2016).

Finalizamos recordando que atingir níveis elevados de qualidade eequidade na educação resulta em indivíduos com mais competências aentrar no mercado de trabalho e promove oportunidades educacionaispara todas as crianças, enquanto previne que os contextos socioeconó -micos sejam fatores determinantes de desempenho académico (OECD,2015a).

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As perdas podem contribuir para o desenvolvimento psíquico?

Cristina CruzHelena Ventura

Margarida Pocinho

Resumo: O luto é caracterizado por um conjunto de particularidades que o tornadistinto de outros processos comportamentais. O objetivo deste trabalho consis-te em fazer uma abordagem sobre as perdas na infância até à adolescência, sobrea forma de como a criança e o jovem vivem o processo de luto. Este estudo ana-lisa a forma de como as crianças e os jovens percecionam as perdas. Para com-preender este fenómeno, foi utilizado o desenho e uma grelha de análise queteve como base o questionário Fear Survey Schedule for Children – Revised(FSSC-R) de Ollendick. Participaram crianças e jovens com idades compreen-didas entre 9 e 17 anos que frequentam o 5º e 9º ano de escolaridade, em esco-las públicas e privadas do Funchal. Os principais resultados revelam que o temamais representado pelas crianças está relacionado com a perda associada à mortede uma figura significativa e do seu animal de estimação e na do jovem acresceo amor pelo outro. Este estudo permitiu-nos ainda, conhecer os fatores quepodem facilitar ou dificultar o processo de luto nas crianças e nos jovens, como intuito de integrá-lo de forma saudável no seu desenvolvimento e contextosocial.

Palavras-chave: Perdas, Crianças, Jovens.

Introdução

Existem poucos estudos realizados em Portugal sobre as perdas e amorte na infância e adolescência, assim, será pertinente perceber a per-ceção que os mesmos têm sobre este tema.

Em 2010, após a intempérie do 20 de fevereiro na Madeira, verifica -mos que diversas famílias e alunos da nossa escola foram gravementeafetados. O serviço de psicologia teve a necessidade de intervir juntoda população afetada por esta catástrofe. Neste sentido, seria impor -tante estudar de que forma as crianças e jovens reagem às situações deperda. Com o intuito de compreender melhor estas temáticas das per-das e da morte, um grupo de psicólogas da Madeira realizou uma reco-

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lha de dados em algumas escolas públicas e privadas do ensino básico,das quais as crianças e os jovens tinham vivenciado perdas.

As perdas afetam, com maior ou menor intensidade, a vida de todosnós e podem originar processos emocionalmente muito significativos.As perdas que causam mais impacto psicológico, normalmente ocorremno contexto de relações bastante significativas (Canavarro, 2004). Noentanto, as perdas sentidas pelas crianças nem sempre são reconhe -cidas pelos adultos como sentimentos de dor e medo. Por sua vez, asperdas são associadas a diferentes dimensões tais como, a dor da perdade um amigo, uma discussão, o medo de deixarem de ter a atenção dospais após o nascimento de um irmão mais novo ou de perderem alguémmuito importante – são fatores que provocam sofrimento. Brazelton(2010) refere que a aprendizagem relacionada com a perda e o desgostopode ser uma experiência importante para uma criança e pode ser tam-bém uma oportunidade para a família partilhar as suas crenças e senti-mentos e reunir as defesas necessárias para enfrentar o desgosto.

O processo de recuperação envolve uma readaptação das relações eredistribuição dos papéis necessários para colmatar a perda e continuarcom a vida familiar. É fundamental promover a coesão e flexibilidadeno sistema familiar para o seu equilíbrio (McGoldrick & Walsh, 1998).

Cerqueira (2004) acrescenta que o trabalho de luto exige investi -mentos de energia que é gasta no sofrimento de perda, na assimilaçãoda perda e na reconstrução. E isto passa-se tanto a nível individualcomo familiar. No primeiro existe ambivalência entre reaver o objetoperdido, a culpabilidade e revolta. A nível familiar surge uma crise demudança dando lugar a processos de reestruturação que conduz aoequilíbrio do sistema familiar. Nas crianças e nos adolescentes o pro-cesso de luto é uma experiência comum, mas angustiante. Trata-se deuma reação normal à perda de uma pessoa ou de um objeto de investi-mento (um animal, um ideal, um projeto, um lugar). O luto permiteadaptar-se à perda e à separação, sendo processo necessário e indis-pensável (Cerqueira, 2004; Machado, 2006).

Segundo Machado (2006), existem alguns aspetos que influenciama forma como a criança e o adolescente experiencia o processo de lutoe que devem ser tidos em conta, para que se possa ajudar e apoiar os

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mesmos neste processo, tendo em conta, a idade que possui na alturada perda, da personalidade, do estádio de desenvolvimento cognitivo epsicossocial, as vivências anteriores à experiência da perda, os valoresfamiliares, culturais, religiosos, sociais.

As variáveis que influenciam o percurso do luto na infância e ado-lescência estão relacionadas com as causas e circunstâncias da perda,o que se diz à criança/jovem e onde, que oportunidades lhe são dadas,mais tarde, para fazer perguntas sobre o que aconteceu; as relações defamília depois da perda, referência à permanência da criança com oprogenitor sobrevivente e como passaram a ser as “novas” (caso sur-jam) formas de relacionamento como consequência da perda; os mode-los de relação dentro da família antes da perda principalmente no quese refere aos padrões que predominavam entre os pais e entre cada umdeles e a criança enlutada (Bowlby, 1998).

Metodologia

Participantes

A amostra inclui 167 crianças e adolescentes com idades compreen -didas entre 9 e 17 anos que frequentam o 5º e 9º ano de escolaridade, emescolas públicas e privadas do Funchal. No entanto, desta amostra inicialapenas 82 crianças responderam às instruções do estudo: realizar repre-sentações iconográficas das perdas e dos medos das crianças. Os restan-tes desenharam ilustrações que não corresponderam ao solicitado eforam excluídos deste estudo. Outros ainda embora tenham desenhadoassuntos congéneres não realizaram a narrativa correspondente.

Instrumento

O instrumento de recolha de dados utilizado consistiu nas represen -tações iconográficas das perdas e dos medos das crianças. São diver-sas as investigações (Carvalho & Barbosa-Lima, 2008; Copper-Royer,2007; Coquet, 1995; Roberto, Miranda, & Cavadas, 2011) que utilizam

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o desenho como instrumento de recolha de dados, por serem relevan-tes para aferir as ideias das crianças e dos adolescentes que por vezesse torna difícil explicar por palavras. A utilização do desenho permiteà criança e ao adolescente modificar a realidade, ao fazer surgir algoque não existe antes e fazendo-a, simultaneamente, sentir-se autoradessa transformação. O desenho é o meio de comunicação e de repre-sentação que a criança usa para expressar as suas ideias, perceções edescobertas (Coquet, 1995).

Procedimentos

Num primeiro momento foram contactados os diretores das escolas,de forma a autorizar o estudo e, num segundo momento, foi solicitadoaos pais a autorização para a participação dos seus filhos no estudo. Aeste grupo foi solicitado que representasse graficamente uma perda sig-nificativa ou um medo, ou seja, que expressassem através do desenhouma perda ou um medo que tivesse causado impacto ou sofrimento nasua vida. Foi também indicado que elaborassem uma narrativa acercado desenho que fizeram.

O questionário Fear Survey Schedule for Children – Revised (FSSC-R) de Ollendick (1983) esteve na base da construção da grelha de aná-lise usada para classificar os medos ilustrados nos desenhos das crian-ças e nas narrativas das crianças. Este questionário está organizado por5 fatores: o medo do perigo e da morte, o medo do falhanço e da críti-ca, o medo do desconhecido, o medo de pequenos animais e o medo deatos médicos.

No presente estudo, após uma análise exploratória dos desenhos edas narrativas, excluiu-se o medo “falhanço e da crítica” e o “medo depequenos animais”, de acordo com os fatores usados por Ollendick(1983), por não terem sido representados por nenhuma participante.Contudo foram ainda incluídos, de acordo com a literatura, outros fato-res que foram representados pelos participantes no que se refere às per-das de animais, perda de objetos e perda por afastamento ou ausência.

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Apresentação e discussão dos resultados

Após uma análise dos desenhos realizados pelas crianças e adoles -centes verificamos que estas exprimem as suas representações mentais.Estas produções implicam a representação de uma imagem real que seliga à imagem mental que as mesmas têm sobre a morte e perda.

Verificamos que os temas retratados pelas crianças são diferentes dosadolescentes, enquanto os primeiros representam e dão significados àsperdas por afastamento ou ausência de alguém que foi significativo, doobjeto estragado, do animal de estimação e do familiar que morreu; osadolescentes dão mais significado às perdas relacionadas com a morte,o suicídio e o medo de morrer.

O tema mais figurado pelas crianças relaciona-se com a morte deum familiar ou animal de estimação. Na Figura 1 podemos observar umdesenho de um menino de 10 anos que representou a seu avô dizendoque tem muitas saudades dele e que ele é um querido. Louzette e Gatti(2007) explicam que perder alguém significativo implica a necessi -dade de adaptação a viver sem ela, e, para a criança, a perda de umafigura de referência influencia o seu desenvolvimento. Estas influên -cias podem ser a nível social, emocional, comportamental levando acriança a acreditar que só ela perdeu um ente querido.

Figura 1. Crianças de 10 anos que perdeu o avô

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Em relação à perda do animal de estimação, as crianças representam

e relatam histórias do seu animal. Como podemos observar na Figura

2, uma criança de 9 anos que representou a sua tartaruga Frédi, que é

um menino. Salientou a criança: “todos os dias ainda me lembro dele

e prometi ao Frédi que nunca o esqueceria”. Quase todas as crianças já

experienciaram a perda de um animal de estimação. Machado (2006)

refere que para preparar uma criança para a perda deverá fazer parte do

quotidiano da criança, para que esta a aceite como um fenómeno natu-

ral, ou seja, as flores secam e morrem, um animal de estimação que

adoece e morre, associando a estas situações o processo de irreversibi-

lidade.

Figura 2. Desenho da perda do animal de estimação

Podemos verificar que nos adolescentes as temáticas mais ilustradas

estão relacionadas com o medo de morrer. Kovács (2008) refere que o

medo de morrer é universal e atinge todos os seres humanos indepen-

dentemente da idade, sexo, nível socioeconómico. O jovem de 15 anos

representou um pensamento sobre o medo de morrer e de como este

ficaria neste estado de falecimento (Figura 3).

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Figura 3. Representação gráfica de um jovem de 15 anos acerca do medo de morrer

Dado o processo de maturação de que o adolescente é sujeito, é cres -cente a tomada de consciência da finitude da vida. Simultaneamenteneste processo evolutivo os jovens pensam sobre o sentido da vida e,por conseguinte, na morte e no suicídio. Neste estudo os jovens repre -sentam mais a visão da morte como algo natural no desenvolvimentohumano, ou seja, como facto universal e inevitável (Figura 4). SegundoKovács (2008) e Rodriguez e Kovács (2005) na adolescência, a morteé pensada como impedimento da realização de sonhos e da concreti -zação de objetivos, os quais são inerentes à fase de desenvolvimento queo adolescente se encontra, onde tudo acontece e está a ser construído.

Figura 4. Representação gráfica de um jovem de 15 anos acerca da linha da vida

Outro adolescente representa a morte como algo que é doloroso epenoso, sendo o mesmo visto como um processo que envolve compor -tamentos autodestrutivos os quais não são naturais. Segundo Mesquita,Ribeiro, Mendonça e Maia (2011) o comportamento suicida envolve

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um conjunto de pensamentos, motivações e acções cujo intuito é o depôr termo à própria vida, ou seja, implica uma autoagressão inten -cional com o fim de provocar a morte.

Figura 5. Representação gráfica de uma jovem de 14 anos acerca do suicídio

Conclusões

Os resultados descritos vão no mesmo sentido do que Pinto (1996)salientou, ou seja, as crianças passam por uma angústia que é marcadabasicamente pela separação do ente querido, pelo temor ao desconhe -cido, pelo afastamento ou ausência de alguém significativo e pela mortedo animal de estimação. O autor acrescenta, ainda, que as crianças têmcapacidade para desenvolver uma noção sobre a sua própria morte. Apartir dos 8 anos este conceito gira em torno da perda física e da irre-versibilidade.

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O mecanismo de defesa face ao processo de luto mais frequente -mente utilizado pelas crianças participantes neste estudo foi a fantasia,verificada através das representações icónicas e respetivas narrativas.Estes dados são concordantes com as investigações que Franco eMazorra (2007) referem que crianças e jovens também relacionaram assuas fantasias com o processo de luto e concluíram que, através da fan-tasia, é possível favorecer o processo de elaboração do luto e que ossentimentos manifestados pelas crianças, como desamparo em relaçãoà morte de um dos progenitores, podem desencadear em cada criançasentimentos de ameaça à sua sobrevivência física e emocional e levarao desenvolvimento de quadros psicopatológicos na idade adulta.

Este estudo permitiu-nos compreender melhor como é a criançavivência a experiência da perda e da elaboração do processo de luto.Permitiu-nos ainda conhecer os fatores que podem facilitar ou dificul-tar esse processo e o tipo de intervenção que deve ser realizada paraque a criança e o adolescente consigam ultrapassá-lo de uma formasaudável. Os psicólogos e outros especialistas da saúde mental devemestar dispostos a abrir um espaço para a comunicação, o que irá ajudara criança e o jovem a expressar os seus sentimentos. O impor tante énão ficar indiferente e aprender a pensar sobre as coisas do mundo, asboas e as más, mas implica disponibilidade para escutar, olhar e verpara além da superfície.

Ao criar estes espaços para o tema da morte nas escolas é precisoobservar a dinâmica institucional e selecionar profissionais que sejamfacilitadores da comunicação entre crianças, adolescentes, adultos,idosos, famílias e profissionais de saúde e educação diante desse tematão complexo e presente.

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Aspetos afetivos e regulatórios durante o processo de estudo de estudantes do ensino superior

Fátima LealLuísa Grácio

Resumo: A universidade exige que os estudantes desenvolvam e utilizem estraté -gias de estudo e de aprendizagem mais profundas e profícuas do que nos níveisde ensino anteriores (Almeida, Araújo, & Martins, 2016). Durante o processo deestudo e de aprendizagem emergem emoções académicas (Pekrun, 2014) e afetoque interferem significativamente com a prestação dos estudantes. Identificaraspetos afetivos e de regulação emocional durante o estudo revela-se importan-te para maximizar a aprendizagem (quer aumentando o afeto positivo potencia-dor da aprendizagem quer diminuindo o afeto negativo de forma a não prejudi-car o estudo e a aprendizagem dos estudantes). Esta investigação qualitativateve por objetivo conhecer o que os estudantes de ensino superior sentemenquanto estudam e quais as estratégias regulatórias que utilizam para lidar comessas experiências emocionais. Os dados foram recolhidos através de entrevis-tas semiestruturadas realizadas a 48 estudantes e tratados através de análise deconteúdo. Os resultados mostraram que as experiências afetivas dos estudantesse caracterizam por variabilidade emocional e diferenciação em termos de pre-sença/ausência de gosto, vivência de dificuldade e regulação afetiva. Conclui-seque apesar dos estudantes mobilizarem estratégias emergem poucas estratégiasde regulação emocional para lidarem com o muito que sentem enquanto estu-dam. Propostas de intervenção são deixadas nas conclusões deste trabalho.

Palavras-chave: Estudo, Ensino superior, Emoções académicas, Regulaçãoemocional.

A aprendizagem envolve não só comportamentos e processos cogni -tivos, mas também componentes afetivas (Efklides, 2009). O estudodas componentes afetivas envolvidas no processo de aprendi zagem(Kahu, Stephens, Leach, & Zepk, 2014) revela que atualmente existeminúmeras perspetivas e definições de construtos como o afeto, humor,emoções, sentimentos e motivação. De uma forma geral, o afeto éusado para designar aspetos não cognitivos como emoções, auto-conceito, crenças e motivação (Goldin, 2014; Shuman & Scherer,2014). Para alguns autores o afeto refere-se mais especificamente àsemoções e ao humor (e.g., Pekrun & Linnenbrink-Garcia, 2014)

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variando de acordo com duas dimensões: agradabilidade e ativaçãopositiva ou negativa (e.g., Fredrickson, 2001). Por sua vez o humor eas emoções são considerados distintos (Liew & Tan, 2016). Asemoções são intensas, desencadeiam respostas orientadas para a ação(Fridja, 2009) e influenciam a ação à medida que preparam o corpo ea mente para uma resposta adequada e instantânea (Liew & Tan, 2016).Os estados de humor operam com menor intensidade do que asemoções (Fridja, 2009) e têm uma influência mais duradoura e subtilnos processos cognitivos (Liew & Tan, 2016). Contrariamente àsemoções, os estados de humor são mais difusos, sem um foco e objetoespecíficos, sem causas evidentes e com pouco conteúdo cognitivoconsciente (Forgas, 2013).

As tarefas de estudo e de aprendizagem desencadeiam emoções nosestudantes (Pekrun, 2006) e as suas experiências emocionais variamdurante o seu percurso académico (Daniels, Haynes, Stupnisky, Perry,Newall, & Pekrun, 2008). As emoções académicas são experiênciasemocionais que se relacionam diretamente com atividades ouresultados relevantes de competência (Pekrun, 2006), com contextos esituações académicos como a sala de aula e a realização de testes eexames (Goetz, Preckel, Pekrun, & Hall, 2007). Pekrun destaca doismodelos teóricos das emoções académicas: a teoria sociocognitiva decontrolo-valor das emoções académicas de realização (Pekrun, 1998,2000) e o modelo cognitivo-motivacional do efeito das emoçõesacadémicas (Pekrun, 1992, 2002).

A teoria sociocognitiva de controlo-valor das emoções de realizaçãoacadémica (Pekrun, 1998) considera que os indivíduos experimentamemoções específicas de acordo com as situações em que se sentemcomo tendo ou não controlo sobre as situações de aprendizagem(atividades e/ou resultados) e conforme estas sejam consideradassubjetivamente importantes (valor) para si. O controlo e o valor sãoentendidos como antecedentes das emoções de realização (Pekrun,2006; Pekrun, Goetz, Titz, & Perry, 2002). As emoções de realizaçãosão agrupadas de acordo com três dimensões: o valor (positivo versusnegativo e agradável versus desagradável), o grau de ativação (ativanteversus desativante) e objeto foco (atividade ou resultado).

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O modelo cognitivo-motivacional das emoções académicas(Pekrun, 1992, 2002) postula que as emoções influem naaprendizagem e que este efeito é mediado por mecanismos cognitivose motivacionais. O modelo considera que, para além de emoçõespositivas e negativas, existe outra valência das emoções, a ativação, oque permite considerar uma taxonomia de emoções de realizaçãoacadémica com quatro grupos: emoções positivas ativantes; emoçõespositivas desativantes; emoções negativas ativantes e emoçõesnegativas desativantes (Pekrun et al., 2002). As emoções positivasativantes (e.g., alegria) aumentam a motivação e o esforço e ajudam adirigir a atenção para a realização das tarefas. As emoções positivasdesativantes (e.g., alívio e relaxação) podem, por um lado, diminuir amotivação, mas por outro, podem levar a manter o esforço ao longo dotempo. As emoções negativas ativantes (e.g., raiva, ansiedade evergonha) têm papéis ambivalentes dado que podem reduzir amotivação intrínseca, mas também podem desencadear uma fortemotivação extrínseca para lidar com os eventos que as causaram. Estesefeitos dependem das situações em causa e do equilíbrio entremecanismos intrínsecos de cada sujeito. Emoções desativantes como oaborrecimento e o desespero podem ser prejudiciais pelos efeitosredutores da atenção e da motivação (Pekrun, 2007).

De acordo com a perspetiva da metacognição (Flavell, 1979), ossentimentos são experiências metacognitivas que têm por base umcaráter cognitivo (informacional) e um caráter afetivo (Efklides,2006). Os sentimentos metacognitivos permitem que a pessoa tomeconsciência sobre a forma como o processamento cognitivo está adecorrer durante a realização de uma tarefa numa perspetivaexperiencial (e.g., sentimento de saber, de familiaridade, dedificuldade, de confiança, sentimento de satisfação e estimativa deesforço). Os senti mentos metacognitivos surgem particularmentequando as condições não pemitem análises completas da situação, porexemplo quando há pressão de tempo, falta de acesso à informação damemória ou sob condições de incerteza (Efklides, 2006). Na maiorparte das vezes, os sentimentos são momentâneos, transitórios e/oupassam desperce bidos, mas quando são fortes e persistentes, a pessoa

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torna-se consciente do que está a sentir e esta consciência dá espaço aprocessos analíticos conscientes tais como o motivo pelo qual estessurgem, as suas implicações e a necessidade de regular o seucomportamento (Efklides, 2011).

A motivação pode ser vista como um processo que integra objetivospessoais, emoções, crenças e valores relacionados com tarefas especí -ficas (D’Lima, Winsler, & Kitsantas, 2014). O crescente reconhe -cimento da importância das expetativas e do incentivo para amotivação levou ao desenvolvimento das teorias de expetativa-valor.Estas teorias fundamentam-se na ideia de que o comportamento dosindivíduos varia de acordo com o valor que estes atribuem aos seuspróprios objetivos e de acordo com a perceção que têm acerca daprobabilidade de os atingir. A teoria da expetativa-valor (Eccles &Wigfield, 2002) fundamenta-se no pressuposto de que os sujeitos sãomotivados para as tarefas quando acreditam que conseguirãocorresponder e ter sucesso na concretização das mesmas (expetativasde eficiência) e/ou quando consideram que essa tarefa vale a pena. Noâmbito da motivação é importante também ter presente a teoria daauto-determinação (SDT- self-determination theory) que considera queas pessoas diferem em termos da quantidade e do nível de motivaçãoe em termos do tipo e orientação para a motivação (Ryan & Deci,2000). A autodeterminação é definida como a consciência ou a consta -tação de que as pessoas são a origem da ação e que têm controlopessoal sobre essa ação. Esta teoria salienta aspetos autodeterminadosda natureza humana através dos quais os indivíduos dirigem e contro -lam a sua aprendizagem, a sua motivação e o seu desempenho(Siqueira & Weschler, 2006). Segundo esta teoria existem três tipos demotivação que dão origem a uma ação: desmotivação, motivaçãoextrínseca e motivação intrínseca. A desmotivação é caraterizada pelaausência de motivação, ou seja, a pessoa não apresenta intenção nemcomportamento proativo, é evidente a desvalorização da atividade e afalta de perceção de controlo pessoal (Guimarães & Bzuneck, 2008).A motivação intrínseca surge relacio nada com o prazer de aprender eda realização da tarefa, enquanto a motivação extrínseca apareceassociada com o desejo de obter uma recompensa ou evitar um castigo

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ou punição (Serafini, 2001). Esta teoria pode ser resumida numcontinuum de autodeterminação que indica diferentes tipos de motiva -ção que variam qualitativamente conforme a internalização das regu -lações externas para o comportamento (Leal, Miranda, & Carmo,2013). A experiência e o desempenho podem ser muito diferentesconsoante o comportamento está a decorrer por motivação intrínsecaou extrínseca (Ryan & Deci, 2000). Em termos da relação entremotivação e aprendizagem, os alunos intrinsecamente motivadosenvolvem-se nas tarefas de estudo e aprendizagem e mantêm interessepelas tarefas em si, porque as consideram agradáveis e geradoras desatisfação. Os alunos extrinsecamente motivados desempenham asatividades pelas recompensas externas como a opinião dos outros,obter reconhecimento, receber elogios ou evitar punições (Siqueira &Wechsler, 2006).

A regulação emocional pode ser vista como a forma como os indiví -duos experienciam as suas emoções, as expressam e tentam influenciá-las (Gross, 2008). A regulação de emoções ocorre conjuntamente coma regulação de estados afetivos mais gerais como o estado de humor, ostress e de outros tipos de respostas afetivas (Koole, van Dillen, &Sheppes, 2011). Autores como Pekrun e Stephens (2009) salientamestratégias de regulação emocional importantes no contexto acadé -mico: regulação orientada para a emoção (tendo como alvo direto aemoção e usando técnicas de relaxamento ou fármacos); regulaçãoorientada para a avaliação (fazendo reavaliação das situações e treinoatribucional); regulação dos objetivos e crenças relacionadas(alterando os objetivos de realização e crenças relacionadas com arealização que influenciam as avaliações e as emoções); treino decompetências (visando os conhecimentos relevantes ou as estratégiasde estudo); seleção das tarefas e dos ambientes (escolhendo tarefas econtextos académicos adequados que preencham ambientes indivi -duais); procura de suporte social (fazendo uso de materiais para atarefa e de ambientes de procura de ajuda); otimização das tarefas e doclima de realização em sala de aula (regulando os ambientes, mudandoas tarefas e o ambiente de realização). Todas estas estratégias podem

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ser aplicadas individualmente pelos estudantes e/ou em interação comos próprios contextos académicos.

Metodologia

A presente investigação visa conhecer as experiências de estudo e deaprendizagem dos estudantes do ensino superior nas suas vertentes,afetiva e regulatória, através de uma abordagem qualitativa eexploratória. Constituem-se como objetivos específicos: (1) identificaros aspetos afetivos experimentados pelos estudantes enquanto estão aestudar; (2) identificar as estratégias que os estudantes utilizam paralidar com o que sentem quando estão a estudar. Os dados foramrecolhidos através de entrevistas semi-estruturadas através de duasquestões: (1) O que costumas sentir quando estás a estudar? e (2) Comolidas com o que sentes quando estás a estudar? Participaramvoluntariamente 48 estudantes de primeiro ciclo de uma instituição deensino superior portuguesa, de ambos os sexos e com idades entre os 18e os 25 anos. A média de idades foi de 20.6. Após a aceitação departicipação e do consentimento informado dos estudantes realizaram-se individualmente as entrevistas. Os dados foram registados emformato áudio e transcritos na sua totalidade. Na altura de realizaçãodas entrevistas, todos os estudantes já tinham experienciado o ensinosuperior durante pelo menos um semestre letivo, já tinham sidosubmetidos a avaliação e tido conhecimento dos resultados obtidos.Deste modo foi assegurado que todos os estudantes entrevistadostivessem tido oportunidade de estudar e aprender dentro e fora de salade aula.

Para a análise e tratamento de dados recorreu-se à análise deconteúdo, respeitando as suas várias fases (Bardin, 2008). A análiseenvolveu um processo de categorização da informação baseada nocritério semântico do discurso dos estudantes considerando-se comounidades de significado os elementos que representam uma ideia, umasituação e/ou conteúdos de informação compreensíveis por si mesmos

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(Schilling, 2006). O resultado traduziu-se numa lista de categoriasordenadas e agrupadas coerentemente de acordo com os temasidentificados. A codificação das unidades de registo foi feita por trêsinvestigadores – acordo interjuízes – de forma a controlarenviesamentos, recorrendo às técnicas de consenso e reflexão falada(Almeida & Freire, 2008). As situações de discrepância foramresolvidas através da revisão da análise da codificação pelos juízes e oíndice de fidelidade foi calculado através da equação total de casos deacordo dos vários codificadores a dividir pelo somatório dos casos deacordo com os casos de desacordo (Esteves, 2006). O nível deconcordância final entre estes avaliadores foi de 95%. Empregámos aestatística descritiva simples e realizámos a análise de frequências emfunção das unidades de sentido.

Resultados

A análise dos resultados apresenta-se tendo em conta a grelha deanálise temática e categorial considerando os temas da investigação:experiências afetivas durante o estudo e estratégias para lidar com oque sente durante o estudo. Por uma questão de parcimónia, apresenta -remos somente alguns exemplos mais representativos das verbali -zações proferidas pelos estudantes.

Aspetos afetivos durante o estudo

A análise do discurso dos estudantes à questão “o que é quecostumas sentir quando estás a estudar?” permitiu identificar cincocategorias: variabilidade emocional, aspetos afetivos quando gosta deestudar, aspetos afetivos quando não gosta de estudar, aspetos afetivosface à dificuldade e regulação afetiva.

Podemos observar que os estudantes durante o seu estudo referemexperienciar uma variabilidade emocional em termos gerais e emfunção da disciplina/conteúdo, da situação momentânea em que seencontram e do seu estado de humor.

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Tabela 1

Tema I Identificação de aspetos afetivos: categorias, subcategorias esubsubcategoriasCategorias Subcategorias Subsubcategorias N %

1. Variabilidade Não especificada; 036 023.10. emocional Disciplina/Conteúdo;

Momento; Humor

2. Aspetos afetivos Emoções/Sentimentos Entusiasmo; Prazer; Orgulho; 0. quando gosta de Bem-estar; Felicidade; 0. estudar Tranquilidade; Satisfação;

Familiaridade e Facilidade0

Motivação Gosto inicial; Curiosidade; 050 032.0Interesse; Focalização nos objetivos/metas

3. Aspetos afetivos Emoções/Sentimentos Aborrecimento; Dúvida; 0. quando não gosta Repulsa; Nervosismo0. de estudar (relação com o tempo);

Frustração; Ansiedade//stress; Sofrimento; Dificuldade

Motivação Desinvestimento; 044 028.2Dificuldades de mobilização para a tarefa; Avaliação (custo-valor); Sentido dedever

Cansaço

4. Aspetos afetivos Emoções/Sentimentos Aborrecimento; Irritação; 0. face à dificuldade Preocupação; Desorientação;

Nervosismo; Frustração; Angústia/desespero

Desmotivação 012 007.7

5. Regulação afetiva Controlo de emoções/ 014 009.0/sentimentos; Controlo volitivo

156 100.0

“Isso depende do estado de espírito” (Suj. 28);

“Depende da disciplina (…) consoante a disciplina…” (Suj. 20);

Os aspetos afetivos experienciados pelos estudantes estruturam-sepor relação com três aspetos: quando gostam de estudar, quando nãogostam e quando sentem dificuldades. Assim, quando os estudantes

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gostam de estudar ou gostam das disciplinas que estão a estudar experi -mentam emoções/sentimentos como entusiasmo, bem-estar, prazer,orgulho, felicidade, tranquilidade, satisfação, familiaridade e facilidade.

“se gostar muito da matéria, estou muito entusiasmada” (Suj. 6);

“se for uma temática que eu goste, dá-me prazer estudar” (Suj. 12);

“há disciplinas em que eu me sinto feliz porque são disciplinas que eu gosto...”(Suj. 41);

“se gostar da matéria que estou a estudar, até sinto que é mais fácil estudar” (Suj.36).

Quando os estudantes gostam de estudar, verbalizam experiênciasde cariz motivacional que ativam a força que os aproximam da tarefade estudo. A motivação emerge sob quatro formas: o gosto inicial, acuriosidade, o interesse e a focalização nos objetivos/metas.

“Sinto curiosidade em saber aquilo…” (Suj. 26);

“(…) quando estou interessada, até sou capaz de estudar mais horas (…)” (Suj. 1);

“costumo sentir que o que estou a fazer é… para mais tarde poder usufruir daminha recompensa (…) sinto que estou a fazer o meu trabalho simplesmente... sintoque o que estou a fazer, tenho que o fazer que é para conseguir alcançar os meusobjetivos” (Suj. 19)

Os aspetos afetivos dos estudantes quando não gostam de estudarreportam-se à ausência de gosto ou mesmo ao não gostar de estudar emgeral. As emoções/sentimentos experimentados pelos estudantes quandonão gostam de estudar são aborrecimento, sentimento de dificuldade,frustração, ansiedade/stress, nervosismo, sofrimento, repulsa e dúvida.

“se não gostar de todo, sinto-me frustrada porque parece que não percebo nada eparece que sou a única que não gosta porque não percebo” (Suj. 25);

“a pessoa sente-se mais nervosa” (Suj. 38);

“… quando eu ouço o nome da disciplina o meu cérebro já está esgotado… já sintouma certa repulsa não sei…” (Suj. 13).

Quando os estudantes não gostam de estudar ou estão a estudardisciplinas de que não gostam, vivenciam experiências de cariz moti -vacional como: o desinvestimento, as dificuldades de mobilização paraa tarefa, avaliação (custo-valor) e o sentido de dever.

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“(…) se não gostar levo aquilo um bocadinho mais à balda (…)” (Suj. 6);

“muitas vezes perco-me e sei que se não for com interesse vou perder a vontade”(Suj. 34);

“Costumo pensar muitas vezes “será que vale a pena, será que vai ser útil nofuturo?” (Suj. 43)

Os aspetos afetivos face à dificuldade referem-se às experiênciasafetivas que os estudantes experimentam perante obstáculos econstrangimentos na sua atividade de estudo tendo emergido doisaspetos principais: emoções/sentimentos e desmotivação. Asemoções/sentimentos sentidas perante dificuldades são aborrecimento,irritação, preocupação, desorientação, nervosismo, frustração eangústia/desespero.

“se for assim uma matéria (…) em que tenha alguma dificuldade em compreender,sinto-me aborrecido e talvez fique um pouco irritadiço” (Suj. 7);

“se for uma cadeira com que estou com dificuldades, sinto-me um poucopreocupada” (Suj.2); “se me sentir numa encruzilhada fico um pouco nervosa…quando me deparo com um obstáculo que não consigo ultrapassar… começo aficar um pouco nervosa” (Suj. 5).

A desmotivação surge ligada à não compreensão do conteúdoafetando a focalização da atenção e conduzindo ao questionamento dosobjetivos a que o sujeito se havia proposto.

“(…) se eu não compreender, tenho mais dificuldade em querer… focalizar-menaquilo (…)” (Suj. 27);

“quando não percebo o que estou a estudar, digo que já não quero ser maispsicólogo, que já não quero estudar mais psicologia” (Suj. 32).

Estratégias para lidar com o que sente

A análise das respostas à questão “como é que lidas com o quesentes quando estás a estudar?” permitiu identificar três grandescategorias: duas gerais de avaliação do processo de regulaçãoemocional (perceção positiva/negativa de lidar com o que sente) e umaoutra relativa à mobilização de estratégias para lidar com o que ésentido.

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Tabela 2

Tema II Estratégias para lidar com o que sente: categorias, subcate-goriasCategorias Subcategorias Subsubcategorias N %

1. Perceção positiva Emoções/Sentimentos Prazer; Felicidade; Facilidade; 0.de lidar com o que Confiança0.sente

Motivação Gosto/interesse; Investimento 18 019.8pessoal; Sentido de dever

2. Perceção negativa Emoções/Sentimentos Irritação; Frustração/Impotência; 0.de lidar com o que Insegurança; Ansiedade; 0.sente Nervosismo; Desespero;

Dificuldade; Culpa

Expressão emocional 20 022.0

Motivação Desinteresse; Desânimo//desmotivação; Sentido de dever; Motivos conflituantes

3. Mobilização de Cognitivas: atenção/0.estratégias face ao /concentração0.que sente quando 0.está a estudar

Metacognitivas Planeamento geral do estudo

Organização e gestão de tempo(Alteração do tempo de estudo; Abreviar estudo; Fazer pausas; Adiar)

Mudança do conteúdo de estudo

Emocionais 53 058.2

Motivacionais Focalização nos objetivos; Auto-motivação; Desistência

Estratégias de Individual; Grupal; Ambientalorganização (acústico e espacial)sócio-ambiental

91 100.0

A perceção positiva de lidar com o que sente engloba as verbali -zações dos estudantes que afirmam ter uma forma positiva de gerir assuas experiências afetivas quando estão a estudar. As emoções/senti -mentos relatadas são de prazer, felicidade, facilidade e confiança.

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“(…) há temas em que me sinto mais à vontade… há temas em que tenho maisfacilidade em organizar as ideias em desenvolver pensamentos” (Suj. 35);

“se sei a matéria, depois já estou mais confiante para depois realizar a prova…equando chegar a essa altura, sinto-me muito mais confiante” (Suj. 4).

A perceção do estudante de lidar bem com o que sente durante oestudo surge ainda ligada à perceção da existência de aspetosmotivacionais como o seu gosto/interesse, investimento pessoal esentido de dever para com a tarefa de estudo.

“lido bem... com a situação... é um dever que nós temos... somos estudantes... nãoé?” (Suj. 8).

A perceção negativa de lidar com o que sentem quando estão aestudar prende-se com experiências afetivas negativas no domínio damotivação, das emoções/sentimentos e da expressão emocional. Asemoções/sentimentos emergentes são irritação, frustração, insegu -rança, ansiedade, nervosismo, desespero, sentimento de dificuldade eculpa.

“às vezes sinto insegurança (…) quando não sei, há sempre aquela dúvida... seráque aquilo que eu estou a estudar está bem... está mal... mas... é um bocado poraí...” (Suj. 4)

“eu acho que lido mal com isso... porque ao início é muito mau...quando estou aestudar e apercebo-me que já tenho pouco tempo… começo a culpar-me por nãoter estudado antes... e por ter deixado para tão tarde e “porque é que não estudastequando saíste da aula?” (Suj. 46).

A motivação, enquanto parte da avaliação negativa de lidar com o queo estudante sente, é referida por relação com o estar pouco motivadopara estudar. Esta falta de motivação emergiu sob quatro diferentesformas: sentido de dever enquanto uma obrigação sentida de algumaforma como externa, motivos conflituantes, desânimo e desinteresse.

“quando se trata de um sentimento inferior a esse, um sentimento de obrigação deter que estudar para (…) não lido bem com isso, não lido bem” (Suj. 34);

“porque eu penso sempre que poderia estar a fazer outras coisas melhores (…) àsvezes penso que estou assim a perder horas de vida, ali a estudar devia estar afazer outras coisas, tipo a apanhar sol, ou assim, ainda por cima quando os diasestão bons é muito pior (…) [Mas depois também penso que é para o meu futuro]”(Suj. 1).

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Relativamente à mobilização de estratégias que os estudantes ativampara lidar com o que sentem quando estão a estudar, independentementeda perceção positiva ou negativa de lidar com o que sentem, emergiramcinco tipos diferentes: estratégias metacognitivas, motivacionais, deorganização sócio-ambiental, cognitivas e emocionais.

As estratégias de cariz metacognitivo mencionadas reportam-se aoplaneamento geral do estudo, à organização e gestão de tempo e àmudança do conteúdo de estudo.

“(…) tento sempre primeiro concentrar-me e ficar uns minutos ali só a pensar noque é que vou fazer, no que é que eu tenho que fazer, por onde é que eu voucomeçar, como é que eu vou organizar-me” (Suj. 17);

“geralmente divido todo o estudo em tarefas e vou fazendo o check (zinho) àmedida que vou fazendo as tarefas de modo a que consigo programar aquilo quetenho que fazer e sinto-me bem sempre que acabo uma dessas tarefas, que chegomais próximo da etapa final, e quando chego ao final há aquele sentimento desatisfação, ou seja, através de uma organização… é a forma como eu lido com ossentimentos de estudo (…)” (Suj. 33).

A estratégia de organização e gestão de tempo surge sob quatroformas distintas: fazer pausas, alterar o tempo de estudo, abreviar oestudo e adiar.

“às vezes sinto que não está a dar a lado nenhum, que está... que não vale a penaestar a continuar... mais vale parar” (Suj. 18);

“porque quando eu não gosto da matéria arranjo mil e uma desculpas para nãofazer as coisas, acho que como toda a gente” (Suj. 6).

As estratégias emocionais reportam-se a tentativas não especifi -cadas de diminuição de ansiedade ou de nervosismo.

“quando me sinto um bocadinho mais nervosa, às vezes tento acalmar-me” (Suj. 38);

“Com ansiedade... e depois essa ansiedade que tenho ainda piora portanto...depois tenho que lidar com ela...” (Suj.25).

As estratégias motivacionais ativadas pelos estudantes consistem nafocalização nos objetivos, auto-motivação ou desistência.

“tento pensar no porquê de estar a estudar e nos objetivos que tenho… e… é issoque me vai dar força… é isso que me dá força… para estudar e para não me deixarir abaixo… quando não estou a conseguir… tento pensar nos meus objetivos…”(Suj. 23);

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“ (…) mas depois digo para mim mesma “vá vá lá voltar… tu consegues” (Suj. 28);

“Não avanço mais… Às vezes tenho que bater com tudo! Naqueles dias em que nãocorre muito bem as coisas... fico por ali…” (Suj. 45).

As estratégias de organização sócio-ambiental emergiram sob trêsdiferentes formas: organização ambiental (acústico e espacial),estratégias de estudo individual e de estudo grupal.

“prefiro estudar sozinha, quietinha no meu quarto(…)” (Suj. 28);

“normalmente prefiro estudar com mais pessoas acho que é mais dinâmico, é maisfácil (…) mais construtivo também (…) o nosso raciocínio por vezes até pode nãoser o correto... se tivermos outra pessoa e apresentar-nos um outro ponto de vistadiferente, se calhar vamos equilibrar as duas perspetivas e ver qual é a que temmais peso... qual a que faz mais sentido” (Suj. 35).

Como é possível observar através das tabelas 1 e 2, na sua totalidadeos aspetos afetivos identificados pelos estudantes foram muito maisreferidos (N=156) do que as estratégias para lidar com esses aspetos(N=91) levando-nos a constatar que os estudantes referem muito maisaquilo que sentem do que a forma como lidam com isso que sentem.

Discussão

A variabilidade daquilo que os estudantes sentem quando estão aestudar liga-se ao seu estado de humor, às disciplinas e aos conteúdosde estudo. Tal revela que o que os estudantes sentem quando estão aestudar é situacionalmente dependente (estado de humor do estudante)e contextualmente dependente (disciplinas e conteúdos). O que osestudantes sentem quando estão a estudar varia também consoantegostam ou não gostam de estudar ou das matérias em estudo. Istosignifica que o gostar ou não das disciplinas e do ato de estudar épreponderante para o tipo de experiências emocionais dos estudantes(Chaleta, Grácio, & Efklides, 2011).

No nosso estudo, o sentimento de dificuldade emerge na sequênciadas situações em que os estudantes não gostam das disciplinas ou dasmatérias que estão a estudar e quando têm dificuldades em organizar-se.

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Segundo Efklides (2011) se o sentimento de dificuldade não for contro -lado pode levar à desistência da tarefa. Neste estudo não emergiu adesistência da tarefa mas sim, a preferência por uma abordagem super -ficial à aprendizagem o que também nos alerta para efeitos menospositivos e para a necessidade de intervenção no sentido de colmataresta tendência.

Se atentarmos às experiências afetivas que emergem quando osestudantes referem não gostar de estudar e quando referem sentirdificuldades, encontramos muitas similaridades. No entanto, eviden -ciamos que os dois fatores diferem na sua natureza e este resultado temnecessariamente implicações práticas no que concerne à intervençãouma vez que os mesmos aspetos afetivos, tendo causas diferentes,obrigará a abordagens também diferenciadas (Leal, 2017). Relativa -mente às estratégias ativadas pelos estudantes para lidarem com o quesentem quando estão a estudar, a estratégia de abreviar o estudo refere-se a negligenciar ou dedicar menos atenção a algumas partes damatéria foi relatada em situações em que os estudantes se aperceberamde que já não tinham tempo disponível para estudar todos os temas equando referiram não gostar daquilo que estavam a estudar. Por outrolado, a estratégia de adiar o estudo emergiu em situações que osestudantes relataram não gostar das matérias em estudo. Se foremutilizadas recorrentemente, estas estratégias (abreviar o estudo e adiaro estudo) podem revelar-se problemáticas na medida em que podemencaminhar os estudantes para abordagens superficiais à aprendizagem(Chaleta & Grácio, 2016) ou para situações de adiamento sucessivo ede procrastinação (Corkin, Yu, & Lindt, 2011). Este fato alerta-nospara possíveis implicações negativas em termos da qualidade da suaaprendizagem e dos seus resultados académicos.

A estratégia de fazer pausas surge como uma forma dos estudantesse restabelecerem para posteriormente voltarem à tarefa de estudo commaior energia. É de grande interesse que os estudantes utilizem asestratégias para o seu melhor benefício usando as pausas para voltar aoestudo com maior empenho, alterar os tempos de estudo de forma aestudarem o máximo possível para todas as disciplinas e evitarem

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abreviar e adiar o estudo em prole de uma melhor aprendizagem erealização académica.

Em síntese, o estudo dos aspetos afetivos e da regulação emocional(Gross, 2008; Pekrun & Stephens, 2009) revela-se essencial para que osindivíduos possam beneficiar das suas emoções, estando conscientes danecessidade de regulá-las, sobretudo quando estas são dissonantes dosseus objetivos e/ou desadequadas das circunstâncias sociais (Mikolajczak& Desseilles, 2012). Salientamos assim a importância e necessidadedos estudantes se consciencializarem das suas experiências afetivas edos seus efeitos em si como pessoas e como aprendentes. Parece-nos detoda a pertinência que a comunidade académica implemente açõesconducentes ao desenvolvimento da aprendizagem auto-regulada dosestudantes não só na sua componente mais cognitiva mas igualmentecom a mesma incidência na componente afetiva.

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Bullying e qualidade de interações familiares na perspectiva de estudantes brasileiros

Wanderlei Abadio de OliveiraJorge Luiz da Silva

Manoel Antônio dos SantosSimona Carla Silvia CaravitaMarta Angélica Lossi Silva

Resumo: Esse estudo utilizou a triangulação de métodos para analisar a relaçãoentre a qualidade das interações familiares de adolescentes e o envolvimento empráticas de bullying escolar ou vitimização. Os dados foram coletados junto a2.354 estudantes (meninas=50, 7%; idade média=14,5 anos, DP=2,0 anos) de 11escolas públicas brasileiras. A coleta de dados ocorreu por meio da aplicação deduas escalas (bullying e interações familiares) em 2.354 estudantes e da técnicade entrevistas semiestruturadas com 55 estudantes sorteados entre o total departicipantes. Os dados foram analisados por meio de análises estatísticas noprograma SPSS e de análise de conteúdo, em sua modalidade temática, nosoftware Atlas.TI. O referencial teórico adotado foi a Teoria Bioecológica doDesenvolvimento. Identificou-se uma prevalência de 10,3% de estudantesagressores, 10,1% de vítimas e 5,4% de vítimas-agressoras. Aspectos domicrossistema ‘família” assumiram papéis na promoção ou inibição decomportamentos de bullying. Nesse sentido, sumarizam-se os principaisresultados: (1) estudantes não-envolvidos em situações de bullying possuíammelhores interações familiares; (2) ambientes familiares negativos ou commuitos conflitos colocavam os adolescentes em maior situação de vulnerabi -lidade para a prática do bullying ou a vitimização; e (3) variáveis familiarespositivas, como regras e supervisão, envolvimento e sentimentos positivos entrepais/cuidadores e filhos, foram consideradas protetivas em relacção ao fenó -meno. Os resultados do estudo confirmam padrões de bullying e sua relacçãocom fatores familiares.

Introdução

O bullying escolar é caracterizado por agressões intencionais erepetitivas que acontecem entre estudantes, em relações baseadas nodesequilíbrio de poder existente entre vítimas e agressores (Olweus,

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2013). O termo começou a ser utilizado por Dan Olweus entre o final dadécada de 1960 e o início da década seguinte (1970), na Suécia, mas serefere a um fenômeno vinculado à inserção de crianças e adolescentes naescola, bem como nas relações entre pares (Caravita, Sijtsema,Rambaran, & Gini, 2014; Silva, Oliveira, Bazon, & Cecilio, 2014). Elepode se manifestar de forma direta (bater ou colocar apelidos pejorativosnos colegas, por exemplo) ou indireta (exclusão de atividades ou difusãode rumores que denigrem o colega, por exemplo) e também de formavirtual (cyberbullying) (Silva et al., 2014; Silva, Oliveira, Bazon, &Cecílio, 2013).

As taxas de ocorrência do fenômeno são expressivas, variando entreos países e as diferentes localidades. Na Europa e na América do Norte(Estados Unidos da América e Canadá), um grande estudo envolvendo40 países identificou que, em média, 12,6% dos estudantes eram vítimas,10,7% eram agressores e 3,6% dos estudantes eram vítimas-agressoras(Craig et al., 2009). Na Itália já se identificou uma prevalência médiade 35% de intimidação (Gini, 2004) e em Portugal uma taxa média deenvolvimento em situações de bullying foi de 27,5% (Costa,Farenzena, Simões, & Pereira, 2013). No Brasil, a Pesquisa Nacionalde Saúde do Escolar (PeNSE), em suas três edições, revelou taxas devitimização de aproximadamente 7% e de prática do bullying de cercade 21% (Malta et al., 2010; Mello et al., 2017; Oliveira et al., 2015).

Em geral os estudos priorizam a perspectiva individual para explicaro bullying (características de vítimas ou agressores, por exemplo), masos esforços para incluir uma perspectiva de grupo ou de contexto amplotem sido documentada pela literatura científica (Barhight, Hubbard,Grassetti, & Morrow, 2015; Olweus, 2013). As relações entre os paresdevem ser consideradas para compreender a ocorrência do fenômenonas escolas, da mesma forma que outros níveis de contexto devem seranalisados. Nesse sentido, a maneira como as relações ocorrem nasfamílias ou variáveis familiares têm sido associadas à ocorrência dobullying nas escolas (Healy, Sanders, & Iyer, 2015; Oliveira, Silva,Sampaio, & Silva, 2017).

Experiências positivas no contexto familiar são consideradas comofatores protetivos em relação à prática do bullying ou à vitimização.

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Essas experiências são caracterizadas pela comunicação positiva, climapositivo entre pais ou cuidadores e afeto manifesto entre os membros dogrupo familiar (Oliveira et al., 2017; Oliveira, Silva, Yoshinaga, & Silva,2015). Por outro lado, ambientes conflituosos, comunicação negativa,deficiente ou inexistente e o uso de punição física para disciplinar osfilhos são aspectos familiares que contribuem para o envolvimento dosestudantes nas situações de bullying (Oliveira, Silva, Sampaio, & Silva,2016).

Nesse cenário, as interações familiares assumem importância e seconstituem como unidade de análise para aumentar a compreensãosobre a ocorrência do fenômeno. As interações familiares são definidascomo o repertório comportamental das pessoas inseridas em suasfamílias e como elas demonstram sentimentos e afetos (Weber, Salvador,& Brandenburg, 2011). Elas propiciam o desenvolvimento de crianças eadolescentes no que se refere aos padrões de comportamento, aosmodelos de relacionamento e de resolução de conflitos, e às habilidadessocioemocionais (Weber et al., 2011).

Segundo revisões integrativa e sistemática da literatura, poucosestudos no Brasil investigaram a relação entre variáveis familiares e obullying escolar (Oliveira et al., 2017; Oliveira et al., 2015). Assim,esse estudo objetivou analisar a relação entre a qualidade dasinterações familiares de adolescentes brasileiros e o envolvimento empráticas de bullying escolar ou vitimização.

Método

Cenário

Esse estudo misto foi desenvolvido em uma cidade do interior deMinas Gerais, Brasil. Onze escolas da cidade foram selecionadas paracoleta de dados por meio do método de “Amostragem com Probabili -dade Proporcional ao Tamanho” – PPS (Probability Proportional toSize) (Bolfarine & Bussab, 2005).

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Participantes

Na etapa quantitativa da pesquisa participaram 2.354 estudantes(meninas=50, 7%; idade média M=14,5 anos, DP=2,0 anos). Essenúmero de participantes respondeu a duas escalas relacionadas aoscomportamentos agressivos ou de vitimização e à qualidade das intera -ções familiares. Dessa amostra foram sorteados 55 estudantes(Meninas=47,0%, idade média M=15 anos, DP=2,0 anos) para partici -parem da etapa qualitativa do estudo. A participação dos estudantes foivoluntária e atendeu aos seguintes critérios de inclusão: (1) possuir entre10 e 19 anos; e (2) estar matriculado do sexto ao nono ano do ensinofundamental e do primeiro ao terceiro ano do ensino médio, no turnomatutino nas escolas selecionadas.

Instrumentos e técnica de coleta de dados

Escala de Agressão e Vitimização entre Pares (EVAP) (Cunha,Weber, & Steiner Neto, 2011). Instrumento de autorrelato desenvol -vido para investigar a agressão entre pares no contexto escolar. Aescala contém 18 questões afirmativas (eu provoquei colegas; euxinguei colegas; colegas roubaram, mexeram ou estragaram minhascoisas; eu incentivei colegas a brigarem, por exemplo), distribuídas emquatro dimensões (agressão direta, agressão relacional, ataques àpropriedade e vitimização). Os itens da escala são avaliados emsistema Likert de 5 pontos medindo a frequência dos comportamentosestudados (1 – nunca; 2 – quase nunca; 3 – às vezes; 4 – sempre; 5 –quase sempre). O instrumento não permite identificar estudantes queobservaram ou testemunharam situações de bullying na escola.

Escala de Qualidade de Interação Familiar (EQIF) (Weber et al.,2011). Instrumento de autorrelato que avalia aspectos da interaçãofamiliar por meio do relato dos filhos. São 40 questões e um sistemaLikert de cinco pontos (1 – nunca; 2 – quase nunca; 3 – às vezes; 4 –sempre; 5 – quase sempre), agrupadas em nove escalas que abordamnove fatores da interação familiar: (1) Envolvimento; (2) Regras emonitoria; (3) Punição corporal; (4) Comunicação positiva; (5) Comu -nicação negativa; (6) Clima conjugal positivo; (7) Clima conjugal

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negativo; (8) Modelo parental; e (9) Sentimento dos filhos em relaçãoaos pais. São exemplos de questões afirmativas da escala: meus paisfazem carinho um no outro; meus pais costumam me xingar ou falarpalavrões para mim; quando ajudo meus pais eles me agradecem;meus pais costumam me criticar de forma negativa.

Entrevistas semiestruturadas. A entrevista foi utilizada na etapaqualitativa do estudo. Um roteiro baseado em estudos relacionados àpesquisa qualitativa e ao bullying foi construído para orientar asentrevistas e são exemplos de perguntas constantes no roteiro: Fale-mecomo é sua relação com seus pais? Para você o que é bullying? Vocêalguma vez ameaçou, maltratou, humilhou ou agrediu outro colega naescola? Você acha que a maneira como as coisas acontecem na suacasa influencia no que acontece na escola com você? Também foramutilizadas perguntas de acompanhamento (Como assim? Você poderiame dar exemplos?, por exemplo).

Procedimentos

Os dados foram coletados entre os meses de agosto e outubro de 2014.O pesquisador responsável acompanhou e coordenou o processo decoleta de dados nas 11 escolas. No primeiro contato com os estudantes,em cada turma nas escolas selecionadas, eram apresentados os objetivose os procedimentos que seriam adotados na investigação. Os estudanteslevavam para casa termos de consentimento livre e esclarecido paraautorização dos pais ou responsáveis para participação no estudo. Naocasião seguinte, de forma coletiva, os estudantes respondiam as duasescolas referentes à etapa quantitativa do estudo. A aplicação das escalasdurou, em média, 50 minutos em cada turma. Posteriormente, 55 estu -dantes foram sorteados dentre o número total da amostra para serementrevistados na etapa qualitativa. As entrevistas foram gravadas, dura -ram em média 12 minutos e foram transcritas na integra posteriormente.

Análise de dados

Os dados quantitativos foram analisados por meio de análises esta -tísticas no programa SPSS versão 21. A analise de conteúdo das entre -

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vistas, em sua modalidade tematica, foi desenvolvida no softwareAtlas.TI. O referencial adotado foi a Teoria Bioecológica do Desenvol -vimento de Urie Bronfenbrenner (Bronfenbrenner, 2011).

Considerações éticas

O projeto de pesquisa foi previamente aprovado pelo Comitê de Éticaem Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universi -dade de São Paulo, Brasil. Os estudantes menores de 18 anos somenteforam incluídos no estudo após apresentarem o consentimento dos paisou responsáveis. Os participantes também manifes taram concordânciapara participar do estudo por meio de assinaturas em termos de assen -timento e consentimento (no caso dos estudantes maiores de 18 anos).Os nomes dos estudantes que foram entrevistados foram substituídospara preservar suas identidades (por exemplo, participante 1: Menino1, 17 anos, observador; participante 2: Menina 2, 12 anos, observador;e assim sucessivamente).

Resultados

A maioria dos participantes se concentrou no grupo sem nenhumtipo de envolvimento com as situações de bullying (74,20%) e 25,80%dos estudantes haviam praticado (agressor, 10,3%), sofrido (vítima,10,1%) ou praticado e sofrido (vítima-agressora, 5,4%) alguma violênciadesse tipo segundo os dados coletados com a “Escala de Vitimização eAgressão Entre Pares”.

Os estudantes não-envolvidos em situações de bullying possuíammelhores interações familiares. Esses estudantes apresentaram maioresmédias em todas as dimensões positivas da “Escala de Qualidade deInteração Familiar” (envolvimento, regras e monitoria, comunicaçãopositiva, clima conjugal positivo, modelo e sentimento dos filhos), dife -renciando-se dos estudantes identificados como agressores, vítimas evítimas-agressoras. Agressores, vítimas e vítimas-agressoras apresen -taram maior média em relação aos estudantes não-envolvidos nas

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dimensões negativas da escala utilizada (punição física, comunicaçãonegativa e clima conjugal negativo). Esses dados podem ser conferidosna Tabela 1.

Tabela 1

ANOVA de acordo com o tipo de envolvimento em situações de bullyinge em relação à qualidade da interação familiar (n=2.354).

Clusters

Não- Vítimas--envolvimento Agressores Vítimas -agressoras

Dimensões – qualidade da interação familiar M DP M DP M DP M DP Z p

Envolvimento 3,94b 0,89 3,62a 0,91 3,73ao 1,04 3,71ao 1,04 12,39 0,000

Regras e monitoria 4,21c 0,78 3,85a 0,82 4,06bc 0,87 4,00ab 0,85 17,07 0,000

Punição física 1,51a 0,74 1,72b 0,85 1,96co 1,00 2,06co 1,20 38,52 0,000

Comunicação positiva 3,03b 1,11 2,66a 1,08 2,88ab 1,15 2,82ab 1,07 09,35 0,000

Comunicação negativa 2,02a 0,84 2,51b 0,92 2,54bo 1,09 2,70bo 1,09 56,24 0,000

Clima conjugal positivo 3,22b 1,24 3,00a 1,25 3,02ab 1,28 3,06ab 1,29 03,80 0,001

Clima conjugal negativo 1,96a 0,92 2,33b 1,05 2,25bo 1,12 2,42bo 1,20 20,48 0,000

Modelo 3,98b 0,89 3,73a 0,96 3,84ab 0,94 3,79ab 1,13 07,86 0,000

Sentimento dos filhos 4,46b 0,74 4,24a 0,89 4,31ab 0,85 4,21ao 1,06 10,42 0,000

Fonte: Elaborado pelos autores.Notas: Nas linhas, as médias com letras iguais não se diferenciam entre si segundo o pós teste deTukey (p<0,005), sendo a<b<c; M=Média; DP=Desvio Padrão

Modelos de regressão logística testados confirmaram que a comuni -cação negativa, o clima conjugal negativo e a punição física estariamassociadas e seriam preditoras para o status dos estudantes identifi -cados como agressores, vítimas e/ou vítimas-agressoras. Nessesmodelos, somente a dimensão “regras e monitoria” apresentou poderprotetivo em relação ao não envolvimento dos estudantes em situaçõesde bullying.

Esses dados quantitativos foram confirmados e ampliados na etapaqualitativa do estudo conforme podem ser verificados nos fragmentosdas entrevistas apresentados na Tabela 2.

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Tabela 2

Fragmentos extraídos das narrativas dos participantes entrevistados(n=55)Aspectos focalizados Fragmentos selecionados

Aspetos que aumentavam Se meu pai e minha mãe brigasse ou separasse isso influenciaria a vulnerabilidade para o no meu comportamento na escola. (Menino 18, 13 anos, agressor)bullying ou a vitimização A convivência é boa, entre aspas, porque também tem o meu tio

que ele mora com a gente, mas ele não se dá muito bem com a minha mãe. Então sempre tem conflito. (Menina 4, 14 anos, agressora)[Minha mãe] Briga comigo, é muito ruim. Minha mãe não gosta do meu pai, não dá carinho para ele. Ela é homossexual. Ela não fica com meu pai. Eles só moram junto: meu pai dorme em um quarto e a minha mãe em outro. (Menina 28, 13 anos, vítima)A minha avó está doente. Ela tem Alzheimer. Ela é tipo um teste de paciência [...]. Eu tenho muita paciência com ela, eu nunca brigo com ela, eu adoro ficar com ela. Mas tem dia que a minha mãe grita comigo e a minha avó, às vezes, está emburrada. Entãoisso já me afeta um pouco. (Menina 13, 13 anos, vítima)Eu me sinto perdida, por causa que não tem aquele amor de mãe, não tem aquele amor de pai, só de avô e avó. É diferente. (Menina, 38, 17 anos, agressora)Bullying é uma ofensa, um desrespeito. É uma raiva que a pessoa tem e desconta na outra pessoa, atoa. A gente tem que olhar o outro lado. A gente não sabe o que essa pessoa que faz o bullying passa dentro da casa dela, da família dela, passa na vida dela. (Menina 45, 19 anos, vítima)Se eu estiver brigado com a minha irmã, ou com a minha mãe, eu vou chegar mal na escola, nervoso. Quando os pais se separam.. Já aconteceu comigo e você chega meio triste na escola. (Menino 10, 15 anos, observador)

Aspectos protetivos para Graças a Deus nunca teve discussão, não tem problema. Minha o bullying ou a vitimização mãe e meu pai casaram há muito tempo e corre tudo bem. De

boa. Conversam. (Menino 30, 18 anos, observador)[Quando a família se reúne] Alguém sempre conta uma história engraçada. Meu pai de quando ele trabalha, minha mãe, minha irmã do serviço dela, a minha irmãzinha menor conta o que ela fica fazendo na escola, eu conto as situações aqui da escola também. (Menina 22, 12 anos, observadora)A gente conversa bastante. Meu pai procura sempre deixar as coisas bem claras, ele não gosta que eu fique escondendo as coisas dele. Então eu confio nele, eu confio nele e conto tudo para ele. (Menina 31, 18 anos, sem envolvimento)Minha mãe gosta de mim, eu também gosto dela. Conversamos bastante. Tudo que acontece eu falo para ela. (Menina 43, 16 anos, sem envolvimento)Minha relação com aminha mãe e meu padrasto é muito boa. Minha mãe é muito amigável comigo, não temos problemas de família. A relação entre minha mãe e meu padrasto também é boa. (Menina 53, 15 anos, sem envolvimento)

Fonte: Elaborado pelos autores.

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Identificou-se, no geral, uma percepção positiva das famílias dos par -ticipantes, mas aspectos negativos ou conflituosos foram evidenciados,o que permitiu inferir que experiências dessa natureza colocavam osadolescentes em maior situação de vulnerabilidade para a prática dobullying ou a vitimização. Por outro lado, variáveis familiares positivas,como envolvimento, estabelecimento de diálogos e sentimentos posi -tivos entre pais/cuidadores e filhos, foram conside radas protetivas emrelação ao fenómeno.

Discussão

Esse estudo misto objetivou analisar a relação entre a qualidade dasinterações familiares de adolescentes brasileiros e o envolvimento empráticas de bullying escolar ou vitimização. Os resultados combinadosrevelaram que os estudantes não-envolvidos em situações de bullyingpossuíam melhores interações familiares quando comparados com estu -dantes identificados como agressores, vítimas ou vítimas-agressoras. Osambientes familiares negativos ou com muitos conflitos aumentavam avulnerabilidade para a prática do bullying ou a vitimização, enquantoaspectos positivos das famílias foram considerados como protetivos emrelação ao fenómeno.

Em consonância com a Teoria Biológica do Desenvolvimento, osaspectos do microssistema ‘família’ foram os mais significativos paraa promoção ou inibição de comportamentos de bullying e/ouvitimização. Bronfenbrenner (2011) definiu em seu quadro teórico queo microssistema se caracteriza pelo padrão de atividades, papéissociais e relações interpessoais vividas pela pessoa ou por um grupo depessoas diretamente em um ambiente. É esse movimento, nessadimensão da vida, que garante a formação da personalidade e odesenvolvimento em um processo de interação com o outro e com omeio em que se está inserido. Neste sentido, variáveis do microssis -tema são fatores que promovem ou inibem comportamentos quevulnerabilizam as pessoas em relação ao desenvolvimento saudável

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(Hong & Espelage, 2012; Martins & Szymanski, 2004; Patton, Hong,Williams, & Allen-Meares, 2013).

Em síntese, segundo esse modelo teórico, repetidas experiências nomicrossistema família conduzem crianças e adolescentes a internalizarpadrões de comportamentos e atitudes que moldarão a conduta social(Ashiabi & O’Neal, 2015; Bronfenbrenner, 2011; Patton et al., 2013).No caso do bullying, percebeu-se que as famílias de agressores,vítimas e vítimas-agressoras eram menos funcionais do que as famíliasde estudantes sem envolvimento com bullying. Nesse sentido, umestudo na Colômbia com 304 estudantes identificou que a ausência devínculos afetivos e famílias disfuncionais estavam mais associadas aobullying escolar (Uribe, Orcasita, & Gomés, 2012).

No que se refere ao aumento ou a diminuição da vulnerabilidadepara o envolvimento dos estudantes em situações de bullying ou naocorrência da vitimização, os resultados do presente em telacorroboram com outros já documentados. Investigações indicaram queaspectos negativos das famílias são fatores de risco para a ocorrência dofenômeno, como: relações menos favoráveis com os pais oucuidadores, menos sentimentos de envolvimento e empatia familiar,menor satisfação em relação à família, maior punição física eresistência dos estudantes à autoridade parental (Barboza et al., 2009;Bibou-Nakou, Tsiantis, Assimopoulos, & Chatzilambou, 2013; Oliveiraet al., 2016; Oliveira et al., 2017). Ao passo que os efeitos protetivos domonitoramento e o estabelecimento de regras no contexto familiar,além da boa comunicação e do clima familiar positivo, também foramidentificados por outros estudos (Lösel & Bender, 2014; Oliveira et al.,2016; Oliveira et al., 2017; Patton et al., 2013).

Considerações finais

O presente estudo contribui com a literatura científica na medida emque permite compreender o bullying para além das questões indivi -duais e àquelas relacionadas ao contexto escolar. Os dados quantita -

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tivos e qualitativos permitiram verificar que o comportamento debullying ou a ocorrência da vitimização possuem diferentes dimensões,ocorre de forma sistemática e pode ser influenciado por variáveisfamiliares. O número expressivo da amostra do estudo permitiurealizar interpretações significativas que expressam como o bullyingtem se tornado uma experiência cotidiana para os estudantesbrasileiros.

Contudo, embora sejam reconhecidos esses pontos fortes do estudo,seus resultados devem ser interpretados considerando suas principaislimitações. Primeiramente, não foram coletados dados sociodemo -gráficos dos participantes. Em segundo lugar, os instrumentos e atécnica utilizados na coleta de dados sobre comportamentos retrospec -tivos podem favorecer respostas comprometidas pela memória dosparticipantes. Em terceiro lugar, o desenho transversal do estudoimpede o estabelecimento de nexos causais entre as variáveis investi -gadas. Por fim, a coleta de dados quantitativos, previamente às entre -vistas qualitativas, pode ter sensibilizado os estudantes, em algumamedida, em relação ao tema em estudo.

Outros estudos são sugeridos para ampliar a compreensão sobre adinâmica do bullying e as associações entre o fenômeno e variáveisfamiliares. Pesquisas no contexto brasileiro, sobretudo, podem auxiliarno entendimento sobre a questão e como diferentes áreas (saúde eassistência social, por exemplo) podem atuar tanto nas escolas comonos serviços de atendimento às famílias. Essas investigações podemser favorecidas pela adoção de diferentes delineamentos ou estratégiasde coleta de dados, como a nomeação por pares, a inclusão de outrosinformantes (pais, professores, etc.), entre outros.

Referências

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Comportamento exploratório em relação à carreira de universitários brasileiros de administração:

Comparando ingressantes e concluintes

Fernanda AguilleraSuellen Estevam Bortolotti

Mara de Souza Leal

Resumo: O ensino superior exerce importante papel no planejamento de carreirados estudantes. Segundo a perspectiva desenvolvimentista, para além daformação profissional, tarefas de exploração e preparação para o mundo dotrabalho interferem na empregabilidade dos jovens e precisam ser estimuladas. Opresente objetivou: mapear o comportamento exploratório de carreira de jovensuniversitários iniciantes e concluintes de um curso de Administração; e, verificarpossíveis diferenças em seu repertório tendo em vista a vivência universitária.Justifica-se como diagnóstico inicial para nortear ações futuras de estimulaçãodesses comportamentos entre os jovens. Participaram 83 estudantes do curso deAdministração de uma universidade privada, de ambos os sexos, com idade entre18 e 37 anos (M=25), sendo 41 matriculados no 1º período (ingressantes) e 42 no8º período (concluintes). Foram aplicados questionário de caracterização e aEscala de Exploração Vocacional para Universitários, e realizadas análisesdescritivas e teste t de Student. Resultados preliminares mostraram que ocomportamento exploratório dos estudantes é reduzido, tanto em termos deautoconhecimento, como na exploração de oportunidades e informações acercada carreira, o que parece aumentar com a vivência prática de estágios. A partirdesse diagnóstico, oficinas de Planejamento de Carreira passaram a seroferecidas. Além disso, passou-se a incentivar, entre os docentes, que adotemmétodos didáticos que melhor aproximem teoria e prática, como metodologiasativas de ensino-aprendizagem e realização de visitas técnicas. O estímulo àexploração e preparação para a carreira no contexto universitário é discutido,considerando-se meios contemporâneos que podem ser adotados para se cumprirtal função.

Palavras-chave: Carreira, Ambiente universitário, Desenvolvimento profissional.

A exploração vocacional ou de carreira é reconhecidamente um fatorfundamental na construção de percursos profissionais consistentes.Definida como um comportamento intencional e voluntário que visaao autoconhecimento e ao conhecimento sobre o mundo do trabalho,tem por objetivo suprir o sujeito de informações sobre ambos, enquanto

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subsídios que venham a auxiliá-lo a escolher, preparar, assumir, ajustar--se ou progredir em uma ocupação (Jordaan, 1963). Segundo Super,Savickas e Super (1996), colabora tanto no que diz respeito à formaçãodo autoconceito (geral e vocacional), como na organização da experi -ência, sendo uma atividade direcionada para o interior do indivíduo(exploração de si) e para seu exterior (exploração do ambiente),considerando-se as profissões, formações, oportunidades de trabalho.E assim potencializa avanços e impulsiona a maturidade de carreira.

Avaliá-la junto a universitários permite a identificação do processode busca de informações implementado por eles, antes e durante agraduação, o que está intimamente relacionado às experiências viven -ciadas na relação com o curso e a profissão. Além disso, tem sidoinvestigada em relação ao desenvolvimento de expectativas realistas ecomportamento de busca de oportunidades (Werbel, 2000); às crençasde autoeficácia profissional, na transição para o trabalho e na procurade emprego (Bardagi & Boff, 2010; Pelissoni, 2007); satisfação com avida e comprometimento com a carreira (Bardagi & Hutz, 2010);questões contextuais, interacionais e pessoais da vivência universitária(Mognon & Santos 2014).

Werbel (2000) observou que a capacidade exploratória é um impor -tante passo para a busca de emprego por recém graduados, recomen -dando, então, que processos de aconselhamento de carreira devempriorizar o desenvolvimento dessa capacidade. Consonante com taisresultados, Teixeira e Gomes (2005) identificaram, entre formandos,maior otimismo para a busca de emprego associado a maiores índicesde exploração. Bardagi e Hutz (2010) observaram que os alunos quetêm planos definidos pós-formatura são os que apresentaram melhoresindicadores de comportamento exploratório e comprometimento como curso. Já no estudo de Bardagi e Boff (2010), os estudantes quepossuíam planos definidos para o período posterior à universidadeforam os que apresentaram níveis maiores de exploração do ambientee de autoeficácia profissional.

Resultados desses e de outros estudos evidenciam que, para além daformação profissional, tarefas de exploração e preparação para omundo do trabalho precisam ser estimuladas, pois facilitam a transição

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universidade-trabalho e interferem na empregabilidade dos jovens eem sua adaptação no mercado. E um importante caminho para fomen -tá-las é a prática de estágios, pois a aproximação com a prática e omercado potencializa não apenas o desenvolvimento de competências,mas também decisões e planos de carreira mais consistentes.

O estágio é compreendido no Brasil como um “ato educativo escolarsupervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa àpreparação para o trabalho produtivo de educandos que estejamfrequentando o ensino regular em instituições de educação superior”(Lei 11.788/08, Art. 1º), dentre outros níveis de ensino. Mas nem todocurso superior o prevê como componente curricular obrigatório, comoé o caso dos cursos de formação de tecnólogos, por exemplo. Já outros,mesmo propondo sua obrigatoriedade, consideram a possibilidade detal prática ser realizada na própria instituição, seja em laboratórios oupor meio de atividades simuladas, como é previsto nas DiretrizesCurriculares Nacionais para os cursos de Administração, por exemplo(Resolução CNE/CES 4/2005). Essas são alternativas encontradas paraequacionar outra questão: as limitações de tempo de estudantes queconciliam trabalho e estudo, em sua maioria matriculados no períodonoturno.

É fato que as competências básicas de gestão (controlar, planejar,organizar e liderar) são estimuladas em todas as disciplinas dos cursosde Administração, de maneira transversal. Também é nesses cursos quedisciplinas sobre Gestão da Carreira são mais comuns no país, apesarde raras. Mas, ficam algumas dúvida: tais ações têm suprido a necessi -dades em termos de formação? Têm sido eficazes na promoção dodesenvolvimento da carreira?

Frente a tal realidade, apresenta-se aqui um recorte de pesquisarealizada em contexto universitário, com vistas a sustentar a propostade implantação de uma central de estágios e carreira na instituição.Como parte do diagnóstico da realidade local, esse recorte teve comoobjetivos: mapear o comportamento exploratório de carreira de jovensuniversitários iniciantes e concluintes do curso de Administração; e,verificar possíveis diferenças em seu repertório tendo em vista variá -veis da vivência universitária.

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Método

Local

A pesquisa foi realizada em uma universidade brasileira, localizada nointerior do estado de São Paulo. No período de realização da pesquisa, ainstituição oferecia 45 cursos de graduação, entre bacharelados, licen -ciaturas e formação de tecnólogos, além de cursos de pós-graduaçãoem níveis de especialização, mestrado e doutorado. Distribuídos em 8faculdades e quatro campi, eram atendidos cerca de 12 mil estudantes.

Participantes

Colaboraram com a pesquisa 83 estudantes do curso de Adminis -tração. Tal amostra compôs-se por participantes de ambos os sexos,com idade entre 18 e 37 anos (M=25), sendo 41 recém ingressos nauniversidade e matriculados no 1º período, enquanto 42 eram conside -rados concluintes, já matriculados no 8º e último período do curso.Todos estudavam no período noturno.

Instrumentos

Foram utilizados como instrumentos um questionário de caracteri -zação e a Escala de Exploração Vocacional para Universitários – EEV(Teixeira, Bardagi, & Hutz, 2007), detalhados a seguir.

Questionário de caracterização: foi elaborado pelas próprias auto -ras para uso em pesquisa mais ampla, para o diagnóstico institucionaldo qual o presente trabalho é recorte. É composto por questões abertase fechadas que exploram dados pessoais e informações sobre a vivên -cia acadêmica, de estágio e histórico profissional dos estudantes.

Escala de Exploração Vocacional para universitários – EEV(Teixeira et al., 2007): é composta por 24 itens que avaliam a explora -ção vocacional pelos estudantes, considerando-se duas dimensões: aexploração de si (ou autoconhecimento) e a exploração do mercado detrabalho e da profissão (como a busca de informações e oportunidades,

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por exemplo). Foi inspirada no Career Exploration Survey (Stumpf et al.,1983), combinando-se a itens elaborados a partir da literatura sobreexploração vocacional e a prática em orientação profissional comuniversitários. Formulada como escala tipo likert de 5 pontos, a EEVavalia com que frequência os estudantes empreendem as ações explo -ratórias elencadas, oferecendo opções que vão de raramente ou nuncaa muito frequentemente ou sempre.

Cuidados éticos

Foram preservados os cuidados éticos previstos para a pesquisa comseres humanos no Brasil, adotando-se alguns procedimentos. Inicial -mente, foi solicitada a autorização da universidade para realização dapesquisa em suas dependências, assim como da Faculdade de Gestão eNegócios e da coordenação do curso de Administração. Em seguida,foi elaborada uma programação da coleta de dados junto aos docentese às diferentes turmas do curso. As salas de aula foram então visitadas,para a apresentação dos propósitos e procedimentos do estudo e oconvite aos estudantes, a que se seguiu a formalização de um termo deconsentimento livre e esclarecido junto aos interessados em colaborarcom a pesquisa. Foram, assegurados, desse modo, os conhecimentosbásicos a respeito do estudo, a liberdade de participar ou não domesmo e a possibilidade de desistir a qualquer tempo, além do anoni -mato e sigilo garantidos pelo tratamento coletivo dos dados.

Procedimentos de coleta e análise de dados

Os instrumentos foram aplicados coletivamente nas salas de aula,em horário regular de atividade acadêmica e em sessão única com cadaturma, com duração entre 15 e 30 minutos. A pesquisadora fazia umabreve explicação a respeito do estudo e seus procedimentos, dava aliberdade de permanecer na sala apenas os estudantes interessados eprocedia a aplicação dos instrumentos, permanecendo disponível paraesclarecimento de dúvidas.

Após a coleta das informações, os dados foram organizados em umaplanilha com o uso do programa SPSS (StatisticalPackage for the Social

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Sciences, versão 18.0). Em seguida, foram submetidos à análise descri -tiva e inferencial, adotando-se o teste t de Student, para identificação depossíveis diferenças no comportamento exploratório de estudantes emfase de ingresso ou conclusão do curso de Administração.

Resultados e Discussão

Um primeiro conjunto de resultados refere-se à caracterização daamostra, tendo em vista variáveis demográficas e outras relacionadas àexperiência profissional e vivência acadêmica, particularmente no quese refere à realização de estágios profissionalizantes na área de formação.

Observou-se a predominância do sexo feminino entre ingressantes(53,7%) e concluintes (73,2%), com destaque para o fato da diferençaentre gêneros mostrar-se mais acentuada entre os estudantes em fasefinal da graduação. Já se considerando a faixa etária, os dados revelamque o perfil do alunado do curso envolve desde jovens egressos doensino médio, até estudantes mais maduros, que só conseguiramchegar à universidade mais tardiamente, após um período de vivênciaprofissional. Consonante a isso, ficou evidente a maioria de estudantestrabalhadores, entre 82,9% e 95,1% para ingressantes e concluintes,respectivamente. Tais dados estão sintetizados na Tabela 1.

Tabela 1

Caracterização da amostra e sua experiência profissional e de estágioCaracterização Ingressantes Concluintes

Idade Mínima 18 (00,0%) 19 (00,0%)Máxima 37 (00,0%) 42 (00,0%)Média 21 (00,0%) 25 (00,0%)Moda 19 (00,0%) 22 (00,0%)

Sexo Feminino 22 (53,7%) 30 (73,2%)Masculino 19 (46,3%) 12 (26,8%)

Trabalha Sim 34 (82,9%) 39 (95,1%)Não 07 (17,1%) 02 (4,9%)0

Experiência de estágio Sim 07 (17,1%) 21 (51,2%)Não 34 (82,9%) 20 (48,8%)

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Esses resultados são coerentes com o perfil nacional de universitáriosmatriculados em período noturno, principalmente em instituições deensino particulares, pois muitos dependem de seus próprios saláriospara pagamento das mensalidades. De fato, grande parte da populaçãobrasileira só consegue acesso ao ensino superior quando tem condiçõesde manter-se estudando apoiado em renda própria, seja com ou semajuda familiar (INEP, 2013). Outros tantos o fazem por meio de bolsasde estudos ou programas de financiamento estudantil, dentre outrosbenefícios de incentivo à permanência na universidade; casos esses quesão fruto das políticas educacionais mais recentes no país. Para a maio -ria deles, a preferência por cursos noturnos apoia-se na possibilidade deconciliar trabalho, família e estudo (Cardoso & Bzuneck, 2004).

Mas o resultado que mais chamou a atenção nesse conjunto dedados foi o que se refere à prática de estágios. No que diz respeito aosingressantes com tal vivência (17,1%), naturalmente seriam poucos oscasos de alunos já atuantes como estagiários na área de formação.Afinal, no primeiro período do curso concentram-se disciplinas básicase os estudantes ainda têm pouco conhecimento técnico a oferecer//exercitar no exercício profissional. Mas o que se revela preocupante é ofato de que quase a metade dos universitários que estão próximos daconclusão do curso julgam não ter qualquer vivência de estágio (48,8%).

Esse resultado talvez decorra de considerarem que apenas os traba -lhos alternativos breves, previstos em substituição à prática em campo,não se mostrem eficazes ou suficientes enquanto exercícios da práticaprofissional. Vale citar que as Diretrizes Curriculares Nacionais paraos cursos de Graduação em Administração – Bacharelado, regulamen -tadas no Brasil pela Resolução CNE/CES 4/2005, propõem o EstágioCurricular Supervisionado como um componente curricular obriga -tório, direcionado à consolidação dos desempenhos profissionais dese -jados do formando, apesar de preverem a possibilidade de tal práticaser realizada na própria instituição, via recursos laboratoriais e desimulação. No entanto, se o próprio estudante não tem clareza de queas atividades possivelmente realizadas tratam-se de práticas de estágio,muito provavelmente as mesmas não se caracterizam por ter essafunção. Então é fundamental que se reconheça que a falta de vivência

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prática é uma grande lacuna na formação, não só no que toca ao desen -volvimento de competências, mas também enquanto ponte para ainserção profissional na área.

Mas o foco de interesse principal da pesquisa foi o comportamentoexploratório dos estudantes em relação à carreira. Pôde-se avaliar queas médias apresentadas por ingressantes e concluintes revelaram-sebaixas em ambas as dimensões, exploração de si e do mercado//profissão, se comparadas com outros estudos realizados com amostrasbrasileiras, embora heterogêneas no tocante a áreas de formação. Sãoexemplos os estudos de Mognon e Santos (2014), junto a 213formandos de uma universidade particular; e de Bardagi e Hutz (2010),com 939 estudantes de diferentes períodos e áreas de formação, eminstituições públicas e privadas, com média geral de 89,5 na mesmamedida. Esses resultados estão demonstrados na Tabela 2.

Tabela 2

Escores em exploração vocacional de ingressantes e concluintes docurso de Administração

Escores

Ingressantes Concluintes

Dimensões Mín Máx Méd DP Mín Máx Méd DPExploração de si 20 49 36,7 7,1 19 47 36,6 6,4Exploração do mercado/profissão 19 45 33,7 6,5 17 48 33,8 7,6Exploração vocacional 41 94 70,4 12,3 36 92 70,5 12,7

Outro parâmetro a se considerar diz respeito ao próprio intervalo depontos da escala total. Considerando-se que a pontuação mínima é de 24pontos e a máxima é 120, tem-se que o ponto médio da avaliação é 72.Sendo assim, pode-se afirmar que os dois grupos apresentaram padrãode desempenho inferior à média da escala, o que pode sugerir poucoengajamento ou um repertório pobre em termos de comportamentoexploratório de carreira. Frente a isso, vale resgatar o papel da universi -dade em estimulá-lo, sendo recomendável que medidas objetivas possamser tomadas em seu favor. Afinal, o processo de exploração vocacionaldeve ser considerado um ponto importante para o desenvolvimento de

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carreira do estudante. Muitos autores defendem que o comportamentoexploratório vocacional é mais do que uma conduta que potencializa oacesso à informação, mas contribui para facilitar o aprendizado e lhe daroutro significado, organizando as experiências e proporcionando maturi -dade no que diz respeito a reunir informações sobre si e o ambiente,pensar sobre os seus valores, interesses, habilidades, preparar-se paradecisões e a busca por objetivos futuros, progredir em seu campo detrabalho (Bardagi, 2005; Pelissoni, 2007; Teixeira et al., 2007).

Já no que se refere à comparação entre grupos, os resultados forambastante próximos para ambos nas diferentes dimensões da exploraçãovocacional, não tendo sido observadas diferenças significativasestatisti camente entre ingressantes e concluintes. Apesar do mesmoocorrer ao se testar o efeito da variável experiência de estágio entre osconcluintes, foi possível observar escores mais elevados entre aquelescom tal vivên cia em ambas as dimensões avaliadas. Além disso, os escores mostraram-se mais elevados no que diz respeito ao auto -conhecimento, em contraponto com o conhecimento do mercado e daprofissão. Avalia-se que essa informação é relevante e demanda medidasa serem tomadas no âmbito do curso, de modo a incentivar os estudantesa conhecerem melhor a realidade profissional que os aguarda. É precisopromover espaços que potencializem a aproximação entre a universi -dade e o mercado de trabalho, incentivando os alunos a empreenderemações em favor da construção da própria carreira.

Considerações e desdobramentos

A presente pesquisa permitiu retratar o comportamento exploratóriovocacional de uma amostra de estudantes brasileiros do curso de Admi -nistração, revelando-o reduzido tanto em termos de autoconhecimento,como na exploração de oportunidades e informações acerca da carreira.Embora o mesmo pareça aumentar com a vivência prática de estágios,isso não se revelou na forma de diferenças significativas estatistica -mente, assim como tais diferenças não foram observadas na comparação

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entre ingressantes e concluintes. Além disso, ficou evidente o baixoenvolvimento dos estudantes com tarefas importantes na construção dacarreira, especialmente no que se refere à realização de estágios profis -sionalizantes e à busca de informações sobre o mercado e a profissão.

Embora tais resultados não possam ser considerados conclusivos,dadas possíveis limitações de amostragem, assim como não se podegeneralizá-los para o contexto de outros cursos de Administração pelopaís, os mesmos revelaram uma realidade preocupante. É fato que maisestudos precisam ser realizados para melhor ilustrá-la, em nível nacional,pois enfoca um tema ainda pouco investigado no país. Mas baixos índicesde comportamento exploratório de carreira têm sido observados emvários estudos com amostras brasileiras de diferentes cursos (Bardagi,2007; Bardagi & Hutz, 2010; Mognon & Santos, 2014; dentre outros).

No contexto institucional em questão, essa foi uma tendência obser -vada praticamente em todos os cursos, o que pode estar relacionado àproposta educacional da instituição, ainda apoiada predominantementeem métodos tradicionais, abrindo-se aos poucos para as inovaçõespedagógicas. Isso precisaria ser devidamente investigado, pelacomparação de resultados entre estudantes de diferentes instituições emodelos de ensino, adotando-se designs de pesquisa adequados. Mas,com base nos resultados por hora apresentados, alguns cursos jápassaram a incentivar, entre os docentes, que adotem métodos didá -ticos que melhor aproximem teoria e prática, como metodologiasativas de ensino-aprendizagem e a realização de visitas técnicas.Avalia-se que essas estratégias bem se adéquam a diferentes áreas deformação, em especial à área de gestão e negócios, a que pertencem oscursos de Administração, foco aqui em questão.

Cabe lembrar que o presente estudo trata-se de um recorte de pesquisamais ampla com a finalidade de justificar, apoiada em dados da realidadelocal, a proposta de uma Central de Estágios que cumprisse mais que afunção burocrática, regulamentar e de controle, como estava emconstrução no momento da investigação. Buscava-se defender que amesma tivesse também o papel de estimular e dar suporte à construçãoda carreira pelos estudantes. Tratava-se de um espaço propício aintervenções de carreira, desde a intermediação de vagas e a organização

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de eventos para aproximação da universidade com o mercado, comopalestras e feiras de oportunidades, até o desenvolvimento de projetos noâmbito da Orientação Profissional e de Carreira. Eram cabíveis açõesdesde o acolhimento a calouros e encaminhamento de estudantes emconflito com sua escolha profissional, até oficinas de planejamento decarreira àqueles em fase de transição para o mercado. Em relação a talpropósito, avalia-se que o efeito da pesquisa (mais ampla, envolvendotodos os cursos da universidade) foi positivo, pois a proposta de umacentral de estágios menos burocrática se concretizou. Apesar de nemtodas as ações chegarem a ser implantadas, foram concretizadas: aintermediação de vagas, a organização de feiras de oportunidades epalestras, além de projetos em atenção aos estudantes em transição parao mercado, como oficinas de planejamento de carreira e workshopssobre processos seletivos para estágio e emprego.

Por fim, se o processo de exploração vocacional é considerado umponto importante para o desenvolvimento de carreira do estudante, valeressaltar que as instituições de ensino superior têm um importante papelnesse contexto, para o qual precisam despertar. Mais do que favorecer aelaboração de projetos de carreira pelos formandos, a fim de que a tran -sição universidade-mercado de trabalho seja realizada por eles demaneira mais consciente e planejada (Santos, Mognon & Joly, 2011),trata-se de cumprir uma função social mais abrangente, para além dosmuros da instituição. Afinal, tal assistência é importante não apenas aosalunos, que, ainda em curso, são estimulados a buscar o autoconheci -mento e o conhecimento do que o mercado espera deles, em termosprofissionais; mas contribui também com o próprio mundo do trabalhoe a sociedade, na medida em que potencializa trabalhadores mais consci -entes e preparados para lidar com desafios que os esperam.

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Dependências online: Estudo sobre a perceção da supervisão parental numa amostra de pais de crianças e jovens

Ivone PatrãoPedro Aires Fernandes

Resumo: A dependência online é transversal a todas as gerações. A geração cor-dão é aquela que não desliga, que tem dificuldade nas competências sociais, naauto regulação emocional e no processo de autonomia. A questão que se colocaé a do modelo parental na gestão da tecnologia. Os dados em amostras portu-guesas de jovens, considerados a geração cordão (Patrão, 2017) (entre os 12 eos 30 anos) apontam para um cenário preocupante de cerca de 25% com adiçãoà internet, sobretudo dos jogos online e das redes sociais. O objetivo do estudofoi de avaliar perceção do controlo parental numa amostra de pais e a relaçãocom a dependência online e funcionamento familiar. Aplicou-se um protocolode investigação online a uma amostra de 95 pais, com a avaliação de dadossociodemográficos, dados do uso e acesso à internet, da supervisão parental, dadependência online e do funcionamento familiar. Os resultados recolhidos indi-cam que há um baixo nível de supervisão parental nas atividades online dosfilhos. Os pais em geral apresentam-se como um modelo com preferência pelasredes sociais com consumo diário de em média 5h por dia, sendo que nestaamostra a dependência online está correlacionada com a perceção de um bomfuncionamento familiar. Estes dados remetem para a necessidade de apostar napromoção da gestão saudável dos comportamentos online, por todos, e na clarasensibilização daqueles que funcionam como modelo educativo.

Introdução

As figuras parentais são agentes centrais na socialização e fornecemas ligações emocionais, limites comportamentais e modelagem docomportamento, que afetam o desenvolvimento da auto-regulação, dasexpressões emocionais e da gestão de expectativas no que diz respeitoao comportamento de uma criança ou de um jovem.

Hoje em dia, educar na sociedade da informação não é apenasinvestir num aparelho tecnológico, mas sim também ensinar a usá-lo.Por isso, pais familiarizados com as Tecnologias de Informação eComunicação (TIC) poderão ter crianças que se desenvolvem numa

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relação mais estreita com a tecnologia, sem sentirem barreiras, enquantopais info excluídos, por opção ou por não investimento nas TIC,podem ter crianças que usam a tecnologia com menos controlo esupervisão (Li, Dang, Zhang, Zhang, & Guo, 2014).

Tisseron (2013) faz uma proposta para os pais sobre a gestão doacesso das TIC – a regra dos 3-6-9-12 anos, referindo que: aos 3 anos,as crianças podem começar a ver televisão; aos 6 anos, podem começara usar jogos offline; aos 9 anos, podem começar a usar a Internet, comsupervisão parental; e aos 12 anos, podem entrar nas redes sociais.

As teorias acerca dos desvios comportamentais têm incluído os paiscomo elementos centrais na sua estrutura compreensiva. A pesquisatem demonstrado que boas relações com os pais, centradas no diálogoe na negociação de regras quanto ao uso das TIC podem proteger osadolescentes de iniciar comportamentos de risco, sobretudo de entrarnuma linha de dependências online (Kalaitzaki & Birtchnell, 2014; Li,Li, & Newman, 2013; Li, Dang, Zhang, Zhang, & Guo, 2014; Odacı &Çıkrıkçı, 2014).

A geração cordão é aquela que não desliga, que só socializa online,e que na sequência disso tem um parco desenvolvimento das suascompetências sociais e na gestão das suas emoções quando tem deseguir um modelo de relação presencial, e é confrontado com oprocesso de autonomia a todos os níveis (Patrão, 2017). O risco é dodesenvolvimento de uma dependência online.

O objetivo do estudo foi a avaliação da perceção do controloparental numa amostra de pais e a relação com a dependência online efuncionamento familiar.

Método

Amostra

A amostra é constituída por 95 pais, com as seguintes característ -icas: 77.8% do sexo feminino; média de idade de 43 anos (DP=5.9);média de número de filhos – 2; Média idade: 1º filho – 12 anos; 2º

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Filho – 10 anos; 65% tem o ensino universitário; 99% estão activosprofissionalmente; e 83% estão numa relação de compromisso.

Instrumentos

O protocolo de investigação foi constituído por: Questionário socio -demográfico, de acesso e uso da internet; IAT – Internet Addiction Test(Pontes, Patrão, & Griffiths, 2014), que avalia a extensão doenvolvimento do indivíduo com a internet e classifica o comporta -mento dependente em suave, moderado e severo; e a FAD – FamilyAssement Device (FAD) (Epstein, Baldwin, & Bishop, 1983), queavalia a estrutura e propriedades de organização da família e os seuspadrões de relação.

Procedimento

Aplicou-se um protocolo de investigação online, através de um linkespecifico a uma amostra de 95 pais. Após preenchimento do consen -timento informado, avaliaram-se os dados sociodemográficos, dadosdo uso e acesso à internet, da supervisão parental, da dependênciaonline e do funcionamento familiar.

Após a recolha de dados procedeu-se à análise estatística comrecurso ao programa estatístico SPSS (IBM SPSS Statistics Version 23),tendo sido efectuadas as estatísticas descritivas para a caracterizaçãoda amostra e dos comportamentos online e as correlações de Pearsonentre as variáveis em estudo.

Resultados

Acesso à Internet

Em média esta amostra de pais iniciou o acesso à internet aos 24anos; 49% acede à internet no trabalho; 63% através de dispositivosfixos; 72% acede à internet por lazer até 4h por dia; 95% acede à

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internet para socializar até 5h por dia; 53% acede à internet porquestões de trabalho até 5h por dia; para 50% dos pais estar na internetnão tira tempo para trabalhar, dormir, socializar, estar com a família efazer exercício físico.

Atividades na Internet

As redes sociais são a preferência de 46% dos pais, seguidas dacomunicação online (e.g., email, chats) (45%) e do Multimédia (42%);7% dos pais joga online todos os dias; 38% joga de vez em quando; Amaioria dos pais que jogam (52%) não joga jogos online com apostasa dinheiro.

Controlo parental

Em relação ao controlo parental do que se passa online, 97% dospais considera o seu estilo parental democrático; 78% deixa o filhoestar na internet até 4h p/dia; 57% deixa até 4h p/ dia durante os diasdo fim de semana; 84% controla o uso da internet dos filhos; 80%afirma que os filhos fazem as refeições sem acesso aos dispositivosmóveis; 68% afirma que os filhos não têm acesso aos dispositivosmóveis à noite.

Dependência online e funcionamento familiar

A dependência online dos pais está correlacionada com a ausênciade perceção de alterações no Funcionamento Familiar. Há a perceçãode um bom e coeso funcionamento familiar, sem conflito (p=0.000;r=.167).

Discussão

No geral os resultados indicam que há um baixo nível de supervisãoparental nas atividades online dos filhos, e que os próprios pais

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apresentam um consumo diário de em média 5h por dia, muitosemelhante ao tipo de consumo em amostras de jovens (Patrão, 2016;Patrão et al., 2016; Patrão, Machado, Fernandes, & Leal, 2015),sobretudo tendo como preferência as redes sociais.

A dependência online nesta amostra de pais está correlacionada coma perceção de um bom funcionamento familiar, o que constitui umdado preocupante, uma vez que a Internet surge como uma estratégia,que para aqueles pais que dependem dela, previne o diálogo, acomunicação e os conflitos na família. E assim a internet promove oestar fora da família, dentro de casa! É importante alertar os pais ecomunidade geral para este risco.

Os pais desempenham um papel importante na educação, masmuitas vezes sentem-se perdidos no meio da oferta de inovaçõestecnológicas, sem saber quais os limites a serem impostos, ou mesmosem terem real conhecimento dos perigos que os seus filhos correm emvirtude da descontrolada exposição online. Alguns estudos alertampara o fato dos estilos parentais mais permissivos e a falta de coesãofamiliar se encontrarem relacionados com a presença de umadependência online em jovens (Gunuc & Dogan, 2013; Gündüz &Sahin, 2011; Li, Dang, Zhang, Zhang, & Guo, 2014; Kalaitzaki &Birtchnell, 2014). Dosear o tempo de contacto de todos em família erealizar uma adequada supervisão de acesso a conteúdos de acordocom a idade da criança/jovem será um primeiro passo muitoimportante (Şenormancı, Şenormancı, Güçlü, & Konkan, 2014).

Estes dados remetem para a necessidade de apostar na promoção dagestão saudável dos comportamentos online, por todos, e na clarasensibilização daqueles que funcionam como modelo educativo. Osprofissionais que fazem intervenção nesta área podem aproveitar opoder das Tecnologias – aproveitar a sua força, para fazer intervençõesonline – por ser um dos canais de chegar às famílias, e sobretudo, aosjovens.

Este estudo, apesar de ter uma amostra reduzida de pais e de nãocontemplar uma avaliação qualitativa, de forma a compreender melhoros comportamentos online dos pais, deixa um contributo significativopara a continuidade da investigação nesta área.

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Desenvolvimento moral e conceito de mentira nas crianças

Maria José D. MartinsBeatriz Estevão

Resumo: Esta investigação teve como objetivos compreender como se processao desenvolvimento moral de crianças em idade escolar, em particular no queconcerne à compreensão e evolução do conceito de mentira e à capacidade paradiferenciarem entre as consequências das ações e as intenções dos atores empequenas narrativas, no âmbito da teoria de Piaget sobre desenvolvimentomoral. Atualmente a convenção dos direitos da criança e a legislação portuguesaadmitem o direito de audição e de participação da criança nos processos judi -ciais e administrativos que lhe respeitem e o referencial da educação para acidadania, do Ministério de Educação Português, pressupõe uma educação paraa responsabilidade e autonomia. A metodologia deste estudo foi de naturezaqualitativa e envolveu entrevistas individuais semiestruturadas a 146 crianças,com idades entre os 6 e os 10 anos, a frequentar um dos quatro anos de escola -ridade, de uma escola do 1.º ciclo do ensino básico numa cidade do AltoAlentejo. Foram efetuadas 10 questões: 3 sobre a mentira; 4 sobre uma históriaque avaliava o nível de desenvolvimento moral no que concerne especifica -mente o realismo versus subjetivismo moral; e 3 sobre a sugestionabilidade a 3figuras de referência. Os resultados sugerem que a maioria das crianças é capazde diferenciar a verdade da mentira e encontra-se em transição da heteronomiapara a autonomia moral, sendo, no entanto, altamente sugestionável por figurasde referência. Os resultados são discutidos em termos das competências e limi -tações das crianças para atuarem de forma responsável e fornecerem depoi -mentos credíveis.

Palavras-chave: Desenvolvimento moral, Mentira, Crianças.

Introdução

A convenção dos direitos da criança admite o direito de audição e departicipação da criança nos processos judiciais e administrativos quelhe respeitem e a atual legislação portuguesa permite que as criançassejam ouvidas em tribunal, no âmbito da intervenção tutelar cível (porexemplo, regulação de responsabilidades parentais), do processojudicial de adoção, da intervenção de promoção e de protecção dedireitos, da intervenção tutelar educativa, ou quando a criança seja

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vítima ou testemunha de um crime (Agulhas & Alexandre, 2017).Neste sentido torna-se de extrema importância e pertinência, compre -ender as capacidades e competências da criança para diferenciar entreverdade e mentira, bem como para compreender em que medidaadultos de referência a podem sugestionar nesse sentido. Por outrolado, o referencial para a educação para a cidadania, proposto peloMinistério de Educação Português, pressupõe uma educação para a“responsabilidade, autonomia, solidariedade, exercício dos direitos edeveres, em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito crítico ecriativo, tendo como referência os direitos humanos”. Esta investi -gação teve como objetivos compreender: como se processa o desen -volvimento moral de crianças em idade escolar, em particular no queconcerne à compreensão e evolução do conceito de mentira, qual acapacidade para diferenciarem entre diferentes tipos de mentiras empequenas narrativas, e em que medida podem ser sugestionadas amentir por adultos de referência, e desenrolou-se no quadro da teoriade Piaget (1932/85) sobre desenvolvimento moral.

Piaget (1932/85) propõe a existência de duas etapas ou fasesdesenvolvimentais de orientação moral na criança que designou pormoralidade heterónima e moralidade autónoma, sendo que a transiçãoentre elas se faria por volta dos 8 para os 9 anos. A primeira baseia-sena obediência à autoridade e no respeito unilateral ao adulto ecarateriza-se por: a criança avaliar os atos pelo princípio da responsa -bilidade objetiva, isto é, atribuir mais importância às consequências daação do que às intenções dos atores quando avalia atos de transgressão;as regras permanecerem exteriores à criança (apesar da dificuldade quemanifesta em cumpri-las); as crianças prescreverem castigos arbitrá -rios e pouco adequados às transgressões. Pelo contrário, a moralidadeautónoma baseia-se na cooperação, na solidariedade entre iguais e norespeito mútuo e carateriza-se por: a criança avaliar os atos pelo princí -pio da responsabilidade subjetiva, isto é, avalia atos de transgressãoatribuindo mais importância às intenções do ator do que àsconsequências da ação; interiorizar as regras e ser capaz de as cumprirsem a supervisão do adulto; prescrever castigos que se ajustamgradualmente às ofensas cometidas e são reparadores do delito (Piaget,

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1932/85, pp.154-155). Esta sequência desenvolvimental na orientaçãomoral tem sido reconhecida ao longo das últimas décadas comocontinuando pertinente por vários autores (e.g., Gomes & Chakur,2005; Lourenço, 2002; Martins & Carvalho, 2008; Tappan, Kohlberg,Sehrader, Higgins, Arman, & Lei, 1987).

No que respeita em particular à conceção sobre o que é uma mentira,Piaget (1932/85) propõe três fases na evolução deste conceito nacriança: uma primeira etapa em que a mentira é confundida com o erro,a punição é critério de gravidade da mentira e esta é vista como umerro ou algo “feio”; uma segunda fase em que a mentira é vista comoalgo que é descrito falsamente e que não corresponde aos factos (àrealidade ou à verdade), mas que em há dificuldade em diferenciá-lado erro e em que a intencionalidade ainda não é considerada; e umaterceira etapa em que a criança encara a mentira como algo que, alémde não corresponder aos factos, é dito com a intenção de enganaralguém. Esta sequência tem sido também considerada como sendoadequada por vários autores que desenvolveram o seu trabalho maisrecentemente (e.g., Gomes & Chakur, 2005). Piaget (32/1985, pp.113-114) sugere assim que até aos 7 anos a mentira é o que não estáconforme à verdade, independentemente das intenções do sujeito.

Coelman e Kay (1981) citados por Martins (2017) consideram quea mentira pressupõe três componentes: a crença de que é falso, aquiloque o emissor diz (crença), a intencionalidade de enganar o recetor(intenção) e o ato de o comunicar ao outro (informação).

Recentemente vários autores têm chamado a atenção para o facto deas mentiras serem de diferentes tipos consoante as diferentes motiva -ções que lhes estão subjacentes, podem ser prossociais ou piedosas(ditas para não magoar alguém); antissociais quando visam protegerinteresses pessoais, enganando e desrespeitando o outro; ou aindamentiras de brincadeira (partidas); e que essas motivações são conside -radas quando crianças e adolescentes avaliam a gravidade das mentiras(Bussey, 1999; Fu, Heyman, Chen, Liu, & Lee, 2015; Martins, 2017).

Bussey (1999) num estudo que pretendia avaliar a capacidade dascrianças de três grupos etários (4, 8 e 11 anos) para categorizar trêstipos de falsa intencionalidade (mentira antissocial, mentira piedosa e

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mentira de brincadeira) e afirmações verdadeiras como sendo mentirasou verdades, verificou que as crianças mais velhas (de 8 e 11 anos)tinham mais facilidade em categorizar as falsas declarações comomentiras que as mais novas e classificavam as mentiras antissociaiscomo piores do que as mentiras piedosas (ditas para não magoar alguém)ou do que as mentiras associadas a uma brincadeira ou partida. Todos osgrupos etários consideravam mais apropriado fazer afirmaçõesverdadeiras do que mentirosas. As crianças mais velhas antecipavammais desaprovação social por dizerem mentiras antissociais do que asmais novas. As crianças de 4 anos antecipavam menos desaprovaçãosocial, quer pelas mentiras antissociais, quer pelas mentiras piedosas.O autor conclui que as crianças de 4 anos tinham mais dificuldade emautorregular declarações verdadeiras e falsas, comparativamente àscrianças de 8 e 11 anos e que fatores contextuais influenciam asavaliações morais das crianças nas situações em que esta está perantedeclarações verdadeiras ou mentirosas (Bussey, 1999).

Com vista a melhor esclarecer o conceito de mentira na criança e osmotivos que a podem levar a mentir, os objetivos específicos dainvestigação que se apresenta foram:

– Avaliar a conceção de mentira nas crianças ao longo do seu desenvolvimento(do 1.º ano ao 4.º ano de escolaridade).

– Verificar se as etapas de heteronomia moral, transição e autonomia moral severificam na amostra estudada, e em que momento do desenvolvimento ocorrea transição de uma etapa para outra.

– Verificar em que medida adultos de referência na vida da criança, tais como amãe, o pai e a professora, podem influenciar a criança, no sentido de esta mentira pedido dos mesmos.

Metodologia

A metodologia deste estudo foi de natureza qualitativa e envolveuentrevistas individuais semiestruturadas a 146 crianças a frequentarum dos 4 anos do 1.º Ciclo do Ensino Básico de uma cidade situada noAlto Alentejo.

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Participantes

Participaram 146 crianças (81 rapazes e 65 raparigas) com idadescompreendidas entre os 6 e os 10 anos, com uma média de idades situadanos 7.51 anos (com desvio padrão de 1.24), mediana situada nos 7 anose moda nos 6 anos; 46 (27 rapazes e 19 raparigas) a frequentar o 1.º ano,41 (20 rapazes e 11 raparigas) a frequentar o 2.º ano, 32 (15 rapazes e 17raparigas) a frequentar o 3.º ano, e 37 (19 rapazes e 18 raparigas) afrequentar o 4.º ano de escolaridade de uma escola do 1.º ciclo do ensinobásico.

Instrumento

Foram efetuadas entrevistas semiestruturadas que se basearamnuma das histórias e em algumas das questões sugeridas por Piaget(1932/85) para avaliar o raciocínio moral. Assim foram efetuadas 10questões: 3 sobre a natureza da mentira; 4 sobre uma história queavaliava o nível de desenvolvimento moral no que concerne especifi -camente a natureza da mentira (comparação entre duas situaçõesdescritas que não correspondiam aos factos, por um lado uma criançaque diz à mãe ter visto um cão do tamanho do elefante e uma outra quediz ter tido boas notas quando de facto não as teve); e 3 sobre asusgestionabilidade para mentir, a pedido de 3 figuras de referência (amãe, o pai e a professora). As respostas relativas ao conceito dementira foram categorizadas nas três fases da mentira atrás descritas epara a análise das histórias, sobre ter visto um cão do tamanho de umelefante e sobre dizer à mãe que teve boas notas quando teve más notasna escola, utilizaram-se as descrições relativas à heteronomia, autono -mia moral e transição entre ambas, descritas anteriormente.

Procedimento

Foram solicitadas autorizações por escrito à direção do agrupa -mento de escolas, e a todos os encarregados de educação das crianças.Assim, dos 195 alunos a frequentar o 1.º ciclo do ensino básico daescola, foram entrevistados cerca de 76%, porque apenas participaram

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no estudo as crianças que foram autorizadas pelos pais ou encarregadode educação, cerca de 9% não foram autorizados a participar pelospais, 4% estavam ausentes no período da recolha de dados, e 11% nãoforam objeto de avaliação por outros motivos (por exemplo, por oportuguês não ser a sua língua materna ou por défices cognitivos quepoderiam comprometer a compreensão da história e das perguntas).Vinte e cinco por cento de todas as respostas das crianças foramcodificadas independentemente pelas duas autoras deste trabalho, comvista a calcular o acordo inter-juízes na forma como eramcategorizadas as respostas às diferentes questões e aos conjuntos dequestões efetuadas.

Apresentação dos resultados

Conceção de mentira do 1.º ao 4.º ano

Na Tabela 1 apresentam-se as conceções de mentira exibidas pelascrianças, em função do ano de escolaridade. O acordo inter-juízes nacategorização das respostas nas três fases da mentira foi de 70% àtotalidade das três perguntas em simultâneo (O que é para ti umamentira? Qual a diferença entre a verdade e a mentira? Dá um exemplode uma verdade e de uma mentira) e de 90% se considerarmos umacordo parcial (apenas em duas respostas), o que revela uma razoávelfidelidade do instrumento.

A análise da Tabela 1 revela que a quase totalidade das crianças sesitua na fase II da mentira, ou seja, reconhecem que na mentira serelatam factos que não correspondem à realidade mas não concep -tualizam ainda a intenção de enganar o outro. Cerca de um quarto dascrianças do 1.º ano ainda se situa na fase I da mentira (mentir é feio, émau, é errado), enquanto que no 2.º, 3.º e 4.º anos, as respostas situam--se maioritariamente na fase II da mentira. No 4.º ano, três criançassituam-se na fase III (enquanto que nos anos anteriores apenas umacriança aí se situa).

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148

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Heteronomia moral e autonomia moral – do 1.º ao 4.º ano

No que respeita à história do cão e das notas, em resposta à perguntasobre se os meninos nas duas histórias tinham mentido ou dito a verdade,todas as crianças consideraram que tinham mentido em ambos os casos.No que se refere à mentira que consideraram mais grave, no 1.º anoapenas duas crianças responderam que foi a do João/Joana que viu umcão do tamanho do elefante e quarenta e quatro responderam que foi a doRui/Rita que disse que tinha tido boas notas à mãe, quando na realidadetinha tido más notas. No 2.º, 3.º e 4.º ano todas as crianças consideraramque a mentira das notas era a mais grave. Na Tabela 2 apresentam-se asjustificações das crianças para explicar qual a mentira mais grave e suacategorização nas três etapas de orientação moral. O acordo inter-juízesfoi de 85% para a totalidade das respostas às questões (Achas que estesmeninos disseram a verdade ou uma mentira nestas histórias? Qual foi amentira pior/mais grave? Porquê? Será que os meninos deviam ser ou nãocastigados? Qual deveria ter o castigo mais severo? Porquê?) e de 90%para um acordo parcial, o que revela elevada fidelidade do instrumento.

Os dados da Tabela 2 revelam que a maioria das crianças se situa natransição da heteronomia para a autonomia moral. Apenas 8.7% dascrianças do 1.º ano apresentou justificações típicas da heteronomia morale nenhuma das crianças dos 2.º, 3.º e 4.º anos se situava nesta etapa.Quase um quarto das crianças do 4.º ano se situava na etapa da autonomiamoral e muito poucas crianças dos 1.º, 2.º e 3.º anos se situavam nessaetapa.

As crianças foram também questionadas sobre se os meninos dashistórias deviam ser castigados e qual o menino ou menina que deveriater o castigo maior. Todas consideraram que podia haver castigo. No 1.ºano apenas uma respondeu que o menino da história do cão devia ter umcastigo maior, todas as restantes consideraram que o castigo devia sersobre tudo na história das notas. Na Tabela 3 apresentam-se as justifi -cações a essa resposta (categorizadas também nas três etapas de orien -tação moral). Verificou-se mais uma vez que a quase totalidade dasrespostas se situavam na transição da heteronomia para a autonomiamoral e apenas duas (uma no 1.º e outra no 4.º ano) se situavam na hetero -nomia moral, e foi no 4.º ano que se encontrou a maior percentagem derespostas de autonomia moral (40.5% das respostas desse ano de escolari -dade aí se situaram).

149

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150

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151

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Sugestionabilidade da criança para mentir a pedido de um adulto dereferência

Em resposta à pergunta sobre se se deve ou não mentir e porquê amaioria das crianças respondeu que não. No 1.º ano, 3 crianças disseramque só se podia mentir no dia das mentiras, duas que se podia mentir(para nos divertirmos justificou uma delas), e 41 afirmaram que não sepodia mentir (por causa dos castigos, porque é feio ou mau). No 2.º ano,27 crianças afirmaram que não se podia mentir, 3 afirmaram que sepodia mentir no dia das mentiras e apenas 1 disse que se podia mentir.No 3.º ano, 28 afirmaram que não se podia mentir, 3 consideraram quese podia mentir no dia das mentiras e apenas 1 admitiu que se podiamentir. No que se refere ao 4.º ano, 30 consideraram que não se podiamentir e 7 admitiram que se podia mentir (maioritariamente no sentidode proteger alguém ou a eles próprios). No que respeita ao modo comoresponderam à questão sobre se mentiriam a pedido de um adulto (mãe,pai, professor) e porquê, apresentam-se os resultados na Tabela 4. Asrespostas foram codificadas nas categorias que se apresentam por doisinvestigadores, obtendo-se um acordo inter-juízes de 95% para a mãe, de92.5% para o pai e de 92.5% para a professora, o que revelou elevadafidelidade. Verificou-se que quase metade das crianças era sugestionávelpela mãe e pelo pai, sobretudo por motivos de obediência, e que cercade um terço era sugestionável pela professora, pelos mesmos motivos(ver Tabela 4). A obediência prevalecia como motivo nas crianças do 1.ºano e a admissão de mentiras piedosas surgiu apenas como motivo nascrianças dos 3.º e 4.º anos para as três figuras consideradas.

Antes de terminar a entrevista a investigadora fazia uma pequenabrincadeira para avaliar a sugestionabilidade da criança, dizendo:«Quando saímos da tua sala e viemos para esta, tu viste um palhaço».Pretendia-se assim obter um indicador de sugestionabilidade geral dascrianças. Verificou-se que 87.7% das crianças contestaram a afirmação(dizendo que não tinham visto o palhaço), enquanto que 12.3% foisugestionável, contudo este valor é muito inferior à sugestionabilidadeaos pais (43.8% à mãe e 43.1% ao pai).

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Tabela 4

Sugestionabilidade a mentir por figuras de referênciaSugestionabilidadeSim ou não Mãe Pai Professora

A criança é sugestionável por obediência 45 (30.8%) 43 (29.5%) 29 (19.9%)

A criança é sugestionável por razões de mentira piedosa 5 (3.4%) 4 (2.7%) 6 (4.1%)

A criança é sugestionável pelas consequências 5 (3.4%) 6 (4.1%) 8 (5.5%)

A criança é sugestionável por outros motivos 9 (6.2%) 10 (6.8%) 5 (3.4%)

Total das que são sugestionáveis 64 (43.8%) 63 (43.1%) 48 (32.9%)

A criança não é sugestionável porque perspetiva o pedido como um teste à sua honestidade 4 (2.7%) 3 (2.1%) 3 (2.1%)

A criança não é sugestionável porque considera nãomentir uma regra sagrada 50 (34.2%) 47 (32.2%) 36 (24.7%)

A criança não é sugestionável porque lhe desagrada o comportamento de mentir 14 (9.6%) 13 (8.9%) 18 (12.3%)

A criança não é sugestionável porque não quer quebrar a confiança com o outro 4 (2.7%) 6 (4.1%) 7 (4.8%)

A criança não é sugestionável por outros motivos 10 (6.8%)0 14 (9.6%) 34 (23.3%)

Total das que não são sugestionáveis 82 (56.2%) 83 (56.7%) 98 (67.1%)

Assim, apesar da grande maioria das crianças ter assimilado a regrade que se não deve mentir, quase metade admite fazê-lo a pedido defiguras afetivas de referência, como a mãe e o pai, ou seja, seria poreles sugestionável a mentir, se essa fosse a intenção deles.

Conclusões e discussão

Os resultados obtidos nas diferentes questões efetuadas são coe -rentes entre si na medida em que a maioria das crianças se situa na faseII da conceção sobre a mentira e na transição da heteronomia moralpara a autonomia moral na apreciação das histórias do cão e das notas(quer na apreciação de qual era a mentira mais grave, quer naapreciação de qual dos meninos merecia o castigo mais severo). Muitopoucas crianças consideraram pior a mentira da criança que diz tervisto um cão do tamanho do elefante comparativamente è mentirasobre as notas da escola. Tal resultado seria expectável no âmbito domodelo proposto por Piaget (1932/85) e é coerente com os resultados

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dos estudos de outros autores com histórias similares (Gomes &Chakur, 2005; Martins & Carvalho, 2008).

Verifica-se também que existe uma evolução da heteronomia moralpara autonomia moral com o desenvolvimento da criança e que oaparecimento da autonomia moral começa a surgir sobretudo nascrianças do 4.º ano. De facto, é neste nível de escolaridade que seencontram as crianças com idades compreendidas entre os 9 e os 10anos, sendo que Piaget (1932/85) previa que a autonomia moralcomeçaria a surgir depois dos 8 anos de idade. Nos estudos de Gomese Chakur (2005) sobre a mentira, com crianças dos 7 aos 14 anos, nãofoi encontrada nenhuma criança de 7 e 8 anos na fase III da mentira,nem nenhuma de 13 e 14 anos na fase I. Martins e Carvalho (2008) nasua investigação sobre mentira, com 93 crianças dos 10 aos 14 anos,constataram que 46.5% das crianças se situavam na fase II e apenascerca de 20.4% se situavam na fase III da mentira (valores um poucoaquém do previsto por Piaget) mas coerentes com o sentido dodesenvolvimento moral antecipado pelo autor e coerentes com osresultados obtidos na presente investigação.

O que o estudo aqui descrito apresenta de novo é o facto de apesarda quase totalidade das crianças ter interiorizado a regra de que não sedeve mentir, quando confrontadas com um pedido de figuras dereferência (sobretudo da mãe e do pai, mas também da professora) paramentirem, quase metade de todas aquelas que afirmaram que não sedeve mentir, admitiram que mentiriam por razões de obediência e dasconsequências que daí adviriam se o não fizessem. A invocação derazões piedosas para o fazerem é residual nos motivos invocados,aparecendo apenas nas crianças do 3.º e 4 º anos de escolaridade, o queé coerente com os estudos de outros autores (e.g., Bussey, 1999; Fu etal., 2015).

Em suma, a maioria das crianças entre os 6 e os 10 anos sabe o queé uma mentira, é capaz de diferenciar a verdade da mentira (emboraainda não equacione a questão da intencionalidade associada ao ato deenganar o outro), não é muito sugestionável por estranhos, mas pareceser bastante sugestionável por figuras afetivas de referência (como o paie a mãe). Em situação forense este dado aponta para o facto da maioria

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das crianças com mais de 6 anos revelar competências para efetuardepoimentos, mas alerta para a necessidade de conhecer também asmotivações dos pais das crianças que efetuam esses depoimentos. Emsituação escolar deve compreender-se que a obediência na infância temvalor adaptativo e que os pais podem influenciar os testemunhos ouhistórias que as crianças contam nesse contexto.

Referências

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Bussey, K. (1999). Children’s categorization and evaluation of different types of liesand truths. Child Development, 70(6), 1338-1347.

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Diferenciação curricular e pedagógica: Dificuldades de concretização nas perceções e representações de professores do ensino básico e secundário em escolas do Alentejo

Maria de Lurdes MoreiraMarília Favinha

Resumo: Este artigo resulta de dois fatores relevantes, a revisão do que nosúltimos anos se tem escrito sobre a necessidade de se fazer diferenciaçãocurricular e pedagógica, e um estudo que realizámos com professores do EnsinoBásico e Secundário sobre as suas perceções e representações relativas a estefenómeno. Neste estudo recolhemos os testemunhos escritos de 63 professoresde Escolas do Alentejo e da região Oeste, procedemos à análise de conteúdo e àsua categorização. As conclusões obtidas permitem realçar um conjunto defatores intrínsecos e extrínsecos à ação dos professores e, ainda, fazer umlevantamento de questões que julgamos serem evidenciadas nesta problemáticarelativamente a duas linhas de focagem, a sala de aula e a Escola enquantoorganização e o Sistema de ensino português em pleno processo de Autonomiae Flexibilidade Curricular (Despacho nº 5908/2017).

Enquadramento da problemática

“O ensino diferenciado não é uma tendência nova. Baseia-se nasmelhores práticas educacionais.” (Heacox, 2006, p. 6) Pensar umensino inclusivo, direcionado às necessidades, expectativas einteresses de todos os alunos tem sido um objetivo procurado pormuitos professores nas últimas décadas em Portugal. Os professoresque colocam os alunos no centro do processo ensino-aprendizagemtêm procurado através da diferenciação curricular e pedagógicaaumentar as capacidades de apren dizagem de todos os alunos e, porconsequência, fazer com que todos desenvolvam ao máximo as suascompetências, necessárias para um efetivo sucesso educativo.

Roldão (2010) refere-se à necessidade de diferenciar dois níveis dedecisão curricular: como o binómio curricular (Roldão, 2000, 2003,cit. por Roldão 2010), por um lado, o nível central em que a tutelaestabelece o core curriculum, por outro, a maior autonomia das escolas

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no processo de operacionalizar e contextualizar esse currículo. Apesarde esta ideia ter, em Portugal, praticamente 20 anos, as discussões àvolta da forma como se pode agilizar esta dualidade epistemológica,continua na ordem do dia. O Despacho 5908/2017 veio apenas darforma e suporte legal às discussões travadas nas escolas todos os dias.Para além das implicações organizativas do processo da gestãocurricular que têm sido trabalhadas dentro das culturas organizacionaistão diferenciadas nas escolas, existe todo um processo que correparalelo da diferenciação curricular e pedagógica na sala de aula. Masambas enfermam dos mesmos males, tal como refere Roldão (2010, p.231): “(…) com iniciativa e responsabilidades claramente acrescidasda instituição e dos professores, tem contudo sido menos discutido nacomunidade de docentes, largamente marcada por uma culturanormativa, e pouco socializada numa cultura de iniciativa e de auto ehétero-regulação”.

Mas se a discussão não é nova, também é cada vez mais prementeconseguir que a diferenciação curricular se torne um dos aspetos-chavepara uma verdadeira conceção e desenvolvimento de percursos deaprendizagem individualizados, que permitam garantir o sucesso detodos. Ao longo dos últimos anos a discussão centrou-se, sobretudo,em duas premissas: o conceito e as práticas de diferenciação curricularparecem muitas vezes corresponder à aceitação tácita de baixasexpeta tivas para determinados grupos de alunos que apresentamproblemas e dificuldades de aprendizagem e onde se constroem viasalternativas de currículo, configurando processos de diferenciação queSousa (2010, cit. por Silva & Leite, 2015) designa como estratificada.Ou, por outro lado, o conceito e as práticas de diferenciação curricular,não se constroem pela redução ou simplificação do currículo, massobretudo, pela definição estratégica de percursos de aprendizagemdiferenciados, que possibilitem a todos os alunos “cumprir o currículo”(Roldão, 1999, 2003, 2005; Sousa, 2010; Leite, 2012, cit. por Silva &Leite, 2015).

Como refere Martins (2017, pp. 24-25) “é necessário pensar nopoder que as formas de educação e formação têm para educar osindivíduos aprendentes, como experiência (trans)formadora e de

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sentido democrá tico, tendo em consideração as realidades identitáriasexistentes na pluralidade e diversidade dos contextos educativos.Importa, assim, salientar que a experiência de sentido democráticoreferida, é emergente na razão entre o direito à igualdade deoportunidades de acesso ao conhecimento e da aplicabilidade práticadesse conhecimento na sociedade”.

Também Santos (2009, p. 52) afirma que “Cada vez mais osprofessores são confrontados com a diversidade de alunos que têm,diversidade não só nas aprendizagens realizadas, mas também naforma de pensar e de aprender, para já não falar das distintas culturas,valores e domínios da língua portuguesa, em presença. Assim, acriação de momentos de diferenciação pedagógica torna-se cada vezmais um imperativo pedagógico”.

Parece-nos unanime que todos os investigadores e pensadores daeducação não têm dúvidas sobre a pertinência e absoluta necessidadede fazer nas escolas, diferenciação curricular e pedagógica. A questãoque urge colocar e que nos parece importante traduzir é, como é queno terreno e na prática, os professores operacionalizam um ensinodirigido a todos, através das suas conceções e representações sobre otema.

Objetivos deste estudo

Foi nosso objetivo conhecer as perceções e representações deprofessores sobre os processos de inclusão que passam peladiferenciação curricular e pedagógica, com base nas dificuldades deoperacionalização deste processo. Foram inquiridos 63 professores, doEnsino Básico e Secundário, de um Agrupamento de Escolas doAlentejo e colocada apenas uma questão generalista, que nos permitiu,pela riqueza das respostas, através de uma análise de conteúdoprofunda proceder à criação de categorias e subcategorias e, atravésdos indicadores, chegar a interessantes e pertinentes conclusões.

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A questão colocada aos professores foi: – Quais as dificuldades/

/constrangimentos sentidos pelos professores para fazer diferenciação

curricular e pedagógica.

Os dados foram recolhidos em Fevereiro de 2018, de forma presen -

cial e individual. Espera-se que a informação recolhida possa constituir

um contributo recente para a discussão e compreensão da problemá -

tica, levando em consideração as opiniões de um dos atores determi -

nantes para a adequada dinâmica desta problemática, os professores.

Apresentação de resultados

A partir das respostas dadas pelos professores, por escrito, foram

constituídas categorias e subcategorias, e calculada a frequência de

resposta por categoria e subcategoria, sendo apresentadas no Quadro 1

as respostas dos professores sobre as suas perceções e representações

acerca dos processos de inclusão que passam pela diferenciação

curricular e pedagógica.

A leitura do quadro, após a análise de conteúdo realizada mostra que

os professores inquiridos, neste estudo, sobre quais são, na sua

opinião, as maiores dificuldades e constrangimentos relativamente à

realização de diferenciação curricular em sala de aula, apontam grande

diversidade de fatores, referentes a seis diferentes categorias.

A categoria com maior número de registos foi Alunos, com 42,5%

de registos, sendo os fatores aqui apresentados o facto de existirem

turmas muito heterogéneas (9,7%), elevado número de alunos por

turma (13,7%), turmas com alunos com NEE (4,8%), dificuldades de

concentração e atenção dos alunos (4%), desmotivação dos alunos

(2,8%), comportamento dos alunos (3,4%) e o cansaço que se verifica

por parte dos alunos (1,7%).

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Em seguida encontramos justificações, para as dificuldades emrealizar a diferenciação curricular na sala de aula, relacionadas com asCondições de Trabalho (16%). Aqui encontramos fatores como a faltade recursos materiais (5,4%), sendo aqui referido, entre outros, asdificuldades em ter manuais e materiais pedagógicos adaptados àdiferenciação curricular, a falta de condições de trabalho (3,1%), asquais vão desde as condições físicas da escola ao número elevado deturmas atribuídas a um professor, a falta de recursos humanos (3,1%),a falta de computadores e recursos multimédia (2,3%), as condiçõesfísicas das salas e espaços de aula desajustados (1,7%) e a falta de salasde trabalho específico e diferenciado (0,3%).

As categorias seguintes a obter maior número de registos foram aFormação e o Currículo, ambas com 13,1% de registos.

Relativamente à Formação, os professores indicam dificuldadesdevido à falta de formação dos professores em diferenciação curricular(9,1%) e flexibilização curricular (1,4%), a falta de formação naprodução de materiais adequados (2%) e a falta de formação emrecursos digitais (0,6%).

Quanto aos fatores relacionados com o Currículo, os professoresapontam a extensão dos programas (8%), os programas desajustados eobsoletos (2,6%) e a pressão em cumprir o programa (2,6%).

Temos ainda, apontados como fatores que dificultam a realizaçãocurricular em sala de aula, o Professor (8,2%) e o Tempo (7,1%). Osfatores relacionados com o Professor prendem-se com a desmotivaçãodos professores (3,1%) e a falta de articulação com os colegas (5,1%),devido à falta de tempo para trabalhar com os colegas e outros técnicosque fazem parte do processo ensino/aprendizagem e à ausência detrabalho colaborativo. Quanto ao fator Tempo, encontramos dificul -dades devido à falta de tempo para produzir recursos e preparar aulas(5,7%) e falta de tempo para desenvolver atividades mais direcionadasa cada aluno e gerir a diferenciação de atividades (1,4%).

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Conclusões

Optámos por inquirir os professores sobre os constrangimentos, porverificarmos no terreno, no contacto com o corpo docente, que éunânime a ideia que a diferenciação curricular e pedagógica é funda -mental no ensino, o que preocupa fortemente os professores passa pelo“como fazer”. Apontam como principais dificuldades as questõesrelacionadas com os Alunos: o elevado número de alunos por turma, aprópria heterogeneidade das turmas e a existência de muitos alunoscom Necessidades Educativas Especiais. Mas se estes fatores sãoestruturais e fora do controlo dos professores, os restantes argumentospodem ser associados à sua ação no processo ensino-aprendizagem:desmotivação, dificuldades de concentração e atenção, o comporta -mento e até a falta de apoio por parte dos Encarregados de Educação.

Estes fatores associados à subcategoria Professor, em que éapontada também a questão da desmotivação do próprio corpo docentee a falta de articulação entre os professores, as dificuldades do trabalhocolaborativo e a falta de formação, são condições de base que nãoestão reunidas na escola para enfrentar o desafio da diferenciação.

Evidenciou-se um certo confronto entre um projeto de diferenciaçãocurricular e pedagógica de natureza remediativa e um projeto dediferenciação curricular e pedagógica de caráter inclusivo, os profes -sores referem-se mais à necessidade de reformulação das atividadesletivas e das tarefas que se propõem para os alunos realizar, pararesponder às diferentes situações pedagógicas.

A dificuldade em promover um projeto de diferenciação curriculare pedagógica de natureza inclusiva tem a ver, em primeiro lugar, coma necessidade de estabelecer uma rutura de caráter bastante amplotanto com os compromissos epistemológicos que sustentam aemergência de um novo paradigma de educação escolar e implica, paraque essas transformações ocorram, transformações de naturezaorganizacional, algumas das quais dependerão de medidas maisabrangentes que remetem para decisões de caráter político exterioresàs escolas (Gonçalves, 2014).

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Os dados recolhidos manifestam, em última análise, a tensão entreuma perspetiva que entende o insucesso como algo estranho à escola ea perspetiva que atribui a esta alguma responsabilidade, não tanto nasua causa, como na sua resolução.

De um modo geral, não é a gestão diferenciada do currículo quedefendem, continuam a achar que isso é tarefa da tutela, o que procu -ram promover é a gestão diferenciada das atividades que visamdiferenciar o acesso ao currículo comum.

Segundo Gonçalves (2014) a ausência de uma reflexão explícitasobre a problemática da diferenciação curricular e pedagógica nosdomínios da gestão curricular, da gestão e organização nas atividadesletivas, onde se incluem os subdomínios das estratégias docentes e dagestão dos recursos e dos materiais pedagógicos, e o da gestão doprocesso de avaliação, não significa necessariamente uma ausência depreocupações com esta problemática.

Vimos que os professores têm consciência das dificuldades, tambémpor falta de formação e recursos que os ajudem a pensar e desenvolverpráticas pedagógicas que vão ao encontro das necessidades de cada umem particular, não perdendo a meta de sucesso educativo de todo ogrupo. “Hoje admite-se que o insucesso ou o sucesso escolar reside,não apenas em razões externas à escola, portanto no handicap cogni -tivo e cultural, mas também em aspectos de organização do sistema edo currículo, em geral, e do ambiente de aprendizagem que é criado”(Leite, 2000, p. 20). Assim, os professores devem assumir o papel degestores do currículo e não apenas cumpridores, executores ou difuso -res do currículo prescrito, para que o ensino se revista da melhorqualidade para todos e procure o maior desenvolvimento integral e demaior potencialidade para cada um. “Gerir o currículo significa tornaracessível, o que é diferente de simplificar e reduzir. Há aprendizagense competências imprescindíveis a todos os alunos. (…) se queremosuma igualdade de oportunidades sociais temos de procurar aumentar aqualidade da formação” (idem, p. 26).

A partir da massificação e democratização da educação, a diversi -dade é uma realidade em todos os contextos educativos, como éenfatizado pelos professores inquiridos. Este fato leva-os a questionar

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a adequação das suas práticas pedagógicas, ao constatarem as dificul -dades em motivar e envolver os alunos, e em última análise em promo -ver o sucesso académico de todos. Como refere Seabra (2017, p. 763),para “atender a essa diversidade, permitindo a todos aceder ao sucesso,a diferenciação curricular afigura-se como um recurso fundamental nãoisento de riscos, mas com inegáveis potencialidades quando entendidanuma lógica relacional da diferença.” A autora sublinha a necessidade daformação de professores e a sua autonomia, como elementos essenciaispara uma efetiva e bem-sucedida diferenciação curricular que respeite epotencialize as características pessoais de cada aluno, uma vez que,“embora a perceção de diferença seja generalizada, nem sempre setraduz em mudanças concretas da prática pedagógica, de modo aadequá-la a essa diversidade (Silva, 2016 cit in Seabra 2017, p. 766).

Referências

Gonçalves, E. (2014). Diferenciação curricular e pedagógica e dificuldades deaprendizagem no 1.º CEB. Tese Doutoramento em Educação, UniversidadeLusófona de Humanidades e Tecnologias Instituto de Educação, Lisboa.

Heacox, D. (2006). Diferenciação curricular na sala de aula: Como efectuaralterações curriculares para todos os alunos. Porto: Porto Editora.

Leite, C. (2000). A flexibilização curricular na construção de uma escola maisdemocrática e mais inclusiva. Território Educativo, 7, 20-26.

Martins, D. (2017). Currículo, envolvimento escolar e profissional. Uma análise àspráticas curriculares em centros educativos portugueses. Revista de EstudosCurriculares, 8(1), 23-34.

Roldão, M. C. (2010). A função curricular da escola e o papel dos professores:Políticas, discurso e práticas de contextualização e diferenciação curricular.Nuances: Estudos sobre Educação, 17(18), 230-241.

Seabra, F. (2017). Equidade e inclusão: sentidos e aproximações. In J. A. Pacheco, G.L. Mendes, F. Seabra, & I. C. Viana (Orgs.), Currículo, Inclusão e Educação.Escolar. Braga: Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação daUniversidade do Minho.

Santos, L. (2009). Diferenciação Pedagógica: um desafio a enfrentar. NOESIS, 1, 52-64.

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Silva, A., & Leite, T. (2015). Adequações curriculares e estratégias de ensino emturmas inclusivas: Um estudo exploratório no 1º Ciclo. Da Investigação àsPráticas, 5(2). Lisboa.

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Dinâmicas interativas em programas de escrita inventada: Umestudo qualitativo em contexto de jardim-de-infância

Ana AlbuquerqueMargarida Alves Martins

Resumo: Diversos estudos têm demonstrado que a promoção da escrita inven-tada em pequeno grupo no pré-escolar tem um impacto positivo na forma comoas crianças conceptualizam as relações entre a linguagem oral e a linguagemescrita. No entanto, poucos são os trabalhos que analisaram detalhadamente osprocessos de scaffolding que ocorrem durante as interações, levando à apropria-ção de procedimentos de análise linguística por parte das crianças. Neste senti-do, o presente estudo qualitativo teve como principal objetivo explorar as dinâ-micas de interação entre o experimentador e um conjunto de crianças partici-pantes num programa coletivo de escrita inventada no jardim-de-infância.Selecionou-se aleatoriamente um grupo constituído por quatro crianças comcompetências metalinguísticas iniciais heterogéneas (número de letras conheci-das, nível de consciência silábica e nível de consciência fonémica). Após atranscrição completa do programa, foram estudadas as dinâmicas interativasocorridas na sessão inicial, intermédia e final, analisando-se a frequência e aqualidade das intervenções e do discurso dos diversos intervenientes. A partirdesta análise, foram identificadas sequências de interação ilustrativas das inter-venções de apoio providenciadas pelo adulto e, em particular, a forma como asestratégias de mediação foram adaptadas ao nível de desenvolvimento de cadacriança, bem como aos seus conhecimentos e competências individuais. Asimplicações destes resultados são discutidas no âmbito da formação inicial econtínua de profissionais de educação de infância.

Palavras-chave: Pré-escolar, Escrita inventada, Interação, Scaffolding.

Introdução

Na investigação científica da aquisição da linguagem escrita, algunsinvestigadores têm estudado a vertente social da aprendizagem, explo -rando os conceitos de mediação e scaffolding, com o intuito de compre -ender as estratégias utilizadas pelo adulto em situações pedagógicas

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Este estudo foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia(UID/CED/04853/2016)

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promotoras do desenvolvimento da literacia (Pentimonti & Justice,2010; van de Pol, Volman, & Beishuizen, 2010). O processo descaffolding (Wood, Bruner, & Ross, 1976), associado ao papel doadulto na resolução de problemas, surge como forma de impulsionar asestratégias cognitivas das crianças para a execução autónoma e efici -ente das tarefas. Assim, de acordo com as características individuais decada criança, o tipo de tarefa e o contexto em que decorre a atividade,o adulto modifica e adapta os seus métodos de mediação, de forma aincentivar a remoção progressiva de apoio e encorajar a internalizaçãoe consolidação dos procedimentos (Cole, 2006; Coll, Colomina,Onrubia, & Rochera, 1992; van de Pol, Volman, & Beishuizen, 2010).Neste sentido, um conjunto de estratégias de scaffolding mais diversi -ficado parece estar associado a um apoio mais completo e sofisticado.

Considerando a linguagem oral como uma ferramenta de mediaçãona construção do conhecimento, as interações sociais e intervenções nodiscurso verbal constituem-se como um meio de acesso aos meca -nismos de aprendizagem (Vegas, 2004). É nesta dinâmica de apoio quese integra o papel do adulto, ao fomentar a comunicação, discussão epartilha de pontos de vista, promovendo a autonomia no pensamento eno discurso (Pontecorvo, 2005).

Enquadrados no referencial teórico sócio-construtivista surgem osprogramas de escrita inventada, desenvolvidos para promover compe -tências de literacia no pré-escolar através de atividades indutoras dereflexão metalinguística (Albuquerque & Alves Martins, 2016; AlvesMartins, Salvador, Albuquerque, & Silva, 2016; Hofslundsengen,Hagtvet, & Gustafsson, 2016; Ouellette, Senechal, & Haley, 2013;Senechal, Ouellette, Pagan, & Lever, 2012). Estes programas assentamem diversos pressupostos, sendo a base para a intervenção asproduções escritas das próprias crianças, a partir das quais são geradassituações de conflito cognitivo para impulsionar a reflexão sobre alinguagem oral e escrita, tendo em vista a evolução da aquisição daliteracia (Cubero & Luque, 2003; Ferreiro & Teberosky, 1979).

Deste modo, opera-se ao nível da Zona de DesenvolvimentoProximal (Vygotsky, 1962, 1978), i.e., a distância entre o nível real dedesenvolvimento (capacidade de resolução de problemas de forma

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autónoma) e o nível de desenvolvimento potencial (capacidade deresolução de problemas com a ajuda de um adulto ou par maiscompetente) (Brown & Ferrara, 1985; Wertsch, 1988). São, assim,construídos contextos que conduzem a uma desestabilização dos conhe -cimentos, criando uma dinâmica interativa que permite às criançasrefletir sobre a lógica do princípio alfabético através de feedbackimediato, pistas inferenciais, intervenções facilitadoras e estratégias demediação fornecidas pelo adulto, sendo o diálogo o instrumento deexecução das práticas de ensino-aprendizagem (Orsolini, 2005).

De acordo com Zucchermaglio (2005), o recurso à interação e suportesocial entre pares é também crucial para facilitar este processo e, emparticular, o desenvolvimento de competências metacognitivas, o quepode ocorrer, em crianças de idade pré-escolar, através de movimentosconversacionais, como o desenvolvimento de um argumento de discursocomum, ou de atos comunicativos, como as explica ções (Orsolini, 2005).

Assim, o principal objetivo deste estudo consiste em explorar as dinâ -micas interativas do experimentador e de um conjunto de criançasparticipantes num programa de escrita inventada realizado no último anodo ensino pré-escolar. Com efeito, o desenvolvimento destas ativi dadesem grupo põe em relevo a necessidade de conduzir uma análise dasestratégias de mediação do adulto e das dinâmicas ocorridas no diálogoentre pares.

Método

Desenho de investigação

Neste trabalho apresenta-se um estudo qualitativo decorrente de umainvestigação mais alargada, cujo objetivo principal consistiu em avaliaro impacto de um programa de escrita inventada nas competências deliteracia iniciais de crianças no final do ensino pré-escolar. O trabalhoaqui apresentado incide na análise qualitativa das interações sociaisocorridas em três sessões de intervenção de um grupo participante nacondição experimental.

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Participantes

Participou neste estudo um grupo de quatro crianças, selecionadoaleatoriamente de entre 12 grupos da condição experimental, comcaracterísticas heterogéneas quanto ao género e às competências meta -linguísticas (conhecimento de letras e consciência fonológica).

Instrumentos e procedimentos

Programa de intervenção de escrita inventada. O programa de escritainventada foi desenhado a partir de um conjunto de princípios de natu -reza sócio-construtivista, tendo em vista a promoção da reflexão, nascrianças, sobre a escrita de determinadas palavras, conduzindo-as a utilizaros grafemas adequados para representar os diferentes fonemas. Durantedois meses foram realizadas 10 sessões de intervenção em pequenogrupo com duração aproximada de 20 minutos. Cada sessão era consti -tuída por quatro episódios, correspon dendo à escrita de quatro palavrasdiferentes.

A partir da interação com os pares e com o experimentador, os partici -pantes foram levados a pensar sobre a forma de escrita de palavrassimples, nomeadamente as relações oral-escrito, as correspondênciasgrafo-fonéticas e as regras implícitas associadas ao código escrito,assimilando novos conhecimentos e competências do sistema alfabéticode escrita. Na tarefa apresentada ao grupo, as crianças deveriam refletirsobre a melhor forma de escrever um conjunto de palavras ditadasoralmente pelo experimentador, discutindo as suas ideias para chegar aum consenso sobre as letras mais adequadas para representar a palavra.

O experimentador desempenhava um papel crucial nestas sessões,incentivando a participação das crianças na discussão e questionando-asde forma a orientar o processo de pensamento e aprendizagem. Estafunção mediadora do adulto permitia monitorizar a atividade e incen -tivar os participantes a refletir acerca da codificação dos fonemas naspalavras, potenciando uma dinâmica de interação em torno da lógica doprincípio alfabético.

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Processo de análise qualitativa das dinâmicas de interação. A partirda transcrição das sessões do programa de intervenção, foram identifi -cadas diversas categorias ilustrativas da interação entre os vários inter -locutores: experimentador-participantes, participantes-experimentadore participantes-participantes.

Para o estudo da ocorrência destas situações, foi construído umsistema de classificação das dinâmicas interativas, inspirado emtrabalhos de investigação centrados na temática das interações sociais,mediação do adulto e processos de scaffolding (Alves Martins, Salvador,Albuquerque, & Montanero Fernández, 2017; Orsolini, 2005; Pascucci& Rossi, 2005; Pentimonti & Justice, 2010; Pol, Volman, & Beishuizen,2010; Pontecorvo, 2005; Vegas, 2004). Na Tabela 1 e na Tabela 2apresenta-se a classificação das categorias para o adulto e para ascrianças com a respetiva definição e excertos exemplificativos.

Tabela 1

Sistema de classificação das dinâmicas interativas adulto-criançasDiscurso do experimentador Definição Exemplos

1. Questão direta Pergunta dirigida a que uma ou Teresa, que letra achas mais crianças expressem a sua que é primeiro?opinião

2. Questão inferencial Pergunta formulada com uma pista Acham que é um P ou um de modo a facilitar a resposta O primeiro?

3. Pedido de confirmação Pergunta dirigida a que as crianças Todos concordam que é confirmem uma proposta um O agora?apresentada previamente

4. Pedido de explicação Pergunta dirigida a que uma ou Achas que é um P mais crianças justifiquem a primeiro porquê?proposta apresentada

5. Focalização/gestão Apelo a que uma ou várias Pensem lá todos melhor crianças reflitam após uma que letra é que eu vou pôrhesitação ou discordância prévia aqui.

6. Síntese/espelhamento Recapitulação da proposta A Carlota acha que é um apresentada anteriormente por P e o Hugo acha que é um uma ou mais crianças H...

7. Explicação Justificação/esclarecimento da Como o nome do Hugo: proposta de uma ou mais crianças Faz U e põe-se um O no após a sua apresentação fim.

8. Modelagem procedimental Exemplificação de estratégias de PEEEE-TAAAAAprocedimento que permitem a resolução da tarefa

9. Feedback Valorização de uma resposta O A também pode ter o apresentada por uma ou mais som /a/, pois é, muito crianças bem!

10. Representação visual Registo escrito das letras [Escrita: PT]decididas pelas crianças após o consenso do grupo

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Tabela 2Sistema de classificação das dinâmicas interativas crianças-adulto ecrianças-criançasDiscurso dos participantes Definição Exemplos

1. Resposta direta Resposta de uma ou mais crianças É um T.a uma questão direta do experimentador

2. Confirmação de resposta Reiteração de uma resposta dada É um P, eu sei mesmo de anteriormente pela própria criança verdade que é um P.

3. Concordância Manifestação de acordo relativo Sim, P.a uma proposta feita por outra criança

4. Discordância Manifestação de desacordo Não, não. É um A.relativo a uma proposta feita por outra criança

5. Tentativa de argumentação Tentativa para responder a uma Acho que é um... Não sei.questão ou para justificar uma proposta

6. Explicação Justificação/esclarecimento de A palavra é PPPPEEE-TA uma proposta apresentada portanto é com P.anteriormente

7. Questão/Afirmação Pergunta ou esclarecimento Faz que som?dirigido diretamente ao experimentador ou a outra criança

8. Modelagem procedimental Exemplificação de estratégias de PEEEE-TAAAAAprocedimento que permitem a resolução da tarefa

Foram transcritas três sessões (primeira, quinta e décima), repre -sentando o início, o meio e o final do programa de intervenção, para aanálise com base no sistema de classificação. Neste sentido, cada sessãofoi dividida em quatro episódios (correspondendo à escrita de quatropalavras) e, posteriormente, foram isoladas as falas dos diferentesinterlocutores e codificadas as intervenções do discurso.

Resultados

Mediação do experimentador e dinâmicas de interação ao longo doprograma

Desde o início até ao final do programa, observou-se uma dinâmicade interação marcadamente dialógica e partilhada, sendo notório umequilíbrio proporcional entre a percentagem de intervenções do adultoe das crianças. Na Figura 1 apresenta-se a distribuição percentual decada interlocutor nas três sessões analisadas.

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Figura 1. Distribuição percentual das interações ocorridas por cadainterlocutor nas sessões de intervenção

A Figura 1 ilustra a importância do papel do adulto no programa deintervenção enquanto mediador das interações e facilitador dasdinâmicas de aprendizagem dentro do grupo de crianças. Com efeito,o equilíbrio verificado ao nível do discurso mantém-se de formaconsistente ao longo das três sessões analisadas. Os gráficos circularessugerem que, embora cada criança possa apresentar, individualmente,alterações no grau de participação (aumentando ou reduzindo afrequência de intervenções), o experimentador desempenha umafunção preponderante, mantendo a sua participação em cerca de 50%do total da sessão.

Quanto à qualidade das interações, observou-se uma variabilidadena preponderância das diferentes categorias. Na Tabela 3 encontram-seos valores da análise do discurso do adulto, quantificando a frequênciaabsoluta (N) e distribuição percentual (%) de ocorrências.

A Tabela 3 revela um acréscimo da frequência de intervenções doadulto das primeiras para a última sessão, sendo as mais recorrentesassociadas a categorias interrogativas. Enquanto na sessão 1 a maioriadas questões são diretas, nas sessões seguintes aumenta a ocorrência dequestões inferenciais, em particular na última sessão. Também ascategorias que requerem uma análise metalinguística mais profunda,como os pedidos de explicação, adquirem maior destaque, aumentandonas últimas sessões, assim como a modelagem procedimental queduplica da primeira para a décima sessão.

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Tabela 3

Frequência e distribuição percentual das dinâmicas de interação doadulto durante o programa

Sessão 1 Sessão 5 Sessão 10 Total

N % N % N % N %

Discurso do experimentadorQuestão direta 026 024.76 021 020.19 031 018.79 078 020.86Questão inferencial 005 004.76 015 014.42 031 018.79 051 013.64Pedido de confirmação 018 017.14 018 017.31 023 013.94 059 015.78Pedido de explicação 008 007.62 013 012.50 012 007.27 033 008.82Focalização/gestão 007 006.67 002 001.92 007 004.24 016 004.28Síntese/espelhamento 004 003.81 000 000.00 004 002.42 008 002.14Explicação 009 008.57 014 013.46 012 007.27 035 009.36Modelagem procedimental 012 011.43 005 004.81 024 014.55 041 010.96Feedback 003 002.86 004 003.85 005 003.03 012 003.21Representação visual 013 012.38 012 011.54 016 009.70 041 010.96Total 105 100.00 104 100.00 165 100.00 374 100.00

Na Tabela 4 expõem-se os valores da análise do discurso das crianças,quantificando a frequência absoluta (N) e distribuição percentual (%) deocorrências por categoria.

Tabela 4

Frequência e distribuição percentual das dinâmicas de interação dascrianças durante o programa

Sessão 1 Sessão 5 Sessão 10 Total

N % N % N % N %

Discurso dos participantesResposta direta 034 029.57 025 024.51 033 020.00 092 024.08Confirmação de resposta 017 014.78 009 008.82 015 009.09 041 010.73Concordância 022 019.13 014 013.73 033 020.00 069 018.06Discordância 008 006.96 008 007.84 013 007.88 029 007.59Tentativa de argumentação 001 000.87 006 005.88 011 006.67 018 004.71Explicação 011 009.57 014 013.73 012 007.27 037 009.69Questão/afirmação 00 000.00 002 001.96 004 002.42 006 001.57Modelagem procedimental 022 019.13 024 023.53 044 026.67 090 023.56Total 115 100.00 102 100.00 165 100.00 382 100.00

A Tabela 4 demonstra que, no geral, a frequência de intervençõesdas crianças é mais elevada na décima sessão do que nas primeiras.Enquanto as respostas diretas e confirmações de resposta não apresen -tam alterações significativas, a ocorrência de concordâncias e discor -

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dâncias aumenta, traduzindo um diálogo mais confrontativo. Ascategorias com maior preponderância na última sessão correspondema intervenções analíticas mais reflexivas, como a emergência dequestões/afirmações e o aumento expressivo de tentativas de argumen -tação. Também os processos de modelagem procedimental aumentam,apresentando uma frequência bastante superior no final do programa.

A Figura 2 e a Figura 3 ilustram a evolução temporal percentualdestes resultados.

A comparação da Figura 2 e da Figura 3 permite compreender a rela -ção entre as dinâmicas interativas do adulto e das crianças, verificando--se um padrão consistente entre determinadas categorias. As questõesdiretas do adulto e as respostas diretas das crianças assumem um padrãosemelhante, diminuindo progressivamente a percentagem com o evoluirdas sessões. Enquanto as questões inferenciais e os processos de mode -lagem procedimental do adulto aumentam da primeira para a últimasessão, também as questões/afirmações e os processos de modelagemprocedimental da parte das crianças adquirem maior preponderância.

Figura 2. Percentagem de categorias de interação do adulto ao longo dassessões

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Figura 3. Percentagem de categorias de interação das crianças ao longodas sessões

A primeira sessão de intervenção: Análise qualitativa das interações

Na primeira sessão, verifica-se uma diferença clara quanto ao graude participação dos intervenientes: no início, o adulto intervém maiori -tariamente no sentido de incitar a reflexão, questionando sobre aescrita das palavras e apelando ao consenso na decisão do grupo – pedeàs crianças que expliquem as suas propostas e explicita procedimentosde resolução da tarefa, no sentido de promover a reflexão metalin -guística e modelar a análise linguística no oral.

Perante situações de maior dificuldade, o experimentador fornecepistas adequadas através de processos de modelagem de forma indi -reta, com o intuito de facilitar inferências e contribuir para a resoluçãodo problema.

À medida que a sessão prossegue, apesar de manter o seu papelparticipativo e interventivo, as intervenções do adulto situam-se sobre -tudo na focalização da tarefa. No Excerto 1, o adulto adota uma estra -tégia de síntese/espelhamento, recapitulando as respostas apresentadaspor todos os participantes, de forma a apelar à reflexão e ao consenso.

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Retoma ainda a proposta correta apresentada pela Carlota, questio -nando-a para apresentar uma justificação ao grupo. A Carlota dá umaresposta completa e é capaz de fornecer uma explicação adequada comrecurso a mecanismos de modelagem procedimental, demonstrando umaapropriação correta dos procedimentos associados à resolução da tarefa.

Excerto 1: [Episódio 1: Palavra PETA | Letra P]

Adulto Como é que vocês acham que se escreve PETA?Carlota P! Um P, um P, um P!Adulto É um P primeiro?Carlota Siiim, P, P, P!Adulto Todos acham que é a letra P primeiro? É?Carlota P, P, sim! P primeiro.Adulto A Carlota acha que é um P primeiro. E tu, Hugo?Hugo Acho que é um... não sei...Adulto Pensa lá... Qual é que é a palavra? PE-TA.Carlota P, P, P, P!Hugo H. Acho que é um H.Adulto Achas que é um H primeiro?Hugo Sim, é!Adulto E a Teresa, que letra achas que é primeiro?Teresa T!Adulto E a Inês?Inês I.Adulto Pensem lá todos melhor que letra é que eu vou pôr aqui primeiro para

escrever PETA. A Carlota acha que é P, o Hugo acha que é H, a Teresa achaque é T e a Inês acha que é I. E agora? Vejam lá melhor para decidiremcomo é que vamos escrever.

Carlota É um P! Eu sei de verdade que é um P!Adulto É? Então e consegues explicar a todos porque é que achas que é um P?Carlota PETA não começa por I nem por H nem por T. Porque olha: PE-TA!! É PE-

PE-PE-PE-TA! A palavra é PE-TA portanto é com P

Com o avanço da sessão, as crianças demonstram, progressivamente,um domínio mais eficaz dos mecanismos de resolução, passando aargumentar e dar pistas inferenciais aos pares, sendo cada vez menor o

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papel interventivo do adulto. É notória uma internalização dosprocedimentos utilizados anteriormente pelo adulto, em particular naintervenção da Teresa, no final do Excerto 2, e na intervenção daCarlota, no final do Excerto 3.

Excerto 2: [Episódio 1: Palavra PETA | Letra T]

Adulto [Escrita: P]Então e agora falta alguma letra para escrever PETA? PE-TA? Que letra éque acham que é a seguir?

Carlota PE-PE-PE-TA! TA!Vários TA! Um T! T!Adulto Um T?Vários Sim, sim, é o T.Adulto [Escrita: PT]

E agora falta alguma letra ou já está aqui escrita a palavra PETA?Carlota Eu acho que é só assim que se escreve.Teresa Não, não, olha: PE-TAAAA.

TA, TA, é T.

Excerto 3: [Episódio 2: Palavra PAPO | Letra P]

Adulto Agora vamos pensar noutra palavra. Como é que vocês acham que seescreve PAPO? Qual é que será a primeira letra?

Teresa A, A!Carlota Eu sei, eu sei! É um P, um P, um P!Teresa A, A, A!Carlota P, P, P!Adulto A Carlota acha que é um P e a Teresa acha que é um A... E agora?Carlota Sim, mas é mesmo! Porque olha: faz PA, PA, PA. É muito parecido com um

A mas de verdade é um P. É PA, PA, PA.

Em certos momentos da sessão, foi possível isolar situações deoposição e conflito, em que as crianças discordam entre si, demons -trando tentativas de argumentação para explanar a sua opinião epersuadir os pares, tal como ilustra o diálogo entre a Inês e a Carlotano Excerto 5. Nestes casos, o experimentador concentra-se, essencial -

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mente, em encorajar a reflexão, apelando a que o grupo chegue a umconsenso, recorrendo a intervenções caracterizadas por processos desíntese/espelhamento, focalização/gestão e ainda de pedidos deexplicação.

Excerto 5: [Episódio 4: Palavra PODO | Letra P]

Adulto E agora a última palavra, pensem lá como é que se escreve a palavraPODO. PO-DO.

Vários PO-DO... POOOO...Inês Um O!!Carlota Não! É um P, é um P!Vários Um O!!!Carlota Não, não!! P!!Vários É um O!Teresa P, P!Inês PO... O, O, O! Um O!Carlota P! A Inês está a ler mal! PO, PO, PO.Adulto Então oiçam lá bem a palavra PODO. PO-DO. Acham que é um P ou um O

primeiro?Vários P!Vários O!Carlota Não, não!! Mentira! Não é! É P.Teresa Pois é, é P!Adulto Então e agora como é que escrevemos? Têm que pensar bem e concordar

todos...Carlota Não, não! É certo um P. Vamos escrever aqui um P.Inês Ok!Adulto Esperem, têm que pensar todos. Hugo, achas que é que letra primeiro?Hugo P!Adulto É? Porque é que achas que é melhor escrevermos a letra P primeiro?Hugo Porque PA... PA... PA... PO... PO... PO... Parece P!Adulto Então que letra é que vamos pôr?Vários P!Adulto [Escrita: P]

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Discussão

O presente estudo teve como principal objetivo explorar as dinâ -micas de interação ocorridas entre o experimentador e um conjunto decrianças participantes num programa de escrita inventada realizado nojardim-de-infância. Com efeito, inúmeras investigações têm demons -trado o impacto positivo da promoção da escrita inventada em pequenogrupo para a conceptualização da literacia em idade pré-escolar (AlvesMartins et al., 2016; Hofslundsengen, Hagtvet, & Gustafsson, 2016;Ouellette, Senechal, & Haley, 2013; Senechal et al., 2012). Contudo,poucos trabalhos analisaram os processos de interação, suporte sociale mediação, conduzindo à apropriação de procedimentos de análiselinguística e à internalização de mecanismos de reflexão metacognitivapelas crianças.

Os resultados obtidos põem, efetivamente, em destaque a impor -tância da mediação neste tipo de intervenção, sendo notório o papelcrucial do processo de scaffolding (Wood, Bruner, & Ross, 1976) parao avanço das estratégias cognitivas e metalinguísticas. A análise dasdinâmicas interativas permitiu qualificar as atividades do programa deescrita inventada com uma gestão dialógica e partilhada, num processode ensino-aprendizagem marcadamente recíproco (Teberosky, 1989).Com efeito, o discurso do adulto vai além de uma função instrutiva ereguladora, na medida em que se caracteriza por uma ação pedagógicadiferenciada, que adota estratégias promotoras da participação ativa ecooperação entre pares, estimulando um processo reflexivo de elabora -ção mental para a resolução coletiva da tarefa.

No que se refere às dinâmicas do adulto, observou-se uma diferençarelevante na qualidade das intervenções. No início, o discurso erapautado maioritariamente por questões diretas, i.e., perguntas dirigidasa que as crianças manifestassem a sua opinião. Já na décima sessão,verificou-se uma estratégia mais desafiante por parte do adulto,manifesta através de pedidos de explicação e de processos de mode -lagem procedimental, procurando ampliar os mecanismos de reflexão.Esta estratégia sugere um processo de transferência progressiva deapoio e controlo da tarefa, desenvolvendo a autonomia associada à

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internalização e consolidação da escrita (Cole, 2006; Coll, Colomina,Onrubia, & Rochera, 1992).

O experimentador demonstrou disponibilidade para modificar eadaptar as estratégias de mediação ao nível de desenvolvimento poten -cial das crianças, guiando a interação e a comunicação, promovendo adiscussão sobre os grafemas na escrita de palavras e orientando odiscurso verbal no sentido de facilitar inferências sobre os fonemas e arelação oral-escrito. Como refere Pontecorvo (2005), a exposição asituações de confronto que implicam argumentação e decisão coletivapara a resolução de problemas é essencial na mediação. Esta estratégiafoi evidente no discurso do adulto, ao solicitar constantemente ajustificação das propostas das crianças e incitar a discussão para quefosse alcançada uma solução de grupo.

À semelhança das interações do experimentador, também as dinâ -micas interativas dos participantes se alteraram na última sessão emtermos de frequência e qualidade. No final do programa identificou-seuma maior ocorrência de confrontos entre as crianças (patente noacréscimo de concordâncias e discordâncias) e uma preponderância deintervenções mais analíticas e reflexivas, como questões/afirmações,tentativas de argumentação e processos de modelagem procedimental.Com efeito, as crianças passaram a adotar comportamentos de expli -citação e verbalização de procedimentos, inclusivamente dando pistasinferenciais aos pares, numa tentativa de simulação do papel do adultono processo de ensino-aprendizagem.

Assim, numa perspetiva educativa, o modelo de intervençãoaplicado neste programa experimental pode ser adaptado ao contextode sala de aula em situações de atividade pedagógica em pequenogrupo. Com efeito, um dos pressupostos fundamentais é o de estimularos processos cognitivos e de reflexão metalinguística das crianças,encorajando-as a pensar sobre a escrita de uma determinada palavra,estabelecer um diálogo colaborativo e justificar as suas propostas,contribuindo para o sucesso na aquisição da literacia.

O facto de ter sido examinado apenas um grupo de quatro criançasrepresenta uma limitação deste estudo, pelo que, para trabalhos futuros,é recomendado uma dimensão mais elevada de grupos e participantes,

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permitindo diversificar os contextos educativos. Sugere-se ainda umaanálise quantitativa estruturada para compreender de que forma asdinâmicas interativas se relacionam com os progressos individuais nascompetências de literacia.

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Estudo longitudinal do desempenho em leitura e perfis cognitivo-linguísticos de bons e maus leitores*

Edlia SimõesMargarida Alves Martins

Resumo: Tivemos como objectivo analisar a evolução do desempenho em leiturade bons e maus leitores do 1º ciclo e avaliar os seus perfis cognitivo-linguísticos.Participaram 60 crianças de 5 escolas da região de Lisboa. No final do 1º anoselecionámos 15 bons leitores e 15 maus leitores que reavaliamos no final do 2ºano. No final do 3º ano selecionámos 14 bons leitores e 16 maus leitores quereavaliámos no final do 4º ano. Usámos testes de leitura oral de palavras e testesde compreensão. Avaliámos a capacidade intelectual não-verbal, a memóriaverbal a curto-prazo, a capacidade de nomeação rápida, o vocabulário e ascapacidades fonológicas dos participantes. Os resultados da leitura oral depalavras mostraram que os maus leitores atingem no final do 2º ano resultadosequivalentes aos que os bons leitores tinham atingido no final do 1º ano. Quantoà evolução do 3º para o 4º ano os maus leitores, apesar de progredirem nãoatingem no final do 4º ano valores equivalentes aos que os bons leitores tinhamno final do 3º ano. O mesmo se verifica para a compreensão leitora. Na compa -ração de perfis cognitivo-linguísticos verificámos diferenças significativas entrebons e maus leitores, apresentando os maus leitores competência inferior emtodas as competências avaliadas excepto na capacidade intelectual não-verbal.

Palavras-chave: Bons leitores, Maus leitores, Competências cognitivo-linguísticas.

Introdução

Leitura de palavras e compreensão

Segundo o “Simple view of reading” (Hoover & Gough, 1990)existem duas componentes básicas no processo de leitura – o reconhe -cimento de palavras e a compreensão linguística. Nesta perspectiva o

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* Este trabalho foi financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para aCiência e a Tecnologia no âmbito do projeto UID/CED/04853/2013

Este estudo foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia(UID/CED/04853/2016)

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reconhecimento de palavras escritas é uma das competências indispen -sáveis para um bom desempenho em leitura (Snowling & Hulme, 2005).Esta é uma competência que se deve adquirir desde os primeiros anos deescolaridade, para que a leitura se possa tornar fluente e o acesso àcompreensão possível. Espera-se, assim, que as crianças sejam capazesde reconhecer automaticamente palavras conhecidas e de proceder àrecodificação fonológica de palavras desconhecidas.

A literatura de avaliação da leitura indica a importância de se avaliara leitura oral de palavras isoladas, tanto para investigação das capaci -dades de leitura, como para o diagnóstico de dificuldades de leitura(Shaywitz, 2003). Esta avaliação permite não só analisar a velocidade eacuidade na leitura, como caracterizar os erros cometidos no sentido deidentificar as estratégias que lhes subjazem (e.g., Salles, 2002).

A compreensão depende, mas não apenas, desta proficiência na acui -dade da leitura de palavras. Segundo Giasson (2011) “Compreenderum texto é fazer uma representação mental coerente combinando asinformações explícitas e implícitas que o texto tem com os própriosconhecimentos do leitor. Esta representação é dinâmica e cíclica. Elatransforma-se e torna-se mais complexa durante a leitura. Cada vezque o leitor encontra um novo elemento no texto, deve decidir de quemodo o integrar na sua representação do texto” (p. 236). A compre -ensão ocorre quando o leitor constrói uma representação mental damensagem do texto. Este modelo situacional (Kintsch & Van Dijk,1983) é uma representação do que trata o texto. Os processos decompreensão que estão envolvidos nesta representação abrangemvários níveis da linguagem: processos lexicais (palavras); processossintáticos (frases) e texto. Transversal a estes níveis, estão os processosde identificação de palavras, processos de representações sintáticassimples e processos de inferência em que todos contribuem, com oconhecimento conceptual, para produzir o modelo mental do texto(Perfetti, Landi, & Oakhill, 2005).

Portanto a leitura de palavras e a compreensão serão bons indica doresda capacidade de desempenho em leitura. Na ortografia portuguesa, odesempenho em acuidade é diferente ao longo do 1º ciclo, consoante onível de ensino (Simões & Alves Martins, 2018).

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Desde o 1º ano de escolaridade, alunos que se encontrem com difi -culdades na leitura, vão mais facilmente perder o interesse na leitura econfiança nas suas capacidades para adquirir a mesma. Desta forma,torna-se importante avaliar a evolução de bons e maus leitores emdiferentes fases da aquisição da leitura no 1º Ciclo.

Capacidades cognitivo-linguísticas

Existem várias competências que são geralmente relacionadas comas capacidades de leitura, influenciando-as ao longo da sua aquisição.Estas competências são nomeadamente: as capacidades fonológicas; ovocabulário oral; a capacidade de nomeação rápida; a capacidade deinteligência geral; a memória verbal a curto-prazo e a capacidade deprocessamento ortográfico. Para além de contribuírem para a compre -ensão do desenvolvimento da leitura, fornecem explicações e auxiliamna deteção das dificuldades de leitura, daí geralmente estas compe -tências serem referidas como objeto de avaliação nas pertur bações daleitura, nomeadamente na dislexia (e.g., Castles & Coltheart, 1996;Hatcher, Hulme, & Ellis, 1994; Shaywitz, 2003; Turner, 2004).

A relação entre as competências cognitivas e linguísticas e a aquisiçãoda leitura tem sido objecto de vários estudos com a ortografia inglesa,mas também tem sido investigada noutras línguas para tentar perceber seesta influência é universal ou dependente da ortografia em questão.

Duas competências cognitivas que estão relacionadas com o processode aquisição da leitura, e que se destacam na literatura são o processa -mento fonológico e a nomeação rápida.

A nomeação rápida refere-se à velocidade com que um indivíduoconsegue pronunciar os nomes de um conjunto de estímulos sequen ciaiscomo letras, números, cores ou imagens familiares (Wolf & Bowers,1999).

A nomeação rápida pode influenciar a leitura no sentido em quefornece evidência da integração da informação visual e verbal, o que éimportante na fluência da leitura de palavras e também de não-palavras(Kirby, Georgiou, Martinussen, & Parrila, 2010). A nomeação rápidaprediz a leitura em várias ortografias, embora, ainda existe inconsis -tência em relação ao seu impacto em ortografias transparentes e emortografias opacas (Caravolas et al., 2012; Furnes & Samuelsson, 2011).

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O processamento fonológico inclui a consciência fonológica e amemória de trabalho ou memória verbal a curto-prazo. Geralmente astarefas de consciência fonológica também implicam este tipo dememória, o que implica que terá influência na leitura (MacDonald &Christiansen, 2002). Os leitores com dificuldades apresentam déficesna memória verbal a curto-prazo (Siegel, 1994).

Vários estudos realizados com bons e maus leitores do portuguêseuropeu verificaram que havia uma relação estreita entre a consciênciafonémica e as capacidades de leitura (Cardoso-Martins & Pennington,2001; Capovilla, Trevisan, Capovilla, & Rezende, 2007; Nóbrega,2010; Santos, 2005). Por outro lado, Capellini e Lanza (2010) numestudo com crianças do 2º e 4º ano de escolaridade, bons e mausleitores, encontraram nos maus leitores mais dificuldades nas compe -tências de consciência fonológica, mas também na nomeação rápida.

Capovilla, Capovilla e Suiter (2004) compararam bons e mausleitores do 1º ano, em relação a diversas competências cognitivas e aleitura. O estudo sugere que as dificuldades dos maus leitores, emcomparação com os bons leitores, estão relacionadas principalmentecom o processamento fonológico, que inclui a consciência fonológica,o vocabulário e a memória verbal.

Um estudo português comparativo entre crianças do 1º ao 4º ano deescolaridade com e sem dificuldades de leitura e escrita revelou que ascrianças com dificuldades apresentam sempre desempenhos inferioresem todas as capacidades avaliadas, sendo estas: competências fonológi -cas, competências verbais, a capacidade intelectual, a memória, assimcomo a leitura e a escrita (Rebelo, 1993). Embora haja consenso na lite -ratura sobre a presença de dificuldades no processamento fonológico nosmaus leitores, nomeadamente com dislexia, mais recentemente têm sidorealizadas investigações sobre a possibilidade de haver maior hetero -geneidade nos perfis cognitivos destes indivíduos (e.g., Jimenez et al.,2011).

Existem três hipóteses acerca dos défices subjacentes à dislexia. Aprimeira perspectiva insere-se num modelo de défice único, que seriao défice fonológico (Ramus & Szenkovits, 2008; Snowling, 2000). Asegunda abordagem seria a hipótese do duplo-défice (O’Brien, Wolf,

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& Lovett, 2012; Wolf & Bowers, 1999), em que existiriam indivíduoscom défices no processamento fonológico, outros com défice navelocidade de processamento ou em ambas estas competências. Porfim, existe uma perspectiva multifactorial do perfil cognitivo dadislexia, isto é, os indivíduos teriam dificuldades em pelos menos umadestas três áreas: velocidade de processamento, consciência fonológicae competências linguísticas (Pennington & Bishop, 2009). Penningtonet al. (2012) propõem um modelo em que vários perfis poderão existir,tanto o perfil de défice único como o perfil de multi-défice.

O nosso objetivo foi o de estudar a evolução do desempenho na leitura,a nível longitudinal, de dois grupos de leitores (bons e maus leitores) do1º para o 2º ano de escolaridade, e do 3º para o 4º ano de escolaridade.Foram também caracterizados os perfis cognitivo-linguísticos de bons emaus leitores para deste modo tentarmos compreender quais ascapacidades que se relacionam com o processo de aprendizagem decrianças com dificuldades na leitura. Colocámos as seguintes hipóteses:

H1: Existe uma evolução diferenciada nos desempenhos em leitura do 1º para o2º ano de escolaridade consoante o tipo de leitor (bom ou mau leitor).

H2: Existe uma evolução diferenciada nos desempenhos em leitura do 3º para o4º ano de escolaridade consoante o tipo de leitor (bom ou mau leitor).

H3: O perfil de competências cognitivas e linguísticas difere de acordo com otipo de leitor (bom ou mau leitor).

Método

Participantes

Participaram 60 crianças do 1º ano e 3º ano de escolaridade de 4escolas públicas: 15 bons leitores e 15 maus leitores (1º ano) e 14 bonsleitores e 16 maus leitores (3º ano). Estas crianças foram seleccionadasa partir de uma amostra maior (109 crianças do 1º ano e 123 do 3º ano),tendo em conta os seus desempenhos (nº de palavras correctamentelidas e velocidade de leitura numa prova de leitura oral de palavrasadequada ao seu ano de escolaridade.

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Instrumentos

Para avaliar o reconhecimento de palavras, foram aplicadas as provasde leitura oral de palavras para o 1º/2º ano (Alves Martins & Simões,2008) e para o 3º/4º ano de escolaridade (Simões & Alves Martins,2014). Para avaliar a compreensão leitora, foi usado no 1º e 2º ano umteste de compreensão leitora de Simões e Alves Martins (2013) e no 3ºe 4º ano o TIL (Sucena & Castro, 2009).

Foram, também, aplicadas provas para avaliar as seguintes compe -tências cognitivo-linguísticas: capacidade intelectual não-verbal(Matrizes Progressivas de Raven – Escala Colorida; Raven, Raven, &Court, 2001); memória verbal a curto-prazo (Memória de Dígitos,WISC – III; Wechsler, 2006); vocabulário (Prova de Vocabulário,WISC – III; Wechsler, 2006); capacidades fonológicas (Subteste deAnálise Fonémica; Silva, 2000) e (Subteste de Reconstrução Foné -mica; Sim-Sim, 2001) bem como a capacidade de nomeação rápida(Nomeação rápida de cores; ALEPE, Sucena, & Castro, 2011).

Procedimento

A recolha de dados foi realizada em dois momentos de avaliação, nofinal do ano letivo nos meses de Maio e Junho de 2012 e 2013. Foipedido a autorização de participação às escolas, assim como aos paisde todos os participantes neste estudo. As provas foram todas aplicadasindividualmente, exceto as provas de compreensão leitora que foramaplicadas colectivamente.

Resultados

Evolução do 1º para o 2º ano de escolaridade

De forma a perceber se houve diferenças na forma como os doisgrupos evoluíram do 1º para o 2º ano de escolaridade na leitura oral de

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palavras, utilizámos uma Anova com Medidas Repetidas, tendoverificado que houve efeitos de interação, F(1,28)=23.674, p<.001,η2=.46, com maior evolução dos maus leitores (1º ano: M=.80,DP=1.01; 2º ano: M=22.87, DP=9.31) do que dos bons leitores (1ºano: M=22.9, DP=9.31; 2º ano: M=30.1, DP=3.57). Como se podeverificar pela Figura 1, no 2º ano os maus leitores atingiram a mesmamédia de palavras corretamente lidas que os bons leitores tinham nofinal do 1º ano, o que sugere que o grupo dos maus leitores tem umatraso de um ano em relação aos bons leitores.

Figura 1. Média de palavras corretamente lidas no 1º e 2º ano deescolaridade em função do tipo de leitor

Em relação à evolução na compreensão leitora, podemos tambémverificar, através de uma Anova com medidas repetidas, a existência deefeitos de interação [F(1,25)=4.650, p<.05, η2=.16], sendo que osmaus leitores (1º ano: M=10.77; DP=4.13; 2º ano: M=24.00,DP=4.76), evoluem mais que os bons leitores do 1º para o 2º ano (1ºano: M=18.79, DP=4.93; 2º ano: M=28.00, DP=3.06), ultrapassando amédia de pontuação que os bons leitores apresentavam inicialmente 1ºano, como se pode verificar na Figura 2.

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Figura 2. Média da compreensão leitora do 1º para o 2º ano de

escolaridade em função do tipo de leitor

Evolução do 3º para o 4º ano de escolaridade

De forma a perceber se houve diferenças na forma como os dois

grupos evoluíram do 3º para o 4º ano de escolaridade na leitura oral de

palavras, utilizámos uma Anova com Medidas Repetidas, tendo verifi -

cado que houve efeitos de interação, F(1,28)=11.66, p<.01, η2=.29,

com maior evolução dos maus leitores de um ano para o outro (3º ano:

M=18.31, DP=8.41; 4º ano: M=25.63, DP=4.56) em comparação com

os bons leitores (3º ano: M=30, DP=1.41; M=30.57, DP=.93), como se

pode verificar na Figura 3.

Em relação à evolução na compreensão leitora, verificamos, através

de uma Anova com medidas repetidas, que não existem efeitos de

interação, sendo que os maus leitores evoluem de forma semelhante

comparativamente aos bons leitores do 3º para o 4º ano de escolari -

dade: (Maus leitores 3º ano: M=9.25, DP=4.84; 4º ano: M=14.60,

DP=5.78); (Bons leitores 3º ano: M=23.64, DP=8.72; 4º ano M=30.00,

DP=6.50).

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Figura 3. Média de palavras corretamente lidas no 3º e 4º ano de

escolaridade em função do tipo de leitor

Perfis cognitivo-linguísticos dos bons e maus leitores

Fomos de seguida perceber de que forma as capacidades cognitivas

e linguísticas distinguem os diferentes tipos de leitor. Apresentamos na

Tabela 1 as médias e os desvios-padrão dos resultados das provas que

avaliaram as capacidades cognitivas e linguísticas em relação aos bons

e maus leitores no 2º ano e 4º ano de escolaridade.

Tabela 1

Médias (desvios-padrão) dos resultados das provas que avaliaram ascapacidades cognitivas e linguísticas em relação aos bons e mausleitores no 2 e 4º ano de escolaridadeCapacidades cognitivas e linguísticas Maus leitores Bons leitores

Capacidade intelectual não-verbal 40.0 (21.9) 48.9 (27.3)Memória verbal a curto-prazo 07.6 (2.4)0 10.1 (3.1)0Nomeação rápida 28.1 (5.6)0 31.6 (7.9)0Reconstrução fonémica 05.5 (2.1)0 07.8 (1.8)0Análise fonémica 05.9 (4.8)0 09.4 (4.2)0Vocabulário 07.6 (3.2)0 09.9 (4.0)0

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Como se pode observar na Tabela 1, os bons leitores têm melhoresresultados em todas as capacidades avaliadas por comparação com osmaus leitores.

De modo a perceber se estas diferenças eram estatisticamentesignificativas, realizámos teste t para amostras independentes, com otipo de leitor como variável independente e como variáveis dependentesas várias capacidades cognitivas e linguísticas (capacidade intelectualnão-verbal; memória verbal a curto-prazo; capacidade de análise ereconstrução fonémica; vocabulário oral e nomeação rápida). Obtivemosdiferenças estatisticamente significativas entre bons e maus leitores nasseguintes capacidades avaliadas: memória verbal a curto-prazo[t(58)=-3.55, p<.01]; nomeação rápida [t(58)=-2.01, p<.05]; recons -trução fonémica [t(58)=-4.49, p<.001]; análise fonémica [t(58)=-2.94,p<.01] ;vocabulário [t(58)=-2.45, p<.05]. Apenas não verificamosdiferenças estatisticamente significativas na capacidade intelectualnão-verbal [t(58)=-1.41; p=1.65].

Discussão

Tínhamos por objetivo, através de um estudo longitudinal, compre -ender a evolução do desempenho na leitura, de bons e maus leitores emduas fases de transição importantes na aquisição da leitura, do 1º parao 2º ano de escolaridade, e do 3º para o 4º ano de escolaridade. Tínha -mos, também, por objetivo caracterizar os perfis cognitivo-linguísticosde bons e maus leitores.

Em relação às nossas primeiras duas hipóteses sobre a evoluçãodiferenciada nos desempenhos em leitura de palavras e na compre -ensão dependente do tipo de leitor, pudemos verificar que no que tocaà evolução do 1º para o 2º ano na acuidade na leitura, os maus leitoresevoluíram mais do que os bons leitores, o que é natural dado que osbons leitores no 1º ano já tinham obtido desempenhos próximos domáximo da pontuação da prova. É interessante observar que os mausleitores obtiveram o mesmo desempenho no final do segundo ano que

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os bons leitores tinham obtido no final do seu 1º ano de escolaridade.Portanto, estes resultados mostram que existe a diferença de um ano naacuidade de leitura, entre bons e maus leitores.

Em relação à evolução na acuidade do 3º para o 4º ano de escolari -dade, também os maus leitores evoluíram mais do que os bons leitores,devido ao facto dos bons leitores terem tido resultados próximos domáximo da prova, já no 3º ano. Resultados semelhantes foram obtidosnos estudos de Rebelo (1993), Nóbrega (2010) e Santos (2005),embora estes estudos não fossem longitudinais.

Em relação à compreensão leitora, como existe dificuldade nosmecanismos de automaticidade da leitura, nos maus leitores,consegue-se antever a existência de problemas de compreensão, osquais efetivamente os nossos resultados revelaram. Contudo, do 1ºpara o 2º ano de escolaridade os maus leitores evoluíram mais nacompreensão que os bons leitores, mas, também, porque estes últimostinham obtido um desempenho elevado no 1º ano de escolaridade. Poroutro lado, no 3º e 4º ano de escolaridade, os maus e bons leitorestiveram uma evolução de desempenho semelhante. Tanto os mausleitores do 3º, como os do 4º ano, que foram avaliados com a provaTIL (Sucena & Castro, 2010), continuam a encontrar-se no percentil 5,o que de acordo com Vale, Sucena e Viana (2011) corresponde aodesempenho esperado para crianças com dislexia. Nóbrega (2010)verificou que o seu grupo de crianças com dislexia, no 2º ano, estavano percentil 5, e no 4º ano se encontrava no percentil 30. Assim, osmaus leitores apesar de terem evoluído na sua compreensão leitoracontinuam a apresentar dificuldades nesta competência de literacia.

No que se refere à hipótese 3, a qual se debruçava sobre a existênciade diferentes perfis de competências cognitivas e linguísticas deacordo com o tipo de leitor, obtivemos diferentes perfis cognitivos paramaus e bons leitores, sendo que os bons leitores tinham umacompetência mais elevada em todas as capacidades avaliadas emrelação aos maus leitores. Contudo, não verificamos diferençasestatisticamente significativas em relação à capacidade intelectual não-verbal. O que vai de encontro aos resultados de vários estudosportugueses efetuados com crianças com dificuldades na leitura e com

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dislexia, os quais também mostraram que a capacidade intelectual éconsiderada dentro dos parâmetros normais (e.g., Pacheco et al., 2014;Vale, Sucena, & Viana, 2011).

Geralmente crianças com défice cognitivo têm maior dificuldade naaquisição da leitura (Stanovich & Siegel, 1994), o que não foi o casodos nossos participantes. Aliás, um estudo recente de Ferrer, Shaywitz,Holahan, Marchione e Shaywitz, (2010), demonstrou que o desenvol -vimento da capacidade intelectual e da leitura nos leitores típicos sedesenvolvia de forma paralela e semelhante ao longo do tempo,enquanto que nos indivíduos com dificuldades na aprendizagem daleitura, este desenvolvimento se fazia de forma independente, o quevem separar a capacidade intelectual do desenvolvimento na leitura.

À semelhança de outros estudos (Capovilla et al., 2004; Furnes &Samuelsson, 2010; Rebelo, 1993) verificamos que os maus leitorestêm dificuldades no processamento fonológico, por comparação comos bons leitores que não evidenciaram dificuldades a este nível. Taisresultados são compatíveis com alguns estudos que sugerem uma forterelação entre processamento fonológico e linguagem escrita (Capovillaet al., 2007).

No entanto, ser capaz de ouvir sons isolados e reconstruí-los paraformar palavras é uma atividade que requer a consciência fonémicamas, também, requer a memória verbal a curto prazo. Isto é, oprocessamento fonológico inclui a consciência fonológica e a memóriaverbal a curto-prazo ou memória de trabalho, e esta por sua vez,influencia a leitura de palavras e a compreensão (MacDonald &Christiansen, 2002; Siegel, 1994).

Os maus leitores do nosso estudo também demonstram dificuldadesna memória verbal a curto-prazo. Ramus e Szenkovits (2008) nocontexto da hipótese de défice fonológico, salientam a importância damemória a curto-prazo verbal porque esta traduz os mecanismos deacesso fonológico que é necessário para realizar as tarefas deconsciência fonológica. Estes mecanismos de rápido acesso arepresentações fonológicas também são utilizados nas tarefas denomeação rápida.

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Vários estudos comparativos entre ortografias encontraram, emleitores principiantes, a influência da capacidade de nomeação rápidana leitura (e.g., Caravolas et al., 2012), assim como em estudos commaus leitores (Elwér et al., 2013).

As crianças do nosso grupo dos maus leitores revelaram, também,dificuldades ao nível da nomeação rápida. Resultados semelhantesforam encontrados no estudo em ortografia portuguesa (Capellini &Lanza, 2010).

Em relação às crianças com dificuldades de leitura, nomeadamentecom dislexia, têm sido propostas teorias do défice único (Ramus &Szenkovits, 2008; Snowling, 2000) ou do multidéfice (O’Brien et al.,2012; Pennington et al., 2012; Wolf & Bowers, 1999). Este últimoparece ir de encontro aos nossos resultados, o que nos leva a concluirque as competências fonológicas representam uma contribuiçãoimportante na aquisição da leitura em crianças portuguesas, e que anomeação rápida, assim como outras competências linguísticasnomeadamente o vocabulário, também, poderão fazer parte dasvariáveis importantes nos perfis dos maus leitores.

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Memória e significado dos brinquedos da infância

Maria Cristina FariaJosé Pereirinha RamalhoAdelaide Espírito Santo

Resumo: Os brinquedos fazem parte do mundo imaginário da criança, daconcretização de sonhos e da realização de brincadeiras promotoras dedesenvolvimento, aprendizagem e criatividade. Por conseguinte, contribuempara o desenvolvimento dos humanos desde muito cedo e produzem cultura.Nesta abordagem positiva dos brinquedos da infância é compreensível que asmemórias a eles associadas tenham um significado positivo e façamdesencadear à posteriori lembranças e emoções positivas. Cada brinquedo temuma história pessoal repleta de significado, sentimento, afecto, ação eludicidade. É pressuposto que o brinquedo enquanto objecto de desejo,motivação e conhecimento e a brincadeira compreendida como simples acto debrincar se encontrem ligados a pessoas, valores, crenças, atitudes, escolhas,recreações e representações sociais que podem ser determinantes para aorganização e estruturação da personalidade. Até que ponto um brinquedo deeleição e o seu contexto podem influenciar a vida futura de uma criança? Apresente investigação tem como principal objetivo conhecer a importância damemória e do significado do brinquedo de infância ao longo da vida. Trata-sede um estudo exploratório, de caracter transversal e qualitativo. Apresenta 17participantes (9 homens e 8 mulheres), professores das quatro Escolas doIPBeja, com idade igual ou superior a 36 anos. Foi aplicada uma entrevistasemiestruturada que visava as seguintes dimensões: memória significativa dobrinquedo de infância; história do brinquedo; brincadeiras associadas;interferência na saúde e bem-estar; influência nas representações sociais eescolhas pessoais. Os resultados sugerem a influência do brinquedo nosacontecimentos pessoais ao longo da vida.

Palavras-chave: Brinquedo, Memória, Significado pessoal.

Introdução

Os cenários do passado podem ser construtores dos cenários dofuturo. Nesta perspetiva, voltar atrás no tempo através da memória dopassado possibilita avançar melhor e de forma consciente no presente,e assim, contribuir para a elaboração de uma visão do futuro (Tulving& Lepage, 2000) e delinear a sua construção. É isso que acontece

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quando nos aproximamos do mundo dos brinquedos, em particular, daevocação da sua memória significativa. Realizamos retrospetivas dopassado e projeções de futuro e ficamos situados entre duas barreiras,a tradicional e a moderna. Somos envolvidos num turbilhão de memó -rias de objectos e pessoas, e por associação, são despoletados senti -mentos, emoções e sensações, e recordados acontecimentos de vida,afetos, relações, aprendizagens, histórias, e divertimento na infância,que são conduzidos para o presente. Pensar no brinquedo e nasbrincadeiras da meninice faz-nos sorrir e chorar e transporta-nos parao mundo da fantasia, da imaginação, da criatividade e da saudade. Atéque ponto as nossas referências objetivadas pelas brincadeiras deinfância e pela imagem do nosso brinquedo preferido nos acom -panham ao longo da vida como uma força mais ou menos conscienteque nos conforta e dá ânimo? De que forma foram impor tantes e nosvalidam o nosso percurso de vida? Terão alguma coisa a ver com o quesomos hoje? Como narra Miguel Sousa Tavares no seu livro “Cebolacrua com sal e broa, Da infância para o mundo” de 2018, ”Foi, pois,confiado aos cuidados de um cavalheiro amigo de meus pais e quefazia a viagem sozinho, que eu embarquei, abraçado a uma bola defutebol, o meu presente de aniversário da véspera, ao encontro daminha nova vida” (Tavares, 2018, pp. 15-16). A segurança inspiradapelo brinquedo que ajuda a separação, conforta e parece protectora deangústia. Algo que nos remete para os primeiros tempos de vida,nomeadamente, para o objeto transicional de Winnicott (1953), umobjecto suave do meio envolvente da criança, em geral uma parte deum cobertor, lençol, fronha, fralda ou um pano macio, um brinquedoem construção ou já construído, que foi utilizado pela mãe nodesenrolar da sua relação com o bebé. Os brinquedos significativos dainfância, são para os adultos apenas memórias de objetos de um tempopassado ou constituem-se como objetos transicionais nas suas vidasque os ajudem a ultrapassar as suas frustrações? Como referemOliveira, Mourão e Carvalho (2017) parece existir uma harmonia entreos seres humanos e os objetos que importa pesquisar. Umainteratividade entre o individuo e o objeto que valoriza num dadomomento ou ao longo da vida. As pessoas criam objetos interferindo

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inteiramente sobre eles, e esses objetos também intervêm na suaexistência, em particular, na sua forma de viver, de ser, sentir e estarno mundo. Mas, os produtos não existem fora das relações sociais(Damazio, 2016), e a relação entre o objeto brinquedo e a atividade debrincar não são exceção. No presente trabalho procura-se aprofundaresta problemática da influência da memória de um brinquedo na vidade pessoas que tiveram a oportunidade de evoluir cognitivamente,realizando opções pessoais de formação e realização pessoal.

Inteligência e memória

Ao longo dos tempos, na abordagem da inteligência, podemosencontrar o trabalho desenvolvido por vários autores no domínio dapsicologia (Binet & Simon, 1905; Cattell, 1941, 1943, 1987; Gardner,1994; Guilford, 1959; Horn & Noll, 1994, 1997; Thurstone, 1931,1967), que na compreensão deste constructo incluem na sua avaliaçãoo construto da memória, que é geralmente considerada, como umafunção cognitiva especifica. Para Alfred Binet (Binet & Simon, 1905)as diferenças intelectuais dos indivíduos decorrem de funções mentaismais complexas, como a memória, imaginação, atenção, compreensãoou apreciação estética. Para Thurstone a memória é a “Capacidade deevocar estímulos, como por exemplo partes de palavras ou frases,anteriormente apresentados” (Thurstone, 1931; cit. Almeida, 2002, p.8). Quanto a Guilford (1959, 1967; cit. Leandro, 2002), compreende ainteligência formada por várias aptidões autónomas entre si.Apresentado a existência de quatro operações cognitivas: avaliação(processo de análise das respostas possíveis de acordo com critérioslógicos), produção convergente (resolução de problemas envolvendoprocessos de indução e dedução de relações), produção divergente(resolução de problemas envolvendo a produção de várias soluçõespossíveis), memória (retenção e evocação da informação) e cognição(reconhecimento e compreensão da informação).

Na sua abordagem sobre a compreensão da inteligência, Gardner(1994, cit. Gama, 2014) apresenta a sua Teoria das InteligênciasMúltiplas, onde considera que existem pelo menos oito inteligências:

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(1) linguística (sensibilidade para os sons, ritmos e significados daspalavras, além de uma especial percepção das diferentes funções dalinguagem; habilidade para usar a linguagem para convencer, agradar,estimular ou transmitir ideias); (2) logicomatemática (sensibilidade parapadrões, ordem e sistematização; habilidade para explorar relações ecategorias através da manipulação de objetos ou símbolos, e paraexperimentar de forma controlada; capacidade de lidar com séries deraciocínios, de reconhecer problemas e de resolvê-los.); (3) cinestésica(habilidade para resolver problemas ou criar produtos através do usode parte ou de todo o corpo); (4) espacial (capacidade para perceber omundo visual e espacial de forma precisa; habilidade para manipularformas e objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais, criartensão, equilíbrio e composição, numa representação visual ouespacial); (5) musical (habilidade para apreciar, compor ou reproduziruma peça musical, para discriminar sons e para perceber temasmusicais; sensibilidade para ritmos, texturas e timbre); (6) interpessoal(habilidade para entender e responder adequadamente a humores,temperamentos e motivações de outras pessoas; habilidade paraperceber intenções e desejos de outros e para reagir apropriadamente apartir dessa percepção); (7) intrapessoal (habilidade para ter acessoaos próprios sentimentos, sonhos e ideias, para discriminá-los e lançarmão deles na solução de problemas pessoais; habilidade parareconhecer necessidades, desejos e inteligências próprios, paraformular uma imagem precisa de si e para usar esta imagem parafuncionar de forma efetiva); e (8) naturalista (habilidade parareconhecer flora e fauna, para fazer distinções e para agir produtiva -mente no mundo natural). Nesta conceção as inteligências referem-sea diferentes conteúdos da cognição. É sua convicção que há pelomenos algumas inteligências e que estas são relativamente indepen -dentes umas das outras e podem ser modeladas e combinadas numamultiplicidade de maneiras adaptativas por indivíduos e culturas(Gardner, 1994). Um outro autor, Sternberg (2010) apresenta a TeoriaTriárquica de Inteligência em 1983, onde existem três diferentesformas de inteligência (analítica, criativa e prática) e o comportamentointeligente se dá através de diferentes processos. A memória enquanto

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processo de aquisição de informação é geralmente compreendida nasfases de aquisição (sistemas neurais), seleção (retenção de eventosrelevantes para a cognição, que marcaram emocionalmente e sensorial -mente tendo sido alvo de atenção especial) retenção (armazenamentodos eventos selecionados), esquecimento (desaparecimento doseventos e perda da informação), consolidação (permanência da infor -mação por tempo indeterminado) e evocação (lembrança) (processorelativo ao acesso da informação armazenada para ser utilizada mental -mente na cognição, emoção ou comportamento). Os processos deretenção são responsáveis pelo registo de informação na memória.

De acordo com Pinto (2001) os processos de aquisição dainformação permitem a criação de uma representação interna daestimulação sensorial de forma a ser armazenada na memória. Porconseguinte, a natureza desta representação estaria na dependência dosprocessos de atenção, espaçamento repetição e prática, super-aprendi -zagem, profundidade de processamento, organização, formação deimagens e tipo de crenças cognitivas subjacentes. Os principais sistemasde memória são: (1) memória a curto prazo (sistema responsável peloprocessamento e permanência temporária da informação para efeitosde conclusão das tarefas em curso); e (2) memória a longo prazo (osistema que armazena a informação e conhecimento durante longosperíodos de tempo).

Do que foi dito anteriormente vamos realçar a posição de Gardner(1994) que chama a atenção para o facto de que todos os indivíduosparecem ter uma habilidade de questionar e de procurar respostas,usando todas as inteligências, dado que faz parte da sua bagagemgenética, habilidades básicas em todas as inteligências. O desenvol -vimento de cada inteligência dependerá do resultado da combinação defatores genéticos e neurobiológicos e também de fatores motivacionaise culturais. Por conseguinte, tendo por referência os modelos apresen -tados pelos autores, quando falamos de inteligência e memória nãopodemos separar a parte do todo, até porque consideramos a inteli -gência multifatorial, em que os seus fatores se encontram interrelacio -nados de forma dinâmica. Assim, a evocação de um objeto, pessoa ouacontecimento de vida remete-nos para uma recordação inteligente que

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tem impacto no presente e na construção do futuro. Efetivamente, amemória tem um papel determinante na construção de expectativascom relação ao futuro (Neufeld & Stein, 2001). Podemos inferir que asatividades desenvolvidas na infância surgem ligadas ao desenvolvi -mento da(s) inteligência(s), pelo que as brincadeiras e os brinquedosque as dinamizam encontram-se relacionados com a inteligênciadesenvolvida.

Brinquedos e brincadeiras na infância

Na abordagem do autor Walter Benjamin, dos anos 30 do séculopassado, sobre a visão e a sensibilidade da criança sobre o mundo,Schlesener (2011) refere que “O brinquedo é expressão da vida, élinguagem, é a delícia de uma aprendizagem libertadora.” (Schlesener,2011, 135) e acrescenta que as brincadeiras infantis são práticas deconhecimento do mundo por meio da mímesis (imitação e desafio dopensamento).

De acordo com Benjamin (2002) o brinquedo que é disponibilizado àcriança pelo adulto só surge com a conotação de brinquedo quando elainterage com ele através da sua imaginação, que é despoletada pelatensão que trava com o brinquedo, imprimindo-lhe qualidades que vãopara além do material, fazendo deste uma ferramenta simbólica decomunicação, relação e de suporte de brincadeira (ação lúdica).Benjamin (2002) chama a atenção para o facto de que quem apresenta efaculta em primeiro lugar os brinquedos à criança são os adultos, peloque, mesmo quando o brinquedo não é uma imitação dos instrumentosdos adultos ou da realidade conhecida por eles, o brinquedo possibilita,essencialmente, mais o confronto dos adultos com a criança, do que ocontrário. Efetivamente, há sempre uma margem de liberdade para aceitarou rejeitar a matéria enquanto objecto de culto, contudo um objectoimposto pode mais tarde transformar-se graças à imaginação infantil.

A infância é sem dúvida um tempo de desenvolvimento e aprendi -zagem dos humanos que lhes permite adquirir competências que seconstituem como os alicerces da personalidade que lhes permitemfazer face aos obstáculos da vida. Por conseguinte, a maneira como se

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brinca e os brinquedos são determinantes para o desenvolvimentopsicológico, intelectual, emocional, físico-motor e contribuiem para asolidificação de valores sociais que permitem a inserção da criançacomo membro da sociedade. De acordo com Menezes e Damazio(2007, cit. Oliveira, Mourão & Carvalho, 2017) a investigação noâmbito do campo do design afetivo e da memória de um povo(movimento de mapear, registrar e preservar objetos biográficos)evidência o papel das emoções humanas e a sua influência na maneiracomo o ser humano compreende e se relaciona com os artefactos, emparticular, o seu envolvimento com a materialidade e sociabilidade,que conduzem à formação da memória e da identidade dos grupos debrincantes. Os autores chamam à atenção para o fato de apesar deexistir no mundo contemporâneo um conjunto de tecnologias relacio -nadas com a construção do brinquedo observam-se práticas lúdicasantigas e tradicionais, que se mantêm vivas no património cultural,possibilitando que alguns brinquedos de outras épocas coexistam comos tecnológicos constituindo-se como mensageiros de uma memóriacoletiva. Nesta perspetiva, considera-se que os objectos biográficosenvelhecem, sendo estes definidos como aqueles que envelhecem como seu dono e se incorporam na sua vida, dado que se encontram cheiosde representações. Mais especificamente, como diz Bosi (2003, p. 26):“Cada um desses objetos representa uma experi ência vivida, umaaventura afetiva do morador”. Para este autor podem ser consideradosdois tipos de objectos que se opõem entre si: (1) “objetos biográficos”;e (2) “objetos protocolares” (aqueles que são valorizados pela moda, enão pela relação particular que estabelecem com seu utilizador), cujouso é provisório e efémero. A memória de um brinquedo e a experi -ência diversificada da sua brincadeira, individual ou em grupo, surgemcom um significado especial para o ser humano, evidenciando umavisão da criança sobre o mundo e o tempo de vivência e, posterior -mente, um ponto de referência cultural (Oliveira, Mourão, & Carvalho,2017). É no seu mundo do brincar que a criança encontra uma formalibertadora de relação com o mundo. Os seus brinquedos surgem“tanto mais verdadeiros quanto menos dizem aos adultos” (Benjamin,1974/1985, p. 2, p. 47; cit. Schlesener, 2011). Em concreto, quanto

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mais atraentes e sofisticados, mais os brinquedos perdem o caráter deinstrumentos de brincar; e quanto mais imitam o mundo adulto, “maislonge estão da brincadeira viva” (Benjamin, 1974/1985, p. 247; cit.Schlesener, 2011, p. 133). Os brinquedos de hoje aparecem já feitos esão padronizados, são construídos e desenvolvidos por Designers, ouainda, em alguns lugares, por artesãos de brinquedos populares, contudoas crianças continuam a gostar de personalizar o seu brinquedo e a suabrincadeira, possibilitando que mais tarde tenham uma boa memóriadele e da actividade que ele permitiu desenvolver.

Metodologia

Objetivos

A investigação realizada enquadra-se no âmbito de um estudo decarácter transversal, qualitativo e quantitativo. O estudo apresentacomo principal objetivo conhecer a importância da memória e dosignificado do brinquedo de infância ao longo da vida. Para o seuaprofundamento e organização foram elaborados os seguintesobjetivos específicos: identificar até três brinquedos que surgem namemória como os mais relevantes na infância; conhecer a história dobrinquedo mais significativo para a pessoa; identificar as brincadeirasque o brinquedo proporcionou/dinamizou; saber se o brinquedo teveinterferência na saúde e no bem-estar da pessoa na infância; saber se arepresentação do brinquedo e das atividades lúdicas com elerelacionadas influenciaram o desenvolvimento e as escolhas da vida dapessoa até ao momento; conhecer as representações dos brinquedos dehoje e das suas escolhas; e conhecer a reflexão, sugestões e/ouimplicações sobre a temática que esta problemática sugere.

Participantes

O estudo foi realizado com professores do ensino superior do InstitutoPolitécnico de Beja (N=17; Média de Idade=54,7anos; Mínimo=36

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anos, Máximo=63 Anos, dp=7,11), sendo que na sua maioria são dogénero masculino [F=8(47%); M=9(53%)] e de estado civil casado(64,7%). Quanto às habilitações literárias 58,82% dos professores sãodetentores do grau de doutor, 41,18% do grau de mestrado. São56,83% da ESE, 17,65% da ESTIG, 5,88% da ESA e 17,68% da ESS.A maioria 94,12% contacta com as novas gerações, 88,24% têm filhose 17,65% têm netos.

Instrumentos

Para a recolha dos dados foi construído um Guião de Entrevista parao efeito que visava os objetivos específicos do estudo, destacando-seas seguintes dimensões: Memória significativa de Brinquedos daInfância; História do Brinquedo mais significativo; Brincadeirasdinamizadas com o brinquedo; Interferência do brinquedo na saúde eno bem-estar da pessoa; Influência da representação do brinquedo edas atividades lúdicas no desenvolvimento e nas escolhas da vida dapessoa até ao momento; Representações dos brinquedos de hoje e dassuas escolhas; e Reflexão, sugestões e/ou implicações sobre atemática. Todo o processo de construção do instrumento seguiu asnormas habitualmente usadas neste tipo de investigação.

Procedimento

A colheita dos dados foi realizada de forma individual, na situaçãode gabinete no Instituto Politécnico de Beja. Os participantes foraminformados do objetivo do estudo e convidados a colaborar de formavoluntária. Foram garantidos o sigilo e a confidencialidade dasrespostas.

Resultados

No que diz respeito à Memória significativa dos Brinquedos daInfância os participantes apesar da listagem de brinquedos registada

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ser bastante alargada, diferenciaram-se em relação ao género no“Brinquedos Significativos”, as mulheres mostraram a sua preferênciapor bonecos(as) (39,47%) e os homens por bolas (14,29%), brinquedosde mobilidade (trotinetes, bicicleta, arco) (20%) e carros/carrinhos(11,43%). Os brinquedos utilizados apontam no sentido (100%) de quena mulher o brinquedo era já construído e no homem o brinquedo foipredominantemente construído pela própria criança (66,7%). Quantoao “Brinquedo Preferido” este manteve a preferência anteriorverificando-se que para as mulheres a boneca (42,86%) continua a sero brinquedo mais referido e para o homem a bola (25%) e os jogos(25%).

Relativamente à lembrança do brinquedo ao longo da vida todos osinquiridos disseram que sim (100%), que mantinham uma memóriados mesmos. Foi referenciado que o brinquedo mais significativosurgiu nas suas vidas por iniciativa própria (25%), isto é, foi construídopelo próprio, ou foi oferecido (56,25%), pelos familiares maispróximos (tios, pais e avós). A maioria partilhou o brinquedo preferidocom outras crianças da família (36,4%), com amigos de rua (21,05%),no entanto, (31,59%) não partilhou o brinquedo porque era pessoal.Quanto às emoções despertadas foram verbalizadas a alegria/felici -dade (33%), saudade/nostalgia (20%) e memórias de infância 20%(cheiros, recordações de entes queridos “mãe”). As sensaçõesdespertadas pelo brinquedo preferido encontram-se ligadas à aventurae liberdade (27%), companhia (19,23%), vertigem (11,54%) e desafioe competitividade (15,38%). Relativamente às brincadeirasdinamizadas com o brinquedo preferido podemos agrupá-las emquatro dimensões: Relações pessoais (convívio, aventuras em grupo,“pancadarias”, competição) (33,3%); contacto domínio do exterior(passear na rua, corridas, brincar na rua, jogo de futebol) (27,27%);simulacro lúdico (brincar às bonecas, brincar às casinhas (15,15%); esaber (jogos, conhecimento, simulação de trabalho, dimensão práticaligada ao mundo do conhecido, dimensão abstracta ligada ao mundodo desconhecido) (24,24%). Todos os inquiridos consideram umainfluência positiva do brinquedo na sua saúde e no bem-estar pessoal,em particular, no bem-estar emocional (40,62%), no bem-estar geral

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(saúde física) (18,75%) e boas memórias associadas ao brinquedo(16,62%). Quanto à influência do brinquedo na sua vida, osparticipantes consideram uma influência positiva a nível pessoal(57,77%), do conhecimento (13,33%) e a nível social (22, 22%).

Quanto às representações do brinquedo de hoje evidenciam aspetospositivos (42,31%) e negativos (57,69%). Destacam-se nos primeirosas várias possibilidades de experimentação (18,18%) e que apelam àcomponente cognitiva (18,18%). Nos aspectos negativos são referidascaracterísticas como a formatação dos brinquedos (20%), falta decriatividade (10%), não promovem a relação (13,33%), falta de apego(13,33%), artificialidade dos mesmos (10%) e que são dados de formaexcessiva (13,33%).

Os participantes referem que se enquanto crianças tivessem deescolher hoje um brinquedo optavam por brinquedos tecnológicos(PSP) (10,71%), brinquedos de mobilidade (patins, bicicleta, bola,carrinho elétrico, equipamento para desporto radical, pião) (35,71%),brinquedos de construção (jogos de tabuleiro, legos e Playmobiles)(21,43%) e brinquedos de imaginação e descoberta (animais, livro,bonecas) (32,14%). Em relação ao brinquedo que ofereceriam hoje auma criança sobressaem os brinquedos de construção (brinquedosligados às artes, legos e jogos de tabuleiro) (47,37%), brinquedos deimaginação e descoberta (livros, animais) (36,84%) e brinquedos demobilidade (brinquedos ativos e bicicletas) (10,53%).

Sobre as implicações da problemática do brinquedo da infância osparticipantes mostraram-se todos interessados no assunto e referiramque os brinquedos e as brincadeiras têm uma grande importância parao desenvolvimento e o bem-estar das crianças. Constatam que hojeexiste muita pressão para os pais comprarem brinquedos e sugeremque se realizem brincadeiras centradas no contacto com a natureza (ex.plantar uma árvore) e no envolvimento da escola nestas dinâmicas.Valorizaram as brincadeiras do seu tempo de criança pois muitas delassurgiam da construção dos seus brinquedos e por transmissão degeração em geração.

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Discussão

A memória é uma construção pessoal e social da realidade quecontribui para a construção da identidade de um individuo. Semmemória deixamos de ser nós próprios e somos desprovidos dehumanidade. Numa primeira abordagem de memória ela surge comoum fenómeno individual que remete para a intimidade e daquilo que épróprio de uma personalidade. Depois, percebemos que tem de sercompreendida como um fenómeno relacional e social, construídocoletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudançasconstantes, com marcos e pontos invariantes e imutáveis (Pollak,1992) para que as pessoas se possam orientar no referencial da suaexistência e vivência humana.

A natureza das múltiplas faces do brinquedo conduziu ao estudosobre a memória dos brinquedos na infância onde observámos que amaioria dos participantes evidenciou a necessidade de uma educaçãode brincadeiras ecológicas de relação e apego, promotoras dodesenvolvimento cognitivo e a importância da orientação da indústriados brinquedos para produtos que tenham por base os referenciais dapsicologia e da educação.

O exemplo das actividades desenvolvidas por entidades designadasde Museu da Infância em várias partes do mundo dedicados à históriada infância (Museu da Infância de Edimburgo; Museu da Infância deLondres; Museu da Infância da UNESC) constitui uma referência paraa preservação da memória da infância ao longo dos tempos. O Museuda Infância da UNESC apresenta como uma das suas finalidades “II –Organizar exposições temáticas para a visitação pública, visando àampliação do repertório artístico-cultural, a construção da cultura devalorização da infância, da memória e da identidade, a constituição deuma cultura de visitação dos museus, de forma a efetivar ações quepromovam a emancipação do sujeito/cidadão.” (UNESC, 2014, p. 2,cit. Baumer, Meis, & Brigido, 2016, 60). Seria interessante a partirdeste estudo criar um espaço dinâmico da memória do brinquedodesignado de Museu da Infância de Beja, organizado pelas forças vivasda comunidade e sob orientação do Instituto Politécnico de Beja,

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possibilitando a valorização e a preservação do património, da cultura,da identidade, a partir da memória individual e cultural do brinquedoe das brincadeiras ao longo dos tempos, interagindo o passado com opresente, rumo à construção do futuro.

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O impacto de um programa de sensibilização à linguagem escritanas competências de literacia em crianças de idade pré-escolar

Anabela Reis AntunesLeonor Moreira Rato

Ana Cristina Silva

Resumo: A compreensão do princípio alfabético inicia-se muito antes dafrequência do 1º ano de escolaridade. Vários são os estudos que apontam para aimportância de se desenvolverem programas em idade pré-escolar que integrematividades de escrita inventada, indicando que estes contribuem para evoluçõesdas concetualizações da criança sobre a linguagem escrita e progressos naconsciência fonológica (Albuquerque & Alves Martins, 2015;Alves Martins,Albuquerque, Salvador, & Fernández, 2017; Ouellette & Sénéchal, 2017).Também as atividades de consciência fonológica têm impacto nas competênciasde literacia em crianças pré-leitoras. Este estudo pretende compreender oimpacto de um programa que contempla atividades estruturadas de escritainventada e jogos fonológicos na evolução das concetualizações precoces dalinguagem escrita e da consciência fonológica em crianças em idade pré-escolar.Este programa integra 121 crianças de 5 anos de idade que não sabiam ler nemescrever. As crianças foram submetidas a uma avaliação inicial e final deconsciência silábica e fonémica, bem como do seu conhecimento relativo àescrita tendo-lhes sido pedido que escrevessem 8 palavras como soubessem. Oprograma contemplou 10 sessões de escrita inventada intercaladas com 10sessões de consciência fonológica, desenvolvidas ao longo do ano letivo.Após implementação do programa verificou-se que um maior número decrianças apresentou níveis superiores de consciência fonológica, bem comoevolução nas concetualizações sobre a linguagem escrita, onde as hipóteses deescrita apresentadas pelas crianças estavam mais próximas das característicasdas escritas alfabéticas.

Palavras-chave: Escritas inventadas, Consciência fonológica, Pré-escolar.

Introdução

Ler e escrever são aprendizagens fundamentais para o sucesso de todoo percurso escolar das crianças. Vários são os autores que defendem queo contacto com a linguagem escrita é anterior à sua aprendizagemformal. O interesse precoce pela linguagem escrita surge nas crianças

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com a curiosidade pelas letras e sons das palavras, assumindo-se comouma motivação para a compreensão desta linguagem e desenvol -vimento da literacia (Alves Martins, Albuquerque, Salvador, & Silva,2015).

Estudos de Chomsky (1970), Read (1971) e Ferreiro e Teberosky(1979), tal como diversos investigadores (Alves Martins, Albuquerque,Salvador, & Silva, 2013; Oulette & Sénéchal, 2008) referem que desdecedo as crianças, através do contacto informal que vão tendo no seu diaa dia com materiais escritos, vão criando hipóteses e desenvolvendoconhecimentos sobre a linguagem escrita.

Em idade pré-escolar, as tentativas de escrita das crianças assumemjá um significado linguístico, uma vez que as correspondências quefazem entre a letra-som podem ser interpretadas como tentativas defonetizar os sons percebidos nas palavras e representá-los na escrita(Chomsky, 1970 e Clay, 1972, cit. por Alves Martins, Albuquerque,Salvador, & Silva, 2015; Read, 1971).

Ferreiro e Teberosky (1979, cit. por Alves Martins & Niza, 1998),Ferreiro (1988, cit. por Alves Martins & Niza, 1998) referem que asconcetualizações acerca da linguagem escrita evoluem em paralelocom a reformulação do pensamento que as crianças vão fazendo dalinguagem escrita. Esta reformulação surge a partir da interrogaçãoconstante sobre as relações entre o oral e o escrito e através dasinterações, que vão realizando no seu dia-a-dia com os seus pares eadultos de referência, face a produções escritas.

Estas hipóteses evoluem progressivamente, sendo que numa faseinicial de escrita pré-silábica (conceções pré-alfabéticas da linguagemescrita), as crianças para escreverem começam por combinar letras epseudoletras, com critérios arbitrários de representação, não utilizandoainda critérios linguísticos. Numa fase posterior, a de escrita silábicasem fonetização, as crianças começam a demonstrar alguma intencio -nalidade em coordenar a linguagem escrita com a linguagem oral. Aescrita já é orientada por critérios linguísticos e a unidade representadana escrita é a sílaba, a escolha das letras para representar cada sílabaainda é arbitrária. As crianças passam a um nível superior de produçãode escritas silábicas com fonetização, representando nas suas escritas

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cada sílaba por uma letra não arbitrária, correspondendo a letra repre -sentada ao som percebido da análise dos sons contidos na palavra. Estaevolução termina com a escrita alfabética, na qual as crianças passam arealizar uma análise fonémica das palavras e a utilizar letras adequadaspara representar cada um dos fonemas (Alves Martins, Mata, & Silva,2014; Alves Martins & Niza, 1988).

Alves Martins e Niza (1998, p. 64) referem que “estas hipótesessobre a natureza da linguagem escrita são evidenciadas, quando sepede às crianças que “escrevam” como souberem um conjunto depalavras e se interage com elas a prepósito do que escreveram”.

Estudos como os conduzidos por Ouellette e Sénéchal (2008, 2017),são ilustrativos da importância dos programas de escrita inventada comfeedback desenvolvimental adequado, revelando progressos nas hipó -teses de escrita das crianças bem como nas medidas de consciência fono -lógica, potenciando a integração de conhecimentos ortográficos efonológicos.

Também Alves Martins, Albuquerque, Salvador e Silva (2015) referemque as escritas inventadas se assumem como procedimentosimportantes na descoberta do princípio alfabético, contribuindo para acompreensão da relação estabelecida entre a linguagem oral e alinguagem escrita.

O desenvolvimento de programas que integrem escritas inventadas,permite às crianças evoluir no pensamento metalinguístico e promo -vem também o desenvolvimento da consciência fonológica, principal -mente consciência fonémica, conduzindo a progressos também naspróprias escritas (Alves Martins, Albuquerque, Salvador, & Silva,2015; Alves Martins & Silva, 2006a,b, 2015; Silva & Alves Martins,2002).

Segundo Gombert (1990, cit. por Albuquerque & Alves Martins,2017) a consciência fonológica constitui-se como uma habilidademetalinguística, de reflexão sobre a linguagem e a sua utilização.

Para compreenderem que as letras que formam as palavrasconstituem um sistema de notação dos fonemas, as crianças têm de,progressivamente, desenvolver a consciência de que as palavras sãocompostas por segmentos fonéticos (Silva, 2008).

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Sim-Sim, Silva e Nunes (2008, p. 48), definem consciência fonoló -gica como “a capacidade para refletir sobre os segmentos sonoros daspalavras orais”. Mais concretamente é a capacidade de as criançasidentificarem e manipularem as componentes fonológicas das unida -des linguísticas, sílabas, unidades intrassilábicas (ataque e rima) efonemas. Esta capacidade progride gradualmente, sendo que numafase inicial as crianças começam por ser capazes de analisar emanipular componentes maiores da fala – palavras e sílabas até umasegunda fase na qual já conseguem analisar segmentos fonémicos.Deste modo, a sensibilidade fonológica, evolui no sentido da apreen -são de segmentos fonológicos cada vez mais pequenos.

Em idade pré-escolar, as crianças conseguem realizar com sucessoatividades que impliquem síntese, análise ou deteção de sílabascomuns, apresentando maior dificuldade na realização de tarefas queimplicam a supressão de unidades silábicas e a identificação desegmentos fonémicos, uma vez que são unidades percetivas menossalientes (Sim-Sim, Silva, & Nunes, 2008).

Segundo Treiman (2004, cit. por Alves Martins, Albuquerque,Salvador, & Silva, 2015) o conhecimento do nome das letras auxilia ascrianças na procura do nome das letras aquando da análise dos sons daspalavras, facilitando o processo de fonetização, isto é, na mobilizaçãoda letra correta que representa o som identificado. As próprias carac -terísticas dos fonemas podem influenciar o processo de escrita pelafacilidade em serem identificados em detrimento de outros, conse -guindo a criança identificar com maior facilidade consoantes fricativase posteriormente consoantes oclusivas (Sim-Sim, Silva, & Nunes,2008).

À semelhança dos programas de escritas inventadas, é evidenciadopor diversos autores, desde a década de 1970, que a consciênciafonológica é um dos melhores preditores do sucesso na aprendizagemda leitura e da escrita e na compreensão do princípio alfabético(Albuquerque & Alves Martins, 2015; Sim-Sim, Silva, & Nunes,2008). Neste sentido, têm sido desenvolvidos diversos programas eestudos de intervenção em idade pré-escolar de promoção destaconsciência, tendo por objetivo que as crianças sejam capazes de

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refletir sobre os sons da linguagem oral de um ponto de vista formal(Albuquerque & Alves Martins, 2015).

Apoiados nas diferentes evidências científicas, estudos como os deAlves Martins, Albuquerque, Salvador e Silva (2015), Albuquerque eAlves Martins (2015) e Albuquerque e Alves Martins (2017), indicama importância de continuarem a ser desenhados programas de treino deconsciência fonológica e de estimulação das escritas inventadas comcrianças em idade pré-escolar, por contribuírem para a promoção edesenvolvimento de competências de literacia em crianças pré-leitoras, devendo estes serem integrados na prática pedagógica doscurrículos da educação pré-escolar.

Neste sentido, o trabalho apresentado tem como objetivo analisar deforma exploratória o impacto de um programa de sensibilização àlinguagem escrita com treino de escritas inventadas e consciênciafonológica, desenvolvido pelos educadores de infância na sua práticapedagógica, com crianças pré-leitoras, na evolução do seu nível deconsciência fonológica e de hipóteses de escrita.

Método

Participantes

Participaram neste estudo 121 crianças 50 do sexo feminino e 71 dosexo masculino, com 5/6 anos de idade. Todos os participantesfrequentavam o último ano da educação pré-escolar numa InstituiçãoParticular de Solidariedade Social de Vila Franca de Xira. As criançasque participaram neste programa eram pré-leitoras, não tendo tidoqualquer tipo de ensino formal de escrita. Nenhuma destas criançassabia ler nem produzia escritas alfabéticas.

Instrumentos e procedimentos

Avaliação no pré e pós-testes: Consciência fonológica. No pré epós-teste foram avaliados os níveis de consciência fonológica das

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crianças, utilizando-se para o efeito uma prova elaborada pelo serviçode psicologia da instituição adaptada da Bateria de Provas Fonológicasde Silva (2008), no caso específico, recorrendo à prova declassificação da sílaba inicial e à prova de classificação do fonemainicial.

A adaptação traduziu-se num instrumento final constituído por 7itens de classificação silábica e 7 itens de classificação fonémica,perfazendo um total de 14 itens. Cada um dos itens contém 3 imagensdiferentes que remetem para palavras ditas oralmente pelo avaliador.

O procedimento de avaliação implicou solicitar às crianças que deentre as 3 imagens apresentadas e que correspondem a uma palavradita oralmente pelo avaliador, escolhessem quais as 2 imagens cujaspalavras remetem para o som inicial idêntico, quer ao nível da sílabaquer ao nível do fonema. O procedimento foi repetido para os 14 itensda prova e registadas as respostas das crianças.

Toda a avaliação foi realizada recorrendo a um formato de jogo, nãosendo dado qualquer feedback da resposta dada às crianças.

Avaliação no pré e pós-testes: Escritas inventadas. No pré e póstestes avaliaram-se os níveis de concetualização das criançasrelativamente às hipóteses de escrita colocadas, utilizando-se 8palavras ditas oralmente às crianças.

O procedimento de avaliação consistiu em pedir às crianças queescrevessem da melhor forma que soubessem cada uma das palavrasque lhes foram sendo ditas oralmente. Após o registo das palavras estasforam classificadas em função dos diferentes níveis de concetualizaçãoda linguagem escrita definidos (escritas pré-silábicas, escritas silábicassem fonetização, escritas silábicas com fonetização, escritasalfabético-silábicas e escritas alfabéticas).

Toda a avaliação seguiu o mesmo procedimento de jogo, não sendodado qualquer feedback relativo à produção escrita da criança.

Programa de intervenção: Treino de escritas inventadas e consci -ência fonológica. O programa contemplou 20 sessões em pequenosgrupos (média de 8 crianças por grupo), cada sessão com a duração de20 a 30 minutos. Foram desenvolvidas 10 sessões de treino de escritas

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inventadas intercaladas com 10 sessões de treino de consciênciafonológica, com cada grupo participante.

Todas as sessões foram desenvolvidas pelos educadores de infânciada instituição participante, que anteriormente ao desenvolvimento doprograma de treino foram sujeitos a um momento formativoenquadrando os procedimentos e objetivos do programa. Todos oseducadores foram tendo o seu trabalho monitorizado através dereuniões semanais de reflexão e análise dos procedimentos com otécnico responsável do programa.

As sessões dirigidas ao desenvolvimento da consciência fonológicatinham como objetivo central que as crianças evoluíssem naidentificação silábica e fonémica, tornando-se mais competentes naanálise dos componentes sonoros das palavras.

Assim, foram realizadas 5 sessões onde era pedido às crianças queidentificassem imagens cujas palavras ditas oralmente continhamsílabas iniciais idênticas ao nível da sua sonoridade, havendo 3 dessassessões onde as palavras utilizadas eram facilitadoras pois as sílabasiniciais continham na sua sonoridade o nome da letra (e.g., mesa, rena)e em outras sessões o som da letra (e.g., relógio; melão). As 5 sessõesseguintes tinham como tarefa a identificação de fonemas iniciaisidênticos ao nível da sua sonoridade, utilizando-se em primeiro lugarpalavras cuja letra inicial eram vogais, posteriormente consoantesfricativas e no final consoantes oclusivas.

Em todas a sessões recorreu-se à metodologia de jogo, em diferentesformatos, como jogos de emparelhamento de imagens, jogos de cartas,relógios de sons ou lotos.

O educador tinha um papel interventivo de condução das crianças àreflexão sobre os componentes sonoros das palavras.

As 10 sessões de treino das escritas inventadas foram desenvolvidasde forma intercalada com as sessões de promoção da consciênciafonológica. Tinham como objetivo central que as crianças refletissemsobre a escrita de determinadas palavras, recorrendo gradualmente agrafemas corretos para representar os diferentes componentes sonorosdas palavras, evoluindo gradualmente até à correspondência fonémicade cada palavra.

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Assim, era pedido às crianças que escrevessem da melhor forma queconseguissem diferentes palavras. Para a escrita de cada palavra oeducador servia como mediador, conduzindo a criança a refletir sobreos sons que conseguia identificar nas palavas e a decidir qual a melhorletra que deveria fazer corresponder ao som identificado. A discussãoem grupo era fomentada, de forma a que as crianças do grupo sefossem confrontando com as diferentes hipóteses colocadas e que apósreflexão chegassem a uma decisão final de qual a forma de codificaçãodos diferentes sons.

As palavras utilizadas eram coincidentes com as palavras utilizadasnos jogos de treino fonológico. A sua grande maioria era dissilábica eseguindo a estrutura CVCV.

Nas sessões inicias foram utilizadas palavras facilitadoras, nas quaiso som inicial é coincidente com o nome da letra para que as criançasmais facilmente conseguissem compreender a letra a utilizar quecorrespondia à codificação do som.

A dinâmica desenvolvida nestas sessões assume-se como estratégiade reflexão sobre o código escrito, contribuindo para a perceção edescoberta da relação estabelecida entre a linguagem oral e alinguagem escrita.

Resultados

Com o intuito de analisar os dados recolhidos relativamente aodesempenho das crianças em situação de pré e pós testes numprograma que integra sessões de treino de consciência fonológica e deescritas inventadas, recorreu-se a procedimentos de estatísticadescritiva.

Consciência silábica

O desempenho das crianças no que respeita à consciência silábicafoi avaliado em dois momentos, antes e depois do programa de

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intervenção/treino. A Tabela 1 ilustra a percentagem de crianças queclassifica sílabas iniciais idênticas nos momentos de pré e pós testes.

Pela observação da Tabela 1 verifica-se que a percentagem decrianças que consegue identificar sílabas iniciais idênticas ao nível dasua sonoridade aumentou do pré para o pós-teste, após aplicação doprograma de treino.

Tabela 1

Indicadores referentes à avaliação de consciência silábicaVariáveis Frequência Percentagem

Sílaba inicial – Pré-teste 061 50,4Sílaba inicial – Pós-teste 116 95,9

Consciência Fonémica

O desempenho das crianças ao nível da consciência fonémica éregistado na Tabela 2, encontrando-se a frequência de crianças que emsituação de pré- e pós-testes resolve de forma adequada as situaçõesfonológicas colocadas. Pela análise dos dados observa-se, tal comopara a consciência silábica, um aumento na percentagem de criançasque conseguem classificar fonemas iniciais.

Tabela 2

Indicadores referentes à avaliação de consciência fonémicaVariáveis Frequência Percentagem

Fonema inicial – Pré-teste 049 40,5Fonema inicial – Pós-teste 100 82,6

Escritas Inventadas

À semelhança dos procedimentos de avaliação relativos àconsciência fonológica, também ao nível das hipóteses de escritacolocadas pelas crianças em situação de escritas inventadas, foramrecolhidos dados em situação de pré e pós-testes. A Tabela 3 ilustra afrequência de crianças cujas escritas das palavras se encontram

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classificadas nos diferentes níveis de concetualização utilizados para oefeito.

Da análise da Tabela 3 é observado que a percentagem de criançasque apresenta escritas pré-silábicas (EPS) e escritas silábicas semfonetização (ESSF) no pré-teste é superior à encontrada em situação depós-teste. Em consonância encontra-se o aumento das percentagensencontradas do pré- para o pós-testes nos diferentes níveis de escritasseguintes – escritas silábicas com fonetização (ESCF); escritasalfabético-silábicas (EAS) e escritas alfabéticas (EA).

Tabela 3

Indicadores referentes à avaliação das escritas inventadasVariáveis Frequência Percentagem

EPS – Pré-teste 101 83,5EPS – Pós-teste 010 08,3ESSF – Pré-Teste 010 08,3ESSF – Pós-teste 009 07,4ESCF – Pré-teste 008 06,6ESCF – Pós-teste 047 38,8EAS – Pré-teste 002 01,7EAS – Pós-teste 029 24,0EA – Pré-teste 001 00,8EA – Pós-teste 026 21,5

Discussão

O objetivo deste estudo visa compreender o impacto que umprograma estruturado que integra treino de consciência fonológica e deescritas inventadas assume na evolução da consciência silábica efonémica das crianças da amostra, bem como nas hipóteses de escritaque vão mobilizando no sentido da proximidade às escritas alfabéticas.

Pela análise descritiva dos resultados obtidos é evidente que ascrianças, tendo acesso ao programa de treino de consciênciafonológica e escritas inventadas melhoraram o seu desempenho naclassificação silábica e fonémica, bem como apresentaram escritasmais próximas da compreensão do princípio alfabético.

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Tal como referido por Sim-sim, Silva e Nunes (2008), as criançasem idade pré-escolar apresentam maior facilidade na classificaçãosilábica do que fonémica, facto também verificado neste estudo.Efetivamente é observada uma percentagem significativa de criançasque consegue já proceder a essa classificação em situação de pré-teste,aumentando a percentagem de crianças a obter sucesso neste tipo detarefas em situação de pós-teste. No que respeita à consciênciafonémica os resultados apresentados também demostram evoluções,sugerindo que o programa teve impacto positivo ao nível destacompetência.

As evoluções encontradas ao nível das escritas inventadas sãotambém claras, constatando-se em situação de pré-testes que umapercentagem elevada de crianças produz escritas utilizando letras oupseudoletras com critérios arbitrários, não refletindo aindacompreensão da relação que se estabelece entre a linguagem oral e alinguagem escrita. Após o programa de treino, a frequência de criançasque produz escritas de níveis mais avançados e mais próximos doprincípio alfabético é mais elevada. Estes resultados evolutivos nashipóteses de escrita são demonstrativos das considerações científicasreferidas por Alves Martins, Mata e Silva (2014).

Os resultados encontrados neste estudo vão também no sentido devários estudos desenvolvidos (Albuquerque & Alves Martins, 2015;Alves Martins, Albuquerque, Salvador, & Fernández, 2017; AlvesMartins, Albuquerque, Salvador & Silva, 2015; Alves Martins & Silva,2015), que remetem para a importância dos programas de treino deescritas inventadas e consciência fonológica no desenvolvimento dacompreensão da linguagem escrita nas crianças pré-leitoras. Sãoencontradas assim evidências que programas de intervenção destanatureza são eficazes no desenvolvimento da capacidade de analisarsegmentos orais das palavras, aumentando a consciência fonémica, naevolução da compreensão do princípio alfabético e nos procedimentosde reflexão metalinguística em crianças de idade pré-escolar.

Sendo este um estudo exploratório, onde o programa está integradono currículo do ensino pré-escolar da instituição participante, comoforma de desenvolver competências de literacia nas crianças em idade

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pré-escolar, considera-se importante que esta investigação sejaaprofundada. Um futuro estudo pode alterar o seu desenho para experi -mental, criando-se condições para que haja um grupo de controlopermitindo uma análise mais aprofundada referente ao impacto deprogramas desta natureza no desenvolvimento da competências deliteracia, onde as sessões são desenvolvidas em grupos e com oeducador de infância como mediador e catalisador de reflexão entre ascrianças.

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Percursos de vida de jovens

que foram abrangidos por currículos específicos

Maria Teresa SantosAdelaide Espírito Santo

José Pereirinha RamalhoMaria Cristina Faria

Cesário AlmeidaJosé Pedro Fernandes

José António Espírito Santo

Resumo: A expansão da escolaridade obrigatória a todas as crianças e jovens,incluindo as que apresentam necessidades educativas especiais decorrentes dasmais variadas situações, é hoje uma realidade em muitos sistemas educativosque prosseguem o objetivo de garantir o direito a uma educação inclusiva.No sistema educativo português, a partir do decreto lei 3/2008, foram propostoscurrículos específicos individuais (CEI) para alunos com problemáticas maisgraves, abrindo-se uma via de certificação de competências muito distante docurrículo comum. Neste quadro, iniciámos uma investigação sobre os percursosde vida dos jovens que frequentaram os agrupamentos de escolas do BaixoAlentejo e Alentejo Litoral com CEI e PIT (Plano Individual de Transição) e queterminaram a sua escolaridade obrigatória a partir de 2012.É nosso propósito ter uma abordagem tão compreensiva e aprofundada quantopossível sobre as competências adquiridas na escola, na família, na comunidade,nos contextos de formação vocacional e profissional com impacto nos processosde capacitação, autodeterminação e qualidade de vida.No âmbito de um modelo de investigação de natureza exploratória, descritiva einterpretativa, socorremo-nos de vários métodos e técnicas, confrontandodiversas fontes e recorrendo à análise qualitativa e quantitativa.Participam no estudo coordenadores dos Departamentos de Educação Especialdos Agrupamentos de escolas, jovens, familiares e coordenadores de outrasinstituições.Apresentamos alguns dos dados preliminares da investigação em curso. Prevê-se que os problemas identificados e as conclusões obtidas possibilitarãodesenhar planos de intervenção educativa mais adequados a esta população eimplementar ações de formação junto dos atores educativos locais.

Palavras-chave: Autodeterminação, Participação, Qualidade de vida.

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Introdução

Muitos foram os documentos produzidos a nível global, em particular,por instituições das Nações Unidas que serviram de inspiração ao desen -volvimento de políticas e práticas inclusivas na resposta às necessidadesespeciais de muitos setores da população, entre os quais se encontram aspessoas com deficiência (Pinto, 2014; Rodrigues, 2016).

Ao considerar-se a Inclusão como um direito humano, torna-se neces -sário uma aceitação do outro como ser humano capaz de autorreali -zação e de contribuir para o bem comum. É a vida em comunidade quepossibilita a verdadeira humanização e a busca de soluções para osproblemas individuais e coletivos.

Enquanto humanidade temos o dever de contribuir para o desenvol -vimento do potencial humano numa perspetiva construtiva e acolhe -dora das diferenças, desenhando estruturas, serviços e programasinclusivos, que põem em evidência a riqueza que existe na diversidade(Rodrigues, 2003).

Ainda que Portugal se encontre entre os países que têm desenvol -vido orientações políticas no sentido da inclusão escolar e social,importa refletir sobre os efeitos que as medidas educativas como oCurrículo Específico Individual (CEI) e o Plano Individual de Transi -ção (PIT) tiveram na transição para a vida adulta e período pós-escolarde um grupo de jovens.

A educação de jovens com dificuldades intelectuais e desenvolvi-mentais

Há muito que se defende uma abordagem multidimensional dofuncionamento humano, que pressupõe uma análise das relações entreas dimensões do sujeito e do seu ambiente, representando o sistema deapoios o veículo facilitador de uma vida com significado (Luckasson& Schalock, 2012; Schalock et al., 2010).

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Um modelo de intervenção de natureza socio-ecológica que se focano funcionamento do sujeito com DID em interação com os diversosambientes de vida, permite o desenho de programas mais ajustados ecompagináveis com a exigência das tarefas que se colocam no dia-a-dia (Santos & Morato, 2012).

A legislação portuguesa no âmbito da educação especial, em parti -cular, o Decreto-Lei 3/2008, no artigo 16º, propõe diversas medidaseducativas “que visam promover a aprendizagem e a participação dosalunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente”,entre as quais se inscreve o Currículo Específico Individual (CEI) quedeve integrar o Plano Individual de Transição (PIT) três anos antes dotérmino da escolaridade obrigatória.

O CEI é o tipo de resposta educativa que mais se afasta do currículocomum e que, por essa ordem de razão, mais afasta o aluno dos seuspares sem deficiência. Um tal afastamento da vida do grupo retiraoportunidades para uma normalização de atitudes e comportamentos epara o desenvolvimento de competências académicas e sociais tãonecessárias ao projeto de uma vida independente.

Se os meios educativos formais e não formais prosseguem o objetivode formar os jovens para a autodeterminação, um conjunto de aborda -gens, metodologias e estratégias flexíveis, diferenciadas e persona -lizadas devem constituir a base para a construção de um currículoverdadeiramente emancipatório do potencial do sujeito.

Por outro lado, os princípios da orientação curricular funcional sãoos de que as aprendizagens devem fazer-se em contextos naturais,adequadas à idade cronológica, orientadas para o espaço vivido eenriquecidas por experiências diversificadas (Costa, 2004).

Considera-se fundamental que o currículo escolar seja interpretadoe operacionalizado de forma flexível, mas exigente na qualidade dasaprendizagens feitas por todos, e muito particularmente dos alunoscom NEE (DID) a quem frequentemente são propostos percursoscurriculares redutores e demasiado básicos (Leite, 2011).

É absolutamente essencial mobilizar-se uma multiplicidade derecursos pedagógicos, há muito reconhecidos como vias para a organi -zação das aprendizagens, no âmbito de uma pedagogia diferenciadaque cria oportunidades para a livre escolha e a realização de projetos

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autónomos que respondem a interesses e necessidades individuais e/oucoletivas (Nunes & Madureira, 2014; Tomlinson, 2008).

O processo de ensino não deve, pois, configurar um formato igualpara todos, mas a todos deve colocar desafios que potenciem aaprendizagem nos mais diversos domínios e contextos e, assim, fornecerinstrumentos de ação e pensamento que possam ser aplicados pelosjovens ao longo da vida, aumentando as suas competências adaptativas.

Transição para a vida adulta

Conceptualização e orientações gerais

O conceito de Transição para a Vida Adulta (TVA), tambémfrequentemente designada por transição para a vida ativa ou vida pós-escolar, embora possa ser formulado de diversas maneiras, transportaem si as ideias básicas de processo, transferência e mudança.

São várias as transições que um indivíduo tem de enfrentar ao longoda sua vida, que requerem competências adaptativas, frequentementeexigentes e complexas, sendo que a transição para o período pós-escolar se torna determinante para a construção de uma vida autónoma,necessária a todo o ser humano, que se realiza através das atividadeslaborais, familiares, sociais e comunitárias.

Se a exigência das múltiplas tarefas que a sociedade espera que umjovem adulto realize, são por vezes altamente stressantes para osindivíduos sem necessidades especiais, elas podem tornar-separalisadoras para os sujeitos com DID, daí que caiba à escolaprovidenciar todo o suporte apropriado nesta fase da sua vida.

O documento inspirador do movimento de inclusão que foi aDeclaração de Salamanca (UNESCO, 1994), destacou no ponto 56, apropósito da preparação para a vida adulta, que:

“O currículo dos alunos com necessidades educativas especiais que se encontramnas classes terminais deve incluir programas específicos de transição, apoio àentrada no ensino superior, sempre que possível, e treino vocacional subsequenteque os prepare para funcionar, depois de sair da escola, como membros indepen -dentes e ativos das respetivas comunidades”.

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No nosso país, em 1994, o Instituto de Inovação Educacional iniciouum projeto neste âmbito, apelidado, num primeiro momento, de“currículos funcionais” (Costa, 2004).

No início do século XXI, a Agência Europeia para odesenvolvimento em Necessidades Educativas Especiais promoveu odebate em torno deste assunto, publicando documentos orientadores eintegrando o tema como prioritário na agenda para o período de 2007a 2013 (Soriano 2002, 2006).

A crescente consciencialização das comunidades educativas para aimportância de se perspetivar e apoiar o futuro destes alunos para alémda escolaridade obrigatória, tem conduzido a desenvolvimentos muitosignificativos nas orientações políticas e nas práticas de váriosprofissionais e instituições educativas.

Funcionalidade, autodeterminação e qualidade de vida

O diagnóstico de dificuldade intelectual e desenvolvimental levamuitos a pensarem na impossibilidade das pessoas com DID teremcontrole sobre a sua vida (Wehmeyer et al., 2008). Contudo, estudosrecentes têm revelado como o impacto dos contextos onde as pessoasestudam, vivem e trabalham podem ser mais influentes na suaautodeterminação do que as próprias características individuais,incluindo o nível de funcionamento intelectual (Wehmeyer & Garner,2003).

O Planeamento Centrado na Pessoa pode apresentar-se comorelevante no desenvolvimento de oportunidades para o exercício daautodeterminação e para a dinamização de uma rede de apoio ao jovemadulto com dificuldades intelectuais e, assim, elevar a sua autoestimae valorizar o seu estatuto social (Ferreira & Pereira, 2015; Kaehne &Beyer, 2014; Pereira, 2014).

Esta abordagem encara o indivíduo como um ser livre, capaz de seatualizar e realizar sonhos em comunhão com outros que partilhamuma mesma visão. Daí, que o que se pretende é garantir ao sujeito asua presença na comunidade, a possibilidade de fazer escolhas, aoportunidade de desenvolver competências, o respeito granjeado pela

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sua rede social e pela valorização do seu papel na comunidade e aparticipação nessa comunidade no âmbito de uma rede de relaçõesmais próxima e alargada (Becker & Pallin, 2001; O’Brien & O’Brien,2000).

O conceito de qualidade de vida tem sido equacionado numa pers -petiva multidimensional, resultante da interação entre fatores externose internos ao sujeito e que inclui experiências humanas comuns eexperiências únicas e singulares (Verdugo, 2009).

As dimensões estruturantes deste conceito são: o DesenvolvimentoPessoal e Social (perceção de competências pessoais e relacionais einclui indicadores a nível das relações interpessoais e autodetermina -ção); o Bem-estar (condições de vida percecionadas como desejáveisque se traduzem ao nível do bem-estar físico, emocional e material);Inclusão Social (controle sobre as interações com os contextos circun -dantes e sobre as decisões com impacto no projeto de vida, avaliadosao nível da empregabilidade, da cidadania e direitos) (Sousa, 2007).

As pessoas com DID têm os mesmos direitos que os demaiscidadãos a serem envolvidos na avaliação da sua qualidade de vida.Contudo, as frequentes dificuldades de compreensão e comunicaçãoque podem apresentar serão um obstáculo na partilha do seu nível desatisfação ou insatisfação com as condições de vida, pelo que, terãoque ser analisadas as perceções de familiares e/ou profissionais que asconheçam melhor.

Estudo empírico

Problemática e sua contextualização

As medidas educativas propostas no Decreto-Lei 3/2008 no âmbitoda adequação do processo de ensino e aprendizagem dos alunos comnecessidades de carácter permanente como o CEI e PIT, complemen -tares ao Programa Educativo Individual (PEI), visam a aquisição decompetências pessoais e sociais que permitam ao jovem a sua inclusãoprofissional, familiar e comunitária.

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As preocupações sobre os efeitos destas respostas educativasconduziram-nos à necessidade de analisar os percursos de vida dosjovens que frequentaram os agrupamentos de escolas do BaixoAlentejo e Alentejo Litoral com CEI e PIT e que terminaram a suaescolaridade obrigatória a partir de 2012.

Modelo de investigação

O modelo de investigação considerado adequado à compreensão doobjeto de estudo é o de natureza exploratória, descritiva e interpretativa,que se socorre de vários métodos e técnicas, confrontando diversasfontes e recorrendo à análise qualitativa e quantitativa.

Este modelo não deixa de estar fortemente enraizado numa matrizqualitativa, pela importância que se pretende atribuir aos significadosexpressos nos discursos dos sujeitos a inquirir em contextos naturais,em que o investigador se implica e toma consciência do valor subjetivodessa interação.

Trata-se de uma abordagem que se vai construindo e reformulandono decurso do trabalho de pesquisa e que, se numa primeira fase, adimensão da amostra não possibilitará generalizações para realidadessemelhantes, poderá, contudo, numa fase posterior, ao alargar-se ocampo empírico, conduzir a outras configurações de carácter maisquantitativo, gerando-se um número significativo de dados quepermitam outras extrapolações.

Questões e objetivos

A questão de partida para o estudo que aqui se apresenta foi: Comotem sido o percurso de transição para a vida adulta de jovens comCEI/PIT que terminaram a escolaridade obrigatória a partir de 2012?

Decorrente desta questão geral, outras questões orientadoras foramformuladas: (1) Quantos jovens com CEI e PIT saíram dos agrupa -mentos de escolas do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral desde 2012?; (2)Qual o perfil de competências destes jovens à saída da escolaridade obri -gatória?; (3) Que tipo de atividades ocupacionais, de estudo, trabalho e

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lazer realizaram e/ou realizam?; (4) Qual o nível de participação socialna comunidade?; (5) Que aspirações têm para a sua vida futura?; (6)Como avaliam a sua qualidade de vida?; (7) Como é que são avaliadosos seus percursos formativos pelos serviços de educação que os apoia -ram e pelos seus familiares?

Para responder às questões anteriores, definiram-se os seguintesobjetivos: (1) Caracterizar os jovens com CEI e PIT que saíram dasescolas a partir de 2012; (2) Compreender a perspetiva dos coordena -dores de Educação Especial sobre o percurso educativo e competên -cias destes jovens; (3) Conhecer a situação em que estes jovens seencontram na vida pós-escolar; (4) Identificar as dificuldades e expec -tativas destes jovens para a sua vida futura; (5) Saber como estesjovens avaliam a sua qualidade de vida; (6) Conhecer a opinião dafamília e/ou instituição sobre o processo formativo e competências dosjovens; (7) Identificar as expectativas que a família e/ou instituiçãotêm para a vida futura dos jovens; (8) Saber como a família e/ouinstituição avaliam a qualidade de vida dos jovens.

Instrumentos, procedimentos e tratamento de dados

Considerou-se essencial recorrer à utilização de diferentes métodosde recolha de dados, entre os quais se destacam, numa primeira fase, apesquisa documental e o inquérito por entrevista.

No que se refere à pesquisa documental, esta envolve a recolha dedados estatísticos disponibilizados pelo Ministério da Educação e umaamostragem de CEI/PIT junto dos agrupamentos de escolas.

Foram elaborados quatro guiões de entrevistas (tipo semi-diretivo)por forma a compreender a perspetiva dos responsáveis do processoeducativo e formativo dos alunos, das famílias e dos próprios jovens.

Os procedimentos desenvolvidos pautaram-se por um comporta -mento rigoroso e eticamente responsável. Neste sentido, todas as auto -rizações necessárias à aplicação dos instrumentos foram solicitadasjunto das instituições e participantes.

O tratamento de dados fez uso de técnicas de natureza qualitativa equantitativa. No caso das entrevistas e dos documentos, utilizou-se a

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análise de conteúdo, procurando-se descrever, categorizar e codificaros conteúdos das mensagens, de forma a produzir um corpus interpre -tativo aprofundado.

Para uma análise quantitativa dos dados, recorreu-se ao programaestatístico SPSS, tendo-se procedido às operações de estatística descri -tiva e inferencial tidas como adequadas tendo em conta as questões eobjetivos do estudo.

Participantes

Pretende-se abranger um conjunto de sujeitos, o mais representativopossível do universo de jovens com CEI/PIT que frequentaram agrupa -mentos de escolas do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral, incluindo-seigualmente na amostra os Coordenadores dos Departamentos deEducação Especial dos respetivos agrupamentos, familiares e coorde -nadores de outras instituições frequentadas pelos jovens.

Até à data foram realizadas 16 entrevistas nas quais se incluem 3coordenadores de Educação Especial de Agrupamentos de Escolas, 6diretores de instituições com CRI (Centro de Recursos para a Inclu -são), CAO (Centro de Atividades Ocupacionais) e Formação Profis -sional e 7 jovens.

Alguns resultados preliminares

Daremos conta apenas de uma pequena parte dos resultados já apura -dos, concentrando-nos particularmente em dados estatísticos a nívelregional e em dados qualitativos resultantes das entrevistas realizadascom o grupo de jovens.

População com CEI/PIT no Baixo Alentejo e Alentejo Litoral

De acordo com os dados obtidos junto da Direção-Geral de Estatís -tica da Educação e Ciência (DGEEC), o número de alunos com CEI ePIT a frequentar o Ensino Secundário nas unidades territoriais do

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Baixo Alentejo e Alentejo Litoral e nos anos letivos de 2014/2015,2015/2016 e 2016/2017, era de, respetivamente, 93, 93 e 99estudantes. Destes 58,2% eram do género masculino com idades entreos 15 e os 21 anos (média=16,95; DP=1,10). À semelhança dos dis -centes masculinos, também os alunos do género feminino apresentamidades compreendidas entre os mesmos valores, mas com uma idademédia ligeiramente superior (média=17,18; DP=1,12).

Ainda com base nos dados da DGEEC, e tendo em atenção o triénioreferido, o número de alunos do 10.º ano tem sofrido algumas oscila -ções atingindo o seu valor máximo (47) em 2016/2017. Já em relaçãoao 11.º ano, verificou-se uma progressiva diminuição neste período,sendo o seu valor mais baixo (23) também em 2016/17. Por último, no12.º ano o número de estudantes com CEI e PIT tem vindo a aumentarsucessivamente, sendo este aumento mais evidente do ano letivo de2014/2015 para 2015/2016, como se pode constatar na tabela seguinte:

Tabela 1

Número de alunos com CEI e PIT, por ano de escolaridade e ano letivoAno letivo

2014/2015 2015/2016 2016/2017 Total

Ano de escolaridade 10.º ano 41 30 47 11811.º ano 43 35 23 10112.º ano 09 28 29 066

Total 93 93 99 285

Fonte: DGEEC

Os mesmos dados, classificam, ainda, cada estudante de acordo comas dificuldades evidenciadas ao nível da Comunicação, Linguagem,Mobilidade, Aprendizagem Geral, Aprendizagem Escolar, TarefasDiárias, Autonomia e Relações Interpessoais. A escala ordinal utili -zada para esta classificação foi a seguinte: 1 – Ausência de dificuldade,2 – Alguma dificuldade, 3 – Muita dificuldade, e, 4 – Dificuldade total.

Considerando, em conjunto, as categorias de avaliação – Muita difi -culdade e Dificuldade total, constatamos que a Aprendizagem Escolar(99,6%), Aprendizagem Geral (95,8%), Linguagem (60,4%) e as Tarefas

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Diárias (51,9%) são as dificuldades, maioritariamente referenciadas,neste triénio.

No mesmo período e nas categorias de Ausência de dificuldade eAlguma dificuldade, temos por ordem decrescente: Mobilidade (89,8%),Autonomia e a Comunicação (81,4%), Relações Interpessoais (73,6%).

Esta classificação parece indicar que a maioria destes alunos, cujopercurso educativo se realizou paralelamente ao currículo comum, revelacompetências para uma vida autónoma e as suas dificuldades situam-sefundamentalmente ao nível da Aprendizagem Geral e Escolar,pressupondo-se que as mesmas serão relativas às aquisições denatureza académica.

Jovens entrevistados

Os sete jovens entrevistados frequentam atualmente um curso deformação profissional em diversas áreas (Reprografia, Hotelaria, Auxi -liar de Comércio) tendo aulas durante um dia, quinzenalmente, e nosrestantes dias realizam um estágio remunerado em diferentes locais,próximo das suas residências e em várias atividades (café, minimer -cado, piscinas municipais, creche, jardim de infância, biblioteca ereprografia escolares).

Têm entre 18 e 20 anos, sendo quatro do género feminino e três dogénero masculino. Todos terminaram o 12º ano com um currículodiferente dos colegas da turma e desenvolvido predominantementefora da sala aula, à exceção de uma ou duas disciplinas em comum.

Nem todos sabem situar com precisão o momento em que começa -ram a ser apoiados pelos serviços de educação especial, mas háreferência ao pré-escolar, 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico. Se amaioria parece não questionar o tipo de apoio e até valoriza o facto de,assim, ter aprendido melhor e ter sido mais fácil, uma das jovens refereque gostaria de não ter perdido tanto o contacto com os colegas daturma e ter integrado os dois sistemas (apoios dentro e fora da sala deforma mais equilibrada) e uma outra jovem, visivelmente revoltadacom a situação, afirmou: “não sei porque é que me meteram nisto. Eupreferia ter chumbado o ano e fazer de novo”, pois considera que o seu

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problema tinha a ver com o número de faltas por ter de acompanhar ospais na venda em feiras e que a mãe autorizou o currículo específicosem saber o que era e quando o quis reverter ter-lhe-á sido dito que issonão era possível.

De um modo geral, reconhecem as dificuldades que tiveram naaprendizagem, em especial, do português, da matemática e noutrasdisciplinas. Todos afirmam ter aprendido a ler e a escrever. Contudo,uma jovem sente que a escola não desenvolveu o seu potencial e diz“a escola podia ter dado mais … porque eu contas com letras, eu pedipara me ensinarem e nunca ensinaram… são coisas que eu gostava deter aprendido e nunca aprendi” ou outro jovem que referiu que o seunível de inglês podia ser melhor “porque só me deram isso nopenúltimo e no último ano”.

No que diz respeito às relações com os colegas, apenas um dosjovens mencionou que não gostou de certas brincadeiras que oscolegas lhe faziam, as quais, não quis exemplificar.

Relativamente à preparação para a vida pós-escolar todos selembram de ter o PIT e de terem realizado estágio em diversoscontextos como os já indicados, e ainda, o museu municipal, a escolae biblioteca do ensino superior e o cabeleireiro. Atualmente, cinco dossete jovens estão a realizar estágio profissional nos locais em quefizeram experiências anteriores no âmbito do PIT e referem que estãosatisfeitos, que realizam bem as tarefas que lhes são atribuídas, quetêm aprendido muitas coisas e que os responsáveis gostam deles, comotestemunha uma jovem ao sublinhar que:“tenho recebido bonselogios”.

Apesar desta perceção positiva sobre o que fazem, três prefeririamestar noutros contextos, como o museu, a trabalhar com crianças ounum cabeleireiro, mas em dois casos não haveria a possibilidade decontinuação e, num dos casos, a jovem considera que os pais nãovalorizam o seu interesse, afirmando: “eu gostava de estar combebés… eu queria, mas eles [os pais] são teimosos”.

Quando inquiridos sobre as suas competências a nível da vidaindependente todos referem que sabem cuidar da sua higiene pessoal ede tarefas caseiras como limpar e arrumar a casa, fazer compras,

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precisando em alguns casos de maior apoio no cozinhar e no gerir doseu dinheiro. Três das jovens revelam no seu discurso serem bastanteautónomas, sendo que uma já é mãe de um menino de cerca de doisanos do qual cuida com o apoio da avó, outra está a ajudar a criar o seusobrinho e uma outra vive sozinha.

No que concerne a atividades de lazer, dois dos jovens praticam umaatividade desportiva (arte marcial japonesa num caso e patinagemartística noutro) num clube da sua área de residência e os restantesdizem cantar, dançar, fazer exercício físico em casa ou dar pequenospasseios, andar de bicicleta perto do seu ambiente familiar, sozinhos oucom amigos. Um dos jovens refere que sai à noite todos os fins desemana com amigos e uma jovem diz que nunca saiu à noite comamigos porque os pais não deixam. Um outro refere que não gosta desítios com muita confusão e como adora história prefere verdocumentários nesta área ou jogar no computador. A jovem mãe diz terperdido as suas amigas a partir do momento em que ficou grávida e umaoutra verbaliza que prefere não ter amigos porque “já tive más pessoasna minha vida… posso falar, mas sou reservada, sou de estar sozinha”.

Todos afirmam que são felizes e que consideram que a sua vida temqualidade. Quando inquiridos sobre os seus sonhos para o futuro, amaioria quer ter a sua vida independente com trabalho, casa, carro efamília.

Considerações finais

O estudo aqui apresentado é ainda um trabalho em progresso, parao qual necessitamos de mobilizar um conjunto mais vasto de dados quenos permitam uma maior compreensão do percurso de jovens a quemo sistema educativo propôs caminhos alternativos aos do currículocomum.

Contudo, esta pequena amostra deixa-nos antever algumas linhas deanálise e reflexão sobre as competências académicas, pessoais esociais desenvolvidas ou não pela escola, família e comunidade.

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“Remar contra a maré” de uma avaliação burocrática

Maria Isabel Lopes da Silva

Resumo: A avaliação formativa é preconizada nos documentos legais para oensino básico, embora se verifique uma tendência para centrar a avaliação emresultados quantificados da aprendizagem. Esta tendência alargou-se à educaçãopré-escolar, tornando-se habitual a construção e adoção de checklists, por faixasetárias, que permitem quantificar percentagens das aprendizagens “adquiridas”e “não adquiridas”. Esta prática, não agradando a muitos educadores, é aceite,por falta de alternativas, como exigência a cumprir. A perspetiva de avaliaçãoformativa adotada pelas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar(OCEPE, 2016) considera-a como intimamente ligada ao planeamento e comosuporte do educador na construção e gestão do currículo. Esta perspetiva, emconsonância com os fundamentos e princípios das OCEPE, remete paraconceções teóricas que encaram a avaliação, como “recolha de informações paratomar decisões sobre a prática”, como uma construção de sentido que envolvetodos os intervenientes (educadores/as, crianças e pais). Este processo, queassenta na recolha e organização de documentação pedagógica, integradiferentes vertentes da avaliação: ao ser orientadora do planeamento da açãoconstitui-se uma avaliação “para” a aprendizagem, sendo a participação dascrianças nesse planeamento e avaliação vistos “como” um meio deaprendizagem, inclui, ainda, uma avaliação “da” aprendizagem, centrada nadescrição dos progressos de cada criança, partilhada com crianças e pais. Semuitos educadores concordam com esta perspetiva, manifestam tambémdificuldades. Na implementação das OCEPE “Para remar contra a maré”considerou-se prioritário promover formação contínua, que apoiasse práticas deplaneamento e avaliação interligadas.

Introdução

As primeiras Orientações Curriculares para a Educação Pré- Escolar(OCEPE), como proposta curricular nacional para a educação pré-escolar foram publicadas em 1997, sendo a sua implementação objetode diferentes avaliações. A última (Abreu Lima et al., 2014) verificaque as OCEPE eram conhecidas e bem aceites pela generalidade doseducadores, que consideravam adequada a sua organização por áreasde conteúdo. Manifestavam, no entanto, algumas dificuldades na suaoperacionalização, tais como, a utilização do texto como apoio à

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planificação, a identificação de aprendizagens a promover e a falta deinstrumentos de avaliação concetualmente consistentes com aproposta.

Estes dados foram tidos em conta na reformulação e revisão dasOCEPE, publicadas em 2016, em que, entre outros aspetos, se procurouclarificar o papel do/a educador/a na gestão do currículo e esclarecer osentido de avaliação formativa, em que avaliação e planeamento estãointerligados.

O processo participativo que acompanhou a elaboração das OCEPEde 2016, a consulta pública que precedeu a sua publicação vieramrevelar melhor as dificuldades da implementação da proposta, decor -rentes de diferenças nas tradições da avaliação na educação pré-escolare na escolaridade obrigatória, acrescidas de uma pressão sobre aeducação pré-escolar para seguir as lógicas de planeamento e avalia -ção das escolas.

Apresenta-se, em primeiro lugar, uma análise destas tradições e asconsequências da pressão das escolas nas práticas dos educadores, parareferir seguidamente, a conceção de planeamento e avaliação propostanas OCEPE, enquadrada por um resumo dos fundamentos e princípiossubjacentes a todo o desenvolvimento curricular, que dá sentido àproposta. Termina-se com algumas iniciativas tomadas no sentido pararemar contra a maré de uma avaliação burocrática imposta pelasescolas.

Tradições da avaliação na educação pré-escolar e escolar

A educação pré-escolar (dos 3 anos à entrada na escolaridadeobrigatória) mas, em geral, toda a educação de infância, desde onascimento, foi muito influenciada pelas teorias da psicologia dodesenvolvimento – a grande finalidade da educação pré-escolar nosprimeiros documentos legais (1979) era definida como “favorecer odesenvolvimento global e harmonioso da criança”. Assim, a práticados educadores tinha como referência as áreas tradicionais dodesenvolvimento (socio-emocional, cognitivo, motor, linguagem) e asnormas estabelecidas para as diferentes idades, inspiradas sobretudo

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em Gesell, mas também, mais tarde, nos estádios de Piaget. Estapreocupação com o desenvolvimento era vista como distinta de umaavaliação das aprendizagens, considerada como própria da escolari -dade obrigatória.

De facto, a avaliação na educação pré-escolar teve tendência aassumir um caráter global, integrado no quotidiano, sendo realizada deforma assistemática e superficial Zabalza (2000) com o argumentoque, passando muitas horas com as crianças, os/as educadores/as têmmuitas oportunidades de as observar e conhecer. O autor contrapõeque, também, os pais conhecem bem os filhos, para defender que estetipo informal de conhecimento não pode fundamentar uma avaliaçãoprofissional representativa e significativa, que integre informação denatureza diferente e proveniente de diversas fontes (ibid.).

Por seu turno, na tradição escolar, a avaliação corresponde a umaverificação das aprendizagens realizadas, tendo como referência asdiretrizes dos programas e centrando-se numa avaliação classificativados resultados dos alunos.

Apesar do enfoque que os documentos legais mais recentes, inde -pendentemente das suas diferenças, dão à dimensão formativa daavaliação (cf. DL nº 139/2012; DL nº 17/2016 e DL 55/2018), aavaliação sumativa continua a ter uma importância preponderante.

Assim, as escolas tendem a assumir a avaliação como uma atividadeburocrática, não integrada no processo de ensino e utilizando comoprincipal instrumento testes de verificação de aprendizagens.

A pressão da avaliação escolar e da burocracia das escolas sobre aeducação pré-escolar

Entre a tradição desenvolvimentista da educação pré-escolar e atradição da avaliação das dos resultados de aprendizagens numaperspetiva classificativa, os/as educadores/as de infância têm dificul -dade em compreender as implicações de uma avaliação formativapreconizada para a escola em geral e acentuada no que diz respeito aosjardins de infância.

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O caráter formativo da avaliação na educação pré-escolar éabordado no Anexo ao D-L nº 241/201, relativo ao Perfil Específico doEducador de Infância. “O educador avalia, numa perspetiva formativa,a sua intervenção, o ambiente e os processos educativos adotados, bemcomo o desenvolvimento e a aprendizagem de cada criança e do grupo[Cap. II, 3, alínea e)]. Esta perspetiva é reforçada numa Circular,publicada pela Direção Geral de Educação (Circular nº 4/DGIDC/ -DSDC/2011 de 11 de abril) que, para dar resposta a dúvidas colocadaspor profissionais e Agrupamentos de Escolas, esclarece que aavaliação é “processo contínuo e interpretativo que procura tornar acriança protagonista da sua aprendizagem […] um processo integradoque implica o desenvolvimento de estratégias de intervençãoadequadas às características de cada criança e do grupo, incide prefe -rencialmente sobre os processos, entendidos numa perspetiva deconstrução progressiva das aprendizagens e de regulação da ação…”

Estas indicações não parecem ter tido uma grande influência nasescolas que continuaram a exercer pressão sobre os/as educadores/asno sentido de seguirem uma lógica de avaliação idêntica à praticada noensino básico. Uma pressão também relacionada com perspetivas deeficácia das escolas e de prestação de contas, centradas na avaliaçãodos resultados obtidos pelos alunos – isto é na avaliação sumativa – ena sua expressão quantitativa, que facilita a comparação entreresultados de uns anos para outros.

Esta pressão de uma avaliação de resultados de aprendizagem nãodecorre apenas de tendências das organizações escolares, a influênciadas classificações para o ingresso no ensino superior, e a sociedadecompetitiva atual, leva também alguns pais, quer nas escolas públicas,quer privadas, a desejar uma avaliação semelhante à das escolas, bemcomo uma antecipação de práticas pedagógicas decalcadas nas do 1ºciclo.

Assim, e numa lógica escolar, os/as educadores são instados aproduzir instrumentos de avaliação diagnóstica, e de avaliação deresultados, construídos pelo departamento ou equipa educativa e quecada educador terá de utilizar com o seu grupo.

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A análise de alguns exemplos destes instrumentos permite verificarque são construídos para cada idade (3, 4, e 5 anos), o que pareceindicar uma convergência entre a perspetiva desenvolvimental daeducação pré-escolar e a progressão por anos na escolaridade, noensino obrigatório.

A avaliação diagnóstica utiliza habitualmente fichas com tarefas queas crianças deverão realizar, em que se pode detetar uma certainfluência de indicadores de readiness, tais como reprodução deformas geométricas, execução de tarefas de direccionalidade etc.

São também construídas fichas de avaliação da aprendizagem, queassumem, no geral, a forma de checklists, com um conjunto dedescritores distribuídos por áreas de conteúdo, em que são assinaladascom cruzes, os adquiridos, em aquisição e não adquiridos e em que écomum a mistura de aprendizagens muito específicas (skills), taiscomo contar até 10, ou dizer o nome completo e outras muitoabrangentes como por exemplo é autónomo. Estas fichas preenchidasno final de cada trimestre são utilizadas para informar os pais, servindotambém o seu preenchimento para, a nível do Agrupamento,quantificar percentagens globais de todos os grupos dos diferentesjardins de infância. A análise destes resultados é, nalguns casos,utilizada, para introduzir medidas corretivas, em geral orientadas nosentido de uma preparação para o 1º ciclo.

Nesta tendência, encontram-se algumas exceções de escolas queadotam propostas de avaliação, organizadas por áreas de conteúdo, quepermitem introduzir avaliações descritivas da aprendizagem de cadacriança.

Se a imposição de fichas pré-estabelecidas não agradava à maioriados/as educadores/as, estes/as tinham dificuldades em apresentaralternativas. Estas dificuldades foram sendo relatadas, durante oprocesso participativo que acompanhou a elaboração das OCEPE de2016, e na consulta pública que precedeu a sua publicação.

Apresenta-se, em seguida, o modo como as OCEPE abordam aavaliação formativa a ser utilizada na educação pré-escolar e que seenquadra nos fundamentos e princípios em que se baseiam odesenvolvimento de todo o currículo.

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Planeamento e avaliação nas OCEPE

Fundamentos e princípios do desenvolvimento do currículo

Os fundamentos das OCEPE, de que decorrem princípios de ação doeducador, correspondem a uma certa imagem de criança e conceção deaprendizagem. Têm como principal fontes de inspiração perspetivassociocognitivistas de aprendizagem e a Convenção Internacional dosDireitos da Criança. Estes fundamentos e princípios, que enquadram edão sentido a toda a proposta curricular e, também, ao modo como éentendido o planeamento e avaliação, podem ser assim resumidos:

– Desenvolvimento e aprendizagem como vertentes indissociáveis da evolução dacriança – que supõe que o desenvolvimento não é um processo “natural” e idên -tico para todas as crianças da mesma idade, porque é influenciado pela aprendi -zagem, isto é pelas experiências e oportunidades de aprendizagem, que, de modoformal ou intencional, lhe são proporcionadas por os diferentes ambientes em queviveu e vive, pelas interações que estabelece com outros (adultos e crianças). Estainterligação entre desenvolvimento e aprendizagem implica que cada criança éúnica e singular, tem interesses pessoais e formas próprias de aprender.

Decorre ainda deste fundamento que, dada a influência dos diferentes meios emque a criança vive no seu desenvolvimento e aprendizagem, importa que asfamílias participem no processo educativo desenvolvido no jardim de infância.

– Reconhecimento da criança como sujeito e agente do processo educativo – queremete para a imagem de uma criança competente, dotada de curiosidade e decapacidade de construir sentidos sobre o mundo que a rodeia, que tem o direito daropinião sobre os assuntos que lhe dizem respeito e dessa opinião ser tida em conta,nomeadamente em participar no processo de desenvolvimento do currículo.

– Exigência de resposta a todas as crianças – porque todas têm direito à educação euma educação que garanta uma maior igualdade de oportunidades. Sabendo-se darelevância da educação pré-escolar em contribuir para uma maior igualdade deoportunidades, apela-se para uma educação inclusiva, que proporciona a todas e acada uma das crianças condições estimulantes para o seu desenvolvimento eaprendizagem, que lhe permitam realizar todo o seu potencial. Esta inclusão supõeainda que a diversidade não seja vista como um obstáculo, mas como umasituação favorável à aprendizagem.

– Construção articulada do saber – que reconhece o brincar como o meio natural deaprendizagem holística da criança e em que há continuidade e não umacontradição entre brincar e as aprendizagens a realizar em diferentes áreas deconteúdo, que serão abordadas de forma articulada e globalizante, não sendovistas como “disciplinas”, mas como instrumentos de cultura, ou diferentesformas de literacia.

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Análise da proposta de planeamento e avaliação das OCEPE

A proposta de avaliação das OCEPE está explicitada num Capítulo doEnquadramento Geral designado “Intencionalidade Educativa, construire gerir o currículo”. Considera-se que a intencionalidade “caracteriza aintervenção profissional do educador”, permitindo-lhe “atribuir sentidoà sua ação, ter um propósito, saber o porquê do que faz e o que pretendealcançar” (Lopes da Silva, Marques, Mata, & Rosa, 2016, p. 13).

Esta intencionalidade implica uma reflexão sobre a prática apoiadaem ciclos de planeamento, ação, avaliação, que permitem a cada edu -cador adaptar o currículo ao contexto social, às características dascrianças e das famílias e à evolução de cada criança e do grupo. Avalia -ção está, assim, integrada no processo de desenvolvimento do currículocomo suporte do planeamento.

Para analisar esta proposta, recorreu-se a algumas categoriashabitualmente utilizadas para situar as diferentes abordagens daavaliação (por exemplo, Nevo, 1983).

Conceções e definições da avaliação

São várias as definições de avaliação indicadas no texto, começandocomo uma mais global “recolha das informações úteis para tomardecisões” e que se inspira em Stufflebeam et al. (1971). Acrescenta-seque se considera a avaliação como “uma forma de conhecimentodirecionada para a ação” sendo que “enquanto processo de conheci -mento, a avaliação tem de utilizar os instrumentos teóricos e metodoló -gicos da investigação, mas ao serviço de uma lógica própria orientadapara a ação” (Sanchez, 1984, p. 26).

Se estes autores não estabelecem uma relação direta entre avaliaçãoe planeamento, esta é referida como uma perspetiva designada como“avaliação à maneira de Vigotsky” (assessment on Vigotsky mode)relacionada com uma pedagogia que pretende trabalhar na Zona deDesenvolvimento Próximo “em que o interesse do educador pelo quea criança sabe ou domina num determinado momento não se esgota emsi próprio, mas consiste em ter pistas para que conceitos, conheci -

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mentos e oportunidades podem ser proporcionados para alargar ascompreensões emergentes” (National Research Council, 2001, p. 245).

Alude-se ainda a um outro sentido referido na literatura sobreavaliação, como correspondendo a uma apreciação ou produção de um“juízo de mérito ou valor”. Chama-se, no entanto, a atenção para queesse juízo de valor, com às vezes acontece em avaliações informais edescritivas, não se centra na pessoa da criança, mas na valorização dasua aprendizagem, das suas formas de aprender e dos seus progressos.Assim, importa que o educador tome consciência do que valoriza nasaprendizagens das crianças para poder explicitar esses valores e as suaopções junto de outros intervenientes. Mas, “[s]abendo que os váriosintervenientes podem ter valores e conceções diferentes, a sua expli -citação pode fundamentar um diálogo construtivo e formativo paratodos” (Lopes da Silva, Marques, Mata, & Rosa, 2016, p. 15). Essaexplicitação e diálogo que remetem para o que é designado nas teoriasda avaliação como “avaliação democrática”, ou “avaliação colabora -tiva”, uma avaliação como construção de sentido pelos diferentesparticipantes, também baseada numa abordagem socioconstutivista.

Intervenientes

Este processo de planeamento e avaliação inclui todos os partici -pantes no processo, especialmente educador/a, crianças, mas tambémprofissionais que intervêm na educação das crianças e, ainda, os pais.Neste processo social de avaliação colaborativa, a participação nãoconsiste apenas em dar informação (fornecer feedback aos alunos oucomunicar aos pais o processo educativo e os seus efeitos), supõe aparticipação desses intervenientes na tomada de decisões.

Finalidades da avaliação

A principal finalidade da avaliação é suportar o desenvolvimento docurrículo e a sua adequação, por isso planeamento e avaliação estãointimamente relacionados.

Nessa interligação, distinguem-se três vertentes:

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– Avaliação para a aprendizagem – designação proposta por Bloom para acentuar aimportância do feedback dado aos alunos e da utilização da avaliação na melhoriadas estratégias de ensino e aprendizagem. Este tipo de avaliação é por vezesidentificado com avaliação formativa, embora haja autores que consideram nãoserem equivalentes (William, 2011). Na perspetiva das OCEPE, essa avaliaçãoformativa permitirá não só a modificação de estratégias, mas influenciará tambémo planeamento de propostas que alarguem a compreensão das crianças, numaperspetiva de desenvolvimento emergente do currículo, em que se articulam osinteresses e iniciativas das crianças e as iniciativas do/a educador/a.

– Avaliação como aprendizagem – a participação das crianças no planeamento eavaliação do contexto (ambiente educativo) e do desenvolvimento do currículoconstituem estratégias de aprendizagem, que promovem nomeadamente aautorregulação da aprendizagem, a metacognição etc. A participação das criançase de outros intervenientes (colegas, pais) é também um meio de formação edesenvolvimento profissional. Por isso se denomina esta avaliação como“formadora” (Leite & Fernandes, 2002), pois se refere “a uma construçãoparticipada de sentido que é, simultaneamente, uma estratégia de formação dascrianças, do/a educador/a e, ainda, de outros intervenientes no processoeducativo” (Lopes da Silva, Marques, Mata, & Rosa, 2016, p. 16).

– Avaliação da aprendizagem – embora o texto das OCEPE afirme que uma “umaavaliação sumativa que quantifica ou estabelece níveis de aprendizagem não seenquadra nesta abordagem de avaliação formativa” (id, p. 18) no sentido decontrariar determinadas práticas existentes, de facto, prevê uma avaliação daaprendizagem, quando reconhece a necessidade de, periodicamente, ser realizadoum balanço do processo e dos efeitos, para poder ser comunicado a outros. Estaavaliação não tem, de facto, caráter sumativo, no seu sentido habitual, porquetambém se destina a ser reinvestida no planeamento da ação, e porque não seráapenas realizada pelo educador, mas envolverá outros participantes,nomeadamente crianças e pais.

Objetos de avaliação

Os objetos de avaliação retomam o que está exposto no DL nº241/2001 atrás referido Assim, a avaliação tem, assim, como objetos:

O ambiente educativo – considerado nas OCEPE como suporte dodesenvolvimento curricular, o que remete para a noção de pedagogiacomo “construto que reflete a focalização conjunta na situação dacriança e nas características do contexto educativo – duas condiçõesessenciais para a avaliação da aprendizagem (National ResearchCouncil, 2001, p. 249).

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– Os processos educativos – o modo como esses processos se desenrolam é tambémessencial, no pressuposto que os resultados não são separáveis dos processos.

– A autoavaliação do educador – o papel do educador no desenvolvimento dosprocessos e nos seus efeitos implica que se interrogue sobre o que faz, como faz,como constrói um ambiente educativo rico e estimulante, que oportunidades deaprendizagem proporciona, em que medida envolve as crianças no seu processoeducativo.

– O desenvolvimento e aprendizagem de cada criança e do grupo – a avaliação dosobjetos anteriores terá como referência os seus efeitos no desenvolvimento eaprendizagem de cada criança e também do grupo, uma vez que os efeitos nogrupo criam um contexto favorável ao desenvolvimento e aprendizagem de cadaum dos seus membros.

Critérios de avaliação do desenvolvimento e aprendizagem

Consistindo toda a avaliação num processo de comparação, consi -dera-se que os critérios de avaliação do desenvolvimento e aprendi -zagem se centram nos progressos de cada criança e do grupo, umaavaliação também designada ipsativa, em que a situação numdeterminado momento é comparada com um momento anterior.

Este critério de avaliação demarca-se de uma avaliação de tiponormativo, que tem como critério normas estabelecidas que, natradição da educação de infância, tem como referência os padrões dodesenvolvimento normal. Diferencia-se, ainda, de uma avaliação crite -rial, em que o aluno é avaliado tendo em conta em que medida foramatingidos os objetivos de aprendizagem previamente estabelecidos.Uma avaliação inspirada nas perspetivas behavioristas, e adotada emgeral nas escolas, embora sem haver, muitas vezes, a preocupação dereformulação de estratégias, para que todos os alunos possam atingiresses objetivos, que preside à abordagem behaviorista.

Metodologia

A metodologia que se coaduna com esta conceção corresponde ao quefoi designado como “avaliação alternativa” ou “avaliação autêntica” –

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que é apresentada no texto, como uma “avaliação contextualizada(baseada em registos de observação e recolha de documentos situadosem contexto) significativa e realizada ao longo do tempo em situaçõesreais” (Lopes da Silva, Marques, Mata, & Rosa, 2016, p. 16). Trata-se deuma metodologia em que a recolha de informação sobre o processo e osseus efeitos se insere no dia-a-dia e em que não há, como é habitual nasescolas, momentos e atividades específicas destinadas à avaliação, sepa -radas do processo de aprendizagem. Esta recolha tem como suporte aorganização, interpretação e reflexão de documentação pedagógica, quevai sendo produzida pelas crianças e o educador.

O texto das OCEPE aborda ainda o desenvolvimento anual do pro -cesso de planeamento e avaliação que começa, de facto, pela avaliação(caracterização ou avaliação diagnóstica) que fundamenta um planea -mento global – projeto curricular de grupo – e que se vai desenvol -vendo a ajustando, ao longo do tempo, através de ciclos sucessivos deplaneamento ação e avaliação.

Para remar contra a maré

Esta proposta de planeamento e avaliação que propõe o desenvolvi -mento flexível e emergente do currículo, gerido pelo educador, com aparticipação das crianças e de outros intervenientes, implica remarcontra a maré, não só das práticas uniformizadoras das escolas, mastambém contra a tradição da educação de infância orientada pelasnormas do desenvolvimento.

Pôr em prática o fundamento que desenvolvimento e aprendizagemsão indissociáveis tem como consequência que a intencionalidade do/aeducador/a não se traduz num planeamento rígido em que todas ascrianças têm de aprender as mesmas coisas ao mesmo tempo, mas simem tomar decisões informadas sobre as oportunidades de aprendi -zagem que permitam que cada criança e o grupo possam progredir.

Para facilitar esse processo exigente de planeamento e avaliação, asOCEPE de 2016 procuraram melhorar a apresentação da organização

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do ambiente educativo e as suas implicações no desenvolvimento eaprendizagem das crianças e, também, estruturar as áreas de conteúdo:Formação Pessoal e Social, Expressão e Comunicação (que inclui osdomínios de Educação Física, Educação Artística, Linguagem Oral eAbordagem da Escrita, Matemática) e Conhecimento do Mundo. Estaestrutura inclui não só uma apresentação que indica o sentido de cadaárea ou domínio e as relações entre eles, mas detalha ainda diferentesvertentes a abordar e as aprendizagens a promover em cada uma delas.Nessas aprendizagens, vistas como como finalidades globais e emconstrução, são apresentados não só exemplos de evidências quepoderão apoiar o educador a observar os progressos das crianças, mastambém exemplos de estratégias que poderá utilizar para as promover,numa ligação entre processos e resultados.

Estas modificações no texto não parecem, no entanto, ser suficientespara que os educadores se apropriem da conceção de planeamento eavaliação central para a implementação das OCEPE. Foram assim pre -vistos outros meios de “remar contra a maré”, tais como oficinas deformação e produção de textos de apoio, que permitam esclarecer eaprofundar as práticas pedagógicas coerentes com esta proposta deplaneamento e avaliação.

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Circular nº 4/DGIDC/DSDC/2011 de 11 de abril

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Escala de Autoeficácia para Psicólogos em Contexto Escolar:Processo de construção

Solange Ester KoehlerLourdes Mata

Resumo: A atuação profissional dos psicólogos a trabalhar em contexto escolaré marcada por desafios diversos como também por inúmeras possibilidades deatuação e do engajamento em múltiplas atividades. As fontes de eficácia são asresponsáveis pela formação das crenças de autoeficácia, e ainda são poucoexploradas no domínio das profissões. Assim, o presente estudo teve porpropósito descrever o processo de construção da Escala de Autoeficácia dePsicólogos em Contexto Escolar (EAPsi), instrumento de uso quantitativo,específico para esses profissionais. Esse estudo tem como referência a TeoriaSocial Cognitiva de Bandura, onde a autoeficácia (AE) é a confiança nacapacidade pessoal para organizar e executar certos cursos de ação de modo aestimar a probabilidade de alcançar um determinado objetivo. O processo deconstrução foi iniciado pela revisão teórica, construção dos itens para apóspassar por análise de especialistas e verificação da estrutura. A escala foiconstruída de raiz com 35 itens distribuídos disformemente em seis dimensões.A amostra, do estudo piloto, foi composta por 25 psicólogos sendo 88% dogênero feminino, 52% trabalham em instituições públicas, sendo que 40%atuam na educação infantil e no ensino fundamental. Observou-se que a escalaapresenta problemas de distribuição das respostas para alguns itens apesar derevelar valor de alfa de .92. Constata-se a necessidade de alargamento daspossibilidades de respostas como também o aprimoramento na semântica dasafirmações dos itens. Conclui-se que a EAPsi demonstrou ser um instrumentopromissor, necessitando ser administrada a uma amostra alargada para confir -mação das dimensões que concetualmente sustentaram a elaboração dos itens.

Palavras-chave: Escala, autoeficácia, Psicólogo em contexto escolar.

Introdução

A atuação do psicólogo, em colaboração com os demais profissionaisda área da educação, está integrada de forma perceptível no sistema esco -lar brasileiro. Pesquisas e relatos demonstram a sua inserção no ensinofundamental, médio, como também na educação superior (Bisinoto,

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Este estudo foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia(UID/CED/04853/2016)

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2011; Feitosa, 2017; Oliveira & Marinho-Araujo, 2009; Tanamachi,Proença, & Rocha, 2000). Essa atuação nas instituições de ensino, inten -sificou-se a partir da década de 30, quando a psicologia se consolidou noBrasil, com a atuação clínica. Esta prática decorria princ palmente nocontexto das dificuldades de aprendizagem e orientação profissional,devendo contribuir de forma significativa para a otimização dos proces -sos de ensino-aprendizagem, para o empenho na promoção da saúdemental, para a melhoria do bem-estar psicológico, assim como para açõesdirecionadas ao desenvolvimento de todos os elementos da comunidadeeducativa.

Revisitando o percurso de inserção do psicólogo em contextosescolares, conclui-se que, no final do século XVIII, esses profissionaiscomeçaram a ocupar um espaço dentro das instituições educacionais,especialmente através do uso de testes psicológicos. A Escala Binet-Simon (Correia & Campos, 2004) foi a primeira escala métrica deinteligência infantil utilizada nesse contexto. Testes dessa naturezaforam usados para comparar as capacidades das pessoas em diferentesdomínios e, consequentemente, serviu para a seleção e classificaçãodos alunos. Esse foco na psicometria foi reforçado a partir do movi -mento de obrigatoriedade do ensino e do processo de inclusão depessoas com necessidades especiais (Fagan, 1992) no sistema escolar.No transcorrer do final dos anos 70, observou-se no Brasil um movi -mento de crítica a esse modelo de profissional como aplicador deinstrumentos de segregação (Patto, 1981, 1987). Diversas pesquisasconstaram que os psicólogos nas escolas compreendiam os sintomas etranstornos dos estudantes com ênfase nas incapacidades individuais,encontrando, especialmente na história de vida, uma forma de sinalizarapenas as dificuldades do aluno, desconsiderando aspectos político-sociais, genéticos e intraescolares, participantes no contexto produçãodas dificuldades (Neves & Almeida, 2003).

Percebendo que esse movimento de seleção e classificação dos alunosnão surtia o efeito desejado, iniciou-se um período de mudan ças.Constatou-se que a prática desses profissionais não deveria estaralicerçada em modelos clínicos ou médicos, mas, sim, na perspectiva deatingir diversos públicos (alunos, professores, comunidade escolar efamílias) em diferentes níveis de intervenção. Somado a isso, construí -

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ram-se estratégias de intervenção psicológicas predominante mentepreventivas, visando à promoção do desenvolvimento integral desujeitos, com ações em grupos e suas relações (Almeida & Peixoto,2011; Barbosa & Marinho-Araujo, 2010; Neves & Almeida, 2003).

Oakland e Jimerson (2007) destacam que a inserção dos psicólogosnas escolas e as suas práticas profissionais foram influenciadas tanto porpolíticas e reformas educativas, por fatores econômicos e culturais, anível nacional e internacional, como também por circunstâncias relacio -nadas à evolução da psicologia em geral. Nessa direção, Oakland, eCunningham (1992) afirmam que a construção (do futuro) da psicologiaescolar partirá da premissa de delimitar a área de atuação e também apartir da elaboração de um retrato claro do estado atual da profissão.

Frente a essa natureza multifacetada do papel do psicólogo escolar, eda necessidade de reunir informações sistematizadas sobre essesprofissionais e o exercício da profissão (Jimerson et al., 2004), surgeminterrogações importantes que podem auxiliar na elaboração de umaimagem clara do estado atual da profissão (Oakland & Cunningham,1992), no que se refere às perceções de autoeficácia desse profissional,levando em conta que ele diariamente enfrenta eventos que afetam a suavida e seu trabalho, devido às múltiplas funções que exerce, considerandoa natureza diversificada do papel do psicólogo escolar (Marinho-Araujo,2005; Marinho-Araujo & Almeida, 2014).

Nesse aspecto, pesquisar a autoeficácia foi o caminho encontradopara auxiliar na definição da atuação profissional. Para tanto, faz-senecessário contextualizar a teoria que referenda esse constructo: TeoriaSocial Cognitiva, para, em seguida, apresentar o conceito do que é aautoeficácia, e de como as crenças de autoeficácia se formam. A opçãoadotada de elaborar uma escala específica para esses profissionais estáassociada às orientações de Bandura (2001), o qual entende que uma dasmaneiras mais adequadas para se mensurar o constructo da autoeficáciaé com a utilização de escalas. Sendo a crença de auto eficácia medida emdiferentes domínios, é necessário atentar para que cada escala sejadirecionada ao domínio particular de interesse, somado às característicasdas tarefas que desenvolve.

A Teoria Social Cognitiva (TSC), postulada por de Albert Bandura,possui ênfase no comportamento humano em que as características

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(humanas) resultam de relações dinâmicas entre o sujeito, o meio ondeestá inserido e o seu comportamento, ou seja, uma concepção de serhumano como um sujeito ativo que não vive passivamente à mercê deforças de seu meio externo. Ele é agente de sua história: ele avalia suasações e atua sobre a realidade (Azzi & Vieira, 2014; Bandura, 1977,1986, 1989; Bandura, Azzi, & Polydoro, 2008).

Quando a pessoa produz uma avaliação da realidade, ela se tornacapaz de construir um conjunto de crenças em torno de sua capacidadede organizar e executar ações que são fonte de motivação (Bandura,1977, 1986, 1997), produzindo certas realizações que lhe tragam moti -vação. Logo, a probabilidade de realizar determinada tarefa, obtersucesso e alcançar os resultados desejados, formam as expectativas daautoeficácia.

Para Bandura (1977) a autoeficácia afeta as escolhas que fazemos,os esforços que desprendemos nas atividades, o grau de persistênciaque mostramos em face das dificuldades e como nos sentimos aorealizá-la. Assim, ela afeta o comportamento de modo indireto einfluencia o modo de pensar das pessoas, os cursos de ações e as metasque pretende seguir. A autoeficácia não é relativa ao número dehabilidade que se tem, mas refere-se ao seu desempenho, a partir dashabilidades que possui, levando em conta todas as variedades.

A ênfase dessa teoria está no interacionismo, que caracteriza a relaçãode causalidade recíproca triádica entre os determinantes ambi entais,pessoais e comportamentais. Logo, a crença de autoefi cácia seráformada a partir das informações recebidas por meio de quatro fontes,conforme Bandura (1997) sendo elas: (1) a experiência pessoal e direta(enactive mastery experience), a qual se baseia em resultados daspróprias experiências que o sujeito vivencia; (2) a experiência vicariante(vicarious experience) que é a capacidade do ser humano em aprendercom as experiências vividas por outras pessoas; (3) a persuasão social(enactive mastery experience), quando o ambiente social promove apercepção de que a pessoa possui as capacidades para resolver diversassituações; e (4) o estado fisiológico (phisiological and affective states)pois, dependendo das circunstâncias, a ansiedade e o estresse, bem comoo acúmulo de atividades, influenciam a percep ção da própria capacidadee da competência frente à resolução de determinada situação. Durante a

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realização de uma atividade, as pes soas podem obter alguma informaçãosobre sua capacidade por meio de avaliação do seu estado emocional.Logo, essas reações, físicas e/ou emocionais atuam como indicativos desucessos ou fracassos na atividade.

Assim, o sucesso em uma tarefa não depende somente do fato doindivíduo possuir as capacidades requeridas, mas dependerá da capaci -dade para exercer controle sobre os acontecimentos necessários paraatingir os objetivos desejados (Pajares & Olaz, 2008). As fontes deeficácia fornecem informações relevantes para a formação dosjulgamentos de autoeficácia, ou seja, é a partir das interpretações queas pessoas realizam das situações vivenciadas que as informações sãolevantadas apoiando os julgamentos de competência e contribuindo ounão para as crenças de autoeficácia.

Outro aspecto relevante apontado por Bandura (2012) é que muitasescalas não conseguem captar as crenças de autoeficácia. A autoeficácianão pode ser considerada como um traço generalizado, mas como umconstructo dinâmico que pode ser aprimorado com aprendizagem e pormeio de experiências. Sabe-se que o conceito de autoeficácia é específico,porém relativo a diversos domínios, sendo que em contexto ocupacionalpossui alguns estudos (Damásio, Freitas, & Koller, 2014; Pedrazza,Trifiletti, Berlanda, & Bernardo, 2013; Rigotti, 2008), mas são desconhe -cidas as pesquisas com psicólogos que trabalham em contexto escolar.

Método

Participantes

Participaram no estudo piloto 25 psicólogos educacionais com idademínima de 26 anos e a máxima de 55 anos (M=36.50, DP=9.46), sendo88% do sexo feminino. Aproximadamente metade dos participantestraba lham em instituições públicas municipais (12%), estaduais (28%) oufederais (12%), enquanto 48% trabalham em instituições particu lares(32%) ou filantrópicas (16%). No que se refere ao nível de esco laridadeonde atua, a maioria trabalha na educação infantil e no ensino funda -mental (40%), 35% trabalham tanto na educação infantil, como no ensinofundamental e médio, e 25% trabalham no ensino médio e superior.

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Instrumento

Utilizando-se do autorrelato, a escala em estudo é um instrumentoque objetiva identificar a auto eficácia dos psicólogos em contextoescolar para organizar e executar ações requeridos para produzir certasrealizações referentes aos aspectos necessários da profissão. O instru -mento foi construído para avaliar as crenças de autoeficácia dos psicó -logos em contexto escolar a partir de uma revisão extensa da literatura(nacional e internacional) focando-se nas ações possíveis que o profis -sional psicólogo desenvolve/já desenvolveu em trabalhos no contextodas escolas. Ações essas de sua competência e por vezes, exclusivadesse profissional como o seguimento de casos individuais, intervençãocomunidade educativa, cooperação com colegas e chefias e a utilizaçãode instrumentos de avaliações com uso de testes psicológicos.

Acrescido da análise dos itens de outras escalas, tanto genéricasquanto específicas de autoeficácia, tais como a Escala de AutoeficáciaGeral Percebida (Sbicigo, Teixeira, Dias, & Dell’aglio, 2012),Occupational Self-EfficacyScale – Short Form (OSS-SF): Adaptationand evidence of constructo validity of the Brazilian version (Damásioet al., 2014), e Developmentand Initial Validation of the Self-EfficacyScale for Social Workers (Pedrazza et al., 2013), foi elaborada umaversão inicial da escala de autoeficácia para psicólogos.

O objetivo ao elaborar essa escala foi criar um instrumento paramensurar a autoeficácia dos psicólogos, focando a capacidade paraexercer as atividades de sua competência no âmbito da educação, ematividades relacionadas ao ensino.

Na versão inicial da escala de autoeficácia para psicólogos emcontexto escolar a mesma apresentava um enunciado onde estava especi -ficado que o profissional iria encontrar descrito condutas individuais quepodiam ser desenvolvidas por um psicólogo em contexto escolar eanalisar como o profissional sentia-se em relação ao possível desenvol -vimento. Essa versão possuía 35 itens em formato Likert de 5 pontos,sendo (1) para total desacordo e (5) para total acordo. Antes, dessaaplicação piloto, foi solicitado que psicólogos (considerados juízes), queatuam em contexto escolar, respondessem ao questionário, mas, acima

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de tudo, que apontassem inconsistências sobre as questões, especial -mente aquelas referentes à clareza e à pertinência dos mesmos, assimcomo a respeito da concordância das questões (redação), com a intençãode aprimorá-las. O conhecimento específico acerca do constructo porparte dos profissionais da área da psicologia, foi fundamental para aconstrução do instrumento e melhoria da investigação.

Ressalta-se, também, que, durante a elaboração dos itens houve adefinição das dimensões do teste em termos constitutivos e operacio -nais, num total de seis dimensões.

Procedimentos

Para a realização desse estudo piloto, os psicólogos foram convidadospara participar da pesquisa por endereço eletrônico utilizada a técnica doRespondent DrivenSampling (RDS), que combina a amostragem embola de neve (snowballsampling) (Goodman, 1961). Também foi recru -tado participantes por meio de redes sociais, como uma forma decompensar a amostragem não-aleatória (Heckathorn, 1997). Faz-senecessário salientar que no Brasil não existe um órgão oficial que sinte -tize dados sobre os profissionais que atuam em contexto escolar. OConselho Federal de Psicologia (CFP) e/ou os Conselhos Estaduais dePsicologia (CRP) possuem os cadastros dos profissionais, porém, nãopor área de atuação. Além disso, normalmente não disponibilizam osendereços eletrônicos dos psicólogos, como também não encaminhamas pesquisas para os profissionais cadastrados.

Convém ressaltar que, ao ser convidado para participar, o psicólogoera informado da natureza da pesquisa, dos objetivos e dos procedi -mentos éticos adotados, como também da confidencialidade, de modoque não precisavam identificar-se.

Resultados

Foi realizada uma análise descritiva de cada um dos itens doinstrumento (Tabela 1). Observamos que apenas 31.43% dos itens

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abrange o intervalo possível da escala (1-5), sendo utilizadas todas asalternativas de resposta. Os itens 16 e 33 são os mais problemáticos,sendo que apenas foram utilizadas as alternativas de resposta 4 e 5,pelo que apresentaram pouca capacidade de discriminação entresujeitos com alta e baixa autoeficácia. Ainda, em 28.57% as alter -nativas de resposta 1 e 2 não foram utilizadas. O valor mínimo obtidopelos participantes na escala total é mais elevado que o valor médio dointervalo de resposta (3), refletindo a distribuição pouco adequada dositens que compõem a escala.

Os valores de assimetria (Sk) assumem para todos os itens, àexceção do 16, um valor negativo, que significa que a média dos itenstende a afastar-se dos valores mínimos da escala, aproximando-seantes do seu extremo máximo (Marôco, 2018). Os valores de curtose(Ku) variaram bastante com poucos itens que apontem para umadistribuição normal das respostas (entre -0.5 e 0.5). A escala totalapresenta valores a assimetria e curtose adequados, mas apenas dentrodos valores superiores da escala (3.06-4.80), o que, possivelmente,indica um efeito de teto (isto é, todos os participantes apresentam osvalores mais elevados da escala, sendo difícil diferenciar participantescom altos níveis de autoeficácia dos participantes com baixos níveis,diminuindo a capacidade do instrumento de medir adequadamente oconstruto (Salkind, 2010).

Obteve-se uma elevada correlação de quase todas as variáveis como total da escala, que resultou num elevado valor de alfa (.92),demonstrando a consistência interna da escala. No entanto, observam-se alguns itens (6, 9, 14, 20, e 30) que apresentam níveis inferiores aosadequados (<.30) de correlação item-total (Souza, Alexandre, &Guirardello, 2017). Estes valores indicam que os itens poderão mediroutro construto que não a autoeficácia e sugerem a reformulaçãodestes itens, mas os níveis adequados de consistência interna indicamque poucas alterações terão necessários na redação dos itens em si.

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Discussão e conclusão

Nesta pesquisa, procurou-se realizar um estudo piloto utilizando ositens da uma possível escala de autoeficácia para psicólogos em contextoescolar, seguindo as orientações de Bandura (2001) identificando oselementos pertinentes e levando em conta que as pesquisas que visem àconstrução de instrumentos são escassas e, nesse sentido, há necessidadede preencher essa lacuna. Para tanto, os itens foram elaborados a partirdas atividades elencadas na literatura nacional e internacional que opsicólogo desenvolve em contexto escolar. Essas ações não se focavamexclusivamente na avaliação dos alunos mas em ações de cunho institu -cional, com propostas de trabalho que enfocam intervenções voltadaspara a comunidade escolar como um todo, atuando no processo ensino-aprendizagem, somado a atuação na mediação de conflitos (Machado &Souza, 2010; Patto, 1984; Tanamachi et al., 2000). Essa diversidade deações levou a elaboração de itens sobre dimensões distintas de inter -venção como o seguimento de casos individuais, intervenção comuni -dade educativa, relacionamento com colegas e chefias, e a utilização deinstrumentos de avaliações com uso de testes psicológicos.

A análise revelou que a escala apresenta bons indícios na temáticada autoeficácia, visto ter apresentado (gerado) um elevado valor dealfa (.92), constatando que os itens semelhantes sejam relacionados.

No que se refere aos aspectos a melhorar, observou-se que a escalaatual apresenta problemas de distribuição de itens, já que é compostapor uma grande quantidade de partes com respostas centradas nosextremos máximos da escala, dificultando a discriminação dos partici -pantes com elevada autoeficácia dos participantes com baixa autoeficá -cia. De acordo com Ribeiro (2010), um bom item deve garantir que osparticipantes utilizem todas as alternativas de resposta que cada itemoferece e que a distribuição de respostas apresente uma distribuiçãonormal (isto é, a maioria das respostas deveriam estar nas alternativasintermédias.

Na continuidade deste trabalho, e tendo em conta os resultadosobtidos será alterada a escala de resposta aos itens para melhorar avalidade dos itens, no que se refere à distribuição das respostas, ou

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seja, a necessidade de expandir as opções de respostas, partindo da

possibilidade de respostas de um (discordo totalmente) a dez

(concordo totalmente), conforme salienta Bandura (2001) e reafirmado

por Polydoro e pesquisadores (Polydoro, Azzi, & Vieira, 2010). Para

além disso existe a necessidade de administrar o instrumento a um

grupo de participantes mais alargado de modo a verificar a estrutura

fatorial da mesma e a sua eventual organização em dimensões distintas

tal como foi considerado na elaboração dos itens considerados nesta

versão. Um instrumento com essas caraterísticas facilitará a elaboração

do perfil profissional do psicólogo em contexto escolar.

A autoeficácia é um constructo psicológico que diz respeito à

confiança na capacidade pessoal para realizar certas ações com

sucesso. Ela deve ser estudada considerando a especificidade de cada

profissão e de cada contexto onde é exercida pois espera-se que as

pessoas possuem confiança para desempenhar bem suas atividades

inerentes à profissão.

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Práticas de literacia familiar – Conceções de papel e perceções de eficácia em famílias de crianças no início de escolaridade:

Estudo longitudinal

Lourdes MataPatrícia Pacheco

Maria José Mackaaij

Resumo: As famílias podem ter um importante papel no processo deaprendizagem da linguagem escrita. Os estudos sobre Literacia Familiar têmmostrado que as práticas de literacia desenvolvidas pelas famílias com ascrianças poderão facilitar o processo de aprendizagem. Para além disso, asperceções de eficácia e de papel dos pais também podem ser determinantes naforma como estes apoiam e envolvem os filhos. Neste sentido acompanhámosdurante dois anos um grupo de 47 crianças (no 1º e 2º ano de escolaridade) esuas famílias com o objetivo de caraterizar as práticas de literacia familiar, asperceções de eficácia e conceções de papel dos pais. Caraterizámos, nascrianças, as emoções e motivação face à leitura. Constatámos que as práticas deliteracia de Ensino, ao longo dos 2 anos, foram sempre mais frequentes que asLúdicas. Por outro lado, verificámos, durante o 1º ano um aumento de práticasde literacia conjuntas, embora no 2º ano se tenha observado um decréscimosignificativo. As conceções de papel dos pais no início do 1º ano apareceramsignificativamente correlacionadas com as práticas de literacia no final do 2ºano, e com as emoções dos filhos face à leitura. Assim, quanto mais os pais noinício da escolaridade dos filhos acreditavam que era seu papel desenvolverempráticas de literacia partilhadas, mais prazer e menos aborrecimento face àleitura relatavam os filhos no final do 2º ano. A autoeficácia dos pais no iníciodo 1º ano também surgiu associada às práticas desenvolvidas no final do 2º ano.Os resultados serão discutidos realçando a importância de se estar atento àscrenças parentais e valorizar as práticas de literacia familiar.

Palavras-chave: Práticas de literacia familiar, Conceções e autoeficácia dospais, Emoções.

Introdução

O meio familiar é um contexto particularmente relevante na promo -ção do desenvolvimento da literacia da criança (DeBaryshe, 2000;

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Este estudo foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia(UID/CED/04853/2016)

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Evans, Fox, Cremaso, & McKinnon, 2004; Norman, 2007; Weigel,Martin, & Bennett, 2006). No entanto, para compreender melhor adiversidade de práticas e oportunidades de contacto com a linguagemescrita existentes nas famílias é importante ter em consideração asconceções dos pais tanto no que se refere à perceção do seu papel//responsabilidade como à sua autoeficácia no apoio à aprendizagemdos filhos (Bingham, 2007; DeBaryshe, 2000; Hoover-Dempsey,Walker, & Sandler, 2005; Lynch, 2006; Pacheco, 2012; Pacheco &Mata, 2011, 2013). Em termos gerais, as crenças são construídas apartir de normas culturais e das vivências individuais de cada famílialigadas às características do meio familiar e aos comportamentos enatureza das interacções entre pais e filhos (Norman, 2007; Weigel etal., 2006). As conceções de papel dos pais por vezes divergembastante, sendo que alguns sentem que a sua ação tem impacto nascompetências de literacia emergente dos filhos, enquanto outros paisnão têm o mesmo tipo de conceção, subvalorizando o seu papel nodesenvolvimento da literacia (Weigel et al., 2006). Por exemplo, mãescom crenças mais convergentes com uma perspetiva funcional e lúdicada literacia, desenvolvem estratégias orientadas para a discussão coma criança durante as situações que vão ocorrendo no seu dia-a-dia, evi -denciam mais o gosto de ler e promovem experiências mais frequentesde leitura. Por outro lado, mães com conceções mais consonantes comuma perspetiva convencional e formal da aprendizagem da leitura eescrita parecem envolver-se menos com os filhos em atividades deliteracia, sendo mais orientadas para práticas específicas ligadas aotreino de competências e ensino (Norman, 2007; Pacheco & Mata,2011; Weigel et al., 2006).

Para além da relevância das conceções de papel, para uma melhorcompreensão das motivações dos pais para o envolvimento no apoioaos filhos, é importante considerar outras variáveis. Entre estasHoover-Dempsey e Sandler (1997) consideram que a perceção deautoeficácia dos pais para apoiar os filhos nas aprendizagens é umavariável relevante para o seu envolvimento. Os pais quando tomam adecisão de se envolverem ou participarem no processo de aprendiza -gem dos filhos, escolhem atividades específicas de acordo com a

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percepção relativamente às suas capacidades. Alguns estudos (e.g.,Hoover-Dempsey & Sandler, 1997; Hoover-Dempsey et al. 2005)referem que os pais, que apresentam um forte sentido de autoeficácia,irão estabelecer metas mais elevadas e sentir-se-ão mais comprome -tidos em alcançá-las, assumindo mais iniciativas e envolvendo-se maisnas atividades dos filhos.

Se estas variáveis mais cognitivas (crenças e perceções dos pais) sãopertinentes para compreender a literacia familiar, os aspectos afectivose motivacionais constituem também uma dimensão importante. Emparticular alguns estudos têm realçado o papel das emoções positivas naaprendizagem (e.g., Fredrickson, 2013; Pekrun, 2014; Pekrun, Frenzel,Goetz, & Perry, 2007). Tem sido referido que as emoções positivas,como o prazer de aprender, pode aumentar o interesse e motivação dosalunos. Além disso, este tipo de emoções ajudam a lembrar memóriaspositivas e avaliar positivamente o valor e a competência para resolvertarefas (Pekrun, 2014; Pekrun et al., 2007). Segundo Pekrun (2014) ospais parecem ter um contributo importante no desenvolvimento dasemoções dos filhos, não só nos anos pré-escolares como nos anosseguintes.

Estas emoções positivas vivenciadas no dia-a-dia podem desem -penhar um papel importante na vida dos sujeitos tal como é explicitadopor Fredrickson (2013). Para esta autora as emoções positivas podeminfluenciar através de dois tipos de processos distintos, mas comple -mentares: alargar e construir (broaden/built). Assim, as emoçõespositivas podem alargar a atenção e a forma como os recursos dosujeito são mobilizados, conduzindo a padrões de pensamento maiscriativos, flexíveis e integradores. Deste modo potenciam a construçãode novos recursos (sociais, intelectuais, psicológicos, físicos) e ummelhor funcionamento (Fredrickson, 2013). Esta teoria permite-nos teruma nova perspetiva tanto sobre o papel adaptativo das emoçõespositivas como sobre o seu efeito duradouro para além do momentoespecífico em que são vivenciadas. Considera-se assim, que asemoções positivas são elementos essenciais para o bom funcionamentoe bem-estar dos sujeitos pois para além de ampliarem o foco daatenção e pensamento, também promovem a construção de novos

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recursos pessoais e o aumento da resiliência, conduzindo a espirais debem-estar (Fredrickson, 2013).

Objetivos

No seguimento do que foi referido, desenvolvemos este estudo comtrês objetivos principais: (1) Caracterizar as práticas de literaciafamiliar e analisar de que modo se alteram com a progressão naescolaridade; (2) Compreender se as conceções dos pais no início do1º ano escolaridade dos filhos estão relacionadas com práticas deliteracia familiar no final do 2º ano; (3) Compreender se as conceçõesdos pais no início da escolaridade dos filhos aparecem associadas comas emoções destes face à leitura no final do 2º ano.

Método

Participantes

Participaram neste estudo 47 crianças a frequentar o 1º ano deescolaridade e respectivos pais. O estudo foi longitudinal e contou comtrês momentos de avaliação. Uma primeira avaliação no início do 1ºano de escolaridade (M1), um segundo momento no final do 1º ano deescolaridade (M2) e um terceiro momento no final do 2º ano deescolaridade (M3). O estatuto sociocultural dos pais era diferenciado.

Instrumentos

Relativamente aos instrumentos para recolha de dados junto dospais, foram utilizados três instrumentos: (1) Questionário de práticasde literacia familiar; (2) Questionário sobre as crenças dos pais sobrea importância do seu papel na aprendizagem da leitura; e (3)Questionários de autoeficácia dos pais na aprendizagem da leitura.Para a recolha de dados junto das crianças utilizámos uma Escala deEmoções.

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Instrumentos dos pais

Para caracterizar as práticas de literacia familiar, tivemos comoreferência o instrumento de Mata e Pacheco (2009) considerandosomente 2 dos 3 tipos de práticas nele contempladas – Atividades deTreino e Ensino e Atividades Lúdicas. Para além disso, foram feitasalgumas adaptações aos itens uma vez que o instrumento inicial eradestinado a famílias de crianças em idade pré-escolar e os participantesdeste estudo frequentavam já a escolaridade obrigatória. A dimensãode Atividades de Treino e Ensino ficou constituída por 11 itens que sereferiam a atividades específicas do ensino da linguagem escrita (e.g.:“Costumam escrever coisas dos trabalhos de casa com o vossofilho(a)?). A dimensão Atividades Lúdicas integrou 12 itens quedescreviam alguns momentos de lazer ou de tempos livres (e.g.,“Costumam ler histórias com ou para o vosso filho(a)?). Os itens destequestionário eram de resposta fechada, onde os pais tinham que seposicionar numa escala de resposta de 5 pontos de acordo com afrequência com que ocorriam as referidas situações (Com muitaFrequência a Nunca), Relativamente às propriedades psicométricasdeste instrumento, verificámos existir uma boa consistência internacom Alfas de Cronbach de .91 para a dimensão de Atividades deTreino e Ensino; e de .86 para a dimensão de Atividades Lúdicas. Foitambém calculada uma medida global (Total) resultante das váriasmedidas parcelares com um Alfa de Cronbach de .95.

De forma a caracterizar as conceções dos pais sobre o seu papel naaprendizagem da leitura, utilizámos o questionário “Crenças dos paissobre a importância do seu papel na aprendizagem da leitura” (Mata &Pacheco, 2009; Pacheco, 2012; Pacheco & Mata, 2011, 2013),contemplando duas dimensões: Papel no Ensino, constituído por 6itens, com um Alfa de Cronbach de .93 (e.g., É importante que os paisajudem os filhos a copiar letras, palavras e frases curtas); Papel naabordagem Funcional e Lúdica com 9 itens com um Alfa de Cronbachde .95 (e.g., É importante que os pais chamem a atenção para ascoisas escritas que existem em casa). Foi também calculada umamedida global considerando os itens das duas dimensões, tendo esta

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medida um valor de Alfa de Cronbach de .95. As respostas foramdadas numa escala tipo Likert de 6 pontos (desde o “DiscordoCompletamente” ao “Concordo Completamente”).

Para compreender as perceções de autoeficácia dos pais foi utlizadoum questionário que ficou composto por 16 itens. A análise factorialdeste instrumento permitiu evidenciar duas dimensões: Autoeficáciapara o Ensino e Histórias, constituída por 10 itens com um Alfa deCronbach de .96 (e.g., Sei como ensinar o meu filho(a) a escreveralgumas palavras e frases; Consigo despertar o interesse do meufilho(a) durante a leitura de histórias) e a dimensão Autoeficácia paraatividades do Dia-a-dia com 6 itens Alfa de Cronbach de .88 (e.g.,Tenho facilidade em integrar o meu filho(a) em atividades de leiturano dia-a-dia). A medida global integrando a totalidade dos itensevidenciou um Alfa de Cronbach de .94. A resposta aos itens era dadapela concordância com as afirmações, numa escala de resposta tipoLikert de 6 pontos (desde o “Discordo Completamente” ao “ConcordoCompletamente”).

Instrumento das crianças

Com o objetivo de compreender e caracterizar as emoções dos filhosface à leitura, utilizámos uma escala que foi adaptada a partir dotrabalho de Pekrun, Lichtenfeld, Killi e Reiss (2007) AchievementEmotions Questionnaire – Elementary School (AEQ-ElementarySchool) relativa às emoções associadas à aprendizagem da matemática(Mata, Mackaaij, & Calado, s.d). Os itens da escala aplicada foramredigidos de modo a contemplarem afirmações relativas à leitura.

Esta escala ficou constituída por 21 itens, divididos em 3 subes -calas: (1) Prazer; (2) Aborrecimento; (3) Ansiedade. Os itens sãoapresentados sob a forma de afirmações e é solicitado à criança queindique como se sente quando está a fazer a atividade descrita naafirmação (e.g., Prazer: Eu gosto de ler; Aborrecimento: Aborrece-meler porque me canso; Ansiedade: Quando leio fico nervoso). Para cadaemoção as respostas são dadas numa escala tipo Likert de 5 pontospictórica, com um conjunto de 5 faces, com expressões onde a emoção

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representada apresenta diferentes intensidades, de modo a que ascrianças indiquem o grau com que sentem a referida emoção. A escalaapresenta duas versões, uma masculina e outra feminina em que difereo género das imagens da escala de resposta. Os itens das trêsdimensões (Prazer/Aborrecimento/Ansiedade) apresentaram valoresde consistência interna de .81, .83 e .80, respectivamente.

Resultados

Práticas de Literacia Familiar

Relativamente ao nosso primeiro objectivo que visava caracterizaras práticas de literacia familiar, verificámos (Figura 1) que os paisdesenvolviam mais práticas de Ensino do que práticas Lúdicas emqualquer um dos momentos de avaliação.

Figura 1. Frequência de práticas de literacia familiar

Analisámos, através do teste t-student para amostras emparelhadas,a comparação entre cada tipo de prática nos vários momentos deavaliação e constatámos serem significativas as diferenças entre aspráticas de ensino e lúdicas nos três momentos [M1 – t(46)=-13.28,p<0.001; M2 – t(46)=-9.958, p<0.001; M3 – t(41)=-8.588, p<0.001].

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Uma vez que houve uma avaliação longitudinal, procurámosanalisar de que modo as práticas em geral (Total), e as específicas(Lúdicas e Ensino) evoluíam ao longo dos dois anos (Figura 2).Podemos constatar que as práticas Lúdicas foram aumentando aolongo dos vários momentos enquanto as de Ensino aumentaram nosdois primeiros momentos, verificando-se um decréscimo no últimomomento, no 2º ano.

Figura 2. Frequência de práticas de literacia familiar nos trêsmomentos de avaliação

De modo a verificar a significância destas alterações usámos o testet-student para amostras emparelhadas verificando-se que o aumentodas práticas Lúdicas foi sempre significativo ao longo dos dois anos(M1-M2 – t(46)=-3.90, p<0.001; M2-M3 – t(41)=-4.192, p<0.001) Noque se refere às práticas de Ensino só o aumento no primeiro ano semostrou significativo (M1-M2 – t(46)=-2.03, p=0.047), não sendoestatisticamente significativo o decréscimo no último ano. Conside -rando os dois tipos de práticas em conjunto (Total) verificámos umaumento durante o 1º ano de escolaridade e um decréscimo no final dosegundo ano (M1-M2 – t(46)=-3.39, p=0.001; M2-M3 – t(41)=-3.09,p=0.004).

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Conceções dos pais e práticas de literacia familiar

Um outro objetivo deste estudo prende-se com a análise da relaçãoentre as conceções dos pais e a frequência e tipo de práticas de literaciadesenvolvidas na família. Focámo-nos na análise de dois tipos deconceções: as de papel e as de autoeficácia. Para responder a este obje -tivo correlacionámos as conceções dos pais no início da escolaridadedos filhos (M1) e as práticas relatadas no final do 2º ano (M3).

Os dados relativos às correlações entre as conceções de papel e aspráticas de literacia estão apresentados na Tabela 1. Pela sua análisepodemos observar que a única associação significativa é a relativa àsconceções de papel funcionais e lúdicas (M1) que aparecem associadassomente com as práticas de literacia lúdicas (M3).

Tabela 1

Correlações entre conceções de papel dos pais na avaliação inicial(M1) e as práticas de literacia no final do segundo ano (M3)

Práticas dos pais (ano 2 – M3)

Crenças – Papel dos pais (ano 1 – inicial, M1) Lúdicas Ensino (Gerais) Total

Ensino rs .215* .074 .164sig .202* .662 .332

Funcional/Lúdico rs .329* .127 .260sig .047* .453 .120

Geral rs .297* .111 .232sig .074* .513 .167

Nota. N=37, **significativo para p<0.01, *significativo para p<0.05.

De acordo com estes resultados, constatamos que os pais que no inícioda escolaridade dos filhos (M1) acreditavam que tinham um papel eresponsabilidade numa abordagem funcional e lúdica da aprendizagemda leitura são os que desenvolvem mais práticas lúdicas com os seusfilhos no final do 2º ano, ou seja quase 2 anos depois (M3).

Uma análise semelhante foi realizada sobre as perceções de autoefi -cácia dos pais. Estas foram caraterizadas em dois tipos (Histórias/Ensinoe Dia-a-dia), para além do uso de uma medida global considerando estesdois aspetos em conjunto. Quando correlacionada a autoeficácia dos pais

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no início da escolaridade dos filhos (M1) com as práticas de literaciafamiliar desenvolvidas no final do 2º ano (M3) encontraram-se algumasassociações significativas (Tabela 2). Tanto a medida de autoeficáciaGeral como a de autoeficácia para desenvol verem práticas de literaciaintegradas no seu quotidiano (Dia-a-dia) aparecem positivamente corre -lacionadas com as práticas Lúdicas desenvolvidas com as crianças nofinal do 2º ano (r=.366, p<0.05 e r=.423, p<0.01).

À semelhança dos resultados sobre a associação entre as conceções depapel e as práticas de literacia familiar, são novamente as práticaslúdicas que se destacam e que apresentam uma associação positiva esignificativa.

Tabela 2

Correlações entre a perceção de autoeficácia no momento inicial (M1)e as práticas de literacia familiar no final do 2º ano (M3)

Práticas dos pais (ano 2 – M3)

Autoeficácia dos pais (ano 1 – inicial M1) Lúdicas Ensino Gerais (Total)

História/Ensino rs .307** -.002- .163sig .064** .993 .336

Dia-a-Dia rs .423** .078 .276sig .009** .646 .098

Geral rs .366** .030 .213sig .026** .860 .205

Nota. N=37, **significativo para p<0.01, *significativo para p<0.05.

Desta forma, as práticas de literacia que implicam uma abordagemlúdica da leitura parecem estar associadas não só à importância que ospais têm sobre o seu papel na aprendizagem da leitura, mas também àperceção de autoeficácia dos pais.

Conceções dos pais e emoções dos filhos face à leitura

O nosso terceiro objetivo visava compreender de que modo asconceções de papel e de autoeficácia dos pais estariam associadas aotipo de emoções que os seus filhos referiam sentir face à leitura.

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Uma caraterização breve sobre as emoções relatadas pelas criançasao longo dos 2 anos está representada no gráfico da Figura 3.

Figura 3. Emoções das crianças face à leitura nos três momentos deavaliação

Como podemos constatar o Prazer pela leitura é a emoção que surgemais referida, enquanto as emoções negativas (Ansiedade e Aborreci -mento) são menos referidas em qualquer um dos momentos do estudo.Contudo, enquanto a Ansiedade se mantém relativamente estável, oAborrecimento em momentos de leitura decresce significativamenteentre o M1 e o M2 [t(46)=2.98 p=0.004], sendo essa diferença aindamais acentuada no M3 [t(46)=4.08 p<0.001].

No que se refere à relação das emoções dos filhos face à leitura e asconceções dos pais, à semelhança dos tratamentos realizados anterior -mente, focámo-nos no estudo das correlações entre as conceções iniciaisdos pais (M1) e as emoções dos filhos no final do 2º ano (M3). NaTabela 3 verificamos que, quando os pais possuem conceções de papelmais centradas numa abordagem lúdica e funcional no M1, os seusfilhos no final do 2º ano referem sentir mais Prazer (r=.402, p=0.005) emenos Aborrecimento com a leitura (r=-.315, p<0.05). Conceções depapel mais focadas no Ensino e treino das competências dos filhos nãose mostraram significativamente associadas às emoções dos filhos.

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Tabela 3

Correlações entre emoções dos filhos no final do segundo ano e opapel dos pais na avaliação inicial

Emoções dos Filhos face à Leitura(ano 2 – M3)

Crenças – Papel dos pais (ano 1 – inicial, M1) Prazer Ansiedade Aborrecimento

Funcional/Lúdico rs -.402** -.163 -.315*sig -.005** -.273 -.031*

Ensino rs -.233** -.039 -.232*sig -.114** -.794 -.117*

Geral rs .347** -.120 -.291*sig -.017** -.424 -.047*

Nota. N=47, **significativo para p<0.01, *significativo para p<0.05.

Globalmente (Papel Geral) podemos verificar que quando, no iníciodo 1º ano de escolaridade, os pais consideram que é seu papelapoiarem os filhos tanto recorrendo a abordagens lúdicas e funcionaiscomo mais estruturadas e direcionadas para o ensino, os seus filhos nofinal do 2º ano têm tendência a vivenciar mais emoções positivas emenos emoções negativas face à leitura.

A análise das correlações entre as crenças de autoeficácia dos paisno início (M1) e as emoções dos filhos no final do 2º ano (M3) só semostraram significativas para a emoção Aborrecimento. Verificámosque os alunos cujos pais logo no início do 1º ano se sentem maisseguros e eficazes para os apoiar em atividades de leitura e escrita emgeral, e em atividades de Ensino e leitura de Histórias, têm tendênciapara se sentirem menos Aborrecidos em atividades de leitura no finaldo 2º ano (AE-Geral r=-.349, p=.037; AE-Histórias/Ensino r=-.427,p=.009).

Discussão

A caraterização de práticas de literacia em famílias com crianças emidade pré-escolar tem sido desenvolvida consistentemente nos últimosanos em Portugal (e.g., Mata, 2002; Pacheco, 2012; Pacheco & Mata,

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2011, 2013). Contudo, ainda pouco trabalho existe nesta área comcrianças no início da escolaridade e muito menos em estudos longitu -dinais. Ao caraterizarmos as práticas de literacia em três momentosdistintos (início e final do 1º ano e final do 2º ano) obtivemos algunsdados relevantes. Por um lado, à semelhança do que já se tinha verifi -cado para as crianças em idade pré-escolar (e.g., Mata & Pacheco,2009; Pacheco & Mata, 2011, 2013), também aqui é referidodesenvolverem-se com mais frequência atividades de ensino e detreino da linguagem escrita, do que atividades lúdicas e de ocupaçãode tempos livres. Isto acontece desde o início da escolaridade emantém-se sempre ao longo dos dois primeiros anos. De qualquerforma, constatámos um aumento das práticas lúdicas ao longo dos doisanos sendo este resultado um pouco surpreendente pois em estudosanteriores tinha-se verificado que as práticas de leituras de históriasdiminuíam com a entrada na escolaridade (e.g., Mata, 1999). Umaexplicação para esta diferença pode estar relacionada com o facto de,em duas das turmas que participaram em determinados momentos terexistido uma parceria com a biblioteca tendo as crianças participadoem atividades mensais de leitura e sendo promovida a requisição delivros, aumentando assim as oportunidades de leitura na escola e nafamília. Outra explicação para o aumento das práticas lúdicas prende-se com o facto de a medida de práticas Lúdicas não se restringir àleitura de histórias, contemplando jogos diversos, legendas de filmes eoutras situações, sendo assim uma medida mais abrangente. Esteresultado pode então ser um bom indicador pois, como Gambrell(2015) refere, hoje em dia não basta ensinar a ler, é também necessárioensinar as crianças a quererem ler e desenvolverem hábitos de leitura.A melhor forma de o fazer é usando ‘tarefas de literacia autênticas’ quepromovam um aumento da motivação. As atividades são autênticasnão só quando são usadas no dia-a-dia, em vez de serem direcionadasessencialmente para o ensino, como também quando proporcionamexperiências significativas e funcionais. As atividades lúdicas e deocupação de tempos livres na família podem assim cumprir estafunção na promoção de hábitos de leitura e no vivenciar emoçõespositivas e desenvolver o gosto e o prazer pela leitura. Contudo, face

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aos dados obtidos parece importante trabalhar no sentido de aumentara frequência com que este tipo de práticas são desenvolvidas emambiente familiar, pois continuam ainda a ser muito mais frequentes astarefas mais escolarizadas, com o objetivo central de ensinar a ler e aescrever e, consequentemente, menos autênticas na perspetiva deGambrell (2015).

Em trabalhos anteriores com crianças em idade pré-escolar, aspráticas mais lúdicas e as integradas nas rotinas do dia-a-dia já tinhamsido valorizadas ao aparecerem associadas aos conhecimentos emer -gentes de literacia das crianças (Mata & Pacheco, 2009). Eram ascrianças das famílias onde se desenvolviam mais este tipo de práticasque tinham um conhecimento mais aprofundado sobre a funciona -lidade da linguagem escrita e conceptualizações mais avançadasdenotando um maior conhecimento sobre as convenções subjacentes àescrita e à leitura (Mata & Pacheco, 2009). Há assim que promover ouso da leitura e da escrita funcional, contextualizada e lúdica pelascrianças, tanto na escola como na família, pois este tipo de tarefascumpre uma função muito específica não só na aprendizagem como naligação e envolvimento das crianças com a leitura.

Sabendo que a iniciativa dos pais para se envolverem no apoio àeducação dos filhos depende muito das suas conceções tando sobre oseu papel como sobre a sua autoeficácia (Hoover-Dempsey et al., 2005)também procurámos analisar este aspeto no âmbito das atividades deliteracia. Os resultados que obtivemos mostraram que tanto as crençasde papel como as de autoeficácia apareceram associadas às práticasdesenvolvidas, sendo esta associação significativa somente para aspráticas de literacia Lúdicas. Coerentemente, os pais que acreditavamser seu papel apoiar os filhos em atividades mais funcionais e lúdicasmais frequentemente as desenvolviam. Quanto mais confiantes estavamos pais nas suas competências para envolver os filhos, maisfrequentemente eram identificadas práticas de literacia Lúdicas. Tendoem conta que estas práticas são mais contextualizadas e associadas amomentos de utilização da linguagem escrita com uma funçãoespecífica, para além de serem agradáveis, parece-nos impor tante queintencionalmente se reforce este papel dos pais para promo verem

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abordagens à leitura e à escrita mais integradas nas suas rotinas, comum cariz funcional e também mais lúdicas e de ocupação de tempos delazer. Deste modo não se transpõem linearmente para contexto familiaras práticas mais escolarizadas, mas os pais desempenham um papelcentral no apoio à aprendizagem da linguagem escrita com atividadesque fazem sentido nas suas realidades e vivências.

As crenças dos pais sobre o seu papel para uma abordagem maislúdica e funcional também se mostraram diferenciadoras nas emoçõesque os seus filhos sentiam face à leitura, relatando estes mais Prazer esentirem-se menos Aborrecidos, quando os pais consideravam que eraseu papel promover esse tipo de abordagem mais holística e integradanas suas vivências. O Prazer, enquanto emoção positiva pode desem -penhar um papel importante na aprendizagem pois pode aumentar ointeresse e motivação dos alunos, e associa-se ao valor e à competênciapara resolver tarefas (Pekrun, 2014; Pekrun et al., 2007). Além disso,tal com Frederickson (2013) refere, uma emoção positiva permite nãosó facilitar a mobilização de recursos cognitivos e como utilizá-los deforma mais aprofundada, conduzindo ao desenvolvimento de novascompetências e recursos. As perceções de autoeficácia dos pais (Gerale para o Ensino/Histórias) surgiram relacionadas inversamente com osníveis de Aborrecimento sentido face à leitura, o que também é umresultado importante, já que a diminuição de emoções negativasassociadas à leitura, pode ser um elemento facilitador para se criaremhábitos de leitura.

Globalmente, estes resultados evidenciam a importância das crençasdos pais não só para o tipo e frequência das práticas de literacia quedesenvolvem, como para a sua relação com as emoções que as criançasexperienciam face à leitura. Há assim que estar atento e, intencional -mente, valorizar a participação dos pais, respeitando os seus contextosfamiliares e fazendo-os sentir-se competentes. A aprendizagem daleitura e escrita não deve ser encarada como uma competência exclu -siva da escola, mas um trabalho desenvolvido em parceria com asfamílias. Esta parceria será mais eficaz se houver respeito pelo papel eespecificidades de cada um dos parceiros, conduzindo a um trabalhoque permita a convergência e sintonia entre práticas familiares e

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práticas dos professores. Para isso, parece-nos pertinente que osprofessores: (1) conheçam as conceções e práticas dos pais sobre leiturae escrita; (2) utilizem estratégias e atividades que ajudem a sensibilizaros pais para a importância das práticas lúdicas e quotidianas nodesenvolvimento da vertente funcional e lúdica da leitura e escrita; (3)integrem, de forma holística, a dimensão lúdica aos aspetos mais formaise convencionais do processo e aprendizagem da leitura e escrita. Destemodo será possível através de uma conjugação de competências eabordagens, trabalhar desde cedo para a formação de leitores envolvidosque, segundo Guthrie e Wigfield (2000), são intrinsecamente motivados,leem por variadas razões, são estratégicos nos seus comportamentos deleitor, e são socialmente interativos sobre as suas leituras.

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Uma proposta didático-pedagógica para a aprendizagem de física no ensino médio

Matheus Fernandes MourãoGilvandenys Leite Sales

Resumo: Para o processo de ensino e de aprendizagem há uma contínua buscapor metodologias que visem motivar e despertar o interesse dos alunos em suaaprendizagem. O presente trabalho propõe o uso do ensino investigativo, ummétodo que visa estimular os alunos a pensar, questionar e discutir assuntos emsala de aula, através de situações-problema. O objetivo deste trabalho é avaliarcomo o ensino investigativo pode ser uma ferramenta eficaz no processo deensino e de aprendizagem. Para isso, foi elaborada uma unidade didática sobreTermodinâmica com uma abordagem investigativa, a fim de se identificar asvantagens do uso desta metodologia. Também foi aplicado um questionário aosalunos para avaliar a proposta metodológica. A aula e a seguir um questionárioforam aplicados em uma turma de Ensino Médio localizada em uma escola nomunicípio de Fortaleza. Foi possível observar a participação ativa dos alunos naaula e a motivação dos mesmos durante a experimentação com a Lâmpada deLava. A metodologia do ensino investigativo permite concluir que a motivaçãoe o interesse do aluno podem se fazer presentes no momento de sua aplicação e,assim, pode-se inferir que um ensino eficaz de Física pode ser feito por meiodessa metodologia.

Palavras-chave: Ensino por investigação, Ensino de Física, Termodinâmica.

Introdução

É comum encontrar cenários de práticas de ensino com aulasconteudistas e meramente expositivas, onde o aluno é tido como umsujeito. Isso não significa dizer que essa abordagem deva ser abolida,porém, a mesma pode ser melhorada com a agregação de outras meto -dologias mais dinâmicas, como os chamados métodos ativos.

No Brasil, desde a década de 90, com a promulgação da Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a edição dos Parâme -tros Curriculares Nacionais (PCN), iniciaram-se importantes reformaseducacionais e de elaboração de orientações curriculares.

Na tentativa de se acessar níveis de construções conceituais cadavez mais complexos e amplos, foram propostos pelos PCN o uso de

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situações-problema e informações capazes de diversificar as estraté -gias cognitivas, levando os alunos a uma apropriação do conhecimentoa partir da aplicação (Brasil, 2000).

Inúmeros são os relatos de professores de Física sobre o nível dedesmotivação dos alunos em suas aulas (Torre, 2006), algo pode serfeito para fazer com que os alunos recuperem ou mantenham o inte -resse em aprender e, o professor, nesse aspecto, deve proporcionar umambiente motivacional.

Um dos fatores determinantes para a aprendizagem é a motivação,que se trata de um fenômeno de caráter endógeno, tal motivação podeser alcançada proporcionando situações-problema que gerem interesseno aluno, pois, ele para aprender deve ter qualquer motivo (Sales,2005). Buscar a motivação dos estudantes é algo complexo, processuale contextual; não é simplesmente inovar algumas aulas e achar que seresolve o problema (Brito, 2016).

Wilsek e Tosin (2010) afirmam que ensinar Ciências pela metodo -logia da investigação científica significa inovar e mudar o foco, fazendocom que a aula deixe de ser uma mera transmissão de conteúdo e foquea aprendizagem no aluno e em situações-problema.

No ensino por investigação não há uma única resposta correta, mastentativas de construção coletiva do conhecimento, guiadas peloprofessor. Em uma aula investigativa, são os alunos que conduzirão oandamento das atividades possibilitando o desenvolvimento de suasatividades (Gibin e Filho, 2016).

Cleophas (2016) defende que o professor através de um estímulo,suficientemente capaz de despertar a curiosidade do aluno, ajude-o asuperar uma espécie de “desafio interno”, onde o aluno busqueencontrar respostas, de modo, a superar os desafios impostos.

Mais do que saber a matéria que está ensinando o professor que sepropuser a fazer de sua atividade didática uma atividade investigativadeve tornar-se um professor questionador, que argumente, saiba condu -zir, perguntar, estimular e propor desafios (Azevedo, 2012).

Existem vários tipos de atividades investigativas, uma delas é aDemonstração investigativa, abordagem escolhida para o presentetrabalho.

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No ensino de Física, torna-se de fundamental importância apresentaraos alunos problemas para serem resolvidos, pois a própria Física foié assim construída. Estudos na área de ensino mostram que os estu -dantes conseguem desenvolver melhor seus conhecimentos na área deciências quando participam de investigações que se aproximam maisda maneira como os cientistas trabalham (Carvalho, 2012; Hodson,1992).

A proposta deste trabalho é investigar o papel da prática investiga -tiva no processo de ensino-aprendizagem do conteúdo de termodinâ -mica, com auxílio da reprodução de um experimento simples, dematerial de baixo custo, facilmente adaptável a uma sala de aula, paratanto, esse trabalho encontra-se nas seguintes seções:

Na segunda secção, trata-se do suporte teórico, apresentam-se asconcepções da abordagem do ensino por investigação e os referenciaisteóricos que o consubstancia e trata de quais os objetivos pedagógicosdesta abordagem. Na terceira secção, mostrma-se os procedimentosmetodológicos para a composição deste trabalho e sua caracterização.Na quarta secção tem-se os resultados obtidos e as discussões. Por fim,apresentam-se as considerações finais sobre a pesquisa realizada.

Conceitos sobre ensino investigativo

O ensino por investigação surge como uma estratégia didática, queproporciona atividades centradas no aluno, desenvolvendo, assim, suaautonomia e possibilitando a capacidade de tomar decisões e resolverproblemas (Sás et al., 2008). Clement et al. (2015, p. 117) aponta que“o ensino por investigação prevê, dentre outros aspectos, umaparticipação ativa do estudante no processo de ensino e aprendizagem,o que lhes atribui maior controle sobre a sua própria aprendizagem”.

Nesse sentido, no ensino por investigação é necessário a proposiçãode um problema que desperte o interesse dos alunos e, ao mesmotempo, seja adequado para tratar os conteúdos que se quer ensinar. Oprincipal objetivo desta estratégia didática é “levar os alunos a pensar,

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a debater, a justificar suas ideias e aplicar seus conhecimentos emsituações novas, usando os conceitos teóricos e matemáticos”(Azevedo, 2012, p. 20).

De acordo com Borges (2002, p.303), “qualquer ação pedagógica sótem valor se tiver origem no aprendiz e se este tiver pleno controle dasações”. Por isso, os processos educacionais devem considerar as con -cepções dos alunos como ponto central no processo de aprendizagem.

Nesse sentido é importante ressaltar que as concepções dos alunosque surgirão durante esse processo discursivo não devem ser tratadascomo totalmente erradas, caso pareçam incoerentes do ponto de vistacientífico, pois “a noção de erro pode representar a parte “visível” deum processo contínuo de acomodações e reconstruções de conheci -mentos mal adaptados ou mal compreendidos” (Alves e Cavalcante,2017, p. 270).

O erro deve ser entendido como um processo construtivo do ensinoe aprendizagem. Torre (2006) trata o erro como uma alavanca para aaprendizagem na medida em que este supera ou transpõe obstáculo dasdificuldades à aprendizagem. Nesse sentido, Bachelard (2004, p. 251)considera que “o erro é uma etapa da dialética que precisa ser trans -posta; ele [o erro] suscita uma investigação mais precisa, é o elementomotor do conhecimento”.

Oliveira (2010) explica que as atividades envolvidas no ensino deinvestigação permitem que a aula vá sendo construída conforme odesenvolvimento dos estudantes. Assim, essas atividades não neces -sitam a utilização de roteiros que restrinjam a intervenção ou modifica -ção por parte dos alunos. O autor ainda destaca que por ter um carátermais aberto, as etapas dessas aulas podem ser estabelecidas ao longodas discussões e verificadas a cada nova descoberta ou reavaliação derespostas.

Para Munford e Lima (2007, p. 76) o ensino por investigação“representaria um modo de trazer para a escola aspectos inerentes àprática dos cientistas”. Segundo eles, o ensino por investigação sugerealternativas às aulas de ciências, diferentes daquela em que o professorexpõe explicações no quadro e o estudante só ouve, participandopouco em termos de ação em sala.

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O ensino por investigação tem ganhado notoriedade devido aocrescente número de publicações e investigadores que o defendem e odiscutem, em que se partindo de um problema, almeja promover oraciocínio e o desenvolvimento de habilidades cognitivas dos alunos(Borges, 2002; Clement et al., 2015; Carvalho, 2006; Jiménez-Aleixandre & Fernández-López, 2010; Tropia, 2009).

Existem maneiras distintas de se abordar o ensino por investigação.A forma de se trabalhar irá depender de qual atividade investigativa oprofessor escolherá, algumas delas serão detalhadas a seguir.

Tipos de atividades investigativas

Carvalho (2014) destaca, que para uma atividade ser chamada deinvestigativa ela precisa estar acompanhada de situações problema -tizadoras, questionadoras e de diálogo, envolvendo a resolução deproblemas e levando à introdução de conceitos. Ele propõe quatropossibilidades de se trabalhar com abordagem investigativa: Demons -trações Investigativas, Laboratório Aberto, Questões Abertas eProblemas Abertos.

Demonstrações Investigativas

Chama-se de demonstrações investigativas as atividades que partemda apresentação de um fenômeno ou problema a ser estudado e levamà investigação a respeito desse fenômeno (Azevedo, 2012).

Segundo Carvalho (2014), geralmente, as demonstrações de experi -mentos em ciências são feitas com objetivo de ilustrar uma teoria, sejaela já estudada ou em estudo.

As demonstrações feitas em sala de aula partem sempre de umproblema que é proposto à classe pelo professor, que por meio dequestões feitas aos alunos procura detectar que tipo de pensamento(intuitivo ou de senso comum) eles possuem sobre o assunto.

Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E, digam o que disserem,na vida científica os problemas não se formulam de modo espontâneo. É justamente

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esse sentido do problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para oespírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não hápergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada égratuito. Tudo é construído (Bachelard, 1995, p. 18).

Nesse contexto, o professor tem o papel de construir com os alunosa passagem do saber cotidiano para o saber científico, por meio dainvestigação e do próprio questionamento acerca do fenômeno.

Como contribuições da demonstração investigativa no ensino deFísica, Azevedo (2012, p. 27) cita: “valorização da interação do alunocom o objeto de estudo; possibilidade da criação de conflitos cogniti -vos em sala de aula; percepção de concepções espontâneas por meio daparticipação do aluno nas diversas etapas da resolução de problemas;e valorização da aprendizagem de atitudes e não apenas de conteúdos”.

Resumidamente, tem-se que a demonstração investigativa inicial -mente se apresenta como um problema aos estudantes, em seguida osestudantes realizam reflexões, elaborando hipóteses para explicá-lo. Porfim, o professor realiza a sistematização dos conhecimentos envolvidose aborda todos os conceitos necessários para a resolução do problema.

Laboratório Aberto

Nesse tipo de abordagem se propõe uma investigação experimentalpor meio da qual se pretende que os alunos, em grupo, resolvam umproblema, de modo que a solução de uma questão será respondida pormeio de uma experiência (Azevedo, 2012; Carvalho, 2014).

De acordo com Azevedo (2012, pp. 28-29), essa busca de soluçãopode ser dividida em seis momentos: proposta do problema (formulaçãode uma pergunta não muito específica, capaz de estimular a curiosidadecientífica dos alunos e gerar uma ampla discussão); levantamento dehipóteses (por parte dos alunos e sob a orientação do professor); elabo -ração do plano de trabalho (decisão sobre a maneira de como a experi -ência será realizada); montagem do arranjo experimental e coleta dedados (parte prática onde os alunos manipulam o material e iniciam acoleta de dados); análise dos dados (construção de gráficos e teste das

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hipóteses); e conclusão (formulação de uma resposta ao problema inicialdiscutindo a validade das hipóteses iniciais).

Questões Abertas

Essa abordagem trata-se de propor aos alunos fatos relacionados aoseu dia a dia e tais problemas devem estar ligados a um conceito jádiscutido e construído em aulas anteriores. Carvalho (2014) afirma quenessas questões o professor deve buscar apresentar situações quepermitam a participação do aluno e eles possam desenvolver não sósua capacidade de reflexão, organização do pensamento, mas tambémo uso da linguagem científica de forma adequada.

Carvalho (2014, pp. 90-91) propõe três formas de se trabalhar asquestões abertas: “Em grupo grande, em dupla ou em grupos pequenosde três ou quatro alunos, em provas e avaliações”. Em qualquer umdesses modos, é necessário que os alunos façam anotações, por escrito,das respostas. O professor deve promover uma discussão a partir dasrespostas dos estudantes e mostrar qual se aproximou mais da respostacorreta no ponto de vista científico.

Problemas Abertos

Nos problemas abertos, não se tem a obtenção da resolução deforma imediata ou automática. Serão apresentados aos alunossituações gerais e amplas que devem ser solucionadas a partir de umprocesso de reflexão e de tomada de decisões. De maneira distinta àsquestões abertas, o problema aberto deve levar à matematização dosresultados.

De acordo com Carvalho (2014), a situação-problema deve ser inte -ressante para o aluno, e de preferência, envolver seu mundo vivencial.Essa abordagem investigativa desenvolve a criatividade dos alunos efaz com que eles criem uma ordem de pensamento, pois, eles vãoelaborar hipóteses e estabelecer situações de contorno ou limites parauma situação real. De maneira similar às questões abertas, é muitoimportante que os alunos façam um registro escrito de todo o processo.

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Em resumo, nesta seção apresentaram-se as abordagens para o ensinoinvestigativo (Carvalho, 2014) (Figura 1).

Figura 1. Abordagens investigativas segundo Carvalho (2014)

O capítulo a seguir discorre sobre os procedimentos metodológicosusados nesta pesquisa, a fim de confirmar a eficiência do uso deatividades investigativas no ensino de Física.

Metodologia de elaboração de uma unidade didática para umaaula de convecção

A pesquisa foi realizada na Escola de Ensino Fundamental e MédioSão Francisco de Assis, localizada na cidade de Fortaleza, em umaturma do Ensino Médio, mais especificamente, em uma turma do 3ºAno com 25 (vinte e cinco) alunos e faixa etária de 17 anos.

Planejou-se uma unidade didática, composta por uma aula de 50minutos, onde os estudantes tiveram que identificar, na execução deum experimento de baixo custo, a presença de correntes de convecçãogeradas por uma fonte de calor em fluidos de diferentes densidades. Demodo a ser uma Demonstração Investigativa, a aula foi estruturada

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com dois objetivos: (i) compreender como o calor se propaga nosmeios materiais, principalmente nos fluídos; (ii) analisar e identificara propagação do calor por convecção térmica.

A lâmpada de lava

Em linhas gerais, a aula consistiu da apresentação do experimento ea experimentação, e uma pergunta desafiadora à qual os alunos,divididos em grupos, deveriam apresentar suas respostas, baseadas emhipóteses levantadas pelos alunos roteiro de preparação do aparatoexperimental denominado, a Lâmpada de Lava (Figura 2).

Figura 2. Lâmpada de lava em funcionamento

No funcionamento da lâmpada de lava, tem-se a observação dofenômeno da convecção térmica, que se dá, pela utilização de líquidosimiscíveis, ou seja, que não se misturam. Para que o experimento possamostrar o fenômeno, é necessário que se tenham duas substâncias dedensidades parecidas. Para este aparato experimental, utiliza-se daágua, óleo e álcool. Ao misturar a água com o álcool, obtêm-se umadensidade parcialmente maior que a do a densidade do óleo.

A partir disso, observa-se a formação de uma mistura de duas fases.Como a mistura água e álcool é mais densa, esta, concentrou-se naregião de baixo do recipiente e o óleo por ser menos denso concentrou-se acima. Para que houvesse a alteração de densidade das substâncias,

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utilizou-se de uma lâmpada incandescente, para gerar calor e, assim,ocorrer a formação de correntes de convecção da região inferior dorecipiente para a região de cima, causando uma diminuição dadensidade da mistura (água e álcool) que foi aquecida, fazendo comque esta suba, e ao entrar em contato com a parte de cima dorecipiente, irá resfriar-se e voltará para a região posterior do recipiente.

Intervenção pedagógica

A turma foi dividida em quatro grupos, aos quais, foi solicitado quecada grupo escolhesse apenas um membro para o registro das discus -sões, o relator. Estas discussões deveriam ser feitas entre os membrosdo grupo e que o relator deveria, ao final, vir à frente da turma paraexpor as ideias e conclusões de sua equipe.

Orientou-se aos alunos e aos relatores, para que se esforçassem afazer o registro detalhado de seus debates. Foi comunicado a todos osalunos que eles teriam 10 minutos para a formulação de suas hipótesese que, posteriormente, o relator escolhido iria apresentar a opinião deseu grupo. A seguir, explicou-se em linhas gerais os materiais do qualo aparato experimental era composto e, em seguida, foi proposto oseguinte problema: “O que vai acontecer com a parte brilhante?”

Após essa etapa inicial de repasse de instruções, os alunos sereuniram para o debate em equipe e seguiu-se, posteriormente para aapresentação dos grupos. Depois disso, iniciou-se a demonstração doexperimento, que durou cerca de 5 minutos. Ao fim da demonstração,houve uma interação com os alunos para saber quais eram suasconcepções após a realização do experimento e, assim, realizar umasistematização dos conhecimentos com exemplos do seu mundovivencial sobre o assunto que foi tratado na demonstraçãoexperimental.

Coleta de dados

Após a explanação formal sobre o fenômeno demonstrado por meiodo aparato pelo professor, foi aplicado um questionário estruturado

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com perguntas objetivas aos alunos com o objetivo de avaliar aproposta metodológica.

Notadamente, buscou-se no questionário avaliar se os objetivosdeste trabalho teriam sido atingidos. Neste sentido, as perguntasdeveriam abordar aspectos sobre o processo investigativo, tais como odesenvolvimento de atitudes de investigar, analisar, refletir, construirconhecimento, discutir, explicar, relatar e aplicar o conhecimento.Além da aplicação do questionário, anotações foram feitas peloprofessor quanto ao comportamento dos alunos e dos grupos durante aatividade.

Outra informação importante para avaliar o desempenho da aulaproveio das anotações redigidas pelos relatores dos grupos formadospelos estudantes. No capítulo que segue apresentam-se as conclusõesobtidas pelos grupos de alunos e a análise quantitativa das respostas aoquestionário.

Resultados e discussões

Nesta secção relata-se os resultados pedagógicos da atividadeaplicada, obtidos através da observação do professor em sala de aula eda análise quantitativa das respostas do questionário aplicado aosalunos ao término da aula.

Os quatro grupos formados desenvolveram diferentes hipóteses parao problema proposto, qual seja: “O que vai acontecer com a partebrilhante?”. As seguintes conclusões, foram relatadas (Tabela 1).

A Equipe 1 destacou que apenas o álcool iria subir, mas não soubeexplicar o porquê disto acontecer. A Equipe 2 chamou a atenção de queo fenômeno que iria ocorrer seria apenas ótico, afirmando que haveriauma reflexão da luz na parte brilhante do recipiente e nada iriaacontecer com o mesmo além disto. As Equipes 3 e 4 identificaramcoisas em comum. Com efeito, estes destacaram que água, óleo eálcool eram substâncias heterogêneas, e que isso iria influenciar naocorrência ou não de algum fenômeno.

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Tabela 1

Percepções dos alunos na demonstração do experimentoEquipe Conclusão

Equipe 1 A lâmpada vai aquecer e o álcool vai subirEquipe 2 Ao ligar a lâmpada o reflexo da luz, ao chocasse com a cor verde, reflete

e não sobe. O óleo se concentra embaixo do recipiente e se encontrarápor camadas embaixo. O álcool irá se misturar com o corante. Emseguida o óleo e a água irão causar o reflexo de uma substânciaheterogênea, pois se consegue ver as fases

Equipe 3 O óleo não se mistura com a água. A lâmpada é incandescente. Quandoacende a lâmpada, ela esquenta, e com a ajuda do álcool esquenta maisrápido

Equipe 4 Ao ligar na tomada a lâmpada vai acender, mas com determinado tempoo corante vai se espalhar por todo o recipiente. Com o calor geradopela lâmpada, as três coisas: água, óleo e álcool vão se separar

Análise do questionário

De acordo com o levantamento das respostas dos alunos às questões1 e 2 do questionário, o incentivo à reflexão dos alunos conduzido pelométodo foi alcançado. De fato, dos 25 alunos, 24 destes responderamter se sentido desafiado ao fazer as previsões e todos eles admitiram tertido curiosidade em descobrir a resposta (Figura 3).

Figura 3. Referente ao processo investigativo e hipóteses levantadas

Todos os grupos participaram ativamente das discussões, mas foi pos -sível notar a apreensão dos demais quanto a estarem errados, causando

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questionamentos sobre suas próprias hipóteses. Assim, durante aexposição das ideias, 14 alunos admitiram ter medo de estarem errados(Figura 4).

Figura 4. Referente ao medo de errar frente ao grupo

Durante o ato investigativo 100% dos alunos acreditaram ter obtidoalgum conhecimento e ter chegado a alguma conclusão, além disso,apenas 1 aluno não se sentiu motivado a querer discutir e debater ideiascom seus colegas (Figura 5).

Figura 5. Referente à metodologia de Demonstração Investigativa

Conclusão

O objetivo principal da metodologia deste trabalho foi transformaro aluno em sujeito ativo do seu processo de aprendizagem, ou seja,

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sendo capaz de construir seu próprio conhecimento pautado pela buscade descobertas autênticas.

Constatou-se que a realização de Demonstrações Investigativaspode colaborar para um ensino de Físicamais eficaz. Foi possívelobservar isso ao analisar o desempenho dos alunos, quando eles sesentiram motivados ao tentarem arriscar respostas ao problemaproposto e em seguida comprová-los.

Os dados do trabalho apresentaram os ganhos da metodologia deinvestigação na aprendizagem dos alunos, no entanto, deve-sereconhecer que propor novas metodologias de ensino é sempre umdesafio, pois exige maior tempo de aula e abertura e apoio por parte daescola em seu projeto político pedagógico.

Portanto o ensino por investigação surge como uma ferramenta quepermite que os alunos tenham contato com novas e autênticasdescobertas, bem como, diferentes olhares sobre um mesmo assunto evem para possibilitar a ruptura de velhos caminhos no ensino deciências, colaborando para a formação de alunos críticos, pensantes eautônomos.

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Utilização saudável da Internet no contexto educativo:O Projeto Escolas ONLINE

Raul MeloPedro Aires Fernandes

Ivone Patrão

Resumo: A preocupação com o desenvolvimento de comportamentos aditivossem substância é recente e acompanhou o crescente desenvolvimento tecnoló -gico e o impacto que este teve em termos de acessibilidade a determinadosserviços. A utilização da Internet é um claro exemplo desta realidade, com aconstante inovação em termos de eletrónica e qualidade dos suportes decomunicação digital. Com esta evolução, vem igualmente a necessidade doindivíduo se regular na utilização que faz destes recursos. O prazerproporcionado, conduz a uma procura mais regular e prolongada destas experi -ências em comportamentos que, por vezes, evoluem para além da consciência eda capacidade de controlo. Esta realidade é mais preocupante em populaçõesque, pela sua imaturidade, estão expostas a maiores riscos. A importância dedesenvolver intervenções preventivas dirigidas a estas populações é funda -mental, para promover uma maior consciência dos comportamentos edesenvolver estratégias de controlo face ao risco de uso indevido desta tecno -logia. Contudo, a eficácia destas intervenções preventivas depende de muitosfatores, tal como, a pertinência, a adequação à população alvo, o envolvimentoda mesma na construção das mensagens que lhe são dirigidas, etc. O projetoEscolas ONLINE é um exemplo inovador da abordagem preventiva a umaproblemática emergente e a presente apresentação incidirá sobre os passosdados, a estratégia adotada e os resultados obtidos num esforço integrado earticulado entre a autarquia, a saúde e a educação.

Introdução

Em 1993 foi lançada a World Wide Web, Internet para todos, gratuita.O número de utilizadores, por 100 pessoas, aumentou 806% de 2000 a2015 (Patrão & Sampaio, 2016).

Os dispositivos móveis são os mais utilizados para aceder à Internetde forma rápida, especialmente o smartphone, com um número estimadode 4.43 mil milhões de utilizadores no mundo em 2015 (Patrão &Sampaio, 2016).

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As estatísticas nesta área indicam que: 70% das famíliasportuguesas têm ligação à Internet em suas casas (PORDATA, 2016);44.6% e 76.7% dos adolescentes portugueses, com 13 e 18 anosrespetivamente, utilizam a Internet diariamente (Feijão, 2015).

Estar online trouxe várias potencialidades para o desenvolvimentoglobal das sociedades em geral e, mais especificamente, para oprocesso de ensino-aprendizagem (tornando acessível todo um enormemanancial de informação) e também, por exemplo, para a comuni -cação à distância, ligando assim famílias e mundo empresarial.

A Internet é, em si, um instrumento neutro, que pode ter efeitosnegativos ou positivos, dependendo da forma como é utilizada. Osriscos geralmente são associados à saúde física, cyberbullying, privaci -dade e às dependências online (Patrão, 2017; Patrão & Sampaio,2016).

As dependências online podem ser de diferentes ordens, contudoexiste ainda uma zona cinzenta relativamente à terminologia e critériosde diferenciação. Termos como: Pathological Internet Use, InternetAdiction, Problematic Internet Use, Internet Addiction Disorder, sãocomuns na literatura (e.g., revisão da literatura Patrão et al., 2016).

No DSM-5 (APA, 2013) surge em apêndice a área do jogo patoló -gico online, como uma área em investigação. No ICD-11 (WHO,2018) surge pela primeira vez a dependência do jogo online como umaentidade nosológica com critérios específicos.

Do consenso entre autores há a salientar que: a dependência onlineocorre quando há um envolvimento em atividades através da internet,de forma persistente, intensa e sem controlo, resultando na redução dosinteresses, com consequências físicas, emocionais, sociais e ocupa -cionais/académicas (Patrão et al., 2016).

Os critérios mais utilizados para definir o impacto deste comporta -mento no equilíbrio da pessoa são variados. Kuss, Griffiths, Karila eBillieux, (2014) dão destaque a: (a) o grau de importância atribuído aodispositivo tecnológico; (b) a importância da atividade (ex., estarligado na internet) na vida do indivíduo quer a nível cognitivo quercomportamental; (c) as alterações de humor resultantes de experiên -cias subjetivas em atividades online; (d) a tolerância desenvolvida,

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enquanto necessidade de aumentar o número de horas online para seatingir os mesmos níveis iniciais de prazer/bem-estar (ex., gambling);(e) os sintomas físicos e psicológicos desenvolvidos na impossibili -dade do uso da Internet (irritabilidade, agitação, dores de cabeça, entreoutros); (f) os conflitos interpessoais com o círculo próximo, bemcomo, o comprometimento do funcionamento ocupacional (ex.,adiamento de tarefas e/ou responsabilidades); e (g) o sentimento deincapacidade de controlo do uso da internet dentro de áreas específicasde atividade (ex., redes sociais, jogo, compras, entre outras).

A partir do conhecimento gerado pela investigação nesta área, torna-se essencial que cada comunidade procure garantir, por um lado, odiagnóstico de situação ao nível do comportamento online doselementos que a compõem, e por outro lado, desenvolver respostasterritoriais adequadas à sua realidade.

No contexto da Promoção da Saúde, é essencial destacar o papelvital que as Redes assumem nas políticas de saúde modernas, aopermitir que autores de políticas, investigadores, comunidades e outrosgrupos consigam reunir, a diversos níveis, recursos para alcançarobjetivos de saúde e de desenvolvimento sustentável (Fernandes,2015). Como refere o mesmo autor, as Redes permitem que governoslocais e os seus parceiros tenham uma plataforma comum facilitadorade construção e ação, bem como estabelecer agendas políticas comunse desenvolver sistemas de formação e suporte para a implementação denovas políticas. Neste contexto, assume especial relevância o estabele -cimento de parcerias, entendidas como uma aliança de vontadesindividuais e associativas à volta da necessidade de identificar ecoordenar saberes-fazer (Morel, Boulanger, Hervé, & Tonnelet, 2001).

O concelho de Odivelas tem vindo a assumir a prevenção de com -portamentos aditivos e dependências como uma prioridade municipal.Neste sentido, desde setembro de 2006 que o Município de Odivelaspromove a implementação do Plano Estratégico Concelhio dePrevenção das Toxicodependências (PECPT), o qual integra as ações,projetos e programas desenvolvidos em matéria de comportamentosaditivos e dependências, com e sem substância psicoativa envolvida(Fernandes, 2013). Todo o trabalho desenvolvido é dinamizado por

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uma ampla Rede de Parceria, composta por três dezenas de instituiçõesde âmbito local, regional e nacional, a qual integra o SICAD – Serviçode Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências.

No que diz respeito às dependências online, esta é uma área que, noâmbito do PECPT, tem vindo a registar uma forte expansão e investi -mento desde 2013, tornando-se tema recorrente nas reuniões magnasrealizadas pela Rede de Parceria deste Plano. Face ao interesse epreocupação crescentes e partilhados pelos membros da Rede, deu-seinício ao desenvolvimento de ações e iniciativas sobre o tema, com acolaboração estratégica de personalidades e de instituições comintervenção nesta área, visando reforçar a capacidade técnica de atua -ção do PECPT na área das dependências online e projetando um planode ação articulado e coerente, a partir do conhecimento da realidadedeste território.

Assim, e num primeiro momento de diagnóstico de situação, foipossível perceber através de um estudo com 1452 jovens (média deidades de 14,7 anos), que 18% dos jovens apresentam uma depen -dência online (Patrão, Machado, Fernandes & Leal, 2015). De igualforma, um estudo com 95 pais (média de idade de 43 anos; média denº de filhos: 2; média idade filhos: 1º filho-12 anos; 2º filho-10 anos)alertou para o fosso geracional na experiência do que é estar online epara o baixo controlo quanto ao número de horas e conteúdosvisionados pelos filhos (Patrão & Fernandes, 2018, in press).

Os dados recolhidos revelaram-se sintónicos com as preocupaçõesmanifestadas por diferentes parceiros do PECPT, justificando anecessidade de construir uma resposta preventiva integrada. Este factoreforçou a parceria entre a CMO e o SICAD, já em curso ao nível dodesenvolvimento de intervenções continuadas no âmbito de outroscomportamentos aditivos.

Procurando corresponder às diretrizes internacionais para umaprevenção eficaz (EMCDDA, 2010; UNODC, 2017), considerou-seessencial que a intervenção a desenvolver contemplasse a visão dosdiferentes atores envolvidos nesta problemática, mediante umprocesso participado de construção. Esta opção criou condições para odesenvolvimento de um processo de investigação formativa, que

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proporcione o levantamento das perceções que deverão servir de baseà definição de um modelo de intervenção futuro a desenvolver sob onome de “Escolas ONLINE”. O objetivo central deste projeto consiste,assim, em proporcionar um conjunto alargado de orientações e estraté -gias fundamentais para uma utilização saudável das tecnologias e dainternet em contexto educativo e colocá-las à disposição da comuni -dade educativa alargada numa versão de Guião, em formato papel edigital.

Método

A Investigação formativa assenta na recolha de dados úteis para odesenvolvimento e implementação de programas de intervenção. Umdos principais temas da investigação formativa é a adaptação. AInvestigação formativa pode ser usada para realizar programas deintervenção adequados tanto do ponto de vista cultural comoterritorial. Tem as suas origens na antropologia aplicada, sociologia,marketing social e psicologia educacional (Gittelsohn et al., 2006).Melo (2016), citando Epton e colaboradores (2014), sublinha o hiatoque frequentemente se verifica entre as crenças daqueles que desen -volvem as intervenções e daqueles a quem as mesmas se destinam,aspeto este, que reforça a pertinência desta opção metodológica.

Amostra

A amostra foi constituída por 126 participantes (83 mulheres e 43homens) da comunidade educativa alargada do concelho de Odivelas,que aceitaram participar de forma voluntária e com interesse emdiscutir a temática em causa, com a seguinte distribuição: 24 Profes -sores e técnicos dos Serviços de Psicologia e Orientação e das Equipasde Educação Especial de diversos agrupamentos de escolas, comfunções de natureza diversa; 22 Pais/Mães e Encarregados deEducação de diversas Associações de Pais; 25 Profissionais e Técnicosde Saúde de diversas instituições; 30 Alunos de um agrupamento de

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escolas do concelho de Odivelas; 25 Assistentes Operacionais dediversos agrupamentos de escolas.

Procedimento

O projeto – Escolas ONLINE – assentou na realização de um ciclode 5 focus group na área das Tecnologias de Informação e Comuni -cação (TIC), em particular a Internet. Os focus group foram dinami -zados fazendo uso de metodologias ativas e participativas – “WorldCafé” (Juanita Brown & David Isaacs, 1995) – potenciando a produçãode ideias sobre diversas subáreas relacionadas com o tema,organizadas em mesas. Cada focus group teve a duração de 2 horas emeia, iniciando-se com um breve enquadramento teórico e explicita -ção da metodologia adotada, seguindo-se a distribuição dos partici -pantes pelos 5 grupos de trabalho a decorrer em simultâneo (i.e.,“Wifi” – políticas educativas, gestão de sala de aula; “google” –utilização das TIC/Internet como ferramenta pedagógica; “Facebook”– relação professor/aluno e as tecnologias, modelos no mundo digital;“Smile J” – os riscos online e a saúde física e mental; “Arrob@” –literacia digital, pegada digital, segurança online). Segundo umpercurso e um tempo pré-determinado, os participantes passam portodos os grupos de trabalho, tendo assim contacto com todas astemáticas. No final do percurso, cada grupo, a partir dos registos dadiscussão partilhada, elabora um conjunto de 5 orientações sobre autilização saudável da Internet, com apresentação pública e discussãoem grande grupo.

Após a recolha do material que contém as orientações dos focusgroup de todos os participantes foi realizada uma análise de conteúdo,por categorias previamente definidas: orientações comuns, diferentes eopostas.

Instrumentos

Tendo em conta a natureza do estudo, a base de recolha de informa -ção assumiu um carácter qualitativo. O único instrumento de base foi

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o guião de procedimentos que orientou as diferentes sessões de trabalhocom cada um dos grupos-alvo. Este guião compreendia uma súmula deinformação sobre os dados recolhidos no concelho de Odivelas e umconjunto de questões definidas com base numa revisão da literatura(Patrão et al., 2016) a serem debatidas pelos grupos nas diferentes mesasde discussão. Foi elaborada uma lista de afirmações e pesquisadasimagens concordantes com os conteúdos das afirmações, quefuncionaram como teasers em cada grupo de trabalho (e.g., dasafirmações: Como se faz a boa utilização das TIC no contexto daeducação obrigatória?; Como lidar com a diferença de literacia digitalentre adultos e jovens?; Quais os sites e conteúdos que devem estaracessíveis?; Qual a idade que se pode ser independente online?; Queconsciência se tem da pegada digital que cada um deixa?; Como encararas múltiplas identidades online?; Onde começa a liberdade de expressãoe o respeito pelos outros? Como compreender o cyber bullying?; Qual anoção dos riscos para a saúde física e mental que a Internet comporta?).

Resultados

Os resultados na sua globalidade indicam a existência de mais orien -tações comuns aos 5 grupos (professores, auxiliares de educação, pais,alunos, e profissionais de saúde) do que orientações diferentes ouopostas.

Da análise dos conteúdos resultaram as seguintes categorias: (1)acesso à Internet; (2) formação sobre TIC; (3) regras para o uso daInternet; (4) os riscos associados ao estar online; (5) as potencialidadesdas TIC; e (6) a segurança online.

Com base nestas categorias verificou-se a concordância entre todos osgrupos nos seguintes aspetos: deverá ser proporcionado o acesso às TICdesde o jardim-de-infância, condicionado a regras previamenteestabelecidas (e.g., controlo do wi-fi, limitação do acesso a deter -minados sites, delimitação de tempo de utilização); as regras devem serconstruídas com a participação de todos; incrementar o uso das TIC

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como recurso pedagógico, com monitorização do professor, ajustadoaos níveis de ensino e respetivas disciplinas; reforçar a formação emTIC, tornando-a acessível a todos os agentes educativos, de forma apromover a literacia digital e a facilitar a comunicação entre todossobre as potencialidades e riscos inerentes a este contexto (e.g.,formação sobre impacto do uso das TIC na saúde); facilitar a comuni -cação digital entre alunos, professores e pais (e.g., site, plataformas,app); promoção de abordagens preventivas dos riscos e danosassociados ao uso desadequado e/ou excessivo das TIC (e.g., fornecerinformação sobre riscos, identificar estratégias de promoção deautorregulação, entre outras); reforço de alternativas de prazermediante a promoção de atividades ao ar livre, de caracter lúdico, como objetivo de desenvolver competências emocionais e sociais; por fim,sublinhar a importância da privacidade e da segurança online.

Para as categorias, acesso à Internet, regras para o uso da Internet;e riscos online, verificou-se discordância entre grupos nas seguintesáreas: os alunos pedem uma Internet mais rápida, e que o limite donúmero horas online seja definido com base em evidência científica enão apenas de acordo com a perspetiva subjetiva dos educadores (pais,professores ou assistentes operacionais); os assistentes operacionaisconsideram que o controlo do acesso às TIC deve ser feito não apenaspelos professores, incluindo-os igualmente neste processo. Por outrolado sugerem que seja feito um acordo com operadoras para bloquearsites nos smartphones dos alunos; os alunos e os profissionais desaúde referem que as regras devem ser claras, objetivas, compreen -síveis e exequíveis; os profissionais de saúde apelam para a coerênciadas regras em todos os contextos; os pais referem a necessidade deelaborar um plano tecnológico da comunidade, bem como, a necessi -dade de se criar um espaço para discussão das regras do uso das TIC,e a necessidade de gestão de recreios, com promoção da interaçãosocial; os professores referem que o uso de smartphones e tablets devecumprir com as regras e ser objeto de monotorização por umresponsável. Do mesmo modo, deve ser garantida a igualdade de opor -tunidades de acesso a este tipo de equipamentos (professores).

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Por fim, verificou-se antagonismo dentro das categorias acesso àinternet e regras do uso da internet. Em específico, os profissionais desaúde e pais, em oposição aos outros grupos, consideram que a respon -sabilidade em ambas as categorias deve ser partilhada entre todos osatores, cabendo a todos a aplicação das regras e consequências do nãocumprimento das mesmas. Por fim, estes dois grupos consideram quecabe à escola assegurar o acesso aos dispositivos.

Discussão

O conjunto de orientações recolhidas espelham uma unanimidadeem dois aspetos fundamentais: por um lado, a valorização da utilidadedo recurso e a sua mais-valia independentemente da fase dedesenvolvimento e nível de escolaridade; por outro, a necessidade deelevar os níveis de literacia digital, diminuindo o hiato entre jovens eadultos e entre os profissionais e o cidadão comum.

Destaca-se uma clara diferença entre três planos de relação com orecurso: (1) o utilizador, (2) o educador/regulador e (3) o gestor. Osprimeiros (alunos) preconizam acesso livre, recreativo ou não, afir -mando as potencialidades e a responsabilidade individual na autorre -gulação. Já os segundos – mais próximos da função dos professores edos pais – não negando as potencialidades do recurso, sublinham afragilidade da regulação individual, afirmando a necessidade de umcontrolo externo, assumindo deste modo uma postura potencialmenteconflituante com os primeiros. Por fim, os gestores, enquanto grupo quese confronta com o impacto direto deste comportamento nos espaços derelação (cuja gestão está a seu cargo), assume uma postura mais com -preensiva e eventualmente mais empática com os primeiros. É o casodos assistentes operacionais e dos técnicos de saúde que, valorizando afunção do recurso da dinâmica social, procuram minimizar os efeitosnegativos do mesmo no plano da interação e do bem-estar alargado.

Um quarto grupo é evocado subliminarmente – os facilitadores –enquanto todos aqueles que promovem o uso deste recurso. Entrariam

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neste grupo os operadores, as marcas e todos os geradores de influên -cia que reforçam a normalidade da utilização deste recurso. Estequarto grupo, sendo visto como externo ao processo, desempenha umpapel essencial na criação da necessidade e, consequentemente, nagénese da utilização problemática dos dispositivos digitais em geral eda Internet em particular.

É fundamental sublinhar o papel da capacidade de regulação indivi -dual como principal elemento de discórdia na leitura da realidade.Enquanto parte dos atores acreditam nessa capacidade e afirmam aliberdade de utilização com base na mesma, os outros questionam essacapacidade evocando o poder de influência social (imitação, pressãode pares, desejo de pertença e reconhecimento pelos outros) comodeterminante no comportamento individual. Este segundo grupoafirma ainda, que os processos de promoção de uma maior consciênciados riscos é, por si próprio, insuficiente. Ter conhecimento não ésinónimo de saber ou querer usá-lo, justificando-se deste modo anecessidade de um organizador externo e um controlo ambiental dosfatores de influência (Melo, 2011).

Conclusões

A relação é o principal fator preventivo. Qualquer ameaça à Relaçãoé uma ameaça ao equilíbrio social. Ainda que a Internet seja uma pontepara o mundo, é fundamental não confundir a relação com o estar emcontacto, sublinhando a visão de LeBreton (1997) de que evoluímoscada vez mais para sermos uma Sociedade em contacto, mas cada vezmenos relacional.

Num problema que é de todos e no qual todos tempos um papel ativo,fará sentido partir-se para uma abordagem integrada, holística, quereconheça os diferentes papéis dos múltiplos atores na cadeia de valor daInternet, incluindo não só as crianças e jovens, as suas famílias, os edu -cadores, mas também as indústrias digitais, os decisores e os regu -ladores, na promoção de literacias, de segurança e de bem-estar no

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con texto digital (Ponte, 2016). Como refere Fernandes (2015), talexigirá um processo alargado de mobilização social, de basecomunitária, envol vendo por isso as instituições locais, conhecedoras doterritório onde operam. A dinâmica participativa estabelecida entre osdiferentes níveis de organização social (Administração Central, Muni -cípios, instituições, associações...) terá, pois, efeitos diretos e ampliará oalcance da ação, em particular se estiver presente desde a fase dediagnóstico.

Por isso mesmo, é importante valorizar o papel de quem reclama aliberdade e condições para a utilização do recurso, mas também de quemé cauteloso e resistente; de quem desenvolve o recurso e de quem alertapara os riscos; de quem facilita o acesso e de quem promove relaçãodentro do mesmo. A resposta não passa pela eliminação de alguma daspartes, mas pelo equilíbrio que resulta da conjugação dos diferentespapéis, visando uma gestão saudável dos nossos comportamentosonline, em rede, em comunidade.

Os resultados deste projeto, pelo facto de ser piloto, não podemassumir-se como um produto acabado, mas antes como um modelo deação que poderá ser reproduzido mediante adaptações a novasrealidades. A natureza e a dimensão da amostra condicionam as conclu -sões retiradas e os materiais a produzir, contudo, proporcionam umavisão que integra diferentes perspetivas com as quais as partes sepoderão identificar. A riqueza da metodologia e o potencial de replicaçãoabre espaço para que, num estudo longitudinal, e distribuído por dife -rentes realidades, se avalie a utilidade e a evolução das orientações quedeste estudo resultaram.

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Vozes dos alunos sobre feedback: Um estudo no ensino ensinosuperior

Juana de Carvalho Ramos SilvaCarolina Fernandes de Carvalho

Camila Marta de AlmeidaSofia Freire

Resumo: Nos diferentes contextos educativos e em particular na sala de aula ofeedback é um dos fatores fundamentais de aprendizagem enquanto construçãoe transformação progressiva de conhecimento. É por intermédio do feedbackque os estudantes têm conhecimento de como devem se comportar, raciocinar erealizar algo num determinado contexto para conseguir atingir objetivos. Ainvestigação revela que o feedback dos professores é dos mais valorizados pelosestudantes, e que quando eficaz tem um impacto positivo na aprendizagem. Opresente estudo tem como objetivo conhecer a perceção dos estudantes doensino superior sobre o que consideram ser um feedback eficaz. Participaram 57estudantes do primeiro ano de uma licenciatura na área da educação, dos quais85% são do sexo feminino, apresentando uma média de idade de 19,2 anos(DP=1,7). Para recolha de dados utilizou-se um questionário constituído dequestões abertas. Por meio de uma análise de conteúdo das respostas, constatou-seque os aspetos mais importantes do feedback salientados pelos estudantesforam: aspetos relacionados ao feedback construtivo e ao incentivo, apoio eestímulo para fazer melhor associados com a de autorregulação (48% dasrespostas) e ao nível dos processos (um feedback que permita aos estudantesmelhorar e transformar desempenhos mais frágeis) (41% das respostas). Estesresultados vêm dar um contributo para a compreensão do feedback enquantofator de aprendizagem no ensino superior, reconhecendo-se a importância dofeedback para além das classificações ou descrições, do que está correto ouerrado, e para além da dimensão cognitiva, mas também afetiva e motivacionalna construção de conhecimento. Sendo assim, pensar contributos para umapedagogia do ensino superior obriga a (re)criar práticas de feedback onde osestudantes sejam ouvidos.

Palavras-chave: Feedback, Ensino Superior, Estudantes.

Introdução

A literatura na área da educação refere o feedback do professorcomo uma ação poderosa que melhora o desempenho escolar dos estu -

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dantes (Brookhart, 2008; Fonseca, Carvalho, Conboy, Valente, Gama,Salema, & Fiúza, 2015; Hattie, 1992; Hattie & Timperley 2007; Mory,2004; Wiggins, 2012).

No entanto, apesar da literatura identificar o feedback do professorcomo elemento essencial do processo educativo este tem sido poucoestudado no ensino superior. Porém encontramos duas sugestões queimporta explorar quando queremos questionar soluções para o insucessoescolar neste ciclo de estudos (e.g., taxas de abandono, de reprovação,diplomação). Uma primeira destaca que os estudantes usam ativamenteo feedback do professor e, quando o fazem, melhoram a autorregulaçãodas aprendizagens e o desempenho académico (Brown, Peterson, & Yao,2016). Contudo, é preciso garantir que o feedback não se limita aclassificações numéricas, ou seja, deve ser um feedback com informa -ções que orientem efetivamente as aprendizagens subsequentes (Carver,2016). O autor identificou ainda que, ao contrário do que acontece comalunos mais novos, a prontidão ou o nível de detalhe parece ser menosimportante comparativamente ao professor que fornece o feedback. Ouseja, a relação entre professor e estudante não é neutra.

A investigação em torno do feedback do professor, e em particularda percepção de feedback do professor no ensino superior, questionaalguns dos resultados obtidos em outros níveis de ensino e aponta paraa necessidade de continuar a investigar a complexidade associada àeficácia do feedback do professor nos desempenhos dos estudantes.Assim, o presente estudo tem como objetivo principal conhecer aperceção dos estudantes do ensino superior sobre o que consideram serum feedback eficaz para sua aprendizagem.

Concepções de Feedback do Professor

Segundo Mory (2004), feedback é qualquer informação fornecidapor alguém (e.g., pais, pares e professores) para informar um outrosujeito sobre algo que realizou. Assim, o feedback ocorre após umcomportamento ou um desempenho, e consiste na informação recebida

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sobre o esforço desenvolvido para alcançar um determinado objetivo(Wiggins, 2012).

Concretamente na sala de aula Hattie e Timperley (2007) caracteri -zam o feedback como sendo informações fornecidas por um professorna sequência de um desempenho do estudante ou em relação ao seuentendimento com o objetivo de reduzir discrepâncias entre o preten -dido e o realizado. Assim, o feedback do professor gera no aluno umaconsciencialização valiosa para a aprendizagem, evidenciando asdissonâncias entre o resultado pretendido e o real, além de incentivara mudança e de, também, apontar os comportamentos adequados(Collins, 2004), motivando-o a superar os seus erros, autorregularaprendizagens e (trans)formar desempenhos (Sadler, 2010). Noentanto, para que o feedback do professor seja eficaz, no sentido deconter informações úteis para o aluno, este ainda precisa de ser capazde compreendê-lo (Brookhart, 2008).

Percebe-se assim que atualmente o feedback do professor seja estu -dado segundo uma perspetiva construtivista (Brookhart, 2008;Fonseca et al., 2015; Mory, 2004), reconhecendo ao estudante umpapel ativo que interpreta a informação recebida de acordo com as suasconcepções, crenças e experiências passadas. Com o foco no estudantee nos seus processos de aprendizagem – cognitivos, volitivos e motiva -cionais, valoriza-se o papel do estudante no processo de feedbackquando a mensagem recebida é filtrada por meio da sua perceção einfluenciada por conhecimentos prévios. O trabalho do estudante éatribuir sentido, não apenas responder a estímulos, e fazer sentidorequer o uso e o controle dos próprios processos de pensamento(Brookhart, 2008).

Hattie e Timperley (2007) desenvolveram um modelo que procuraexplicar como a eficácia do feedback do professor depende do focoescolhido: a tarefa, o processo, a autorregulação ou o sujeito. O feed -back sobre a tarefa são as informações fornecidas pelo professor sobreos erros, se algo está correto ou incorreto em relação à tarefa. Oprocesso são as informações sobre a relação entre o que o estudante feze a qualidade de seu desempenho e ainda as informações sobrepossíveis alternativas e estratégias. A autorregulação as informações

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relacionadas com a capacidade de autoavaliação ou confiança para se

dedicar mais a uma tarefa. Por último, o sujeito, as informações

relacionadas com caracteríticas da pessoa. Os três primeiros têm

impacto positivo sobre a aprendizagem e o último e o menos eficaz

(Hattie & Timperley, 2007).

Metodologia

Para a recolha das perceções de estudantes sobre o que consideram

ser um feedback eficaz realizou-se um estudo exploratório com 56

estudantes do primeiro ano de uma licenciatura na área da educação de

uma universidade de Lisboa. A maioria dos participantes é do género

feminino (83,9%), com uma idade média de 19,5 anos (DP=1,7).

É de referir quatro alunos que não responderam à questão do que

consideravam um feedback eficaz.

Para a recolha de dados, recorreu-se a um questionário construído

especificamente para o efeito. O questionário era constituído por uma

questão aberta (“o que é para si um feedback eficaz do professor?”) e

algumas questões sociodemográficas e relativas ao percurso escolar

para caracterização da amostra. O questionário foi aplicado em

ambiente sala de aula por uma das pesquisadoras. Os dados foram

categorizados por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2009). Na

pergunta “o que é para si um feedback eficaz do professor?” as

respostas foram classificadas a partir de um conjunto de categorias

prévias construídas com base no modelo de Hattie e Timperley (2007),

especificamente: tarefa, as informações dadas pelo professor sobre a

adequação de uma resposta; processo, as informações sobre a

qualidade do desempenho e sobre possíveis alternativas e estratégias;

a autorregulação, as informações relacionadas a autoavaliação no

sentido de controlar a própria aprendizagem; o sujeito, as informações

relacionadas com caracteríticas da pessoa.

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Resultados

A maioria das respostas dos estudantes refere um feedback eficaz doprofessor associado a informações que lhes permitam a autorregulaçãodas aprendizagens (48%), ou seja, a informações que os ajudem a teriniciativa pessoal na (re)construção da sua aprendizagem, na perseve -rança na tarefa e nas suas competências. O feedback do professorquando associado a autorregulação permite ao estudante gerir o esforçoe a confiança nas suas capacidades e decisões. Estes resultados vão aoencontro do trabalho de Brown, Peterson e Yao (2016) onde seobservou uma associação entre feedback eficaz e a autorregulação dasaprendizagens dos alunos.

Quadro 1

Caracterização do que é feedback eficaz do professorO que é feedback eficaz

Categorias Frequência %

Informações sobre autorregulação (e.g., numa situação futura como posso fazer) 48%

Informações sobre o processo (e.g., que não seja apenas, fizes-te bem/mal) 41%

Informações sobre a tarefa (e.g., certo/errado) 11%

Informações sobre a pessoa 00%

O segundo aspeto mais mencionado como feedback eficaz doprofessor, com 41% das respostas dos participantes, está associado aoprocesso, ou seja, informações sobre o desempenho, incluindoinformações sobre possíveis alternativas e estratégias. Informaçõessobre como transformar desempenhos ou respostas mais frágeisnoutras mais robustas.

Apenas 11% nas respostas apontam como feedback eficaz o que sefoca na tarefa, se a resolução está certa ou não, se vai ao encontro doque era esperado sem devolver outra informação ao estudante.

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Curioso foi constatar que nenhum aluno considerou como feedback

eficaz o que se centra no próprio sujeito, nas suas qualidades pessoais.

O que está também de acordo com o trabalho de Hattie e Timperley

(2007). Para os autores quando o feedback do professor se centra nas

características pessoais do aluno, além de poder ter efeitos negativos

que o fragilizam enquanto aluno não lhe permitem (re)construir novos

desempenhos por falta de sugestões.

Considerações finais

O estudo apresentado procura dar um contributo para a compre -

ensão da percepção de estudantes universitários sobre feedback eficaz

enquanto fator de aprendizagem e de sucesso no ensino superior,

reconhecendo a sua importância para a motivação e autorregulação das

aprendizagens que vai para além das classificações ou descrições, do

que está correto ou errado. Os resultados encontrados vão ao encontro

de outras investigações onde o feedback dos professores é eficaz

quando promove a autorregulação das aprendizagens dos estudantes

(Brown, Peterson, & Yao, 2016; Carven, 2016).

Os resultados encontrados alertam para a urgência dos professores

trabalharem como os estudantes na construção e aplicabilidade de

estratégias de aprendizagem e competências de estudo atendendo que

ao longo da vida acadêmica os estudantes precisam de oportunidades

para refletir sobre o que já aprenderam e sobre o que ainda falta

aprender. Esta urgência encontra-se também na literatura ao referir que

os estudantes quando chegam ao ensino superior muitas vezes não

apresentam hábitos de estudo e de trabalho adequados às novas

exigências (Rosário et al., 2010). O feedback dos professores é um

elemento essencial que permite melhorar e desenvolver a aprendi -

zagem dos estudantes, apresentando uma estreita relação com o

sucesso académico neste ciclo de estudos.

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