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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 5948 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO RIO DE JANEIRO: A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL PARA VALORIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL Ana Gabriela Saba de Alvarenga 1 Este texto faz parte de uma pesquisa que está em fase inicial e tem como objetivo mapear e analisar as ações de Educação Patrimonial na cidade do Rio de Janeiro. A proposta deste artigo é refletir sobre algumas questões referentes à Educação Patrimonial regulamentada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN. Para tal análise foram utilizados conceito, diretrizes e publicações da instituição referentes a Educação Patrimonial. A Educação Patrimonial tem se estabelecido como um campo de conflito pela preservação e valorização do patrimônio cultural no Brasil. Desde 1983, quando o termo começou a ser utilizado no país, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, vem realizando atividades contínuas de discussão para regulamentar esse trabalho. As possibilidades de ações de Educação Patrimonial mostram-se múltiplas e abrangentes, podendo ser realizadas em diversas áreas, como nas disciplinas escolares, turismo, meio ambiente e até na Arqueologia. Uma questão relevante nesta pesquisa é atentar para a patrimonialização das diferenças, que segundo Regina Abreu (2015) tem sido a ênfase dada no tempo presente nos processos de patrimonialização, buscando perceber como o trabalho educativo em relação a memória e valorização do patrimônio cultural tem contribuído para a preservação do direito das minorias em relação ao seu patrimônio. O texto apresenta algumas questões importantes para se pensar teórica e praticamente a Educação Patrimonial. Para iniciar a construção dessa reflexão, a primeira parte do artigo pontua aspectos da história e conceitos fundamentais aos processos de patrimonialização. A segunda parte busca inserir o emergente campo da Educação Patrimonial no contexto atual dos processos de patrimonialização e memoração. A terceira e última parte do texto trabalha a Educação Patrimonial e sua inserção na área da educação e na cidade do Rio de Janeiro. 1 Doutoranda em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. E-Mail: <[email protected]>.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5948

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO RIO DE JANEIRO: A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL PARA VALORIZAÇÃO

E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Ana Gabriela Saba de Alvarenga1

Este texto faz parte de uma pesquisa que está em fase inicial e tem como objetivo

mapear e analisar as ações de Educação Patrimonial na cidade do Rio de Janeiro. A proposta

deste artigo é refletir sobre algumas questões referentes à Educação Patrimonial

regulamentada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Para tal

análise foram utilizados conceito, diretrizes e publicações da instituição referentes a

Educação Patrimonial.

A Educação Patrimonial tem se estabelecido como um campo de conflito pela

preservação e valorização do patrimônio cultural no Brasil. Desde 1983, quando o termo

começou a ser utilizado no país, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -

IPHAN, vem realizando atividades contínuas de discussão para regulamentar esse trabalho.

As possibilidades de ações de Educação Patrimonial mostram-se múltiplas e

abrangentes, podendo ser realizadas em diversas áreas, como nas disciplinas escolares,

turismo, meio ambiente e até na Arqueologia.

Uma questão relevante nesta pesquisa é atentar para a patrimonialização das

diferenças, que segundo Regina Abreu (2015) tem sido a ênfase dada no tempo presente nos

processos de patrimonialização, buscando perceber como o trabalho educativo em relação a

memória e valorização do patrimônio cultural tem contribuído para a preservação do direito

das minorias em relação ao seu patrimônio.

O texto apresenta algumas questões importantes para se pensar teórica e praticamente

a Educação Patrimonial. Para iniciar a construção dessa reflexão, a primeira parte do artigo

pontua aspectos da história e conceitos fundamentais aos processos de patrimonialização. A

segunda parte busca inserir o emergente campo da Educação Patrimonial no contexto atual

dos processos de patrimonialização e memoração. A terceira e última parte do texto trabalha

a Educação Patrimonial e sua inserção na área da educação e na cidade do Rio de Janeiro.

1Doutoranda em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. E-Mail: <[email protected]>.

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Pensando os processos de patrimonialização

A ideia de patrimônio como uma herança a ser preservada, um bem particular e

hereditário, existe há muitos séculos. Porém a perspectiva de um patrimônio como um

símbolo escolhido para representar determinada sociedade, um bem comum e público, está

atrelada à formação do Estado-nação, especificamente ao século XIX, tendo como advento

motriz a formação da Comissão dos Monumentos Históricos em 1837 na França (DODEBEI,

2015), quando começaram a ser tombados os grandes prédios históricos, o chamado

patrimônio de “pedra e cal”. Uma segunda etapa da valorização do patrimônio ocorreu a

partir da criação da UNESCO na década de 1940, neste momento o conceito de patrimônio

começou a ser ampliado voltando o olhar para os bens que representassem as classes

populares, não somente as elites. E um terceiro movimento ocorreu em fins da década de

1980 com o reconhecimento do patrimônio de caráter imaterial. No Brasil, a Constituição de

1988, já mencionava esta nova dimensão nos processos de patrimonialização.

Habermas (2002) trata a nação como a primeira forma moderna de identidade coletiva,

de um povo culturalmente definido. Uma cultura que vem sendo ressignificada e muito

debatida por antropólogos, historiadores, cientistas sociais, educadores no último século, e

que na atual política patrimonial do IPHAN vem significando a amplitude dos bens materiais

e imateriais que o compõe.

Sobre a cultura, vale ressaltar a relação entre cultura e “cultura” analisada por Manoela

Carneiro da Cunha (2009). A cultura teria um sentido mais globalizado e homogeinizador, já

a “cultura” diz respeito aos costumes das populações tradicionais. Ainda hoje, existe, em

nossa sociedade, muita discriminação e marginalização de determinadas “culturas”. Os

processos de patrimonialização têm caminhado para quebrar esses padrões de exclusão e,

cada vez mais, buscando dar atenção as diferenças e particularidades das “culturas”. Nesta

perspectiva as ações de Educação Patrimonial buscam democratizar o sentido de valor de

igualdade entre cultura e “cultura”.

Uma questão importante no trabalho com o patrimônio é valorizá-lo em todas as

esferas sociais. Os processos de patrimonialização vêm sendo compreendidos de acordo com

as transformações sociais pelas quais passa a população e sua história, antes eles atendiam as

demandas da elite com o consentimento das maiorias da população, quando as minorias não

eram consideradas culturalmente. Esse entendimento tem se modificado, visando alcançar

também as minorias dos grupos étnicos que compõe a sociedade, Habermas analisa a questão

como de exercício ou negação da igualdade de direitos:

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Quando uma cultura majoritária, no exercício do poder político, impinge às minorias a sua forma de vida, negando assim aos cidadãos de origem cultural diversa uma efetiva igualdade de direitos. Isso tange questões políticas, que tocam o auto-entendimento ético e a identidade dos cidadãos. Nessas matérias, as minorias não devem ser submetidas sem mais nem menos às regras da maioria. (HABERMAS, 2002, p.164)

Assim, o patrimônio cultural deve abranger os seus referenciais da cultura majoritária e

da cultura das minorias também, para garantir perpetuação destas e o direito das

comunidades tradicionais terem sua memória. Um desdobramento sobre os direitos culturais

das minorias, Habermas chama de inclusão com sensibilidade para as diferenças:

Em geral, a discriminação não pode ser abolida pela independência nacional, mas apenas por meio de uma inclusão que tenha suficiente sensibilidade para a origem cultural das diferenças individuais e culturais específicas... Mas quando estas estão organizadas como Estados democráticos de direito, apresentam-se todavia, diversos caminhos para se chegar a uma inclusão “com sensibilidade para as diferenças”: ..., mas acima de tudo, a concessão de autônima cultural, os direitos grupais específicos, as políticas de equiparação e outros arranjos que levem a uma efetiva proteção das minorias. (HABERMAS, 2002, p.166)

Essa sensibilidade para as diferenças dialoga com o conceito trazido por Regina Abreu

(2015), patrimonialização das diferenças, ao pensar os atuais processos de patrimonialização

garantindo o direito a preservação das diferenças, dos pequenos grupos minoritários, mas

que em nada perdem seu valor diante de outros bens culturais.

Regina Abreu (2015) considera que a globalização tem gerado uma homogeinização no

mundo, entretanto é necessário um trabalho de preservação das singularidades, da

especificidade local, ao que a autora chama de patrimonialização das diferenças, um direito

de garantir a preservação da cultura das minorias.

A Educação Patrimonial nos processos de patrimonialização e memoração

Pensar em processos de patrimonialização é refletir sobre mecanismos de preservação

das culturas e modos de valorizá-las. Somente através da educação é possível realizar um

trabalho de construir caminhos em prol do patrimônio, como assinalam Regina Abreu e

Rodrigo Silva,

Aprender sobre o patrimônio, aprender com o patrimônio, aprender a ler o patrimônio não são atividades fáceis e de comunicação imediata. É preciso construir caminhos2que levam ao encontro dos cidadãos com o patrimônio, ou com os patrimônios no plural. (ABREU; SILVA, 2016, p.9)

2 Grifos da autora.

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O trabalho da Educação Patrimonial tem sido construtor de caminhos, caminhos

muitas vezes longos e fruto de um trabalho continuo e persistente. Muitas pessoas não

conhecem seus patrimônios. Como apresentá-los a quem, supostamente, deveria identificar-

se com eles, valorizá-los e buscarem sua preservação?

A Educação Patrimonial é um campo que tem crescido nos últimos anos juntamente

com as demandas dos processos de patrimonialização. E o IPHAN tem buscado consolidar o

campo para este importante trabalho com o patrimônio. No dia 28 de abril de 2016 saiu a

Portaria nº137 do IPHAN que estabelece normativas e diretrizes para a Educação

Patrimonial, a qual em seu segundo artigo a entende por:

Processos educativos formais e não formais, construídos de forma coletiva e dialógica, que têm como foco o patrimônio cultural socialmente apropriado como recurso para a compreensão sociohistórica das referências culturais, a fim de colaborar para seu reconhecimento, valorização e preservação.

Vale ressaltar que a proposta de compreensão do patrimônio cultural por meio da

educação não é recente. O anteprojeto para a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional – IPHAN, em 1937, elaborado por Mário de Andrade já mencionava a

importância do caráter pedagógico para preservação e continuidade do patrimônio. A

instituição desde a sua fundação manifestou em documentos, iniciativas e projetos à

relevância das ações educativas. O primeiro presidente da instituição Rodrigo Mello Franco

de Andrade fez a seguinte declaração: só há um meio eficaz de assegurar a defesa

permanente do patrimônio de arte e de história do país: é o daeducação popular. (IPHAN,

2014, p.6)

Entretanto as práticas de Educação Patrimonial só começaram a ser discutidas a partir

da década de 1970 no Centro Nacional de Referência Cultural, que teve no Projeto Interação

em 1981 a elaboração de linhas de ações e criou diretrizes para operacionalização da política

cultural do Ministério da Educação.

A partir do 1º Seminário sobre o Uso Educacional de Museus e Monumentos, que

aconteceu em 1983 no Museu Imperial em Petrópolis-RJ, começou a ser utilizado o termo

Educação Patrimonial no Brasil, inicialmente pensada como uma metodologia de trabalho

inspirada em modelo inglês. A primeira publicação de Educação Patrimonial do IPHAN foi o

Guia Básico de Educação Patrimonial em 1999. Desde então diversas publicações foram

produzidas e alguns encontros realizados, visando consolidar um campo, sistematizar e dar

subsídios às práticas, cada vez mais diversificadas e intensificadas no trabalho da Educação

Patrimonial. No ano de 2004, o IPHAN criou uma Coordenação de Educação Patrimonial –

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CEDUC, para promover iniciativas, eventos e buscar o diálogo com as diversas esferas da

sociedade.

Na publicação de 2007 do IPHAN: Manual de atividades práticas de Educação

Patrimonial, Evelina Grumberg propôs uma possibilidade de metodologia de apreensão

concreta de objetos e fenômenos culturais para a prática da Educação Patrimonial, com

quatro etapas progressivas: observação, registro, exploração e apropriação. Mesmo não

sendo esta a única forma para a execução das ações educativas, essas etapas ajudam a

elucidar o caráter processual que as atividades de Educação Patrimonial devem possuir, não

se restringindo a atividades pontuais e isoladas. O trabalho educativo com o patrimônio

precisa ser contínuo e propiciador da construção de um conhecimento que leve a

conscientização da preservação e valorização do patrimônio.

As etapas metodológicas propostas para Educação Patrimonial podem ser analisadas

como o processo de narração que conta e leva a uma experiência, de uma troca constante de

histórias vividas. Benjamin (1994, p.205) menciona sobre a narrativa que: “Ela mergulha a

coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a

marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. ” Algo que após a observação e

registro para ser explorado e apropriado pelo outro, deixa de ser uma propriedade de quem

realiza ações de Educação Patrimonial e passa a ser apropriado pelo outro com a marca do

oleiro, do patrimônio cultural.

Benjamin ressalta um ponto importante, que é também muito rico para o trabalho

com o patrimônio cultural, que diz respeito à valorização da tradição, aquilo que é de raiz dos

povos e culturas, que infelizmente tem sido sufocado pelas demandas homogeneizantes da

globalização. O autor fala da sabedoria que está em extinção, como o lado épico da verdade, e

que sem ela não há a possibilidade de continuidade das narrativas ou experiências vividas.

Na atualidade a história não partiria de uma narração reflexiva, mas de uma informação de

fatos postos e explicados sem a possibilidade de uma apropriação ou assimilação do que está

posto, formando-se, desta maneira, uma sociedade alienada de senso crítico e simplesmente

receptora de conteúdo. O que se opõe a proposta da Educação Patrimonial.

Sônia Florência (2012) destaca questões valiosas para a Educação Patrimonial: pensá-

la como campo específico das políticas públicas para o patrimônio cultural e concebê-la em

sua dimensão política, que compreende como produtos sociais a memória e o esquecimento

de uma sociedade que, em sua maioria, não se identifica com o patrimônio cultural oficial da

nação. Logo a Educação Patrimonial tem o importante papel no processo de valorização e

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preservação do patrimônio cultural, a partir das construções de relações efetivas com as

comunidades de origem dos patrimônios e os bens relativos a elas.

A Educação Patrimonial tem alguns preceitos importantes para a consolidação da sua prática, como a construção coletiva do conhecimento, o diálogo permanente, a valorização da diversidade cultural, o fortalecimento das identidades e alteridades no mundo contemporâneo e ainda como forma de afirmação das formas de ser e estar no mundo. Para que esta afirmação possa ser realizada as ações educativas da Educação Patrimonial assumem o sentido de ações mediadoras, no sentido pensado por Vygotsky. (FLORÊNCIO, 2012, p.29)

Considerando a Educação Patrimonial no âmbito da política do patrimônio cultural, ela

está vinculada ao Estado-nação como uma política pública para a sociedade. Tendo a nação o

significado de uma comunidade política marcada por uma ascendência comum, ao menos

por uma língua, cultura e história em comum (HABERMAS, 2002, p. 124). Através das ações

educativas da Educação Patrimonial a cultura e história de uma nação, por vezes até mesmo a

língua, podem ser preservadas, valorizadas, criando identidades pela reconstituição de

memórias auxiliando na formação do indivíduo crítico que reconhece seu papel na sociedade

com direitos e deveres.

Vera Dodebei (2015) traz importantes reflexões sobre a memória, como pensar na

circularidade do tempo e na virtualidade do espaço, já que o presente seria a única

possibilidade temporal, a partir da qual pensamos o passado e reconstruímos

constantemente nossas memórias para projetar a partir delas o futuro. A memória possui,

para a autora, a qualidade do movimento e tem como objeto a lembrança.

Os apontamentos de Dodebei são valiosos para a compreensão do trabalho da

Educação Patrimonial em relação à memória. A autora reforça e explicita questões que

podem dar subsídios para que o sujeito faça uma releitura do passado, em uma perspectiva

de valorização e preservação do patrimônio cultural, que o identifica. O entendimento

integral do sentido de preservação de algo que pertence ao sujeito, um patrimônio com o qual

se sente identificado, reconhece nele suas tradições e costumes. Um patrimônio que pode ser

uma celebração religiosa, um saber fazer típico regional, ou um monumento histórico com

determinado estilo de arte, não importa qual for, todos têm o mesmo valor, o valor da

possibilidade de reconhecimento do indivíduo, que assim poderá preservá-lo e perpetuá-lo

como parte de sua cultura.

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A Educação Patrimonial na Educação e na cidade do Rio de Janeiro...

A educação é um processo que se dá para além dos muros escolares e se faz no decorrer

da vida, no convívio familiar, socialmente e, também, na escola. Mas, é fundamental observar

que a comunidade escolar é um importante lugar para as ações de Educação Patrimonial

como demonstra o trecho a seguir:

Acreditar que a educação é algo que ocorre somente no interior da escola é um equívoco enorme. Mas, por outro lado, crer que se pode realizar projetos educativos potentes em nossa sociedade, particularmente nos grandes centros urbanos, sem envolver as escolas é um equívoco de igual dimensão. (NAJJAR; TAPIOCA; GORDENSTEIN, 2010, p.188)3

A escola é lugar de ensino-aprendizagem,onde discentes e docentes estabelecem uma

relação de constantes trocas. E, dentro desta perspectiva, é um local importante para a

realização das atividades de Educação Patrimonial.A realização de atividades de Educação

Patrimonial na comunidade escolar mediada pelos educadores em sua prática cotidiana tem

alcances amplos e que vão muito além do ensino de uma ciência, logrando a construção de

sujeitos identificados por uma memória social a partir do Patrimônio.

Muitos são os espaços que podem abrigar as ações de Educação Patrimonial e dialogar

com as práticas educativas em relação ao patrimônio cultural, como, museus, áreas de

atividades sobre meio ambiente, turismo e mesmo as Superintendências regionais do IPHAN.

Na construção do conhecimento é importante que exista interesse em relação ao

conteúdo de ensino, que é gerado por um reconhecimento de si naquilo que lhe é

apresentado. Partindo dessa ideia, a Educação Patrimonial tem um grande potencial no

sucesso do processo de aprendizagem, já que trabalha diretamente com bens culturais

materiais ou imateriais da região abordada, facilitando, assim, a construção da cidadania,

aquisição de memória e valorização da identidade, contribuindo para a formação de

indivíduos ativos e conscientes.

Na publicação Patrimônio e Ações Educativas (IPHAN, s.d.),Mário Chagasressalta um

ponto importante: o Patrimônio vem sendo representativo de uma elite dominante e as ações

educativas, neste sentido, tendem a apresentar informações estáticas sobre o mesmo,

colocando esta prática de ensino numa perspectiva autoritária, burocrática, pronta e acabada.

Entretanto a proposta é justamente contrária a esta ideia, já que o Patrimônio está em um

constante movimento de apropriação de geração em geração e, portanto, deve ser estudado

3NAJJAR, J.; TAPIOCA, G.; GORDENSTEIN, S. Quando a Arqueologia vai à escola. In: NAJJAR, R.(org.) Arqueologia no Pelourinho. Brasília, DF:IPHAN/Programa Monumenta, 2010. 288p.

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de forma contínua e como propiciador de um processo de interação com o indivíduo que o

está sempre interpretando e ressignificando, numa prática de educação libertadora, como a

pensada por Paulo Freire (1994).

Os escritos do educador Paulo Freire (1994; 2011) apresentam importantes

contribuições para a Educação Patrimonial, a primeira delas diz respeito ao cuidado no

trabalho com as ações educativas em relação ao patrimônio cultural. Ações estas que de

nenhuma maneira podem assumir um caráter impositivo, comparado a um ensino bancário e

depositário de informações sobre o indivíduo. O conhecimento não se detém, ele se produz e

reproduz o tempo todo, por isso ele é construído. As ações de Educação Patrimonial precisam

ser construídas e realizadas coletivamente para que um conhecimento possa nascer do

conjunto e assim as pessoas participantes se assumam como seres sociais e históricos, como

seres pensantes, comunicantes, transformadores, criadores, realizadores de sonhos.

O papel desempenhado pelos que tem desenvolvido ações de Educação Patrimonial

pode ser compreendido como o de um diagnosticador do presente, um intelectual com uma

atuação específica segundo as demandas e necessidades de determinadas camadas da

sociedade. Foucault (2011) propõe reflexões sobre um conhecimento e cuidado de si,

questões já muito debatidas na filosofia, para que possa haver uma prática de si inserida nas

condições reais do presente.

O patrimônio cultural quando observado e registrado pelo indivíduo pode então ser

assimilado em uma prática em que o sujeito se reconhece naquilo que observa, se identifica e

pode então explorar e se apropriar dos bens tangíveis os intangíveis como parte de sua

história de vida e componente de sua memória.

É importante que a reflexão sobre a diversidade de ações de Educação

Patrimonial seja feita de acordo com a subjetividade representada pelos grupos de

indivíduos que têm participado de sua elaboração, na tentativa de compreensão do

porquê de determinada maneira de abordagem. Existe uma necessidade de entender

as especificidades deste trabalho, a partir dos sujeitos que a realizam, que são

carregados de memórias e identidades que os singularizam e definem nesta prática

laboral.

A Educação Patrimonial tem sido abordada de diversas maneiras no intuito de gerar na

sociedade uma valorização do patrimônio cultural e estimular sua preservação. Mas esse é

um trabalho que precisa ser contínuo e reflexivo, pois os processos de patrimonialização

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estão em curso e cada vez mais buscando refletir a relação intrínseca das sociedades aos seus

patrimônios.

As diretrizes da Educação Patrimonial, contidas na portaria n.137/16, salientam

aspectos interessantes em sua formulação para sua inserção no campo da educação; a

primeira e a segunda assinalam o incentivo à participação social em todas as etapas das ações

educativas e a integração destas ao cotidiano das pessoas; a terceira coloca a valorização do

território como espaço educativo; a quarta menciona favorecer as relações de afetividade e

estima para a valorização e preservação do patrimônio cultural; a quinta ressalta considerar

que as práticas educativas e as políticas de preservação estão inseridas num campo de

conflito e negociação entre diferentes segmentos; a sexta e a sétima dizem respeito a

considerar a intersetorialidade das ações educativas para articular as políticas do patrimônio

com áreas da cultura, turismo, educação, saúde e outras; e, ainda, incentivar e associar as

políticas de preservação do patrimônio cultural às ações de sustentabilidade; e, a oitava, e

última diretriz, é considerar o patrimônio cultural como tema transversal e interdisciplinar.

As diretrizes demonstram como é amplo o campo da Educação Patrimonial e

igualmente são múltiplas as possibilidades de ações educativas, logo tentar mapear quais têm

sido as ações educativas realizadas nos últimos anos não é um trabalho fácil.

Todos os trabalhos já realizados no campo da Educação Patrimonial são de uma

importância inquestionável. Em alguns dos trabalhos realizados, como a pesquisa

arqueológica por exemplo, a Educação Patrimonial é uma exigência legal e a compreende

uma das etapas da pesquisa. Em outros casos, a apropriação da Educação Patrimonial se dá

como mecanismo de trabalho, como é o caso do projeto de pesquisa, Cultura material da

Antiguidade Clássica e Educação Patrimonial, desenvolvido pela professora Regina

Bustamante (UFRJ) que possui diversas ações educativas desenvolvidas para o ensino de

história antiga na educação formal, dando subsídios para uma construção do conhecimento

dinâmica e com abordagem diferenciada dos conteúdos.

Dentre as mais de vinte publicações de Educação Patrimonial do IPHAN, disponíveis

no site institucional, quatro foram elaboradas em parceria com o MEC para o Programa Mais

Educação, que contemplam a formulação e proposta de elaboração de um inventário

pedagógico voltado para as escolas públicas, objetivando que seus alunos identificassem suas

referências culturais. Este foi um material tão rico em sua formulação que extrapolou os

muros da escola, tornando-se um material disponível para o uso das comunidades

identificarem e inventariar suas culturas locais, dando assim origem à publicação Educação

Patrimonial: inventários participativos: manual de aplicação,de 2016.

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Algumas das publicações mostram ações de Educação Patrimonial que vem sendo

realizadas em locais específicos, como João Pessoa na Paraíba e em Alcântara no Maranhão.

Entretanto não há uma publicação ou mesmo um levantamento do que tem sido realizado no

Rio de Janeiro.

As pesquisas que venho realizando se iniciaram no campo da arqueologia, a partir de

alguns questionamentos4. O que na pesquisa arqueológica tem sido realizado como Educação

Patrimonial? Essas atividades estão de acordo com as propostas do IPHAN?

A pesquisa arqueológica no Brasil é exigência legal, como parte do licenciamento

ambiental para grandes obras, desde 2002. A Educação Patrimonial é uma das etapas dessa

pesquisa e compreende o momento em que são levados para a sociedade os resultados da

pesquisa arqueológica. Cabe a cada equipe definir como e para que parcela da sociedade

serão destinados esses resultados. No Brasil,noventa e cinco por cento das pesquisas

arqueológicas érealizada por contratos, pelo setor privado. Os contratos têm fator

complicador, que é o tempo, os períodos curtos muitas vezes impossibilitam um trabalho

continuo para com o patrimônio. Poucas empresas de arqueologia no Rio de Janeiro atuaram

na comunidade escolar, muitas delas confundindo o papel educativo da Educação

Patrimonial com apenas levar informações sobre a pesquisa arqueológica para a população.

O Instituto de Arqueologia Brasileira merece destaque pelo trabalho que vem

desenvolvendo há muitos anos com atividades de Educação Patrimonial, trabalhando com a

psicopedagogia e experiências práticas com a cultura material e o ofício do arqueólogo e a

importância do seu trabalho para a preservação do Patrimônio Material e a reconstrução da

história das sociedades que nos antecederam.

Outro lugar de pesquisa foi a Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de

Janeiro. Nos contatos estabelecidos, a equipe responsável por projetos relatou desconhecer

atividades de Educação Patrimonial e nada relacionado a arqueologia, somente havendo um

projeto em relação a educação e museus.

Conclusão

Os processos de patrimonialização vem evoluindo muito no que se refere as políticas

públicas implementadas no Brasil, embora ainda falte muito a ser discutido e ampliado neste

campo. Ficou evidente a importância da Educação Patrimonial como campo emergente para

4 A autora trabalha como educadora patrimonial em Arqueologia em empresa privada. A partir da construção deste trabalho surgiram questionamentos que levaram a elaboração do projeto de pesquisa de doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO: Educação Patrimonial no Rio de Janeiro, sob a orientação da professora Dra. Regina Abreu.

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a valorização e preservação do patrimônio cultural brasileiro nos diversos setores da

sociedade.

Vale ressaltar as contribuições que a área da educação tem a fornecer para o trabalho

de Educação Patrimonial, como o caráter democrático e igualitário propiciador da construção

de um conhecimento coletivo, onde um sujeito não sobressaia sobre outro. Logo, observa-se a

partir das reflexões realizadas uma preocupação em levar adiante mecanismos que

prestigiem a cultura das minorias, dos povos cujas culturas são tesouros inesgotáveis para

toda a nação, mas que com o advento da globalização, estão com dificuldade de serem

valorizados.

Por meio de resultados iniciais da pesquisa verificou-se que em relação as atividades de

Educação Patrimonial em Arqueologia, existe uma descaracterização e descontinuidade das

ações na cidade do Rio de Janeiro e ainda, é perceptível a desconexão das atividades realizas

e o diálogo para a construção das ações muitas vezes não é uma realidade.

O primeiro diálogo estabelecido com a Secretaria Municipal de Educação, apontam

aparentemente para uma não inserção da Educação Patrimonial na comunidade escolar.

Contudo a pesquisa está em fase inicial, como já relatado, as demais conclusões virão em

trabalhos futuros.

Referências

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5959

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