educaÇÃo patrimonial: aÇÕes educativas na … · apresentando informações relevantes sobre o...
TRANSCRIPT
1
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: AÇÕES EDUCATIVAS NA ESCOLA DE ENSINO
FUNDAMENTAL LEOPOLDINA VERAS DA SILVEIRA
EM CAPÃO DA CANOA/RS
ALEXANDRE PENA MATOS
Doutorando pela Pontifícia Universidade Católica – PUCRS
A pesquisa e o trabalho arqueológico devem apresentar a contextualização da área
abrangida pelo empreendimento, avaliando o seu patrimônio histórico, arqueológico, material
e imaterial. No diagnóstico torna-se necessário que o pesquisador estabeleça um diálogo com
o grupo escolar e a comunidade local. Apresentando informações relevantes sobre o lugar em
seus vários momentos temporais. E é justamente nesse quadro que as ações educativas
colaboram no diálogo do passado com o presente.
O artigo 26 da LDB1 propõe que “os currículos do ensino fundamental e médio devem
ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais
e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”.
Um dos fundamentos expostos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica ─ Parecer CNE/CEB 7/20102 ─ é a possibilidade do espaço escolar se tornar um
laboratório para o exercício pleno da cidadania, visando a construção das habilidades
necessárias à vida cidadã. A transposição deste princípio para a dinâmica curricular exige da
escola a articulação e a sequenciação de atividades que ultrapassem os limites conceituais das
disciplinas. Segundo este documento
Compreender e realizar a educação, entendida como um direito individual humano e
coletivo, implica considerar o seu poder de habilitar para o exercício de outros
direitos, isto e, para potencializar o ser humano como cidadão pleno, de tal modo
que este se torne apto para viver e conviver em determinado ambiente, em sua
dimensão planetária.
1 Lei Federal 9394, de 20 de dezembro de 1996 – Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 2 Parecer Normativo emitido pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, em 7 de abril
de 2010, e publicado no Diário Oficial da União em 9 de julho de 2010.
2
A educação é, pois, processo e pratica que se concretizam nas relações sociais que
transcendem o espaço e o tempo escolares, tendo em vista os diferentes sujeitos que
a demandam. Educação consiste, portanto, no processo de socialização da cultura da
vida, no qual se constroem, se mantêm e se transformam saberes, conhecimentos e
valores (Parecer CNE/CEB 7/2010).
No Plano de Estudos das Escolas, o dispositivo da transversalidade, como eixo
articulador de ações e temáticas que atendam as demandas sociais, materializa a necessidade
de atualização e autorregularão da proposta curricular dos colégios. A prescrição de conteúdos
no Plano de Estudos, no limite das áreas de conhecimento, não comporta em si a
complexidade do mundo que precisa ser traduzida nas propostas curriculares. A educação
precisa dialogar com o mundo contemporâneo, realizando uma escuta atenta das suas
demandas e traduzindo estas percepções em ações pedagógicas que qualifiquem as
aprendizagens dos educandos.
O que se discute hoje na elaboração das matrizes curriculares é o quanto a escola
precisa desenvolver nos educandos as habilidades necessárias para a vida cidadã e, de forma
mais clara, uma vida de qualidade no mundo contemporâneo. O número de temáticas é
grande, e no processo de construção do discurso pedagógico, a escola define politicamente
seu espectro de ação. Nenhuma escolha é neutra, mas fruto do diálogo, da consciência e da
responsabilidade da escola na operacionalização de um currículo, que é um percurso
formativo. O que não pode acontecer é a escola, em nome de uma manutenção de conteúdos
tradicionais, muitas vezes completamente desconectados das vivências contemporâneas,
fechar os olhos para a experiência de vida dos sujeitos da educação. Nesse sentido, o percurso
formativo proposto por uma proposta curricular é a resposta que a escola dá às expectativas
que a comunidade nela espera.
A Arqueologia Pública, atenta às demandas da comunidade, insere-se na
transversalidade dos conteúdos propostos nas salas de aula, rompendo o uso exclusividade
disciplinar e ousando dialogar com temas das mais diferentes ciências.
As ações educativas no âmbito escolar, tem início no país a partir dos anos 1980 nos
trabalhos efetuados por Maria de Lourdes Parreiras Horta, vinculada ao Museu Imperial do
Rio de Janeiro.
3
A Educação Patrimonial pode ser desenvolvida em salas de aulas, assim como, nos
passeios, centros de lazer, passeios turísticos e museus. A atividade busca envolver a rede
escolar, as famílias, as organizações locais, autoridades governamentais e empresas.
As ações de Educação Patrimoniais tornaram-se mais intensas a partir de 1997,
especialmente em lugares de áreas tombadas como patrimônio nacional pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), com finalidade de envolver as
comunidades locais na conservação do patrimônio.
O trabalho educacional pontuado no Patrimônio Cultural consiste em trocas de saberes
entre o indivíduo e o coletivo. Envolve, conforme Horta (1999), um “trabalho sistemático e
permanente de exploração direta dos objetos e das expressões culturais, em uma condição em
que se possa questioná-los e explorá-los em todos os aspectos, para então traduzi-los em
conceitos e conhecimentos com apoio de livros e textos”. Assim, a autora segue, que trata-se
de um “processo ativo de conhecimento que favorece não só a apropriação e valorização dos
bens cultuais herdados, como seu usufruto e a geração de novos conhecimentos a respeitos
deles”. E por fim, a autora complementa, que “o princípio básico da educação patrimonial é
exatamente essa experiência direta com os bens e fenômenos culturais, de modo a
compreendê-los e valorizá-los em um processo contínuo de descoberta”.
Na ação pedagógica, conforme os autores Silva, Tulux e Le Bourlegat (2011, p. 21)
“são utilizados lugares e suportes de memórias, tais como: museus, monumentos históricos,
arquivos, bibliotecas, sítios históricos, vestígios arqueológicos”, entre outros, “a fim de
desenvolver a sensibilidade e a consciência sobre a importância da conservação desses bens
culturais”. Para tanto os autores esclarecem que a sensibilização,
consiste em um exercício de interação com os bens patrimoniais, ou mesmo com os
vestígios que possam por ele ser tocados e/ou percebidos. A observação e a
manipulação de vestígios da cultura material promovem o conhecimento, a
apropriação e a valorização da herança cultural. Vista assim, a educação patrimonial
acaba se tornando o ponto de convergência entre preservação, conservação e
valorização cultural. Por meio da ação educativa promovem-se modificações no
relacionamento com os bens culturais, especialmente quando se consegue lhes atribuir a devida importância no processo sociocultural e ambiental no qual se está
inserido.
4
Sendo assim, a inserção da Educação Patrimonial como transversalidade
(interdisciplinaridade) na escola e na comunidade representa uma iniciativa significativa no
desenvolvimento da identidade e da memória. A volatilidade dos dias atuais, em que os
sentidos são perdidos, os significados são mutáveis e as identidades híbridas, a educação
representa um dispositivo fundamental para a disseminação e solidificação dos valores
necessários a constituição de uma vida em sociedade. Freire (1996), chama atenção que a
“importância em se trabalhar a identidade cultural na educação, lembrando que uma das
tarefas mais importantes da prática educativa-crítica é propiciar as condições para os
aprendizes poderem se assumir como ser social e histórico”. Esses valores, no entanto,
dependem do desenvolvimento da autoestima, do conhecimento de si e do sentimento de
pertencimento a uma comunidade, onde as referências culturais fazem parte desta construção.
A função principal da Educação Patrimonial atrelada a Pesquisa da Arqueologia de
Contrato é de possibilitar ações que desenvolvam o reconhecimento da cultura que está ligada
ao Patrimônio Arqueológico da região. De certa forma, o que se propõe com a inclusão da
Educação Patrimonial em um projeto de Licenciamento Ambiental é a Memorial Temporal
(ocupação do espaço em outros tempos por outros indivíduos), ou seja, desenvolver as ações
necessárias para que o sujeito reconhecer, interprete e valorize os signos manifestados de
determinada cultura seja ela, material ou imaterial. Não se pode querer que uma comunidade
valorize seu patrimônio cultural se não forem construídas as habilidades necessárias para o
reconhecimento e compreensão desses elementos.
De acordo com as sínteses apresentadas no I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural,
a Educação Patrimonial tem como objetivos:
Construir novas possibilidades de percepção e de atribuição de sentido ao bem
cultural.
Promover a autoestima da comunidade possibilitando a (re) significação e a relação
positiva com a cidade e com o patrimônio.
Valorizar formas compartilhadas de agir que permitam a construção de um sentimento
de pertença das pessoas com o lugar.
A Educação Patrimonial exige o implemento de ações pedagógicas como visitas
assistidas, expedições patrimoniais, contação de histórias, blogs, círculos de literatura e arte,
5
dentre outras, articulando ações na educação formal, informal e não-formal. Na verdade,
nenhuma dessas ações é estranha às práticas pedagógicas já desenvolvidas. O que se propõe
com a transversalidade é o incremento de relações de sentido mais claras aos educandos.
Assim, conteúdos e práticas que antes eram desenvolvidos na programação, seja ela na escola
ou dentro da comunidade isoladamente ou sem referência no mundo vivido, ganham
significados e ecos nas vivências cotidianas dos sujeitos.
O campo de ações e conhecimentos da Educação Patrimonial refere-se a qualquer
evidência material ou imaterial, manifestações da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens,
um monumento, um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma
área de proteção ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural,
uma manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, um processo de produção industrial
ou artesanal, tecnologias e saberes populares, e qualquer outra expressão resultante da relação
entre os indivíduos e seu meio ambiente. Ainda constituem o patrimônio vivo: artesanatos,
maneiras de pescar, caçar, plantar, cultivar e colher, de utilizar plantas como alimentos e
remédios, de construir moradias e fabricar objetos de uso, a culinária, as danças e músicas, os
modos de vestir e de falar, os rituais e festas religiosas e populares, as relações sociais e
familiares, as canções, as histórias e lendas contadas de geração a geração. Tudo isso, são
elementos que já aparecem, de uma forma ou outra, na programação curricular da escola, nas
áreas de Arte, História, Língua Portuguesa, Educação Religiosa, Matemática, Física e
Química e mesmo em Ciências e Geografia, quando se trata de valorização do patrimônio
natural. Não se trata do acréscimo de conteúdo, mas sim da ressignificação desses, de forma a
constituir um sentido mais amplo e uma relação de pertencimento.
Os autores Silva, Tulux e Le Bourlegat (2011, p. 21), relatam que no Campo
Simbólico, na Identidade Territorial e no Desenvolvimento Local, o patrimônio passa a ser
usufruído pela comunidade quando é visto como “um bem coletivo, ao conhece-los e
reconhece-lo como algo herdado e que também deve ser deixado de herança para as novas
gerações”, esse legado se constitui em riqueza cultural, memória e identidade coletiva quando
serve de referência para se distinguir de outras culturas e territórios”. E os autores
complementam, que “o conjunto de representações culturais, que nasce da sensibilidade e da
6
busca de significações de um grupo social ou coletividade no cotidiano vivido, constitui seu
campo simbólico”.
A representação geossimbólica do conjunto de signos e valores carregados de
afetividade e significações de uma coletividade atrelada a um território. Os
geossímbolos vão além da cultura, pois dizem respeito à concepção que essa
coletividade enraizada em seu território faz do mundo e de seus próprios destinos,
numa realidade muito mais sonhada do que vivida. A dimensão torna-se
geossimbólica e dá coesão a um grupo social, a uma coletividade, ou a um povo e
que conforma uma etnia, ou seja, agrupamentos de pessoas que se identifiquem
através de suas simbologias; costumes, falas, rituais, etc. Nesse espaço de comunhão
se revela a identidade de um grupo, assim definindo quem é de dentro ou de fora e surgindo a conservação cultural (BONNEMAISON apud SILVA, TULUX, LE
BOURLEGAT, 2011, p. 22).
Para Silva, Tulux e Le Bourlegat (2011, p. 22), o território “se constrói como sistema e
como símbolo, e a territorialidade revela a relação que uma coletividade tem com seu
território”, mas essa não é a única força que constitui coesão social, atrelado ao lugar estão os
costumes que o povo traz ao ocupar determinada região, e assim, na conjunção espaço e
memória, há o desenvolvimento da cultura. Portanto o desenvolvimento patrimonial local
consiste na união cultural com a região e vice-versa, perante o tempo.
A ação educativa se deu no grupo escolar Escola Municipal de Ensino Fundamental
Leopoldina Veras da Silveira, localizada na Rua Cesar da Silva Bitencourt, 927, Bairro Zona
Nova, Capão da Canoa/RS, com duas turmas de 5º e de 6º Ano. As duas turmas de 5º Ano
contaram com 53 alunos e com a participação das Professoras de História e Geografia Sra.
Edna e Valéria. Nos 6º Anos, contaram com 48 discentes e os regentes de turmas Professora
de História Sra. Ana Cristina e o Professor de Matemática Sr. Renato. Ambos os encontros
foram no turno da manhã. Como se tratada de duas turmas, iniciou-se atividade as 8:30 h às
10 h e posteriormente das 10:30 a 11:45 h, aproximadamente 1h:30min de atividade.
Contemplou-se as especificidades da pesquisa arqueológica, fornecendo uma visão
abrangente da arqueologia regional para envolve-los na preservação e no estudo do
patrimônio arqueológico, os recursos utilizados foram impressos, audiovisuais e dinâmicas
com colagem de cerâmica industrializada (potes de barro).
A proposta, iniciou-se com uma conversa sobre os antigos habitantes do lugar hoje
conhecido como município de Capão da Canoa/RS e a região do Litoral Norte/RS.
7
Questionando: o que os alunos conheciam dos Povos Indígenas? Assim como, suas formas de
vivência, maneiras de pescar, caçar, plantar, cultivar e colher, de que plantas utilizavam como
alimentos e remédios, modos de se abrigar das intempéries, fabricar objetos de uso, da
culinária, das danças e músicas, dos modos de vestir-se e de falar, os rituais e festas religiosas
e populares, das relações sociais e familiares, entre as histórias e lendas, e por fim, o seu
legado material e imaterial. Essa atividade de trocas de saberes, procurou-se pontuar o
patrimônio cultural através dos estilos, formas, funções, características, tipologias e épocas
diferentes que por vezes são eleitos por uma comunidade ou por agentes detentores de poder.
E como essas relações estabelecidas em outros presentes, agora considerado passado, podem e
ainda influenciam as relações dos indivíduos e as comunidades do atual presente.
Durante as atividades, implementamos um momento de reflexão com o uso do livro
Uma aventura arqueológica no Museu dos autores Cristine Mallmann Vicroski e Fabrício J.
Nazzari Vicroski, da editoria Veon Livraria e Editora, 2012 (ANEXO 02). A obra inicia com
a descoberta de uma peça no quintal da residência dos donos da cachorra Dara, o cão da casa
e das crianças, a avó incita que os netos levem o objeto até o museu da cidade para ser
analisado. Em outro momento a pesquisadora do Museu conta a história da peça e de seus
confeccionadores (trata-se de um recipiente indígena). A pesquisadora do almanaque, explica
como se deu a entrada dos primeiros seres humanos na região do Rio Grande do Sul e suas
diferentes culturas. Explana também, o trabalho dos arqueólogos e historiadores para
reconstituir o modo de vida desses grupos humanos. Nas últimas páginas há atividades como
passatempos: desenhe o rosto da Dara (cachorra da história), caça-palavras, jogo dos 7 erros,
vamos ajudar a Dara a encontrar os objetos, para colorir e na última página as respostas das
atividades.
A função principal da Educação Patrimonial na escola é possibilitar o conhecimento, o
acesso à informação e bens, à fruição dos bens culturais, para que a sociedade possa
reconhecer a importância de sua cultura e valorizar a educação. Esta educação possibilita a
uma comunidade escolher no presente, o que quer preservar do passado, ao buscar na cultura
imaterial e material, tal como, os monumentos edificados, os objetos, os signos, as tradições,
assim como, os lugares que desejam preservar, sem que haja a intervenção do Estado
elegendo o que e como preservar
8
O conteúdo proposto, dessa dinâmica seguiu as orientações das Portarias do IPHAN:
O que é patrimônio?
A importância do patrimônio cultural brasileiro.
As especificidades do patrimônio arqueológico regional.
Objetivos da arqueologia, enquanto ciência.
A preservação do patrimônio, a partir das normas legais: legislação ambiental e
legislação específica.
A corresponsabilidade pela preservação do patrimônio nacional.
A resposta da atividade lúdica foi extremamente positiva, não importando a idade,
todos se virão em algum momento formulando questões sobre arqueologia, patrimônio,
memória e, principalmente, como se fazer representar nos locais de memória, ou seja, nos
museus, o que compor nos acervos.
Na atividade seguinte, os alunos vivenciaram uma prática simulada de arqueologia,
através da Arqueologia Experimental, os alunos tiveram oportunidade de efetuar a Colagem
de Fragmentos de Cerâmica, seguindo uma série de encaixes para recompor a imitação da
panela indígena. Os materiais e instrumentos utilizados para proposta foram adquiridos em
armazéns de construção e floricultura. Para tanto, passamos slides em projetor, além de
esclarecer sobre a modelagem de artefatos em argila, além dos processos de confecção da
panela e suas dinâmicas individuais e coletivas dentro de uma comunidade indígena,
conforme o livro Cerâmica Indígena Brasileira em Suma Etnológica Brasileira, de Tânia
Andrade Lima.
A execução de artefatos em argila é um aspecto presente na maioria das
comunidades indígenas brasileiras, sendo uma atividade essencialmente feminina
com exceção para os grupos Yanomâmi, Waharibo e os Yekuana. Entre alguns
outros grupos a produção é realizada com a participação masculina em algumas etapas. Segundo Lima (1987, p. 174) nos povos Waurá os homens participam da
coleta e do transporte da argila, esse é um aspecto novo devido ao aumento da
produção. Entre os Júruna tanto o homem quanto mulher conhecem a tecnologia,
mas os homens só participam do processo de modelagem. Já entre os Tapirapé, os
homens produzem cachimbos enquanto que as mulheres fabricam panelas. De
maneira geral o processo de manufatura da cerâmica entre os povos indígenas
obedece, em linhas gerais, a uma mesma sequência operacional, com pequenas
variações de caráter local que são, na maior parte das vezes, de caráter simbólico. A
técnica utilizada pela maioria dos grupos indígenas é a do acordelado: superposição
de rolos de argila a partir de uma base, em forma de anéis ou espirais. Como
exceção, registra-se o grupo Tapirapé, que modelam diretamente suas peças em uma
9
massa de barro - nos demais grupos essa técnica é destinada somente para peças
pequenas.
Lima (1987), expõe o processo operacional que versa sobre a obtenção da argila, que
se dá na “retirada das margens ou leitos de rios ou córregos. Para coleta normalmente
aproveita-se o período das secas, quando as águas dos rios encontram-se baixas, sendo muito
comum a participação dos homens nesta tarefa, em função do grande esforço necessário”.
Para tanto, informamos aos alunos que os objetos arqueológicos quando são
recuperados, segue determinadas etapas de intervenção: limpeza, marcação, consolidação,
colagem, preenchimento de lacunas e reintegração pictórica, conservação e restauro e por fim,
são submetidos a análises que traduzem a qual cultura a fabricou. Ressaltamos, conforme
Lima (1986), que a
cerâmica arqueológica é um vestígio tecnológico que conta com os diferentes aspectos culturais para sua fabricação, além de conhecimentos técnicos para fabricar
o vasilhame de argila. Sendo assim, em seu corpo há os diferentes tipos de
características, as variações de composição, de execução, de pastas utilizadas e
também figura a espacialidade e a temporalidade ligados a uma determinada cultura.
Assim como, que os objetos arqueológicos muitas vezes, quase em sua maioria, se
encontram com grandes desgastes e quebrados, com falta de peças e que também por vezes,
não é possível a reconstituição parcial ou total dos achados arqueológicos. Os vasilhames
cerâmicos arqueológicos apresentam-se na sua maioria muito fragmentados, faltando partes
essenciais para a reconstituição da forma dos objetos. Também que “em alguns casos, esses
vestígios identificam traços do processo de manufatura da cerâmica, como a queima,
amassamento da argila, técnicas de manufaturas e sinais de descarte após o abandono dos
objetos. Comprovado o encaixe, faz-se o mapeamento dos fragmentos com giz, fita crepe,
com a finalidade de auxiliar a montagem da peça” (LIMA, 1987).
E também enfatizamos que cada peça (panela ou fragmento) suscita problemas
próprios e exige da parte do técnico a definição de um programa de intervenção que lhe seja
adequado. Esta definição do programa tem por base um diagnóstico prévio, a partir do qual se
definem as etapas de intervenção, que variam consoante as patologias e as características que
apresentam.
10
O kit disposto aos alunos foram: 8 a 9 fragmentos de cerâmica industrializada,
pintados do lado exterior, com desenhos e cores diversas, cada grupo de fragmentos pertencia
a 8 vasos diferentes que foram misturados e colocados em sacos plásticos distintos; cola tenaz
branca; palito de picolé; 5 folhas de papel toalha; um fichário de anotações, para preencher os
dados dos nomes dos componentes do grupo, qual tipologia do material que estavam
manipulando, cor do material, quantidade de fragmentos, opção de avaliação da dinâmica e
espaço para observações diversas.
A metodologia utilizada para essa atividade, os alunos de cada turma foram divididos
em grupos. E cada grupo recebeu um kit com material pertinente a tarefa. Logo depois, os
grupos deveriam tentar remontar a panela simulada, caso não conseguissem com os
fragmentos dados no início, eles deveriam trocar com os outros grupos, até encontrarem as
peças que se encaixavam, observando-se as seguintes características: formato, espessura,
coloração da superfície das peças, assim como as fraturas iriam indicar quais fragmentos
colariam com seu par, e posteriormente, deveriam passar cola em ambos os lados dos
fragmentos e pressionar as partes até atingir o ponto de fusão, entre 30 a 45 segundos e assim
por diante, até a montagem integral do item.. Assim aos poucos, foram montando o quebra-
cabeças da panela simulada.
O oficineiro questionava durante a dinâmica, quais características os fizeram encontrar
os fragmentos corretos (que se moldavam) para montar a panela simulada. Se existia
especificidades em cada panela? Se poderiam haver trocas entre os grupos indígenas? Quais
eram as relações entre a pintura e a confecção da panela com o indivíduo que confeccionava?
Existiriam os signos (símbolos) do indivíduo e do grupo na peça?
As dicas importantes para que a dinâmica se torne prazerosa e que garanta um
procedimento seguro:
Consultar previamente os regentes de aula sobre a matéria dada anteriormente e o que eles gostariam que fossem abordados durante a oficina,
exemplo: memória, relações de poder, escrita, entre outros;
Verificar a quantidade de fragmentos separando-os por igualdade numérica
para atender aos grupos;
Organizar a equipe de cada grupo, distribuindo as tarefas, ao menos
indagando quem fará o que ou se haverá revezamento para as diligencias;
Efetuar cobertura sobre as mesas com guardanapos;
11
Informar aos alunos que devem ajustar a montagem das peças, verificando se
encaixam, antes de passar cola. E que devem passar cola em ambos os lados dos
fragmentos que se encaixam. Que devem segurar firme pressionando as peças uma
contra a outra, contando entre 30 a 60 segundos. Posteriormente devem deixar as
peças coladas repousando-as durante alguns minutos, e que passem para colagem de
outros fragmentos;
Preencher a Ficha de Avaliação, procurando analisar a forma, cor, aspectos
dimensionais, espessura, profundidade, símbolos desenhados e se houve falta de
peças;
No final da atividade a limpeza da sala de aula deverá ser efetuada pelos
alunos;
Anotar as informações, especialmente as não previstas em fichas de avaliação.
A proposta apresentada constituiu sobre um planejamento prévio, cujo objetivo geral
foi “envolver a população local para que possam identificar-se como comunidade,
promovendo seu reconhecimento, resgate, apreensão e valorização”. A Educação Patrimonial
ao ser priorizada no ambiente escolar do ensino fundamental, nos 4º, 5º e 6º anos, entre idades
de 10 a 14 anos, têm como intenção ser um método de motivação patrimonial na prática
escolar. Quando são propostas ações pedagógicas que envolvam as disciplinas de história,
geografia, biologia, ciências, artes, entre outras, de forma que tenham como dinâmica a
interdisciplinaridade, promove um processo ativo de conhecimento crítico, de modo a facilitar
a apropriação e valorização da herança cultural no contexto histórico e arqueológico das
comunidades escolares.
O exercício da ação educativa teve como um dos princípios básicos a experiência
direta com uma simulação de prática laboratorial (montagem e análise) dos bens e os
fenômenos culturais dos sítios arqueológicos. Como desdobramento dessa ação, verificou-se o
reforço dos conhecimentos científicos, assim como, ao incentivar novas criatividades a partir
da manipulação dos artefatos reais, que foram disponibilizados aos alunos, como também os
simulados. Buscou-se, ainda como um dos procedimentos, desenvolver a teoria e a prática do
conhecimento arqueológico. Por fim, o contato com uma atividade lúdica, deixa como
conclusão para as turmas envolvidas que a ciência é constantemente construída, e que não
necessita de laboratórios ou máquinas poderosas, apenas necessita de curiosidade, e essa
começa pelas questões que devem ser feitas ao mundo. Começa com o porquê?
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
12
ALBERT, Bruce. Associações indígenas e desenvolvimento sustentável na Amazônia
brasileira. In: RICARDO, Carlos Alberto. Povos Indígenas no Brasil: 1996-2000. São Paulo:
Instituto Socioambiental, 2000.
ALDEN, Daniel. O período final do Brasil-Colônia: 1750-1808. In: BETHELL, Leslie (org.).
História da América Latina. São Paulo: EDUSP; Brasília, DF: Fundação Alexandre
Gusmão, 2004, V.II, p.527-592. (América Latina Colonial).
ALEGRE, Maria Sylvia Porto. Imagem e representação do índio no séc. XIX. In: GRUPIONI,
Luís Donisete Benzi (org.). Índios no Brasil. São Paulo: SMC, 1992.
ALENCAR, Vera Maria Abreu. 1986. Museu e Educação: se faz caminho ao andar...
Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação em Educação,
Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1986.
ARMANE, Domingos. Como elaborar projetos? Porto Alegre: Tomo Editorial, 2009.
ARNAUD, Expedito. O índio e a expansão nacional. Belém: CEJUP, 1989.
ATAÍDES, Heloisa Selma Fernandes Capel de; MACHADO, Laís Aparecida. Identidade
Cultural e Memória – Objetos de Construção do Patrimônio Histórico. In: Revista de
Divulgação Científica. Publicação do Instituto Goiano de Pré-história e Antropologia da
Universidade Católica de Goiás. Goiânia: Editora UCG, vol. 2, 1998.
BASTOS, Rossano Lopes. O papel da arqueologia na inclusão social. In: LIMA, Tânia
Andrade. Revista do Patrimônio. O Patrimônio Arqueológico: o desafio da preservação,
n.33/2007, p. 289-303.
BECKER, J. L. 2007. O homem pré-histórico no litoral norte, RS. Brasil. De Torres a
Tramandaí. V.3. Torres, Graf. E Ed. TC.
BOURDIEU, Pierre. Lições da aula. São Paulo: Ática, 2003.
BRASIL. Leis. Legislação indigenista. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições
Técnicas, 1993.
BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
______. Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
COSTA, Cristian. Educação, imagens e mídias. São Paulo: Cortez, 2005.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil: mito – história – etnicidade. São
Paulo: Brasiliense: EDUSP, 1986.
______. Os direitos do índio: ensaios e documentos. São Paulo: Brasiliense, 1987.
13
______ (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria
Municipal de Cultura: FAPESP, 1992b.
DUARTE, Rosália. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educar, Curitiba, n, 24, p. 213-
225, 2004, Editora UFPR.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GALVANI, Maria Aparecida Magero. Leitura da Imagem: uma interação de olhares entre a
cidade e escola. In: Revista Educação e Realidade. V.30, n.2, 2005, p.145-163.
GLIESCH, R. 1925. Sobre a origem dos sambaquis. Egatea, Porto Alegre, 19 1-3):199-208.
GOMES, Juliane Maria Puhl. Arqueologia na sala de aula: resignificando conceitos. In:
CONGRESSO DE EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS. Anais. Minas Gerais: 2010.
GRUBER, Jussara. Imagens de confecção de cerâmica indígena. Suma Etnológica
Brasileira. Edição atualizada do Handbook of South America Indians. Darcy Ribeiro
(Editor). Rio de Janeiro: Vozes, 1987.
HILBERT, Klaus; MARQUES, Marcélia. A construção do sentido social numa coleção
particular: um mundo biográfico em direção a uma ação política? N.12. Sumários, 2008.
______. Diálogos entre substâncias, cultura material e palavras. V.8. N.16. Métis, 2009.
HORTA, Maria de L.P.; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Q. Guia Básico de
Educação Patrimonial. Brasília: IPHAN/Museu Imperial, 1999.
______. Fundamentos da educação patrimonial. Revista da Faculdade Porto-Alegrense de
Educação, Ciências e Letras, Porto Alegre, p.25-36, 2000.
______. Lições das Coisas: enigma e o desafio da Educação Patrimonial. In: Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, N.35, 2005.
ITAQUI, José. Educação patrimonial: a experiência da 4ª Colônia. Santa Maria: Pallotti,
1998.
LIMA, Tânia Andrade. Cerâmica Indígena Brasileira. In: Suma Etnológica Brasileira.
Edição atualizada do Handbook of South America Indians. Darcy Ribeiro (Editor). Rio de
Janeiro: Vozes, 1987.
MACHADO, Maria Beatriz Pinheiro. Educação Patrimonial: orientações para professores
do ensino fundamental e médio. Caxias do Sul: Maneco Livr. & Ed., 2004.
MATOS, Alexandre Pena. Educação Patrimonial nas escolas e empreendimentos
arqueológicos: a cultura material nos Bens Culturais Familiares. In: X ENCONTRO
ESTADUAL DE HISTÓRIA – ANPUH-RS. Anais. Rio Grande do Sul: 2010.
14
MORAES, Allana Pessanha de Moraes. Educação Patrimonial nas escolas: aprendendo a
resgatar o Patrimônio Cultural. Disponível em:
<http://www.cereja.org.br/arquivos_upload/allana_p_moraes_educ_patrimonial.pdf>.
Acessado em: 05 de novembro de 2012.
MOTTA, Lisiane. Patrimônio Arqueológico de Montenegro/RS: dialogando com a
arqueologia e o compromisso social. 2011. Dissertação (Mestrado em História), Programa de
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília: Ed. da UnB, 1991.
PESSANHA DE MORAES, Allana. Educação Patrimonial nas Escolas: Aprendendo a
Resgatar o Patrimônio Cultural. Acesso em 16 de maio de 2008.
QUEIROZ, Moema Nascimento. A Educação Patrimonial como Instrumento de
Cidadania. Disponível em: <http://www.revistamuseu.com.br/artigos/art_.asp?id=3562>.
Acessado em 05 de novembro de 2012.
ROGGE, Jairo Henrique; SCHMITZ, Pedro Ignácio. Projeto Arroio do Sal: A ocupação
indígena pré-histórica no litoral norte do RS. Antropologia, N.68, Ano 2010, p.166-225.
ROGGE, Jairo Henrique. A prática Arqueológica. Disponível em:
http:www.anchietano.unisinos.br/arqueologia. Acessado em 05 de novembro de 2011.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2006.
SANTOS, Maria Célia T. Moura. Integrando a escola ao bairro. Salvador: Instituto Anísio
Teixeira: Secretaria de Educação, 1990.
SILVA, Aracy Lopes da; GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (org.). A temática indígena na
escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília, DF: MEC: MARI:
UNESCO, 1995.
SILVA, Eder Janeo da; TULUX, Bruno Mendes; LE BOURLEGAT, Cleonice Alexandre.
Educação e Preservação Patrimonial/Arqueológica no Desenvolvimento Territorial de Mato
Grosso do Sul. Revista Impulso, Piracaricaba, V. 21 (51), 19-30, jan-jun, 2011, páginas 19-
30.
SOARES, André L.R.; KLAMPT, Sérgio C.(orgs.). Educação Patrimonial: Teoria e Prática.
Santa Maria: Ed, da UFSM, 2007.
SOARES, André L.R. (org.); MACHADO, Alexander da Silva; HAIGERT, Cynthia Gindri;
POSSEL, Vanessa Rodrigues. Educação Patrimonial: relatos e experiências. Santa Maria:
UFSM, 2003.
15
SCHMITZ, Pedro Ignácio (org.). Pré-História do Rio Grande do Sul. São Leopoldo:
Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1991.
VICROSKI, Cristine Mallmann; VICROSKI, Fabrício J. Nazzari. Uma aventura
arqueológica no Museu. Porto Alegre: Veon Livraria e Editora, 2012.
VIEIRA, Elaine; VOLQUIND, Lea. Oficinas de ensino? O quê? Por quê? Como? 4.ed.
Porto Alegre: EDUPUCRS, 2002.
WAGNER, Gustavo P. Ceramistas Pré-Coloniais do Litoral Norte. 2004. Dissertação
(Mestrado em História), Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2004.