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EDUCAÇÃO NÃO ESCOLARIZADA NAS REVISTAS DE GRÊMIOS LITERÁRIOS EM MATO GROSSO DURANTE A ERA VARGAS Jaíne Massirer da Silva 1 Kênia Hilda Moreira 2 Com o objetivo de analisar os impressos que circularam em Mato Grosso durante a Era Vargas, questionando sobre o conteúdo educacional presente nessa materialidade e como esse conteúdo contribui para uma compreensão da educação não escolarizada, selecionamos revistas de três grêmios literários, no acervo do Centro de Documentação Regional da Universidade Federal da Grande Dourados (CDR-UFGD). Trata-se de parte de uma pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC-UFGD), vinculada aos projetos de pesquisa: “Livros didáticos como fonte para a história da educação: catalogação e análise” 3 e “O Estado Novo e a educação em Mato Grosso (1937-1945)” 4 , ambas com base nos referenciais teóricos da História Cultural. O governo Vargas, instaurado no Brasil de 1930 a 1945, compreende o período da segunda República, marcada por profundas transformações e divido em três períodos. O primeiro com o governo provisório (1930-1934), quando Vargas governava como Chefe do Governo Provisório. O segundo marcado pela Constituição de 1934, quando Vargas foi eleito pela assembleia constituinte juntamente com o poder legislativo. E o terceiro período é conhecido como Estado Novo (1937-1945), com um golpe de Estado, Vargas impõe uma nova constituição e dá início a ditadura. Como afirma Fausto (2000, p. 366), a centralização do Estado Novo “não significa que ele se descolou da sociedade. A representação dos diversos interesses sociais mudou de forma, mas não deixou de existir”. As transformações sociais objetivavam transformar a nação em um Estado moderno, superando o modelo agrário-exportador característico da 1 Acadêmica do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados e bolsista de iniciação científica/UFGD. 2 Professora Adjunta na Universidade Federal da Grande Dourados, orientadora de bolsa de iniciação científica/ UFGD. 3 Projeto cadastrado na COPq da UFGD (2011-2014). 4 Projeto com financiamento CNPq (1913-1916).

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EDUCAÇÃO NÃO ESCOLARIZADA NAS REVISTAS DE GRÊMIOS LITERÁRIOS

EM MATO GROSSO DURANTE A ERA VARGAS

Jaíne Massirer da Silva 1

Kênia Hilda Moreira 2

Com o objetivo de analisar os impressos que circularam em Mato Grosso durante a Era

Vargas, questionando sobre o conteúdo educacional presente nessa materialidade e como esse

conteúdo contribui para uma compreensão da educação não escolarizada, selecionamos

revistas de três grêmios literários, no acervo do Centro de Documentação Regional da

Universidade Federal da Grande Dourados (CDR-UFGD). Trata-se de parte de uma pesquisa

do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC-UFGD), vinculada aos

projetos de pesquisa: “Livros didáticos como fonte para a história da educação: catalogação e

análise”3 e “O Estado Novo e a educação em Mato Grosso (1937-1945)”4, ambas com base

nos referenciais teóricos da História Cultural.

O governo Vargas, instaurado no Brasil de 1930 a 1945, compreende o período da

segunda República, marcada por profundas transformações e divido em três períodos. O

primeiro com o governo provisório (1930-1934), quando Vargas governava como Chefe do

Governo Provisório. O segundo marcado pela Constituição de 1934, quando Vargas foi eleito

pela assembleia constituinte juntamente com o poder legislativo. E o terceiro período é

conhecido como Estado Novo (1937-1945), com um golpe de Estado, Vargas impõe uma

nova constituição e dá início a ditadura.

Como afirma Fausto (2000, p. 366), a centralização do Estado Novo “não significa que

ele se descolou da sociedade. A representação dos diversos interesses sociais mudou de

forma, mas não deixou de existir”. As transformações sociais objetivavam transformar a

nação em um Estado moderno, superando o modelo agrário-exportador característico da

1 Acadêmica do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados e

bolsista de iniciação científica/UFGD. 2 Professora Adjunta na Universidade Federal da Grande Dourados, orientadora de bolsa de iniciação científica/

UFGD. 3 Projeto cadastrado na COPq da UFGD (2011-2014). 4 Projeto com financiamento CNPq (1913-1916).

“República Velha”. E a tentativa de industrialização do Brasil refletiu no campo educacional,

como se pode observar nas reformas estabelecidas como a de Francisco Campos (1931) e a de

Gustavo Capanema (1942). Deve se considerar ainda, no âmbito das reformas educacionais

do período, a disputa entre os escolanovistas5 e a Igreja além da construção da identidade

nacional, necessária a um governo centralizador, num país com as portas abertas ao imigrante.

A educação na Era Vargas é um tema bastante investigado, como afirmam os balanços

feitos por Warde (1984), e Catani e Faria Filho (2002). No entanto, carece ainda de

aprofundamento as pesquisas sobre a educação no período getulista no estado de Mato

Grosso, nesse sentido justifica-se nossa investigação em torno dos impressos pedagógicos que

circularam nesse estado entre os anos 1930 a 1945.

Objetivamos identificar discursos presentes nessa materialidade que deem indícios das

práticas de educação não escolarizada no contexto delimitado, compreendendo que as

diversas formas de ler os referidos impressos e a identificação do público leitor (inábil ou

letrado), também contribuem para uma história da educação nessa região.

Tal perspectiva se torna possível a partir das contribuições da História Cultural, que

apresenta “o mundo como representação” (CHARTIER, 1996), da “mudança de perspectiva

do livro”, (CHARTIER e ROCHE, 1995), pelo conceito de “apropriação” (DE CERTEAU,

1994), etc., exigindo-nos a compreensão da materialidade dos impressos e do processo de

constituição e de desenvolvimento da própria imprensa, como parte da elaboração de uma

história do impresso.

Um ponto que deve ser considerado ao investigar um impresso é o fato de que o texto

que se dá a ler por meio do impresso, apresenta indícios do que se pretendia que se fosse

valorizado culturalmente, trata-se, portanto, de representações de uma realidade, e não da

realidade em si mesmo. Como afirmou Chartier (CHARTIER, 1995, p. 99) é preciso pensar o

impresso: “como mercadoria produzida para o comércio e para o lucro; e como signo cultural,

suporte de um sentido transmitido pela imagem ou pelo texto”.

Os impressos

5 A expressão advém do movimento da Escola Nova e refere-se aos intelectuais que a ela se filiavam. A Escola Nova, iniciada no Brasil na década de 1920 buscava romper com a escola tradicional, com uma proposta de inovação na qual o aluno passa a ser o centro do processo de ensino e a aprendizagem. Propunham ideias educacionais novas tanto na política como na economia, em prol de uma educação pública, gratuita e para todos. Sobre a Escola Nova no Brasil, cf. Filho (1968), Monarcha (1989), dentre outros.

Selecionam, ordenam, estruturam o acontecido, os fatos (...) selecionando interesses, atuando num jogo desequilibrado de forças. Forjam, legitimam e retificam valores, ideias, projetos, mobilizam discursos na produção de verdades. Operam na eleição dos fatos que chegam ao público, e na forma como os mesmos devem ser percebidos. (LIMEIRA,2012, p.369).

Portadores da palavra escrita, os impressos “cimentam as sociabilidades e prescrevem

os comportamentos, atravessam o foro privado e a praça pública, levam a crer, a fazer ou a

imaginar.” (CHARTIER, 1990, p. 138). É nesse sentido que as revistas dos grêmios literários

serão aqui analisadas.

Sobre os Grêmios Literários em Mato Grosso, Nadaf (1993, p.28) afirma que “a

agremiação foi pioneira da cultura associativo no Estado, no século XX, e propulsionou o

surgimento de entidades de natureza análoga à sua” (NADAF, 1992, p.28). Para ilustramos

citamos a fundação em 1925 do Grêmio “Castro Alves”, em 1935 do Grêmio “José de

Mesquita”, em 1937 do Grêmio “Álvares de Azevedo” e em 1940 do Grêmio “Machado de

Assis” e do Grêmio “D. Aquino Corrêa”. (NADAF, 1992, p.28).

Dentre os impressos pedagógicos localizados no CDR que circularam no sul de Mato

Grosso entre 1930 e 1945, localizamos três revistas de três diferentes Grêmios Literários,

conforme o quadro abaixo:

Quadro 1- Revistas de Grêmios Literários selecionados no acervo do CDR-UFGD entre 1930-1945.

Nome do arquivo Números/anos O Abecê – orgão do Grêmio Literario “Jose de Mesquita”

1936 – ano III – n.41

Revista do Grêmio Literário “Álvares de Azevedo”

1938 – ano I – n. 1

Revista anual do Grêmio Literário “D.Aquino Corrêa”

1942 – ano III n.3

Fonte: Elaborada pelas autoras com base no acervo do CDR-UFGD.

As revistas O Abecê – orgão do Grêmio Literario “Jose de Mesquita”, Revista do

Grêmio Literário “Álvares de Azevedo”, e Revista Anual do Grêmio Literario “D.Aquino

Corrêa”, que compõem a totalidade das revistas encontradas no CDR dentro do recorte

temporal delimitado, foram selecionadas como nosso corpus de análise.

A análise procura compreender como a educação era abordada pela imprensa e qual a

concepção de educação/instrução que a sociedade mato-grossense tinha na era Vargas. Para

tanto, apresentamos a descrição geral de cada revista e nas considerações finais nossas

análises sobre o conteúdo dos periódicos selecionados, baseada nos referenciais da história

cultural.

O Abecê orgão do grêmio literário “José de Mesquita”

O Abecê foi um impresso produzido pelo grêmio literário José de Mesquista. O nome

do grêmio era uma homenagem ao desembargador, jurista, historiador, poeta parnasiano,

jornalista, genealogista e cronista José Barnabé de Mesquita, nascido em 10 de março de

1982 e falecido em 22 de julho de 1961, em Cuiabá-MS. 6

A revista 7 começou a circular em 1934, na cidade de Cuiabá, produzida pela

Typografia Epaminondas, dirigida por João Baptista Martins de Mello, secretariada por José

de Almeida Filho e gerenciada por Caracciolo Azevedo de Oliveira, sendo escrito e assinado

pelos mesmos ou sem especificar nome (assinado pela redação). De acordo com o próprio

impresso. Pode-se perceber que o mesmo teve vários números de circulação, porém foi

encontrado no CDR da UFGD somente o número 41 do ano II (28 nov. de 1936) contendo

vinte páginas, desde a capa até a última página. A capa traz o logotipo da revista. No meio da

página encontra-se o sumário, onde em ordem numérica traz os títulos de cada artigo e logo

abaixo o nome da cidade, mês e ano de circulação.

6 Membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, da Academia Mato-grossense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Sul-Mato-grossense de Letras, José de Mesquita formou-se Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Universidade de São Paulo - USP, Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em 1913. Sua formação secundária foi no Liceu Salesiano São Gonçalo, onde concluiu o curso de Ciências e Letras em 1907. Disponível em: http://www.jmesquita.brtdata.com.br/2004_Biografia.pdf Acesso em: 16 jul 2014. 7 A direção do impresso O Abecê em 1936 o define como revista. Seu formato pareceu-nos de jornal. Ao referirem-se ao progresso da revista, os editores afirmam que ela começou como um “jornalzinho”, destinado ao público infantil (ABECÊ, 1936, p.3)

Contém duas páginas de propaganda de comércio em geral, médicos e dentistas. Na

última página contem informações para correspondência com o impresso, com endereço e

valor mensal “para socios do gremio” e para “pessõas extranhas do gremio”; Os anúncios

devem ser negociados com a gerência, afirma-se.

Em nota, o exemplar da revista disponibilizada trata do seu avanço, “hoje o

jornalzinho que appareceu a dois anos atraz como periódico infantil e impresso em prélo de

madeira com grande dificuldade, tornou-se o orgão official de uma sociedade de letras”, (O

ABECÊ, 1936, p.3). A revista que surgiu como “jornalzinho”, provavelmente em 1935, ano de

criação do Grêmio e conseguiu se consolidar em Cuiabá.

O primeiro artigo do exemplar disponível, intitulado “Mais uma flor”, afirma que

jornais e revistas são como flores que brotam e aos poucos vão nascendo e criando força e se

solidificando. No entanto, sem cuidado com o conteúdo a ser publicado, o impresso pode ficar

“feio” e perder seus leitores, sendo o cuidado o meio de mantê-lo. A propósito, o artigo

refere-se à revista A Violeta e afirma “nós já temos em nossa imprensa, uma flôr de delicadeza

e modesta, flor da cultura feminina” (O ABECÊ, 1936, p.1). Em seguida menciona o poema

de Machado de Assis que fala sobre a flor da mocidade.8.

Ao fim desse artigo fala sobre a história da revista e as dificuldades enfrentadas, mas

que foram superadas e “O Abecê galga hoje um ponto de real destaque, honrada e

merecidamente, como prêmio dos denodados esforços dos seus dirigentes, que nunca

mediram sacrifícios, que nunca recuaram ante o trabalho, que nunca negaram a enfrentar um

qualquer obstáculo”(O ABECÊ, 1936, p.2). Dizendo que tudo foi graças aos jovens

esperançosos do “Lycêu Cuiabano”, reconhecendo que esta é uma

Revista de maior projeção no scenario da nossa imprensa: mas também é verdade que o nosso orgão jamais elevaria a tal posto, se não tivessem á testa dos seus trabalhos um corpo redactional experimentado e esforçado como tem. Vencemos um grande pedaço na senda do progresso. Trabalhamos, luctamos e vencemos, mas ainda havemos de trabalhar, de luctar e de vencer, apezar de ser o caminho mais iluminado pelo brilho esperança do que antes, mais recto e com menos obstáculo (O ABECÊ, 1936, p.3).

8 Sobre a revista A violeta Cf. Nadaf (1993), dentre outros.

As demais páginas da revista são dedicadas a discursos feitos pelo corpo

administrativo sobre eventos, divulgação do Estatuto do Grêmio Literário José de Mesquita,

recordações e propagandas em geral.

No artigo “O meu caminho de Escola” de Caracciolo A. de Oliveira, gerente da

revista, o autor relata sobre a experiência ao entrar para a vida escolar. Oliveira (1936) afirma

que iniciou os estudos com “sete primaveras, matriculado na Escola Modelo Barão de

Melgaço” 9. (O ABÊCE, 1936, p.5)

Explica como era o caminho até a escola e que sempre ia acompanhado com a

“professora senhorita Eroudes Botelho” (O ABECÊ, 1936, p.5), pois a mesma morava

próximo de sua casa e tinha grande afeição por ele, pois, tinha amizade com sua família. Certo

dia a professora ficou doente e não foi para a escola, sendo assim, Oliveira teve que ir só, ele

conta que tinha muito medo de um sobrado velho e que havia boatos de que era mal

assombrado, neste local funcionava o posto policial. Com muito medo de passar sozinho

desviou o caminho, mesmo tendo que andar mais. Relata que, “apesar de gostar bastante da

escola, aspirava o tempo das férias e constituía para mim uma grande alegria o encerramento

das aulas. Estava eu livre de tanto passeios de maú gosto” (O ABECÊ, 1936, p7). Oliveira

recorda com saudades desse tempo de menino, afirmando que ficaram as recordações e que

esse tempo não vai voltar, ficando cada vez mais distantes.

Revista Anual do Grêmio Literário “D. Aquino Corrêa”

A revista anual do grêmio literário “D. Aquino Corrêa” foi uma revista de circulação

na cidade de Cuiabá, sendo aqui apresentada a edição de número 3, ano III, de 1942, com 47

páginas 10.

9 A Escola Modelo de Primeiro Distrito da Capital de Mato Grosso foi inaugurada em Agosto de 1914, viria a

chamar-se Escola Modelo Barão de Melgaço. A estrutura escola era constituída por térreo e um andar superior, nesse andar aconteciam às aulas do curso normal (aulas pedagógicas, teórica e práticas para a formação do Magistério Primário), os cursos de Letras e Ciências Preparatórias, já no térreo funcionava a Biblioteca Pública e a Escola Modelo Barão de Melgaço. 10 Duas das 47 páginas estão sem condições de serem analisadas. (p.44 e p.45)

A capa traz o nome em negrito e maiúscula e logo abaixo uma figura das margens do

rio Ipiranga fazendo referência ao “sublime grito “Independência ou Morte!”, poema escrito

por D. Aquino Corrêa, conforme a figura 2.

Figura 1, – Poema Independência ou Morte

Fonte: Arquivo CDR-UFGD

Com as mais diversas notícias e artigos, a edição analisada não contém publicidade ou

propagandas, como a maioria das revistas da época.

As primeiras páginas são dedicadas a mostrar algumas partes do estatuto do Grêmio

Literário “D. Aquino Corrêa”. A revista lista o nome de todos os sócios, apresenta artigos que

mostram as ações feitas pelos membros, como um discurso ao presidente Getúlio Vargas e os

bailes beneficentes para arrecadar fundos para o próprio Grêmio Literário e para a Cruz

Vermelha Brasileira. Também publicavam cartas de agradecimentos de pessoas importantes

que recebiam os comprimentos da revista pelo aniversário ou por alguma benfeitoria. Outras

partes dos artigos contam a história do Grêmio, de como ele surgiu e o porquê, afirmando que

nasceu há dois anos. Seu nome tem por objetivo homenagear ao “príncipe das letras pátrias

Sua Excia. Revma. Dom Aquino Côrrea (GRÊMIO LITERÁRIO, 1942, p.7), sendo essa

escolha feita pelos seus membros.

Dom Francisco Aquino Corrêa, foi Arcebispo de Cuiabá e governado de Mato Grosso,

nasceu em Cuiabá em 1885 e faleceu em 1956, ele era escritor foi o único mato-grossense a

fazer parte do quadro da Academia Brasileira de Letras, devido ao seu grande talento e a

vários livros escritos, grande incentivador da criação da Academia de Letras Mato-grossense e

também do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.

A ideia de formar um Grêmio Literário veio de uma conversa com os jovens, ao

passar um dia por um bar e vendo que estavam jogando bilhar e perguntou se já tinham feito

as obrigações escolares, respondendo que sim e como já não tinham mais o que fazer

procuraram algo para passar o tempo.

Sendo assim,

O Grêmio, além de vos distrair e ocupar, vos há de proporcionar tudo o que um moço correto possa desejar. Pelas reuniões, pela organização de festas cívicas e literárias haveis de amenizar e perfumar a vossa juventude e a vossa vida colegial, dando largas aos nobres ideais! Prova eloquente de meus dizeres aqui está a festa de hoje, que tenho a honra de abrir. (GRÊMIO LITERÁRIO, 1942, p.8).

Demonstra que o Grêmio seria uma atividade complementar a escola, pois também

estaria contribuindo para a formação “de um moço correto”, fazendo com que o seu tempo

livre fosse destinado a criar e desfrutar “aquele fogo sagrado, que Deus acendeu em vossa

mente e o seu coração” (GRÊMIO LITERÁRIO, 1942, p.7). Dando indícios que a educação

está voltada para a formação cívica e religiosa, com cunho moral.

Dentre as 47 páginas, foram selecionados quatro artigos que apresentam indícios que

estão vinculados a educação, O “Dia do Presidente”; Curso de Língua Guarani; Salve Ó

Grande Duque de Caxias; e Respeito aos Símbolos Nacionais.

O artigo “Dia do Presidente”, é a escrita “do discurso de abertura pronunciado pelo

Padre Antonio Wasik, diretor do Grêmio “Dom Aquino Corrêa”, na festa organizada pelo

próprio Grêmio dedicado ao referido sodalício ao Sr. Presidente Getulio Vargas, no dia 18 de

Abril de 1942” (GRÊMIO LITERÁRIO, 1942, p. 6). Dando continuidade e exaltando o

presidente e as autoridades presentes, o velho salão onde acontece a festa se “exulta ao

receber tão altas autoridades civis” (GRÊMIO LITERÁRIO, 1942, p.6) e “a homenagem que

o Grêmio Literário Dom Aquino Corrêa composto por alunos deste educandário, vem prestar

ao EXMO. Presidente da República, por ocasião do seu aniversário natalício” (GRÊMIO

LITERÁRIO, 1942, p.6).

O artigo “Curso de Lingua Guarani” discorre sobre a inauguração do curso da Língua

Guarani na cidade de Campo Grande (MT), esse curso era destinado aos oficiais que servem

na 9ª Região Militar. Durante a abertura solene feita pelo professor Bernardo More foi

apresentado “um completo histórico da vida dos índios guaranis”. (GRÊMIO

LITERÁRIO,1942,P.15)

E, “Salve Ó Grande Duque de Caxias” de Amorésio Oliveira, o conteúdo desse artigo

lembra que no dia 25 de agosto é o dia de “cultuar a memória do grande herói nacional, Luiz

Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, defensor e pacificador da Terra do Cruzeiro”

(GRÊMIO LITERÁRIO, 1942, p.18). O que nos remete a Moreira (2011), ao referir-se à

necessidade de criar um herói republicano, tão marcada nos livros didáticos a partir da

proclamação da República.

Exaltando e glorificando as ações que esse “valoroso e bravo soldado” realizou em

vida, em todo o artigo há indícios do civismo, próprio também da Era Vargas, que enfatizava

a importância de uma história nacional. O artigo agradece e eleva os efeitos desse soldado

“importante para a história do país”.

Pode se perceber tal discurso patriótico “Respeito aos símbolos nacionais”,em que se

fala sobre a “regulamentação a forma e apresentação dos Símbolos Nacionais”, em ocasiões

como o “içamento” ou “arraiamento” da Bandeira Nacional e a execução do Hino Nacional

(GRÊMIO LITERÁRIO, 1942, p.18).

O comportamento diante de tais símbolos,

É obrigatório a atitude de respeito, conservando-se todos em silêncio e de pé. Os militares farão a continência regulamentar. Os civis do sexo masculino, descobrir-se-ão. Poderão os civis, de ambos os sexos, colocar a mão espalmada ou o chapéu sôbre o coração. Os estrangeiros não poderão eximir-se do comportamento prescrito aos nacionais. E vedado qualquer outra forma de saudação que são acima citadas. (GRÊMIO LITERÁRIO, 1942, p.33).

E ainda, todas as Bandeiras Nacionais em mal estado de conservação deveriam ser

recolhidas e entregues a qualquer unidade militar, para serem incineradas, mas se tiver alguma

ligação a algum fato relevante da história do país será encaminhada ao Museu Histórico

Nacional, a data para incineração seria a cada ano no dia 19 de Novembro, formando uma pira

no pátio do quartel. Exaltando a regulamentação feita por Getúlio discorre “as providências

do Snr. Getúlio Vargas foram úteis quão necessárias e inadiaveis” (GRÊMIO LITERÁRIO,

1942, p.33).

Revista do Grêmio Literário “Álvares de Azevedo”

A revista do grêmio literário “Álvares de Azevedo” sendo apresentada ao público

como uma modesta revista que teve várias dificuldades até conseguir entrar em circulação.

Expõe os motivos pelo qual a revista foi criada a fim de contribuir e aumentar a grandeza

intelectual do estado de Mato Grosso. Critica a política implantada até então que deixava o

Estado de fora do grande circuito e apoia a política de patriotismo onde o espírito do civismo

e do amor são os maiores sentimentos à pátria.

A primeira página da revista apresenta o em maiúsculo e logo abaixo o nome do

presidente do grêmio Rubens de Mendonça, a comissão de redação, composta por João

Baptista de Mello, diretor da revista O Abecê, Benedito de Figueiredo, Bello Ribeiro e

Clarindo Brandão e revisão de Lenine Paivas, logo abaixo o nome da cidade, o ano e o

número de edição.

Na página seguinte apresenta o sumário em ordem numérica com os artigos da

revista, a carta de apresentação da revista, seu objetivo e quais dificuldades foram encontradas

para a criação da mesma, “uma revista que surge é como um astro novo que se acende na

esperança de quem a cria, nos desejos de quem a recebe” indicando que a revista poderia

iluminar e dar novas inspirações aos seus leitores.

As páginas eram escritas da seguinte forma, uma página dedicada à saudade de

pessoas que já se foram, falando sobre a cidade de Cuiabá, sobre o Rio, sobre a língua

portuguesa e o restante dedicado a poemas de todos os estilos e dos mais diversos temas:

amor, saudade, solidão, cidades, rio, religião entre outros, totalizando mais de 80% da revista,

contem 94 páginas.

No artigo “Nossa Revista”, escrito por Rubens de Mendonça, o autor expressa que a

Revista do Grêmio Literário Alvares de Azevedo é resultado de esforços de dois anos, com

lutas e muitas críticas, mas que diante de tais dificuldades não desistiram, “porque sempre

desejamos a grandeza intelectual do nosso Estado, porque sempre sonhamos com sua

estabilidade econômica” (ALVARES DE AZEVEDO, 1938, p.5).

Atribui grande felicidade diante do Golpe de Estado de 10 de Novembro de 1937,

dando novos rumos à política, fazendo assim com que o Estado de Mato Grosso ressurja

como uma fênix, unido e forte (ALVARES DE AZEVEDO, 1938). Tal valorização se deve ao

interventor Júlio Muller. Segundo Costa (2009)11, devido a sua influência, Júlio Muller teve

oportunidade e recursos à disposição, durante sua gestão, realizando grande obras

administrativas e de construção civil, como Avenida Getúlio Vargas, o Grande Hotel e o

Liceu Cuiabano, além de outras obras.

A revista procura mostrar pelas suas páginas o que é a nova geração de intelectuais,

inspirados pelos sentimentos de civismo e amor à pátria que o brilhante e dinâmico governo

de Getúlio Vargas tem difundido.

Na sessão de “notas e comentas” por Nilo Póvoas (membro da Academia mato-

grossense de Letras), com o título “A Língua Brasileira”, fala sobre as diferenciações entre as

falas das gentes Lusa e Brasileira. Está em discussão na Academia de Letras, a Língua

Brasileira e as suas variações “ora não é com objurgatórias que se discutem fatos da

linguagem” (ALAVARES DE AZEVEDO, 1938, p.35).

Com uma análise do professor Cândido Juca Filho (profundo conhecedor da língua),

sendo a “língua um organismo vivo, a sua vitalidade se manifesta precipuamente, pelo

movimento” (ALAVRES DE AZEVEDO, 1938, p.36), ou seja, ela sofre transformações.

Discorrendo sobre o porquê as diferenciações, o autor afirma que ela se dá “aí, nessa

província da linguagem, reconhece êle, e nem poderia deixar de o fazer, a existência de certos

fenômenos de corrução desinencial, que sofrem os vacábulos, na boca da gente inculta”

(ALVARES DE AZEVEDO, 1938, p.37), atribuem as diferenciações devido a pessoas com

pouco saber escolar (gente inculta).

Concluindo esse artigo,

Fóra isso, o que nos afeia a língua, é um número inumerável de solecismos e de barbarismos, de vícios grosseiros e condenáveis, que o bom estilo repele e

11 Disponível em: http://www.congressohistoriajatai.org/anais2009/doc%29%2829%29%.pdf. Acesso em 19

ago 2014.

que felizmente tendem a desaparecer, graças à ação conservadora de nossa pujante literatura, da uniformização ortográfica, fator dos de maior valia para a fixação da prosódia nos dois países, e, sobretudo, ao esforço dos mestres conscienciosos. Quando o português foi transplantado para o nosso meio físico, era já uma língua plenamente constituída, rica, disciplinada e firmada definitivamente, no bronze dos seus imperituros monumentos literários. Defender com ardor, esse precioso legado, é o mais sagrado dos nossos deveres. Atentar contra essa unidade, é um crime. (ALVARES DE AZEVEDO, 1938, p.39).

O artigo sobre “A Língua Brasileira” apresenta a discussão em torno da valorização da

língua portuguesa, tão em voga durante a Era Vargas, período em que a nacionalização do

país era valorizada e para tal, a língua portuguesa foi considera a língua nacional e foi

proibido o uso de qualquer outra língua que não fosse a língua pátria. Nesse período as

escolas de imigrantes foram fechadas.

Considerações Finais

Os grêmios literários apresentam um papel civilizacional para a juventude da época

em Mato Grosso, difundindo os bons modos e bons costumes pelos conteúdos expressos nas

revistas, que explicitam um modelo de educação não escolarizada considerado adequado para

o período.

Após analisar os impressos pode se afirmar que essas revistas tinham como alvo o

público letrado, pois a escrita era formal, os artigos eram escritos por jornalistas, professores e

alunos que participavam ou não dos Grêmios Literários. Para ter acesso a tais revistas havia

uma taxa mensal ou semestral, ou seja, nem toda a sociedade mato-grossense podia ter acesso

a ela. Indicando que era destinada a sociedade letrada e com certo poder aquisitivo.

Os conteúdos dos artigos apresentam um cunho educativo, sendo em sua grande

maioria relacionada à educação não formal, que os jovens deveriam aproveitar a sua

mocidade, sua inteligência e desfrutar do que os mestres e as escolas têm a oferece-los e

utilizar o tempo de ócio para escrever poesias, assim podendo contribuir com a revista,

contribuindo para a formação “de um moço correto”. Fica claro que se pretende que o estado

de Mato Grosso seja moderno e industrializado, e é na educação que depositam sua esperança

em relação ao crescimento do mesmo.

Nas revistas dos Grêmios Literários foram encontrados artigos relacionados à maneira

de como se portar em cerimônias com exposição de símbolos nacionais, pois a educação nesse

período era pautada em amor a pátria e respeito aos símbolos, considerando esses artigos

como um reforço a tal comportamento. Algumas poesias tem um cunho moral, demonstrando

a importância de pessoas que contribuíam com as revistas, enaltecendo a figura do presidente

Getúlio Vargas e suas ações para melhorias, tanto do Estado como da nação. Valorização e

apologia ao Estado Novo recém-implantado, com argumentos de que finalmente Mato Grosso

encontraria o caminho da modernidade, com os novos rumos políticos.

REFERÊNCIAS

Fontes

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