educação ines

Upload: lucila-lima-da-silva

Post on 08-Jan-2016

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

sobre educação

TRANSCRIPT

IntroduoE no meio deste caos, no caminhar da Residncia, fui me percebendo adoecer. Uma energia que pulsava em mim comeou a se esvair. Dificuldades de acordar para ir trabalhar, vontade de dormir imediatamente ao chegar em casa. Dores no especficas pelo corpo todo, episdios de fortes dores de cabea. Falta de vontade ou potncia para intervir no cotidiano e produzir movimentaes, advindas de aes e reflexes diferentes das habituais. Na reunio de equipe do CAPS a coordenadora tcnica estava apresentando os casos de desinstitucionalizao de dois pacientes que sairiam de longas internaes para o retorno familiar. Teria que fazer um trabalho com os pacientes para que eles pudessem reconhecer o novo ambiente, o novo convvio social; com a famlia, para poderem estar com essas pessoas novamente, aps anos distantes; e com a rede de servios, para maior suporte das diversas questes que cada caso demandava. Pensei: Nossa, que trabalho bacana! Quero participar. Ah, mas vai dar muito trabalho, no quero me desgastar com isso no... Ao me perceber exausta a tal ponto, imediatamente pensei: como posso querer continuar em um trabalho onde eu estou fugindo de trabalhar??? (DC, Dezembro/2011)E ao olhar minha volta, percebi vrias pessoas que tambm apresentavam algum tipo de esmorecimento vital. Que exigncias so essas, s quais o trabalho na Sade Mental convoca?Exige, agora, um trabalhador implicado poltica e afetivamente com o projeto de transformao do modo como a sociedade tem se relacionado com a loucura, que trabalhe de forma interdisciplinar, em uma articulao da gesto com a clnica, circulando pela cidade, considerando um duplo papel: ser agenciador tanto do cuidado como da rede e no apenas da rede de sade, mas de uma rede de suporte social. (RAMMINGER E BRITO, 2011, p. 153)Ante a complexidade da construo do campo da Sade Mental, precisamos atentar para a constante busca de novas formas de pensar e agir com relao loucura e aos dispositivos constitudos para oferecer cuidado queles que necessitam.

No texto O CAPS e seus trabalhadores: no olho do furaco antimanicomial. Alegria e Alvio como dispositivos analisadores, Merhy (2007) nos fala da importncia de, neste campo, construir posturas que vo na direo oposta ao modelo manicomial. Porm, diferente de construir modelos antimanicomiais, indica a necessidade de potencializar as multiplicidades de um fazer coletivo solidrio e experimental (p.4) que compe uma ressignificao de prticas (p.4):(...) produzir em novas vidas desejantes, novos sentidos para a inclusividade social, onde antes s se realizava a excluso e a interdio dos desejos. (...) Apostar alto deste jeito, crer na fabricao de novos coletivos de trabalhadores de sade, no campo da sade mental, que consigam com o seus atos vivos, tecnolgicos e micropolticos do trabalho em sade, produzirem mais vida e interditarem a produo da morte manicomial, em qualquer lugar que ela ocorra. (MERHY, 2007, p.4, grifos nossos)Cuidado a se tomar ao se propor esta discusso com os cuidadoresTratar do tema sade do trabalhador dentro dos servios de sade mental no tarefa simples. Os espaos de discusso so comumente reservados a pensar o cuidado do usurio e no de seus trabalhadores. E este costuma ser um assunto velado, que quando surge em conversas informais, e do qual se acaba tratando de forma individualizada. Na apresentao do projeto de pesquisa para convidar os cuidadores a participar, uma cuidadora que estava em dvida sobre qual seria o objetivo do mesmo, disse: T, ento voc vai avaliar como que a instituio deixou a gente doente? Ou o que que a gente t fazendo de errado que deixa a gente doente? Vai ver de quem a culpa!... (Cuidadora, 26/10/2012).

MetodologiaOptamos por trabalhar inspirando-nos nas oficina de fotos (Osrio, 2010) como disparador das discusses, de forma a afirmar o protagonismo do trabalhador no processo de anlise de sua atividade de trabalho.

Assim, a proposta foi que os trabalhadores fotografassem cenas do seu cotidiano que estivessem relacionadas com o que eles entendiam como sade ou adoecimento no trabalho, e, ao levarmos para o grupo, essas fotos pudessem suscitar discusses acerca do tema. Nas oficinas de fotos, bem como em outros dispositivos usados na clnica da atividade, o que se prope uma forma de co-anlise do trabalho, praticada no ambiente habitual de trabalho, transformado pela introduo do pesquisador, dos instrumentos de observao e das marcas imagticas que sero suporte para as anlises co-produzidas. (OSRIO, 2011, p. 218).Buscamos, com a utilizao da oficina de fotos, dar visibilidade a conflitos inerentes ao processo de trabalho, para que pudssemos refletir sobre como interferem na sade do trabalhador e que estratgias e espaos so possveis para problematizar o cotidiano e coletivizar as questes.

Aps participar de reunies de equipes, convidando os cuidadores para participar da pesquisa, realizamos 5 encontros com os participantes: um para apresentar/construir a proposta, 3 para desenvolver a proposta e mais um aproximadamente 4 meses depois para fazer uma devolutiva para os cuidadores. Nos 3 encontros para desenvolvimento, ocorreram a apresentao das fotografias e discusso com o grupo acerca do que estas fotografias suscitam, quando relacionadas ao tema sade do trabalhador.

Nesses 4 meses de intervalo antes da devolutiva, ocorreram bastante mudanas no Ncleo, e percebemos que o que foi identificado como efeito para o trabalho a partir da pesquisa pensar a reorganizao do trabalho em equipe e estratgias para dar maior visibilidade ao trabalho do cuidador j vem sendo realizado no Ncleo, neste novo momento que a instituio estava vivendo

ResultadosNa tentativa de agrupar os temas que dominaram os debates, destacamos quatro eixos temticos que surgiram no debate com os trabalhadores: A atividade do cuidador; O lugar hbrido da instituio: casa ou hospital?; O prazer e o sofrimento no trabalho: das relaes entre o cuidador e o paciente; Espaos / Modos de Cuidado do Trabalhador. medida que o ltimo eixo foi sendo organizado e analisado, percebemos que os espaos e modos de cuidado do trabalhador citados pelos cuidadores formaram um contraponto aos eixos anteriores, e assim, neste trabalho, tal eixo desenhou-se como concluso ou incio de uma prxima conversa.

Eixo 1: A atividade do cuidadorTalvez a especificidade do cuidador de sade mental no ter especificidade, de maneira que as aes desta categoria escapam a territrios disciplinares, constituindo um territrio transversal de atuao.

Podemos perceber que, de acordo com os cuidadores, seu trabalho est vinculado realizao do que chamamos de atividades de vida diria (AVD) junto com o usurio, principalmente seus cuidados pessoais e circulao no territrio.

A atividade do cuidador em sade mental identificada como um estar junto, fazer junto, ajudar quem no consegue cuidar sozinho de si mesmo. Para isso, ele tem que se agregar ao usurio, o que nos remete uma atividade de trabalho visceralmente relacionada ao vnculo e aos efeitos produzidos na vida cotidiana dos usurios. Tanto que, frente proposta de fotografar o trabalho, todas as fotos trazidas pelos trabalhadores eram de pacientes, assim como a maioria dos relatos das situaes de sofrimento no trabalho estavam relacionados a situaes de sofrimento dos usurios.

Considerando a perspectiva do cuidador percebemos, ainda, que seu modo de cuidar transita entre as prticas clnica e pedaggica. (Histria do adestramento, da reeducao).

Os cuidadores falam de uma caracterstica do trabalho que julgaram produzir, paradoxalmente, sofrimento e prazer: o ato de repetir excessivamente orientaes para o paciente. Sofrimento pelo cansao que isso produz. Prazer ao ver quando essas orientaes de alguma maneira surtiram o efeito desejado de o paciente fazer o que os cuidadores estavam propondo. (Histria do paciente que no ficava de roupa; e tambm a do paciente arrumando a cama e o outro se barbeando).

Transitar entre as prticas clnicas e pedaggicas provoca um tensionamento na discusso do que cuidado. At que ponto uma prtica pedaggica pode ser tambm clnica? Para melhor anlise, precisamos estar atentos aos efeitos provocados por tais prticas, bem como atentos ao discurso do cuidador, tentando compreender que lgicas motivaram suas aes.

De todo modo, percebemos que nesse embate cotidiano de saberes com relao ao que cuidar, ao que loucura, quais os paradigmas que devem orientar o trabalho, existe uma fora na direo da desvalorizao dos saberes construdos na prtica pelos cuidadores. (Histria do J. e o cigarro).

Alm do exposto acima, os cuidadores percebem uma discriminao com relao a seu trabalho, vinculada falta de clareza para todos do que a funo do cuidador [isso apareceu principalmente na relao dos cuidadores com a enfermagem, e dentro de um contexto hospitalar, onde percebemos o cuidador ocupando um lugar hbrido (entre a casa e o hospital, entre a clnica e a pedagogia]. Porm, apesar de ter aparecido neste encontro com a enfermagem, no est restrito ao contexto hospitalar. Atualmente, a regulamentao da profisso do cuidador est atravessada pela discusso dos limites da categoria, principalmente frente s funes do tcnico de enfermagem.

As funes do cuidador so construdas no cotidiano, e mesmo quando possvel descrev-las, nem sempre os limites do trabalho ficam claros para os cuidadores ou quem trabalha com eles. ( possvel perceber isso ao comparar o discurso dos cuidadores que esto no Ncleo h menos tempo e os que esto h mais tempo. Enquanto para os primeiros sua funo e os limites dela ainda esto se configurando, para os segundos diz-se que isto muito claro, apontando para uma naturalizao de alguns preceitos e aes).

Aqui, a cuidadora aponta esta diferena que ela percebe na funo do cuidador: trabalhar com; estar junto ao paciente, construindo com ele suas aes, suas atividades, e provocando no sujeito diferentes vontades, quereres. Ela diferencia este trabalho de um fazer para o paciente, o que abafaria as potencialidades daquele sujeito.

Trabalhar com o paciente demanda, ento, um investimento tambm do profissional. Investir dispender energia voltada para aquele trabalho com aquele paciente. Um ponto fino e delicado do trabalho em sade mental, que tambm se relaciona com a produo de sade e de adoecimento dos trabalhadores.

Os cuidadores tambm sinalizaram a importncia que percebem no trabalho que se d de maneira singular com cada paciente, e como isso se relaciona quantidade de pacientes referenciadas aos cuidadores. importante que a quantidade de pacientes no seja grande (no caso dos cuidadores do Ncleo, aproximadamente 20), principalmente pela percepo dos cuidadores da necessidade de estar um tempo maior com cada paciente, para conhec-lo melhor e produzir algum tipo de interveno que possa ser prazerosa para o paciente, e consequentemente (como narrado pelos cuidadores) prazerosa tambm para o trabalhador.

Eixo 2: O lugar hbrido da instituio: casa ou hospital?

Pavilho ou casa? Esta questo atravessa o trabalho dos cuidadores. Se em parte o papel deles possibilitar/potencializar a reinsero social, a construo de identidades e de autonomia, auxiliar os pacientes a construrem suas prprias regras e maneiras de ser, ao mesmo tempo mediando isso com as regras sociais vigentes; por outro lado esto submetidos, assim como os pacientes, s regras e configuraes de uma instituio hospitalar que homogeneza.

Nesse sentido no apenas o espao fsico (como apresentado acima) que produz essa dificuldade. As relaes institucionais se do a partir de uma instituio hospitalar. No encontro dos representantes destas funes paradoxais o cuidador, representando a possibilidade de reinveno do paciente; e o tcnico de enfermagem, representando a tutela hospitalar surgem tambm os conflitos produzidos por esta configurao hbrida.

Essa configurao hbrida atravessada pelos diferentes conceitos e paradigmas de cuidado.Tem gente que acha que maluco maluco, e que no t inserido... Essas pessoas no encararam ainda a ressocializao como parte [do trabalho], entendeu? Acham que bobagem, que no vai levar a gente a lugar nenhum... (Ana, 21/12/2012)

Os cuidadores percebem essa diferena no que cuidado para cada categoria, e circunscrevem isto remetendo discriminao e desvalorizao que sentem que seu trabalho sofre (como discutida no eixo A atividade do cuidador).

Os cuidadores relatam, por exemplo, que a enfermagem reclama quando eles saem com apenas um paciente. O que para os cuidadores um trabalho realizado com aquele sujeito de maneira singular, para a enfermagem parece ser (pelo relato dos cuidadores) perda de tempo ou vida mole.

Ao analisar a construo do processo de trabalho dos cuidadores e dos tcnicos de enfermagem no Ncleo, percebemos que existe uma dificuldade de entender e acordar direes de trabalho e encaminhamentos para o caso. Percebemos que existem espaos formais utilizados para realizar estes acordos (as reunies), mas tambm que existiria a possibilidade de, no cotidiano, construir-se parcerias para efetivar direes de trabalho comuns entre as duas categorias. Porm, alm da relao explicitada acima, importante estar atento para a estruturao da rotina de trabalho dos cuidadores e do restante da equipe, para que essa rotina no dificulte a troca. O prprio regime de trabalho aponta para um funcionamento hospitalar x residencial: plantonistas x diaristas onde um grupo cuida de procedimentos tcnicos, padres tecnologia leve-dura e dura; e outros cuida de gente, no cotidiano tecnologia leve.

Alm do citado, uma das queixas dos cuidadores a falta da participao da equipe de enfermagem nas reunies de mini-equipe (da equipe de cada pavilho). Com a rotina da enfermagem, os cuidadores identificam que a reunio acaba sendo feita por eles, o tcnico de referncia e somente um representante da enfermagem, resultando em uma comunicao truncada.

(Caso do cadeirante que a cuidadora buscou que ficasse prximo ao posto de enfermagem do pavilho) Para Ana, a maior dificuldade neste caso o fato das decises no serem construdas coletivamente.A sensao que eu tenho que quando eu decido o melhor pra ele eu t sozinha. (...) E quando voc se sente sozinha, numa deciso dessa, muito complicado. (...) A na reunio de mini-equipe colocado [a proposta dele ficar na ala da frente]. Quem estava na reunio, da enfermagem, concordou. S que na outra reunio de tera, quem estava da enfermagem, que era outro planto, discordou. Disse que no h necessidade. S que quem disse que no h necessidade vem toda hora, d assistncia. (Ana, 21/12/2012).

A reunio de mini equipe (por pavilho) acontece toda semana no mesmo dia. Ento os participantes so diferentes, devido aos plantes. Aqui Ana diz que o que foi decidido em uma reunio modificado em outra, de acordo com o modo de trabalhar da equipe presente em cada reunio (ou seja, da equipe de planto).

Fica claro a fragilidade da direo de trabalho construda no toa Ana relata se sentir sozinha nas decises relativas a este caso. E apesar das relaes institucionais se estabelecerem desta maneira, os cuidadores identificam que tm que fazer o trabalho, porque os tcnicos de referncia cobram isso deles, e por sua vez tambm so cobrados pela direo, que tambm cobrada l de cima.

Porm, apontam que esta falta de apoio dos que esto tambm na lida cotidiana com o paciente despotencializa o trabalho. O problema aqui sabe o que que ? que eles no reconhecem nosso trabalho. Fica uma coisa bem difcil, sabia? Eu, pelo menos, s vezes at me sinto mal. s vezes voc t com vontade de fazer um trabalho com o paciente, a vem aquela pessoa ali querendo te criticar, falar que no aquilo... [imita algum falando com ironia:] P, o cuidador? Vida mole! Isso diminui o seu trabalho, entendeu? s vezes voc t com vontade de fazer uma coisa com o paciente, jogam um balde de gua fria na gente. Quem perde o paciente. Porque ns cuidadores ficamos irritados com o que a gente escuta, e perde a vontade de fazer. (Rita, 07/12/2012).[Tb j ouvi esta histria de umx cuidadorx na RT: sentia que o AT no valorizava suas propostas para o cotidiano, no incentivava a tentar novas invenes, a experimentar no cotidiano, e no entendia diversas propostas que para o cuidador estava muito clara a necessidade de mudana e para o AT no. importante estar atento ao saber produzido pelo cotidiano; mesmo que a proposta do cuidador no seja ideal, ou no condiza com a lgica que se est buscando implementar, o cuidador est dizendo ali de um incomodo no cotidiano, que precisa ser visto, escutado e trabalhado]

Eixo 3: O prazer e o sofrimento no trabalho: das relaes entre o cuidador e o paciente

O primeiro encontro com os cuidadores foi surpreendente. Os cuidadores narraram como situaes prazerosas os momentos em que puderam proporcionar prazer para os pacientes, e da mesma maneira, narraram como sofrimento no trabalho os momentos em que no puderam evitar o sofrimento dos pacientes.

Isto se repetiu em todos os encontros, e todas as discusses surgiram a partir dos casos acompanhados. Os cuidadores pensam o que os afeta positiva ou negativamente a partir da relao com os pacientes, e mesmo as questes institucionais surgem a partir da discusso desta relao.

Em geral, na sade mental, isto o que temos como direo: falamos e ouvimos muito nas reunies de dispositivos de sade mental, especialmente CAPS, que importante que as discusses institucionais e polticas se dem a partir dos casos. E neste grupo de pesquisa, os casos foram de fato esta base.

As histrias que mais se repetiram foram aquelas onde o cuidador, em seu trabalho, conseguiu possibilitar ao paciente poder ser ou fazer algo diferente do habitual. Aes que so comuns no nosso cotidiano transformam-se em acontecimentos para os pacientes, gerando prazer para os cuidadores em poder ajudar a construir esses momentos.

Outro fator gerador de sofrimento para os cuidadores a discriminao com os pacientes do Ncleo. Nas sadas para o territrio, em alguns momentos, os transeuntes elogiam o cuidador pelo trabalho de reinsero dos pacientes na sociedade. Na maioria das vezes, no entanto, os comentrios so preconceituosos. Os cuidadores relatam que as pessoas da rua se dirigem muito mais a eles que aos pacientes, muitas vezes referindo-se aos pacientes na terceira pessoa, perguntando ao cuidador o que o paciente vai querer comer, ou passando o troco para o cuidador, aps o paciente pagar a conta. E, at mesmo, perguntando se o cuidador no tem medo do paciente, ou se o paciente ou no perigoso ou agressivo (muitas vezes essas perguntas so feitas na frente do paciente).

No apenas nas sadas ao territrio que os cuidadores percebem discriminao com relao ao paciente, mas tambm no contato com outras instituies de sade. . Essa questo apareceu de maneira forte ao narrarem o caso do William, que os cuidadores trouxeram no primeiro encontro. William era um paciente idoso, 80 e poucos, quase 90 anos, um senhorzinho (sic Rita), que estava em um quadro clnico, conforme narrado pelos cuidadores, muito grave, sangrando muito, se alimentando mal. Este paciente morreu entre o primeiro e o segundo encontro, e os cuidadores apresentaram o caso dele novamente como um ponto crtico do trabalho, que causou muito sofrimento. Este caso exemplar para pensar vrias questes do trabalho.

Ao narrar este caso, os cuidadores colocam em questo a relao do Ncleo e da sade mental de maneira mais geral com outras instituies de Sade. Aqui aparece a relao com o hospital geral e com o servio de atendimento mvel de urgncia (SAMU).

A sensao de impotncia citada acima vem a partir do momento que fazer algo para modificar a condio do paciente parece estar para alm do alcance deles, ou emperrado por pontos que os cuidadores classificaram como burocracia.

Porm, trabalhar inventar e se reinventar, e poder criar novas vivncias cotidianas com os pacientes do Ncleo experincia muito valorizada pelos cuidadores.

Eixo 4: Espaos / modos de cuidado do trabalhador: concluso ou incio de uma nova conversa?

Percebemos o quanto a questo dos espaos e modos de cuidado do trabalhador remetem necessidade de realizar um trabalho em equipe, de ter a segurana de uma retaguarda para construir junto suas aes.

Durante as discusses, pudemos perceber que a equipe/o trabalho em equipe se constitua como o espao primordial de cuidado do trabalhador. Percebemos isso nas falas que narram a sensao de desamparo dos cuidadores na relao com a enfermagem quando se vem sem a possibilidade de decidir juntos uma ao a ser realizada com o paciente. Assim como nas falas que narram resultados positivos como reflexo do trabalho em equipe, tais como: um ganho com o paciente um ganho para a equipe toda ou ainda no foi mrito meu, foi da equipe. A histria do Renato demonstra claramente a importncia das aes terem sido construdas no s com a equipe do Ncleo, mas tambm incluindo o prprio paciente na reunio de equipe, espao de construo das aes.

Ao narrar a histria de William, os cuidadores falam da sensao de descaso com o paciente, e solido no trabalho por no encontrar eco no movimento de tentar fazer algo para mudar a situao. Novamente esta fala remete importncia de poder partilhar o trabalho, dividir as decises e a produo de condies para que o trabalho se torne possvel.

O trabalho do cuidador (e do trabalhador de sade mental, de uma maneira geral) pode muitas vezes ser/parecer solitrio, porque trabalhamos com o que emerge ali, e no raramente temos que realizar intervenes naquele momento, sem consultar ningum. Nos servios de sade h um encontro entre diferentes vontades, sujeitos e necessidades. Mesmo na atividade de cada profissional de sade, diferentes negociaes de eficcia so realizadas. (...) Esse debate e negociao, mesmo quando a deciso de um s trabalhador, so sempre coletivos. Se a gesto do trabalho envolve a gesto de mltiplas gestes, cabe salientar que no h igualdade de condies nesse debate e negociao de eficcias. As relaes de poder/saber estabelecidas influenciam diretamente as decises, fazendo desta gesto de mltiplas gestes um campo de conflitos acirrados. (RAMMINGER E BRITO, 2011, p. 153)

Entretanto, por mais que voc seja o executor, se h uma equipe que se compromete, se envolve na ao junto com voc, se a ao parte de uma direo de trabalho construda coletivamente, isso possivelmente diminui o sentimento de solido.E assim, ns discutimos e construmos em equipe qual melhor contorno para a situao [seja a priori, antecipando alguma situao, seja a posteriori, a partir da discusso de alguma ocorrncia, tendo a possibilidade de rever as atitudes e avaliar se poderia/poder se fazer algo diferente]. Busca-se esclarecimentos e a partir do retorno deste esclarecimento temos ali um indicador para construo de direo de trabalho. Da prxima vez que o cuidador se deparar com situao semelhante, j far a partir de uma discusso em equipe, caracterizando como uma ao com respaldo coletivo. E quando as aes so construdas coletivamente, nos sentimos menos ss, pois se o resultado for negativo a bomba (conforme expresso usada pelos cuidadores) no estourar na mo de um s, e sim todos se responsabilizaro juntos, assim como buscaro novas solues. A reunio de equipe, especificamente, se destacou como espao privilegiado para os encontros entre profissionais, bem como para cuidar dos cuidadores quando lidar com um paciente se torna uma tarefa muito difcil. Os espaos de discusso para construo desta monografia tambm se transformaram em espaos de cuidado do trabalhador, medida que os cuidadores que participaram mais ativamente destes encontros os perceberam como um espao tambm de reflexo do trabalho. Eles apontaram para a importncia de espaos deste tipo serem para quem queira participar (Rita, 21/12/2012), e no obrigatrios, s porque a direo estava aqui [quando o convite foi feito] (Rita, 21/12/2012) e nos disseram quanto foi importante a qualidade das discusses mais que a quantidade de cuidadores que puderam participar (pois, como esperado, nem todos cuidadores puderam participar de todos os encontros).

Outra questo que percebemos como norteador do trabalho dos cuidadores, que tambm poderia ter sido utilizada como fio condutor para esta monografia, foi um hibridismo inerente ao seu trabalho: os cuidadores esto entre a funo do cuidador e da enfermagem, entre a casa e o hospital, entre a clnica e a pedagogia, e ao mesmo tempo construindo na prtica aes que borram esses conceitos, essas instituies.

Assim, de extrema importncia estar atento aos modos de construo de saber intrnsecos ao trabalho, seja para valorizar uma troca que ocorra no cotidiano, seja para potencializar espaos de aprendizagem institudos, ou tambm para inventar novos espaos. E o cuidador, que est muito intensamente prximo ao usurio, certamente tem saberes importantes para partilhar. E temos que cuidar para que estas falas sejam valorizadas e visibilizadas. E neste cotidiano intensivo de vivncias junto aos usurios, o saber que se reproduz possivelmente se consolidar nos espaos de trocas informais. Os cuidadores citam que aprendem seu trabalho fazendo, e perguntando aos cuidadores mais antigos quando tm dvidas. meno de um espao formal de aprendizado, por exemplo um curso de capacitao, a resposta que eles aprendem muito mais com o paciente do que com o professor.

Acredito que devemos estar atentos apenas para que estes espaos informais no sejam os nicos existentes, de maneira a potencializar e legitimar as falas dos cuidadores, bem como construir/instrumentalizar-nos com teorias que sirvam de ferramentas para o trabalho.