educação e trabalho na retórica empresarial

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CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 66, p. 553-572, Set./Dez. 2012 553 Antonia de Lourdes Colbari EDUCAÇÃO E TRABALHO NA RETÓRICA EMPRESARIAL: a atualização do ethos fordista Antonia de Lourdes Colbari * A proposta do estudo parte de uma tese antiga que, na atualidade, ganhou novas significações e se converteu em uma panaceia. Trata-se da relação entre educação, desenvolvimento e moder- nização da sociedade, uma tríade que demanda, em escala cada vez mais ampliada, o fomento da escolaridade, da inovação e da inclusão social. O suporte empírico para a análise foi extra- ído de documentos técnicos divulgados pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e con- siderados emblemáticos para explicitar a configuração das proposições e de traços significati- vos do sistema de crenças e de valores da cúpula empresarial da indústria brasileira. A despei- to das singularidades conjunturais, o resultado evidenciou uma linha de continuidade no que se refere à relação entre educação, inovação e desenvolvimento, bem como ao papel que esse segmento empresarial almeja desempenhar na economia, na constituição e organização do mercado de trabalho e nos processos de modernização social. PALAVRAS-CHAVE: Educação. Trabalho. Desenvolvimento. Instituições empresariais. Ethos fordista. Uma síntese inicial deste ensaio se expressa da seguinte forma: a educação e a qualificação para o trabalho se tornaram o pivô de uma construção discursiva que legitima percursos formativos mais consistentes e, ao mesmo tempo, flexíveis, nos quais se enfatiza o desenvolvimento de saberes e de competências múltiplas, ambos continuamen- te atualizados, em resposta às exigências da so- ciedade do conhecimento e da inovação e à ins- tabilidade do mercado de trabalho. E mais: além de escolarizar e (ou) qualificar, trata-se de for- mar um habitus , de refinar os processos socializadores (“civilizadores”), tradicionalmen- te associados às funções da educação, como bem mostra a seguinte afirmação: ... formar capital humano [na visão empresarial] significa não apenas preparar as pessoas nas res- pectivas profissões, mas também investir na for- mação de hábitos e atitudes positivas em relação ao trabalho, à vida comunitária e ao regime de- mocrático (CNI, 2007, p. 38). Registra-se, na atualidade, o revigoramento de uma velha questão, porém agora apresentada com novos contornos, maior visibilidade, revestida de outras significações e exaltada como panaceia para todos os problemas sociais. Trata- se da relação entre educação, desenvolvimento e modernização da sociedade, incluindo-se, nesse processo, a elevação da escolarização e da quali- dade de vida da população. O investimento em educação e a produção de conhecimentos apare- cem como “pilares críticos” nos esforços realiza- dos para se potencializar a capacidade de inova- ção e de competitividade das empresas, bem como da economia do país, razão pela qual me- recem destaque nos discursos das elites políticas e empresariais. É inegável a influência da Teoria do Capi- tal Humano, popularizada por Theodore Schultz e Gary Becker, no consenso produzido em torno da premente necessidade de se investir em edu- cação e, por esse vetor, também em ciência e tecnologia, sob a ameaça de exclusão do circuito econômico global, no qual o “trabalho do conhe- cimento” se tornou a principal força produtiva * Doutora em Sociologia. Professora da Universidade Fede- ral do Espírito Santo e Bolsista de Produtividade em Pes- quisa do CNPq, nível 2. Av. Fernando Ferrari s/n. Goiabeiras. Cep: 29075-015 - Vi- toria - Espírito Santo - Brasil. [email protected]

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    Antonia de Lourdes Colbari

    EDUCAO E TRABALHO NA RETRICA EMPRESARIAL: aatualizao do ethos fordista

    Antonia de Lourdes Colbari*

    A proposta do estudo parte de uma tese antiga que, na atualidade, ganhou novas significaese se converteu em uma panaceia. Trata-se da relao entre educao, desenvolvimento e moder-nizao da sociedade, uma trade que demanda, em escala cada vez mais ampliada, o fomentoda escolaridade, da inovao e da incluso social. O suporte emprico para a anlise foi extra-do de documentos tcnicos divulgados pela CNI (Confederao Nacional da Indstria) e con-siderados emblemticos para explicitar a configurao das proposies e de traos significati-vos do sistema de crenas e de valores da cpula empresarial da indstria brasileira. A despei-to das singularidades conjunturais, o resultado evidenciou uma linha de continuidade no quese refere relao entre educao, inovao e desenvolvimento, bem como ao papel que essesegmento empresarial almeja desempenhar na economia, na constituio e organizao domercado de trabalho e nos processos de modernizao social.PALAVRAS-CHAVE: Educao. Trabalho. Desenvolvimento. Instituies empresariais. Ethos fordista.

    Uma sntese inicial deste ensaio se expressada seguinte forma: a educao e a qualificao parao trabalho se tornaram o piv de uma construodiscursiva que legitima percursos formativos maisconsistentes e, ao mesmo tempo, flexveis, nosquais se enfatiza o desenvolvimento de saberes ede competncias mltiplas, ambos continuamen-te atualizados, em resposta s exigncias da so-ciedade do conhecimento e da inovao e ins-tabilidade do mercado de trabalho. E mais: almde escolarizar e (ou) qualificar, trata-se de for-mar um habitus, de refinar os processossocializadores (civilizadores), tradicionalmen-te associados s funes da educao, como bemmostra a seguinte afirmao:

    ... formar capital humano [na viso empresarial]significa no apenas preparar as pessoas nas res-pectivas profisses, mas tambm investir na for-mao de hbitos e atitudes positivas em relaoao trabalho, vida comunitria e ao regime de-mocrtico (CNI, 2007, p. 38).

    Registra-se, na atualidade, o revigoramentode uma velha questo, porm agora apresentadacom novos contornos, maior visibilidade,revestida de outras significaes e exaltada comopanaceia para todos os problemas sociais. Trata-se da relao entre educao, desenvolvimento emodernizao da sociedade, incluindo-se, nesseprocesso, a elevao da escolarizao e da quali-dade de vida da populao. O investimento emeducao e a produo de conhecimentos apare-cem como pilares crticos nos esforos realiza-dos para se potencializar a capacidade de inova-o e de competitividade das empresas, bemcomo da economia do pas, razo pela qual me-recem destaque nos discursos das elites polticase empresariais.

    inegvel a influncia da Teoria do Capi-tal Humano, popularizada por Theodore Schultze Gary Becker, no consenso produzido em tornoda premente necessidade de se investir em edu-cao e, por esse vetor, tambm em cincia etecnologia, sob a ameaa de excluso do circuitoeconmico global, no qual o trabalho do conhe-cimento se tornou a principal fora produtiva

    * Doutora em Sociologia. Professora da Universidade Fede-ral do Esprito Santo e Bolsista de Produtividade em Pes-quisa do CNPq, nvel 2.Av. Fernando Ferrari s/n. Goiabeiras. Cep: 29075-015 - Vi-toria - Esprito Santo - Brasil. [email protected]

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    (Fontenelle, 2012). Na sociedade do conhecimen-to, o capital humano se torna o principal ativodas empresas, e [...] formado pelo conjunto dehabilidades [...] adquiridas por meio de processoseducativos, treinamento ou da experincia. Aschamadas competncias bsicas, formadas pelaeducao bsica e a continuada, so condio parao desenvolvimento das demais competncias, in-clusive as profissionais. (CNI, 2005, p. 22) e paraa continuidade e o aperfeioando profissional aolongo da vida.

    Visto como investimento (e no mais gas-to), o aumento ou aprimoramento do capitalhumano introduz a educao no centro das po-lticas de desenvolvimento e, ao mesmo tempo,legitima os gastos pblicos no setor (Lpez-Ruiz,2004). Tambm merece registro o fato de que asrecentes mudanas intraorganizacionais deman-dam pessoas que, na avaliao do InstitutoHerbert Levy (apud Oliveira, 2003, p. 257), re-nam, em um grau mais avanado, educao,formao profissional e capacidade intelectual([...] todos dentro da fbrica tm que saber cadavez mais [...]), e que sejam aptas para atuar emum contexto menos hierarquizado e mais de-pendente da criatividade, da iniciativa e da res-ponsabilidade. Sugere o referido texto, estar fi-cando superada a [...] fbrica dos capatazes au-toritrios e dos operrios semiqualificados [...],pois no mais [...] esta fbrica que impulsionaos pases para as reas mais interessantes e lucra-tivas [...]. Assim, se o baixo nvel de escolarida-de se torna disfuncional ao sistema produtivo,pois assinar o nome e ler frases muito simplesno impactam positivamente a produtividade daeconomia, tambm provoca efeitos excludentesno acesso ao mercado:

    [...] a grande maioria da populao economica-mente ativa [se torna] inabilitada para operar emuma economia moderna, em que as competnci-as de expresso escrita esto intimamenteimbricadas com o desempenho profissional, mes-mo em ocupaes manuais (CNI, 2006, p. 135).

    No entanto, o tributo teoria do CapitalHumano no exclui os novos significados associ-

    ados s concepes de educao e de desenvolvi-mento. Cabe lembrar que as interaes de fatoressociais, culturais e polticos desenham a matriz dodesenvolvimento sustentvel, superando a concep-o economicista de desenvolvimento, derivaoautomtica do crescimento econmico impulsio-nado pela criao e incorporao do progresso tc-nico e pelos ganhos de produtividade. Por sua vez,contedos como preparao para o exerccio dacidadania, desenvolvimento de aptides e cultivode talentos para a vida produtiva e para a vidasocial, a autonomia, a conscincia social e o racio-cnio lgico, crtico e criativo so destacados comoparte da concepo de educao. A educao setornou uma prioridade nacional pelos [...] efei-tos benficos que tem sobre a realidade social eeconmica [...], sendo [...] uma das condiesbsicas para a construo de uma economia maiseficiente e de uma sociedade mais justa (CNI, 1997,p. 28).

    Por esse vis de uma concepo de educa-o, associada inovao, incluso produtiva esocial e cidadania, o presente estudo incorpo-ra, no seu escopo analtico, as tentativas dosempresrios com vistas afirmao de um pa-dro hegemnico ancorado no setor industrial.Indcios desse projeto se fazem presentes nasposies assumidas frente ao poder executivo enas disputas nas arenas parlamentar e social, emparticular nos esforos para mobilizar os segmen-tos da esfera pblica, da esfera privada e do cha-mado terceiro setor em torno das aes de for-mao e de qualificao profissional. A educa-o, como proposta mobilizadora assumida pe-los empresrios, sinaliza a presena de refern-cias simblicas que extrapolam as fronteiras de-limitadas pelo mercado. Nesse caso, alm dasevidentes provas das falhas do mercado comoagncia reguladora e como gerador de efeitos so-ciais equilibrados, tambm conceitualmente socada vez mais relevantes os indcios de suas in-suficincias para explicar uma dinmica socialque no se reduz s relaes econmico-mercan-tis, porm as incorpora (Granovetter, 1985;Swedberg, 2004). Reconfigura-se a relao entre

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    o econmico e o social: o econmico no se reduzao mercantil e ao monetrio, e o social vai alm daconcepo de distribuio e de gastos sociais, parase tornar capital social e investimento social(Lvesque, 2007).

    Nesta anlise, um conjunto de ferramen-tas conceituais acionado no esforo de enten-dimento das mudanas nos valores empresari-ais, valendo-se tanto das abordagens de cartermais histrico, que capturam e analisam os mo-vimentos dos empresrios na arena poltica,quanto daquelas que armam uma plataformaconceitual adequada ao tratamento compreensi-vo do engajamento de suas instituies na cau-sa da educao.

    Iniciando-se pelas referncias histricas,cabe lembrar que o protagonismo do Estado noprocesso de constituio do capitalismo brasi-leiro no minimiza a relevncia da atuao dosempresrios nesse processo, inclusive no eixo daformao para o trabalho assalariado e, recente-mente, tambm nas aes dirigidas qualifica-o para os diversos arranjos de trabalho fora doassalariamento. Segundo Diniz (1996, 2000), noperodo de 1930 a 1990, o empresariado brasi-leiro no ocupou a posio hegemnica no to-cante formulao e imposio de um projetode desenvolvimento capitalista, mas demonstrouelevada capacidade de influenciar as polticas eco-nmicas setoriais, sobretudo pelo trnsito na bu-rocracia pblica e interlocuo direta com o poderexecutivo, desfrutando de uma situao privilegia-da em relao aos demais atores sociais. Movidopelo pragmatismo, o setor empenhou seu apoioaos diferentes governos e distintos regimes polti-cos; foi um dos eixos de [...] sustentao polticado modelo nacional-desenvolvimentista, em seusdiferentes desdobramentos, integrando as diver-sas coalizes polticas de apoio ordem industri-al (Diniz, 2010, p. 102).

    A partir de dcada de 1980, em contrastecom os perodos anteriores, em que procuravaafirmar a sua influncia e poder de negociaonas arenas do Poder Executivo, observa-se umexpressivo deslocamento da ao dos interesses

    organizados do empresariado para a arenacongressual, movimento que exigiu a adequaode sua estrutura de representao de interessess mudanas do perfil institucional do pas(Diniz, 2010, p. 111). A dcada seguinte seria ummomento marcante de inflexo na trajetria docapitalismo brasileiro, sinalizado, em particular,pela exausto do nacional-desenvolvimentismo epelo imperativo da [...] insero-integrao daseconomias nacionais numa estrutura de poderde escopo transnacional marcada por fortesassimetrias econmicas e polticas (Diniz, 2010,p. 116). Nesse cenrio, observa-se o declnio dacapacidade do empresariado nacional do setorindustrial na definio das estratgias de desen-volvimento, aumentando-se, por outro lado, oconfinamento tecnocrtico das decises(Bresser-Pereira; Diniz, 2009). Para Mancuso(2004), a inflexo liberal no ambiente econmi-co e seus desdobramentos, entre eles a aberturacomercial, instigam a mobilizao poltica dosempresrios, que conseguem superar os obst-culos de ao coletiva, tpicos de grupos hetero-gneos, e articulam uma agenda em prol de me-didas capazes de elevar a competitividade dasempresas, sobretudo daquelas relacionadas re-duo do custo Brasil.

    Em conjunto, fatos de natureza econmi-ca, como o esgotamento do nacional-desenvolvi-mentismo, a abertura e estabilizao da econo-mia e a reestruturao da indstria, foram acom-panhados por uma nova viso, uma nova men-talidade empresarial, cujos indcios, no que tan-ge aos parmetros econmicos, so:

    [...] as estratgias competitivas voltadas para ino-vao tecnolgica e diferenciao de produtos;as mudanas estruturais e organizacionais; ade-quao a normas e padres internacionais viainovao tecnolgica; inovao vista como fun-damental para o desempenho exportador; einternacionalizao com foco na inovaotecnolgica (Arbix; Di Negri, 2005, p. 21).

    Porm, apesar do peso dos fatores econ-micos nos avanos registrados na organizao ena mobilizao dos empresrios, a dimenso

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    poltica foi marcante, indicando significativasalteraes na socializao poltica, como afirma-o de [...] valores, regras e prticas democrti-cos, incluindo a aceitao do princpio daalternncia do poder [...] e a predominncia do[...] pragmatismo doutrinrio-ideolgico, carac-terizado por sucessivas adaptaes a posturas demaior ou menor alinhamento com um papel maisativo do Estado (Diniz, 2010, p. 102). Nestes l-timos anos, a presena mais forte da coordenaodo Estado da ordem econmica, novamenteredireciona a atuao poltica empresarial para asinstncias burocrticas do poder executivo, para-lelamente a um movimento de consolidao e di-versificao das entidades de representao deinteresses empresariais, configurando uma estru-tura organizacional complexa de convivncia en-tre as organizaes.

    No que diz respeito formao para o tra-balho, historicamente, a insero na produo ecirculao de bens e servios e a capacidade deinterferir nos processos decisrios, na definiode polticas governamentais, tanto em mbitolocalizado quanto macrossocial, garantiram aosempresrios o poder de influncia, ainda que deforma pontual, nas diversas modalidades de edu-cao, embora seu foco tenha sido o ensino pro-fissional. Foi notria a atuao do setor na defi-nio do modelo de ensino profissional que, nadcada de 40, culminou com a criao do SENAIe do SESI e, posteriormente, das demais insti-tuies integrantes do Sistema S. De inspiraofordista, o Senai articulava contedos tcnicos eideolgicos na criao de uma pedagogia do tra-balho industrial direcionada a desenvolver ascompetncias profissionais bsicas e a difundirum conjunto de valores, atitudes e crenas quefavoreciam a interiorizao da tica do trabalho(Colbari, 1995). Em diferentes conjunturas, asrazes econmicas foram utilizadas para justifi-car os nexos entre a educao e o sistema produ-tivo, favorecendo as relaes complementaresentre o setor empresarial e o governamental(Silva; Souza, 2009, p. 784).

    Uma breve recapitulao das mudanas

    ocorridas nos processos de qualificao profissi-onal e nas relaes estabelecidas entre a escola eo setor produtivo distingue, nas ltimas dca-das, trs diferentes estratgias que, todavia, nose definiram excluindo as precedentes: at 1980,quando ainda predominavam as prticastayloristas-fordistas, as empresas acionavam asuniversidades, as escolas tcnicas e o Sistema Spara a qualificao de seus profissionais; no mo-mento seguinte, a novidade foi a organizao desetores internos de treinamento voltados para acapacitao e o desenvolvimento dos funcion-rios, tendo em vista a adaptao s mudanas,tcnicas e organizacionais; e, a partir da dcadade 1990, destacaram-se as iniciativas da prpriaempresa direcionadas para as escolas pblicas,como atestam as aproximaes com a chamadacomunidade externa (o bairro, o municpio oua unidade federativa) e tambm pela constitui-o de escolas no espao da empresa, viabilizadaspor meio de parcerias com os governantes oucom o SESI (Rodrigues, 1998; Quartiero;Bianchetti, 2005).

    No um fenmeno excepcional a habili-dade social dos empresrios em influenciar adefinio de programas e projetos educacionaisrecentes, como tambm no o a sua condiode ator estratgico capaz de mobilizar diferentessegmentos sociais e persuadi-los a cooperaremem prol da educao (Fligstein, 2007). Atual-mente, ilustram o primeiro caso as interfernci-as do setor no Programa Nacional de Educao ena reformulao do ensino mdio e profissional,e o segundo, a presena no movimento Todospela Educao. Um recuo na histria destacariao papel desempenhado por esse segmento na ela-borao de polticas educacionais no quadroinstitucional do regime militar, aps 1964. Ape-nas a ttulo de ilustrao, menciona-se o caso doInstituto de Pesquisas de Estudos Sociais (IPES),fundado em 1961 por um grupo composto porempresrios, profissionais liberais e elementosdas foras armadas, que elegia a educao esco-lar como fator relevante tanto para o desenvol-vimento econmico quanto para o desenvolvi-

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    mento social (Souza, 1981).Compreender as nuanas mais significati-

    vas das relaes entre os empresrios e a educa-o exige um enquadramento terico que per-mita decifrar a configurao de ideias (aspectoscognitivos) e valores (aspectos normativos) orepertrio de representaes legtimas e de es-quemas de pensamento embutido nas constru-es discursivas reproduzidas nos documentostcnicos consultados. So construes que inter-pelam uma diversidade de universos econo-mia, poltica e tica , configurando modelos deordem legtima, sustentados por uma concep-o de interesses perseguidos pelos atores, osquais incluem gratificaes econmicas, mastambm as simblicas, entre elas, a busca de afir-mao da autoridade e de reconhecimento noespao pblico. Nesse esforo, a reflexo se apro-pria de categorias conceituais de vrios autoresemblemticos, entre eles, Bourdieu (2000),Boltanski e Thvenot (1991) e Boltanski eChiapello (1999), cuja operacionalizao permi-te explorar as dimenses interativas que produ-zem e so reproduzidas pela reatualizao doethos fordista (Gramsci, 1984).

    O corpus da pesquisa se constitui de do-cumentos tcnicos divulgados pela Confedera-o Nacional da Indstria (CNI) que, desde suaorigem, vem se constituindo em um complexoorganismo de representao do empresariadoindustrial brasileiro, capaz de aglutinar a vonta-de coletiva desse segmento e realizar aintermediao de seus interesses, por meio deuma expressiva habilidade para influenciar opoder Executivo e o Legislativo e a opinio p-blica (Rodrigues, 1998). Fundada em 1938, a CNI a instncia superior da representao industri-al e congrega federaes estaduais dotadas deestruturas administrativas prprias e com rela-tiva independncia na formulao de projetos,incluindo as aes pedaggicas. Porm, as dire-trizes da CNI norteiam as aes das federaesestaduais que, no campo educacional, atuam pormeio da trade Senai, Sesi e IEL.

    Alguns documentos tcnicos foram con-

    siderados emblemticos nessa tarefa de explicitara capacidade de formulao e de interveno daselites empresariais do setor industrial brasileirona contemporaneidade, sobretudo o seu interes-se em influenciar as aes, a gesto e o desempe-nho das instituies de ensino. Assim sendo,vrios textos publicados nos ltimos vinte anospela CNI foram analisados, embora tenha sidoreservado um tratamento especial aos mais re-centes, em particular os seguintes: Educaopara a nova indstria: uma ao para o desen-volvimento sustentvel do Brasil (2007), comodesdobramento do Mapa estratgico da inds-tria, que uma viso de futuro do Pas (2007-2015); a srie Agenda legislativa da indstria,1 eos documentos encaminhados aos candidatos eleio para o Executivo Federal Competitividadee crescimento: a agenda da indstria (1998); Aindstria e o Brasil: uma agenda para o cresci-mento (2002); Crescimento: a viso da indstria(2006); e A indstria e o Brasil: uma agenda paracrescer mais e melhor (2010).

    Tanto a Agenda, cujo foco direcionadopara as proposies legislativas em tramitaono Congresso Nacional quanto o documento ana-ltico e propositivo encaminhado aos candidatos presidncia expressam posies consensuaisconstrudas por meio de contribuies de in-meros empresrios e das instituies empresari-ais da indstria (federaes e associaessetoriais). Posteriormente, essas contribuies sodebatidas nos Conselhos Temticos da CNI. Emambas as modalidades de documentos, eviden-ciam-se preocupaes, demandas e formulaesque demonstram a grande capacidade da estru-tura de representao corporativista de interfe-rir na agenda pblica (Mancuso, 2004).

    Alem da representao corporativa de in-teresses setoriais, a CNI tem assumido uma atu-ao poltica propositiva nas diferentes instnci-as de tomada de decises pblicas e na forma-1 A Agenda legislativa da indstria organizada e publicada

    anualmente, desde 1996, coordenada pela CNI e realizadapela RedIndstria, uma rede de organizaes empresari-ais da qual fazem parte a CNI, as federaes da indstriade todas as Unidades da Federao e outras associaessetoriais de abrangncia nacional (Mancuso, 2004).

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    o da opinio pblica, tendo em vista aglutinarforas a favor de objetivos polticos mais am-plos, como a educao, a inovao, o desenvol-vimento sustentvel e a reduo das desigualda-des sociais. Portanto, o padro de ao polticadesses atores no se limita reao s contin-gncias econmicas; so eles portadores de pro-jetos polticos especficos (Mancuso; Oliveira,2006), pelos quais esto dispostos a mobilizarsegmentos da sociedade para alm de sua basede representao.

    A anlise dos documentos selecionadosancorou-se em dois eixos temticos: o primeiro,a relao entre educao e inovao; o outro, opapel da indstria e de seus empresrios comoatores decisivos do processo de desenvolvimen-to e da modernizao da sociedade. A partir des-ses eixos, a reflexo se arma tendo em vista acompreenso dos significados das aesdesencadeadas em dois planos. No planomesossocial, observa-se o empenho dos empre-srios industriais em se afirmarem como um atorestratgico hbil (Fligstein, 2007), cuja ao sepauta por uma racionalidade, tendo em vista adefesa de interesses especficos. Porm isso nose realiza sem o esforo socializador, a constitui-o de identidades coletivas capazes de motivare de persuadir os demais atores cooperao eao envolvimento. No caso analisado, o recorteso as aes a favor de uma educao adequadaaos desafios econmicos, sociais e polticos dopresente. No plano macrossocial, identificam-seas intenes dos empresrios em afirmarem umapostura de autoridade e de reconhecimento nasarenas polticas, mirando a sustentao de umaposio hegemnica ancorada no setor industrial.

    EDUCAO E INOVAO: pilares do desen-volvimento e da promoo social

    No eixo educao e inovao, os documen-tos tcnicos analisados priorizam duas linhas deao: a educao bsica e a educao como qua-lificao para o trabalho. Na tentativa de resga-

    tar momentos significativos de um processodiscursivo, algumas temticas so pontuadas.

    A primeira refere-se constatao da fra-gilidade do sistema educacional e de suainadequao para a formao dos recursos hu-manos demandados pelo setor produtivo. Os ain-da elevados ndices de analfabetismo e a baixaqualidade da educao brasileira impem limi-tes ao aproveitamento da capacidade da fora detrabalho, tal como exigida pelo novo paradigmaprodutivo e seus elevados patamares decompetitividade, indispensveis tanto para ga-rantir a participao do Brasil nos mercadosmundiais quanto para expandir o mercado in-terno (CNI, 1988). Outro ponto crtico odistanciamento entre o sistema educacional e ...as verdadeiras necessidades geradas nas ativida-des econmicas, [...]situao que tende a se agra-var, pois a introduo de novas tcnicas de pro-duo eleva a demanda por trabalhadores maisqualificados, aptos para funes complexas(CNI, 1988, p. 19), em geral, os talentos culti-vados pela via da educao (IPEA, 2006, p. 124).Esse diagnstico se repete em vrios documen-tos tcnicos produzidos pela entidade e mantmestreita sintonia com a retrica de organizaescomo a Cepal (1992) United Nations (1996), naqual ntida a crtica aos modelos tradicionaisde educao, acusados de impotncia na forma-o de indivduos mais autnomos e capazes dese relacionarem com as novas tecnologias deman-dadas pelas prticas produtivas.

    Em 1993, o documento Educao bsicae formao profissional: uma viso dos empre-srios (CNI, 1993) destacava a dependncia exis-tente entre a elevao da produtividade e dacompetitividade das empresas do setor, inclusi-ve nos ramos tradicionais, em relao aos pata-mares de educao de nvel fundamental e m-dio, sendo essa ltima articulada formao pro-fissional. Nesse mesmo ano, Albano Franco, en-to presidente da CNI, reitera a estrita associa-o entre a modernizao da economia e a de-mocratizao da educao. E, se o grande desa-fio da produtividade estava na formao e no

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    aperfeioamento do capital humano, era impe-rativo aos empresrios investirem mais na edu-cao bsica, que, articulada com a formaoprofissionalizante, teria impacto na reduo dodesemprego e abasteceria a indstria com mode obra mais qualificada (Franco, 1993, p. 3).

    Alm das vantagens econmicas daescolarizao e da formao para o trabalho, ob-servam-se os desdobramentos para a ordem so-cial. Das mudanas substanciais na conduo daspolticas educacionais dependem as possibilida-des de articulao entre desenvolvimento eco-nmico e justia social, pois o sistema educacio-nal deveria ser capaz de promover a reduo dasdesigualdades sociais, assegurando

    ... a educao dos desfavorecidos, para que elesdesenvolvam suas potencialidades e no sejamdestinados, desde os primeiros anos daescolarizao, a formar a categoria de perdedores,na concorrncia de um mercado voltado para amodernizao baseada no desenvolvimento denveis cada vez maiores de conhecimento (CNI,1993, p. 8).

    A qualidade da educao se transforma-ria em uma poderosa arma de combate s desi-gualdades sociais, pois garantiria mais igualdadevia incluso social. Mas, para cumprir o papelde alavanca econmica e social, a formao ge-ral, em nvel fundamental e mdio, necessitavaser reformulada, inclusive para alicerar a edu-cao profissional e, assim, constituir as compe-tncias mltiplas a serem atualizadas continua-mente em resposta s exigncias da sociedadedo conhecimento (Guilhon, 2005).

    Em suma, o patamar e as mudanas dastecnologias tornam o aprendizado profissionalmais dependente da educao bsica: o suportede conhecimentos e habilidades relacionados aptido de leitura e de interpretao, capacida-de de expresso e de trabalho em grupo [...] naresoluo de problemas relativamente comple-xos [...]; domnio de conceitos cientficos e ma-temticos abstratos, recursos para [...] enten-der e usufruir das potencialidades tecnolgicasdo mundo que nos cerca [...]; e [...] principal-

    mente [...] aprender a aprender, condio indis-pensvel para poder alcanar as mudanas eavanos cada vez mais rpidos que caracterizamo ritmo da sociedade moderna. (Silva Filho,1996, p. 88). Demanda-se

    [...] um trabalhador que pensa. [...] aquele quetem um conjunto de conhecimentos bsicos e trei-namento especifico. A virtude estar em que voctenha um sujeito que conhea muitas coisas, co-nhea bem as coisas bsicas e que possa ser ca-paz de agir sem receber ordens. [...] Para o traba-lhador, portanto, o nvel de exigncia que te-nha conhecimentos bsicos e resolva seus pro-blemas [...] o dia a dia est ali, feito pelos traba-lhadores que tm iniciativa, sabem o que tm quefazer, tm o conhecimento. O trabalhador que notomar decises, ou porque no tem skill, que isto que ns estamos falando, ter esses conhe-cimentos bsicos, ou porque no foi treinado eno compreendeu que faz parte das atividadesdele pensar e agir, esse est fora, no tem lugarpara ele (Franco apud Rummert, 2000, p. 93).

    No terreno da qualificao profissional, odiscurso da CNI incorpora as noes de compe-tncia e de polivalncia. O conceito de compe-tncia norteia a reforma do ensino mdio e daeducao profissional brasileira, definindo a ne-cessidade de uma base de conhecimentos quesustente o desenvolvimento das competnciasprofissionais exigidas pela contnua implantaode novas tecnologias nos setores produtivos (Bra-sil, 1997). A definio de competncias se referes operaes mentais, cognitivas, scio-afetivasou psicomotoras que, ao serem apropriadas pe-los educandos, geram habilidades e configuramum [...] saber fazer que no produto de umainstruo mecanicista, mas de uma construomental que venha a incorporar novos saberes,viabilizando, assim, uma requalificao ou umareprofissionalizao em funo das mudanaseconmicas e tecnolgicas. (Brasil, 1997, p. 13).E uma das formas de gerar e refinar as compe-tncias dos recursos humanos a garantia doacesso educao bsica, sendo ela o alicerce daeducao profissional.

    Vinculado ao conceito de competncias,aparece o de empregabilidade, definido [...] noapenas como capacidade de obter um emprego,

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    mas tambm de se manter em um mercado de tra-balho em constante mutao. (Brasil, 1995, p. 9).A sintonia entre o sistema de ensino e a aquisiodas competncias necessrias empregabilidade utilizada para justificar a [...] participao efetivado empresariado na determinao dos contedosque devem ser ministrados durante a realizaodo processo de formao profissional (Oliveira,2001, p. 196).

    No discurso da CNI, a noo depolivalncia reporta a um tipo de trabalhadorcapacitado para atuar em diferentes postos detrabalho dentro de uma mesma famliaocupacional, mas tambm independncia pro-fissional. Os percursos formativos devem propi-ciar o desenvolvimento do pensamento tericoe abstrato, da capacidade de [...] analisar, depensar estrategicamente, de planejar e de res-ponder criativamente a situaes novas, e tam-bm das [...] capacidades scio-comunicativasnecessrias promoo do trabalho cooperati-vo em equipe (CNI, 1993, p. 9).

    No menos importante, nesse debate, aintegrao da questo educacional agenda demodernizao das relaes trabalhistas, comvistas a assegurar a flexibilidade no mercado detrabalho. A reduo do custo da mo de obra e aelevao do investimento em educao estimu-lariam a criao de novas possibilidades de in-sero produtiva dos trabalhadores; uma forma-o profissional mais densa facilitaria aos traba-lhadores a circulao entre as ocupaes, o quecontribuiria para reduzir o componente estru-tural do desemprego (CNI, 1995).

    Nesse mesmo teor, o documento Empre-go na indstria (CNI, 1997, p. 28-29) atribui aomodelo econmico adotado a responsabilidadepela elevao dos ndices de desemprego na d-cada de 90 e reafirma que a criao de empregosdepende do ambiente macroeconmico, mastambm da reduo do custo da mo de obra edas polticas ativas de trabalho, sobretudo as dequalificao profissional e de requalificao pro-fissional, capazes de [...] minorar os impactosda introduo das novas tecnologias sobre o n-

    vel de emprego. Assim [...] o treinamento dosdesempregados, visando sua recolocao nomercado de trabalho em postos de maior quali-ficao, uma das principais polticas destina-das a reduzir o desemprego [atual], [...] carac-terizado como essencialmente tecnolgico.

    Constatava-se que, diante das transforma-es ocorridas em mbito mundial nos setoresprodutivo, social e poltico, nas ltimas dcadasdo sculo XX, a sociedade brasileira fora desafi-ada a mudar o padro de desenvolvimento in-dustrial. Nesse contexto, a indstria precisavabuscar mercados externos, o que dependia desua competitividade, por sua vez, dependenteda incorporao do progresso tcnico e de umnovo patamar de escolaridade e formao pro-fissional do trabalhador (CNI, 1998).

    O sucesso das empresas, em um ambiente mar-cado pela crescente competio e por fortes mu-danas tecnolgicas, est cada vez mais associa-do sua capacidade de implantar modelos degesto baseados na mobilizao das capacidadeshumanas dos seus colaboradores, obtendo per-manente flexibilidade e inovao como condiode competitividade. Nesse cenrio, a educaobsica assume um papel estratgico para o de-senvolvimento das empresas e de uma economiacompetitiva. [...] O conceito de formao para otrabalho sofreu profundas modificaes nos lti-mos anos. Hoje, a formao de competncias ehabilidades requeridas pelo mundo do trabalhoexige nveis cada vez mais altos de escolarizao eformao bsica, compreendendo-se nesta o ensi-no fundamental e o mdio. Este conceito certa-mente no inibe o desenvolvimento de cursos decurta durao, com vistas formao de habilida-des especficas, desde que associados a compo-nentes de habilidades bsicas. (CNI, 1998, p. 55).Em outras palavras, a viabilidade do investimen-to intensivo em tecnologia depende da qualida-de do capital humano que, por sua vez, est atre-lada qualidade da educao a condio parase elevar a bagagem cognitiva e as habilidadesoperacionais e comunicativas dos trabalhadores.As polticas de qualificao profissional se jus-tificam pela sua funo estratgica para a econo-mia, tendo em vista as modificaes ao longo dotempo pelas quais passaram as atividades do se-tor produtivo (Guilhon, 2005).

    Em 2005, registra-se a divulgao de umimportante documento o Mapa estratgico daindstria: 2007-2015 (2005a ou 2005b) do qual

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    se extraiu o texto Educao para a nova inds-tria. Realizado pela CNI e incorporado pelas fe-deraes estaduais, esse estudo reflete o peso docrescimento industrial do pas na diminuio dosnveis de desemprego, assim como a preocupa-o com os impactos sobre as competnciasrequeridas para o trabalho e sobre os perfis pro-fissionais, decorrentes da contnua mudana nosprocessos produtivos desencadeada pela incor-porao crescente de tecnologia. Nesse documen-to, reitera-se a importncia da educao para asustentao de um processo de desenvolvimen-to econmico e social, pois ela seria

    [...] uma das vertentes fundamentais para o cres-cimento da economia, seja pelo efeito direto so-bre a melhoria da produtividade do trabalho formao de trabalhadores mais eficientes, capi-tal humano seja pelo aumento da capacidadedo pas de absoro e gerao de novastecnologias (CNI, 2005, p. 10).

    A elevao da qualificao profissionalpressupe uma formao mais densa em con-tedos cientficos e culturais. Prope-se o refor-o ao ensino de cincias, estimulando oseducandos [...] apropriao dos conhecimen-tos da fsica, da qumica e da biologia com suasparticularidades metodolgicas[...] e para o exer-ccio de atividades de pesquisa, experimentao,descoberta e a validao (CNI, 2007).

    Ainda nesse vetor, a proposta de escolade tempo integral outra ferramenta para me-lhorar a qualidade da educao, pois a amplia-o da jornada escolar favorece, nas diversasmodalidades de ensino, a articulao de aesincluindo o ensino-aprendizagem, a cultura, oesporte e o lazer. Refinam-se os processossocializadores e civilizadores, como ilustra a se-guinte afirmao:

    A escola de tempo integral atualiza o conceito decurrculo, possibilitando ao aluno adquirir h-bitos de vida saudveis, ampliar o capital cultu-ral, incentivar a leitura, conhecer novos idiomas,participar de processos de incluso digital e deformao profissional (CNI, 2007, p. 23).

    Em outro fragmento do referido texto, rei-

    tera-se essa vocao civilizadora da educao, in-clusive da profissional, percebida como umconceito que ultrapassa os limites da escola, almde ser a maneira de emancipar o indivduo pelotrabalho, o que justifica o projeto educacionaldo SENAI: [...] formao de cidados capazesde atuar de maneira autnoma, crtica, consci-ente e participativa no ambiente de trabalho ena vida cotidiana [...] (CNI, 2007, p. 29). Nocaso especfico do setor industrial, alm da ele-vao da escolaridade bsica de forma coorde-nada com educao profissional, a proposta aEducao Continuada do Trabalhador da Inds-tria, como um [...] processo permanente deaprendizado e de incorporao de conhecimen-tos gerados pelo progresso cientfico etecnolgico, propiciando o desenvolvimento pes-soal e profissional (CNI, 2007, p. 24).

    Outra fonte documental relevante para oentendimento do envolvimento da CNI no cam-po da educao a Agenda legislativa da inds-tria. Nos anos de 2008 a 2011, a Agenda destaca odesafio da qualidade como prioridade do sistemaeducacional brasileiro. A indstria necessita derecursos humanos qualificados, criativos e comcapacidade empreendedora. Essa a base para aelevao da produtividade e crescimento sustent-vel da renda (CNI, 2010a, p. 169). As condiespara o salto qualitativo [do pas] em todos os n-veis pressupem atingir os seguintes objetivos:garantia da qualidade da educao bsica; fortale-cimento da educao profissional e tecnolgica ede [...] uma educao superior de qualidade eadequada s necessidades da economia do conhe-cimento e do sistema produtivo; promoo da in-cluso digital; promoo da cultura empreende-dora e difuso de valores de livre iniciativa e ti-ca empresarial (CNI, 2010a, p. 170).

    Reiteram-se, nas agendas propostas anu-almente ao Poder Legislativo, as demandas apre-sentadas ao Poder no Executivo, no momentodas eleies presidenciais. Em sntese, as pro-postas-chave so:1. Universalizao e qualidade da educao b-

    sica, com foco no [...] ensino de leitura, escri-

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    ta e literatura; matemtica; e cincias. [...] Ler,escrever, falar, ouvir, usar nmeros, pensar eresolver problemas so a essncia da educa-o (CNI, 2010b, p. 152).

    2. Superao do [...] modelo de ensino mdioeminentemente acadmico e voltado para umprocesso de seleo universitria generalista,evoluindo para um modelo que permita a di-versificao de contedos e a profissionalizaodos indivduos (CNI, 2010b, p. 153).

    3. Expanso e fortalecimento da educao pro-fissional por meio do [...] crescimento da ofer-ta de ensino mdio em articulao com a edu-cao tecnolgica e a formao profissional; eaperfeioamento da educao profissional naperspectiva de formao continuada (CNI,1998, p. 55).

    4. Educao superior diversificada em seu for-mato (incluindo a ofertas de cursos superioresde curta durao, de tecnologia e sequenciais),de qualidade e adequada s necessidades daeconomia do conhecimento e do sistema pro-dutivo; ampliao da contribuio da univer-sidade para o [...] desenvolvimento dacompetitividade industrial, tanto atravs dosprogramas de formao e aperfeioamentoquanto das pesquisas tecnolgicas e projetoscooperativos (CNI, 1998, p. 56); valorizao,na mesma intensidade, da educao terica eprtica; e produo de graduados mais criati-vos e preparados para a prtica da inovao epara a adaptao s mudanas constantes nosrespectivos campos de trabalho (CNI, 2010b).

    Esse elenco de desafios no campo da edu-cao se coaduna com uma das teses mais pre-sentes nos documentos tcnicos da CNI: A edu-cao a base para a produtividade e inovao,estando ambas (a educao e a inovao) no [...]DNA dos casos de sucesso de empresas brasilei-ras que se tornaram mais competitivas nos mer-cados nacional e internacional (CNI, 2010b, p.19). A seguir, so citados fragmentos de textosplenos de contedos que associam a alavancagemda inovao aos processos educativos, em seusdiversos nveis e modalidades.

    O grau de capacidade de um pas de adquirirnovas tecnologias ou, sobretudo, produzi-las,depende do nvel de educao de seus trabalha-dores, o que requer aes expressivas nas reasde educao bsica e especializada. No sufici-ente investir na produo de novas ideias in-veno. necessrio que essas ideias sejam pos-tas em prtica inovao. Do contrrio o esforoem cincia, pesquisa e desenvolvimento no setraduzir em ganhos de produtividade e,consequentemente, em crescimento. (CNI, 2002,p. 56).A nossa fora de trabalho sofre os limites resul-tantes de um grau de escolaridade inferior aodesejado e muitas vezes obtido em um ensino debaixa qualidade. A este quadro desfavorvel,soma-se a crescente exigncia de qualificao quederiva da introduo das novas tecnologias. Apresso sobre o sistema educacional ter que terrespostas tanto no mbito do ensino bsico comodo ensino tcnico e profissionalizante, cuja ofer-ta dever estar cada vez mais adequada efetivademanda do mercado e s necessidades de edu-cao continuada. A Universidade, responsvelpela imprescindvel formao de recursos huma-nos qualificados e por boa parte da gerao doconhecimento, dever buscar caminhos de mai-or autonomia e maior compromisso com a pro-dutividade. (CNI, 2002, p. 60).O baixo nvel educacional da fora de trabalho um dos principais limitadores do crescimentodo Brasil. Com a acelerao da taxa de inovaotecnolgica mundial, possuir mo de obraeducada capaz de absorver e melhorar as novastecnologias crucial para o desenvolvimentoeconmico do Pas. (CNI, 2006, p. 132).A educao no s importante para o uso denovas tecnologias como insumo indispensvelpara sua criao. Sem uma populao com altonvel de escolaridade, um pas no consegue pas-sar do estgio de apenas absorvedor de novastecnologias para criador e, consequentemente,acelerar seu crescimento. (CNI, 2006, p. 132).O Pas deve proporcionar os incentivos necess-rios para incutir na sociedade a ideia de cresci-mento individual, como resultante da busca peloconhecimento. Assim, uma boa poltica educa-cional deve estar conjugada a crescimento eco-nmico, de modo que se criem ambientes de tra-balho propcios ao uso das competncias adqui-ridas. (CNI, 2006, p. 133).

    Se a carncia de trabalhador qualificadocompromete o aumento da produo e da pro-dutividade e a prpria competitividade do pas,torna-se imperativa uma agenda positiva eprioritria que supere as deficincias educacio-nais. Sem enfrentar esse desafio, ficam compro-

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    metidos tanto os esforos de inovao sendoessa uma varivel estratgica das empresas bra-sileiras quanto aqueles de promoo do de-senvolvimento social e de reduo das desigual-dades. Romper-se-ia a cadeia virtuosa de benef-cios gerais: aumento da produtividade, novasoportunidades de empreendedorismo, criao deempregos e elevao da remunerao de investi-dores e de trabalhadores (CNI, 2002; CNI, 2006).

    No que se refere oferta de educao su-perior, os documentos da CNI (2009, p. 206;2010a, p. 171) destacam sua inadequao e insu-ficincia para atender os [...] crescentes nveisde exigncia e de complexidade no trabalho eem funo das inovaes tecnolgicas e das no-vas formas de organizao da produo. A ade-quao da educao superior ao projeto de Na-o exige prioridade de determinados aspectos:pesquisas em [...] reas consideradas essenciaispara o desenvolvimento socioeconmico, indus-trial e tecnolgico [...] e a [...] formaotecnolgica voltada a profisses emergentes edecorrentes da constante inovao gerada no se-tor produtivo [...], principalmente [...] os cur-sos de graduao e ps-graduao nas engenha-rias, cincias exatas e biolgicas [...]; estmulos pesquisa colaborativa, criatividade, inovao,empreendedorismo, esprito crtico e rigor aca-dmico-cientfico; e flexibilidade dos [...] mo-delos para possibilitar contedos programticosadequados aos nveis de desenvolvimento cien-tfico e tecnolgico demandados pelo setor pro-dutivo, pelo processo de inovao e pelacompetitividade internacional.

    Alm do aperfeioamento qualitativo detodos os nveis de ensino e da adaptao de seuscontedos s exigncias da sociedade e do setorprodutivo, reivindica-se um Plano Nacional dePs-Graduao com prioridade para as reas doconhecimento mais prximas das demandas daconstruo de uma plataforma de cincia etecnologia capaz de estimular o processo de ge-rao e de inovao tecnolgica. Alm de sintoniacom essas demandas, a expanso dos cursos deps-graduao deveria contemplar o desenvolvi-

    mento das regies com indicadores sociais, eco-nmicos, culturais ou cientficos inferiores mdia nacional (CNI, 2008; CNI, 2010a).

    Reivindica-se a presena mais forte da aoestatal nos investimentos em cincia e tecnologia,pois, apesar de reconhecer as empresas como asprincipais foras inovadoras de um pas, a aodo governo decisiva para a criao de um siste-ma nacional de inovao que inclua os centrosprodutores de conhecimento (universidades edemais instituies de pesquisa) e agentes eco-nmicos pblicos e privados (CNI, 2002). No visschumpeteriano, a inovao alada condiode principal fora produtiva para garantir aracionalidade capitalista moderna e depende dofluxo de ideias. Assim sendo,

    [...] a atividade produtora de ideias, isto , ativi-dade que compreende pesquisa e desenvolvimen-to, gera externalidades positivas. Ideia um im-portante insumo para a produo de novas ideias.Portanto, quanto maior o estoque de ideias dis-ponveis, maior a produtividade no setor de pes-quisa e desenvolvimento (CNI, 1998, p. 77).

    Por sua vez, a produo de ideias cada vezmais dependente da pesquisa cientifica e das pos-sibilidades de transferir sua aplicao para o teci-do produtivo. Dessa forma, a produo e o dom-nio de conhecimentos e tecnologias deixam de serencarados apenas pelo ngulo do mercado e sob aperspectiva da utilizao imediata e se convertemem questes polticas, de cunho estratgico, sobreas quais se requer a funo reguladora do Estado:[...] a produo de ideias (novos processos de pro-duo, produto, design e tecnologia), devido s suasespecificidades, uma atividade econmica quedemanda interveno direta e normativa do go-verno (CNI, 1998, p. 77).

    Alm da aproximao entre as exignciasdo setor produtivo e a estrutura e o funciona-mento do sistema educacional, as aes de go-verno deveriam estimular os investimentos pri-vados em P&D, via iseno fiscal: a polticatecnolgica deveria incluir a reduo de barrei-ras importao de tecnologia (CNI, 2007; CNI,2010b). Reivindicam-se do governo medidas de

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    estmulo ao desenvolvimento tecnolgico, pormeio de uma atuao

    [...] tanto na proviso de um ambiente indutorao investimento em P&D e inovao, como naqualificao da mo de obra, fazendo uso de umadequado sistema de incentivos e apoios volta-dos para o setor produtivo (CNI, 2002, p. 61).

    Em resumo, as percepes empresariaissobre a educao destacam a obrigao estatalde garantir uma contnua formao profissionaladequada ao perfil do trabalhador produzido pelaacumulao flexvel. Ou seja: capacitao para oenfrentamento da permanente instabilidade domercado de trabalho e a universalizao da edu-cao bsica, que deve ser complementada pelaformao profissional, em diversos nveis, acom-panhando toda a vida produtiva do trabalhador.

    Apesar do reconhecimento do papel doEstado no desenho e na operacionalizao do sis-tema educacional, percebe-se, nos documentosanalisados, a insistncia na necessidade de as or-ganizaes empresariais contarem com um sis-tema prprio e compulsrio de financiamento deformao profissional, tendo em vista o perodode durao e a complexidade da formao derecursos humanos de alta qualificao. O cartercompulsrio e a participao ativa dos empres-rios na sustentao de um sistema de ensino oude capacitao profissional so consideradoscruciais para viabilizar processos formativos ade-quados ao abastecimento do mercado de mo deobra qualificada nas novas prticas produtivas queenvolvem vrias reas do conhecimento, muitaassistncia pessoal, estabilidade, continuidadee planejamento de longo prazo e foco nas ten-dncias do mercado e das mudanas tecnolgicas.A preciso desse foco demanda agilidade, flexibi-lidade e ajustes contnuos nos processos de for-mao (CNI, 2005c).

    Nesse sentido, mais uma vez, a influnciade Schultz (1973) se evidencia. A educao nose desprende de seu carter de investimentodirecionado aquisio de conhecimentos e ca-pacidades operacionais, tcnicas e gerenciais de-correntes dos avanos cientficos e tecnolgicos

    incorporados e (ou) estimulados pela dinmica dosistema econmico. Como porta de entrada paraas inovaes tecnolgicas, em decorrncia da pre-mente necessidade de atualizar seu ciclo produti-vo, a indstria tem seu destino atrelado prpriacapacidade de assimilar e produzir inovao, o quecoloca em relevo outra caracterstica do setor: ademanda de formao de uma mo de obra qualifi-cada, capaz de absorver e acompanhar as mudan-as na tecnologia. Portanto, a defesa de investi-mentos crescentes em educao tem foco: um tipode educao direcionada a produzir os recursoshumanos teis ao funcionamento do setor produ-tivo. E, no padro atual de desenvolvimento eco-nmico da sociedade brasileira, a produo des-ses recursos impe a elevao da escolaridade emgeral, mas tambm em nichos especficos queincrementem a formao de profissionais de nveltcnico e de nvel superior nas reas tecnolgicas.

    Em sintonia com essas demandas e refletin-do a capacidade de influncia do empresariadosobre as decises governamentais, situa-se o pla-no Brasil Maior, lanado em 2011 pela presidn-cia da repblica, cujas dimenses sistmicas rei-teram a necessidade de formao e de qualifica-o profissional em sintonia com as demandasdo crescimento econmico baseado na inovao.Sero apoiados, no mbito federal, os progra-mas educacionais destinados ao ensino tcnicoprofissionalizante e s engenharias, entre eles oPrograma Nacional de Acesso Escola Tcnica(Pronatec), o Plano Nacional Pr-Engenharia e oPrograma Cincia sem Fronteiras.2 No mbito dainiciativa privada, o SENAI receber apoio dogoverno para ampliar e construir novos centrosde pesquisa e de formao profissionalizante con-

    2 O programa Cincia sem Fronteiras concede bolsas paraestgios no exterior, destinadas a alunos de graduao eps-graduao, e tambm para pesquisadores de empre-sas. As reas prioritrias do programa so: Engenharias edemais reas tecnolgicas; Cincias Exatas e da Terra; Bio-logia, Cincias Biomdicas e da Sade; Computao eTecnologias da Informao; Tecnologia Aeroespacial;Frmacos; Produo Agrcola Sustentvel; Petrleo, Gs eCarvo Mineral; Energias Renovveis; Tecnologia Mine-ral; Biotecnologia; Nanotecnologia e Novos Materiais;Tecnologias de Preveno e Mitigao de Desastres Natu-rais; Biodiversidade e Bioprospeco; Cincias do Mar;Indstria Criativa; Novas Tecnologias de Engenharia Cons-trutiva; e Formao de Tecnlogos.

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    forme as novas necessidades da indstria nacio-nal (Brasil, 2011, p. 14).

    Em seu escopo geral, o Brasil Maior ex-pressa a pauta da indstria captada por meio daanlise dos documentos tcnicos da CNI, prepa-rando o terreno para anlise proposta neste arti-go, no tpico a seguir. Definido como [...] umesforo integrado e abrangente de gerao deemprego e renda em benefcio do povo brasilei-ro [...] (Brasil, 2011, p.7), o foco do Plano o[...] estmulo inovao e produo nacionalpara alavancar a competitividade da indstrianos mercados interno e externo e, dessa forma,permitir [...] passos mais ousados em direoao desenvolvimento econmico e social. O es-foro para mobilizar as foras produtivas parainovar, competir e crescer (Brasil, 2011, p. 7)envolve aes transversais e setoriais visando aoaumento da eficincia produtiva da economiacomo um todo, esforo que demanda o aprovei-tamento das competncias desenvolvidas no in-terior das empresas, das instituies acadmicase na sociedade em geral (Brasil, 2011).

    A VOCAO DA INDSTRIA: o ethos fordista

    Inicia-se o desenvolvimento deste tpicocom a seguinte constatao: faz parte do sistemade crenas do empresariado do setor industriala ideia de que a viso empreendedora, forjada apartir dos desafios da economia real, sustentauma liderana catalisadora e faz dos empres-rios agentes do desenvolvimento e da mudan-a, cuja ao pode ter influncias positivas dealcance mais amplo, como no processo de ela-borao e de implantao de polticas pblicas ena mobilizao da sociedade a favor da moder-nizao da economia e das instituies brasilei-ras (CNI, 2005c, p. 21).

    O Pas que queremos um dos enuncia-dos em destaque nos textos analisados, nos quais adefesa da competitividade da economia apareceassociada a outros fatores: gerao de emprego erenda, institucionalidades e marcos regulatrios ade-

    quados ao desenvolvimento, sustentabilidade e inovao. A seguir, algumas citaes ilustrativas:

    A elevao da competitividade o eixo centralda agenda de desenvolvimento industrial. ocaminho mais eficaz para privilegiar a produoe a gerao de empregos no Pas. [...] A indstriabrasileira confia em sua capacidade de respon-der aos desafios de um mundo em mutao [...].Mas, para o prosseguimento do xito da sua mis-so, entende ser imprescindvel que o ambienteexterno s empresas deixe de representar umadesvantagem competitiva (CNI, 1998, p. 6).Superar o vis anticompetitividade das polticase instituies e recuperar o caminho do cresci-mento sustentado a rota mais eficaz para privi-legiar a produo e a gerao de empregos noBrasil (CNI, 1998, p. 9).Queremos consolidar o Brasil como uma econo-mia competitiva e inovadora, capaz de crescer deforma sustentvel e gerar mais e melhores em-pregos. Queremos uma economia inserida nasociedade do conhecimento, reconhecida comouma das principais plataformas da indstriamundial (CNI, 2006, p. 19).

    Em outros trechos dos documentos analisa-dos, a percepo dos empresrios sobre o impactoda indstria na economia brasileira e na vida soci-al est associada aos princpios e efetivao deuma economia competitiva puxada pelo setorindustrial, ambos associados s crenas nas supos-tas potencialidades virtuosas das empresas, na de-mocracia, na reduo das desigualdades regionaise nos propsitos de gerar empregos e reduzir apobreza e a desigualdade social.

    A indstria brasileira tem ambio. A sua visode Brasil a de um Pas capaz de superar a po-breza e desigualdade sobre as bases de uma soci-edade democrtica e de uma economia de merca-do competitiva (CNI, 2002, p. 11).A agenda do crescimento vai alm da estabilida-de e do respeito aos fundamentos econmicos.O crescimento precisa ser conscientemente bus-cado. um trabalho rduo. [...] Exige viso estra-tgica, aes em mltiplas direes e coalizespolticas com capacidade de garantir a suaimplementao, integrando empresas, setores eregies s oportunidades de crescimento maisdinmicas (CNI, 2002, p. 11).A indstria e o Brasil querem crescer. O baixo cres-cimento da economia nos ltimos dez anos dificul-ta a capacidade de o Pas gerar empregos e criar umasociedade mais justa. A nica forma sustentvel degerar riqueza por meio do setor privado. Um climade investimentos desfavorvel desestimula os em-

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    preendedores e cria obstculos criao dos empre-gos que financiaro os gastos sociais e os serviosque beneficiam a sociedade. A mquina do cresci-mento so as empresas (CNI, 2006, p. 14).A CNI tem uma viso de longo prazo para o Pas: o Mapa Estratgico da Indstria (2007-2015).O Mapa define objetivos, metas e programas, ca-pazes de consolidar o Brasil como uma econo-mia competitiva, inserida na sociedade do co-nhecimento e base de uma das principais plata-formas da indstria mundial: inovadora, comcapacidade de crescer de forma sustentvel, commais e melhores empregos (CNI, 2006, p. 17).

    Ainda nessa trilha, a publicao CNI(2010, p. 11) apresenta uma sntese do que seriacrescer mais e melhor: desenvolver-se de for-ma sustentada; reduzir a pobreza e a desigual-dade; preservar a sustentabilidade ambiental;e garantir a diversificao e transformao daestrutura produtiva.

    A ambio da indstria est aliceradaem um sistema de crenas e valores (elaboraescognitivo-normativo-valorativas), incluindo a con-vico quanto sua capacidade para liderar o cres-cimento sustentado da economia brasileira e noreconhecimento de sua fora transformadora, umadinmica que irradia efeitos sobre os demais seg-mentos do sistema produtivo. Essa crena se re-fora diante da constatao de que os pases comritmos de crescimento expressivos e sustent-veis tm, na indstria manufatureira, a fonte dedinamismo (CNI, 2010c). So vrios os fatores quesustentam a importncia da indstria: gerao deriquezas, empregos e divisas e vanguarda na pro-duo e difuso tecnolgica, com impacto nos de-mais setores da economia. Nessa trilha, so suges-tivos os fragmentos de texto citados a seguir;

    [...] a indstria tem um papel estratgico. Nosltimos anos ela buscou a produtividade e a efi-cincia. [...] A afirmao do Brasil como um dosprincipais polos manufatureiros da economiamundial exigir tambm uma crescente inova-o de processos e produtos, uma poltica deli-berada de abertura de mercados externos e a ca-pacidade de beneficiar-se da aplicao das mo-dernas tecnologias de informao (2002, p. 12). falsa a viso de que com o crescimento dos ser-vios a perda da importncia da indstria seriauma tendncia irreversvel. Esta tese fruto, den-tre outras razes, de iluso estatstica. Com a

    terceirizao parte do emprego e valor que eragerado diretamente pela indstria passou a sercontabilizado no setor servios. Parcela impor-tante dos servios existentes nas economias de-senvolvidas direta e indiretamente resultantede um setor industrial expressivo. [...] bsico,portanto, reconhecer que um projeto de desen-volvimento no pode prescindir da consolida-o de um setor industrial dinmico. (CNI, 2002,p. 13).No existe um modelo nico de crescimento paraos pases. Mas, respeitadas as peculiaridades decada um os recursos naturais, o nvel de edu-cao, a qualidade do capital humano , h umpadro na trajetria exitosa do crescimento, que base da indstria manufatureira. [...] A pro-duo e a exportao de manufaturas constitu-em o caminho mais vivel para a transio deuma economia de baixa renda para outra de ren-da mdia ou alta. Essa a concluso do Relatriode Desenvolvimento Industrial das Naes Uni-das, de 2009, baseado na experincia de 159 pa-ses, 121 dos quais em desenvolvimento (CNI,2010, p. 14, grifos do autor).

    As proposies da CNI, ancoradas em umprojeto de desenvolvimento no qual a indstriaocupa um lugar estratgico, no parecem reite-rar as teses sobre a suposta debilidade polticado setor empresarial brasileiro, alvos das crti-cas de Diniz (2000), Mancuso (2004), e Mancusoe Oliveira (2006). Faz parte dessa investida daCNI, no sentido de afirmar um projeto de desen-volvimento, a defesa da mudana nos marcos re-guladores, considerados inibidores da iniciativaeconmica, pois a elevao da competitividadeenvolve decises relativas s estratgias das fir-mas do ambiente em que elas esto inseridas.Envolveria um novo tipo de ativismo que sedefronta com estruturas do Estadodespreparadas, com capacidade limitada de pro-mover a coordenao das aes necessrias elevao da competitividade, que se encontramdispersas e compartimentadas em vrias insti-tuies (CNI, 2002).

    As condies favorveis ao desenvolvimen-to so tambm vistas como dependentes da quali-dade e do aperfeioamento do arcabouoinstitucional, da existncia de regras claras e segu-ras que incentivem mecanismos de autorregulaoou de corregulao entre os prprios empresrios e

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    Nessa retrica, torna-se mais ntido o papelque os empresrios industriais reservam ao Estadona ordem econmica. Investido pelo sistema cons-titucional-legal da condio de princpio coorde-nador ou regulador, a ele cabe: mobilizar e organi-zar a ao dos agentes produtivos; garantir a re-gncia das leis de mercado; e criar ou preservarum ambiente poltico-institucional favorvel aoaumento de produtividade e eficincia econmica.As crenas no livre mercado no excluem a neces-sidade de marcos reguladores institucionalizados,de legislao clara, as regras do jogo, e o incenti-vo a determinados padres de comportamento.Em suma: reafirma-se a importncia de umainstitucionalidade que defina a matriz de incenti-vos e de sanes, alm de reduzir a margem deincertezas e de custos, assegurando a estabilidadedas relaes, a segurana dos contratos e das tran-saes (Cond, 2006).

    Mas, se essas demandas enunciam inte-resses particulares do setor, a bandeira da edu-cao favorece a aproximao entre o especficoe o geral. A representao da educao comopanaceia j senso comum, fortemente presen-te no imaginrio coletivo, sendo reconhecidacomo uma via legitima de mobilidade social euma forma de combate pobreza e marginalidade. E mais: uma condio vital tantopara sustentar a competitividade da economianos mercados globais, cada vez mais exigentesde conhecimentos e de inovao, quanto para seconstruir uma sociedade pautada por parmetrosde justia, de igualdade (pelo menos de oportu-nidade) e de reconhecimento social. Assim sen-do, tornam-se cada vez mais sedutores os dis-cursos que [...] professam a educao como a

    propulsora do desenvolvimento econmico e so-cial dos pases ditos perifricos e a colocam comoprioridade, em termos quantitativos e qualitati-vos, nas aes da esfera governamental e empre-sarial. (Silva; Souza, 2009, p. 784) E no se devedesprezar o fato de que est em causa uma rei-vindicao histrica de movimentos sociais, departidos polticos e de sindicatos, que, em tese,so opositores ordem econmica vigente.

    Essa forte representao da educao noimaginrio social impregna as instituies quecompem o aparato produtivo-administrativodas empresas e o aparato estatal, em suas estru-turas objetivas e cognitivas (Bourdieu, 2000), econtribui para sedimentar o processo delegitimao de certas prticas de interveno so-cial. No caso das instituies empresariais, pos-svel identificar o processo apontado porHabermas (1987) de busca pela legitimao co-municativa dessas instituies, ou seja: a legiti-midade da ao estratgica depende de sua su-jeio aos imperativos da razo comunicativa,tornando o discurso institucional, aqui represen-tado pelos documentos tcnicos divulgados pelaCNI, uma pea relevante para se compreende-rem as conexes entre as estratgias econmi-cas, o poder poltico e o reconhecimento social.

    A anlise desses textos contribuiu paradesvendar aspectos do universo de significaodos empresrios a configurao de interesses ede ideias que alimenta as suas motivaes e de-marca o quadro cognitivo-valorativo subjacentes percepes a respeito das articulaes entremercado, sociedade e estado. Dessas percepesderivam as construes discursivas eivadas decrenas e significados compartilhados e que soutilizadas para a mobilizao de diversos seg-mentos sociais, tendo em vista a obteno derecursos institucionais necessrios ao fomentodo desenvolvimento econmico e formulaoe implantao de polticas pblicas dirigidasao enfrentamento dos problemas sociais. Obser-va-se que a proposio de uma agenda para aindstria inclui aes, entre elas a formulao daspolticas pblicas, e discursos associados a outros

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    universos de significao, independentes da preo-cupao em se obter riqueza e poder (Boltanski;Thvenot, 1991). A posse de capital produtivo e fi-nanceiro no dispensa a busca pelo capital social arede de relaes que assegura uma posio de desta-que na hierarquia de status, vantagens econmicase capacidade de influncia (Bourdieu, 1980;Coleman, 1990).

    Valendo-se do arcabouo conceitual dapluralidade de lgicas de ao e de repertriosque configuram as ordens de grandezas (for-mas de coordenao e convenes que, uma vezlegitimadas, se tornam reconhecidas como justi-ficao), observa-se a presena de uma viso demundo e de um projeto de futuro que impulsio-na a elite industrial a uma postura militante deafirmao de uma personalidade cvica, em-penhada em legitimar os interesses da indstriasob o imperativo da realizao do bem comum,um smbolo do mundo cvico, uma das con-venes ou ordens historicamente construdas(Boltanski; Thvenot, 1991). Apesar de ser ine-gvel a preocupao com as finalidades materi-ais de sua base de representao, a dinmica dainstituio CNI no se reduz s escolhas e prticasdemarcadas estritamente pela racionalidade instru-mental (a relao entre fins e meios, tpica do com-portamento racional), pois visa tambm a outrasconvenincias sociais, tais como: a reafirmao deum padro de sociabilidade e de uma condio destatus; o interesse de difuso de sua viso de mun-do; e o reforo da legitimidade social da prpriainstituio diante de seu pblico grandes, m-dios, pequenos e microempresrios e, em cone-xo com esse pblico, frente ao conjunto da socie-dade (Granovetter, 1985; Hall; Taylor, 1996).

    Em sntese, o resultado da anlise do ma-terial produzido pela CNI revela uma agendaempresarial cujo escopo extrapola os limites daracionalidade instrumental que garante a inser-o e o reconhecimento dos empresrios e exe-cutivos na vida dos negcios (posses materiais,sucesso econmico, poder e capacidades empre-endedoras etc.). A lgica da ao utilitria (a de-fesa dos interesses econmicos e polticos) e tam-

    bm a busca do reconhecimento externo ao gru-po de referncia a afirmao como ator rele-vante para o conjunto da sociedade e alegitimao da prpria atividade econmica justificam a preocupao das elites empresariaisem ocupar espaos na arena pblica. Preocupam-se essas elites com a defesa dos interesses domundo dos negcios quando se propem apotencializar a [...] capacidade de tornar visvela agenda do setor e defend-la frente s autori-dades pblicas, parlamentares, partidos, lideran-as, formadores de opinio e da sociedade[...],os atores que [...] interferem, influenciam e de-cidem sobre as polticas pblicas (CNI, 2005c,p. 22). Mas vo alm: consideram-se agentes dodesenvolvimento e da mudana, dentro e forade suas empresas, e participantes ativos da for-mulao e da implantao das polticas pblicase da mobilizao da sociedade em prol do de-senvolvimento. No outro o teor do apelo daCNI (2006, p. 14) para que [...] as foras polti-cas da nao e da sociedade civil alinhem-se emtorno de uma agenda comum e desenvolvam umprocesso de negociao capaz de avanar a agen-da modernizadora. E essa conjuno de forasdeve aproveitar os momentos especiais, sobre-tudo aqueles de eleio, quando os governantestm o seu mais alto capital poltico para apre-sentar e defender os seus projetos de governo.

    COMENTRIOS FINAIS

    Uma breve sntese dos enunciados desteartigo destaca, em primeiro lugar, a recorrenteviso da educao como estratgia de racionali-zao na constituio e organizao do mercadode trabalho e como eixo de sustentao do pro-cesso de desenvolvimento sustentvel do pontode vista econmico e social. Observa-se uma li-nha de continuidade, embora com singularida-des impostas pelas diversas conjunturas, a res-peito da relao entre educao, inovao e de-senvolvimento, bem como ao papel assumidopelos empresrios do setor industrial no desem-

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    penho da economia, na constituio e organiza-o do mercado de trabalho e na liderana damodernizao da sociedade. A insero privile-giada da indstria na ordem econmica trans-borda para outras esferas da vida social, conver-tendo-se em capital poltico e em fonte delegitimao social das atividades do mercado edas identidades empresariais.

    O ethos fordista se atualiza, na medidaem que essa construo se espalha por diversossetores da opinio pblica, no discurso de dife-rentes segmentos sociais. Amplia-se o papeldiretivo dos empresrios na sociedade, em par-ticular a sua capacidade de formulao e execu-o de polticas pblicas: alm da presena nodebate de ideias, na formao da opinio pbli-ca, eles integram diversos arranjos sociaisinstitucionalizados ou no, voltados para a pro-moo da educao, alada condio de viaprincipal tanto para a inovao (e, portanto, parasustentar dinmicas econmicas competitivas)quanto para o desenvolvimento social, via redu-o das desigualdades sociais.

    O material discursivo analisado neste ar-tigo indica que a investida empresarial no cam-po da educao alinha-se ao desenvolvimento decompetncias tcnicas e sociais inerentes aoparadigma produtivo vigente, mas tambm con-figura uma estratgia poltico-argumentativadestinada a sustentar um padro regulatrio eum projeto de organizao e modernizao dasociedade. Por sua vez, a matriz de ideias e valo-res presente na retrica empresarial sinaliza aperenidade da trade formada por socializao,regulao e legitimao na construo de umaordem social a partir do universo da indstria.

    Mas, para legitimar prticas e relaes so-ciais, esse universo de significado precisa trans-cender a esfera das relaes de mercado e osinteresses especficos de determinados segmen-tos da sociedade e ser compartilhado pela maio-ria. A causa da educao a sntese de uma com-plexidade de crenas e de significados coletivos:comporta um sentido econmico, suporte docrescimento da produo de riqueza, mas tam-

    bm um sentido poltico e tico-moral, expressono crescimento intelectual, no reconhecimentode direitos, na incluso social e na afirmao deidentidades legtimas.

    Texto recebido em 02 de abril de 2012

    Aceito em 11 de setembro de 2012

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    EDUCAO E TRABALHO NA RETRICA ...

    Antonia de Lourdes Colbari - Doutora em Sociologia pela Sociedade Brasileira de Instruo - SBI/IUPERJ. Professora associada, nvel 4 da Universidade Federal do Esprito Santo e Bolsista de Produti-vidade em Pesquisa do CNPq, nvel 2. Atua na rea de Sociologia, com nfase em Sociologia do Trabalhoe das Organizaes, desenvolvendo pesquisas principalmente nos seguintes temas: trabalho nas organi-zaes contemporneas; educao e qualificao profissional; empreendedorismo e cultura do trabalho.Publicaes recentes: A categoria dos auditores fiscais da receita federal do Brasil. A (des)construo daidentidade profissional. Cadernos EBAPE.BR (FGV), v. 8, p. 3, 2010; A CUT-ES e o Movimento Sindicalna Dcada de 80. Sinais (UFES), v. 1, p. 167-275, 2010.

    DUCATION ET TRAVAIL DANS LARTHORIQUE DES ENTREPRISES: mise

    jour de l ethos fordien

    Antonia de Lourdes Colbari

    Le propos de cette tude vient duneancienne thse qui, lheure actuelle, prend unnouveau sens et devient une espce de panace. Ilsagit de la relation entre ducation, dveloppementet modernisation de la socit, triade qui exige une chelle de plus en plus grande la promotionde la scolarit, de linnovation et de linclusionsociale. Dun point de vue empirique, la base delanalyse est constitue de documents techniquespublis par la CNI (Confdration Nationale delIndustrie) et considrs emblmatiques pourexpliquer la configuration des propositions et desprincipaux traits qui caractrisent les croyances etles valeurs des industriels qui dirigent lesentreprises brsiliennes. En dpit des particularitsconjoncturelles, le rsultat met en vidence lacontinuit dune ligne de conduite quant larelation entre lducation, linnovation et ledveloppement mais aussi quant au rle que lesindustries souhaitent jouer dans lconomie, laconstitution et lorganisation du march du travailet dans les processus de modernisation sociale.

    MOTS-CLS: ducation. Travail. Dveloppement.Institutions entrepreneuriales. Ethos fordiste

    EDUCATION AND LABOR IN COMPANYRHETORIC: update on the Ford ethos

    Antonia de Lourdes Colbari

    This study proposal is based on a historicthesis which today has taken on new meaningsand has become a panacea. It deals with therelationship among education, development andmodernization of society, a triad which demandson an ever greater scale the encouragement ofeducation, innovation and social inclusion. Theempirical support for this analysis was extractedfrom technical documents from the CNI (NationalConfederation of Industries) and consideredemblematic for making explicit the configurationof the propositions and meaningful traits of thesystem of corporate beliefs and values of Brazilianindustries. Despite the conjunctural singularities,the result showed evidence of a continuum in therelationship between education, innovation anddevelopment, and also of the role that this businesssector seeks to play in the economy, in theconstitution, and in the organization of the labormarket and in the processes of socialmodernization.

    KEY WORDS: Education. Labor. Development.Company institutions. Ford ethos.