educação e novas tecnologias - sonhos e pesadelos

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5/1/09 1:20 PM Prof. Pedro Demo - Blog Página 1 de 22 http://pedrodemo.sites.uol.com.br/textos/etec.html EDUCAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS - Sonhos e pesadelos - Pedro Demo (2009) Ao mesmo tempo que as novas tecnologias avançam freneticamente sobre educação, muitos educadores se retraem e mesmo resistem, sob o espectro de um pesadelo. Hassan (2008), discutindo a “sociedade da informação” de uma perspectiva crítica, propõe em seu quadro teórico de referência esta disjuntiva entre sonho e pesadelo. Visivelmente, o campo está marcado por grandes entusiastas e grandes resistentes (Tapscott, 2009. Setzer, 2002; 2008; 2009. Stoll, 1999), complicando-se as coisas ainda mais porque a nova geração adora as novas tecnologias: como sugere Prensky (2001), as crianças são “nativas”, enquanto os adultos são “imigrantes”. Esta distinção, porém, é contraditada por outros (Owen, 2004), que não admitem ser a nova geração uma “nova espécie”, como insinuam Veen & Vrakking (2006) com sua obra sobre o “ homo zappiens ”. Não alcanço resolver esta polêmica. Busco neste texto apenas analisar estilos de argumentação a favor e contra, para assinalar que os extremos não são adequados, quando a análise se torna apologia a favor ou contra. Proponho o “olhar do educador”, naturalmente crítico e compreensivo. Torna-se cada vez mais difícil sustentar que os pais sabem o que é melhor para os filhos, porque estes, crescendo em ambiente tecnológico vibrante, possuem habilidades e expertises que os pais não têm ou não conseguem acompanhar no mesmo passo. Tapscott (2009) relata uma experiência de jovens designados, após preparação devida, a formar seus professores em novas tecnologias, invertendo, de certo modo, os papéis. De fato, os autoritários sempre sabem o que é melhor para os outros, inclusive para os filhos, retirando-lhes a oportunidade de se tornarem capazes de decidir com argumentos, não sob autoridade. No entanto, também é apressado descartar a experiência dos mais velhos, já que as crianças correm riscos mais que reais na internet e no mundo virtual em geral. Praticamente todos reconhecem que novas tecnologias são “ambíguas”, indicando com esse termo que servem para o bem e para o mal. Por isso mesmo, não cabe ver só o bem ou só o mal. I. LIDANDO COM AMBIGÜIDADES Para iniciar esta discussão, é oportuno circunstanciar o desafio de lidar com ambigüidades, uma questão de complexidade estonteante. Faz parte do conceito de complexidade não linear sua ambigüidade (Demo, 2002), aplicada, após Prigogine, também à “dialética da natureza” (Prigogine, 1996. Prigogine/Stengers, 1997). Sequer vou perder tempo em alegar o quanto isto é polêmico, porquanto é impossível tratar dinâmicas complexas sem polêmicas (Massumi, 2002. Demo, 2008). Do ponto de vista epistemológico de cariz mais pós-moderno, ambigüidade coloca alguns desafios e perplexidades, ente eles: a) toda argumentação é ambígua, porque a comunicação humana assim é; por mais que por trás da linguagem exista uma gramática que instila a “ordem do discurso”

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EDUCAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS- Sonhos e pesadelos -

Pedro Demo (2009) Ao mesmo tempo que as novas tecnologias avançam freneticamente sobre

educação, muitos educadores se retraem e mesmo resistem, sob o espectro de umpesadelo. Hassan (2008), discutindo a “sociedade da informação” de uma perspectivacrítica, propõe em seu quadro teórico de referência esta disjuntiva entre sonho e pesadelo.Visivelmente, o campo está marcado por grandes entusiastas e grandes resistentes(Tapscott, 2009. Setzer, 2002; 2008; 2009. Stoll, 1999), complicando-se as coisas aindamais porque a nova geração adora as novas tecnologias: como sugere Prensky (2001), ascrianças são “nativas”, enquanto os adultos são “imigrantes”. Esta distinção, porém, écontraditada por outros (Owen, 2004), que não admitem ser a nova geração uma “novaespécie”, como insinuam Veen & Vrakking (2006) com sua obra sobre o “homo zappiens”.

Não alcanço resolver esta polêmica. Busco neste texto apenas analisar estilos deargumentação a favor e contra, para assinalar que os extremos não são adequados,quando a análise se torna apologia a favor ou contra. Proponho o “olhar do educador”,naturalmente crítico e compreensivo. Torna-se cada vez mais difícil sustentar que os paissabem o que é melhor para os filhos, porque estes, crescendo em ambiente tecnológicovibrante, possuem habilidades e expertises que os pais não têm ou não conseguemacompanhar no mesmo passo. Tapscott (2009) relata uma experiência de jovensdesignados, após preparação devida, a formar seus professores em novas tecnologias,invertendo, de certo modo, os papéis. De fato, os autoritários sempre sabem o que émelhor para os outros, inclusive para os filhos, retirando-lhes a oportunidade de setornarem capazes de decidir com argumentos, não sob autoridade. No entanto, também éapressado descartar a experiência dos mais velhos, já que as crianças correm riscos maisque reais na internet e no mundo virtual em geral. Praticamente todos reconhecem quenovas tecnologias são “ambíguas”, indicando com esse termo que servem para o bem epara o mal. Por isso mesmo, não cabe ver só o bem ou só o mal.

I. LIDANDO COM AMBIGÜIDADES Para iniciar esta discussão, é oportuno circunstanciar o desafio de lidar com

ambigüidades, uma questão de complexidade estonteante. Faz parte do conceito decomplexidade não linear sua ambigüidade (Demo, 2002), aplicada, após Prigogine,também à “dialética da natureza” (Prigogine, 1996. Prigogine/Stengers, 1997). Sequer vouperder tempo em alegar o quanto isto é polêmico, porquanto é impossível tratar dinâmicascomplexas sem polêmicas (Massumi, 2002. Demo, 2008). Do ponto de vistaepistemológico de cariz mais pós-moderno, ambigüidade coloca alguns desafios eperplexidades, ente eles:

a) toda argumentação é ambígua, porque a comunicação humana assim é; por maisque por trás da linguagem exista uma gramática que instila a “ordem do discurso”

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que por trás da linguagem exista uma gramática que instila a “ordem do discurso”(Foucault, 2000), a mente formula conceitos que nunca começam do zero, nem chegam aalgum fim definitivo; esta regressão ao infinito é própria de toda interpretação, pois cadainterpretação já é reinterpretação e que será, por sua vez, interpretada de novo; definirconceitos com precisão é pretensão acadêmica, ao mesmo tempo, necessária eimpossível, assim como é impraticável forjar uma teoria final, por mais que esta quimerasubsista em ambientes “modernistas” (Gribbin, 1998. Horgan, 1997. Brown, 2004);

b) sendo a mente humana “auto-referente”, não entende a realidade a partir darealidade, mas a partir da própria mente, em gesto tipicamente reconstrutivo, ou“autopoiético”, como diz Maturana (2001); trabalhamos, pois, com uma realidade“construída”, não “dada” ou “evidente”, o que também nos coloca riscos, como é deinventar/inverter realidades; toda teoria, porém, assim procede: reconstrói os traçosconsiderados centrais da realidade a partir de seu ponto de vista, deixando, obviamente,fora outros que outros pontos de vista poderiam ressaltar; por isso mesmo, todas asteorias podem ser importantes, mas serão incompletas, pois a mente, em sua auto-referência, produz ordenamentos do ponto de vista do observador envolvido; nesta rota,Santos (2004) construiu a percepção de que toda cultura, para conviver com outrasculturas, precisa admitir-se incompleta: só seres incompletos conseguem aprender deoutros seres; “culture is remix” (Latterell, 2006); “everything is miscellaneous”(Weinberger, 2007);

c) a ambigüidade da argumentação resulta também da condição natural de analista:sendo parte da realidade natural, o analista não consegue postar-se acima ou fora darealidade, orientando-se naturalmente por um olhar da parte, parcial; todas as teorias sãoinevitavelmente parciais, pois são datadas e localizadas, uma marca que cabe a seresnaturais; torna-se pretensão fora de lugar pleitear neutralidade ou objetividade daargumentação, por mais que seja o caso esperar do analista que busque a realidade, nãosua deturpação (critério da “objetivação”, em metodologia científica) (Demo, 2000); trata-se de “boa intenção”, imprescindível para conservar a argumentação um jogo aberto ehonesto (Haack, 2003), como se alega na discussão feminista da “standpointepistemology” (Harding, 1998; 2004): o homem deveria procurar entender a mulher a partirda mulher, por mais que a auto-referência o impeça ou o atrapalhe;

d) há sempre uma dissonância entre teoria e realidade: enquanto a teoria busca serprecisa (um discurso ordenado formalmente), a realidade é, em parte linear, em parte nãolinear, com predominância - assim parece - desta; a explicação científica busca alinhar anão linearidade a arcabouços formais, aparentemente precisos (exatos); não se podenegar o êxito deste intento, expresso em grande estilo no positivismo e visível nastecnologias, inclusive da computação (digitalização exata); enquanto o piloto de aviãodirige uma máquina linear (e nisto encontra segurança de vôo), o professor lida com umacriança não linear, em grande parte imprevisível e desejavelmente criativa; em geral sereconhece que a linearidade do avião é bastante relativa, não só porque alguns caemapesar da tecnologia (sem falar nos que caem por falha humana), mas igualmente porque,sendo os componentes da realidade inúmeros, não é viável dar conta de todos; a teoriaidealiza a realidade, reduzindo-a a traços centrais, o que facilita o método de captação,mas pode obscurecer a trama real;

e) tomando em conta a teoria “triúna” da evolução cerebral (Lewis et alii, 2000.Edelman/Tononi, 2000), somos naturalmente um “poço de contradições”, à revelia dalógica; segundo esta visão, o cérebro humano é resultado longuíssimo e não linear doprocesso evolucionário em três lances mais característicos: o reptiliano (próprio dosrépteis e mais sensível às condições imediatas de sobrevivência, como reações rápidas asituações de risco), o límbico (próprio dos mamíferos e mais devotado ao cuidado da prolee a reações emocionais), e o neocortical (mais recente e racional/lógico); a noção tãocomum do cérebro como máquina maravilhosa - se olharmos pela lente do saber pensar -

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comum do cérebro como máquina maravilhosa - se olharmos pela lente do saber pensar -muda drasticamente, porque é também uma geringonça feita de partes desconexas econtraditórias: por exemplo, a parte neocortical não se entende bem com a parte límbica(paixão e razão dificilmente combinam); a mente pode usar racionalizações para iludir-se,ou as emoções para destruir ou destruir-se; por mais que a mente possa esforçar-se paraser ordenada, sistemática, cuidadosa, não foge de ser, sempre, também uma colcha deretalhos.

A ambigüidade, por isso mesmo, penetra igualmente recônditos sagrados, como é oda verdade. Logo se contestam os “universais”, pleiteando que ciência também seria“multicultural” (Harding, 1998. Lyotard, 1989). Não se contestam as propriedades da“forma”, em si independentes do espaço e do tempo, como seriam formas matemáticas.Mas, não por acaso, em matemática também surgiu, na primeira metade do séculopassado, o “teorema da incompletude”, de Gödel (Hofstadter, 2001): ao elevar-se a níveismais sofisticados de elaboração, a matemática coloca dimensões não decidíveisformalmente, porque já crescentemente contextuadas hermeneuticamente. Surge, então, a“lógica difusa” (Kosko, 1999), para a qual “cinza é a cor da verdade”, uma visão hojeamplamente utilizada na “inteligência computacional” (Konar, 2005) e na “web semântica”(Mika, 2007. Bruijn et alii, 2008), em geral sob o desafio de “imitar” a inteligência humanacapaz de lidar com ambigüidades. Que a verdade seja naturalmente ambígua, é algo quechoca a muitos, em especial quando se toma ciência como substituto da religião (Demo,2000a). Kosko propõe que linha reta não existe na natureza, apenas em matemática, eque, no fundo, alinhamento reto é coisa de ditador: este, sim, estigmatiza os outros oucomo vassalos, ou como traidores, usando o dualismo binário típico de verdadesabsolutas.

Leve-se em conta, porém, que não se trata de aviltar a formalização, essencial para ométodo científico (também na pesquisa dita qualitativa) (Demo, 2001). Trata-se apenas dereconhecer que a existência natural não pode reduzir-se a formalizações, porque épropriamente datada e localizada, nunca universal. Pretensões existenciais universais sãosempre ditatoriais, como é o caso clássico de culturas ou raças pretensamente superiorese universais. Na definição de Habermas (1989), verdade é pretensão de validade: no ladoformal, para um discurso merecer acato, precisa estar formalmente bem feito; no entanto,isto não basta para ser validado - para “valer” implica ingredientes também políticos. Oteorema de Pitágoras será o mesmo em qualquer espaço e tempo, mas não Pitágoras. Aformalização metodológica empurra sempre para a linearização da realidade, tanto porqueentendemos melhor o que se deixa ordenar, quanto porque cabe no método - daí Morinretira sua crítica da “ditadura do método” (1996; 2002). Não se trata de rejeitar aformalização, mas de perceber suas virtudes e limites, uma preocupação hoje comum emmatemáticos mais contemporâneos (Lesh et alii, 2007).

A “relativização” das teorias é ainda um processo doído na academia, acostumadaque estava à estabilidade dos discursos formalizados. Mais ainda assusta a relativizaçãoda ética (Demo, 2005), confundindo-se relativização com relativismo: este instaura o vale-tudo irresponsável, enquanto aquela, deixando de universalizar expressões datadas elocalizadas, busca circunstanciar no espaço e no tempo. Na natureza e na sociedade, avalidade que cabe é a relativa, nunca absoluta, não só porque não podemos reduzi-la aformas universais, como também porque validades absolutas são golpe prepotente. Ascoisas valem, sim, mas valem relativamente, como nós mesmos “valemos”, com prazo devalidade. Nem a natureza, nem o ser humano são fenômenos universais, mascontingentes, cujos comportamentos e produtos são, naturalmente, contingentes. Estapercepção tem mudado o modo de argumentar sensivelmente. Habermas (1989) fala daforça sem força do melhor argumento, ou da habilidade de convencer sem vencer.Enquanto o argumento de autoridade é marcado pela imposição externa (Demo, 2005a), aautoridade do argumento aponta para um estilo negociado e aberto de comunicação.

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autoridade do argumento aponta para um estilo negociado e aberto de comunicação.Primeiro, argumentar implica contra-argumentar, pois é parte da mesma dialética.Segundo, a coerência da crítica está na autocrítica: não se pode questionar e impedir deser questionado. Terceiro, tratando-se de jogo aberto - “não estratégico”, para Habermas(Rivera, 1995) - o interlocutor precisa ser visto como parceiro, não como concorrente, pormais que isto não possa elidir o contexto de poder (Sfez, 1994).

Não sendo autoritária a autoridade do argumento, carece manter-se aberta à contra-argumentação, continuando a aprender de outros pontos de vista. Esta aptidão éalimentada principalmente pela marca epistemológica do “fundamento sem fundo” (Demo,2008): toda fundamentação bem feita não chega ao fim para impor-se, mas permaneceaberta, aguardando alternativas. Não há argumento final, não só porque não existeargumentador final (todos desaparecem), mas igualmente porque é impraticável terminar oque nunca propriamente começou (círculo hermenêutico do discurso lógico). Oargumentador é apenas em parte dono do argumento (em sua subjetividade eindividualidade), porquanto o que fala é a linguagem, não o autor. Não inventamos alinguagem para poder falar; falamos através dela. Quando Habermas aponta a força semforça do melhor argumento, indica que a força do argumento está, de certa forma, em suafraqueza: poder ser contraditado com outros argumentos é sua marca, não falha. Estapercepção aceita que o discurso científico precisa manter-se “discutível”, porque somenteo que é discutível, formal e politicamente (Demo, 2000), pode ser acatado como ciência. Oque não é discutível ipso facto está fora da ciência, porque é dogma. O mais importante,porém, para uma visão como a de Habermas, é que somente podemos exarar consensosem torno de idéias discutíveis. As indiscutíveis somente separam as pessoas e culturas.Significa reconhecer que todo consenso é frágil, não como falha, mas como virtude, parapoder ser revisto, enquanto vale relativamente. A cidadania que sabe pensar (Demo,2000b) solicita parceiros que também sabem pensar, não vassalos alinhados.

Imagino que existem, nas novas tecnologias, em especial no que se chama “web2.0”, ambientes que podem favorecer este tipo de “esfera pública” da discussão aberta,capaz de aprender também de pontos de vista contrários. Como conseqüência daelaboração acima, toda argumentação, sendo ambígua naturalmente, precisa ser tomadacom devida cautela, a favor ou contra, o que já bastaria para indicar que extremismos sãoprepotentes e impertinentes. Precisamos saber negociar consensos abertos, inteligentes,criativos e que estejam sempre disponíveis para continuarem a aprender. Determinismosnão cabem, também o determinismo tecnológico (Dijk, 2005), bem como não vale oargumento de autoridade, porque é autoridade, não argumento. De fato, as novastecnologias podem ser pesadelo e sonho, como todas as dinâmicas naturais: o que podeser grande mudança e oportunidade para uns, será desastre para outros. Como sugerePlant (1999), mudança profunda é mudança sem controle, como procede a natureza.Queremos sempre ter o controle da mudança, no fundo para evitar mudar, sem perceberque isto apenas atrasa, não desfaz a mudança, já que, ao contrário da crença modernista,a constante na natureza é a mudança. Estabilidade é condição imposta ao processo demudança, não condição original (Massumi, 2002).

II. SINAIS DE PESADELO Para todo educador atento, as novas tecnologias trazem chances e riscos. Enquanto

as chances são badaladas, os riscos facilmente são encobertos. Com respeito a crianças,a internet oferece ambientes tanto atraentes, quanto dúbios, que fazem pais e professores

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a internet oferece ambientes tanto atraentes, quanto dúbios, que fazem pais e professoresse alarmarem. Encontram-se na internet riscos como bullying, pedofilia, pornografia,aliciamento, consumismo, dependência, e assim por diante, em parte expressandoigualmente sua tendência mercantilista: constrói-se e organiza-se na internet o que vendebem, não o que poderia ser bom para as crianças. Acresce a isso a rápida simbiose entrecriança e computador, em geral entendida como componente do “empoderamento”, que,segundo Bill Gates, seria o mais efetivo jamais inventado (Hassan, 2008:XI). Ao ladodesta simbiose que chama muito a atenção, há outra não menos marcante: a simbiosecom o mercado neoliberal (Benkler, 2006). A internet como espaço de liberdade parecemurchar a olhos vistos, tendo em vista que sua promoção e manutenção dependem,crescentemente, de relações de mercado (Galloway, 2004. Fabos, 2008).

A criança pode estar sendo exposta prematuramente ao computador, ainda que sejadifícil indigitar com alguma segurança qual seria a idade adequada para esta exposição. Ofato, porém, de já existir canal de TV para criança bem pequena (em torno de um ano deidade), indica, certamente, que o apelo maior é consumista, não pedagógico, ou mesmoentretenimento. Ciência e tecnologia aí unem-se ao intento neoliberal e produzemartefatos que atraem as crianças, servindo, em parte pelo menos, como baby sitter. Torna-se indisfarçável a pretensão mercantilista de influenciar mentes infantis para imporparadigmas consumistas predatórios, aproveitando-se, ademais, da facilidade com quecrianças apreciam computador e internet. Surge ainda o risco de dependência, retirando acriança do convívio físico com a família e colegas, à medida que o mundo virtual se tornamais relevante que o mundo real. Como se sabe, as crianças distinguem cada vez menosentre real e virtual, em parte com alguma razão (o mundo virtual pode ser extremamenteinstigante, como nos bons jogos eletrônicos) (Wark, 2007. Bogost, 2007. Massumi, 2002),em parte sob risco de solipsismo e deficiência física (obesidade, por exemplo). Quando setrata de estudar, as crianças podem retirar do computador cruciais apoios, bem comoplágios crus, sem falar na tendência própria do texto feito na tela de ser menor, mais rasoe fugaz. Cria-se a expectativa de que tudo se resolve na internet, em geral copiando. Aleitura mais densa, pausada, reconstrutiva vai ficando para trás como signo de umageração passada (Demo, 2005b). Para pesquisar, não vamos mais para a biblioteca;vamos para a internet. Certamente, há na internet espaços apreciáveis, a começar pelawikipedia, mas seria trocar um erro pelo oposto, se o estudante se bastar apenas comtextos digitais. Embora sob o refrão da criatividade das novas tecnologias, deflagra-se aexpectativa medíocre de reduzir tudo a rotinas digitais: em vez da chance demanter/melhorar o controle, seríamos ainda mais controlados sob o efeito anestesiante do“ubiquitous computing” (Hassan, 2008:3).

Assim como é próprio da ideologia neoliberal não se considerar ideológica, mas“evidente” parte da ordem natural das coisas, também é próprio da sociedade dainformação ver-se como expressão imune e universal, em parte por conta de sualinguagem extremamente formalizada digital. Ignora-se, porém, que o computador nasceuno contexto militar e industrial, e que continua servindo preponderantemente à economianeoliberal: a pretensão prepotente universalista do mercado liberal funde-se com a mesmapretensão prepotente universalista da sociedade da informação, não havendo outro modode conceber e viver a vida em sociedade. O “efeito rede”, já salientado com vigor porCastells (1997), reforça a expectativa de abarcar o universo, impondo a tudo e a todos amesma ordem, vendida como inquestionável. Desenha-se a possibilidade de controlesobre o trabalho não físico (Gorz, 2005. Rifkin, 2000), à medida que a digitalizaçãoalgorítmica prende idéias a códigos precisos. Mesmo que o processamento digital não sejacapaz de interpretação autopoiética (pelo menos por enquanto), isto não impede o fluxohermenêutico nos leitores e usuários, no que aparece outra simbiose notável: entre sintaxee semântica (Hayles, 1999; 2005). A mente humana maneja, como resultante natural doprocesso evolucionário, tanto habilidades lineares (padronização de procedimentos,

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processo evolucionário, tanto habilidades lineares (padronização de procedimentos,formalização metodológica), quanto não lineares (interpretação criativa, autorias subjetivase individuais), como na linguagem: por trás de toda linguagem, no plano sintático, há umagramática (modos padronizados de expressão), bem como, no plano semântico, acriatividade insubstituível de cada cultura (modos próprios hermenêuticos) (Foucault,2004).

Ocorre, então, que, com as novas tecnologias, usos e costumes tradicionais sãopostos em cheque, como é o desafio da velocidade, considerado por Hassan (2008) comoum dos pesadelos mais duros da sociedade da informação. A quase obrigação deestarmos “always on” (sempre conectados) não seria algo próprio da natureza humana,mas marca entranhada da lógica dos computadores (Id.:11), a ponto de se estabelecer anoção ilusória da sociedade em fluxo e mudança constante. “Ilusão” é termo forte, queHassan se apressa em modular com cautela, já que toda sociedade constrói suas ilusõescomo parte da própria realidade. Lamenta, porém, que se perca o senso por uma vidamais estável e regulada, em nome de verdades que se tornaram todas muito provisórias,como acontece no mundo virtual: até por não ser físico, sua constituição é dissipativa,fragmentada, plástica. Como na tela tudo se apresenta e dilui, este pesadelo digital passaa fazer parte dos jovens e seus valores relativizados. “De um lado, a sociedade dainformação está repleta de recursos poderosos que aprimoram nosso controle sobre a vidaonline e offline. Autoconfiança pessoal e sucesso na carreira e na vida familiar são oresultado do relacionamento subestimado e positivo com tecnologias da informação. Deoutro, o efeito rede teve conseqüências muito mais drásticas. Uma busca essencialmentesolitária constrói um mundo virtual de importância onde já não é mais claro onde arealidade começa e acaba. Onde a moralidade começa e acaba torna-se fatalmenteborrado também” (Hassan, 2008:19).

No entanto, esta percepção de Hassan contém elementos essencialistas de quemimagina poder definir o que seria natureza humana e, conseqüentemente, o que é bompara a sociedade. No que tange a velocidade, sem deixar de reconhecer sua vinculaçãotambém mórbida com a inovação imposta pelo mercado, bastaria lembrarmos de outrostempos, quando apareceu o automóvel e o trem, cuja velocidade foi objeto de alvoroçossimilares. Hoje tudo isso se tornou bizarro. Em parte, não se percebe que a nova geraçãoconsegue lidar com a velocidade melhor que a geração anterior, não sendo issonecessariamente problemático. Ao mesmo tempo, procura-se no computador algumalógica satânica, fatalmente neoliberal e perversa, como se o computador não fossetecnologia natural, quer dizer, um artefato feito com propriedades naturais. Antes de oprocessamento digitalizado ser algo suspeito, é uma propriedade natural das dinâmicas aíimplicadas. Sua ambigüidade não é defeito, mas característica. Deixa-se de lado tambémque o ser humano, em sua plasticidade evolucionária, tem condições de relativaadaptação, podendo aprender a conviver com novos horizontes, ou neles tambémsucumbir. O fato de o computador ter surgido num contexto militar e industrial não o tornaapenas artefato caudatário ideologicamente.

Observando o quadro 1 redesenhado por Hassan (2008:27), torna-se mais claro quea contraposição entre os que advogam a sociedade da informação e os que a criticamreflete típica ambigüidade da argumentação em cada caso. Os “advogados” ressaltam asmaravilhas, entre elas: i) consumidores mais participativos e força de trabalho maisqualificada, “empoderada”; ii) empregos talhados na dinâmica do conhecimento; iii)comunicação de mão dupla, descentralizada, e até mesmo a “democracia eletrônica”; iv) omundo como aldeia global e chances do Terceiro Mundo de fazer saltos tecnológicos; v)acesso sem precedentes à informação e à internet; vi) superação das distâncias físicas efuncionalidades das TICs.

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Quadro 1. Perspectivas da sociedade da informaçãoDimensões Advogados Críticos

1. Relaçõeseconômicas

Força de trabalho mais qualificada,hierarquias achatadas, consumidores“empoderados”, negócios maisrentáveis

Dualismo econômico, desqualificação dasclasses medias, “proletariado dainformação”

2. Emprego Mais tempo livre, mais empregosbaseados em conhecimento,eficiências e flexibilidades maiores

Mercados e habilidade perdidos para asTICs, redução (downsizing) dacapacidade empresarial pelosempregadores, e insegurança doemprego amplamente espraiada

3. TICs edemocracia

Comunicação política de mão dupla,descentralizada, emergência da“democracia eletrônica”

Dominação neoliberal, apatia políticaampla, crescimento da vigilânciacorporativa do Estado

4. Dimensãoglobal

“Aldeia global” e o salto tecnológicodo Terceiro Mundo, ou seja, China,Índia

Dominação pelo capitalismo corporativo,exacerbação da desigualdade global nodesenvolvimento do poder econômico

5. Informaçãoe cultura

Expansão vasta do acesso àinformação, a centralidade dainternet, “comunidades em rede”

“Informação sem significado”, perda dacomunidade “real”, dominação doimperialismo cultural anglo-americano

6. Espaço etempo

Fim da “tirania da distância”,coordenação racional do negócioglobal, economia de tempo das TICs

“Tirania do momento”, falta de tempo“lento” reflexivo, formas culturaissuperficiais e apressadas

(Hassan, 2008:27). Os críticos pintam as mazelas, entre elas: i) relações laborais deterioradas e

surgimento de um proletariado cibernético (Huws, 2003); ii) tecnologias que corroem otrabalho humano e insegurança laboral; iii) domínio neoliberal e apatia política, ao lado daapropriação do Estado pelas grandes empresas; iv) globalização fundida com aumento dadesigualdade, visível, entre outras coisas, na nova “netocracia” (Bard/Söderqvist, 2002); v)informação em excesso e sem significado, absorção virtual excessiva; vi) atropelamentodos ritmos vitais em si mais lentos. Tomadas em si, cada maravilha e mazela podemcaber, mas parece visível que cada lado tenta colocar o outro como pesadelo, com issoprovavelmente encobrindo problemática ainda mais profunda: o que preocupa, acima detudo, não são as propriedades naturais das novas tecnologias, mas seu uso e apropriaçãopelo modo dominante atual de organizar a economia e a sociedade. As oportunidades nãosão para todos, enquanto os malefícios são relegados para as populações marginalizadas(Dijk, 2005). Ao fundo, funciona um esquema milenar: em épocas de mudança maisprofunda, a sociedade tende a dividir-se em dois lados: aquele que imagina ganhar comas mudanças, sobretudo pretende controlá-las para benefício próprio; e aquele que sesente perdedor, desinstalado, relegado. No mundo capitalista - tenderia a sugerir - pareceimpraticável que a sociedade da informação e suas novas tecnologias se tornem garantiasde uma cidadania e democracia mais qualitativa, já que o móvel fundamental dela é acompetitividade individualista (Bakan, 2004). Este reconhecimento, porém, não impedeque surjam experiências muito positivas (por exemplo, a produção solidáriadesinteressada da wikipedia, como assinala Benkler) (2006), ao lado da preservação detraços muito negativos de uma sociedade profundamente desigual e injusta. De fato, asTICs libertaram muito mais o capital do que a sociedade (Hassan, 2008:45).

Pode-se/deve-se, pois, questionar o “infofetichismo” (Hassan, 2008:32) visível naseuforias digitais de toda ordem que prometem a reinvenção da espécie humana, como,por exemplo, na “inteligência artificial” (Kurzweil, 2005) fortemente questionada entre nóspor Setzer (2008), ou na redução do cérebro ao computador e do conhecimento àinformação, ou em propostas oficiais de políticas megalômanas tal qual a do governoClinton (liderada, neste caso, por seu então vice-presidente, Al Gore). Hassan cita a

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Clinton (liderada, neste caso, por seu então vice-presidente, Al Gore). Hassan cita abadalação da net por Dyson: “A net oferece-nos uma chance de tomar conta de nossaspróprias vidas e de redefinir nosso papel como cidadãos de comunidades locais e dasociedade global. Nos dá também a responsabilidade de governarmos a nós mesmos, depensar por nós mesmos, de educar nossos filhos para fazerem negócio honestamente ede trabalhar com cidadãos colegas para conceber regras com as quais queremos viver”(2008:83). Esquece-se, nesta citação, a ambigüidade das novas tecnologias, apostandotodas as fichas em promessas de “democracia e libertação profundas” (Id.:112). Esquece-se, sobretudo, a obsessão neoliberal de fazer de tudo, inclusive do mundo das idéias e dacriatividade, do corpo e da intimidade, mercadoria, intento que vem enormementefacilitado pela digitalização da comunicação, à medida que, codificada algoritmicamente,ganha formato de coisa manipulável com precisão matemática.

Questionam-se com veemência os jogos eletrônicos, tendo em vista que sua lógicamais nítida é “business” (Hassan, 2008:143). Por certo, do ponto de vista do mercado, seesta razão não constasse, não haveria razão nenhuma! Vale sempre lembrar que aatratividade dos videogames e mesmo suas qualidades de aprendizagem tão decantadaspor autores renomados como Prensky (2001a; 2006) e Gee (2003; 2007), não podemencobrir as estratégias espertas e manhosas do mercado. Em especial, a liberdade deconstruir um avatar com criatividade intensa, mudar regras de jogo, retocar ambientesvirtuais, discutir online livremente, é, como diz Galloway (2004), liberdade sob medida.Entretanto, este questionamento tão necessário não poderia servir de anteparo para umacondenação generalizada, seja porque os videogames vieram para ficar e muitos jovensadoram, seja porque em meio a tamanhas banalidades pode sempre haver ambientesformidáveis de aprendizagem orientados por pesquisa e elaboração individual e coletiva.Pode-se dizer algo similar da internet: não deixa de ser um “lixão”, mas pode também serum repositório de oportunidades ímpares.

Hassan chega a reconhecer a “ambivalência inerente” das novas tecnologias(2008:157), mas aproveita esta visão para marcar preferentemente o lado negativo. O ladopositivo é quase peregrino, como a valorização eventual que faz da web 2.0 e de um deseus produtos mais notáveis, a wikipedia. Minimiza, por isso, as tentativas de grupos eprogramas voltados para produção livre e solidária, como do software livre. “A linha básicaé que para todas as boas intenções por trás do software livre, nenhuma é atualmenteorientada para pensar sobre como poderíamos usar computadores diferentemente - paramudar seu modo inerentemente instrumental, e para fazê-los mais capazes de resposta àsnecessidades sociais, ao invés de apenas econômicas” (Id.:155). Não é difícil constatarque movimentos como o do software livre parecem uma luta de Davi contra Golias, mas,mesmo assim, não cabe desqualificar como mera “boa intenção”, se não houvesse outrasrazões, pelo menos em nome do cultivo de outras utopias. Não pode ser utopia a propostade resistência já perdida, alimentada por modelos obsoletos de sociedade embalada porestabilidades e valores tradicionais que, de modo não muito diferente, também sãoproduto de tramas pouco louváveis de poder e exploração. Reaparece a pretensãoindevida de saber dizer qual seria a sociedade boa para todos, deixando-se de perceberque não cabe responder ao colonialismo neoliberal com outro pretensamente mais ético. Anoção do “indivíduo saudável e construção de uma sociedade estável e funcionandoadequadamente” (Hassan, 2008:180) cheira a saudosismo modernista atemorizado faceàs novidades tecnológicas. Também não pode ser utopia a sofreguidão com que seprometem inovações cândidas, que encobrem pesadelos de toda ordem, como a noção deque “se pode fazer dinheiro sem praticar o mal” (Id.:190). De repente, pode-se, sim, atémesmo no capitalismo, mas é promessa arriscadíssima. Hassan cita, então, o recuo doGoogle na China, provocado pela pressão do governo de filtrar o fluxo de informação, porrazões de segurança do regime. Alegou-se que seria preferível ter alguma informação anão ter nenhuma, revelando que os padrões éticos são mais que “relativos”.

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não ter nenhuma, revelando que os padrões éticos são mais que “relativos”.Citando Sunstein (2006) e sua crítica a produções virtuais feitas em grupo, inclusive

em blogs, Hassan ressalta apenas tendências comuns de as discussões se tornaremrepetitivas, centradas em certas lideranças que restauram o argumento de autoridade,bem como de usar apenas a informação que interessa ou de mais fácil acesso (The DailyMe) (Hassan, 2008:211). Facilmente formam-se guetos políticos, tornando quimérica,para Hassan, a pretensão de o blog poder ser referência fundamental da democraciadeliberativa. Se é tolo declamar que os “blogueiros são os novos arautos da expressãolivre” (Id.:209), não é menos fátuo ignorar que é possível, dependendo de condiçõesfavoráveis e viáveis, arrumar um ambiente relativamente marcado pela autoridade doargumento. Assim, quando a argumentação perde o senso pela própria ambigüidade,vacila entre posições pouco compatíveis: de um lado, Hassan afirma algo que todosaceitariam: não se pode alimentar fé não reflexiva em torno das tecnologias; de outro,concedendo que não se podem oferecer respostas definitivas, não caberia anatematizar astecnologias. A citação que Hassan faz de Judt (da New York Review of Books) parecesintomática: “Medo está re-emergindo como um ingrediente ativo da vida política nasdemocracias ocidentais. Medo do terrorismo, naturalmente; mas também, e talvez maisinsidiosamente, medo da velocidade incontrolável da mudança, medo da perda deemprego, medo de perder o chão para outro numa distribuição crescentemente desigualde recursos, medo de perder o controle das circunstâncias e rotinas de vida de cada qual.E, talvez acima de tudo, medo de que precisamente nós não podemos mais dar forma anossas vidas, mas de que aqueles investidos de autoridade perderam o controle tambémpara forças que estão além do alcance” (Hassan, 2008:217).

Esta citação representa, numa tentativa analítica mais aberta, um tipo inócuo deresistência marcado pelo temor de perder o controle sobre a mudança. Primeiro, encobreque mudanças profundas não são controláveis - mudança sob controle não muda;segundo, coloca todos esses medos na conta das novas tecnologias, o que é certamenteapressado, insinuando que haveria algo de intrinsecamente mau nelas; terceiro, caindo naarmadilha do medo, apela para as autoridades, dando de graça a autonomia; quarto,curva-se ao determinismo tecnológico, fazendo das novas tecnologias, à revelia, outrofetichismo; quinto, sugere, nas entrelinhas, que as democracias ocidentais seriamparâmetro democrático, do que resultaria que terroristas são sempre os outros.Necessariamente, as novas tecnologias não são “o” problema, o que desvela, ao fundo,moralismos ideológicos no mínimo apressados. Elas tanto podem sustentar os medos,quanto combatê-los, ainda que, no contexto capitalista, o que mais se espera é quegarantam o formato liberal das democracias...

Medo é sempre tema central de processos profundos de mudança (Evans, 2001.

Owens, 2004), bem como seu correlato da busca de controle da mudança[1]

. Nasociedade, mudança costuma ter “dono”: o mercado neoliberal, para Hassan. Assim,enquanto Friedman (2005), estudando um dos efeitos mais notáveis das novas tecnologias- “o mundo é plano” - acaba defendendo a política antiterror de Bush e dividindo o mundoentre o lado bom e o lado mau, Chomsky (2003) interpreta de maneira muito diversa: entreos dois lados haveria mais similitudes que diferenças, pelo menos do ponto de vista doetnocentrismo e do fundamentalismo. A visão de Chomsky, sendo também naturalmenteambígua, parece-me mais perspicaz, porque procura privilegiar o intento analítico sobre ode defesa. De novo, as tecnologias comparecem ambiguamente, para fomentar ecombater o terrorismo...

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III. SINAIS DE SONHO O que não falta é entusiasmo em torno das novas tecnologias, a começar pela assim

dita “geração digital” (Tapscott, 1998; 2009), sem falar que vieram para ficar. Emborapossam ser problema, são sobretudo fato consumado. Disto não segue que o jeito éengolir, mas certamente que é mais prudente saber conviver com elas, de preferência nacondição de sujeito, não de objeto. Seria canhestro ver nelas apenas patologias (tesecomum entre os donos da sanidade pública); seria não menos canhestro ignorar que háfartas patologias (tese comum entre os basbaques). Dentro da literatura abundantíssima,destaco aqui a obra recente de Tapscott (2009), uma retomada de outra anterior (de1998), sobre a geração digital, com base em pesquisa específica com pretensões de rigoracadêmico suficiente. Tapscott não é um acadêmico típico, também porque isto não lheinteressa mais: aprendeu com a nova geração que a academia precisa mudar, no mínimoprecisa tomar a sério as novas tecnologias e conviver com procedimentos mais soltos depesquisa. Não cabe mais fixar-se no texto impresso tradicional, nem em ritos formalistasque acabam trazendo de volta o argumento de autoridade, muito menos na aulainstrucionista, detestada pela maioria dos estudantes. Já se vê por aí que suaargumentação é vibrantemente ambígua, predominando freqüentemente o entusiasmosobre o compromisso analítico. Mesmo assim, talvez seja uma das obras que fazem aaposta mais frontal na geração digital, sem perder de vista a pesquisa.

Trata-a como “geração única” (2009:1), “cercada da mídia digital”, “tão banhada embits que pensa que tudo é parte natural do cenário” (Id:2). Pela primeira vez na história,esta geração se sente mais confortável, mais altamente educada e alfabetizada que ospais. Através da mídia digital está desenvolvendo e sobrepondo sua cultura à sociedade,deixando para trás outras gerações anteriores (os “boomers”, por exemplo). “Essascrianças estão já aprendendo, jogando, comunicando-se, trabalhando e criandocomunidades de modo muito diverso daquele de seus pais. São uma força para atransformação social” (Ib). Todavia, ao lado de reconhecer que existe “the dark side” (ladosombrio), em especial no que concerne à exposição descuidada da privacidade, Tapscottleva em conta os inúmeros críticos, inclusive os que dizem cobras e lagartos sobre a novageração: i) esta geração seria a mais tola de todas (tese excitada de Bauerlein) (2008),porque se perde freneticamente no mar de informações desconexas, não fixa a atençãoem nada, faz tudo ao mesmo tempo e de modo banal, não gosta de estudar a fundo, vivede amadorismo (tese não menos excitada de Keen sobre o “culto do amador”) (2007); ii)seriam figuras caudatárias da tela (screenagers), dependentes deste tipo de droga (emespecial de videogames), malbaratando habilidades sociais e físicas em troca daobesidade física e virtual; iii) não se acanha, expondo sua privacidade não só de modoprovocativo e infantil, mas arriscado, abrindo espaço para predadores de toda ordem; iv)porque são mimados, encontram-se à deriva no mundo; por isso muitos voltam para acasa dos pais depois de graduados (algo impensável em gerações anteriores) e não sefixam no emprego; v) roubam na internet, desrespeitando regras mínimas de copyright; vi)colegas ameaçam colegas online (bullying) - “os teens estão vivendo numa realidadevirtual e numa cultura voyeurismo da violência e humilhação, e tudo por fama e fortuna”(Tapscott, 2009:4); vii) esta geração é violenta, bastando observar os casos freqüentes decrimes em escolas e os incentivos embutidos em videogames; viii) não parece deter éticado trabalho, tornando-se funcionários não confiáveis: não segue horário, prefere ficar emcasa, permanece no mesmo emprego por volta de dois anos, estão sempre a caminho,criticam tudo, não aceitam hierarquia; ix) como geração doentiamente narcisista, gira emtorno do próprio umbigo, descartando as gerações mais velhas e os outros de modo geral;x) não se importa com nada (they don’t give a damn) (Id.:5) - não votam, não se envolvem

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x) não se importa com nada (they don’t give a damn) (Id.:5) - não votam, não se envolvemcom a sociedade civil, não são solidários. Assim resume Bauerlein ferinamente(2008:201): “O adolescente (teen) do século XXI, conectado e fazendo várias tarefas aomesmo tempo, autônomo e preso ao grupo (peer-mindful), não dá salto para frente nainteligência humana, pensamento global ou na cidadania da net (netizen-ship). Usuáriosjovens aprenderam milhares de coisas novas, sem dúvida. Carregam e baixam (upload,donwload), surfam e conversam, postam e praticam design, mas não aprenderam aanalisar um texto complexo, armazenar fatos em suas cabeças, compreender umadecisão da política estrangeira, tomar lições da história ou pronunciar corretamente. Nãotendo nunca reconhecido sua responsabilidade para com o passado, abriram uma fissuraem nossos fundamentos cívicos, e isto se mostra em sua passagem arrastada para aidade adulta e cidadania” (Tapscott, 2009:5).

Tapscott põe-se, então, a desfazer tais críticas, apostando todas as fichas nageração digital. Fala em buscar a “verdade” (Ib.), trazendo à baila dados e experiênciascontrários, em parte caindo aí na mesma armadilha do “sage-on-the-stage” (metáfora doprofessor que sabe a verdade) (Id.:9), perdendo de vista a ambigüidade de todaargumentação, por mais que se presuma fundada em dados e fatos. Pretende mostrar queesta geração está avançando muito em termos de mudança na sociedade e na economia,sugerindo aprender dela, em vez de apenas denegrir. Temos de superar o medo atravésdo conhecimento, até porque é mais que natural temermos o que não entendemos. O quepode ser maluquice para os adultos, pode ser virtude para tais adolescentes, como é fazermuitas coisas ao mesmo tempo (multitasking). O preço natural pode ser a superficialidadedo que se faz e isto ocorre sempre. Mas, eles sabem também distinguir os momentos: omomento de fixar a atenção em algo para aprofundar o conhecimento e a pesquisa, e omomento de surfar à-toa. Entram animada e, muitas vezes, despreocupadamente no ritmode mudança: enquanto ainda valorizamos o email, para eles “email is old-school” (Ib.).Não suportam ficar escutando um professor falar como dono da verdade, impedindo ainteratividade. Freqüentemente se questiona a leitura na tela, como regra mais curta, rasa,fugaz, em nome da leitura pausada e meditada do livro. Esta não está, de modo algumdescartada, mas é claro que os jovens preferem a tela, também por comodidade eatratividade. Cabe lembrar que, quando a humanidade passou da oralidade para a escrita,houve reações fortes contrárias, inclusive - quem diria! - de Sócrates, alegando o

desprestígio da memória e a conseqüente popularização do conhecimento[2]

. A leitura natela quebra paradigmas anteriores, de modo ambíguo (Kress/Leeuwen, 2001; 2005):enquanto aparece mais banal, também é mais acessível e atraente; no momento talvezpredominem queixas por parte dos leitores tradicionais, mas, com o tempo, aprimorando-se as tecnologias e ocorrendo adaptações criativas de ambos os lados, é bem possívelque se torne “normal”, como a leitura tradicional impressa, contestada quando surgiu, setornou normal.

Segundo Tapscott, os jovens estão refazendo todas as instituições: i) empregados eempregadores tendem a cultivar práticas mais coletivas e a abater hierarquias rígidas; ii)como consumidores, pretendem ser “prossumidores” (prosumers), no sentido de co-inventar produtos, customizá-los, participar do aprimoramento de sua qualidade, interagir,não apenas consumir; iii) na educação estão desconstruindo a sala de aula centrada naautoridade do professor; iv) na família já são vistos como expertos na internet, mudando arelação entre pais e filhos; v) como cidadãos esta geração quer participar do governo(exemplo da eleição de Obama em 2008), em especial controlar democraticamente; vi) nasociedade, “empoderada” pela internet e plataformas do tipo web 2.0, começam a interferirnos destinos globais e ambientais, mostrando forte ativismo. Afirma, então, espelhando-seem sociedades como a norte-americana e mais avançadas: “Creio que é o direito de todapessoa jovem crescer de maneira digital, seguindo disso que a campanha Um Laptop por

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pessoa jovem crescer de maneira digital, seguindo disso que a campanha Um Laptop porPessoa, lançada pelo professor de tecnologia de mídia, N. Negroponte, é tão maravilhosae importante” (Tapscott, 2009:17). Ao contrário da crítica de Bauerlein, os dadosdisponíveis indicam que os jovens estão melhorando seu desempenho visivelmente: não éa geração mais boba, é a mais preparada (Id.:30). Como precisam virar-se em meio àconfusão geral da informação disponível, desenvolvem habilidades de pensamento epesquisa. Alega que, nos Estados Unidos, 9 em 10 da geração net descrevem-se comofelizes, confiantes e positivos. E, “para variar”, Tapscott elabora oito normas destageração: i) querem liberdade em tudo que fazem, desde liberdade de escolha até deexpressão; ii) gostam de customizar, personalizar tudo que faz parte de suas vidas, não sóas novas tecnologias; iii) são os novos “controladores” (scrutinizers), exigindotransparência em tudo (comércio, governo, empresas...); iv) requerem integridadeempresarial e abertura ao decidir o que comprar e onde trabalhar; v) esperamentretenimento e jogo no trabalho, educação e vida social; vi) são colaborativos eapreciam relacionamentos; vii) gostam e precisam de velocidade; viii) são os inovadores(Tapscott, 2009:34-36).

Não se pode evitar de dizer que é “rósea” esta descrição - bom demais para serverdade. Mas, acrescente-se que Tapscott não perde de todo o senso pela ambigüidade:“Nunca houve um tempo de maior promessa ou perigo” (2009:37). No contexto da web2.0, esta geração estaria transformando a internet de um lugar onde se pode acharinformação para um lugar onde se compartilha informação, fazem-se projetos coletivos ecriam-se novos modos de enfrentar e resolver problemas. Os jovens mostram atitudediferente com a TV: esta torna-se um pano de fundo genérico de assistência seletiva eintermitente (“muzak” - fundo musical), enquanto fazem outras várias coisas ao mesmotempo (multitasking). Preferem mensagem instantânea de texto ao telefone, também aoemail tradicional. Gosta de viver junto, sobretudo online, bem como comentar o que vêem.Perguntados se preferem viver sem TV ou internet, a internet ganha disparado (Tapscott,2009:43). Apreciam mais notícia online do que nos jornais, o que muitas vezes causa aimpressão de que não se informam. No entanto, dependendo do ambiente online,interagem com o noticiário (caso do blog, por exemplo), criando, assim, conteúdo, aoinvés de apenas consumir. Vêem o fone móvel como co-piloto digital, alimentando asredes sociais (social networks), na “versão da geração net de um centro comunitárioglobal” (Id.:56). Cultivam ambientes de auto-organização e governo, sem liderançasautoritárias.

Embora possa parecer ao contrário, esta juventude é mais bem comportada,segundo dados disponíveis (Tabela 1):

Tabela 1: Comportamentos de risco da juventude:

Comportamentos de risco da juventude Índice corrente (%) Índice mudado desde 1990(%)

- Usou cinto de segurança 90 +16- Viajou com alguém que estava bebendo 29 -11- Portou uma arma 19 -8- Esteve envolvido em briga física 36 -7- Usou “camisinha” 63 +17

Fonte: US Center for Disease Control and Prevention (Tapscott, 2009:85). Tapscott assume a tese bastante comum de que a nova geração estaria

reformatando seu cérebro, representando um passo evolucionário (Hayles, 2008). Opróprio fato de estar “imersa” nas novas tecnologias (lidam com ela incessantemente),indicaria esta faceta evolutiva, já que o cérebro, sendo plástico, evolui na direção dosdesafios que lhe são impostos. O cérebro adolescente é visto, então, como “a work in

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desafios que lhe são impostos. O cérebro adolescente é visto, então, como “a work inprogress” (Tapscott, 2009:100), aprimorando os estilos de inteligência e as habilidadesrequeridas para dar conta da pletora de informação, do “multitasking” (considerado“quintessential characteristic”), da maleabilidade da inovação frenética, da aprendizagemvirtualmente situada, dos videogames, etc. Ao contrário da tese de que as novastecnologias tenderiam a anestesiar os cérebros jovens, à medida que os envolve comfutilidades de toda ordem, ocorreria o desenvolvimento de “habilidades de pensamentocrítico, aquelas de que se precisa para navegar no mundo de hoje saturado de informaçãoe em velocidade crescente” (Id.:111). Segundo Tapscott, ler online não é menosdesafiador; apenas as habilidades são diferentes. Muitos dos problemas continuam, como,por exemplo, prestar atenção apenas no que se percebe mais. Poder-se-ia falar de novaforma de inteligência: cognição distribuída (distributed cognition) (Id.:114), marcada peladispersão de conteúdos, trabalho colaborativo, cultivo de redes sociais. Focar a atençãopor tempo mais longo é desafio maior para esta geração, acostumada a flashes fugazesde informação. Todavia, longe de ser “boba” (tese de Bauerlein, 2008), tem-sedesempenhado melhor na escola, apesar de a escola estar muito longe de lhe agradar,como transparece no célebre vídeo “A Vision of Students Today” (2009), montado por 200estudantes. Mostra-se a sala de aula instrucionista, o professor autoritário, a aulaunilateral, a transmissão copiada de conteúdos… Sugere-se, então: “Em vez de focar oprofessor, o sistema de educação deveria focar o estudante; em vez de dar aula, osprofessores deveriam interagir com os estudantes e ajudá-los a descobrir por si próprios;em vez de transmitir um formulário ‘one-size-fits-all’ (padronizado para todos) daeducação, as escolas deveriam customizar a educação para encaixar-se no modoindividual de aprender de cada criança; em vez de isolar os estudantes, as escolasdeveriam incitá-las a colaborar” (Tapscott, 2009:122). Hoje, quem gosta de aula éprofessor. Aluno foge dela, porque a vê como obsoleta, para dizer o mínimo. Não importao que se conhece, mas como se aprende. “A habilidade de aprender coisas novas é maisimportante do que nunca num mundo onde se tem de processar nova informação àvelocidade da luz. Os estudantes precisam ser capazes de pensar criativamente,criticamente e colaborativamente; dominar o ‘básico’ e ser excelentes em leitura,matemática, ciência e alfabetização em informação, e responder às oportunidades edesafios com velocidade, agilidade e inovação. Os Estudantes precisam expandir seuconhecimento para além das portas de sua comunidade local para tornarem-se cidadãosglobais responsáveis e contributivos na economia mundial crescentemente complexa”(Id.:127). A pedagogia persiste como proposta antiquada, de outros tempos, centrada noprofessor e na aula. Tapscott, então, sugere o que significa esta mudança: “Significamudar a relação entre professor e aluno no processo de aprendizagem. Para focar oestudante, os educadores devem abandonar o velho sistema no qual o professor transmiteatravés de aula, a mesma aula para todos os estudantes. Primeiro, os docentes devemsair do pedestal e começar a escutar e conversar, ao invés de apenas dar aula. Em outraspalavras, precisam abandonar seu estilo ‘broadcast’ (transmissão aberta) e adotar outrointerativo. Segundo, deveriam incitar os estudantes a descobrirem por si mesmos, e aaprenderem um processo de descoberta e pensamento crítico, ao invés de apenasmemorizarem a informação do professor. Terceiro, precisam incitar os estudantes acolaborarem entre si e com outros fora da escola. Finalmente, precisam escoimar o estilode educação para os estilos individuais de aprender de seus estudantes” (Id.:130).

Com picardia, Tapscott assim define a aula: “o processo no qual as anotações doprofessor vão para as anotações dos estudantes sem passar pelos cérebros de ambos”(2009:131). Cita ambientes atualizados de aprendizagem, nos quais “there were nolectures” (não havia aulas) (Id.:133). É crucial sair da instrução e instituir a pesquisa,porque as escolas deveriam ser lugares para aprender, não para ensinar, ecoando a obrade Darling-Hammond/Sykes (1999), sobre “ensinar como a profissão de aprender”.

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de Darling-Hammond/Sykes (1999), sobre “ensinar como a profissão de aprender”.Tapscott recorre a um dito de Papert, inspirado em Piaget: “O escândalo da educação éque toda vez que se ensina algo, priva-se a criança do prazer e benefício da descoberta”(2009:134). Ao lado da educação formal (escola e universidade) vão se propagandomodos informais de aprender, em geral online, mais acessíveis e prazerosos, incentivandoo que se tem chamado de “aprendizagem virtual” (e-learning) (Mason/Rennie, 2006;2008). Abre-se a oportunidade de privilegiar o “discovery mode” (modo da descoberta), emespecial colaborativa, muito embora grande parte dos professores gastem seu tempo“dando aula” (Tapscott, 2009:141). Na “escola 2.0”, o docente tem o papel de mentor,orientador, avaliador, incentivador, não de preceptor, instrutor. Não há “aula típica”, masespaços e ambientes de aprendizagem individual e colaborativa, de experimentação econversa com os docentes. Pode-se ainda dar aula, mas é “small chunk of the learningjourney” (pedacinho da rota da aprendizagem) (Id.:146). Cita um programa notávelchamado “Tech Angels”: meninas preparadas para dotar professores com fluênciatecnológica (Id.:145), acenando com a idéia de que, no plano da aprendizagem, estudantee docente estão, a rigor, no mesmo barco.

Há polêmicas fortes em torno do comportamento da geração net no ambiente detrabalho. De um lado, ela é exigente, soberba, não fica muito tempo no mesmo emprego(média de dois anos), quer usar plataformas digitais enquanto trabalham (inclusiveaquelas que seriam mais propriamente de entretenimento, como Facebook), detestaescritórios fechados, bem como hierarquias rígidas. De outro, parece mais bem preparada,é mais colaborativa, aceita e promove a inovação, não pleiteia segurança e estabilidade.Há aí, certamente, “the clash of generations” (o choque de gerações): uma forçairresistível vai de encontro a um objeto inamovível (Tapscott, 2009:153). Na prática,porém, parece claro que o mundo produtivo move-se na direção do trabalho doconhecimento, privilegiando este tipo de habilidade próprio da geração net. Entra em cenao “talento 2.0”, não atraído por advertising, mas por relacionamentos, principalmenteonline. Não vale mais “treinar”, mas envolver, relacionar-se, abrir espaços criativos e deliberdade, produzir confiança mútua. Em certa medida, a vantagem estaria mudando delado: “Uma condição tradicional de emprego em muitas organizações é um períodoprobatório de 90 dias durante o qual os recrutas são avaliados por sua adequação. Hojeem dia, jovens empregados usam este período para decidir se o empregador é digno deter seu trabalho” (Id.:177). Acresce ainda que os jovens facilmente se constituem“autoridade” técnica em tecnologia digital, mídia interativa, fluência tecnológica em geral,processos colaborativos de produção, etc. Como “prossumidores”, não dão importância aoadvertising. Antes de comprar, consultam a internet e querem contribuir para a marca.Usam o que se chama “n-fluence”, ou seja, a rede de amigos online. O que se torna maisvisível é a pretensão de consumir na condição de sujeitos, por mais que muitos jovens nãopercebam a trama mercantil subjacente. De todos os modos, o que parece estar mudandoé que antes o mercado era esperto sozinho (“enrolar” o consumidor com advertising) eagora tem um concorrente: o jovem bem informado, tecnologicamente habilitado e capazde contribuir/reclamar.

Com respeito às relações familiares, Tapscott acredita que a nova geração estáintroduzindo sensíveis mudanças, em grande parte positivas. Primeiro, enquanto a outrageração encontrava a liberdade fora de casa, esta a encontra em casa - “there’s no placelike the new home” (não há lugar igual ao novo lar) (2009:226). Muitos, terminada agraduação, voltam para casa e aí ficam. Embora se critique que a nova geração fosseexcessivamente “mimada” - traço disso são os “helicopter parents” (pais helicóptero, nosentido de que ficam pairando o tempo todo sobre os filhos, para cuidar que não tenhamproblemas na vida, algo que pode agravar-se com o fones móveis: enquanto os pais osdefinem como questão de segurança, os filhos os definem como relacionamento eprivacidade) - ocorre que seu desempenho escolar está se aprimorando, sem falar que

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privacidade) - ocorre que seu desempenho escolar está se aprimorando, sem falar quesão expertos em casa, podendo ensinar tecnologia aos pais. Em geral, apreciam o contatocomo os pais, ao contrário do estereótipo vigente de afastamento, por conta da distânciageracional. Há que se levar em conta ainda que a família serve como anteparo para lidarcom riscos graves da internet (bullying, pornografia, pedofilia, predadores, etc.), ainda quemuitos pais fiquem ausentes. Por volta de 40% dos teens abaixo de 18 anos dizem queseus pais não sabem o que fazem online. Outro risco crescente é a oferta de “screen forbabies” (programas prematuros para crianças abaixo de um ano de idade), algoostensivamente condenado por Tapscott.

Diferentemente da pecha de apatia política, Tapscott imagina que esta geração éparticipativa, tomando como exemplo à mão a participação intensa na campanha e eleiçãode Obama. Na verdade, têm ojeriza à política tradicional, em especial ao abuso de novastecnologias para continuar as mesmas falcatruas políticas. Não é uma “me generation”(ensimesmada), mas que demonstra cuidado com a sociedade. Não suporta a visão liberalde que os governos deveriam sair do caminho e deixá-lo aberto para o mercado. Noentanto, o que mais conta nesta retomada democrática é que os jovens percebem quepossuem armas poderosas à disposição, em especial as plataformas online. Tendem a sermais democratas, assumem muito mais o voluntariado e exercem iniciativas desolidariedade. Estão construindo a “democracia 2.0: da transmissão aberta para ainterativa” (Tapscott, 2009:258), promovendo o “marketplace of ideas” (mercado de idéias)(Id.:259). Embora com linguagem neoliberal, esta visão lembra a “esfera pública” deHabermas, turbinada online. Usam wikis, blogs, social networks, digital brainstorms..., emais uma riqueza de novas abordagens, entre elas: i) painéis online de cidadãos; ii)votação deliberativa; iii) períodos de questionamento virtual; iv) planejamento de cenários.Um dos valores mais ressaltados na política é a transparência, favorecida por plataformasda web 2.0, ao lado da ética ambiental (salvar o planeta).

Concluindo sua análise, Tapscott volta-se, uma vez mais, para os críticos e os tentadesconstruir, começando pelo reconhecimento explícito do lado sombrio da internet: osjovens estão expondo arriscadamente sua privacidade, o que pode não só lhes causarproblemas agora, mas principalmente no futuro (por exemplo, quando, ao ser entrevistadopara um emprego, o recrutador aparece com um relatório sobre sua privacidade divulgadana internet). No todo, porém, retira uma visão amplamente positiva: esta geração é maisbem preparada, inteligente e criativa. Existe o vício da tela, e que repercute emcomportamentos sedentários perigosos, sem falar no problema de estar sozinho namultidão. Todavia, a internet é um mundo tipicamente social, ainda que virtual. Pode-seencontrar um equilíbrio sempre mais desejável do que unilateralidades. Tenta afastar aacusação de que a mídia seria responsável pela violência nos jovens, em especial porconta dos videogames. Aqui trava-se uma polêmica complicada e tortuosa, em geral numcontexto de um diálogo de surdos. Certamente, pode-se aludir que violência tem outrasorigens mais comprometedoras, como ambientes familiares e sociais decaídos,marginalizados, contaminados pelo tráfico de drogas, tese defendida por Sternheimer(2003), por exemplo. Há videogames extremamente violentos e dificilmente se poderiamdescartar como fomentadores da violência, por mais que, na tradição do entretenimentodesde o faroeste, todos se matam, mas ninguém morre! Ou seja, o jogador sabe que éfantasia. Será? Por outra, sempre se aventa que não há pesquisa conclusiva a respeito,em cuja sombra medram o advertising irresponsável e expressões provocativas emacabras da mídia. Ao mesmo tempo, pode-se aproveitar da ambigüidade natural de taisfenômenos para sugerir, ao final, que tudo pode, dependendo o problema do interessado epor conta dele. Permanece, porém, um fato clamoroso: a criança corre na internet riscosgraves, fartamente comprovados, cuja gravidade só se torna ainda mais virulenta emambiente mercantilista e consumista. Pode-se acenar que as próprias crianças acabamfazendo seu código de ética, constituindo regras de jogo apropriadas. Este aceno é,

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fazendo seu código de ética, constituindo regras de jogo apropriadas. Este aceno é,porém, irresponsável, porque não cabe retirar este cuidado dos pais e educadores. Aofinal, parece prevalecer a impressão de que, unindo-se mercado, predadores, gangues,tráfico de drogas e outras perversidades, a criança está ameaçadoramente exposta nainternet, levando-se ainda em conta sua tendência atual a expor sua privacidadedespreocupadamente.

Dito isto, porém, cabe apontar para contradições flagrantes de muitas críticas:“Supõe-se que os filhos dos boomers são superprogramados, superestressados eempreendedores exacerbados - mas no mesmo fôlego são descritos como lerdos evagabundos. Afinal, qual é? Têm a desordem do déficit de atenção e não podem focá-la;mas, ao mesmo tempo, sentam por horas frente a uma tela, seus olhos focados como umlaser num jogo ou atividades da rede social. Não se preocupam com nada, mas, aomesmo tempo, querem mudar tudo - desde como sua empresa é gerida até quem é opresidente do país. São obsessivos controladores egoístas e maníacos, mas, ao mesmotempo, dependem dos pais como escravos. Estão perdidos e confusos, mas sua auto-estima e confiança alcançaram níveis patológicos de narcisismo. Por favor, dêem-nos umtempo! Claramente algo mais do que verdadeira pesquisa e pensamento racional estámetido aí” (Tapscott, 2009:306). Estaria se formando uma “NGenophobia” (fobia à geraçãonet) (Ib.), em parte por educadores. Dá, então, como exemplo a educação: “Temos vistocomo o atual modelo da Revolução Industrial - onde se espera das crianças que fiquemsentadas quietas e escutem o professor - não é apropriado para pequenos que cresceramdigitalmente e acostumaram-se a interagir com as pessoas, não apenas escutando. Ovelho modelo educacional poderia ter sido adequado para a Era Industrial, mas não fazsentido para a nova economia digital, ou para a nova geração de aprendizes. Ospequenos têm razão. Deveríamos mudar o sistema educacional para fazê-lo relevantepara eles. Os professores deveriam parar de dar aula. Deveriam, ao invés, ser mentorespara pessoas jovens que estão usando esta ferramenta maravilhosa para explorar omundo. Educação deveria ser customizada para cada estudante individual. E deixemo-locolaborar. Assim é como será o mundo” (Id.:308).

Não deixo de reconhecer o quanto é interessante esta obra de Tapscott. Mas éexageradamente positiva, quase um advertising em formato de livro ou na posição deadvogado. É importante que a velha geração aposte na nova, também porque esta novanos ultrapassa na expertise tecnológica de longe. Embora se apresentem inúmeros dados,a pesquisa parece ser mais simpatizante do que metodológica. De todos os modos, émeritório este esforço de pretensão científica (também para poder rebater outros dadosque se querem científicos), tendo ainda o charme de não curvar-se a firulas acadêmicas:trata-se de conhecimento construído em ambientes transparentes, comunicável, aoalcance de todos, cuja qualidade é menos metodológica, do que persuasiva (Bogost,2008). Admira a atitude prestativa do autor, revelando que não teme mudanças. Antes,buscando aprender da nova geração, aceita o desafio da inovação de peito aberto. Mesmoassim, fazendo-se advogado da causa, Tapscott se torna vulnerável ao responder comexcesso de boa vontade ao excesso de má vontade de muitos críticos.

IV. ARGUMENTAÇÃO DISCUTÍVEL Para a nova geração é natural que “tudo que é sólido se desmancha no ar” (Berman,

1986) nesta modernidade líquida e ambivalente (Bauman, 2001; 2006). Como na internetnão há dono, em termos de comunicação (não de apropriação dos programas), também

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não há dono, em termos de comunicação (não de apropriação dos programas), tambémnão há autoridade, nem verdade definitiva. Em particular na web 2.0, as plataformasfavorecem este tipo de esfera pública que repele o argumento de autoridade, girando emtorno da autoridade do argumento. Não se trata de efeito mecânico, automático, mas depotencialidade. Os conteúdos não são adotados, apenas usados, reusados, refeitos,customizados e descartados. A marca relativa da validade em sociedade torna-se tantomais flagrante, quanto menos é possível inventar chão inconcusso em plataformas comoblogs e wikis discursos finais e perenes. Ao contrário, mantêm-se abertos, não por charmeou artimanha, mas por condição natural da comunicação interativa. Não se trata de ignorarsua marca estratégica (nisto em geral considera-se que Habermas não teria razão),porque toda comunicação humana se dá no horizonte da politicidade (Demo, 2002a): acomunicação humana é uma unidade de contrários, polarizada, incompleta e dinâmica,possivelmente aberta e disputada, intrinsecamente ambígua. Para a nova geração acaracterística discutível dos conteúdos na internet é praticamente óbvia, em especialporque todo consenso é produto de negociação e nunca concluído propriamente. Aprendelogo que somente é possível haver algum consenso - sempre muito relativo - em torno deidéias discutíveis. É caso da wikipedia: o que aí se elabora nunca se conclui; está sempreem discussão, naturalmente. Os resultados podem ser considerados satisfatórios porenquanto, não porque o ponto de vista próprio foi “adotado”, mas porque foi compartilhado.Segue daí que aprender é dinâmica infinita, sendo a maior habilidade humana permaneceraprendendo. Parafraseando uma noção piagetiana, uma fase desemboca em outrasuperior, porque, no contato com a realidade, a criança descobre que a hipótese anteriorjá não basta; torna-se necessário refazê-la, para incluir outros horizontes, e assimsucessivamente. À “equilibração” de uma fase segue a “desequilibração” que leva à novasituação. Ou seja, aprender é feito de desconstrução e reconstrução, de aprender edesaprender, mantendo-se todos os processos naturalmente discutíveis.

A nova geração encaixa-se bem na dinâmica do remix (Weinberger, 2007. Latterell,2006), cuja validade é tipicamente relativa, embora plantada numa base digital rígida. Demaneira instigante, esta base digital algorítmica inflexível facilita a flexibilidade dasinterpretações, à medida que garante espaços desafiadores formalizados, não para fixarpadrões definitivos, mas para possibilitar vôos não lineares. Na linguagem também éassim: a gramática, rígida por ser um código de regras, em vez de matar a poesia, ainterpretação, a reconstrução, as instiga, pois é referência formal, não túmulo existencial.Ao mesmo tempo, esta condição híbrida que mistura forma e dinâmica aponta paraespaços dialéticos feitos de unidades de contrários ou, como diz, Morin de unitas multiplex(2002). A nova geração não se irrita com isso, porque já não pretende validades definitivasde nada, pois tudo passa, inclusive a própria geração. Não decorre daí o relativismo,porque, em sociedade, há validades sempre, embora flexíveis. Por exemplo, a wikipediavale, mesmo porque não fica atrás das enciclopédias tradicionais, mas, ao contráriodessas, não pleiteia proposições asseguradas que facilmente camuflam argumentos deautoridade. Basta-se com a validade sustentada pelo trabalho coletivo sempre aberto, porisso tanto mais transparente, por isso tanto mais confiável. A ninguém ocorreria considerara wikipedia uma “bíblia”, em particular porque sendo construída e desconstruídacoletivamente, sua validade é naturalmente datada e localizada. Por isso, a wikipedia não“adota” teorias. Usa-as, na medida em que interessam e fomentam a criatividade. Nãodesqualifica as teorias, mas não as toma mais como textos sagrados.

Na dinâmica do remix, dilui-se também a noção de autoria. De um lado, mantém-se odesafio de autoria, no plano individual e subjetivo, como chão fértil da aprendizagem. Deoutro, não sendo nenhum autor propriamente original, porque não há mente humana quecomece do zero ou chegue ao fim, a autoria coletiva se impõe, não para substituir aindividual, mas para compor com ela uma trama mais inteligente e criativa. Esta é a carada internet: um lixão confuso, caótico, mas capaz de movimentar conteúdos instigantes e

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da internet: um lixão confuso, caótico, mas capaz de movimentar conteúdos instigantes eprocedimentos criativos. Apesar de todas as banalizações e plágios que abundam nainternet, emergem daí novas epistemologias que alimentam novos formatos deconhecimento de cariz mais pós-moderno (Demo, 2008b). Sem abandonar os rigoresmetodológicos - ao contrário, reconhecendo-se matemática como uma das habilidades doséculo XXI, a destreza da formalização dos conteúdos torna-se eminente - ultrapassa-se opositivismo/empirismo preso à ditadura do método, procurando perscrutar a intensidadedas dinâmicas, para além de sua extensão mensurável. Aprende-se isso mais facilmenteno mundo virtual, não físico, não mensurável, intenso e fugaz, onde evidências empíricasnão vingam. Não se pretende fundar uma nova ciência, mas reconstruir a promessa daautoridade do argumento para além dos donos da verdade. Neste sentido, requer-se rigorimplacável na argumentação, não para inventar fundamentos últimos, mas para ofereceralternativas instigantes para a discussão bem feita e persuasiva, como se pode apreciarem videogames (Bogost, 2007).

Embora muito a contragosto, a velha academia sente-se desestabilizada, em geral,porque, perdendo a condição de argumento de autoridade, precisa pleitear, na esferapública transparente, a autoridade do argumento em condições de igualdade. Publicandoem plataformas digitais da web 2.0, seus textos só podem requerer validade relativa: sãonaturalmente discutíveis e por isso aprimoráveis dentro de concurso coletivo aberto. O quedói nesta velha academia é flagrar-se discutível (Demo, 2008). Antes, só o aluno eradiscutível, obviamente. Agora todos. O conhecimento, antes tarefa reservada epreservada a iniciados muito especiais, torna-se, de certa maneira, “senso comum”(Santos, 1995), porque ao alcance de todos. Será inevitável um certo nivelamento porbaixo, assim como textos coletivos podem facilmente ser banais. Mas não é menosrelevante que a arte de argumentar seja obra comum e coletiva (Demo, 2008).Conhecimento “prudente”, para parafrasear Santos (2004), é resultado de jogo limpo,transparente, multicultural. Sendo autocrítica a coerência da crítica, conhecimento honestoé aquele que vale por ser discutível. Instaurando o jogo da discussão aberta e bemfundamentada na esfera pública virtual é possível privilegiar a autoridade do argumento,para convencer sem vencer.

É vício tradicional manter ao fundo da análise um padrão de verdade, como se fossepossível desvendar alguma essência da realidade (Demo, 2002), camuflando posiçõespretensamente firmes, mas, na prática, moralistas/fundamentalistas. Assim, muitos críticosdas novas tecnologias e da geração digital pretendem saber o que é bom para os outros,acenando para uma pretensa ordem natural das coisas. Por exemplo, a nova geraçãopratica o multitasking, se dá bem com velocidade crescente das máquinas, gosta de ler natela, enquanto a velha prefere estudar em silêncio, prestar atenção numa coisa só,apreciar o livro impresso. Assim como é natural gostar de livro, também é natural gostar detela. O problema poderia surgir em extremismos e exageros, por exemplo, ao não saberfixar-se em nada, fazendo tudo superficialmente. Embora a pressão sobre velocidade sedeva, em grande parte, à ganância do mercado, em si não precisa ser problema maior,como mostram os jogadores de videogame, quando desenvolvem desenvoltura incrível nasintonia entre perícia manual e ocular. Será sempre difícil decidir quanto tempo seriarecomendável ou não recomendável na internet por dia, pela razão simples de que não éviável criar critérios a priori. Mas é, isto sim, possível argumentar em favor deprocedimentos que não comprometam o desenvolvimento físico e mental das crianças,porquanto o mundo virtual não substitui o real, e vice-versa. Parece-me fora de lugar, paradar um exemplo, proibir que crianças acessem a internet, por mais que corram aí riscosalarmantes. Primeiro, porque - todos os educadores sabem - educar é sempre preferível aproibir (também porque o que é proibido é mais atraente). Segundo, porque internet é fatoconsumado: é melhor saber usar inteligente e eticamente, do que impedir o acesso. Acriança pode não usar em casa, mas dificilmente deixará de acessar fora dela, à revelia

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criança pode não usar em casa, mas dificilmente deixará de acessar fora dela, à reveliados pais e com tanto maior picardia. Terceiro, porque a internet pode representaroportunidade fundamental na vida da criança, desde que inserida em ambiente educativoadequado. Assim, a tarefa de pais cuidadosos não é impedir o acesso, mas montar umambiente educativo que configure o acesso de maneira a estimular aprendizagens efetivas.

No entanto, se há donos da verdade entre os críticos, os há também entre osbasbaques. Assumindo no fundo o determinismo tecnológico, saúdam todas as mudançaspor atacado, deixando de levar em conta a história, a cultura, as identidades, asexpectativas. Não percebem que mudança tem dono, em especial o mercado, que trata defazer dos usuários consumidores assíduos e não reflexivos. Cabe, então, o olhar doeducador: cauteloso, crítico, sempre confiante. Não faltam pesadelos nas novastecnologias, com não faltam sonhos.

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[1] Veja obra de Souza (2004), ex-ministro da educação do governo FHC, sobre “revolução

gerenciada”, na qual busca mostrar que planejou e implantou, tintim por tintim, uma “revolução”, nacondição de gerente. Trata-se de típica concepção leviana de mudança sob controle. Por isso mesmo,em oito anos de gestão, a qualidade da educação só fez piorar, conforme os dados do Saeb (Demo,2004). No outro lado, aparece a concepção de “mudar o mundo sem tomar o poder” (Holloway, 2003),para insinuar a repulsa aos donos da mudança.

[2] Veja texto em Sutter (2002:73) do Fedro de Platão, no qual Tot, deus inventor, é questionado

por Amon, deus supremo: “Tua invenção produzirá o esquecimento nas mentes dos que aaprenderem a usar, pois deixarão de praticar suas memórias. A confiança deles na escrita, produzidapor caracteres externos a eles, desencorajará o uso de suas próprias memórias internas. Tuinventaste uma receita não para a memória, mas para a recordação; e estás oferecendo a teusdiscípulos uma sabedoria aparente, não a verdadeira sabedoria, pois irão ler muitas coisas sem oauxílio de um mestre e, por isso, parecerão saber muitas coisas, quando na verdade são na maioriadas vezes ignorantes, uma vez que não são sábios, mas apenas parecem ser sábios”. Veja tambémChaves (1999:200), que aponta ainda para o mesmo susto com a invenção da imprensa: por exemplo,a Igreja reclamava de que a imprensa estaria colocando a bíblia na boca do povo, desprestigiando ainterpretação oficial.