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135 Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe? António Caleiro 1 Universidade de Évora Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo A literatura, em geral, reconhece a existência de uma inter-relação entre os níveis de educação e de desenvolvimento de um país. Deste ponto de vista, o investimento em educação pode permitir alcançar um maior nível de desenvolvimento mas também este, por sua vez, pode gerar acréscimos no nível educacional da população, em geral. A existência deste género de interacção entre os níveis de educação e de desenvolvimento parece estar bem patente nas relações de cooperação entre Portugal e Angola, tal como descritas, por exemplo, no Programa Anual de Cooperação Portugal-Angola 2005 ou no Programa Indicativo de Cooperação Portugal/Angola 2007-2010. O objectivo da comunicação é, assim, o de analisar, em primeiro lugar, as razões teóricas que suportam a existência da inter-relação entre os níveis de educação e de desenvolvimento de um país e, em segundo lugar, proceder a uma averiguação empírica da existência desta inter- relação, privilegiando-se o caso dos países em (vias de) desenvolvimento. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Angola, Desenvolvimento, Educação, Portugal. Classif Classif Classif Classif Classificação JEL: icação JEL: icação JEL: icação JEL: icação JEL: H52, I21, I28, O15, O57. 1 Departamento de Economia.

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Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?

António Caleiro1

Universidade de Évora

ResumoResumoResumoResumoResumoA literatura, em geral, reconhece a existência de uma inter-relação entre os níveis

de educação e de desenvolvimento de um país. Deste ponto de vista, o investimento

em educação pode permitir alcançar um maior nível de desenvolvimento mastambém este, por sua vez, pode gerar acréscimos no nível educacional da

população, em geral. A existência deste género de interacção entre os níveis de

educação e de desenvolvimento parece estar bem patente nas relações decooperação entre Portugal e Angola, tal como descritas, por exemplo, no Programa

Anual de Cooperação Portugal-Angola 2005 ou no Programa Indicativo de

Cooperação Portugal/Angola 2007-2010. O objectivo da comunicação é, assim, ode analisar, em primeiro lugar, as razões teóricas que suportam a existência da

inter-relação entre os níveis de educação e de desenvolvimento de um país e, em

segundo lugar, proceder a uma averiguação empírica da existência desta inter-relação, privilegiando-se o caso dos países em (vias de) desenvolvimento.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave

Angola, Desenvolvimento, Educação, Portugal.

ClassifClassifClassifClassifClassificação JEL: icação JEL: icação JEL: icação JEL: icação JEL: H52, I21, I28, O15, O57.

1 Departamento de Economia.

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António Caleiro

11111. Intr. Intr. Intr. Intr. Introduçãooduçãooduçãooduçãoodução

A existência de uma inter-relação (positiva) entre os níveis de educação e

de desenvolvimento de um país parece ser um facto merecedor de um consenso

generalizado.2 Deste ponto de vista, o investimento em educação pode permitir

alcançar um maior nível de desenvolvimento mas também este, por sua vez, pode

gerar acréscimos no nível educacional da população, em geral, sendo certo que esta

outra vertente da interacção entre aqueles dois elementos é a que se revela menos

estudada ou considerada.

O objectivo da comunicação é, assim, o de analisar, em primeiro lugar, as razões

teóricas que suportam a existência da inter-relação entre os níveis de educação e de

desenvolvimento de um país e, em segundo lugar, proceder a uma averiguação

empírica da existência desta inter-relação, privilegiando-se o caso dos países em (vias

de) desenvolvimento.

Conforme se mostrará de seguida, os fundamentos teóricos para a existência de

um ‘círculo virtuoso’ entre educação e desenvolvimento têm tido reflexo ao nível das

políticas preconizadas pelas principais instituições mundiais com interesse na área da

educação, e mesmo ao nível das relações de cooperação entre os diversos países,

como é o caso de Portugal-Angola. Assim, na secção 2 deste trabalho apresentar-se-á

o ponto de vista institucional sobre a importância da educação para o desenvolvimento

(e vice-versa). A secção 3 ocupar-se-á da apresentação de alguns resultados, con-

siderados de interesse, descritos na literatura relevante. Estes suportarão, em parte, o

estudo empírico do tipo de inter-relação entre os níveis de educação e de desen-

volvimento, o que ocupará a secção 4.3 A terminar, a secção 5 apresentará as principais

conclusões deste trabalho, assim como as eventuais vias de análise para trabalhos

subsequentes.

2 A título de curiosidade, uma pesquisa na Internet sobre "education and development" revelaa existência de muitos milhões de páginas, destacando-se aquelas cujo assunto principal é"education for development". O mesmo género de pesquisa, em Português, continua a revelara existência de alguns milhões de páginas, sendo de destacar aquelas cujo assunto principalé (também) a "educação para o desenvolvimento". Esta visão da educação para odesenvolvimento é de tal forma importante que muito recentemente foi mesmo criado um"Journal of Education for Sustainable Development" (veja-se, por exemplo, Vare & Scott, 2007).

3 Os dados utilizados neste estudo são apresentados em Anexo.

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Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?

2.2.2.2.2. O ponto de vista institucional sobre as relações entre a educaçãoO ponto de vista institucional sobre as relações entre a educaçãoO ponto de vista institucional sobre as relações entre a educaçãoO ponto de vista institucional sobre as relações entre a educaçãoO ponto de vista institucional sobre as relações entre a educação

e o desenvolvimentoe o desenvolvimentoe o desenvolvimentoe o desenvolvimentoe o desenvolvimento

A existência de uma interacção positiva entre os níveis de educação e de

desenvolvimento parece estar bem patente nas relações de cooperação entre Portugal

e Angola, tal como descritas, por exemplo, no Programa Anual de Cooperação Portugal-

Angola 2005 ou no Programa Indicativo de Cooperação Portugal/Angola 2007-2010.

Na verdade, o Programa Anual de Cooperação Portugal-Angola 2005 considerava

quatro Áreas de Concentração Prioritárias:

1. Educação,

2. Saúde,

3. Capacitação Institucional,

4. Reinserção Social e Promoção do Emprego.

justificando-se a aposta na educação tendo em conta o seu papel na “na redução

da pobreza, e a sua contribuição para o desenvolvimento, ao aumentar as capacidades

e oportunidades das populações, bem como para o processo de produção e de criação

de riqueza.”

Também ao nível do Programa Indicativo de Cooperação Portugal/Angola 2007-2010

a importância da educação no desenvolvimento das relações de cooperação entre

Portugal e Angola está bem patente. Como é sabido, às questões associadas à educação

não é estranho o compromisso de tentar alcançar os, chamados, Oito Objectivos de

Desenvolvimento do Milénio, adoptados na Cimeira do Milénio de 2000, nas Nações

Unidas. Na verdade, para além da menção explícita à educação, também alguns dos

restantes objectivos se associam, de alguma forma, ao desenvolvimento (humano,

económico, sustentável) baseado na educação. Estes objectivos são:

• Erradicar a pobreza extrema e a fome,

• Alcançar a educação primária universal, (itálico da nossa responsabilidade),

• Promover a igualdade de género e capacitar as mulheres,

• Reduzir a mortalidade infantil,

• Melhorar a saúde materna,

• Combater o VIH-SIDA, a malária e outras doenças,

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António Caleiro

• Assegurar a sustentabilidade ambiental,

• Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento.

Tal como o próprio Programa Indicativo de Cooperação Portugal/Angola 2007-2010

reconhece, os objectivos estratégicos da cooperação com Angola estão em con-

cordância com a Estratégia para África da União Europeia, aprovada no Conselho

Europeu de Dezembro de 2005 e que assenta em três pilares:

• promover a paz, segurança e boa governação como pré-requisitos essenciais

para o desenvolvimento sustentável,

• apoiar a integração regional e o comércio para promover o desenvolvimento

económico, e

• melhorar o acesso aos serviços sociais básicos (saúde, educação) e a protecção

do ambiente para alcançar da forma mais rápida possível os Objectivos do

Milénio. (itálico da nossa responsabilidade).

Assim, no âmbito da cooperação Portugal-Angola, é interessante apresentar

as suas principais linhas de força. No sector da Educação, as principais alterações

nos últimos anos disseram respeito a um reforço evidente da cooperação inter-

universitária – não só ao nível do envio de docentes portugueses, mas igualmente de

apoios à reestruturação e gestão dos cursos, com o objectivo de criar conhecimento

especializado, capacitar, e desenvolver o ensino universitário em Angola. A concessão

de bolsas de estudo representa igualmente um esforço significativo da cooperação

portuguesa e abrange recentemente bolsas internas para licenciatura. As lições

aprendidas vão no sentido de evoluir para a concessão de bolsas de pós-graduação

em Portugal, aumentando o número de bolsas de licenciatura ao nível local. Ao nível

da Educação Básica, as acções anteriores da cooperação portuguesa em termos de

construção ou reabilitação de infra-estruturas revelam-se menos necessárias do que

acções de capacitação dos professores angolanos, de forma a melhorar a qualidade

de ensino. (in Programa Indicativo de Cooperação Portugal/Angola 2007-2010, pp. 12-

13).

Em suma, as relações de cooperação Portugal-Angola assentam, no que à

educação diz respeito, no facto de a melhoria do sistema de ensino angolano, ou seja

uma aposta na educação e formação, ser um catalizador do desenvolvimento

(humano). Este facto está evidentemente de acordo com visão que hoje em dia os

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Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?

principais pensadores e organizações assumem, sendo aquela alvo de um consenso

quase generalizado (veja-se, por exemplo, Banco Mundial, 2002, e, sobre Angola

em particular, Banco Mundial, 2006, e World Data on Education, 2006). O consenso é

tal que se reconhece ter sido o século XX aquele onde se apostou na educação, en-

quanto investimento em capital humano. Assim é porque, no fundo, se reconheceu

a importância e diversidade dos benefícios associados à educação.

Como é sabido, a educação traz benefícios individuais e sociais. Os benefícios

individuais podem ser medidos ao nível:

• da saúde,

• da produtividade,

• da redução da desigualdade na distribuição de rendimento,

enquanto os benefícios sociais podem ser medidos ao nível:

• da redução dos efeitos nefastos da pobreza,

• da contribuição para a democratização,4

• da promoção da paz e da estabilidade,

• do aumento das preocupações com as questões ambientais,

• do aumento da competitividade económica.

Em termos da competitividade económica, tal significa que as vantagens de um

determinado país passam a não ser tanto função da quantidade de recursos naturais

e do trabalho barato, mas do factor trabalho que, sendo melhor educado/formado,

pode aproveitar ao máximo, ou melhor, a tecnologia existente. Assim, um aumento

na produtividade poderá levar a um maior crescimento económico, em resultado de

aumentos no nível de educação.

A importância da educação reconhecida no século XX tem continuado a merecer

a devida atenção por parte de importantes organizações mundiais (veja-se UNESCO,

2005, United Nations Development Programme, 2008, e, sobre África em particular,

UNESCO, 2008). Por exemplo, de acordo com a UNESCO, os 4 pilares educacionais

para o século XXI deverão ser:

11111..... AprAprAprAprAprender a Serender a Serender a Serender a Serender a Ser. Esta competência pessoal tem que ver com o conhecimento de

si próprio, o qual permite criar uma identidade própria única enquanto base

4 Para uma análise do papel económico das eleições veja-se Caleiro (2007).

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António Caleiro

para um projecto de vida, ao longo da qual se deve continuar este tipo de

aprendizagem.

2.2.2.2.2. Aprender a Viver em ConjuntoAprender a Viver em ConjuntoAprender a Viver em ConjuntoAprender a Viver em ConjuntoAprender a Viver em Conjunto. Esta competência social tem que ver com o

desenvolvimento de atitudes e valores que permitam um relacionamento

positivo com os outros (familiares, amigos, colegas, etc.) e com o meio

ambiente (comunidade, cidade, país, etc.).

3.3.3.3.3. AprAprAprAprAprender a Fender a Fender a Fender a Fender a Fazerazerazerazerazer. Esta competência produtiva tem que ver com a capacidade

de criar e desenvolver transformações nas esferas ambiental, cultural, política

e económica, para que, por exemplo, se desenvolvam competências capazes

de enfrentar o mercado de trabalho.

4.4.4.4.4. AprAprAprAprAprender a Conhecerender a Conhecerender a Conhecerender a Conhecerender a Conhecer. Esta competência cognitiva tem que ver com o

reconhecimento de todo o conhecimento acerca de aprender a aprender

(‘learning to learn’), ensinar a ensinar (‘teaching to teach’) e conhecer como

conhecer (‘knowing to know’).

Conforme transparece daqueles 4 pilares educacionais, a educação é o pro-

cesso que permite transformar o potencial de cada pessoa em competências, sendo

assim fundamental no processo de desenvolvimento humano. Por exemplo, de acordo

com o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, o processo de desen-

volvimento humano passa por:

1. No campo da produtividade, o bem-estar da sociedade dever estar garantido

através do desenvolvimento económico.

2. No campo da equidade, o acesso a oportunidades iguais dever estar assegurado

a todos.

3. No campo da participação na tomada de decisão, dever estar assegurada a

todos a possibilidade de fazer escolhas informadas.

4. No campo da segurança, dever estarem assegurados os direitos civis

fundamentais como o direito à vida e à liberdade.

5. No campo da sustentabilidade, a equidade dever também estar garantida para

as gerações futuras.

A importância da educação para a sustentabilidade tem sido, de facto, bas-

tante realçada. Por exemplo, de acordo com McKeown (2002), a educação afecta a

sustentabilidade em pelo menos três dimensões:

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Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?

1. Na implementação de planos sustentáveis, ou seja aqueles que não compro-

metem os interesses das gerações futuras, o que se relaciona com o campo da

equidade, atrás referido.

2. Na tomada de decisão informada por parte dos cidadãos, o que se relaciona

com o campo da participação na tomada de decisão, atrás referido.

3. No aumento da qualidade de vida, resultante de um aumento no nível e,

sobretudo, qualidade da educação, o que se relaciona com o campo da

produtividade, atrás referido.

Assim, as 3 prioridades da educação para o desenvolvimento deverão ser:

1. Melhoramento da educação primária/básica, ou seja, aumento do número

de anos de escolaridade e, sobretudo, a sua qualidade. Claramente, só a exis-

tência de um nível de ensino básico, frequentado pelo maior número possí-

vel de alunos, aos quais é facultada uma formação de qualidade, permite o

‘abastecimento’ dos níveis de ensino subsequentes: secundário e terciário/

universitário.

2. Reorientar a educação existente em direcção a outras questões como a

sustentabilidade, até como forma de aquisição de competências individuais e

sociais que tenham em conta os interesses das gerações futuras. Em particular,

o desenvolvimento do treino na realização de determinadas tarefas pode ser

uma faceta a evidenciar.

3. Aumentar os níveis de compreensão e consciência pública em relação ao

papel fundamental da educação, ou seja, os cidadãos em geral devem, cada

vez mais, compreender e estar cientes da importância da educação.

3.3.3.3.3. O ponto de vista da literatura sobre as relações entre a educaçãoO ponto de vista da literatura sobre as relações entre a educaçãoO ponto de vista da literatura sobre as relações entre a educaçãoO ponto de vista da literatura sobre as relações entre a educaçãoO ponto de vista da literatura sobre as relações entre a educação

e o desenvolvimento (económico)e o desenvolvimento (económico)e o desenvolvimento (económico)e o desenvolvimento (económico)e o desenvolvimento (económico)

A importância da educação do ponto de vista económico é um tema que

(curiosamente) começou a ser analisado há mais tempo do que se possa, eventual-

mente, julgar. Já em 1930, o economista norte-americano, Harold F. Clark publicou

um estudo intitulado “Economic Effects of Education”. Desde lá até hoje a litera-

tura sobre o tema tornou-se extensíssima, e, por isso, impossível de ser cabalmente

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analisada, mesmo que de uma forma sumária. Ainda assim gostaríamos de salientar

alguns estudos com particular relevância para a aplicação empírica que se segue.

Em meados da década de 70, o galardoado pelo prémio Nobel da Economia,

Gary Becker, chamou a atenção para a importância económica da educação, enquanto

investimento em capital humano (veja-se Becker, 1975).5 Pelas características par-

ticulares da educação, colocou-se desde logo a questão da dificuldade associada à

medição dos benefícios (privados e sociais) da mesma, até porque tal medição seria

necessária para resolver questões de financiamento (público) da educação.

Na verdade, a produção de educação, como de qualquer outro bem, envolveria

a utilização de inputs (de maneira óptima), de forma a produzir um determinado

output (veja-se, entre outros, Waltenberg, 2006). Assim, em educação torna-se relevante

perceber:

1. Quais são os inputs e como medi-los?

2. Quais são os outputs e como medi-los?

3. Como combinar, de forma óptima, aqueles inputs?

4. Como pode o Governo intervir neste processo?

Independentemente da dificuldade na quantificação das respostas às questões

anteriores, o financiamento ou o fornecimento público da educação justifica-se pelo

facto de os benefícios sociais da educação serem superiores aos benefícios privados,

dadas as externalidades positivas associadas à educação. Neste caso, como é sabido,

pela comparação entre os benefícios e custos privados da educação, cada indivíduo

decidiria por um nível de educação inferior ao socialmente óptimo, já que estariam a

ser ignorados os benefícios auferidos pelos restantes membros da sociedade. Este

facto pode ser corrigido, precisamente, através do financiamento ou fornecimento

público da educação, ou mesmo imposição de um limiar mínimo de educação como,

por exemplo, a fixação de um nível de escolaridade obrigatória.

No que diz respeito aos benefícios individuais da educação, estes são, de um

modo geral, relativamente bem conhecidos, nomeadamente ao nível dos estudos de

Economia do Trabalho. Neste campo, por exemplo, a educação é um elemento

fundamental no crescimento económico por via da produtividade do trabalho. Este

5 É curioso notar que nesse mesmo ano o NBER publicou um volume sobre as relações entre aeducação, o rendimento e o comportamento humano (veja-se Juster, 1975).

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Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?

aumento da produtividade, quando acompanhado de aumentos de salários, resulta

em acréscimos no nível de vida, não só por via da redução da pobreza mas também

pela melhoria na facilidade de acesso aos cuidados de saúde, daí resultando um

acréscimo na esperança de vida. Note-se que, implicitamente, se está a assumir um

impacto directo da educação sobre variáveis económicas, existindo subsequentemente

impactos indirectos ao nível, por exemplo, do aumento da esperança de vida (ou mesmo

da redução da fecundidade, associada sobretudo ao aumento do nível educacional

feminino).6

No que diz respeito aos benefícios sociais, a educação, sendo um aumento no

capital humano, é também importante na formação de capital social, o qual, apa-

rentemente, tem um efeito positivo sobre o crescimento económico (veja-se, entre

outros, Temple, 2001, e Topel, 2004).

Pelas suas características, existem uma série de questões particulares associadas

à educação. Por exemplo, para os países desenvolvidos, de acordo com alguns autores,

parece não existir uma correlação evidente entre o nível de educação e o nível de

produto (PIB).7 Mas quando a qualidade da educação é tida em conta, já se verifica

essa correlação, de natureza positiva. Naturalmente, uma política de aumento do

nível de educação sem se preocupar com questões de qualidade é menos eficiente do

ponto de vista da geração de riqueza.

Na tradição do modelo de crescimento de Solow (1957), o factor humano seria

considerado a nível residual, sendo explicitamente considerado por Uzawa (1965) e

ainda mais por Lucas (1988). Em qualquer dos casos, um aumento no nível educacional

deveria associar-se a um aumento no nível de produto (veja-se Dickens et al., 2006). Os

modelos de crescimento endógeno baseados em I&D à la Romer (1990) enfatizam

também o nível de capital humano (veja-se Temple, 2001, para uma análise mais

completa).

Para além daquele facto, os diferentes níveis de educação são também im-

portantes. Hoje em dia, torna-se cada vez mais importante a educação pré-escolar

(veja-se Dickens et al., 2006). Os ensinos básico e secundário são aqueles onde o

6 Para uma análise das relações entre o nível de escolaridade e a fecundidade, veja-se, entreoutros, Sarkar (2006), para o caso da Índia onde se mostra que o aumento da literacia seassocia a uma diminuição da fecundidade, e Rego et al. (2006), para o caso de Portugal.

7 Para os países em (vias de) desenvolvimento, Babatunde & Adebafi (2005), Barros & Mendonça(1997), e Morapedi (2002), são referências de interesse na matéria.

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António Caleiro

financiamento da qualidade é mais discutível. O ensino superior levanta questões de

financiamento que alguns justificam pelo facto de os graduados serem geralmente

melhor remunerados logo pagadores de maiores impostos, o que significa um

financiamento a posteriori dos seus estudos. (veja-se, por exemplo, Rizzo, 2004).

4. Que tipo de relação existe a educação e o desenvolvimento?4. Que tipo de relação existe a educação e o desenvolvimento?4. Que tipo de relação existe a educação e o desenvolvimento?4. Que tipo de relação existe a educação e o desenvolvimento?4. Que tipo de relação existe a educação e o desenvolvimento?

Do que atrás foi dito parece realçar o facto de se esperar que a educação se

relacione positivamente com o nível de riqueza de um país, medido por um indicador

económico como o PIB, assim como com um nível de vida, medido por um indicador

de saúde, como a esperança de vida. De facto, o indicador de desenvolvimento

(humano) mais considerado, admite que este resulta de uma média ponderada

dos aspectos económicos, medidos pelo PIB, dos aspectos de saúde, medidos pela

esperança de vida, e dos aspectos educacionais medidos por um índice de educação.

Deste ponto de vista, associa-se, naturalmente, um país mais desenvolvido a um que

disponha de um maior nível de educação.

Considerando o ano mais recente para os quais se dispõe de observações, a

figura 1 apresenta a representação gráfica dos índices do PIB, de educação e de

Fig. 1 ––––– As componentes do IDH em 2005

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Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?

esperança de vida para um total de 177 países (consulte-se o anexo para todos os

detalhes), os quais servem de cálculo ao, bem conhecido, Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH), apurado pela Nações Unidas.

Conforme parece ser evidente, existe uma aparente relação directa entre as três

componentes do IDH, sendo certo que a volatilidade nas mesmas aumenta à medida

que o valor do IDH aumenta. Deste ponto de vista, é interessante verificar que usando

a partição oficial, i.e. a das Nações Unidas, dos países em três grupos: Desenvolvimento

Elevado, Médio e Baixo, as correlações entre aquelas três componentes são bastante

díspares, conforme se mostra nas tabelas 1, 2 e 3.

Tabela 1 – Matriz de correlações

Tabela 2 – Matriz de correlações

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António Caleiro

Tabela 3 – Matriz de correlações

No que aos países de desenvolvimento humano baixo diz respeito, a existência

de uma correlação negativa entre os níveis de educação e os índices de riqueza

económica e de saúde parece ser um paradoxo. Assim, decidimos não considerar a

partição oficial naqueles três grupos e determinar clusters de acordo com a metodologia

julgada adequada.

Querendo manter alguma homogeneidade, decidiu-se por determinar também

três clusters, recorrendo à metodologia k-médias. Apresentam-se de seguida os

resultados obtidos:8

Centros Iniciais dos Clusters

8 Os resultados foram obtidos utilizando o SPSS 15.0.

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Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?

Centros Finais dos Clusters

Conforme é evidente, os clusters 1, 2 e 3 podem associar-se, respectivamente, aos

grupos de países de médio (71 países), elevado (56 países) e baixo (50 países)

desenvolvimento. Para além deste facto, a análise da posição relativa dos centros

finais dos clusters – sendo certo que poderão existir excepções, em termos individuais,

(veja-se o dendograma em anexo) – revelam que, efectivamente, as três compo-

nentes do desenvolvimento humano se encontram positivamente correlacionadas. A

comprovar este facto, consulte-se a figura 2.

Fig. 2 ––––– Os clusters em função da esperança de vida, educação e PIB

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António Caleiro

5. Conclusão5. Conclusão5. Conclusão5. Conclusão5. Conclusão

A principal conclusão deste trabalho é a de que, também para os países em (vias

de) desenvolvimento, a educação, por si só, ou seja, em termos directos, contribui

para o desenvolvimento e que, em termos indirectos, ou seja, por via da sua influência

sobre as condições de saúde e as condições económicas, tal também acontece, mesmo

para os países em vias de desenvolvimento – ao contrário do que os dados parecem

revelar à partida.

Este é um trabalho assumidamente simples, o qual pode, não necessariamente

por isso, ser completado em análises posteriores. Uma possível via de análise prende-

se com o nexo de causalidade entre a educação e o desenvolvimento, de acordo com

os níveis de educação. A aposta nos ensinos básico e secundário parece-nos

fundamental, até do ponto de vista da sustentabilidade do ensino terciário, enquanto

geradora de efeitos sobre o desenvolvimento. Este, por sua vez, pode ser potenciador,

de apostas no ensino terciário, completando, desta forma o ‘círculo virtuoso’ na

interacção, que se deseja positiva, entre a educação e o desenvolvimento. No caso dos

países em (vias de) desenvolvimento, as dificuldades em explorar as vantagens daquela

interacção são, por natureza, maiores, mas serão também maiores os ganhos relativos

do esforço colocado no investimento em capital humano, enquanto objectivo de

uma política de educação.

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