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Educação de crianças em creches ISSN 1982 - 0283 Ano XIX – Nº 15 – Outubro/2009 Ministério da Educação Secretaria de Educação a Distância

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  • Educao de crianasem creches

    ISSN 1982 - 0283

    Ano XIX N 15 Outubro/2009

    Ministrio daEducao

    Secretariade Educao a Distncia

  • SUMRIO

    Educao dE crianas Em crEchEs

    Aos professores e professoras ................................................................................... 3

    Rosa Helena Mendona

    Apresentao da srie Educao de crianas em creches ............................................. 5

    Ana Paula Soares da Silva e Rosa Virgnia Pantoni

    Texto 1 Histria e concepes do atendimento em creches ..................................17

    A surpreendente descoberta: quem e o que pode aprender uma criana de at trs anos

    Maria Isabel Pedrosa

    Texto 2 Desenvolvimento da criana de 0 a 3 anos .............................................. 25

    Qual currculo para bebs e crianas bem pequenas?

    Maria Carmen Silveira Barbosa e Sandra Regina Simonis Richter

    Texto 3 Orientaes curriculares e propostas pedaggicas ................................. 32

    Formao de professores e apropriao de modos historicamente elaborados de pensar,

    sentir e agir na educao infantil

    Zilma de Moraes Ramos de Oliveira

  • 3Educao dE crianas Em crEchEs

    Aos professores e professoras,

    () como tem sido organizado o cotidiano das crianas nas instituies de educao

    infantil? Em que medida as crianas pequenas participam das rotinas, alteram e trans-

    formam as regras, os tempos e espaos institudos? Que espaos e tempos se abrem para

    as manifestaes infantis, consideradas as diferenas que existem entre as crianas das

    diferentes faixas etrias da educao infantil? Os professores exercem uma escuta sen-

    svel e um olhar atento a essas manifestaes? Quais so as prticas culturais que as

    crianas vivenciam nessas instituies? Que elaboraes acontecem entre as culturas

    das crianas, as culturas dos adultos, as culturas infantis e institucionais? O que as

    crianas produzem nas aes e interaes que ali ocorrem? Qual o lugar da brincadei-

    ra e das diferentes linguagens e expresses artstico-culturais das crianas?(2009:10)1.

    Esses questionamentos feitos por Patrcia

    Corsino fazem parte da introduo do livro

    que inclui textos produzidos para a srie O

    cotidiano na Educao Infantil (2006)2.

    A temtica da educao infantil retorna ago-

    ra grade do programa, desta vez com nfa-

    se na educao das crianas de 0 a 3 anos de

    idade no contexto da creche.

    Certamente, nessa nova srie, estaremos re-

    tomando algumas dessas indagaes e apre-

    sentando outras, nesse momento to signi-

    ficativo do debate em relao s cheches,

    instituies que so dever do Estado, direito

    das crianas e opo das famlias, e que, fi-

    nalmente, foram incorporadas aos sistemas

    de ensino.

    A srie Educao de crianas em creches con-

    ta com a consultoria de Ana Paula Soares da

    Silva (CINDEDI/USP) e Rosa Virgnia Pantoni

    (COSEAS/USP), e apresenta aspectos hist-

    ricos e concepes de infncia e do traba-

    lho nas creches. Dessa forma, o programa

    Salto para o Futuro, da TV Escola, pretende

    contribuir para a formao de professores,

    educadores e gestores que atuam cotidiana-

    mente nas creches, a partir dos textos desta

    publicao e das experincias e entrevistas

    1 CORSINO, Patrcia (org.) . Educao infantil: cotidiano e polticas. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.

    2 Ver em www.tvbrasil.org.br/salto.

  • 4que fazem parte dos programas televisivos.

    A poesia da infncia, certamente, envolve-

    r a todos que participarem da srie. Assim,

    deixamos aqui o Convite, expresso no poe-

    ma de Jos Paulo Paes3:

    3 PAES, Jos Paulo. Poemas para Brincar. So Paulo: tica, 1990.

    4 Supervisora pedaggica do programa Salto para o Futuro/TV Escola.

    Rosa Helena Mendona4

  • 5APRESENTAO

    Educao dE crianas Em crEchEs

    Ana Paula Soares da Silva1

    Rosa Virgnia Pantoni2

    Um ambiente espaoso, atraente, almofa-

    das, obstculos macios e seguros, tneis

    de tecidos e caixas de papelo, espelhos no

    rodap da sala, cantinhos aconchegantes, li-

    vros e brinquedos, mbiles, canaletas para

    brincadeiras com gua, painis de azulejos

    para pintura, objetos e materiais de diferen-

    tes texturas, cheiros e cores... Nesse espao,

    organizam-se tempos e atividades para aco-

    lher e educar crianas de 0 a 3 anos de idade.

    Esse espao: a creche!

    H poucas dcadas, era impossvel pensar na

    creche como um ambiente assim. Eram prin-

    cipalmente os beros que tomavam conta de

    toda a sala. No que eles no sejam neces-

    srios, mas seus lugares e a centralidade na

    creche foram aos poucos sendo dimensiona-

    dos frente s novas concepes de criana

    e de educao coletiva de bebs e crianas

    bem pequenas em espaos coletivos.

    No senso comum ou nos meios acadmicos,

    essa nova concepo pautada pelo olhar

    para as capacidades interativas do beb,

    para o direito de exercer a sua expressivida-

    de como sujeito que age no mundo, contra-

    riamente ao entendimento do beb a partir

    da falta e de sua incompletude.

    So exatamente os estudos das formas

    como os bebs constroem conhecimento e

    interagem com os outros que tm contribu-

    do para as novas construes sobre as suas

    competncias e habilidades interacionais,

    fsicas e cognitivas. Durante muito tempo,

    as formas de comunicao dos bebs, mar-

    cadas pela expressividade corporal e moto-

    ra, foram negligenciadas, orientando aes

    no interior das instituies que reforavam

    uma suposta incapacidade relacional dos

    bebs com o mundo fsico e social. Essas

    concepes, junto com as ideias de creche

    como mal necessrio e da famlia como

    nico espao adequado para a educao da

    criana bem pequena, formavam um terre-

    1 Centro de Investigaes sobre Desenvolvimento Humano e Educao Infantil (CINDEDI / FFCLRP-USP). Consultora da srie.

    2 Creche Carochinha COSEAS-USP. Consultora da srie.

  • 6no frtil para prticas que tambm ajuda-

    vam a constituir um beb pouco ativo. A

    nova concepo de criana e o olhar para

    os processos comunicativos e interacionais

    dos bebs tm emergido dos estudos que

    revelam a sensibilidade dos bebs s mani-

    festaes afetivas e estticas do seu meio

    cultural, assim como o compartilhamento

    da emoo e ateno desde cedo nas rela-

    es interpessoais e a capacidade de inte-

    ragir com o outro por meio dos recursos de

    que dispem. Essas ideias romperam com

    uma concepo da infncia como uma fase

    marcada pela negatividade, pelo vir a ser. O

    beb passou a ser compreendido como um

    sujeito que agora, inteiro.

    Essa inteireza do beb no significa, contu-

    do, independncia do adulto e de seu meio.

    Ao contrrio, como nos ensina o mdico,

    psiclogo e filsofo francs Henri Wallon,

    o beb humano biologicamente social,

    ou seja, necessita do outro para sobreviver,

    para movimentar-se, para interagir com o

    mundo, para discriminar e descrever cores

    e sons, sabores e cheiros, para pegar e ro-

    lar, para narrar e significar o mundo, enfim,

    para construir sua identidade pessoal e co-

    letiva. Essa construo de identidade neces-

    sariamente s pode ser compreendida como

    um empreendimento relacional e coletivo,

    dependente principalmente do outro e da

    mediao que esse outro faz da relao da

    criana consigo mesma, com o mundo, com

    a cultura.

    Na creche, essa viso passa a disputar com

    formas tradicionais de educar e cuidar os

    bebs e nos remete a novos modos de orga-

    nizao dos ambientes, de rotinas, de intera-

    o com as crianas pequenas. O ambiente

    de aprendizagem favorvel emerge quando

    o professor sensvel s potencialidades in-

    terativas das crianas, s suas falas, aos bal-

    bucios, aos gestos, s movimentaes e aos

    modos como se relacionam com o mundo,

    exigindo-lhe que esteja atento s melhores

    formas de organizao do tempo e ativida-

    des para a promoo dessas situaes. Essa

    atitude faz da mediao cultural exercida

    pelo professor um processo que potenciali-

    za a condio da criana como sujeito. Essa

    atitude ajuda a construir a criana ativa,

    que investiga, pesquisa, interroga, pergunta,

    reclama, incomoda-se com os desafios co-

    locados pelo ambiente e intencionalmente

    escolhidos pelo professor. Nesse processo,

    novos recursos vo sendo construdos. O

    professor tem o poder de organizar para as

    crianas vivncias ao longo de todo o dia;

    vivncias com o mundo fsico e sensorial;

    vivncias com o ambiente social. A dispo-

    sio dos mveis, os objetos escolhidos, as

    possibilidades de movimentao da criana,

    os modos de relao com o corpo da crian-

    a, os tipos de materiais disponibilizados, a

    organizao dos tempos no interior das cre-

    ches, os momentos de acolhida, as formas

    de relacionamento com processos de adoe-

    cimento, a quantidade, a qualidade e varie-

    dade de experincias oferecidas, as formas

  • 7de comunicao com a criana, os modos

    de acolhimento das demandas das crian-

    as, a disposio para estar com a criana,

    escut-la e ser continente s suas necessi-

    dades constituem sempre aes orientadas

    por concepes e formadoras de subjetivi-

    dades. por meio das prticas sociais e ins-

    titucionais que as crianas compreendem

    o mundo e a si mesmas. Por isso, o profes-

    sor chamado a pensar sua prtica numa

    perspectiva crtico-reflexiva, que lhe fornea

    elementos para o trabalho cotidiano de co-

    nhecimento dos sujeitos que se formam por

    meio de suas aes.

    Nesse modelo contemporneo da educao

    infantil, a creche ento concebida e valori-

    zada por sua funo formadora das crianas

    como sujeitos histricos e culturais. Esse

    modelo ganha fora quando os professores

    passam a ser considerados como impor-

    tante apoio relacional e afetivo e como me-

    diadores de relaes significativas para as

    crianas, e tambm com o crescimento da

    conscincia de que, embora compartilhem a

    educao das crianas com os membros da

    famlia, exercem funes diferentes destes.

    A ampliao do entendimento acerca do pa-

    pel peculiar da creche em relao a outros

    contextos de educao da criana aponta

    assim para um modelo que profissionaliza

    suas prticas. Essa funo formadora de

    sujeitos histricos e culturais tambm se

    verifica na valorizao atual das aprendiza-

    gens que ocorrem nas relaes estabeleci-

    das entre as crianas. Organizam-se tempos

    e atividades que promovem a interao das

    crianas de mesma idade, assim como de

    crianas de idades diferentes, gerando opor-

    tunidades interativas complexas. No caso da

    interao entre os coetneos, por exemplo,

    as crianas exercem e constroem a capaci-

    dade de negociar em posies homogne-

    as e menos hierarquizadas do que aquelas

    estabelecidas nas interaes entre adultos

    e crianas. Hoje estamos convencidos de

    que essas oportunidades constroem as ca-

    pacidades das crianas de criar estratgias e

    posies em relao ao comportamento dos

    parceiros.

    Ao longo dos ltimos anos, tem crescido a

    conscincia coletiva acerca das necessida-

    des educativas das crianas de 0 a 3 anos e

    as creches tm se consolidado como tempo/

    espao construdo culturalmente para pos-

    sibilitar a ampliao das experincias assim

    como o desenvolvimento das potencialida-

    des cognitivas, estticas, sociais e relacio-

    nais da criana em grupo.

    Nesse contexto, essas construes e concep-

    es tm necessariamente chamado as insti-

    tuies a consolidarem a identidade da edu-

    cao de crianas em creche, a conhecerem

    profundamente o seu trabalho, a distingui-lo

    das prticas educativas em contextos familia-

    res, no coletivos ou no-formais de educa-

    o, a desenharem a sua especificidade. Mi-

    litantes e pesquisadores da educao infantil

  • 8vm insistentemente recorrendo defesa da

    especificidade do processo educativo nesse

    momento de insero das crianas em insti-

    tuies educacionais. Reivindica-se tal especi-

    ficidade com base em estudos sobre infncia

    a partir de diferentes campos de saber, como

    a psicologia, a sociologia, a pediatria, a enfer-

    magem, a lingustica, a filosofia e as artes. Se

    o contexto da educao infantil possui essa

    especificidade no seu conjunto, que a distin-

    gue da educao realizada na famlia ou no

    ensino fundamental, ela se torna ainda mais

    evidente no caso das crianas bem pequenas.

    O momento da insero da criana na cultu-

    ra caracteriza-se de modo bastante peculiar e

    as creches so instrumentos sociais criados

    com a funo atual de compartilhar com a

    famlia esse processo. Controlar os esfncte-

    res, andar, falar, alimentar-se, relacionar-se

    com o prprio corpo, cuidar de si, construir

    vnculos afetivos, negociar papis e posies

    sociais, negociar objetos, brincar, partilhar

    experincias e emoes com adultos e crian-

    as fora do crculo familiar, enfim, dominar

    os signos da cultura, so aprendizagens que,

    mediadas de modo competente, contribuem

    para que a educao infantil cumpra a sua

    funo de promoo do desenvolvimento in-

    tegral da criana.

    inegvel que, apesar dos avanos, so ne-

    cessrios estudos que forneam elementos

    para orientar a educao coletiva de crian-

    as to pequenas. Junto com a ampliao

    das matrculas, a construo de orientaes

    curriculares para o trabalho com a crian-

    a de 0 a 3 anos de idade vem se revelan-

    do como um dos maiores desafios dos sis-

    temas de ensino. Se a histria da poltica e

    do financiamento da rea resultou em grave

    dficit de vagas e problemas para o atendi-

    mento da demanda, no menos complexos

    so os problemas a serem enfrentados no

    mbito da organizao das atividades e do

    tempo e da elaborao e efetivao de pro-

    postas pedaggicas para a educao coletiva

    de crianas to pequenas. Apesar da existn-

    cia de alguns centros nacionais de pesqui-

    sa que vm acumulando conhecimento na

    rea, ainda so poucos os estudos que tra-

    tam principalmente das prticas e propos-

    tas pedaggicas para essa faixa etria. Essa

    carncia de estudos, por um lado, revela o

    quanto a educao vem demorando para in-

    corporar a creche como objeto de investiga-

    o e, por outro, atesta a necessidade de que

    o campo evidencie seus saberes construdos

    a partir da experincia. Ademais, a carncia

    de estudos nos fala tambm do status que

    atribumos s crianas de 0 a 3 anos de ida-

    de no pas. Essa ausncia indica o no reco-

    nhecimento dessas crianas como sujeitos

    de direitos e como atores sociais.

    Urgente ainda se faz estabelecer meios e ins-

    trumentos para interlocues entre as institui-

    es, de modo a produzir uma rede social de

    trocas de experincias exitosas daquelas prti-

    cas que cotidianamente so desenvolvidas nas

    creches e que, inventivamente, superam for-

  • 9mas historicamente construdas de educao

    dos bebs e de crianas bem pequenas.

    So essas prticas que vm consolidando as

    creches no dilogo que a rea busca estabele-

    cer com os profissionais das outras etapas da

    educao bsica que, muitas vezes, em virtu-

    de de uma srie de fatores, no reconhecem,

    no interior das creches, aes educativas pro-

    fissionalizadas. A vinculao institucional das

    creches aos rgos de assistncia, at meados

    dos anos 90, no requeria da Educao esfor-

    os no sentido da apropriao de temas espec-

    ficos da criana bem pequena e repercutiu na

    ausncia dessa temtica em grande parte dos

    cursos de formao de professores. Essa uma

    questo que, se no impede, ao menos dificul-

    ta o dilogo entre os diferentes segmentos que

    compem os sistemas de ensino. Tambm so

    essas prticas pedaggicas que contribuem

    para os debates que vm sendo feitos na rea

    e que apontam para a recorrente invisibilida-

    de das crianas de 0 a 3 anos, seja nos estudos

    cientficos, na elaborao da agenda poltica

    ou na mdia. Essas prticas, afinadas aos de-

    safios impostos pela LDB, superam o modelo

    tradicional marcado pela precariedade na po-

    ltica e nas condies concretas no interior

    das instituies, orientado pela perspectiva

    da necessidade e pouco comprometido com a

    perspectiva dos direitos, seja das famlias seja

    das crianas. Essas prticas criativas e de boa

    qualidade colaboram para construir um novo

    quadro na educao de crianas em creche no

    pas, um novo momento histrico caracteriza-

    do pela busca de consolidao das creches no

    sistema de ensino, por um conjunto de regula-

    mentaes que orientam as polticas, os pro-

    gramas e as prticas cotidianas nas creches,

    assim como por referenciais terico-prticos

    que vm ganhando corpo na produo do co-

    nhecimento da rea.

    TExTos da sriE Educao dE crianas Em crEchEs3

    A srie pretende abordar o tema da educao

    das crianas de 0 a 3 anos de idade no contex-

    to da creche, apresentando o quadro atual em

    que esta rea vem se constituindo na etapa da

    educao infantil. A especificidade deste traba-

    lho tem sido defendida com base em estudos

    sobre a infncia a partir de diferentes campos

    de saber, como a psicologia, a sociologia, a pe-

    diatria, a enfermagem, a lingustica, a filosofia

    e as artes. O momento de insero da criana

    na cultura tem caractersticas bastante pecu-

    liares e as creches so instrumentos sociais

    criados com este objetivo, de forma que a edu-

    cao infantil possa cumprir a sua funo le-

    galmente estabelecida: a promoo do desen-

    volvimento integral da criana.

    3 Estes textos so complementares srie Educao de crianas em creches, que ser veiculada no programa Salto para o Futuro/TV Escola (MEC) de 26 a 30 de outubro de 2009.

  • 10

    TEXTO 1 - HISTRIA E CONCEPES DO ATENDIMENTO EM CRECHESA surpreendente descoberta: quem e o que pode aprender uma criana de at trs anos

    As concepes sobre infncia e o olhar so-

    bre como a criana se desenvolve e aprende

    mudaram bastante nos ltimos anos. Estas

    mudanas ocorreram em grande parte por

    exigncias sociais que transformaram os pa-

    pis sociais dos homens e mulheres e, conse-

    quentemente, fizeram emergir instituies

    que compartilham com as famlias a edu-

    cao das crianas pequenas em ambientes

    coletivos. Estas novas prticas tambm fo-

    ram acompanhadas de novas maneiras de

    se estudar a criana por parte de estudiosos

    de diferentes reas. Os estudos atuais tm

    mostrado que os bebs apresentam um re-

    pertrio sofisticado para interagir com o ou-

    tro (parceiro adulto ou criana), sendo esta

    interao social um fator de grande impor-

    tncia para o desenvolvimento e aprendiza-

    gem dos mesmos. Dentre as muitas aprendi-

    zagens e aquisies que ocorrem nas e pelas

    interaes merece destaque o que se deno-

    mina de construo da subjetividade, que se

    constitui e ao mesmo tempo constituda

    por um processo chamado de intersubjeti-

    vidade. Este processo envolve regulaes so-

    cioafetivas nas quais os adultos vo signifi-

    cando os gestos, vocalizaes e as falas dos

    bebs; envolve tambm a identificao (ser

    como o outro) e a diferenciao, onde ocor-

    re uma oposio ao outro. Assim, a criana

    vai aprendendo sobre si mesma e sobre os

    outros, podendo assim constituir-se em su-

    jeito singular e construir sua autoimagem.

    Ao longo dos trs primeiros anos de vida,

    a criana passa por transformaes mui-

    to rpidas e contnuas. Alm de aprender a

    sentar, engatinhar, ficar de p, andar ocor-

    re uma das grandes aquisies que o sur-

    gimento da fala, atravs da qual a criana

    compartilha tpicos de brincadeira e expres-

    sa suas emoes e sentimentos para o ou-

    tro. Inicialmente, com vocalizaes no to

    inteligveis em que a inteno comunicativa

    acaba ficando subentendida, aos poucos a

    fala emerge nas interaes sociais das crian-

    as como constituio do pensamento e

    possibilita um salto no que se refere s pos-

    sibilidades de trocas, significaes e apren-

    dizagens no contato com os outros, adultos

    e crianas.

    Observando os processos interacionais de be-

    bs e crianas, podemos constatar o quanto o

    brincar se faz presente, sendo uma atividade

    de alta prioridade para eles. Existe um con-

    senso entre os estudiosos da infncia de que

    fundamental que a criana brinque para poder

    aprender e se desenvolver. Compreender, en-

    to, porque a criana brinca, como ela brinca

    e as complexas relaes entre o brincar e os

    processos de desenvolvimento e aprendizagem

    se mostra um instrumento para promovermos

    interaes de qualidade no cotidiano das crian-

  • 11

    as. O olhar atento dos adultos para os proces-

    sos interacionais que se constituem nestes

    brincares fundamental para pensarmos as

    aes a serem desenvolvidas no cotidiano das

    creches. Refletir sistematicamente sobre os

    diversos aspectos que se fazem presentes nes-

    tas interaes, como, por exemplo: que obje-

    tos dispor para as crianas, em quais espaos,

    que aes realizar, as formas como podemos

    nos relacionar (um olhar, um gesto, um toque,

    uma fala...), as maneiras como as acolhemos

    e as desafiamos para as inmeras conquistas

    que podem acontecer nos seus primeiros anos

    de vida, tudo isto deve ser um compromisso

    de todos os professores que trabalham nas cre-

    ches.

    TEXTO 2 DESENVOLVIMENTO DA CRIANA DE 0 A 3 ANOSQual currculo para bebs e crianas bem pequenas?

    Apesar da grande importncia que o tema

    currculo ou orientaes curriculares assu-

    me quando se discutem os processos educa-

    tivos, estes ainda so bastante controversos,

    especialmente no que se refere aos conte-

    dos a serem oferecidos nas instituies es-

    colares. Quando se trata de propostas curri-

    culares que abordam a educao de bebs e

    crianas muito pequenas, esta discusso se

    torna ainda mais complexa, pois preciso

    lidar no apenas com diferenas de concep-

    es, mas com a falta de pesquisa, estudos

    e publicaes que abordam diretamente a

    organizao curricular nas creches. Como

    pensar esta organizao? Pensamos ser fun-

    damental, nesta discusso, considerar no

    somente a incorporao das novas concep-

    es sobre criana e infncia, em que se des-

    taca a ideia de sujeitos de direitos e o papel

    ativo que os bebs exercem no seu processo

    de desenvolvimento, mas tambm as espe-

    cificidades da educao infantil. Considerar

    que as demandas deste segmento educacio-

    nal possuem especificidades implica pensar

    em um currculo sustentado nas relaes,

    nas interaes e em prticas educativas

    intencionalmente voltadas para as experi-

    ncias concretas da vida cotidiana, para a

    aprendizagem da cultura pelo convvio no

    espao coletivo, no qual os professores pro-

    movem vivncias que ampliam os potenciais

    cognitivos, afetivos e sociais, considerando

    as diferentes linguagens que compem os

    processos comunicativos e a maneira como

    as crianas significam suas experincias.

    Pensar as orientaes curriculares nessa

    perspectiva implica problematizar as con-

    cepes que apontam para a ideia de cur-

    rculo como sendo o conjunto de objetivos

    educacionais previamente determinados a

    serem alcanados por meio de reas disci-

    plinares, nos quais os conhecimentos cien-

    tficos so destacados em detrimento de

    saberes cotidianos. Essa viso implica a mu-

    dana da concepo de aprendizagem como

  • 12

    aquisio e acumulao para uma concep-

    o de aprendizagem como um processo de

    narrao em que o foco de ateno se colo-

    ca nas prticas sociais que ocorrem no coti-

    diano das instituies educativas. Organizar

    um currculo para e com os bebs e crianas

    pequenas implica a articulao entre sabe-

    res de distintas ordens.

    TEXTO 3 ORIENTAES CURRICULARES E PROPOSTAS PEDAGGICAS

    Formao de professores e apropriao de modos historicamente elaborados de pensar, sentir e

    agir na educao infantil

    Podemos dizer que, em termos histricos,

    recente a incorporao da Educao Infantil

    no mbito educacional. Essa novidade gera

    uma srie de debates sobre qual a identida-

    de e qual a funo deste segmento educa-

    cional. Estas discusses tambm envolvem

    uma reflexo sobre qual o perfil e quais as

    competncias que os professores precisam

    desenvolver para melhor atender s necessi-

    dades e aos desafios colocados pelo atendi-

    mento de crianas to pequenas em espaos

    coletivos.

    Para a definio deste perfil, o debate acu-

    mulado na rea tem trazido a necessidade

    de pensarmos o cuidar e o educar como di-

    menses indissociveis de todas as aes do

    professor de Educao Infantil, em especial

    dos que atuam nas creches. Mas como incor-

    porar esta dimenso nos cursos de formao

    inicial e continuada destes profissionais? Isto

    implica necessariamente uma reviso e refle-

    xo sobre o que se entende por ensino neste

    mbito educacional e no desafio de conciliar

    teorias e prticas pedaggicas.

    Os programas de formao docente para Edu-

    cao Infantil hoje tm como importante ta-

    refa ajudar os professores a sarem do lugar

    de mudana de discursos para mudana de

    procedimentos e atitudes. Para tanto, preci-

    so incorporar aos processos formativos uma

    articulao entre os aspectos polticos do tra-

    balho educacional e as discusses sobre as

    formas mais eficientes de ao pedaggica, de

    maneira a ajudar os professores a construrem

    seus conhecimentos a partir da apropriao e

    de reflexo de novas formas de trabalhar com

    as crianas. Desta maneira, os programas de

    formao precisam contemplar situaes para

    que os professores construam e visualizem o

    papel poltico da sua atuao, tenham opor-

    tunidades para se apropriarem de conceitos e

    habilidades para uma atuao promotora de

    aprendizagem e desenvolvimento e participem

    de situaes em que possam ser incentivados a

    examinarem o modo como agem e reagem nas

    interaes que estabelecem com as crianas,

    famlias e coletivo de profissionais no interior

    das instituies educacionais. Podemos dizer

    que o grande desafio da formao de profes-

  • 13

    sores se coloca na possibilidade de ajud-los a

    se assumirem como protagonistas de seus pro-

    cessos de crescimento profissional e pessoal.

    Os textos 1, 2 e 3 tambm so referenciais para

    o quarto programa, com entrevistas que refle-

    tem sobre esta temtica (Outros olhares sobre a

    Educao de crianas em creches) e para as dis-

    cusses do quinto e ltimo programa da srie

    (Educao de crianas em creches em debate).

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    PUC RS. Editora Artes Mdicas Sul.

    Email: [email protected]

    Revista Criana. Publicada pelo MEC

    (distribuio gratuita).

    Revista Mente e Crebro Srie: A

    Mente do Beb. Composta por 4 edi-

    es especiais. Editada pela Ediouro,

    Segmento - Duetto Editorial LTDA., So

    Paulo, SP.

    Revista Eletrnica Zero a Seis Edita-

    da pelo Ncleo de Estudos e Pesqui-

    sas da Educao na Pequena Infncia

    Centro de Cincias da Educao

    UFSC. Eletrnica http://www.ced.ufsc.

    br/~zeroseis/

    Nmero Especial da Revista Psicologia

    da USP: Um olhar multidisciplinar so-

    bre as crianas de 0 a 3 anos: pistas e

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    mero 20, vol. 3, 2009

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    Beb interage com Beb? Vdeo reali-

    zado pelo CINDEDI (FFCLRP/USP).

    Programa Canto na Tela. Vdeos reali-

    zados pelo CINDEDI (FFCLRP/USP) e

    Creche Carochinha/COSEAS-USP: 1) O

    fazer do bb; 2) Processos de adapta-

    o na Creche; 3) Nanando na Creche;

    4) O lobo que virou bolo: prticas edu-

    cativas alimentares; 5) O conto que as

    caixas contam; 6) Ambiente; 7) Fazen-

    do arte na Creche.

  • 17

    TEXTO 1

    hisTria E concEpEs do aTEndimEnTo Em crEchEsA SURPREENDENTE DESCOBERTA: QUEM E O QUE PODE APRENDER

    UMA CRIANA DE AT TRS ANOS

    Maria Isabel Pedrosa1

    O perodo de vida de zero a trs anos ca-

    racteriza-se por transformaes muito r-

    pidas e contnuas. Observar um beb hoje

    e observ-lo novamente daqui a um ms

    causa admirao em qualquer observador.

    Identifica-se sempre uma nova conquista! E

    esse contnuo vai sendo marcado por aqui-

    sies e aprendizagens cada vez mais com-

    plexas e sutis, como por exemplo: um olhar

    orientado para um foco, o tnus muscular

    mais firme, a cabea que se sustenta sem

    escoras, a mo que se desloca curiosa-

    mente para um objeto, o movimento dos

    dedos em oposio ao polegar formando

    uma pina para alar o objeto, um pezinho

    que j levado boca, um sorriso que en-

    canta e cativa o interlocutor, sons de diver-

    sas intensidades e ritmos que so emitidos,

    um corpo que se ergue e se firma, experi-

    mentando movimentos de deslocamentos,

    e ainda mais difceis, movimentos de equi-

    lbrio, de firmeza, de ficar parado, etc. O

    engatinhar e o andar surgem possibilitan-

    do novas exploraes e a fala emerge em

    meio a tantas trocas sociais, organizando-

    se, complexificando-se e atingindo sofisti-

    cados propsitos comunicativos, mas sen-

    do tambm objeto de reflexo, ela prpria,

    como num jogo de experimentaes do fa-

    lar, encantando e envolvendo a criana em

    desafios e novas descobertas. So inmeras

    as conquistas dessa fase!

    H poucas dcadas, a criana, no primeiro

    ano de vida, era considerada um ser imatu-

    ro. Pelo fato de no andar, no correr, no

    falar, pensava-se que ela no sabia outras

    coisas. Fazia-se uma generalizao inade-

    quada, pois se estendia essa incompletude

    para todos os outros processos! Enfatizava-

    se tambm a comunicao lingustica so-

    bre a no-verbal, a cognio sobre o afeto,

    e se estudava a criana sozinha, em situa-

    es de exames, seguindo-se parmetros de

    escalas de avaliao. A virada de perspecti-

    va em relao a novas concepes sobre a

    criana pequena ocorreu, em parte, por exi-

    gncias sociais - as mes que queriam par-

    ticipar do chamado mercado de trabalho,

    conquistando independncia financeira e,

    1 Professora da Universidade Federal de Pernambuco.

  • 18

    em decorrncia, liberdade e autonomia,

    exigiram ambientes compartilhados de

    criao dos filhos e a necessria qualidade

    nesse compartilhamento. Por outro lado,

    modificaram-se as perguntas dos estudio-

    sos sobre a criana (educadores, psiclogos

    e socilogos da infncia) que passaram a

    questionar, por exemplo: como deveria ser

    um ambiente coletivo de convivncia, do

    tipo creches e pr-escolas? Como repercu-

    te nas crianas esse novo modo de cri-las,

    afastando-as algumas horas do dia do con-

    vvio familiar? Como elas iriam assimilar os

    objetos, as normas e valores culturais de

    seu convvio?

    As crianas passaram a ser observadas em

    seu cotidiano e com muita curiosidade. Nas

    pesquisas, isso foi aliado possibilidade de

    ver e rever cenas de crianas por meio da

    nova tecnologia da videogravao que se

    tornou mais ao alcance de todos. Foi pos-

    svel descobrir um repertrio sofisticado

    para interagir com o outro; que boa parte

    da comunicao da criana no-verbal, es-

    tendendo-se essa descoberta para todas as

    idades, inclusive adultos; e que as trocas afe-

    tivas constituem a base das aquisies cog-

    nitivas e culturais porque por meio dessas

    trocas que so estruturados os dilogos

    lingusticos. Dentre as muitas descobertas,

    a orientao preferencial ao parceiro adulto

    ou ao parceiro de idade talvez um ponto

    que merece destaque nesse percurso de de-

    senvolvimento.

    A INTERAO SOCIAL

    Desde o nascimento, o outro ser humano

    o estmulo mais relevante para a criana

    em seu meio. Essa preferncia identificada

    pela orientao do olhar para o outro; pela

    discriminao sutil da voz humana em con-

    fronto com outros sons do ambiente; pela

    evidncia de que, com apenas trs dias de

    nascido, o beb discrimina o odor de sua

    me do odor de uma estranha; pela mani-

    festao de preferncia para a configurao

    de rostos humanos, etc. Muitos indicadores

    so inferidos da frequncia e ritmo de seus

    batimentos cardacos e de sua respirao,

    comparados medio de respostas dadas

    a outros estmulos. Ser isso coincidncia?

    Ou essas descobertas trazem evidncias de

    que, na espcie humana, essa caractersti-

    ca de orientao diferenciada e preferencial

    ao parceiro foi selecionada como um padro

    consistente do comportamento do beb?

    Alguns tericos da Psicologia lanam hip-

    teses sobre essas preferncias, pondo-as em

    perspectiva com os desdobramentos que

    ocorrem no curso do desenvolvimento in-

    fantil. Em primeiro lugar, essa preferncia

    parece no ser aleatria na medida em que

    a imaturidade motora exige esse padro

    comportamental refinado para que a criana

    possa sobreviver, pois ela depende do outro

    para a satisfao de suas necessidades de ali-

    mento, higiene, proteo e conforto, dentre

    tantas. Em segundo lugar, percebe-se que o

  • 19

    ambiente humano o nico que lhe confere

    insumos para as conquistas importantes que

    far. Como ela aprender a falar uma lngua

    se no for convivendo com pessoas que fa-

    lam e dominam aquele cdigo lingustico?

    Como ela se constituir enquanto indivduo

    se no for pela oposio com o/s outro/s?

    De que maneira os bens culturais seriam

    construdos e

    acumulados,

    se a cada ser

    humano tudo

    tivesse que co-

    mear do zero?

    Facilmente se

    descobre que a

    resposta a essas

    questes impli-

    ca considerar o

    ambiente socio-

    cultural o nico

    relevante para o

    desenvolvimen-

    to humano. Isso

    tambm forta-

    lece a hiptese

    de que a prefe-

    rncia do beb pelo parceiro social no

    uma casualidade, mas um comportamento

    consistente.

    Nas interaes com os parceiros ocorrem

    muitas aprendizagens e aquisies; uma de-

    las, considerada entre as mais significativas,

    a construo da subjetividade que consti-

    tui e ao mesmo tempo constituda por um

    processo chamado intersubjetividade. Mas

    como se pode caracterizar esse processo?

    Aos dois meses de idade o beb j exibe dife-

    renas de comportamentos em sua relao

    com objetos ou pessoas, isto , movimentos

    de seu corpo, mos e face so diferenciados

    em respostas aos sor-

    risos e vocalizaes de

    seus cuidadores, que

    podem ser a me, o

    pai, a av, mas pode

    ser tambm a educa-

    dora, se a criana fre-

    quenta uma creche.

    Essas pessoas, por sua

    vez, tambm respon-

    dem ajustadamente

    ao beb, formando

    uma espcie de esti-

    lo prprio de dilogo

    da dade (me-beb;

    pai-beb; educadora-

    beb; etc.). O parcei-

    ro, geralmente adulto,

    fala sentenas curtas,

    repetitivas e sincronizadas aos sons emitidos

    pelo beb. Cada um, a seu turno, ocupa o lu-

    gar de interlocutor: quando o beb vocaliza,

    o parceiro espera atentamente, buscando

    pistas que o autorizem a interpretar seu ros-

    to, ritmo e movimentos de seu corpo, atri-

    buindo-lhe inteno e sentimento; quando o

    adulto fala, o beb se cala e reage de modo

    Aos dois meses de idade,

    o beb j exibe diferenas

    de comportamentos em

    sua relao com objetos ou

    pessoas, isto , movimentos

    de seu corpo, mos e face so

    diferenciados em respostas

    aos sorrisos e vocalizaes de

    seus cuidadores, que podem

    ser a me, o pai, a av, mas

    pode ser tambm a

    educadora, se a criana

    frequenta uma creche.

  • 20

    orientado para ele, mas, em seguida, vocali-

    za em sintonia responsiva sua fala e expres-

    ses, evidenciando engajamentos regulados

    emocionalmente. O olhar e sorriso mtuos

    so vistos como caractersticas deste proces-

    so ao regular o contato interpessoal.

    O adulto que lida com o beb depreende

    dessa dinmica interacional uma vivncia

    ntima, referindo-se a uma experincia sub-

    jetiva do beb. H uma espcie de predispo-

    sio precoce para o encontro com o outro,

    denominada de intersubjetividade primria.

    Ela envolve o re-

    conhecimento e

    a coordenao

    de intenes na

    comunicao

    presente da da-

    de, mesmo que

    seja de modo

    rudimentar, por

    meio de regulaes socioafetivas. Desses en-

    contros, medida que vo ocorrendo novos

    desdobramentos, a criana aprende sobre si

    e sobre o outro.

    Identificar-se significa ser como o outro,

    mas tambm diferenciar-se dele: um pro-

    cesso nico que se constitui por oposies

    (ser igual e diferente, ao mesmo tempo!).

    Existe o outro genrico (todos que no so

    a criana), e existem outros, identificveis,

    cada um do outro (e so muitos!), com

    quem a criana se relaciona, em graus vari-

    veis de proximidade, com afetos mltiplos,

    positivos ou negativos. Essa construo se

    inicia nos primeiros anos de vida, mas se

    complexifica ao longo de toda a existncia

    com eventos que unem (e implicam a ideia

    de pertencimento) e eventos que separam

    (implicam a ideia de diferente, s vezes,

    de oposto). Assim, por exemplo, ser filho

    ser igual a todos que tambm so filhos; e

    ser filho o oposto de ser pai. Vrios ou-

    tros processos parecem compartilhar dessa

    construo. O eu e o outro so con-

    ceitos; fazem parte de uma rea de estudo

    chamada de proces-

    sos cognitivos; mas

    esses conceitos tm

    relevncia afetiva e

    esto implicados na

    construo da subje-

    tividade.

    A BRINCADEIRA INFANTIL

    O brincar sem dvida a dimenso do inte-

    ragir mais frequente porque uma atividade

    de alta prioridade para a criana. Aparente-

    mente ela no tem importncia, porque a

    criana brinca de qualquer coisa em qual-

    quer lugar, basta ter liberdade para iniciar

    uma atividade ou seguir a proposta de um

    parceiro. Mas a sua relevncia repousa exa-

    tamente nesse aspecto e da a pergunta: o

    que acontece no brincar infantil? Qual o pa-

    pel que a brincadeira parece desempenhar?

    O brincar sem dvida a

    dimenso do interagir mais

    frequente porque uma

    atividade de alta prioridade

    para a criana.

  • 21

    Apesar de inmeras tentativas para se defi-

    nir o que brincadeira, no se chegou a um

    consenso; essa no uma tarefa de fcil rea-

    lizao. Quando a criana brinca com outra

    de faz-de-conta no se tem dvida de que

    estejam brincando: a no realidade da situ-

    ao (o espao que se transforma em casa;

    a vassoura que representa um cavalo; o ob-

    jeto inanimado que passa a ter vida; o beb

    que o filhinho da outra criana; etc.) j lhe

    confere o tom de brincadeira. Nesses casos,

    diz-se que os fatos, objetos e situaes esto

    subordinados s significaes que as crian-

    as lhes atribuem e compartilham. Existem,

    entretanto, outras brincadeiras que no so

    de faz-de-conta. Quando a professora, por

    exemplo, desliza vagarosamente uma fralda

    sobre o rosto da criana e esta, surpreendida

    com o desaparecimento e reaparecimento

    do rosto conhecido, arregala os olhos, fixa

    o olhar para a professora e depois balana

    os braos e pernas para, em seguida, ficar

    imobilizada como que esperando uma nova

    investida do(a) parceiro(a), afirma-se que a

    criana est brincando de Cad - Achou.

    Do mesmo modo, as crianas que andam de

    velocpede, que jogam a bola para o parcei-

    ro e a recebem de volta, que tentam alcan-

    ar o balo de festa arremessado para cima,

    que se esforam para enfiar continhas num

    fio ou encaixar peas numa sequncia, que

    enrolam a lngua para pronunciar palavra

    longa ou sequncia complicada (a chamada

    trava-lngua), que se do as mos e cantam

    msicas de refro repetitivo e passos ou re-

    quebrados estereotipados, etc., todas essas

    atividades tambm so chamadas de brinca-

    deira! Algumas requisitam mais o exerccio

    fsico, outras a atividade mental; umas im-

    plicam relaes sociais, outras necessitam

    uma maior concentrao individual para o

    seguimento de regras; umas exploram a ima-

    ginao e outras, a repetio, o ritmo e a ca-

    dncia. O que parece subjacente ao brincar

    a atitude da criana em relao atividade.

    ela, por exemplo, quem transforma uma fo-

    lha de rvore em um barquinho para navegar

    em uma poa de gua, transforma a pronn-

    cia de palavras difceis em atos de desafio e

    o esforo de subir em caixotes, uma conquis-

    ta! Portanto, a definio de brincar implica a

    motivao intrnseca da criana; se ela no

    quer naquele momento, no adianta a pes-

    soa insistir, pois a brincadeira tornar-se-

    uma tarefa aborrecida e deixa de ser brinca-

    deira! Se ela cria ou adere a uma proposta, a

    a sequncia se desdobra e flui rapidamente:

    muitos outros elementos so requisitados

    para embelezar a atividade, muitas aes

    se complexificam para torn-la mais difcil e

    atraente, muitos gritinhos e risos sinalizam

    ao parceiro o quanto aquilo legal , amplian-

    do a atividade com o envolvimento de outras

    crianas! Como a motivao algo interno

    ao indivduo, isso explica a dificuldade de de-

    finir o que brincadeira.

    Tericos da Psicologia especulam sobre o

    papel da brincadeira no desenvolvimento in-

    fantil. Apontam, com frequncia, o treino de

  • 22

    habilidades, pois, na brincadeira, a criana

    desempenha, antecipadamente, aes ne-

    cessrias em vrias situaes futuras: a brin-

    cadeira vista como um simulador de experi-

    ncias. Outros falam em um meio ou veculo

    de expresso de sentimentos, ou um modo

    de fazer esvaecer suas emoes, liberar suas

    tenses. A quem

    aponte van-

    tagens atuais

    para a criana:

    a brincadeira,

    principalmente

    a motora, pro-

    porcionaria fle-

    xibilidade e ver-

    satilidade para

    o enfrentamen-

    to de situaes

    inesperadas

    como movi-

    mentos sbitos

    e complexos

    que, no perodo

    inicial de vida,

    ainda carecem

    de destreza e

    agilidade. Outra

    ideia relaciona o longo perodo de brincadei-

    ra na infncia a um vantajoso retardamento

    para enfrentar situaes complexas. Acredi-

    ta-se, neste caso, que um treino precoce em

    vrias funes cognitivas traria prejuzo fu-

    turo criana, uma vez que a estruturao

    do crebro reduz a flexibilidade geral, uma

    caracterstica tpica e essencial da espcie

    humana.

    Apesar de no se chegar a um acordo te-

    rico sobre o papel do brincar no desenvol-

    vimento infantil, no se tem dvida de que

    brincar preciso. A criana gosta de brincar

    e dedica grande par-

    te de seu tempo para

    brincar, se no for to-

    lhida. Brincando ela

    aprende; brincando

    ela ensina. H vrias

    situaes observadas

    em que as crianas

    imitam umas as ou-

    tras em tarefas e se-

    quncias complexas;

    em que instigam um

    fazer coletivo, desa-

    fiador; em que experi-

    mentam o outro lado,

    o lado do parceiro; em

    que explicam mesmo

    demonstrando, sem

    palavras, como proce-

    der para alcanar um

    resultado.

    O SURGIMENTO DA FALA

    Em torno de um ano e meio de idade emerge

    uma das conquistas mais espetaculares do

    ser humano que a linguagem falada! Ao se

    dizer que emerge no se quer dizer que ela

    Em torno de um ano e

    meio de idade emerge

    uma das conquistas mais

    espetaculares do ser humano

    que a linguagem falada! Ao

    se dizer que emerge no se

    quer dizer que ela surge

    do nada, como algo

    repentino. Desde o

    nascimento essa aquisio

    comea a ser construda.

    A criana acolhida num

    mundo da fala e esses sons

    que vm do outro j so

    preferidos por ela.

  • 23

    surge do nada, como algo repentino. Desde

    o nascimento essa aquisio comea a ser

    construda. A criana acolhida num mun-

    do da fala e esses sons que vm do outro j

    so preferidos por ela. H quem pense ser o

    amadurecimento dos rgos fonadores (la-

    ringe, pregas vocais, traqueia, pulmes, dia-

    fragma) o mais relevante para que a criana

    comece a falar. Entretanto, o que parece ser

    mais relevante para essa aquisio o fato de

    que essas interaes sociais possibilitam se

    comunicar, e tambm compartilhar um tpi-

    co de brincadeira, uma inteno de brincar;

    a possibilidade de se fazer revelar, de bus-

    car compreender, de pensar, de imaginar, de

    construir algo num plano que no o do con-

    creto nem do sensvel, mas a eles articulado.

    A linguagem efetiva claramente essa aquisi-

    o e a fala, um de seus aspectos, que pode

    ser verbal ou gestual/visual, que concretiza,

    fortemente, os encontros com o outro e

    por que no? tambm os desencontros.

    Como j mencionado, as regulaes emo-

    cionais funcionam como um modo de co-

    municao da criana com os parceiros, no

    primeiro ano e meio de vida. Surge a fala,

    mas ainda monossilbica, ou com o forma-

    to de pequenas sentenas, muitas vezes que-

    rendo significar muitas coisas que vo fican-

    do subentendidas. A expresso das emoes

    no desaparece; ela est sempre como linha

    de base, complementando o que no foi fa-

    lado. Ao mesmo tempo, irrompe com fora

    e clareza a imitao do outro. Ao seu modo,

    a imitao tambm desempenha uma fun-

    o comunicativa. Com os parceiros de ida-

    de ela preponderante quando a fala ainda

    no enreda uma encenao, uma desco-

    berta, um interesse que se quer comparti-

    lhar. J aos trs anos, a fala assume o papel

    proeminente da comunicao com o outro e

    da constituio do pensamento. Ela prpria

    passa a ser objeto de interesse: muitas vezes

    as crianas falam por falar, num verdadei-

    ro jogo de experimentaes: descobrem sua

    sonoridade; exploram suas possibilidades,

    como as regras da flexo verbal (eu fazi,

    expresso nunca ouvida antes, mas criada

    em decorrncia de regras subjacentes em

    uso, como eu dormi, eu senti, eu cor-

    ri, etc.); divertem-se com o travamento da

    lngua ao pronunciar quadras de versos, ou

    sequncias exticas; enveredam pela fanta-

    sia das histrias e passam a percorrer um

    longo caminho da magia das palavras!

    PARA SABER MAIS

    BUSSAB, V.; PEDROSA, M. I.; & CARVALHO,

    A. M. A. Encontros com o outro: empatia e

    intersubjetividade no primeiro ano de vida.

    Psicologia USP, v. 18, p. 99-132, 2007.

    CARVALHO, A. M. A.; MAGALHES, C. M. C.;

    PONTES, F. & BICHARA, I. Brincadeira e cultu-

    ra: viajando pelo Brasil que brinca. (Volume I:

    O Brasil que brinca. Volume II: Brincadeira

    de todos os tempos), So Paulo: Casa do Psi-

    clogo, 2003.

  • 24

    SEIDL DE MOURA, M. L. & RIBAS, A. F. P. Evi-

    dncias sobre caractersticas de bebs recm-

    nascidos: um convite a reflexes tericas. In:

    M. L. S. MOURA (org.), O beb do sculo XXI e

    a psicologia em desenvolvimento [pp. 21-59] So

    Paulo: Casa do Psiclogo, 2004.

  • 25

    TEXTO 2

    dEsEnvolvimEnTo da criana dE 0 a 3 anosQUAL CURRCULO PARA BEBS E CRIANAS BEM PEQUENAS?

    Maria Carmen Silveira Barbosa1

    Sandra Regina Simonis Richter2

    Crianas, ramos pintor, modelador, botnico,

    escultor, arquiteto, caador, explorador.

    E o que aconteceu com tudo isso?

    (Gaston Bachelard).

    APRESENTAO

    Podemos iniciar este texto lembrando que o

    tema do currculo, apesar de sua centralida-

    de nos processos educacionais, um assunto

    muito controverso (Barbosa, 2009; Silva, 2005,

    2006). Quando tratamos de propostas curri-

    culares que abordam a educao de bebs e

    crianas pequenas, em ambientes coletivos e

    formais, esta situao se complexifica, pois o

    problema deixa de ser apenas o da divergncia

    de concepes e passa a ser o do silenciamen-

    to diante da quase inexistncia de estudos, pes-

    quisas e publicaes que abordem diretamen-

    te a questo curricular na creche.

    Neste texto vamos problematizar a concep-

    o de currculo como seleo de conheci-

    mentos acadmicos, organizados a partir de

    reas disciplinares, em sequncia linear e

    centrados em objetivos previamente deter-

    minados. Consideramos que preciso afir-

    mar, na especificidade da educao infantil,

    um currculo sustentado nas relaes, nas

    interaes e em prticas educativas inten-

    cionalmente voltadas para as experincias

    concretas da vida cotidiana, para a aprendi-

    zagem da cultura, pelo convvio no espao

    da vida coletiva e para a produo de narra-

    tivas, individuais e coletivas, atravs de dife-

    rentes linguagens.

    CONHECIMENTOS, CULTURA E

    CURRCULO

    Geralmente quando pensamos em elabora-

    o de currculo centramos nosso olhar nos

    1 Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS.

    2 Professora da Universidade de Santa Cruz do Sul UCS.

  • 26

    estudos sobre o conhecimento em sua for-

    ma dominante, o conhecimento cientfico,

    enquanto esquecemos, ou desvalorizamos,

    aquilo que a cultura popular, enquanto sa-

    beres cotidianos, tem a dizer sobre seu

    elemento cognitivo (Burke, 2003, p. 22). Os

    saberes cotidianos so os conhecimentos da

    experincia, do corpo, da cultura, da vida.

    Foram eles que estabeleceram as bases para

    a sistematizao e, posteriormente, legiti-

    mao dos conhecimentos cientficos. Po-

    rm, em diversas concepes educacionais

    estes conhecimentos e saberes so conside-

    rados banais e, geralmente, no tm visibili-

    dade nos documentos curriculares.

    preciso lembrar que as crianas pequenas

    e os bebs aprendem na corporeidade de

    suas mentes e de suas emoes a partir

    da ao do corpo no mundo, da fantasia, da

    intuio, da razo, da imitao, da emoo,

    das linguagens, das lgicas e da cultura.

    As crianas produzem seus conhecimen-

    tos instaurando significados e constituindo

    narrativas sobre si mesmas e o mundo. Elas

    aprendem no a partir de informaes cien-

    tficas parciais ou conhecimentos fragmen-

    tados, mas atravs de processos dinmicos

    de interaes com o mundo.

    Estas caractersticas das crianas pequenas

    trazem um imenso desafio aos professores

    pois exigem romper com a prtica curricu-

    lar naturalizada de formular um currculo

    acadmico e prescritivo, aplicado ao mes-

    mo tempo a todos. Goodson adverte que a

    aliana entre prescrio e poder foi cuidado-

    samente alimentada para que o currculo se

    tornasse um artifcio que reproduza as rela-

    es de poder na sociedade (2008, p. 143).

    Neste tipo de currculo o professor mero

    executor de objetivos instrumentais traados

    por uma poltica centralizadora. E, como afir-

    ma o mesmo autor, o currculo foi inventado

    como um conceito para direcionar e contro-

    lar a autonomia do professor e sua liberdade

    potencial na sala de aula (idem).

    Porm, em contraste com esta viso, procu-

    rando ver o professor como um artfice, pen-

    samos que o currculo precisa ser proposto

    a partir dos entusiasmos de cada um, adul-

    tos e crianas, e profundamente ancorado

    aos percursos de vida. Deste modo preciso

    mudar a concepo de aprendizagem como

    aquisio e acumulao para uma concep-

    o de aprendizagem enquanto um proces-

    so de narrao. Goodson (2008, p. 152) afir-

    ma que o aprendizado narrativo um tipo

    de aprendizado que ocorre durante a elabo-

    rao e a manuteno contnua de uma nar-

    rativa de vida. aquela aprendizagem que

    est vinculada ao engajamento das crianas

    com o mundo. Nas palavras do autor,

    Quando vemos o aprendizado como uma

    reao a eventos reais, ento a questo

    do envolvimento pode ser presumida.

    Uma parte significativa da literatura so-

    bre aprendizado deixa de examinar essa

  • 27

    questo crucial de envolvimento e, como

    resultado, o aprendizado considerado

    como uma tarefa formal que no se re-

    laciona com as necessidades e os interes-

    ses daquele que aprende (idem).

    UM CURRCULO PARA E COM

    OS BEBS E CRIANAS BEM

    PEQUENINAS CENTRADO EM

    PRTICAS SOCIAIS E LINGUAGENS

    Pensar e propor um currculo para e com as

    crianas peque-

    nas favorecer

    um percurso de

    ingresso e per-

    tencimento na

    cultura. A for-

    mao de uma

    criana inicia

    com o acolhi-

    mento, isto ,

    com a sua chegada em um mundo j cons-

    titudo por prticas sociais e linguageiras.

    As crianas pequenas apreendem o mundo

    atravs dessas prticas culturais, isto , a

    partir daquilo que fazem com elas e do que

    falam para elas: cuidados de higiene, ali-

    mentao, carinho, conversa, aconchego,

    segurana e confiana. Nessas aes, sem-

    pre mediadas por linguagens, as crianas

    complementam sua insero cultural.

    Deste modo, a incluso das crianas na co-

    letividade passa pela apropriao no corpo,

    na linguagem, no pensamento, desses mo-

    dos de agir, imaginar, produzir e conviver

    com outros. Ao ouvir uma histria, prtica

    cultural, as crianas apreendem que podem

    contar e recontar sobre a vida isto , a ope-

    rar linguagens e narrar a vida atravs da

    linguagem verbal, da msica, da pintura, da

    dana.

    As crianas pequenas iniciam seu percurso

    curricular na creche participando dos acon-

    tecimentos, produzindo perguntas e respos-

    tas sobre o mundo em

    que vivem atravs de

    diferentes linguagens.

    na pr-escola que

    comea a tornar-se

    pertinente a aproxi-

    mao conceitual dos

    conhecimentos cien-

    tficos. Nesta trajet-

    ria, to ldica quanto

    formativa, as crianas vo narrando inven-

    tivamente o mundo e a si mesmas e cons-

    tituindo seu capital narrativo (GOODSON,

    2008). A partir desta compreenso, conside-

    ramos que um currculo para bebs e crian-

    as pequeninhas exige ser composto por sa-

    beres e conhecimentos de distintas ordens:

    - os saberes e conhecimentos oriundos das

    prticas corporais, culturais e sociais nas quais

    as crianas so introduzidas em seus con-

    textos de vida e que, na educao infantil,

    Pensar e propor um currculo

    para e com as crianas

    pequenas favorecer um

    percurso de ingresso e

    pertencimento na cultura.

  • 28

    so identificadas principalmente atravs das

    interaes sociais, das rotinas, das culturas

    de pares, das brincadeiras, dos cantos, dos

    relacionamentos entre crianas e crianas e

    crianas e adultos, isto , atravs dos conhe-

    cimentos tradicionalmente realizados com os

    bebs e crianas pequenas na vida cotidiana;

    - os saberes e conhecimentos das linguagens,

    que so as formas simblicas que essa cul-

    tura produziu e

    produz ao longo

    da histria para

    criar, interpre-

    tar, expressar,

    narrar e comu-

    nicar aes e

    sentidos que

    significam a

    convivncia;

    - os saberes e

    conhecimentos

    das reas disci-

    plinares orga-

    nizadas histrica e socialmente e que so

    necessrios formao das crianas nos as-

    pectos cientficos e tecnolgicos, isto , os

    conhecimentos cientficos.

    Quando pequenas as crianas aprendem na

    escola aes muito semelhantes quelas que

    vivenciam em suas famlias, porm, no estabe-

    lecimento educacional, essa experincia est

    vinculada aos desafios da vida coletiva numa

    cultura diversificada e tambm s exigncias

    de um projeto poltico-pedaggico sistematiza-

    do. Portanto, do currculo da creche exigido

    refletir e sistematizar concepes sobre as pr-

    ticas efetivas e afetivas realizadas intencional-

    mente no cotidiano da vida coletiva.

    As prticas sociais como alimentao; as

    brincadeiras; as relaes sociais; a higiene

    e o controle corporal; os movimentos; o

    repouso e o descan-

    so; a aprendizagem

    das diferentes lin-

    guagens e das estra-

    tgias das culturas

    populares para incor-

    porarem as crianas

    no mundo envolvem

    conhecimentos pro-

    fundamente inter-

    disciplinares e vincu-

    lados s diferentes

    culturas locais, es-

    colares e familiares.

    Assim, o desafio dos

    professores est em romper com concep-

    es polarizadoras entre conhecimentos do

    corpo (prtica) e conhecimentos abstratos

    (teoria), entre conhecimentos cotidianos

    vinculados s prticas culturais (no legti-

    mos) e conhecimentos acadmicos (legti-

    mos) vinculados ao pensamento cientfico.

    As prticas sociais, por dizerem respeito vida,

    so aes complexas que envolvem e dinami-

    As prticas sociais, por

    dizerem respeito vida,

    so aes complexas que

    envolvem e dinamizam o

    corpo todo, o pensamento

    e a cultura: so sensaes,

    sentimentos, emoes,

    desejos, pensamentos e as

    linguagens.

  • 29

    zam o corpo todo, o pensamento e a cultura:

    so sensaes, sentimentos, emoes, desejos,

    pensamentos e as linguagens. Durante muito

    tempo as linguagens permaneceram reduzidas

    apenas a uma rea do conhecimento a lngua

    verbal. Porm, hoje, o termo linguagem(ns)

    vem sendo utilizado socialmente para deno-

    minar seus sistemas de signos. As linguagens

    surgiram tanto para elaborar materiais utilit-

    rios quanto os expressivos, tanto com a finali-

    dade de produzir marcas e partilhar sensaes

    quanto para registrar, documentar e comuni-

    car acontecimentos. As capacidades motoras

    e simblicas das crianas possibilitam a inte-

    rao com diferentes formas de sistemas de

    signos, que configuram especificidades como

    a oralidade, a escrita, o desenho, a pintura, a

    dramatizao, a msica, o gesto, a imitao,

    enfim as diferentes formas de linguagem.

    Ao desenharem, as crianas no repro-

    duzem uma cpia do mundo, utilizando

    os princpios conceituais do desenho,

    mas produzem traos e configuram ima-

    gens que permitem compartilhar a expe-

    rincia e, ao conversar sobre o realizado,

    isso favorece o deslizar do pensamento

    sobre o que realizaram. Nesse sentido,

    o ato de desenhar que provoca o pensa-

    mento conceitual, e no o contrrio.

    Na infncia as linguagens so aprendidas nas

    aes materiais e simblicas significativas.

    So as aes corporais, gestuais e verbais, que

    acontecem no encontro entre crianas e crian-

    as ou ento entre crianas e adultos, propi-

    ciadas atravs de experincias complexas que

    podem ser as do dia-a-dia, como correr, falar,

    chorar, ou aquelas que podem ser ficcionadas

    a partir da presena de fantoches, do teatro de

    sombras, de dilogos, de maquiagens e outros

    materiais que favoream o encontro entre o

    movimento do corpo e as linguagens para a

    produo de significados. As brincadeiras, as

    fbulas e os artefatos ensinados pelos adultos,

    e observados, imitados e transformados pelas

    crianas, tornam-se seu repertrio inicial.

    ao longo da educao infantil que as crianas

    ampliam sua gama de prticas sociais e lingua-

    gens profundamente relacionadas ao corpo e a

    seus movimentos, observao e investigao

    do mundo, aos jogos de faz-de-conta, de mani-

    pulao e de regras, e atravs deles constituem

    as suas subjetividades.

    O brincar e a brincadeira emergem como uma

    das prticas culturais mais constantes na cre-

    che. Afinal, para os bebs e nas crianas peque-

    nas, brincar, jogar e criar esto intimamente

    relacionados, pois se iniciam juntos. O brincar

    sempre uma experincia transformativa, que

    consome um espao e um tempo e intensa-

    mente real para a criana. Brincar aprender-

    se brincante nas e das linguagens. Enfim,

    a cultura da infncia sendo produzida pelas

    crianas que dela participam atravs das nar-

    rativas compartilhadas.

    Um currculo para a educao infantil pre-

    cisa enfatizar algumas caractersticas que

  • 30

    esto presentes no pensamento infantil e

    afirm-lo em sua potncia constitutiva dos

    seres humanos, e no desprez-lo como ir-

    racional ou no-cientfico. No deve propor

    que as crianas abandonem a sensibilidade

    para construir a razo, mas justamente deve

    instig-las a conviver e potencializar sua

    imaginao, sensibilidades, sensorialidades,

    percepes, aes em pensamentos, lgicas,

    experincias cada vez mais complexas.

    Nessa concepo de currculo, o professor pre-

    cisa possuir um amplo repertrio de brincadei-

    ras, poesias, cantos, parlendas, jogos motores,

    para ensinar e nelas, atravs delas, propiciar o

    conhecimento. Os contedos a serem estu-

    dados sero respostas complexas s perguntas

    significativas e no mais fragmentos de conhe-

    cimentos especficos previamente determina-

    dos. O professor observa e v, na ao, o co-

    nhecimento se configurando, e ento que ele

    no apenas transmite uma informao, mas

    provoca o pensamento a continuar pensando.

    Quando centramos o foco nas crianas e nas

    suas relaes, o currculo emerge e concreti-

    za aprendizagens, pois as experincias peda-

    ggicas exigem a participao das crianas,

    so envolventes e constituem sentido per-

    meado pela vida. A elaborao de um cur-

    rculo para os bebs e as crianas pequenas

    importante porque nos faz refletir e ava-

    liar nossas escolhas e nossas concepes de

    educao, conhecimento, infncia e crian-

    a, reorientando nossas opes. E essas so

    sempre histricas, sempre redutoras diante

    da imprevisibilidade que viver no mundo.

    Elaborar um currculo como construo,

    articulao e produo cultural de conheci-

    mentos plurais no apenas uma escolha

    entre modelos de educao, uma deciso

    poltica acerca do futuro de uma sociedade.

    Afinal, a creche tem como objetivo favore-

    cer s crianas a compreenso do contexto

    em que vivem, assim como imaginar e per-

    ceber o mundo a partir do olhar do Outro.

    Esse modo de educar, considerando a arti-

    culao entre saberes, fazeres, pensares,

    sentires, define a pedagogia para as crianas

    pequenas e implica uma educao realiza-

    da atravs de prticas de convvio social que

    tenham solidez, constncia e compromisso.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios

    da vontade. So Paulo: Martins Fontes, 1991.

    BURKE, Peter. Uma histria social do conheci-

    mento: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janei-

    ro: Jorge Zahar, 2003.

    GOODSON, Ivor. As polticas de currculo e de

    escolarizao. Petrpolis, RJ: Vozes, 2008.

    SILVA, Tomaz T. Documentos de identidade:

    uma introduo s teorias do currculo. 2 ed.,

    Belo Horizonte: Autntica, 2005.

    SILVA, Tomaz T. O currculo como fetiche: a

    potica e a poltica do texto curricular. Belo

    Horizonte: Autntica, 2006.

  • 31

    TEXTO 3

    oriEnTaEs curricularEs E proposTas pEdaggicasFormao de professores e apropriao de modos historicamente elaborados de pensar, sentir e

    agir na educao infantil

    Zilma de Moraes Ramos de Oliveira1

    A rea de Educao Infantil vive hoje uma srie

    de debates sobre sua identidade e funo so-

    cial dentro do sistema de ensino. Essas ques-

    tes so importantes para orientar a formao

    de professores para trabalhar com a primeira

    infncia dentro de perfis que respondam mais

    adequadamente diversidade de situaes

    presentes quando se pensa na educao insti-

    tucional de crianas desde o nascimento, fato

    que tem sido ignorado pela literatura que trata

    de processos de escolarizao.

    recente pensar a funo da Educao In-

    fantil, em particular a realizada em creche,

    como sendo eminentemente educativa. O

    atendimento de crianas pequenas em ins-

    tituies diferentes do ambiente domstico

    a partir do sculo XX levou organizao de

    creches e pr-escolas que, ao longo da his-

    tria de luta por uma sociedade mais justa

    vivida em nosso pas, tiveram que superar a

    perspectiva de pensar o cuidar como ativi-

    dade apenas ligada ao corpo e destinada s

    crianas mais pobres, e o educar apenas ex-

    perincia de promoo intelectual reservada

    aos filhos dos grupos socialmente privilegia-

    dos. Hoje, defende-se que cuidar e educar

    so dimenses indissociveis de todas as

    aes do professor de Educao infantil.

    Para esclarecer esse ponto, eu diria que o

    educar e o cuidar tm na Educao Infantil

    os seguintes objetivos:

    oferecer a todas as crianas condies

    de se sentirem confortveis em relao a

    sono, fome, sede, higiene, dor etc.

    acolh-las em seus momentos difceis,

    faz-las sentir-se seguras, orient-las sem-

    pre que necessrio, mas tambm alimen-

    tar sua curiosidade e expressividade.

    apresentar-lhes o mundo da natureza, da

    sociedade e da cultura, aqui incluindo as

    artes e a linguagem verbal, garantindo-

    lhes uma experincia bem sucedida de

    aprendizagem de diferentes linguagens, e

    apoi-las na construo de sentidos pes-

    soais, medida que vo se constituindo

    como sujeitos e se apropriando de formas

    1 Professora da Universidade de So Paulo.

  • 32

    culturais de comportamento de um modo

    prprio.

    trabalhar na perspectiva de que as prprias

    crianas aprendam a se cuidar mutua-

    mente, busquem suas prprias perguntas

    e respostas sobre o mundo, e respeitem

    as diferenas e construam atitudes de res-

    peito e solida-

    riedade aos

    parceiros.

    dar condies

    s crianas

    com defici-

    ncias para

    par ticipar das

    atividades e

    interagir com

    as demais

    crianas,

    pontos fun-

    damentais de

    seu processo

    de aprendiza-

    gem e desen-

    volvimento.

    Vejo a formao do professor como um

    processo de apropriao de modos histori-

    camente elaborados de pensar, sentir e agir

    em situaes de ensino-aprendizagem, o

    que inclui atribuir significados a seus com-

    ponentes segundo uma matriz terico-ide-

    olgica. um processo dinmico, pleno de

    desafios e descobertas, que se d ao longo

    da vida profissional do docente e o orienta a

    tomar decises sobre as melhores formas de

    mediar a aprendizagem e o desenvolvimen-

    to dos aprendizes com os quais trabalha.

    Em relao a esses aprendizes, a Educao

    Infantil est superando concepes que

    viam o beb apenas como algum a ser pa-

    paricado e/ou disci-

    plinado, ou como um

    aluno em miniatura

    que, desde cedo, deve

    ser posto como mero

    receptor de mensa-

    gens dos educadores.

    O que as pesquisas

    recentes em diferen-

    tes reas do conheci-

    mento tm apontado

    que a criana um

    ser ativo que, desde o

    nascimento, interage

    com parceiros diver-

    sos que a ajudam a

    significar o mundo e

    a si mesma, a realizar

    um nmero crescente de diferentes aprendi-

    zagens e a constituir-se como um ser hist-

    rico singular.

    Contudo, as pesquisas que tratam da apren-

    dizagem e desenvolvimento de bebs em

    ambientes de educao coletiva pouco tm

    estado presentes em muitas formaes do-

    O que as pesquisas recentes

    em diferentes reas

    do conhecimento tm

    apontado que a criana

    um ser ativo que, desde o

    nascimento, interage com

    parceiros diversos que a

    ajudam a significar o mundo

    e a si mesma, a realizar

    um nmero crescente de

    diferentes aprendizagens e

    a constituir-se como um ser

    histrico singular.

  • 33

    centes. Nestas, por vezes, so discutidos t-

    picos do desenvolvimento dos bebs vistos

    de forma isolada de seus parceiros e das situ-

    aes propostas e no seu ambiente familiar.

    Com isso, o professor em formao constri

    seu papel como um substituto familiar a dar

    ateno individual aos bebs, sem cuidar de

    oferecer-lhes oportunidades para interagir

    com companheiros de idade, aspecto funda-

    mental no ambiente da creche como espao

    de educao coletiva.

    Os processos

    de formao na

    rea tm assim

    que redefinir o

    que significa o

    papel do profes-

    sor da primeira

    infncia e o que

    se entende por

    ensino na Edu-

    cao Infantil.

    Nesta o profes-

    sor tem que ser sensvel s necessidades e

    desejos de crianas to pequenas, fortalecer

    as relaes que elas estabelecem entre si,

    mediar-lhes a realizao de atividades signi-

    ficativas variadas, e atuar como um recur-

    so de que elas dispem para se apropriar de

    formas culturais de falar, sentir e significar o

    mundo. Suas aes apontam certos signifi-

    cados e tm que interagir com as aes (e os

    significados) das crianas. Da a importncia

    de o professor centrar nelas o seu olhar e

    v-las como parceiras ativas, donas de um

    modo prprio de significar o mundo e a si.

    O professor busca familiarizar a criana com

    prticas culturais e com significaes histo-

    ricamente elaboradas para orientar o agir

    das pessoas e para compreender as situa-

    es e os elementos do mundo. Para tanto

    ele age de uma forma indireta, pelo arran-

    jo do contexto de aprendizagem das crian-

    as em funo das atividades propostas: os

    espaos, os objetos,

    os horrios, os agru-

    pamentos infantis,

    os materiais, ou de

    modo direto, confor-

    me interage com as

    crianas e lhes apre-

    senta modos de fa-

    zer uma determinada

    ao, responde ao que

    elas perguntam, faz-

    lhes perguntas para

    conhecer suas respos-

    tas, as pega no colo quando se emocionam

    e, por vezes, ope-se ao que elas estabele-

    cem para ajud-las a aperfeioar seu modo

    de sentir as situaes.

    A formao do professor deve ser contnua

    ao longo de sua trajetria profissional e cen-

    trar seu foco na reflexo sobre sua prtica

    junto s crianas, como forma de pesquisar

    modos mais sensveis de cuidar delas e de

    educ-las. Conforme o professor busca co-

    O professor busca familiarizar

    a criana com prticas

    culturais e com significaes

    historicamente elaboradas

    para orientar o agir das

    pessoas e para compreender

    as situaes e os elementos

    do mundo.

  • 34

    nhecer cada uma das crianas de seu grupo,

    ele pode aperfeioar suas observaes sobre

    elas e discutir o seu olhar sobre as situaes

    cotidianas em momentos de formao con-

    tinuada na unidade de Educao Infantil.

    Assim, a formao inicial e continuada do

    professor que ir trabalhar com as crianas

    de zero a seis anos dever garantir-lhe o do-

    mnio de competncias para:

    organizar condies de acolhimento,

    cuidado e aprendizagem das crianas;

    interagir com as crianas de modo a

    mediar-lhes sua aprendizagem e de-

    senvolvimento;

    pesquisar recursos e materiais ade-

    quados educao e ao cuidado das

    crianas;

    interagir com as famlias, reconhecen-

    do-as como parceiras no processo de

    aprendizagem e desenvolvimento das

    crianas;

    refletir sobre sua prtica docente co-

    tidiana em termos ticos, polticos e

    psicopedaggicos.

    Tal processo formativo necessita articular

    as teorias e as prticas pedaggicas. O de-

    safio de conciliar os aspectos mais polticos

    do trabalho educacional com discusses de

    formas mais eficientes de ao pedaggica

    ainda no foi concretizado pelos professo-

    res, persistindo, muitas vezes, mudanas

    de discursos, mas no de procedimentos e

    atitudes. Princpios tericos foram por eles

    apropriados via discursos, mas no pelo co-

    nhecimento e pela apropriao de novas for-

    mas de trabalhar com as crianas.

    Para tanto, a concepo curricular de um

    programa de formao docente para a Edu-

    cao Infantil deve:

    discutir com os professores em for-

    mao o papel poltico de sua atuao

    como recurso para que as crianas te-

    nham assegurado o direito infncia e

    a uma educao de qualidade.

    garantir-lhes o domnio de conceitos e

    habilidades necessrios para uma atu-

    ao promotora da aprendizagem e do

    desenvolvimento das crianas, o que

    requer um conhecimento sobre os fa-

    tores mediadores do processo de elas

    construrem significados sobre o que

    as cerca e sobre si mesmas.

    fortalecer atitudes de acolhimento e

    de respeito mtuo s crianas e a seus

    familiares, dentro de uma prtica pe-

    daggica que integra educar e cuidar.

    trabalhar com os professores um mode-

    lo pedaggico que reconhece o direito

    que toda criana tem de viver a infn-

    cia e ser acolhida em um contexto que

    a respeite como ser humano singular, e

  • 35

    que privilegia a realizao pela criana

    de atividades de explorao ldica em

    diferentes campos de experincias.

    incentiv-los a examinar o modo como

    reagem diante de certas situaes, a

    lidar com os prprios desejos e ima-

    ginao, a reconhecer suas emoes

    e trabalhar certos sentimentos que o

    trabalho com crianas to pequenas

    lhes despertam, de modo a poder es-

    tabelecer uma relao segura com a

    criana e com ela co-construir conhe-

    cimentos em clima afetuoso.

    criar-lhes oportunidades para refletir

    sobre os conflitos surgidos na relao

    professor-criana e professor-famlia.

    envolv-los na apropriao de itens

    significativos do conhecimento histo-

    ricamente construdo, de modo a ca-

    pacitar-lhes para mediar a construo

    de saberes pelas crianas pequenas

    sobre o mundo das cincias, das artes,

    sobre o fantstico e sobre si mesmas.

    incentiv-los a dominar diferentes

    linguagens presentes na expresso

    artstica para melhor atuar como

    mediadores do processo de desenvol-

    vimento da criatividade e imaginao

    das crianas.

    estimular-lhes a iniciativa e a autono-

    mia intelectual e fortalecer seu pen-

    samento crtico, seu raciocnio argu-

    mentativo, sua sensibilidade pessoal

    e sua capacidade para trabalhar em

    equipe e para a tomada de decises

    nas situaes interativas que estabele-

    cem com as crianas, seus familiares e

    colegas de trabalho.

    aproxim-los de vrias fontes de in-

    formao: livros, internet, exposies,

    debates, visitas a outras instituies,

    cinema, msica, e promover a amplia-

    o do seu universo leitor e escritor.

    estimular-lhes a documentar suas pr-

    ticas e a sistematizar suas reflexes em

    vrias formas de registro, de modo a

    construir novos conhecimentos na rea.

    propiciar-lhes oportunidade de serem

    ouvidos e de se assumirem como pro-

    tagonistas de seus processos de cresci-

    mento profissional e pessoal.

    Espero que os pontos aqui colocados gerem

    proveitosos debates que tanto acolham os

    desejos e necessidades formativas dos pro-

    fessores que trabalham com as crianas de

    zero a trs anos em creches ou unidades

    com outra denominao, quanto renovem o

    que hoje se pensa sobre o cotidiano das ins-

    tituies educacionais e sobre os programas

    de formao docente nos diversos nveis de

    ensino.

    Para saber mais:

  • 36

    ALARCO, Isabel. Professores reflexivos em

    uma escola reflexiva. So Paulo: Cortez Edi-

    tora, 2003.

    BARRETO, ngela M. R. Por que e para que

    uma poltica de formao do profissional

    de educao infantil?. MEC/SEF/COEDI. Por

    uma poltica de formao do profissional de

    Educao Infantil. Braslia: MEC/SEF/COEDI,

    1994, p. 11-15.

    GATTI, Bernadete. Formao continuada de

    professores: a questo psicossocial. Cader-

    nos de Pesquisa, n.119, 191-204, julho/2003.

    MOLON, Susana Ins. Entrelaando a psico-

    logia e a pedagogia: uma reflexo sobre a

    formao continuada de educadores luz

    da psicologia scio-histrica. Contrapontos,

    ano 2 , n.5, p.215-225, Itaja, maio/agosto

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    NVOA, Antonio. Vidas de professores. Porto:

    Porto Editorial, 1992.

    ONGARI, Brbara & MOLINA, Paola. A educa-

    dora de creche: construindo suas identidades.

    So Paulo: Cortez, 2003.

    OLIVEIRA, Zilma M.R. Educao Infantil: fun-

    damentos e mtodos. So Paulo: Cortez Edi-

    tora, 2001.

    OLIVEIRA, Zilma M. R. et al. Desafios no

    planejamento curricular de programa de

    formao pedaggica de educadores de cre-

    ches em creches em curso normal de nvel

    mdio. Contrapontos, vol. 4, n. 1, 43-56, Ita-

    ja, jan./abr. 2004.

    OLIVEIRA-FORMOSINHO, Julia. O desenvolvi-

    mento profissional dos educadores infantis:

    entre os saberes e os afetos, entre a sala e

    o mundo. Em J. Oliveira-Formosinho e T.

    M. Kishimoto (orgs.). Formao em contex-

    to: uma estratgia de integrao. So Paulo:

    Pioneira, Thomson Learning 2002, p. 41-88.

    SCARPA, Regina. Era assim, agora no: uma

    proposta de formao de professores leigos.

  • 37

    Presidncia d