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Edson Antônio Velano

ESCRITOS DA JUVENTUDE

Crônicas e Poemas

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À vida, que me tirou tantose me deu Maria do Rosário, Larissa, Viviane, João Vitor, Gabriela e Alzira Rodrigues Velano.

Edson Antônio Velano

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SUMÁRIO

Prefácio ...............................................................

Da Janela do Sobrado .......................................

Encontro Marcado ............................................

Poemas ................................................................

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PREFÁCIO

Jornal do interior, por mais modesto que seja, não só presta para velar pelos interesses do município, informar acontecimentos locais, como também para abrigar e estimular o jovem poeta, o promissor cronista, o repórter, o articulista de primeira página que, após mitigada a sede literária em outras fontes, vêm ao jornal dar à luz, porque a pena, a máquina de escrever são ótimas parteiras, espevitadoras do espírito, evitam que a inteligência embolore. O poeta Vigny desabafava: “Por que escrevo, não sei... sinto em mim a urgência de dizer o que trago na cabeça e que quer sair”.

Escrever é tão importante como falar. Se o homem não se purgasse de seus pensamentos, morreria congestionado. Para muitos é uma necessidade catártica, um alívio. Guerra Junqueiro, o grande poeta, dizia que não fazia versos por vaidade. Fazia-os pela mesma razão que o pinheiro faz resina, a pereira, peras; a macieira, maçãs.

Conheci Edson, que, na juventude, tinha muito o que contar.

Admirei-o compondo excelentes artigos para o nosso jornal, esteve conosco em nossas andanças discutindo teatro, dando opiniões e comentando peças e livros. Com inteligência, cultura, intuição, foi descobrindo caminhos, novos atalhos e veredas, mudando a face de Alfenas. Era tanto o amor pela

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terra natal que derramava o coração nos livros que publicou e nas homenagens que prestava. Arguto, fino observador, pleno de verve, via a cidade como um astronauta pairando sobre nossas paisagens, pinçando fatos, acontecimentos, episódios, personalidades, tudo aflorando no que escrevia, como “Floriano Cambará” e “Fernão Jacobino”. Trabalhos que enriqueceram as páginas do saudoso “O Alfenense” e que estão presentes neste livro. São do tempo do jornal feito a unha, letra por letra, espaço por espaço, vírgula por vírgula, ponto por ponto. Como Machado, seu talento despontou na imprensa, tudo quis conhecer da arte gráfica empunhando componedores, enfileirando tipos, tal como inventara Gutenberg. Suas crônicas davam à prosa um cunho de elegância, bom gosto, eficiência, humor e até poesia. Na frase de Murilo Mendes, o homem possui dois olhos por fora e muito mais olhos por dentro. O jornalismo deu a Edson centenas de visões. Não enterrou talento, como o personagem da Bíblia, voltava sempre a escrever sobre a “Vila Formosa”. Neste volume, escritos esparsos de um jovem que tinha muito a dizer.

Waldir de Luna Carneiro

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Edson Antônio Velano

DA JANELADO SOBRADO

Floriano Cambará

Crônicas publicadas em “O Alfenense”,de março de 1963 a janeiro de 1965

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“Uma geração vai e outra geração vem, mas a terra para sempre permanece, apregoa o Eclesiastes, e junto com a terra o clã dos Cambarás. Rodrigo se foi, despedindo-se dos leitores à maneira gaúcha: com pouca conversa. E nós iniciamos esta coluna do mesmo modo.”

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Capa da edição de “O Alfenense”, de 24 de março de 1963, que publicou a primeira crônica de Edson Antônio Velano, na seção “Da Janela do Sobrado”, sob o pseudônimo “Floriano Cambará”

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24 de março de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Uma geração vai e outra geração vem, mas a terra para sempre permanece, apregoa o Eclesiastes, e junto com a

terra o clã dos Cambarás. Rodrigo se foi, despedindo-se dos leitores à maneira gaúcha: com pouca conversa. E nós inicia-mos esta coluna do mesmo modo.

O Dr. Samuel de Vilhena Valadão tem um plano para am-pliação da Estação Rodoviária, que, ao que tudo indica, será apresentado dentro de pouco tempo à apreciação dos Srs. Vereadores. Oportunamente vamos comentá-lo.

O engenheiro Lyrs, vice-presidente da Central Elétrica de Furnas S.A. esteve na semana passada em Alfenas, para discutir alguns aspectos da construção da rodovia Furnas--Fernão Dias. Por outro lado, o prefeito da cidade recebia telegrama do Dr. Faveret prometendo visitá-lo brevemente, a fim de dar uma resposta definitiva sobre as reivindicações do município.

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Na Câmara dos Vereadores de Poço Fundo, ilustre edil apresentou um projeto por ele considerado “genial”. Diz nada mais nada menos o aludido projeto que os muros do Cemitério deverão ser demolidos. Na sua justificativa alega o arejado que “não há necessidade de muros, pois os que estão fora do cemitério não querem entrar, e os que estão dentro não podem sair”!!!

Um visitante agregou ao Sr. Adolpho Pereira: “Sua cidade é muito bonita, tem muitas escolas, o povo é bom, mas cheira mal.”

A propósito, é o seguinte: o texto da lei nº 279, de 13 de agosto de 1995, Livro III, Capítulo II, Título II:

“Artigo 106 – É proibida a criação e engorda e porcos na cidade e vilas, observados os limites do perímetro urbano.

Parágrafo Único: Aos infratores no disposto neste artigo, será imposta a multa de Cr$ 100,00 a Cr$ 500,00.”

A lei é clara, basta que seja cumprida.

Lamentável o estado em que ficou a praça da Bandeira, apesar da reforma. Traçado antiquíssimo, sem nenhuma atu-alidade, acompanhando as diretrizes em que eram construí-das as praças e jardins em 1900. Por que não executaram o projeto apresentado pelo então prefeito Antonio da Silveira, que apesar de dispendioso deixaria aquele local como um dos mais lindos logradouros do país?!!

Reminiscência de Rodrigo Cambará: ninguém deu notícia da banda de música da prefeitura?

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O vereador Antonio Tibúrcio apresentou projeto à Câma-ra, sugerindo que, em vista do problema do tráfego na cida-de, a prefeitura construísse diferenças de níveis nas principais esquinas da cidade.

O vereador Manoel Taveira Barbosa, da Comissão de Via-ção e Obras Públicas, deu parecer contrário à proposição do líder pessedista.

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31 de março de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Ainda sobre a engorda de suínos: o Dr. Napoleão Salles congratulou-se com a nossa disposição de combater a

proliferação de chiqueiros no centro da cidade.Um outro leitor mais benevolente pediu que sugeríssemos

ao prefeito municipal que tomasse providências para que os criadores pelo menos construíssem chiqueiros cimentados e constantemente limpos. Outro mais positivo disse textual-mente: “O prefeito deve tomar a sério esta questão em be-nefício da população.” E o último indagou se o Posto de Higiene não tinha nada com a história!

O posto Ipiranga, adquirido por uma sociedade coopera-tiva, já está vendendo dois mil litros de gasolina por semana, três cruzeiros mais barata do que em outros locais.

A ideia cooperativista vem se expandindo, sendo pensa-mento de se montar uma farmácia nos mesmos moldes do Posto, e sem finalidade de lucro.

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Em ofício dirigido aos diretores de Furnas, o Diretor do Ginásio Estadual, prof. Sebastião Mariano Franco de Car-valho, depois de observar detidamente os agudos reflexos da inundação da represa no terreno social, solicitou dentre outras coisas um projetor de filmes de 16 mm, um gravador de som para o ensino de línguas. O Dr. Faveret prometeu atendê-lo.

A Central Elétrica de Furnas mandou construir, às suas próprias expensas, na Granja Escola Licurgo Leite Filho, diversos melhoramentos nas instalações sanitárias, o que é bastante louvável. Pena que exista naquela entidade grande desajuste de administração!

As instalações sanitárias da Estação Rodoviária depõem contra a cidade. Quem tomará providências?

Se realmente o Sr. Waldemar Miguel transferir suas insta-lações para Alfenas, tenciona montá-las, provisoriamente, na antiga Estação Ferroviária.

O Sr. Antonio Carlos Vieira da Cunha, gerente do Banco do Brasil, envia ao diretor de “O Alfenense” o seguinte:

“Caro amigo Edson, Tenho o prazer de acusar o recebimento de sua atenciosa

carta de 11 do corrente, na qual me foi comunicada a sua posse como diretor do nosso querido ‘O Alfenense’.

A escolha recaiu em quem de direito merece o lugar. Foi das mais felizes a designação. Já antevejo o seu êxito e me coloco, como sempre, às suas ordens.”

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Também o Sr. Nelito Nogueira de Araújo se manifestou: “Sensibilizado pela sua comunicação, apresento felicitações pela merecida investidura, na direção de ‘O Alfenense’.”

O General Flammarion Pinto de Campos esteve na cida-de. Lembrou-se da antiga paineira, onde sob os seus galhos reuniam-se os escoteiros.

Revelou também que esteve envolvido indiretamente no caso de Aragarças, pois no Recife haviam organizado um grupo de militares que combateriam qualquer tipo de golpe contra a constituição.

No avião em que viajava um desses militares, que era liga-do ao grupo de Aragarças, também foi encontrada uma pasta com os nomes de todos.

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07 de abril de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Comentando um coquetel dançante levado a efeito pela JIC, um colunista acredita que o fato atingiu as raias da

heresia.Do seu escrito deduz-se que o catolicismo autêntico é o

que não foge do beatismo tradicional, dentro dos estreitos limites das formas exteriores. E arremata: “Se o Papa conhe-cesse o Brasil talvez não tivesse autorizado, ainda mais na nossa quaresma, em pleno verão...”

Quem sabe se o colunista não gostaria de escrever uma longa carta para o Vaticano, repassada da bizarra indignidade das velhas marralheiras, revelando às autoridades da Igreja que na América do Sul existe um grande país de clima quente que se chama Brasil, onde católico autêntico é aquele que não dança na quaresma, e onde vicejam estranhos Conselheiros Acácios...

A turba se reuniu em torno do pobre rapaz que fora apro-

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vado no exame vestibular, e fizeram dele como os índios fa-ziam quando agarravam qualquer cara-pálida. Pintaram-no, cortaram seus cabelos, e o deixaram em condições de ser queimado vivo, como faziam os selvagens, que nunca sonha-ram com Escola Superior.

À noite, com gritos de guerra, em plena praça pública, fizeram o moço abraçar e beijar uma pobre louca que constantemente fica pelas ruas, o que provocou, nos outros caras-pálidas que não são universitários, asco e repulsa!

No dia seguinte vestiram “dólmãs” e muita gente ao vê-los acreditou que realmente eram doutores...

Podemos revelar a causa do desentendimento de Furnas e Andrade Gutierrez: construção de aterros.

Furnas exige da companhia que os aterros sejam feitos de molde a suportar as águas das enchentes futuras, e esta quer construí-los de outra maneira.

Depois de enviar votos de êxito à nova direção do Jornal, o Dr. Gilberto de Sousa, chefe do Posto de Higiene, comen-ta:

“Aproveitamos o ensejo para prestar-lhes uns esclareci-mentos referentes a um tópico de seu número de ontem, na coluna ‘Da Janela do Sobrado’, na qual surge uma pergunta relacionada com a existência e proliferação de chiqueiros na cidade. Indaga-se se o Posto de Higiene não tinha nada com a história. Devemos esclarecer, e por intermédio de ‘O Al-fenense’, à opinião pública que, de acordo com o que dispõe a lei nº 28 (lei de organização municipal), em seu artigo 19, item XXVIII, a fiscalização passou para a competência do município. Mas, conforme temos agido em todas as adminis-trações passadas, colaboramos com a prefeitura na referida

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fiscalização fornecendo guardas, que, sob a responsabilidade legal do município, e, juntamente com funcionários munici-pais, percorrem a cidade promovendo as devidas notifica-ções. E assim continuaremos a agir, na convicção de estamos cumprindo o nosso dever.”

Durante três dias as moças da JIC, de diversas cidades da região, reuniram-se em Alfenas, num proveitoso encontro.

Foi escolhido para Presidente da Cooperativa, que man-tém o Posto Ypiranga, o Dr. Antonio Silveira.

Auspiciosa a notícia que nos chega da provável instalação de Escolas de Direito e Agronomia. Que todos se unam para a concretização dessa ideia, e que ninguém olhe descrente, dizendo entre dentes: “Bobagem, não sai”!

Finalmente foram nomeados os funcionários da Faculda-de de Farmácia e Odontologia de Alfenas que, desde sua fe-deralização, têm-se mantido como podem e que agora estão amparados pelo Governo.

Fato de suma gravidade: o Sr. Abel Faleiro teria revelado a um político local que desejava instalar uma subagência dos Correios na Estação Rodoviária, porque isso daria ensejo à nomeação de pelo menos dois funcionários. Caramba. Para que mais???

O Juiz de Direito de Três Pontas, em Edital Publicado na Imprensa local, mandou hastear em praça pública diversos

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bens do Sr. Paulo de Paiva Loures, prefeito eleito daquela cidade, em virtude de estar em débito com a Previdência So-cial.

O que é interessante é que o referido senhor ainda não to-mou posse na prefeitura, e que o edital diz textualmente que ele “está em lugar incerto e ignorado”.

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14 de abril de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

A Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas acaba de receber a verba de Cr$6.456.000,00, referente a 1961,

destinada a pagar funcionários e adquirir aparelhos para as cátedras.

Quem conseguiu desterrá-la foi o prof. João Bastos, quan-do ninguém acreditava que pudesse consegui-lo.

Informa-nos “O Estado de São Paulo” que o prefeito da capital bandeirante sancionou lei que faculta aos proprie-tários de imóveis lindeiros às vias públicas do município pavimentá-las, por intermédio de firmas registradas, desde que requeiram ao prefeito e se responsabilizem pelo custo.

Este dispositivo de lei permitirá o calçamento de vias pú-blicas que não estejam no plano de pavimentação da prefei-tura.

Esse exemplo poderia ser seguido pela prefeitura de Alfe-nas, que não está em condições de realizar o calçamento de todos os trechos solicitados.

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Dando incondicional apoio à ideia da fundação das Es-colas de Direito e Agronomia, o Prof. João Bastos sugeriu que se utilizasse o prédio onde funcionou o antigo Mercado Municipal, e ali se construísse um grande edifício, de 4 ou 5 pavimentos, destinado a abrigar as escolas, restaurante dos estudantes e outras faculdades que no futuro fossem criadas.

Dentre as reivindicações que foram apresentadas a Fur-nas, figura a instalação de mais um circuito telefônico para Varginha.

Mais uma vez a ACAR se movimenta. Desta feita foi o Curso para professoras Rurais, de grande proveito para aque-les que estão em estreito contato com as populações da roça e na obrigação de educar e transformar o meio rural.

Suspeitas de Tifo na água de Furnas. Algumas pessoas, alarmadas, procuraram nossa redação, pedindo providências por parte das autoridades sanitárias, em virtude dos suspeitos casos de tifo. Argumentam que na semana passada Hercules Oliveira Rocha faleceu no Hospital de Varginha, vitimado pela terrível doença, e que em Campos Gerais existem mais dois casos idênticos.

Um exame mais sério da bacia de Furnas poderia esclare-cer se são infundadas ou não essas suspeitas.

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30 de junho de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Muito se fala em partidos políticos e no grande prestígio que o PTB teria alcançado no panorama político na-

cional. A propósito, convém citar alguns tópicos que o edi-torialista Wilson Figueiredo, do Jornal do Brasil, inseriu na extraordinária revista “Cadernos Brasileiros”. Depois só nos resta esperarmos a quilométrica explicação do Dr. Geraldo Cardoso.

“Em matéria de indefinição os partidos políticos brasilei-ros começaram por adotar nomes que não correspondem aos propósitos que enunciavam. O Partido Trabalhista não sente falta de definições porque tem uma filosofia particular ― o petebismo ― aplicações mais vistosas sobre um tecido sindical, trabalhado com os únicos teares que o pessedismo não soube utilizar. No Brasil, o Partido Trabalhista tem sido petebista. O ideal trabalhista foi apenas o luxo de alguns inte-lectuais. Os poucos homens que tentaram ser trabalhistas no PTB ― que floriu no galho seco da Ditadura ― não conhece-ram o êxito eleitoral nem chegaram aos comandos políticos.

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Até hoje, em dezoito anos de democracia, o PTB fez mais petebismo que trabalhismo. Não conseguiu ser importante no estado mais industrializado no Brasil. Continua um saco de gatos em São Paulo, incapaz de conquistar a liderança po-lítica num estado de grandes massas operárias.”

“Não se limita a São Paulo a falta de identificação do PTB com os trabalhadores. Minas, também industrial a caminho de plena expansão, desconhece praticamente o PTB, que vive das sobras eleitorais e das fraquezas humanas e políticas que os grandes partidos PSD e UDN não conseguem repartir.”

“Ainda mais: a fraqueza do PTB não se confina à área in-dustrial do país. Estende-se às regiões menos desenvolvidas economicamente, que se mostram insensíveis à mensagem política do trabalhismo. Falta irremediavelmente ao PTB ex-periência de oposição, que serve para apurar convicções e expulsar o oportunismo. Somente a integração do partido ao espírito trabalhista, em modelo mais alto do que a saudade de Vargas, levará o PTB à área industrial paulista e à pobreza do nordeste.”

Remetendo ao diretor-gerente deste Jornal uma carta, o Sr. José Lima, da Guanabara, escreve o seguinte: “Aproveito a oportunidade para cumprimenta-los pela vitoriosa campa-nha contra os pescadores profissionais que ameaçavam aca-bar com os nossos peixes”.

A decisão do Tribunal de Alfenas, no caso do assassinato de Alterosa, foi bastante justa e humana. Os jurados conse-guiram aplicar a justiça com dose enorme de humanismo.

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07 de julho de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Nas vitrines do Orsi foram expostos os produtos que o povo dos Estados Unidos doa para o povo brasileiro.

A exposição, que foi de inspiração rotária, como era de se esperar causou as reações mais opostas possíveis: a “esquer-da” regional condenou abertamente a iniciativa, e a “direita” cabocla viu com bons olhos a ideia. Não conseguimos ouvir nenhuma opinião da turma do “centro”.

Vejamos o que o redator principal do “Jornal do Brasil” escreve a respeito do PSD: “O PSD, de acordo com a anedo-ta histórica, recebeu telegrama de felicitações de um partido social-democrático europeu, por ter alcançado o poder com a vitória do General Dutra nas eleições presidenciais de 1945. Os europeus podem ter se enganado. Os brasileiros sabiam que a social democracia, matiz da esquerda não-comunista, não assentava bem ao partido que se constituiu com o acervo administrativo e político que sobrou do Estado Novo, incor-porando figuras reveladas na ditadura e forças que vinham de mais longe, identificadas com os vícios antigos. À sombra do

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poder o PSD não prospera mais: porém retarda no tempo a decadência eleitoral que o espera. Hoje, com a multiplicação das massas urbanas e politização popular, o pessedismo pro-cura ser um instrumento conservador com poder de adapta-ção. Tem um arsenal de fórmulas políticas inesgotável ― para atendimentos de cúpula, porém cada vez mais suas astúcias se revelam inoperantes, dadas as alterações que se (...) da vida nacional”.

Na “Churrascaria Menina-Moça”, durante uma reunião do Rotary Clube, palestrando os Prefeitos de Alfenas e Ma-chado.

Este último relatou o que vinha tentando para que fosse construída a estrada Alfenas-Machado, pela Central Elétrica de Furnas, dizendo que depois de construída essa estrada ele conseguiria que se fizesse a ligação Machado-Careaçú, que viria facilitar a ligação desta zona com São Paulo. O Prefeito de Alfenas também está empenhado na construção da rodo-via, mas até o momento Furnas não se decidiu.

Paulo Chandó, depois de presenciar o magnífico “show” na festa do Lions Club, quando tomou posse o novo presi-dente, João Lemos Salgado, manifestou de viva voz sua ad-miração por em Alfenas haver artistas de tanto talento. Paulo Chandó faz parte do Departamento de Turismo de Poços de Caldas, e constantemente está em contacto com artistas do Rio e São Paulo. Atuaram naquela noite o simpático “Con-junto Alvorada”, a Família Flauzino e outros elementos de inegável valor.

Benedito Cyrilo de Oliveira, o grande poeta contempo-râneo, naquela noite também deu a sua contribuição, decla-mando alguns versos de sua lavra.

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Cogita-se, na Assembleia, em aprovar a criação de uma Universidade, em Poços de Caldas.

Nenhum dos nossos queridíssimos (...) que a Universida-de de Poços, como a de Varginha e a de Itajubá estará apenas na letra do papel, mas daí a sua concretização é um passo pequeno. Onde estará o deputado Augusto Zenum?

Reassumiu a Chefia da Coletoria Federal em Alfenas a par-tir do dia 1º do corrente, o Sr. Luis do Prado Ferreira Lopes, operoso e estimado Coletor titular.

Acaba de ser nomeado para Inspetor do Banco do Brasil, em Curitiba, o Sr. Antonio Carlos Vieira da Cunha, atual ge-rente em Alfenas.

Em pouco tempo, e à custa dos seus próprios méritos, Antonio Carlos projetou-se de tal maneira no Banco do Brasil que a sua promoção não causou grande surpresa para quantos convivem com ele e conhecem suas possibilidades.

Diversas pessoas estiveram nesta redação para solicitarem, publicamente, do Delegado de Polícia, que acabe uma vez por todas com o futebol nas ruas. A rua Bias Fortes, prin-cipalmente, serve de campo futebolístico para a garotada, o que além de atrapalhar o trânsito causa acidentes e trans-tornos para os habitantes daquele logradouro. Confiamos na ação do Delegado.

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14 de julho de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Francisco dos Reis e Silva, em conversa numa roda de ami-gos, revelou que com as iniciativas tomadas pelo prefeito

Samuel Valadão, dentro de dois meses será solucionado pro-visoriamente o problema da água em Alfenas. O ex-prefeito mostrou-se entusiasmado com a administração nesse setor.

Ainda sobre Francisco dos Reis e Silva: a Câmara Muni-cipal não aprovou a despesa da compra de uma placa co-memorativa da inauguração da nova Caixa D’Água, e cujo montante atinge a casa dos Cr$ 40.000,00.

Resultado: o ex-prefeito terá que fazê-lo com os seus pró-prios recursos.

“O Inspetor está lá fora” possivelmente será a próxima peça montada pelo “Carvalho Jr.”, na comemoração de seu 10º aniversário, em Setembro.

O deputado Manoel Taveira, na redação, depois de ler a

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notícia da verba para o Ginásio de Serrania, usou da palavra e exibiu ao repórter o rascunho das verbas que vai destinar para Alfenas: guardamos de memória, uma para o Hospital de Alfenas, 50 milhões, e outra para a Associação Educacio-nal de Alfenas, a mesma quantia.

O Sr. Samuel Valadão, com vistas a um provável enten-dimento que poderia haver para doação do patrimônio do Colégio de Alfenas ao Estado, fez a seguinte proposta pela prefeitura: 15 milhões de cruzeiros!

Ainda não recebeu a contraproposta.

O deputado Manoel de Almeida remeteu a um seu amigo particular, na cidade, o seguinte telegrama: “Participo pre-zado amigo que coloquei seguintes subvenções para Alfe-nas: Grupos Escolares Levindo Lambert e Arlindo Silvei-ra, subvenção ordinária de 100.000,00 cada um. Associação Damas de Caridade 100.000,00, verba ordinária. S A R A I, 100.000,00. Orfanato Santa Inêz, 200.000,00. Grupos Esco-lares José Bento e Minas Gerais 200.000,00 cada um.

Apresentei várias emendas interesses municipais. Abraços.Manoel de Almeida”.

Em entrevista concedida à Rádio Cultura, a professora Maria da Conceição Carvalho observou que um dos proble-mas que mais preocupam a cidade, no momento, é o do me-nino abandonado.

Os bancos da praça, de manhã e à tarde, principalmente, são focos de comentários e de agrupamentos de políticos, homens de negócios e até de desocupados.

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Ali se fala desde Carlos Lacerda até a estranha mulher que...

Bastante cumprimentado pela sua promoção, o Sr. Anto-nio Carlos Vieira da Cunha dentro de poucos dias partirá para o Rio, a fim de fazer um estágio, e logo depois seguirá para Curitiba, onde exercerá suas novas funções.

Você sabia que em Alfenas existem 4 fábricas de tecidos, 2 de bonecas, 3 de calçados, 1 de macarrão, 1 de ladrilhos e 5 de laticínios?

Você sabia que este ano não haverá a Exposição Agrope-cuária e Industrial? Isto porque foi mudada a época de sua realização para abril, e seria extremamente difícil realizar-se uma exposição seis meses depois da outra?

O Rotary Clube de Alfenas proporcionou ao público um “show” na Concha Acústica, domingo último, ao mesmo tempo em que colocava em exposição os produtos que o povo norte-americano doa ao Brasil. O que se lamenta é que a nossa Concha Acústica esteja tão descuidada, a ponto de todas as lâmpadas estarem queimadas, o que dificultou a rea-lização do espetáculo. Pedem-se providências.

E por falar em Rotary, este enviou um oficio ao Dr. John Cotrin, com a assinatura de diversas autoridades, solicitando doação do prédio que Furnas irá desocupar dentro de pouco tempo, a fim de que ali se instale uma escola profissional. O imóvel seria doado a uma instituição, e esta se encarregaria

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de montar e manter a escola profissional. Apesar de o Dr. Cotrin até hoje nada ter concedido à região, não é demais aguardarmos com uma certa esperança...

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21 de julho de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Causou sensação entre nós a presença do cineasta carioca Luis de Barros, que faz cinema no Brasil desde 1918.

O ilustre produtor e diretor de cinema, que começou sua carreira na França, na Gaumont, procurou-me para deixar nesta coluna as suas saudações ao povo alfenense pelo qual se sentiu cativado desde o primeiro instante. São suas as pa-lavras: “Desconhecia o Sul de Minas e o povo desta região, confesso-me encantado com a sua cultura, sua lhaneza e sua amabilidade”. Cumprimento-o pela bela cidade que possui, pelo seu Prefeito, verdadeiro “gentleman”, pelos seus líderes políticos que se revelaram lúcidos e esclarecidos, (...) e altru-ísticos. “Vi uma cidade limpa, e uma gente das mais cativan-tes. Na minha longa carreira de cineasta poucas vezes me foi dado o prazer tão intenso como (...) em Alfenas”.

Parece que tudo veio a calhar: o Centro de Turismo da Represa foi um dos locais escolhidos pelo cineasta cario-ca... Para filmagens! Ainda mais: se o filme for uma realida-de, não menos reais serão vários de seus intérpretes, gente

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daqui mesmo, talentos nossos cooperando com artistas profissionais do Rio. Não é formidável? Ou vamos deixar escapar a oportunidade?

Mais uma sobre o Centro de Turismo, ouvida em frente ao Clube XV: “Está parecendo até as nossas republiquetas sul--americanas: cada dia amanhece com um novo presidente”.

Soubemos que mal circulou nossa última edição, este jor-nal passou imediatamente pelas mãos dos “habitués” dos bancos da praça. A nota que publicamos causou sensação, e naquele dia não se falou noutra coisa senão na estranha madame que...

Duas retificações: Cr$52.228,80 é exatamente a quantia que a Câmara Municipal, por unanimidade, resolveu não aprovar, proveniente da compra de uma placa para a nova caixa d’agua, e não Dr$40.000,00. Do mesmo modo, a verba que o deputado Manoel Taveira vai destinar à Associação Educacional de Alfenas é de 20 milhões, e não como fora anteriormente divulgado.

O deputado Manoel de Almeida, em rápida visita à cida-de, estabeleceu alguns contatos políticos. Na solenidade do Hospital, palestrou longamente com o prefeito e com o pre-sidente do PSD.

Até o fim deste mês deverá chegar a esta cidade a Comis-são Parlamentar de Inquérito, destinada a apresentar solu-ções para os problemas advindos com Furnas.

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A CPI tem como presidente o deputado Manoel de Al-meida.

A rua 18 de Maio está se tornando corredor para o trans-porte de gado para o matadouro. Na semana passada uma vaca entrou numa das residências daquela rua, causando, como é natural, verdadeiro pânico.

Esperamos providências

Os inspetores de Trânsito bem que poderiam tomar pro-vidências enérgicas com relação às bicicletas que não obe-decem às convenções do trânsito, e andam quase sempre de contramão.

Centro de Turismo faz-nos lembrar Manuel Bandeira:“― Meu pai foi à guerra!― Foi!― Não foi!”Assim, também:― Vai se construir na Ponte das Amoras!― Vai!― Não vai!

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28 de julho de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Tivemos informação que a Terral S.A.- Maquinas agrí-cola – de São Paulo enviou ao Serviço de recuperação

do Adulto e da Infância de Alfenas, um cheque de 30 mil cruzeiros, como contribuição daquela importante firma aos necessitados de Alfenas. Na carta enviada pelo Sr. A. Brick, supervisor administrativo da empresa, o mesmo assinala a satisfação com que a Terral fazia aquela oferta na certeza de assim, estar contribuindo para a obra assistencial do SARAI.

O Lions Clube de Alfenas, na gestão do Dr. Aprígio Go-mes de Oliveira, entregou no orfanato Santa Inês, na pessoa de sua presidente, D. Maria Laura Valadão, a importância de 158 mil cruzeiros para construção de um abrigo para o re-creio das meninas ali internadas. Do mesmo modo, e ainda por intermédio do Dr. Aprígio, fez a doação do mobiliário completo para o refeitório daquela instituição. Trata-se de mobília de fórmica, contendo 12 mesas, 48 cadeiras e 2 “bu-ffets”.

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O deputado Milton Reis comunicou ao Dr. Antônio Mar-cial Faria que da sua subvenção pessoal destinou as seguin-tes para Alfenas: União Operária, 200.000,00; Associação das Damas de Caridade, 200.000,00; Paróquia de N.S Apa-recida, 200.000,00; Escola Técnica de comércio de Alfe-nas, 200.000,00; Paróquia de São José, 200.000,00; Colégio Municipal, 200.000,00; Associação Alfenense de Proteção à Infância, 200.000,00; e Orfanato Santa Inês, 300.000,00, to-talizando a importância de Cr$ 1.700.000,00.

De Belo Horizonte recebi a seguinte carta, assinada pelo jornalista Paulo Navarro Vieira, oficial gabinete do PRP:

“Prezado Colega Floriano Cambará.Atenelosos cumprimentos,Tomo a liberdade de chamá-lo colega, pois também escre-

vo para o jornal, fazendo a coluna Sete Dias na Política, para a Folha de Poços de Caldas.

Lendo em sua conceituada coluna ‘Da Janela do Sobrado’ no Alfenense de 07 de julho último, uma nota referente à criação da Universidade de Poços de Caldas, julguei de con-veniência enviar-lhe o Diário da Assembleia de 28 de junho de 63, que traz a publicação do projeto do deputado Sebastião Navarro Vieira, já apresentado à Assembleia Legislativa.

O projeto foi estudado por mais de quatro meses por diver-sos técnicos no assunto, e até parece-me bem elaborado. As falhas que o amigo nele notar , pedimos que nos sejam notifi-cadas. Qualquer ideia ou sugestão de sua parte será recebida com grande satisfação.

Difere o presente projeto de quantos têm sido apresentado criando Universidades. Evitou-se a criação de diversas facul-dades já existentes na região sul-mineira. Para não prejudi-car Alfenas, nele não constam as Faculdades de Odontologia

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e Farmácia, Direito e Engenharia e ele também não preten-de criar, por que essas escolas superiores já existem, respecti-vamente, em Pouso Alegre e Itajubá. Pela leitura das folhas que lhe mando, poderá o amigo verificar o sentido prático do nosso estudo.

Aguardando suas sugestões, aqui fica ao seu dispor o leitor assíduo ‘Da Janela do Sobrado’,

Paulo Navarro Vieira, Of. Gabinete PRP.”

A Central Elétrica de Furnas está construindo uma estrada que liga Alfenas a Divisa Nova.

A construção da estrada está sendo feita, segundo as in-formações que tivemos, do modo mais moroso possível, e seu término vem sendo adiado sucessivamente. O traçado da estrada, segundo ainda as informações que chegaram até nós, é até incrível.

A estrada não tem desvios para enxurrada e nem está sen-do cascalhada. Resultado: quando chegar a estação chuvosa, ficaremos isolados de Poços de Caldas e aquela região.

Um fazendeiro da zona convidou este repórter para verifi-car in loco o lamentável estado, assim como iria convidar os vereadores para, também visitarem o local, pois o problema está afeto à prefeitura, que tem que zelar pelos interesses do município.

Para aqueles lados nem com telefone se consegue comuni-car, pois as linhas ficaram submersas, e se a estrada for cons-truída como está sendo, o isolamento será completo.

Por que o Sr. Prefeito de Alfenas não dá um pulo até lá?

A União Operária de Alfenas e os festeiros da Festa de São José solicitaram do Delegado licença para montarem o

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popular jogo de víspora, a primeira na sua quermesse, e os segundos na tradicional festa que se realiza todos os anos.

Conversa dali, conversa daqui, argumentação abundante de todos os lados, muita onda, muita deturpação, muita in-transigência, e o delegado teve de bancar Salomão, e o fez sabiamente: não deu autorização a nenhum dos dois pedidos!

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04 de agosto de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

O projeto apresentado pelo deputado integralista Sebas-tião Navarro Vieira, criando a Universidade de Poços

de Caldas, prevê o funcionamento inicial das seguintes fa-culdades: 01) Faculdade de Ciências Econômicas e Adminis-tração de Empresas; 02) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; 03) Faculdade de Medicina; 04) Faculdade de Enfer-magem; 05) Faculdade de Mineralogia e Geologia; 06) Escola Superior de Música e Belas Artes; 07) Escola de Ed. Física.

O projeto estipula ainda que, anexo a Escola de Ciências Econômicas funcionará obrigatoriamente um curso especia-lizado de Hotelaria e Turismo. Também num de seus artigos manda o aluno formado em Medicina assumir o compromis-so de clinicar os primeiros cinco anos no interior.

Aí está o que nenhum dos nossos deputados lembrou--se de fazer. Quanto ao honroso pedido do jornalista Paulo Navarro Vieira para que este repórter examinasse o projeto e apresentasse sugestões, oportunamente o faremos, pois que-remos examinar detidamente a questão.

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Acaba de ser promovido à gerente do Banco Moreira Sal-les, em Lorena, o Sr. Luiz Dias, contador daquele estabele-cimento bancário nesta cidade. A nomeação do dedicado funcionário e inconformado rubro-negro à gerência naquela importante cidade de São Paulo veio coroar longos anos de dedicação ao banco Moreira Salles, cuja diretoria resolveu fi-nalmente premiar tão eficiente funcionário.

Com uma organização impecável, o Lions Clube ofereceu um churrasco, domingo último, em benefício dos alunos po-bres de nossos estabelecimentos de ensino primário. Cum-primentos ao Salgado pelo êxito da sua festa.

O jornalista Hélio Fernandes, o mais bem informado re-pórter do Brasil, foi detido por ordem expressa do Ministro da Guerra. Temei ó pobres jornalistas provincianos não tão bem informados, mas com a mesma audácia do jornalista preso, pois doravante ninguém mais responderá pela vossa segurança, pois como muito bem disse o jurista Franzem de Lima, “é a Ditadura”.

O escritório da Equitativa em Alfenas tem pouco mais de um mês de existência. Vai ser fechado. E depois nos acusam de sermos pessimistas.

A Central Elétrica de Furnas vai financiar, segundo pro-messa formal do Dr. Faveret ao prefeito de Alfenas, a cons-trução de 50 casas populares, no valor máximo de 300 mil cruzeiros. O financiamento será feito nos moldes da Caixa Econômica.

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O Jornal Correio do Sul de Varginha encontra-se numa oposição cerrada ao prefeito José Braga Jordão. Não poupou críticas ao prefeito por haver adquirido uma rural, no valor de mais de 2 milhões de cruzeiros, e todas as suas atitudes são examinadas a fundo pelo combativo jornal.

Despachando o memorial enviado à Câmara dos Vereadores por mais de 500 pessoas, que solicitavam medi-das para conter a absurda elevação de preços na cidade, o presidente Manoel Taveira Barbosa escreveu simplesmente: “Ao Sr. Prefeito, para as devidas providências.”

Supermercado do SAPS, segundo comentário extraofi-cial, iria se instalar em Alfenas, mas não fez até hoje por falta de acomodações. Atualmente só existe um local onde pode-rão instalá-lo sem ônus para a prefeitura: no antigo mercado municipal, onde está atualmente o Diretório Acadêmico. O diretório estudantil funcionou muito bem, durante muitos anos, sem aquela sede, e o prefeito e vereadores terão que re-conhecer que a instalação do supermercado tem muito maior função social do que um mero diretório de estudantes.

Assumiu a contadoria do Banco Moreira Salles S./A., des-ta cidade, o eficiente funcionário Celso Moura Leite. Tam-bém está atualmente na gerência do Banco Hipotecário de Alfenas o jovem Nabor Toledo Lopes, em substituição ao titular, que se encontra de férias.

A velocidade dos veículos nas ruas centrais de Alfenas é realmente espantosa. Se os fiscais de trânsito resolverem to-mar providência, será multada muita gente graúda.

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O Ministério da Guerra vai lançar uma publicação sobre os monumentos que existem em todas as cidades de Minas Gerais. Solicitou do Delegado da Junta de Alistamento Mili-tar local os dados sobre os nossos monumentos, que são do Cônego José Carlos Martins, Prof. Carvalho e o Monumen-to ao Expedicionário. Foi enviada uma biografia do Cônego José Carlos Martins pacientemente redigida pelo Sr. Nelson do Prado Ferreira Lopes, atualmente o maior conhecedor da história desta Vila Formosa.

Por ato do Sr. Presidente da República, foi nomeado pro-fessor da Escola de Farmácia e Odontologia o Dr. Antô-nio Silveira. Recorda-se que o ex-prefeito não fora nomeado anteriormente em virtude de estar incompatibilizado porque era prefeito.

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11 de agosto de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Com a finalidade de trazer o Botafogo do Rio em Alfenas, D. Carmen Dias tem movimentado o mundo político e

social do país. A vinda do famoso esquadrão futebolístico a esta cidade terá que ser gratuita, e a renda do jogo será rever-tida em favor da Associação de Proteção aos Lazáros de Al-fenas. Na vinda do Botafogo em Alfenas estão empenhados o senador Juscelino Kubitschek, o jornalista Waldemar Asp e toda a colônia alfenense na Guanabara.

Provavelmente deverá vir a esta cidade, por ocasião da Se-mana Farmaco-Odontológica, o senador Camilo Noguei-ra da Gama. Deverá pronunciar uma conferência sobre seu projeto a respeito da indústria farmacêutica.

Um assinante esteve na redação e solicitou-nos que recla-mássemos a respeito do atual estado da Fonte Luminosa. Diz ele que a fonte necessita de uma limpeza geral e mais zelo. Aguardemos as providências.

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O censo de 1950 revela os seguintes estados em Alfenas: População Urbana: 9.178 e Rural: 10.022.

Já em 1960 a situação transformou-se verticalmente, as-sustadoramente, conforme se pode observar no baixo índice da população rural:

Urbana: 16.051Rural: 10.137

Que fim levou a nossa prometida torre retransmissora de Televisão? Soubemos que houve arrecadação entre os pro-prietários de aparelhos, afim de se instalar a nossa torre, e até agora nada. Teria sido dinheiro de mais ou dinheiro de menos? Varginha e Três Pontas há muito tempo já têm sua torre, que, segundo pessoas que não entendem muito do as-sunto, custou pouco mais de 600 mil cruzeiros... mas a nos-sa está projetada para alguns milhões... Fontes extra-oficiais asseguram, também, que o atual aparelho retransmissor foi montado aqui mesmo, e por isso não tem muita potência. Di-zem ainda que em certa ocasião o prefeito ofereceu ao Sr. Plí-nio Cândido uma subvenção da prefeitura para resolver em definitivo o problema. E agora, em que pé estão as coisas? Têm a palavra os nossos caros David Engel e Plínio Cândido.

O convênio assinado por Furnas com a Prefeitura de Al-fenas estípula que serão construídas 50 casas em Alfenas, no valor unitário de 300 mil cruzeiros, mediante financiamento hipotecário a prazo de 15 anos, juros de 12% ao ano, Tabela Price, em local de escolha do interessado, que será de prefe-rência um deslocado de Furnas; será colocado um barco de 5 toneladas no local da antiga Ponte dos Bastos (Baguarí); serão restabelecidas todas as estradas ou comunicações an-teriormente existentes no município, de acordo com o plano

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aprovado, que menciona a colocação de barco de 36 tonela-das para travessia do rio Cabo Verde, na confluência de Mu-zambo Grande (antiga ponte Nova Harmonia); além disso Furnas fará a ligação da cidade à rodovia, no prolongamento da Rua Artur Bernardes, e a prefeitura receberá 30 milhões para o abastecimento d’água, em três prestações mensais de 10 milhões de cruzeiros.

Soubemos que a nota publicada por este repórter domin-go último, com relação ao supermercado do SAPS, recebeu interpretações as mais variadas, principalmente no meio es-tudantil. Longe de nós o querermos achincalhar a briosa clas-se estudantil, e nem tão pouco a magnífica ideia da casa do estudante. Apenas registramos nesta coluna que é de muito maior interesse social que no prédio do antigo mercado seja instalado o supermercado do SAPS. Essa opinião é compar-tilhada por todos aqueles que visam antes de mais nada ao interesse do povo, com os olhos voltados para o bem comum social.

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18 de agosto de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Finalmente chegou a esta cidade a Comissão Parlamentar de Inquérito. Não tão ansiosamente esperada como da

primeira vez, mas assim mesmo a novidade foi que não se ouviu desta feita nem tantas queixas como da outra. Todos os prefeitos e autoridades da região preocuparam-se em levar à CPI reivindicações bastante fundamentadas, tornando por incrível que pareça mais objetiva a reunião.

Fato interessante: todos os três deputados, que já haviam estado na cidade, como membros da primeira Comissão, mostravam-se nitidamente menos entusiasmados que da ou-tra vez. Apenas o que trabalhava com fúria, interrogando, anotando, sugerindo medidas, num entusiasmo quase que ju-venil, era o deputado Manoel Taveira, debutante em Comis-sões Parlamentares de Inquérito.

A fala do prefeito de Machado, perante a Comissão, foi da intransigência com a relação à construção da estrada Alfenas

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– Machado. Na construção desta estrada estão empenhados os prefeitos e autoridades dos dois municípios. Todavia, Fur-nas recusa-se a fazê-la.

O depoimento de Adolpho Engel também foi ouvido com atenção. O presidente da UDN local apresentou cerca de 17 reivindicações, lidas em voz alta perante a Comissão. Adol-pho condenou, segundo as opiniões de técnicos, o modo pelo qual está sendo construída a rodovia Furnas-Fernão Dias e os seus aterros, e pediu à Comissão providências imediatas sobre esse sério assunto. Na ocasião, Manoel Taveira esclare-ceu que integrava a Comissão o deputado Celso Murta, um dos mais afamados engenheiros do país, e que estaria alguns dias em Lavras, numa das reuniões da CPI. Seria entregue a ele, então a incumbência de verificar a procedência dos re-ceios do Sr. Engel.

Opinião ouvida por um político da cidade, sobre a Comis-são: “Vieram fazer jus aos seus vencimentos”.

O prefeito de Varginha, Sr. José Braga Jordão, que vem sofrendo insistente campanha do Jornal “Correio do Sul”, daquela cidade, declarou ao repórter: “‘O Correio do Sul’ é um Jornal de tradição, mas de tendência adversária, que eu respeito, e que tem agido de acordo com suas finalidades, às vezes um pouco injusto em seus comentários precipitados com a relação à minha administração, talvez por más infor-mações de terceiros, mas sou amigo de todos eles e dentro de minhas possibilidades, se puder corresponder à ansiedade do povo varginhense, tenho certeza que este jornal, natural-mente como eu, deseja o progresso e bem-estar de Varginha, saberá para o futuro compreender o meu propósito de bem

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servir à minha terra.”

Aristides Vieira de Sousa esteve atento a todos os depoi-mentos e a todos os passos dos membros da Comissão. Não arredou o pé da Câmara durante os trabalhos.

O deputado Manoel de Almeida, talvez respondendo ao cidadão que concedeu entrevista a este Jornal, à semana pas-sada, disse em seu discurso: “Não vimos aqui para rever cor-religionários”.

E aguardemos a visita do Botafogo, para o próximo mês de setembro.

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25 de agosto de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Frase apanhada ao léu. Em determinada escola superior do país há estudantes que escrevem “você”, com cedilha,

e outros disparates. Infeliz é a cidade ou a escola?

Frase atribuída a um modesto professor secundário, “não há dignidade que precisa ser defendida mais depressa e com maior vigor do que a da gramática ultrajada...”.

Na vizinha cidade de Machado reuniram-se autoridades na região, num encontro regional. Representando Alfenas, com-pareceram o Dr. Samuel Valadão e os vereadores Aristídes de Sousa e Ernesto Lima.

Alguns deputados enviam telegramas em palavras mirabo-lantes, anunciando que apresentaram emenda no orçamento, consignando milhões e milhões para Alfenas. Ninguém se iluda, emendas como as apresentadas pelo deputado Múcio Athayde existem cerca de 68 mil... Resultado: provavelmente

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eram rejeitadas em globo pela comissão de Finanças da Câ-mara.

Depoimento de um parlamentar: “Na Câmara há de tudo. Juristas, homens de bem, economistas e até assassinos con-tumazes”.

O cirurgião-dentista Mário Alves Sobrinho acaba de fa-zer um curso na Faculdade de Araraquara, de atualização em dentística restauradora. O curso, de 12 a 15 de agosto, foi ministrado pelo mestre argentino Nicolas Perula.

Tudo indica que, com a próxima aposentadoria do Prof. Paulo Passos da Silveira, deverá assumir a direção da Facul-dade de Farmácia e Odontologia de Alfenas o Prof. Amélio da Silva Gomes, por ser o mais antigo da Congregação.

Regressando da Europa, depois de 6 meses de férias, o Rev. Padre Luiz, vigário local. Comemorando, também, seus 40 anos de vida religiosa, o padre Cornélio Hans.

Cuidadosamente preparada por Antonio Kimaid, deverá realizar-se nesta cidade a IV Semana Farmaco-Oontológica, que todos os anos congrega expressivos nomes da Odonto-logia e Farmácia do Brasil.

Ainda por falta de maior visão dos nossos homens de di-nheiro, deixa de ser realizado, no momento, “O Cristo Sub-merso”, um dos melhores argumentos que já vimos para ci-nema. Se concretizado, o filme consagraria definitivamente

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em caráter internacional o talento que é Waldir de Luna Car-neiro, além de tornar afamada esta cidade. Apesar de tudo, acreditamos na ressurreição do “Cristo Submerso” e na me-recida consagração de Waldir de Luna Carneiro, como litera-to de vanguarda.

Simpáticos a ela ou não, todos os leitores deste jornal se lastimam quando não aparece semanalmente a coluna assi-nada por Jully, que, diga-se de passagem, inspirou o apareci-mento de outras colunistas em diversos jornais da região. Ela nem tem o direito de umas curtas férias...

Registramos o pedido de um leitor que apela ao prefeito, no sentido de acabar de uma vez por todas com a armação de barracas nas imediações do mercado, alegando que pouco a pouco vai aumentando o número delas. “Isso ocasiona acú-mulo de lixo em frente do mercado”, acrescentou.

O Jornal “O Estado de São Paulo” continua acusando e criticando azedamente o falecido Papa XXIII. Em artigo as-sinado por Lenildo Taboso Pessoa, ex-seminarista, está es-crito: “O falecido Pontífice, levado por sua bondade e sim-plicidade, a julgar os outros por si e acreditar em qualquer afirmação de boa vontade, não se preocupou muito em as-segurar que as melhores das relações entre a Santa Sé e as chamadas ‘democracias populares’ do leste europeu fosse fundada sobre bases que excluíssem a possibilidade de ex-ploração por parte dos que sempre consideraram a religião como ‘ópio do povo’.”

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01 de Setembro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Suzanne Labin, profissional anticomunista, desgostou os seus patrocinadores brasileiros ao declarar que os “lati-

fúndios são uma estupidez econômica” e que as expropria-ções devem ser pagas com ações da indústria, “porque inde-nizar em dinheiro seria improdutivo”.

De uma conferência de Tristão de Athayde a estudantes cariocas: “A exigência da Constituição de 1946 de desapro-priar terras mediante pagamento em dinheiro é resquício in-dividualista da democracia liberal, em vias de desaparecer”.

Um dos problemas que mais afligem o município no mo-mento é o do fechamento de armazém do IBC em Gaspar Lopes. O assunto até foi ventilado na Comissão Parlamentar de Inquérito. Também o deputado Milton Reis se preocupou em solucioná-lo, procurando o Ministro da Indústria e Co-mércio, que, em resposta, enviou-lhe o seguinte telegrama: “Tenho satisfação comunicar Vossência que nesta data enca-

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minhei ao Presidente IBC assunto referente permanência de-pósito Café Gaspar Lopes, Alfenas, MG. Cordiais Saudações, Egídio Michaelsen, Ministro Indústria e Comércio”.

Delirantes aplausos coroaram a extraordinária atuação de Hilda Soares Fonsêca, numa audição do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, quando ali atuou o Madrigal Renascentis-ta. Nós, alfenenses e admiradores do talento que é a Hilda, ficamos ao pé do rádio ouvindo com inenarrável emoção as prolongadas e entusiásticas palmas que ecoaram no Munici-pal, naquela memorável noite.

Briga em Brasília – Polícia X Estudantes.

Briga de namorados – na Fonte Luminosa.

Briga rak8wkstysw;tx

Enquanto isso Lacerda governa serenamente na Guana-bara.

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08 de Setembro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

O deputado Milton Reis trabalha incansavelmente para ser o futuro prefeito de Brasília. Não há dúvida que o

plano do parlamentar é arrojado: como prefeito da Novacap será transformado em nome nacional, capaz de lhe possibi-litar a disputa, com êxito, do Governo de Minas. Bom, já se tornou tradição que todo governador de Minas é candidato em potencial à Presidência da República...

Fomos informados de que o paraninfo deste ano do Co-légio Sagrado Coração será o deputado Eurípedes Cardoso de Menezes.

Houve ameaça de greve dos estudantes da Escola de Far-mácia e Odontologia. Motivo: está sendo transformada em salas de aula o salão nobre daquele estabelecimento, o que viria impossibilitar ou dificultar a realização da Semana Cien-tífica. A situação foi contornada, entretanto, e até a realização da semana permanecerá o salão como está, mas após a mes-

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ma ele deixará de existir.

Às vezes é bom que se lembre: o que o Prof. Francisco Leite Vilela realizou, construindo o prédio do Clube XV, é realmente alguma coisa de notável. Embora auxiliado por muita gente, o Prof. Vilela merece todos os louros pelo êxito da sua empreitada.

Talvez o Lions não possa contar com seu extraordinário “Ponta de lança”, José Figueiredo, por motivo de contusão, pois sofreu uma forte distensão muscular na perna esquerda.

Portanto, talvez os Lions fiquem sem seu valoroso “Leão” para a batalha de logo mais.

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15 de setembro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Se houver matrícula suficiente, os correligionários do Go-vernador Magalhães Pinto irão se empenhar para a cria-

ção do quinto Grupo Escolar na cidade.

Era tão grande o entusiasmo das torcidas do Lions e Ro-tary, domingo, e os ânimos estavam tão exaltados que, por pouco, não acontece qualquer coisa desagradável no estádio. Há tempos não víamos torcedores e torcedoras tão empol-gados...

Era 7 de setembro, 141º dia da independência do Brasil, o tiro de Guerra desfilava e nos alto-falantes da ZYO-8 ouvia--se: “Allons enfants de la Patrie...”

Observamos que o serviço de rádio do Bar Brasileiro sempre está à disposição dos principais acontecimentos na cidade. Durante o desfile irradiou dobrados essencialmente brasileiros...

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O tempo passa e um abaixo-assinado que foi enviado à Câmara, a respeito do custo de vida, continua sem resposta... “La commedia é finita”...

O tempo passa, e ninguém se move para que o SAPS ins-tale aqui o seu supermercado.... “La commedia principia”...

O governador Adhemar de Barros mandou abrir concor-rência na Força Pública para compra de 600 cassetes, 2.000 bombas de efeito moral, 300 máscaras contra gazes e canos de vários calibres, para revolver.

Televisão, televisão, até quando ficaremos na mão?

Quando surgiu a ideia do telefone automático, embora um pouco descrentes de iniciativas de tamanho vulto na cidade, ficamos convencidos que brevemente teríamos um aparelho automático em nossa mesa de trabalho, tal o entusiasmo do concessionário e o apoio integral dos assinantes através de 182 assinaturas.

Todavia, segundo a opinião de diversos líderes da cidade, o automático só chegaria com uma organização de uma socie-dade anônima. A Comissão de Finanças da câmara também se pronunciou nesse sentindo, e nós ficamos devidamente à espera de que a ideia se concretizasse então com maior rapidez. Ou estamos mal informados (o que é preferível) ou ninguém está se movimentando...

O Governador Magalhães Pinto está de viagem marcada para a Europa. Como convidado especial visitará a Inglater-ra, Alemanha, Portugal, Itália, União Soviética, França, Isra-el, Checoslováquia, Suíça e Bélgica.

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22 de setembro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Fomos informados, em fonte autorizada, que o supermer-cado do SAPS será realmente instalado na cidade. Para

tanto o prefeito Dr. Samuel Valadão está ultimando entendi-mentos. Fato alviçareiro: será instalado no prédio do antigo mercado municipal, onde atualmente está o Diretório Aca-dêmico.

O Rotary Clube de Alfenas liderou uma campanha, no sentido de se socorrem os flagelados do incêndio do Paraná. A campanha, que contou com a colaboração de estudantes, foi coroada de pleno êxito. Mas, no princípio da semana, os jornais noticiaram que o Governo do Paraná já estava recu-sando roupas velhas, tal a quantidade que ali fora enviada...

O Colégio de Alfenas comemorou, dia 13, seu jubileu de ouro. Transferido de Silvério Ferraz para a cidade, por João Leão de Faria, aquele estabelecimento funciona ininterrupta-mente desde 1913, e diversas solenidades comemoram essa

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efeméride. Após haver sido celebrada missa na Matriz de São José, todos os estabelecimentos de ensino da cidade desfila-ram, e o prefeito decretou feriado municipal.

Na manhã seguinte, na sede do Tiro de Guerra, uma ses-são cívica assinalou o acontecimento, tendo sido apresen-tados vários números de música e teatro, falando diversos oradores, dentre os quais o prefeito Samuel Valadão, o Dr. João Carvalho, o Sr. Wenceslau Diogo, a Profa. Maria José Leite Corrêa e o Sr. João Salgado em nome do Lions, todos se congratulando com a diretoria do estabelecimento por tão significativo acontecimento.

O Dr. Roque Tamburini agradeceu bastante emocionado as palavras dos oradores, transferindo aos professores, aos seus familiares e a tantos outros que o ajudaram, as homena-gens tributadas à sua pessoa.

Do Deputado Padre Vidigal: “O Sr. Carlos Lacerda é como massa de pão. Quanto mais batida mais cresce”.

Está anunciada para a noite deste sábado, em praça Pública, a apresentação de diversos números de acrobacia pela família Allan, cujos protagonistas prometem dar impressionante amostra de arrojo e coragem. Estaremos lá.

Uma grande notícia trouxe o telegrama que o deputa-do Milton Reis enviou ao Dr. Marcial Faria: destinação de um milhão e trezentos mil cruzeiros para o Orfanato San-ta Inêz. É o seguinte texto: “Prazer comunicar-lhe destinei 1.300.000,00 para o Orfanato Santa Inêz. Peço-lhe obséquio comunicar referida entidade. Um grande abraço, Milton Reis, deputado Federal.”

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O Governo do Estado da Guanabara remete a este jornal farto material noticioso sobre os atos administrativos do Go-verno Lacerda. Isso significa que não existe mais dúvida de sua intenção de candidatar-se à presidência. Voilá!

Este jornal recebeu do presidente da Comissão Parlamen-tar de Inquérito que investiga as atividades do IBAD e IPES em Minas um questionário que diz o seguinte:

1 – O órgão de divulgação sob a direção de V.S. fez pu-blicidade de matérias, eleitorais ou não, oriundos do IBAD, ADEP, IPES ou “Incrementadora de vendas “Promotion”?

2 – Houve contrato entre alguns destes órgãos e a entida-de divulgadora sob a direção de V.S.?

3 – Qual o volume de pagamentos recebidos por este ór-gão pela divulgação de matérias do IBAD, ADEP, IPES ou “Promotion”?

4 – Se possível, remeter cópia dos contratos.O ofício veio assinado pelo deputado Paulino Cícero de

Vasconcelos, da Assembleia Legislativa. Consta que o diretor de “O Alfenense” respondeu ao parlamentar que infelizmen-te nestas ocasiões apenas os “grandes jornais” são lembra-dos...

Ainda do Serviço de Imprensa da Guanabara somos infor-mados que ali um telefone servirá a dois sem que a conversa seja ouvida. Trata-se de um sistema de telefone conjunto que permitirá a duas famílias usar o mesmo telefone, sem quebra de sigilo, que entrará em funcionamento a partir de 1965. Os telefones serão autofinanciados pelos assinantes, o que equivale dizer que os usuários se tornarão acionistas da em-presa após o pagamento total das quotas. A instalação de um

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telefone residencial custará Cr$174 000 e o comercial custará Cr$ 348 000 através de pagamentos efetuados no Banco da Guanabara.

Desafiando sucessivas administrações, a praça da Bandei-ra continua no mesmo estado, feia e arcaica. Qual seria o motivo que impede o prefeito de remodelá-la, seguindo o magnífico projeto do engenheiro alfenense, feito a pedido do ex-prefeito Dr. Antonio Silveira?

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29 de Setembro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Por poucas horas Alfenas teve o prazer de hospedar o Dr. Benedictus Mario Mourão, presidente da Associação Sul-

-mineira de imprensa, que veio participar de uma noitada da Semana Científica.

Podemos informar em primeiríssima mão que o Posto de Higiene de Alfenas deverá ser transformado em Centro de Saúde. Isso possibilitara a construção de um prédio maior, bem como vários médicos estarão a serviço a população.

O deputado Geraldo Freire revelou a um conhecido da ci-dade que estava firmemente convencido de que João Goulart pretende perpetuar-se à semelhança de Vargas. As atitudes do atual presidente, segundo o deputado dorense, levam-nos a crer nesta intenção maquiavélica...

Ainda sobre a partida Lion x Rotary. Conta-se que o último vem treinando secretamente para a revanche frente os leões.

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Aliás, numa rodada, um ex-rotariano disse que Rotary po-deria ter aceitado aquele jogo se fosse apenas de um tempo...

Está sendo aguardada com grande interesse a apresenta-ção do Coral de Alfenas, na próxima quinta-feira, em prosse-guimento à Semana Científica. Na ocasião teremos oportu-nidade de ver ainda duas enquetes de Jaques Pires encenadas pelos próprios estudantes.

Estamos aguardando as providências que a Comissão Per-manente de Inquérito tomará sobre Furnas. Por mais que queiramos não conseguimos perder a fé nos deputados que a compõem apesar de sabermos da provável impotencialidade deles diante dos grandes interesses de grupos e de políticos ...

Qual o motivo que o Diretor da Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas não compareceu e nem tem presti-giado as conferências?

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06 de outubro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Após a reunião da Associação Comercial, um dos presi-dentes ditou ao repórter: “Foi um crédito de confiança

que autoridades e entidades deram à companhia Sul Mineira de Eletricidade, na reunião de 27 p. p., porquanto o fator energia elétrica utilizável representa no momento para Alfe-nas o que o sangue puro representa para o corpo humano. A têxtil no momento precisa delas e outras indústrias virão para cá se houver energia. O problema é de sobrevivência ou morte, para nós que atravessamos um período crítico na região; portanto um problema público que a todos afeta.” Isto foi o que os presidentes da reunião concluíram. Unirem porventura os alfenenses para conseguirem com seu prestí-gio com suas boas maneiras e empenho, fazer com que a Sul-mineira para prestígio, a si própria e beneficio dela e nosso, coloque transformadores e linhas de transmissão suficientes? “Sim, confiamos na sul-mineira, confiamos nas autoridades, na população, nos amigos de Alfenas.”

O deputado Geraldo Freire é o relator da Comissão Par-

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lamentar de Inquérito que investiga as atividades da UNE.

Fato promissor o orçamento da prefeitura para o próximo ano: pela casa dos 80 milhões. Isso possibilitará ao Prefeito, além de outras coisas, o aumento do funcionalismo, porque, embora pareça inacreditável, existem funcionários que atual-mente nem recebem o salario mínimo. Tem a palavra o Dr. Samuel.

O jornalista Sérgio Sebastião Lopes, da Folha de Poços, tem publicado regularmente alguma coisa que escrevemos nesta coluna. Merci, Monsieur!

Há poucos dias vimos nas mãos de um rotariano um che-que de 150 mil cruzeiros que será enviado ao Paraná. Isso demonstra que não apenas roupas e gêneros alimentícios fo-ram enviados, “L’argent sur la table” , isso é o que mais ajuda!

O inseto chamado em boa hora de “lacerdinha” está se constituindo em calamidade pública em Alfenas. Chegou a hora de a prefeitura entrar em ação.

Surpreendentemente, numa reunião da semana passada, todos os presentes estiveram focados num só objetivo: pro-gresso de Alfenas. Nenhum se deixou levar pelo próprio co-modismo.

Também em outra reunião evidenciou-se mais uma vez a clarividência e espirito prático e a liderança de Nelito No-gueira de Araújo.

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Declaração do Dr. Samuel Valadão a um chefe de partido que lhe colocou a par da situação atual e futura dos Grupos Escolares na cidade: “Isso é problema do Estado e a prefei-tura não deve se intrometer.”

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13 de outubro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

O Sr. Oswaldo Neves Massote, presidente da Caixa Eco-nômica Federal, inflexível, recusou todos os pedidos da

requisição para a Guanabara, do nosso ex-diretor e economi-ário Waldir de Luna Carneiro. Assim, é muito provável que o nosso Jaques Pires volte às antigas funções, deixando a re-alização de seu curioso e esperado filme para outra ocasião.

Opinião do Dr. Geraldo Cardoso sobre a retirada do pedido de estado de sítio:

“Se Jango se metesse no aranhol jurídico preparado pelo deputado Vieira de Mello (em substituição ao pedido do Go-verno), dele não sairia nunca mais. Ou, ao contrário, sairia muito depressa (tão logo tomasse qualquer providência mais drástica), pelas portas do ‘impeachement’ baseado em crimes de responsabilidade. Armadilha mais perfeita, só mesmo a lei que instituiria o parlamentarismo...”

A União Operária de Alfenas está promovendo um con-

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curso entre suas filiadas, para a eleição de “Miss Escurinha”.

Eleita a nova Comissão de Finanças e Orçamento da au-tarquia cafeeira: Presidente: Joaquim Carvalho dos Santos, representante de Minas Gerais e bastante conhecido em nos-sa zona. Membros: Rogério Marcos (Espírito Santo) e Raul Soares (São Paulo).

O Dr. Orlando Vignoli, através de uma argumentação bri-lhante e lógica, conseguiu que o DASP voltasse atrás no pa-recer contrário que havia dado no caso da nomeação do Dr. Plínio do Prado Coutinho como professor da EFOA.

Aquela autarquia reconheceu os direitos do professor, e aguarda-se o decreto do presidente da República para que o mesmo veja-os concretizados.

Don Helder Câmara, revolucionando com sua pobreza o Concílio Ecumênico, declarou em Roma: “Tomemos a ini-ciativa de suprimirmos nossos títulos pessoais de Eminência, Beatitude, Excelência. Renunciemos à mania de nos conside-rar como nobres, e deixemos de lado nossos brasões e nos-sas divisas. Simplifiquemos nossas vestes. Não cheguemos ao ponto de fazer depender nossa força e autoridade de tipo de fabricação de nosso carro.

Façamos atenção seriamente à nossa residência. É justo que nas funções litúrgicas se salvaguarde certo esplendor do culto. Mas na vida cotidiana, a atenção aos sapatos de fivelas de prata, hoje ridículos...

Tenhamos a coragem de reconhecer que o esplendor do vaticano é uma grande pedra de escândalo que é preciso afas-tar do caminho. A providência nos livros dos Estados Pon-

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tifícios. Quando soará a hora de Deus que levará a Igreja de Cristo a se encontrar com Dama pobreza?”

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27 de outubro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

O deputado Sebastião Navarro Vieira, logo que reassumiu sua cadeira na Assembleia Legislativa, pronunciou um

discurso em homenagem ao cinquentenário do Colégio de Alfenas, ao mesmo tempo que apresentava um voto de con-gratulações à cidade. Na sua oração, o parlamentar de Poços de Caldas relembrou alguns aspectos da sua vida de estudan-te nesta cidade, sacudindo a torre emocional das suas sauda-des de Alfenas, torre que os sineiros tocarão bem alto para que não durma o seu coração e para que palpite e vire sempre o calor de idealismo das alegres gerações que passaram pelos bancos do Colégio de Alfenas.

Não poderia ter sido mais feliz a ideia do Rotary Clube de Alfenas só homenagear, na pessoa da decana do ensino Profª. Maria do Rosário de Oliveira, os professores. Saudada pelo Prof. Sebastião Mariano Franco de Carvalho, que dis-correu com emoção sobre a personalidade da homenageada, na condição de ex-aluno e de amigo. A fala trêmula de emo-ção da professora tornou ainda mais tocante aquela festa.

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Uma vitória do colega Rodrigo Cambará: a agência dos Correios acaba de receber máquina elétrica de franquear. Como se sabe, o colega que nos antecedeu havia reclamado há alguns meses pela falta de selos na agência local. Por este motivo, o Sr. Abel Faleiro providenciou tal medida, que virá evitar irregularidades nesse sentido.

O governo do Estado se comprometeu a encampar ou to-mar a si a responsabilidade de manter as escolas primárias de Gaspar Lopes, desde que a Prefeitura coloque e doe os pré-dios em condições satisfatórias. Isso implicará uma reforma que, temos certeza, a prefeitura não deixará de fazer.

Um dentista envia-nos um bilhete e pede-nos que divul-guemos o seguinte: “a assistência dentária da Escola de Far-mácia e Odontologia de Alfenas, que é somente para atender a pessoas pobres, está ultimamente atendendo quase que ex-clusivamente estudantes da mesma escola e pessoas de reco-nhecidas posses e que poderão pagar os outros profissionais da cidade, que atualmente se veem prejudicados.” Será isso verdade?

Estão sendo ultimados os preparativos para se instalar na cidade uma Escola Profissional. O imóvel seria doado por Furnas, já havendo promessa nesse sentido por parte dos diretores, e o governo de Minas se encarregaria de manter o estabelecimento que funcionaria anexo à granja-escola. Ressalta-se que isso representa uma antiga aspiração para a cidade e foi um dos objetivos do Rotary Clube local.

Temos recebido correspondência diária de Poços de Cal-

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das informando-nos das providências que vêm sendo to-madas para a realização do Congresso de Jornalistas. Nesse árduo trabalho têm-se destacado os jornalistas Benedictus Mario Mourão, Edmundo Cardillo, Fosco Pardini, Sérgio Sebastião Lopes e outros colegas poçoscaldenses. Será um encontro que reunirá pela primeira vez os profissionais da imprensa interiorana, que defenderão teses e debaterão em plenário seus problemas e suas reinvindicações.

Novamente na cidade o bem-vindo “bagunceiro” Sérgio Macedo e seu AR, que por sinal tem-lhe dado muita dor de cabeça em Varginha.

Um assinante veio correndo, olhos estatelados, suando frio, e informou-nos de que tinha conhecimento de pelo me-nos três casos de paralisia infantil na cidade. E perguntou-nos patético: “Será epidemia?” Com a palavra, os sanitaristas.

Felizmente tudo resolvido a contento com relação ao pro-blema de energia elétrica em Alfenas. Teve parte decisiva na solução o engenheiro Mesquita, que é natural de Campos gerais e o atual Diretor do Departamento de Águas.

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03 de novembro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

A propósito da nota que publicamos sobre a Assistência Dentária da EFOA, um professor prestou-nos os se-

guintes esclarecimentos: “Todo serviço assistencial de fundo científico, como é o caso da assistência odontológica de Al-fenas, tem por finalidade dar aos alunos um curso prático, quase sempre procurado por indivíduos sem recursos finan-ceiros por sabê-lo gratuito, como também poderá ser utiliza-do por qualquer indivíduo com independência econômica e aqueles que queiram contribuir para a evolução daquela parte da ciência, embora sabendo antecipadamente que estejam fa-zendo o papel de ‘cobaia’. Assim não existe nenhuma ilegali-dade no fato de serem atendidos ali indivíduos de posses...”

Enquanto durar a licença-prêmio do Promotor Efetivo Dr. Napoleão Esper Kalas, ou seja, até fins de novembro, estará como Promotor Interino o Dr. Geraldo Cardoso.

A câmara dos Vereadores, em primeira discussão, resolveu

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doar à Conferência Vicentina o terreno que fora doado para construção desta. Aliás, as obras já foram iniciadas. A Confe-rência compromete-se a vender o terreno, e, com o produto, construir um asilo, em terreno que já existe.

A comissão Municipal da Legião Brasileira da Assistên-cia em Alfenas, recém-criada, tem a seguinte diretoria: Presi-dente, Sra. Fany Engel Macedo; Vice-presidente, Dr. Lincoln Westin da Silveira; 1º secretário, Nélito Nogueira de Araújo; 2º secretária, Ercília Rios Pinto; 1º tesoureiro, Floriano Tei-xeira da Silva.

Em Varginha, cerca de 50 empregados diaristas movem ação contra a prefeitura municipal, reivindicando o salário mínimo. Se a moda pegar, as prefeituras da região ficarão em má situação, inclusive a de Alfenas, que também não paga salário mínimo aos diaristas.

Chateaubriand está mesmo senil, ou aterrorizado: escre-veu há poucos dias, violentíssimo artigo contra à Igreja do Brasil, acentuando sua verrina de homem safado principal-mente contra o Cardeal de São Paulo e o Bispo de Santo André. Está na hora de se fazer manifestação de desagravo, como a não menos justa que se fez quando N.S. Aparecida foi ridicularizada pela “Última Hora”. Em outro artigo, Cha-tô condena em termos duros a aliança Juscelino-Jango, e pro-mete arregaçar as mangas a favor da candidatura Adhemar de Barros, afirmando mesmo que em São Paulo JK já sairá perdendo de 8x2.

O Cine Clube aí está em franca atividade, e lança um con-

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curso para escolha de um nome. Uma sugestão: “Humberto Mauro” é o nome da maioria dos cines-clubes do país; vamos escolher outro.

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10 de novembro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Por ocasião das homenagens prestadas aos mortos pelo dia que lhes é consagrado, alguém se aproximou de mim

no cemitério e disse em tom de respeito: o ambiente não traduz tristeza; parece um dia festivo – Concordei e disse: é a festa para os que residem na cidade do passado. Festa regada com lágrimas. Flores e luzes. Muitas preces.

Além de tudo, observamos a limpeza, ordem e cuidado para com as sepulturas. Mesmo as térreas estavam adornadas com um material mais claro. Devemos louvar o atual fiscal do Cemitério, Sr. Antônio Bruzadelli, por sua zelosa admi-nistração, e destacar, também, o trabalho de seus auxiliares.

Pergunta aos açougueiros: um assinante deseja saber por-que a carne de 1ª em Três Pontas é vendida a Cr$ 380,00 o quilo, enquanto em Alfenas está a Cr$ 550,00?!!!

Um observador alheio ao ambiente interno da Escola de Farmácia e Odontologia poderia analisar nesses termos

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as eleições ali realizadas: Dada a maioria esmagadora que o Prof. Nilo Bernardes recebeu, nota-se o desejo quase unâni-me da Congregação em que o mesmo seja o futuro diretor. A atitude do Prof. Roque N. Tamburini, em concorrer, embo-ra às vésperas de se aposentar, foi para eliminar o nome do Prof. João Batista da lista tríplice. E os 7 votos que ele obte-ve demonstram que já tem ambiente na faculdade. Agora a batalha vai ser eminentemente politica. E as preferências do Presidente da República terão que ser entre o Prof. Amélio e o Prof. Nilo.

Em visita à cidade esteve a alfenense Aspasia Vieira Ayer, funcionária credenciada da Secretaria da Educação e uma das principais batalhadoras pelo Ginásio Estadual de Alfenas.

Um leitor pede que atentemos para o modo pelo qual es-tão sendo vendidos os peixes nas imediações do mercado. Argumenta ele que não estão sendo observadas as mínimas condições de higiene e ficando os peixes expostos e sem proteção. Inclusive, continua ele, há enorme quantidade de peixes em desova. E arremata, pedindo providências das au-toridades competentes.

Que vontade de jogar umas pedras de vez em quando em certo alto-falante da praça. E também que vontade de man-dar fuzilar certos locutores e locutoras...

Para a festa do Clube XV o mundo político da região es-tará presente. Além da promessa da visita de altos figurões, é quase certa a presença dos parlamentares da zona, que terão na ocasião oportunidade de prestar contas do que vêm fa-

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zendo cada um em prol deste pedaço de Minas.

A respeito das notas que publicamos dias 27/10 e 3 de novembro, o Prof. Pereira Bastos, chefe do departamento de Clinica Cirúrgica da EFOA, esclarece o seguinte : 1) Estra-nhou que um professor estranho ao Departamento se tenha pronunciado a respeito. 2) Pelo fato de alguns alunos estarem em dificuldades de notas, em outubro permitiu que os mes-mos atendessem seus colegas para encerrar os trabalhos de clínica na prática dia 31, a fim de serem feitas outras instala-ções na Escola. 3) Se o princípio adotado há 50 anos de que a assistência Dentária da Escola se destina a pessoas menos favorecidas, somente por entendimento entre o Diretório do Centro Académico e a Associação dos Dentistas e o Conse-lho Departamental é que será quebrada a tradição.

Dentro de poucos dias a livraria Gama irá receber as mais recentes novidades da Livraria José Olympio. Afinal já era tempo, pois no momento a cidade não possui nenhuma que apresente novidades em matéria de livros.

Mais uma universidade foi aprovada no interior: a Fun-dação Universitária do Triângulo Mineiro, em Ituiutaba. En-quanto isso Alfenas vai cada vez mais sendo esquecida pelos deputados e pelos governos...

Perante os vereadores o arquiteto Mauro expõe seu desejo e sua opinião de que a cidade tivesse um plano diretor para nortear seu desenvolvimento. Falou também da Interplanus, que se encarregaria de fazer o levantamento completo das possibilidades econômicas da cidade. Tudo muito bem, tudo

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muito bom até que, respondendo à pergunta de um verea-dor, o plenário tomou conhecimento de que isso ficaria em cerca de 10 milhões de cruzeiros!!! Todos os entusiasmos se esfriaram...

Duas sugestões: a primeira para que os diretores da Tex-til cuidem de organizar uma equipe de futebol, entre seus operários. A segunda é endereçada ao Sr. Possidônio Moura Leite, gerente da Sul Mineira: Por que não instalar dois “cai-xas” nos dias de se pagar a energia fornecida durante o mês, evitando-se, assim, a longa fila?

E por falar em Textil Alfenas, o Sr. Rachid Bichara Sali-ba, diretor Presidente da importante indústria, encontra-se na cidade, hospedado na casa do Sr. José Gouvea, gerente da Textil Alfenas.

Interessante inovação na indicação das ruas está sendo usada na Guanabara, a consiste num letreiro luminoso, pos-tado na esquina, contendo além do nome da via pública o primeiro a último número da quadra. Além do mais nada custam à Prefeitura, pois são encimados pelo anúncio igual-mente luminoso de uma casa comercial, que custeia toda des-pesa. Com a palavra, Lions e Rotary.

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17 de novembro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

A propósito da magnífica conferência proferida dia 11 do corrente no salão da União Operária, em presen-

ça de seleto auditório, pelo eminente professor e advogado Dr. Geraldo Cardoso, o Prof. Pereira Bastos julgou oportu-no o tema que sugere, com a devida vênia, ao departamento Cultural do Ministério da Educação e Cultura, que se digne convidar o referido conferencista a repetir a mesma, no Rio de Janeiro.

Acredita ainda, possa ser o assunto de transcendental im-portância, ser indispensável que se convidem os grandes representantes do Clero, MEC e as Forças Armadas. O tí-tulo da palestra do Dr. Geraldo, que aliás não foi anunciada fartamente como era preciso, é “Rebelião na Igreja”.

Continua na estaca zero o problema do telefone em Alfe-nas. A Comissão de Finanças propôs ao concessionário en-campar o serviço telefônico por 6 milhões, como o direito de retirada do material, e este fez uma contraproposta, de 12 milhões. Muitos ainda pensam que a solução é a sociedade

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anônima, mas a verdade é que uma resolução está se tardan-do. O que é que há com os edis?

O deputado Navarro Vieira passou rapidamente pela cida-de, domingo. Não reconheceu o repórter, que estava ansioso para lhe fazer certas perguntas. Sorveu sua laranjada e azu-lou, em um DKW vermelho, rumo a Poços de Caldas.

O jornal de Divinópolis notícia que o deputado Alvimar Mourão conseguiu, por intermédio da Caixa Econômica Es-tadual, empréstimo para melhoria do serviço telefônico in-terurbano daquela da cidade. Que se pronuncie o deputado Manoel Taveira.

Escrevo essas notas na quinta-feira, e quando o jornal circular, talvez ainda estejam na cidade os parlamentares da casa, membros de alto gabarito e a nossa comunidade, e es-colhidos para falar em nosso nome na esfera federal. Serão muito solicitados, por amigos sinceros e interesseiros, cor-religionários, senhoritas e senhores e até anciãos. Todos eles darão sorrisos, alguns com a perspectiva de um novo em-prego, outros pela satisfação de rever o amigo “exilado” em Brasília, outros por civismo, homenageando, assim, os defen-sores do regime. Mas, como no poema de Manuel Bandeira, haverá um sapo chorando, transido de frio, na beira do rio.

“Jaques Pires”, que nos deu há poucos dias peças ence-nadas pelos universitários, prepara uma série de peças curtas que proporcionará a revelação de um sem-número de rapa-zes e moças para a cena. Segundo somos informados, as pe-ças seriam: “O Santo de Chifres”, “A opinião da bolha” e “O

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maiô de vidro”. Três comédias, já se vê.Muito possivelmente uma versão teatral de “O Cristo Sub-

merso”; um roteiro para filme que tem despertado a curiosi-dade de diretores de cinema e atores de teatro. Outra peça a ser encenada, no Centro Católico, pelo Natal: “... E habitou entre nós”, do mesmo autor, já transmitida pela TV Itaco-lomy em 1962, mas ainda desconhecida do público alfenense. Uma comédia em 3 atos (mais uma proeza da família Bezer-ra), também inédita: “Ao terceiro dia subiu ao céu”, que narra as maluquices de “Nestor Bezerra” (personagem magnifica-mente vivido por Raul Carvalho), desta vez metido na polí-tica, com a mesma graça com que anteriormente se metera com zebus e com Furnas.

Como se vê, o caldeirão teatral em Alfenas está fervendo.

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24 de novembro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

A cidade foi dominada pela gente do café. Tudo na sema-na passada era de inspiração da rubiácea, até a eleição

de Miss Elegante Bangu, que acabou sendo uma bonita cafei-cultora, mais por ser uma cafeicultora do que por ser bonita. O pessoal do IBC foi recebido principescamente, usufruin-do da tradicional fidalguia dos alfenenses. E o Dr. Osvaldo Lisboa, figura principal das homenagens, fez um discurso no banquete que lhe foi oferecido, bastante espontâneo. Mano-el de Almeida, como muito bem observou um dos presen-tes, progrediu muito na arte oratória. Mas a essência do seu discurso foi realmente positiva. Examinou o problema da zona, acentuando o sacrifício que sempre temos dado pelo progresso da nação, exclamando: “Mas para um grande sa-crifício uma grande compensação!” Aproveitou a ensancha para fazer uma alusão irônica ao governador Lacerda, o que prova desde já que os políticos estão vivamente interessados no pleito do futuro.

David Maia, prefeito de Campos Gerais, revelou que das

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80 famílias de agricultores que havia em sua fazenda só res-tam meia dúzia. E insistiu na tecla de amparo ao homem do campo. Revelou também que todos os municípios cuja eco-nomia era em função do café perderam prestigio e importân-cia. Citou Machado, Três Pontas e Campos Gerais.

Enquanto o Coral atuava no banquete, numa exibição notável, o deputado Manuel de Almeida comoveu-se de tal maneira que os seus olhos encheram-se de lágrimas. Mais tarde confessava ele haver se lembrado de sua senhora quan-do dirigia um Coral das escolas Caio Martins. Solicitou de d. Carmen que fizesse o mesmo com os alunos da nossa Granja Escola.

Ainda sobre o Coral: falando em linguagem de colunista social, “abafou”. E já era tempo de a cidade estimular esses rapazes e moças que deixam outras atividades mundanas e fúteis para se dedicarem ao canto e que principiam a erguer o nome da cidade no mundo da arte musical.

Osvaldo Lisboa, a certa altura de seu discurso: “quanto mais longe do pé de café, melhor é.”

Um errinho de gramatica do Diretor do IBC referindo-se ao Coral: por mais de uma vez colocou o artigo no feminino “A coral”. Comentando esse fato, um amigo ao lado segre-dou: antes um homem de café que não saiba português do que um homem que saiba português mas não entenda de café.

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Opinião de um advogado sobre o discurso de David Hannemann. Muito sério e bem fundamento.

Fato inédito: o Dr. Geraldo Cardoso conseguiu fazer seu discurso em apenas 15 minutos. Isso, na longa carreira de orador do advogado trabalhista, deve ser uma raridade rara...

A Central Elétrica de Furnas doou à Paroquia de Apareci-da 500 mil cruzeiros.

Dos nossos deputados apenas Manoel de Almeida com-pareceu. Foi uma pena pois seria uma ótima oportunidade de os parlamentares solicitarem qualquer coisa do homenagea-do. Assim incensado e encantoado, não recusaria nada, nem mesmo o restabelecimento do armazém de Gaspar Lopes.

Este repórter apresentará antes do fim do ano uma relação de personalidades que mais se destacaram na vida política e social do município. Serão apontados vereadores, industriais e comerciantes, artistas, políticos, operários e articulistas, que tiveram participação notável na cidade no ano que se finda.

Visitando as instalações do Serviço de Assistência e Re-cuperação do Adulto e Infância, D. Maria Célia Lisbôa ficou vivamente impressionada com o serviço prestado por aquela entidade.

Sabendo que faríamos a relação dos que se destacaram, o Dr. Geraldo Cardoso colocaria no número 1 Adolpho Engel. E do 2º ao 10º lugar deixaria em branco.

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01 de dezembro de 1963

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Dentre as várias pessoas que discutiram as possibilidades de um filme em Alfenas, figuram, entre as mais entu-

siasmadas, o Sr. Néliton Nogueira Araújo e o Dr. Antônio Silveira, e, segundo fomos informados, ambos vão se em-penhar a fundo para que o filme seja realmente “made in Alfenas”. São realmente dois bons líderes, pela sua indis-cutível capacidade como homens de visão e pela conhecida popularidade.

O jovem diretor cinematográfico Loreny Melo Pessoa esteve em reunião com gente do Lions e Rotary, a semana passada. Depois de expôr, juntamente com Waldir de Luna Carneiro, alguns detalhes do filme que seria rodado nes-te município, solicitou sugestões dos presentes. A sugestão mais oportuna foi a do Dr. Aprígio Gomes de Oliveira, a fim de que o capital necessário para se rodar o filme seja subscri-to por cotas.

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A associação das Damas de Caridade mandou celebrar uma Missa de 7º dia pelo falecimento do Presidente Kenne-dy. A missa foi bastante concorrida. A propósito, muita coisa ainda está por se esclarecer sobre aquele assassinato, bem como sobre a morte do assassino. Mas o que não há duvida é que a Polícia de Dallas agiu com a mais impressionante dis-plicência, o que deixa o mundo com a pulga atrás da orelha.

Noutro local vai publicada uma carta do general Diretor da Interplanus, prestando algumas informações sobre o Pla-no Diretor da cidade de Alfenas. Este foi orçado em 1 milhão e 500 mil cruzeiros, e não em 10 milhões como foi anterior-mente divulgado. Isso, ao que nos parece, está nas possibili-dades da Prefeitura, e é de esperar que o Dr. Samuel Valadão concorde com a proposta.

A Prefeitura Municipal prepara-se para adquirir uma mo-toniveladora nova, a exemplo do município de Campestre. A máquina ficaria em mais ou menos 40 milhões, que seriam pagos parceladamente.

Sérgio Sebastião Lopes, jornalista de Poços de Caldas, e o diretor deste jornal prepararam-se para iniciar uma vasta campanha publicitária, através dos principais jornais da re-gião, para o asfaltamento da rodovia.

Acreditamos que, desse modo, os políticos e autoridades do país possam ser convencidos da urgente necessidade des-se asfaltamento.

O Dr. Geraldo Cardoso remeteu ao senador Camilo No-gueira da Gama uma carta também solicitando o asfaltamen-

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to imediato da rodovia. Vejamos como o senador considera a região sul-mineira.

Ao contrário do noticiado, na missa celebrada por inten-ção do Cardeal Motta, vítima das grosserias do Sr. Assis Cha-teaubriand, estiveram presentes as altas autoridades católicas de São Paulo.

Despertou curiosidade a notícia de que este repórter apre-sentará relação dos “mais” do ano. E, inclusive, muita gente está enviando sugestões à redação. Uma delas aponta os ve-readores Hesse, Aristides e José Ernesto como os melhores do ano.

O Lions Clube de Alfenas está estudando a possibilidade da construção do “Teatro Municipal de Alfenas”, velho an-seio alfenense.

O Centro Industrial de Juiz de Fora, no último número de seu boletim, apresenta um estudo das aplicações e inver-sões bancárias dos Bancos e Caixa Econômica das cinquenta principais cidades do Estado. O relatório apresenta o mon-tante de depósito desses estabelecimentos e o montante de sua aplicação. Com surpresa constatamos que, nas cinquenta cidades citadas, não figura o nome de Alfenas, enquanto ci-dades de menor importância ali estão registradas.

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05 de janeiro de 1964

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

O Governador Magalhães Pinto assinou a nomeação de mais 12 professores para Alfenas, segundo a classifica-

ção do concurso. Também já está preparado, e em mãos do Governador, o decreto que transforma o nosso Posto de Hi-giene em Centro de Saúde, e talvez antes de entrar em licença o governador o assinará.

O deputado Manoel Taveira está sendo sondado para ocu-par as secretarias da Segurança ou Interior, após a reforma do secretariado do Governador mineiro. O parlamentar alfenen-se, todavia, pensa em não aceitá-las, por motivos particulares.

Foi promovido a 2º sargento o atual responsável pelo TG local, sargento Fernando Fonseca de Sousa.

A Caixa Econômica Estadual em Alfenas está em franca ascensão. Seus depósitos, que de 600 contos pularam para 8 milhões neste final de ano subiram à casa dos 25 milhões.

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Isso se deve à orientação magnífica que o gerente Hélio Du-que de Abreu vem dando ao estabelecimento, bem como a presteza e solicitude dos funcionários Noé, Roberto e José do Carmo.

Mais uma vez o Lions instala seu bonito presépio na Con-cha Acústica. A iluminação esteve bonita. Apenas não gos-tamos da ideia da “neve”, que caiu na hora mais importuna possível.

Opinião do Dr. Geraldo Cardoso: “O PTB atualmente está mais próximo de Magalhães Pinto do que de Juscelino, não sendo impossível que venha apoiar o primeiro à presidência.” Isso foi dito já há algum tempo. Agora os fatos parecem dar certa razão ao “advogado das Reformas”, pois acaba de ser nomeado Presidente da Caixa Econômica Federal o jornalis-ta Virgílio de Castro Veado, atualmente chefe do Serviço de Imprensa do Governador Magalhães Pinto.

Na Exposição Agropecuária deste ano a Ford do Brasil está preparando um monumental programa social e artístico. O Sr. Floriano Teixeira, diretor da Exposição, já tem promes-sa da Ford em realizar um programa que começaria inclusive 15 dias antes da exposição, e constaria de banquetes, bailes, shows e várias atrações.

Alfenas foi escolhida dentre inúmeras cidades do Brasil para esta promoção da Ford, e isso se deve, evidentemente, ao trabalho dos seus revendedores nesta cidade, Engel Ir-mãos, especialmente ao Sr. Haroldo Engel, um dos homens fortes da indústria do sul de Minas.

“...E Habitou entre nós” não habitou coisa nenhuma. A

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peça de Waldir, escrita especialmente para o Natal, ficou apenas no projeto. Por mais uma vez os “cobras”do “Car-valho Junior” nos deram o bolo, que, afinal, são mesmo bolos que se comem em festa de fim de ano. Inúmeros são os novos trabalhos do autor de “O Cristo Submerso” que são anunciados e não encenados. Falta o quê? Atores? Palco? Boa vontade?

E as chuvas chegaram. Rezemos para que não caiam em nossas estradas. Peçamos a Deus todo poderoso que as faça cair somente nos campos, nas plantações; do contrário esta-remos ilhados do resto do país pela lama.

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12 de janeiro de 1964

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

A política principiou. Já se encontra correndo de mão em mão uma lista de eleitores entusiasmados com a can-

didatura de Carlos Lacerda, e dispostos a instalar o Comitê nesta cidade, que faria propaganda da candidatura do Gover-nador da Guanabara.

O Deputado Sebastião Navarro teve a delicadeza de apre-sentar a este repórter seu projeto de lei sobre a Universida-de de Poços de Caldas solicitando as nossas despretensiosas sugestões. Todavia, impossibilitados de apresentarmos uma opinião sobre o mesmo, devido às múltiplas ocupações, ago-ra que o projeto já é lei, sancionada pelo Governador, ocor-re-nos um fato surpreendente. A lei autoriza a Universidade de Poços a encampar estabelecimentos de ensino existentes na região. Isto significa que amanhã a Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas poderá ser encampada pela Univer-sidade de Poços. Vamos aplaudir os nossos deputados que, dormindo no ponto, permitiram a aprovação desse artigo. Muitos aplausos para Augusto Zenum que, embora receben-

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do excelente votação na cidade, esqueceu-se completamente de nós.

Em tempo: a atitude de Augusto Zenum é lamentável. Apesar de Alfenas no último pleito ter dois de seus filhos dis-putando uma cadeira na Assembleia, graças ao esforço dos seus correligionários na cidade, conseguiu uma votação que surpreendeu. Agora, empossado e diplomado, o deputado de Campestre não se lembra mais de Alfenas. Mais uma vez viva Augusto Zenum!

O jornalista Virgílio de Castro Veado, ocupando a Presi-dência da Caixa Econômica Federal, declarou que sua princi-pal meta é a “humanização do crédito”. Quem sabe se dessa vez haverá reviravolta na Caixa Econômica?

O deputado Gilberto Faria está mandando divulgar, como matéria paga, em todos jornais do interior, o decreto que es-tabelece convênios entre a União e os Estados, para aumento de vencimentos da Magistratura. O deputado-banqueiro diz que o decreto é inspiração sua.

Quando esteve na cidade, o Prof. Sílvio de Marco, diretor do Departamento Social do Menor, fez mais uma promes-sa: mandar perfurar um Poço Artesiano na Granja-Escola de Alfenas.

Estamos aguardando.

A cidade de Guaxupé contará, possivelmente no próximo ano, com sua Faculdade de Filosofia. E nós ficaremos o resto

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do século com a nossa Escola de Farmácia e Odontologia.

O Presidente da República ainda não assinou o ato desig-nando o futuro Diretor da Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas. Como se sabe, são três os nomes apresentados ao Presidente: Profs. Amélio da Silva Gomes, Nilo Bernardes da Silva e Roque N. Tamburini. Tem-se como certa a indicação pelo processo político, mas ninguém sabe até hoje qual dos três é o mais forte em Brasília.

Pe. José Grimminck, no “Recauto do Meninão”, promo-veu a confraternização dos casais participantes do Movimen-to Familiar Cristão, da sua Paróquia. Este movimento religio-so, um dos mais sérios e frutíferos do país, foi iniciado pela primeira vez na cidade pelo vigário da Aparecida.

Na festa, os casais participaram inclusive de uma brinca-deira carnavalesca...

A propósito dos aterros da rodovia Furnas-Fernão Dias, entrevistamos um engenheiro paulista, antigo membro do Conselho Rodoviário de São Paulo, o qual não nos autori-zou a revelar-lhe o nome. Após percorrer trechos da rodo-via, examinando pormenorizadamente os aterros, inclusive descendo aos sopés desses mesmos aterros, ele nos deu a seguinte opinião, que procuramos sintetizar o mais fielmente possível:

“É um absurdo inqualificável a construção desses aterros, ainda mais porque acreditamos que os responsáveis pela sua construção são certamente profissionais competentes.

Os aterros, quando por entre lagos, têm de ter as suas saias completamente compactadas, com pedras, por exemplo, para

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se evitar a ação perigosa da erosão; esses aterros têm, apenas, terras pedregosas e soltas sobre as saias.

Isto é um absurdo. Os aterros que tem lagos por margens têm necessidade de barreiras de proteção, como nas pontes, em todo seu comprimento. Esses não têm “Olhos de Gato”, linhas demarcatórias com tinta fosforescente, enfim, não têm nada que proteja, ou que avise, os motoristas. Além desses pontos citados, existem muitos outros que contribuem nega-tivamente para sua segurança. Como estão eles, não devem suportar um período de chuvas.”

Aí esta a opinião do engenheiro paulista.Queremos saber, agora, a opinião dos responsáveis.

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12 de abril de 1964

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Em toda revolução, escrevia Napoleão, há duas espécies de pessoas: as que a fazem e as que se aproveitam delas.

A revolução brasileira chegou, desmentindo um jornalista parisiense que afirmou que nenhum movimento revolucio-nário é feito com água de rosa. E se examinarmos atenta-mente o panorama nacional ficaremos convencidos de que o velho Imperador francês tem razão. Uns fizeram a revolução, e muitos outros estão aproveitando dela.

Para o Padre Lacordaire as revoluções modernas, porque são doutrinais, não acabam como as da antiguidade, por um homem ou por um acidente; elas terminarão sempre por uma doutrina.

Acaba de ser escolhido para Bispo de Guaxupé o antigo Bispo de Sete Lagoas. Para os que não o conhecem, basta dizer que Alceu Amoroso Lima referiu-se a ele num de seus artigos, como organizador e incentivador dos Sindicatos Ru-

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rais na sua diocese. Os mesmos sindicatos reuniam-se na sua Igreja, em virtude de as autoridades locais não permitirem que se reunissem em qualquer outro lugar, na cidade.

A Faculdade de Filosofia de Guaxupé funcionará ainda este ano, e os exames vestibulares estão marcados para o dia 20 do corrente.

Frase de um jornalista sobre conhecido político brasileiro: “Não tem curso nem de rio, e só sabe assinar o nome porque tem vocação para desenho.”

Em visita à redação deste Jornal o vice-prefeito de Fama, sr. José Pinto Fernandes.

O repórter Vitor Serafim da Silva, do Jornal falado da Ra-dio Difusora de Poços de Caldas, divulga notícias que recorta de “O Alfenense”.

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03 de maio de 1964

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

O Dr. Samuel Valadão conseguiu, juntamente com Adol-pho Engel, a promessa de financiamento para compra

de uma motoniveladora, através da Caixa Econômica Esta-dual.

Fatos da época na sala de aula, uma professora cuja linha ideológica está fora de qualquer suspeita, aconselhou os alu-nos a lerem o livro “Como se tornar um bom comunista”, distribuído pela embaixada americana, de crítica ao marxis-mo. Em suma, livro de humorismo. No dia seguinte corria o comentário velado que a professora era “vermelha”.

Outro dia uma pessoa daqui da casa disse haver de tudo neste jornal: casados, noivos, honestos e até comunistas. Vi-sivelmente falando em tom de brincadeira, alguém levou a sério e contava na primeira esquina que “Fulano” era marxis-ta. Não contente com isso, alguns invejosos incluíram no rol até familiares...

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Dom Helder, aos jornalistas: “Reconheço ao sr. Carlos La-cerda o direito de me atacar”.

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21 de junho de 1964

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Fomos informados de que a SUNAB enviou à Prefeitura autorização ou coisa que o valha para tabelamento ou

controle no abuso de preços na cidade. Se isto for verdade, três vivas ao nosso prefeito, que certamente irá se valer des-sa autorização, nunca dantes conseguida por prefeito algum, para dizer um “basta” à exploração que campeia pela cidade, já que a época é dos “bastas”.

Todos nós esperamos as providências do Dr. Samuel Va-ladão nesse sentido. Aliás, muitos acham que ela está tardan-do...

A Rádio Clube de Três Pontas estará fora do ar por dez dias, em obediência à portaria do Ministro Milton Campos.

A cassação dos direitos políticos de JK teve repercussões as mais diversas na cidade. Desde foguetes intempestivamen-te soltos até lágrimas sinceras e sentidas, presenciamos.

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Uma conhecida edil mostrou-se inconformada com a de-cisão do Comando Revolucionário sobre Juscelino...

Um padre envia a Milton Campos longa carta, pedindo, já que a Revolução é moralizadora, que se proíbam os bei-jos. Diz o reverendo que há muito abuso, principalmente por parte dos namorados. Mas, segundo a cantiga, “beijo é culpa que Deus desculpa”...

Um torcedor, numa das partidas pelo Campeonato Sul--mineiro, gritou ao Juiz: “Sai do campo, Juscelino...”

Na cidade o famoso cirurgião-dentista de Poços de Cal-das, Dr. Joaquim Rodrigues Alves, sua filha missionária Maria Olímpia e a Madre Philomena (de Bragança Paulista).

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05 de julho de 1964

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Todos que puderam se aproximar de Dom José ainda se encontram perplexos. Se sua fama era grande, ela se tor-

nou maior para aqueles que tiveram algum contato com S. Excia. Revma. nesses dias.

O Sr. Bispo confessou-me ter gostado muito de Alfenas, e do que viu aqui. Pena que somente possa voltar no próximo ano, pois em setembro partirá para Roma, onde participará do Concílio Ecumênico.

O Grupo escolar Prof. Viana, que está no seu primeiro ano de funcionamento, lutando com condições materiais di-ficílimas, já possui mais de 500 alunos.

Esse fato, sem dúvida, veio coroar os esforços de quantos pugnaram pela sua instalação, ao mesmo tempo que compro-va a eficiência da equipe dirigida por Teresa Carvalho.

Mais uma de Dom José: pretende ceder o seu Palácio para funcionamento da Faculdade de Filosofia de Guaxupé.

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A partir de agosto o Colégio Estadual terá nova Direção, um vez que o atual diretor estará em férias-prêmio.

Trata-se da Profa. Iracema Esteves, eleita por unanimidade pela congregação do estabelecimento, e uma das personali-dades mais autênticas do magistério.

Frase apanhada ao léu: “O discurso pronunciado em ho-menagem ao neossacerdote, no banquete, não foi um discur-so: foi uma obra-prima”.

O governo Estadual não consegue esconder que a situ-ação do Estado é a pior possível. Há funcionários que não recebem há 6 meses... Mas a campanha continua: MP-65, e até lá os funcionários que vivam de brisa!

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02 de Agosto de 1964

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

O General Cordeiro de Faria declarou à Comissão Parla-mentar de Inquérito sobre Furnas: “Os Srs. me descul-

pem, mas não sei de nada do assunto.”

O General não sabe que apenas no município de Carmo do Rio Claro foram submersas mil casas, e em Alfenas, 700.

O Deputado Manoel Taveira declara em “O Diário”: “O ministério precisa ser mais trepidante. Sinto-o meio perplexo. Mas, a verdade é que em contato com o povo, ouvindo suas queixas, vejo que, de fato, o Ministério está indeciso, tímido, ao que parece, até medroso de largar a tradição. E revolução é movimento contra revolução (...).”

Grave ameaça paira sobre a cidade.Extensas nuvens de moscas, originadas de galinheiros e

chiqueiros espalhados sobre diversos pontos da cidade, cons-tituem verdadeiro flagelo para os alfenenses.

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As moscas são transmissoras de várias enfermidades, en-tre as quais a temível paralisia infantil.

As autoridades competentes devem agir energicamente no sentido de eliminar os focos desses nocivos e repelentes in-setos.

O melhor juiz de futebol atualmente em Alfenas é o Sr. Mauro Borin.

Os funcionários da Veasa (Veiculos Engel de Alfenas) de-ram, no valor de Cr$ 70.000,00, cobertores aos pobres. Pa-rabéns.

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22 de novembro de 1964

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

A visita do Ministro da Educação movimentou a cidade. Todos acharam uma pessoa muito simples. E o ministro

provou ser franco e simples logo no início de seu discurso, ao prometer que não assustaria os que já estavam assustados, pelo exagero de discursos longos...

Tudo indica que o Sr. Suplicy levou boa impressão dos universitários de Alfenas, especialmente do Presidente do Centro Acadêmico, José Amélio. O Ministro, acostumado a entrar em atrito com os estudantes, por onde vai, ficou sur-preso pela atitude amistosa dos rapazes da EFOA.

Adolpho Engel e Homero Duarte, conversando amis-tosamente em frente ao Banco do Brasil.

O Presidente da UDN, que não perde a oportunidade para propagar o que consegue do governo, exibiu ao Presi-dente do PSD a carta do Dr. Afrânio Mesquita, que promete instalar em data certa o transformador que a cidade reclama.

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Eis o diálogo travado: HOMERO - Vocês estão no governo, uai! Tem que fazer alguma coisa! ADOLPHO – Mas vocês quando estiveram nunca fizeram... HOMERO – Passado é passado.

A dialética dos dois chefes políticos, embora veemente, nunca deixou de ser cordial, confirmando Michelet: Qual a primeira parte da política? – A educação. A segunda? – A educação. A terceira? – A educação.

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03 de janeiro de 1965

Da JanEla DO SObRaDO

Floriano Cambará

Dos 270 candidatos ao exame de admissão do Colégio Estadual, apenas 119 conseguiram aprovação, o que

demonstra o critério rigoroso daquele estabelecimento de ensino. Aliás, cogita-se de, no próximo ano, funcionar um curso noturno, no mesmo prédio do estabelecimento. Os alunos teriam que ser maiores de 14 anos, como pede a lei, e provarem que não poderão frequentar o curso diurno por exercerem atividade remunerada.

Os alfenenses têm uma ponta de lança na Secretaria da Educação. Trata-se de Ofélia Agostini, que vem procuran-do resolver os problemas dos alfenenses com todo interesse.

O Dr. Gilberto de Sousa acha que as críticas formula-das por um colega nesta coluna, sobre a EFOA, foram injus-tas e improcedentes. Primeiro, porque apenas a verba pessoal da Faculdade é maior do que a receita da Prefeitura local, o que atesta as vantagens da federalização. Acredita ainda o

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ilustre professor que a diminuição do número de vagas ape-nas veio prejudicar os bares da cidade. E argumentou que a faculdade de Belo Horizonte também possui 40 vagas.

Quanto às críticas sobre as divergências que existem na EFOA, o Dr. Gilberto as aceitaria se fossem formuladas em outros termos. Mas não da maneira que foi publicado.

A Companhia Mineira de Alimentação (COMA) está deixando os produtores de leite da região em polvorosa. A poderosa companhia, do famoso grupo Gasparian, não paga aos fornecedores de leite pontualmente. Agora, encurralada pelos mesmos, a COMA distribuiu notas promissórias, que, ao que tudo indica, não serão descontadas pelos bancos lo-cais antes do vencimento. Enquanto isso, os produtores que se danem, esquece-se a COMA, que da revolução veio, tam-bém para acabar com as negociatas e os “golpes”...

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Edson Antônio Velano

ENCONTROMARCADO

Fernão Jacobino

Crônicas publicadas em “O Alfenense”,de junho de 1964 a agosto de 1972

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“Penso: é o momento de estrangular Fernão Jacobino, mas sei que uma civilização repressiva à própria morte torna-se instrumento de repressão. Sem libertação do conteúdo reprimido na memória, sem descarga do seu poder libertador, a morte do meu heterônimo viria antes do querer e do dever, carregada de agonia e dor.”

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Capa da edição de “O Alfenense”, de 20 de agosto de 1972, que publicou a última crônica de Edson Antônio Velano, na seção

“Encontro Marcado”, sob o pseudônimo “Fernão Jacobino”

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21 de julho de 1964

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

A senhora brada. Grita pelo prefeito, pelo Delegado, pelo Comando Revolucionário e até pelo Presidente Castelo

Branco, que depois de eleito todos chamam de “meu amigo”. Em vão. O homem da banca está irredutível. Tomate tem que ser a 300 cruzeiros, uai! Senão terá prejuízo. E a senhora, sem papas na língua destampa o falatório. Ah! O que muita gente dessa cidade precisava era de cinco dedos na epiderme facial. Havia por aí, dormindo nalguma gaveta, uma determi-nação da SUNAB sobre preços de gêneros, e ninguém se in-comodava. Tinha vontade, ela mesma, de dar com os dedos na fuça do vendedor. O homem ficava pálido. Afinal, tomate veio de São Paulo, tudo vinha de São Paulo, como era possí-vel vender-se barato, Santo Deus? Some, dona, o transporte, o imposto... E enumerava febrilmente as mil despesas que marcavam a viagem de uma caixa de tomates da paulicéia para Alfenas. A “dona” não se incomodava com a sua des-dita. Chegaram os curiosos. Ninguém ousava tomar partido na polêmica. Os outros vendedores, de soslaio, de vez em quando davam furtivas olhadas de onde vinha a discussão, mas logo despistavam, temendo que ela viesse para os seus

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lados. A língua formigava dos que presenciavam a contenda verbal. Ninguém ousava intervir.

Olhavam, mesmo, com ar de grande admiração aquela se-nhora, que ser pobre, sem ter ideias esquerdistas (que me perdoem os céus e o Comando Revolucionário) preocupava--se com o preço dos tomates. A admirável senhora resolveu terminar o debate. Todos lamentaram. E se dirigiu a outra banca.

- Quanto custa o seu tomate?- Nhora quer saber a cumu tá o tomati? Murmurou o ho-

mem, visivelmente amedrontado.O olhar da mulher fuzilou-o.- Pode ser... 250, dona.Ela saiu triunfante, carregando a tiracolo os seus tomates,

como se fossem troféus de guerra. O homem morria de von-tade de lhe jogar uns tomates podres. Mas, afinal, não seria direito, vinha vindo outro freguês... e só lhe restavam aqueles últimos tomates, ora essa!!!

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12 de Março de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

O rapaz abriu a camisa e exibiu a cicatriz, com o mesmo orgulho que um general exibe a medalha. E falou, e

declamou, e relembrou coisas passadas. Cada palavra tinha destino certo e planejado. Nós dois que o ouvimos, tentáva-mos desviar a trajetória do petardo, ou com um desajeitado sorriso que não dizia nada ou com um impaciente silêncio que dizia tudo.

Lembrando nossas vivências antigas, tinha de nós uma imagem surpreendente nítida, o que nos deixava um pouco perturbados. Então, escancarávamos as portas da memória, perscrutando a retina em busca de uma imagem mais preci-sa e menos nebulosa, verdadeiramente em busca do tempo perdido.

Embalado, carreava as acusações com firmeza e lógica. Havíamos sido, para ele, nos longes das distâncias, algo pa-recido com deuses. Agora, contemplava o nosso crepúsculo. Há algum tempo éramos tranquilos espelhos nos quais ele se podia mirar. Depois, passado o tempo e o vento, o moço ga-nhara cicatrizes defendendo o que lhe havíamos ensinado...

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e nós ficaremos obesos. Este o paradoxo que o seu rebelde coração juvenil não podia compreender...

Nós atribúimos ao álcool a verborreia incômoda da noi-te de domingo e tínhamos pressa em sair, atender outros compromissos, conversar com outras pessoas e abandonar o lêmure à sua própria desdita. Na verdade o seu bisturi esta-va atingindo o tumor. Desentranhava de mais remoto o pe-rempto sítio, pálidas imagens do que fôramos há 7 anos...

Abandonamo-lo logo, sentindo que saboreava simultane-amente vitória e derrota e entramos pela noite deusa, ouvin-do-o, ainda, gritar: “Esconder-me-ei da tua face...”.

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19 de março de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Enquanto tentava descobrir na sua tranquila fisionomia reflexos de conflitos soterrados, associava febrilmente

as ideias, rememorava leituras perdidas nos labirintos da me-mória. Invocava Freud, Adler, Jung e toda a equipe. Em vão. Nada havia que indicasse um sequer ligeiro sintoma doentio, nem nas palavras, nem no olhar. A voz era mansa e o pensa-mento claro.

Quis falar alguma coisa de Santo Agostinho. Lembrei-me vagamente de uma oração fúnebre de Bossuet. Santo Tomás não me ocorria. Nada lembrava de Fulton Chaen, e Augusto dos Anjos era por demais importuno. Toda a literatura sobre o assunto fugia-me e era justamente nessas ocasiões que a literatura me salvava...

Indaguei, então, do seu passado, do seu presente, dos seus amores, do seu pensar e não descobri nenhuma frustação ou recalque.

Ele continuava, com voz macia, a falar de sua esquisita amada. Não a descobrira por acaso. Surgira, silenciosa, aos cinco anos, e jamais o abandonara. Tinha uma constância

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sutil. Ausentava-se uns tempos, como uma mulher capricho-sa, para reaparecer, mais tarde, deixando-o inquieto. Não foi conquista fácil, pois, nos primeiros tempos tratava-a como intrusa e tinha-lhe horror. Depois... o mundo foi girando e a constância finalmente o cativara. Quando chegava, sentia uma venturosa inquietude, descobrindo, de um modo que não pude compreender, o preço da felicidade. Desejava, ago-ra, a posse completa.

Foi então que me lembrei de Simone de Beauvoir e seu livro “Todos os homens são mortais” e seguramente pude compreendê-lo. O romance trata da alegoria de um indivíduo que, ingerindo determinada substância química, conseguira safar-se da morte. Depois de séculos de experiências as mais diversas, acompanhando o florescer do mundo, o nascimen-to e o ocaso das civilizações, guerras, revoluções, os grandes inventos, fora tomado de um cansaço infinito... e não podia recorrer à amada que desprezara. Não podia haver maior angústia...

Acho que ele, também, tinha essa compreensível ansieda-de. Podia ter pouco mais de 20 anos mas eu seria capaz de jurar que tinha vivido 100. Nessas circunstâncias, nada havia de mal no seu afeto.

Prometi-lhe o escrito e ele exultou. Agora, defronte ao teclado mudo, percebo que não sairá página à altura de sua justificável paixão. Apenas o que se salva nela porque é pro-fundamente humana, é sua própria reflexão, ao se despedir:

“Quem me dera morar sempre na Vossa casa.E abrigar-me à sombra de Vossa casa.”

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02 de abril de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Nas desconfianças do mundo aparece uma marcante confiança. Sem se incomodar com a distância, a cami-

nhada, o desconhecido, o ambiente estranho, o homem falou com fé: “Dizei uma só palavra...”. Todas as pessoas cha-madas sensatas balbuciaram suas veladas censuras à inédita credulidade. Ingenuidade, afirmavam uns. Loucura, diziam outros. Mas o servo ficou curado.

Decorridos vinte séculos, ainda há fome de confiança. Ninguém confia em ninguém. Na cidade grande, então, o fenômeno é mais pungente. Na desabalada corrida pela so-brevivência ninguém revive esta esquecida virtude. Embora a luta seja mais tranquila (tranquilidade que estimula a maledi-cência e a falta de entusiasmo) ninguém concilia a confiança com os valores humanos. Todos nós queremos ser espertos, gostamos de ser espertos, mas de uma esperteza que resulta em capoeira, em logro para alguém ou alguma coisa.

Foi por isso que o admirei. Via-o algumas vezes, quase sempre carregando a sua solidão, parado nas esquinas, nas noites brancas. Surpreendia-o, ainda, conversando sozinho,

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nos seus longos passeios. Todos os que o viam passar me diziam: Aquele é infeliz. E eu pude imaginar o motivo de sua infelicidade.

Numa das minhas constantes noites de insônia, perto da meia-noite, assustei-me quando se dirigiu a mim, na rua si-lenciosa. Queria fogo para acender o cigarro. O clarão do isqueiro revelou-me que sorria. Não conseguia esconder o seu contentamento. O diálogo principiou, um pouco emba-raçado, para entrar pela madrugada bastante íntimo. E eu tive o privilégio de saber os seus segredos. Partiu do princípio filosófico que toda ideia é um ato em potência, isto é, um ato quase realizado. Disse que acalentava uma ideia, para uns trágica, para outros desatinada, mas para ele era apenas uma ideia. Queria voluntariamente descansar na mão de Deus, e só ainda não concretizara sua intenção porque queria ouvir uma só palavra. E tinha certeza que, mais cedo ou mais tarde, ela entraria suavemente pelos seus ouvidos. Daí a razão do seu contentamento, quando todos o julgavam digno de pena.

Muitas noites de insônia e muitos dias de angústia se pas-saram, mas não esqueci meu amigo notívago. Nunca mais o vi, mas sei, pela conversa de duas comadres, que ouvi casu-almente, que ele recebera o prêmio pela sua inabalável con-fiança. E fiquei pensando que eu também deveria falar de coração aberto: “Dizei uma só palavra...”

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25 de junho de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

“Que valientes son las chilenas”, diria Pablo Neruda em situação idêntica. Imagino o grande poeta naquela tarde

de março enfrentando a criatura resoluta. Sei, de antemão, que no final só lhe restaria uma atitude: retirar-se e lançar no papel acolhedor: “puedo escribir mis versos más tristes esta noche...”

Falo demasiado em tristeza e até um dos meus raros leito-res me acusa pelo excessivo tom de melancolia. O que vale é a menina e ela estava alegre. Verdade que sua alegria per-turbava um pouco meu estado cinzento. Eu representava a Morte e ela a Vida; eu era o tempo nublado e dos meus poros emanavam tempestades com ventos ululantes, ela a manhã de sol, azul, tranquila e movimentada, eu estava estático e ela dinâmica, por isso fazia vertiginosos movimentos de rotação e translação, enquanto eu agia como vagaroso e antiquado satélite artificial, de pilhas fracas.

Todos notaram a diferença: o soldado que nos olhou des-confiado, as comadres marralheiras que vos vigiaram e até o cosmo. Entretanto, para mim e para ela, naquela hora, só

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existia Teillard de Chardin: tudo era energia radial, passando pela energia primordial até fechar o circuito. Flutuávamos na praça sossegada, inexistia a fotossíntese nos canteiros porque só nós tínhamos seiva.

Depois ela continuou sua órbita veloz, previamente traça-da, e eu fiquei quieto e mudo, na minha trajetória em graça, dando razão a Pablo Neruda: “que valientes son las chile-nas...”

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16 de julho de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Os copos giravam nas mãos livres, ruído de gelo que se quebrava e o furor de uma falaciosa alegria. “Vira, vira”,

gritavam. As velhas se acocoravam no canto, num pa-ta-ti--pa-ta-tá interminável, enquanto o álcool corria pelas artérias jovens que desejavam mais do que o simples êxtase da em-briaguez. “Que cante o Paulinho”, falou alguém. Do fundo da sala ele veio, hesitante. Seria melhor depois, deixassem a bebida fazer efeito... mas já lhe deram um violão:

Você era a mais bonitaDas cabrochas dessa alaVocê era favorita Onde eu era mestre-salaHoje a gente não se falaMas a festa continuaSuas noites são de galaNosso samba ainda é na rua

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Todos, então, sentiram necessidade de expansão, de extra-vasar euforia. Berraram:

Hoje o samba saiu Procurando vocêQuem te viu, quem te vêQuem não a conheceNão pode mais ver pra crerQuem jamais a esqueceNão pode reconhecer

Paulinho assumiu uma expressão grave, rosto contraído:

Quando o samba começava, Você era a mais brilhanteE se a gente se cansava,Você só seguia adianteHoje a gente anda distanteDo calor do seu gingadoVocê só dá chá dançanteOnde eu não sou convidado

A quantidade ingerida de álcool foi maior, todos viviam o seu papel, ninguém desejava abandonar o palco e foi com uma espécie de alucinação ansiosa que aguardaram o que vi-ria:

O meu samba se marcavaNa cadência dos seus passos

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O meu sono se embalavaNo carinho dos seus braçosHoje de teimoso eu passoBem de frente ao seu portãoPra lembrar que sobra espaçoNo barraco e no cordão

Não resisti. Ensaiei uma gargalhada estúpida e ruidosa para liquidar com as idiotices daquela gente, como forma de protesto à música pastosa, de chá de flor de laranjeira, mas o coro abafou, tremendo:

Hoje o samba saiu...

O álcool escorria pela garganta, que pedia mais. Paulinho continuava hipnotizando aquela gente, cada vez mais perto deles e cada vez mais longe de mim:

Todo ano eu lhe faziaUma cabrocha de alta classeDe dourado eu lhe vestiaPra que o povo admirasseEu não sei bem com certezaPorque foi que um belo diaQuem brincava de princesaAcostumou na fantasia

Lembrei-me de Massenet e sua música, o lamento do trompete, da angústia de Franz Kafka clamando por Frie-

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da, de Carl Winter devorando Heine para esquecer Gertrude Stein e me envergonhei. Bancava o intelectual pedante que não aceitava o forte, violento:

Hoje eu vou sambar na pista, Você vai de galeria

Do mais recôndito sítio veio nascendo uma decisão, man-sa, e por ser mansa, mais duradoura. De alienado ao ambien-te me senti homem entre os homens. Corri em direção de Paulinho e ele me olhou, grato. O pequenino diamante se transformou em nova flor explodida dos caminhos da liber-dade. Cantei alto, porque me sentia livre, na idade da razão. A agonia de ser transformou-se em apetite de ser. Cantei mais alto, para que a minha liberdade voasse sobre os telhados, envolvesse a noite:

Quero que você assistaNa mais fina companhiaSe você sentir saudade, Por favor não dê na vistaBate palmas com vontade,Faz de conta que é turista

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13 de agosto de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Antes, o verão: obrigado pelo amor de vocês. Os peque-nos burgueses, as vinhas da ira, a leste do paraíso, o

inverno do nosso descontentamento.Castigas para acordar mulher, a rosa do povo, viola de

amor, caminhos cruzados... A mão e a luva, noites do sertão. A aldeia das cegonhas brancas, vila dos confins, tremor de terra, a criação do mundo. Diálogo das carmelitas, memórias de uma moça bem comportada. Corpo de baile... terra em transe; fala, amendoeira!

A cidade e as serras, confissões de Minas Gerais, Deus e o Diabo na terra do sol.

Depois da queda: bom dia, tristeza! Deus lhe pague, morre um gato na china. Vidas secas, o processo, o castelo, meta-morfose, triste fim do major Policarpo Quaresma.

Todos os homens são mortais. Ressurreição. Os caminhos da liberdade com a morte na alma. O padre e a moça, o vigá-rio, arena conta... terra em transe! Depois da queda, o levante das saias, dois perdidos numa noite suja e o resto é silêncio.

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17 de setembro de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Poucas páginas da literatura alcançaram tamanho sincre-tismo do que esta de Machado de Assis: “Machucado,

separado do amigo, Quincas Borba vai então deitar-se a um canto, e fica ali muito tempo, calado; agita-se um pouco, até que acha posição definida, e cerra os olhos. Não dorme, re-colhe as ideias, combina, relembra, a figura vaga do finado amigo passa-lhe acaso ao longe, muito ao longe, aos pedaços, depois mistura-se à do amigo atual, e parecem ambas uma só pessoa, depois outras ideias...”

Há quem diga que Carlos Heitor Cony é um Machado de Assis moderno, principalmente pela temática, comum a am-bos. Ei-lo: “Esperava um acaso para decidir as ameaças que pairavam, em silêncio, sobre todos nós. A pequenina semen-te, no subterrâneo dos ódios e amores velados, cedo teria de apodrecer e frutificar. Começou a inchar. Não importava que o chão continuasse intacto, sem nada que revelasse a germi-nação interior. Pisávamos o solo duro, parecia sólido, tudo parece sempre eterno – culpa do homem que não é eterno.

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Eu sabia que havia aquela germinação em silêncio, no fundo e na treva: corrijo um frase acima: às vezes chegamos a ser eternos de uma forma ridícula.”

Lembra-se de uma vez que foi honesto. Havia a pureza dos 15 anos e a interrogação sobre a sua origem. Negou fato de que o princípio da existência da criatura foi o motivo da união dos que a colocaram no mundo. A criatura tranquili-zou-se. Recorda-se de que naquela noite, por ter recusado a flor do ódio, teve um sono sereno. E até que soubesse que a criatura estava menos frágil, jamais ousou revelar o seu gran-de segredo. Hoje o sono não é tão sereno...

O amigo sorriu da sua confiança. Magoado, estendeu-lhe a carta não tanto velha. A letra era redonda e o papel fino: “Se você me pede uma opinião”. Se você quiser fazer tudo o que disse e mais alguma coisa, acho que não suportaria. Te-nho sofrido, muito mesmo. Tenho certeza de que o espera-ria sempre, confiando sempre e também compreendendo. O amigo tornou a sorrir. Mostrou-lhe outra: “ Pense no que lhe proponho e tente fazê-lo. Não gostaria que você abandonas-se sua língua, seu amigos, sua roupa de infância e as afogasse nas ondas. Você também se perderia e não iria perceber que já dera a volta ao mundo e encontrava-se diante das mesmas frustrações, das mesmas tristezas e desencantos. E que tudo se encontrava tal qual você deixara, e não poderia fugir outra vez... ”

O sorriso continuava a dominar o rosto do amigo. Já de-sesperado, leu em voz alta e entrecortada: “sou imensamen-te feliz por conhecer mais a profundidade do seu ideal rela-tivamente a nós. Dá-me segurança, tranquilidade e grande confiança, e também capacidade para esperar o tempo pos-

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sível...”Interrompeu a leitura, pois o amigo havia se precipitado

rumo ao banheiro, rosto esverdeado. Transbordava de náu-sea.

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08 de outubro de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Uma geração vai e outra geração vem, mas a terra para sempre permanece, no dizer do Eclesiastes. No intervalo

dessas idas e vindas respiramos um oxigênio de fraternidade, adormecendo com o perdão. Somos todos, então, da mesma angústia de Bossuet ao falar da transitoriedade e inconstância das coisas humanas. Esta vida é frágil e diante dessa fragilida-de se curva o aço da nossa incompreensão, fenece a flor do ódio para que nasça o lírio do amor.

Verdade que há bastantes imagens nisso tudo, mas a essên-cia, no íntimo, não tem nada de retórica. As gerações passam e resta apenas uma vontade imensa de ter falado a palavra amiga na hora certa, mesmo sabendo que cada um tem sua hora e sua vez, e que a palavra sufocada pela timidez ou pela incompreensão brotará, num futuro próximo, dentro dos lar-gos limites da eternidade, onde ninguém se oporá a outro e todos cantaremos, de mãos dadas.

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22 de outubro de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Eis-me diante do poeta grisalho, encurvado, cuja humil-dade me desconcerta a ponto de arriscar o palpite de

que aquele homem não tem defeitos nem pecados. Desde menino que via na vitrine a SEARA DO DESTINO e ficava a imaginar como seria o autor daquela corrente de versos. Muitos anos mais tarde, depois de percorrer tantos caminhos e devorar nas longas noites de angústia um Fernando Pessoa ou Manuel Bandeira, é que vim a conhecer de perto seus ver-sos e o dono deles.

Imaginava-o uma mistura de simbolismo-parnasianismo- romantismo, tanto no escrever como no ser. Explico melhor: como seus versos situam-se dentro dessas correntes (a clas-sificação é um tanto simplista), pensava que sua essência, sua cultura, seus pensamentos se autolimitavam nesse tripé. Na noite em que conversamos, diante de outra mulher de gran-de sensibilidade poética; arrisco falar em Fernando Pessoa e Guimarães Rosa. O poeta grisalho me surpreende e desban-ca minha pretensão de homem atualizado.

Dá autêntica aula sobre esses autores e vai além: conhece

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trabalhos inéditos de Guimarães Rosa, viu filme “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” e considera-o um dos melhores.

Depois me conta das suas aventuras de engraxate em São Paulo, há dois anos, quando surpreendia seus fregueses da praça Dom José Gaspar, com citações de escritores e filóso-fos.

Na noite da arte, sua entrada no palco foi comovente. Bas-tante surdo, as palmas que recebeu foram tão intensas que chegou a ouvi-las. Lembrou-me Beethoven. A plateia aplau-dia e o homem grisalho continuava curvo, as mãos grandes e calosas, a humildade transpirando pelos poros. Naquela noite eu desejei ser José de Ávila.

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29 de outubro de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Ah, loirinha bacana, quanto me custou acreditar no que vi hoje... Naquela manhã de maio eu falava com voz e en-

toação das pessoas velhas, experientes, e tu contestavas com a veemência que só a juventude possui. Tua revolta pelo que eu profetizava nascia do fundo do ser. Ficavas toda eriçada ao ouvir anunciar o teu esquecimento breve. Como a manhã era clara e óbvia, assim também te recusavas a crer que mais cedo do que supunhas a memória não guardaria sequer vestí-gios do teu “grande amor”.

- A distância é como o vento: apaga as velas e ateia os in-cêndios.

- Mas tem as cartas. Esqueceste das cartas.Triunfavas ao lembrar das cartas. A pupila irrequieta baila-

va ao soar da cantiga velha: “e as cartas não mentem jamais...”Me desafiavas com tua adolescência, tua firmeza e tua fi-

delidade. E eu te dei crédito, loirinha barra-limpa! Invejei o teu venturoso amado, que se fora para a Guanabara te dei-xando mais firme do que as Montanhas Rochosas. Resignan-do, aguardava o tempo, devorando Omar Khayan: “Quatro

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coisas não retornam: a seta desfechada, a palavra proferida, a água que passou no moinho e a oportunidade perdida.” Onde estaria o teu calcanhar de Aquiles, loirinha estonteante?

Agora, quando te vejo, nessa situação nova, e não trazes no rosto ou nos olhos o menor vestígio do passado próximo, sei que perdi a seta, a palavra, a água do moinho e a oportu-nidade de que fala o poeta, mas sei sobretudo a aposta que fiz no teu gênero. Eu, que me dispunha a acreditar em ti e, des-tarte, em todas as loiras e morenas por esse mundo afora...

Mas tu me destes uma felicidade, loirinha, apesar de ser uma felicidade canalha. Não lamento mais as quatro coisas irretornáveis de Omar Khayan, mas sim não ter sorvido das situações antigas maior prazer passageiro e transitório, por-que passageiras e transitórias são todas as da tua estirpe, loi-rinha-mulher...

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19 de novembro de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Teus ombros suportam o mundo. Quem consegue pene-trar nas insondáveis vielas do coração humano? Cami-

nha. Ao som de fuga e antifuga, à maneira do cantor, deixa o barco correr, deixa o dia raiar e perdoa o insensato estilete do minicronista, porque em todos os tempos e em todas as épocas a linguagem sempre foi fonte de mal-entendidos.

É este o meu recado. Só através do amor e da consciência, um homem, uma mulher se realizam como tais. Interioridade e dom. Isto, apesar da lente opaca com que o cronista te viu, tens de sobra, garota mulher.

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10 de dezembro de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Miséria é como te chamas, alma rasa que move esta crô-nica. Teu olho de cólera observa o calendário, a metade

de dezembro chegando e revolves o veio do ódio, fazes jorrar um líquido. Escuro nos subterrâneos da mente. Então, que seja a hora e a vez de todas as verdades, ou no máximo, das miniverdades...

Não sei porque no teu lembrar há ausência do baile, da conversa ingênua, da ternura que flutuava ligeiro. Há apenas lama na tua memória pequena e te sentes bem em meio a esse chafurdar, atavismo irresistível do lugar de onde viestes. Que seja a hora e a vez do lodo, e não do minilodo.

Apenas uma frase. Toda nudez será castigada. A verdade de Nelson Rodrigues também é a tua e me desorientas com essas evocações indistintas, nebulosas: elevador, apartamen-to, cinema, clube, ânsia de corpos. Ah, me confunde esse excesso de amor...

Bilhete a Jean Paul Sartre, em 15 de dezembro: “Eu te dei tudo: minha fé, religião, minha cultura e minha esperança na

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vida, um pouquinho de vontade de existir.Depois que obtiveste minha cultura, minha fé, minha reli-

gião, minha esperança e perdeste a vontade de morrer... tu me abandonaste. Por isso essa lama e essa cabeça baixa. Tu me criaste como sou. Os teus desígnios são impenetráveis; sou o mais vergonhoso de teus pensamentos, tu me vês e eu te sirvo, ergo-me contra ti, insulto-te e te insultando, sirvo-te. Eis-me como me fizeste, triste e covarde, irremediável. Tu me olhas e toda esperança se desvanece. Direi: sou Caim. E então? Foste tu que me fizeste assim, carrega-me.”

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24 de dezembro de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Alguém adverte alguém. Há perigos neste mundo, cui-dado, chega um ponto em que se pode perder a cabeça

e então... A advertência brota da amizade, é certo, mas não deixa de irritar. Ah, se soubessem, suspira o admoestado, se soubessem que o perigo não é tão grande como o de outrora.

– Outrora? – Outrora, ontem, o que passou. Ninguém entende e é

melhor assim. Deve ser chato ser entendido por todo mun-do, é sempre bom deixar alguma coisa pairando, o leitor gos-ta de mistérios.

– Mistérios? – Nebulosidade, escuridão. Coisas indistintas e amorfas

disfarçando o brejo, uma certa podridão prosaica, matéria do que escrevo.

– Escreves, por quê? – Ora, acho que escrevo para conversar, sei lá por que,

para extravasar, só não sei o que! Ou ainda para dizer todas as verdades.

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– Que coisa é a verdade?– A verdade é o silêncio, é o suor, a ânsia, o choro na

penumbra, o desespero no elevador, o desejo irresistível nas-cido diante de uma máquina de escrever, um distante baile carnavalesco. Talvez seja um contato delicioso pelo asfalto do circuito das águas, num ensolarado domingo. Há mais verdades que só serão reveladas num romanos, quase pronto.

– Romanos? – Uma estória. Aí sim um desabafo. E a verdade irá pairar

nuazinha sobre a face das águas.

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31 de dezembro de 1967

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Na vitrola o canto de Chico Buarque de Holanda: “Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu ou mor-

reu / A gente estancou de repente / Ou foi o mundo então que cresceu”.

Nada na música brasileira me parece tão denso, angustian-te, carregado de um sentimento trágico do mundo. O disco gira, é noite, as modulações vibram, cansadas. Emerge de longe um menino, um velho e um rapaz. Três perdidos numa noite suja. “A gente quer ter voz ativa / No nosso destino mandar / Mas eis que chega a roda-viva/ E carrega o destino prá lá”.

Menino confuso, velho tristonho, inconformismo tortu-rante do rapaz. Para um as linhas do porvir sugerido des-concertam, outro prova um acre sabor na boca e o terceiro levanta e luta, D. Quixote às avessas: “Roda mundo, roda--gigante/Rodamoinho, roda pião / O tempo rodou num ins-tante / Nas voltas do meu coração”.

Medem-se os três perdidos, num confronto de vida. O tempo inexiste para o menino, pesa nas costas do velho como

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bronquite caduca, alenta o rapaz brincando de pique. Os três frágeis corações se cansam com as voltas intermináveis. D. Quixote se lança ao moinho e sua luta é ritmo na vitrola, resvalando na noite:

A gente vai contra a correnteAté não poder resistir

A voz do velho, gelado. Estilete que rasga: “Na volta do barco é que sente / O quanto deixou de cumprir”! Contra a vivência, ergue-se o incêndio quixotesco: “Faz tempo que a gente cultiva / A mais linda roseira que há”? Através das ida-des caminha a resposta tranquila, pronunciada pelos lábios secos: “Mas eis que chega a roda-viva / E carrega a roseira pra lá”...

Baila o menino se rindo do desencanto da geração que fe-necia e da esperança estúpida da geração que despontava: “O tempo rodou num instante / Nas voltas do meu coração”. De todos ali, apenas o garoto atinge a fímbria da eternidade. Eis que o rapaz se embala, ambrosíaco, pulsando, pulsando: “A roda da saia, a mulata”! Ao que contrapõe o velho: “Não quer mais rodar, não senhor / Não posso fazer serenata / A roda de samba acabou”.

O amargor inunda o quarto e a noite. Na vitrola o inces-sante roda mundo, roda pião. Na alma do moço, sangrias. Na alma do velho, fundas marcas, estéreis. Na alma do menino, a pureza dos que ainda não se enfronharam no mundo. Os três, perdidos. O novo e o velho se aproximando, atavismo, simbiose que tenta. O moço bordeja a linha divisória. Desa-fia o inevitável, lança em punho: “A gente toma a iniciativa / Viola na rua a cantar / Mas eis que chega a roda-viva / E carrega a viola prá lá”. Identidade perfeita entre o novo e

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o velho. O novíssimo de Dora, bailando, alheio às tristuras e angústias. E baila na roda, roda mundo, roda-gigante. Os dois perdidos abandonam-se. E sei o canto a duas vozes:

O samba, a viola, a roseiraUm dia a fogueira queimouFoi tudo ilusão passageira Que a brisa primeira levouNo peito a saudade cativaFaz força do tempo parar

Surge, então, o menino, trazendo no rosto franzino as san-grias e as marcas do moço e do ancião, maculando sua lividez de inocência: “Mas eis que chega a roda-viva / E carrega a saudade pra lá”...

É o tempo em que a vida se apresenta sem mistificação e o encontro se faz, personalidade estranhamente fundida com essas três pessoas. Num sol de quase dezembro, sem lenço, sem documento, nada no bolso ou nas mãos, eu vou, por que não?

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07 de janeiro de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Boas festas, alegria, alegria. A fraternidade transborda dos cartões com paisagens nevadas e todos nos dese-

jam o melhor: paz, realização, felicidade, a morte do ódio e o renascimento do amor. O natal passou e comemorou-se singelamente o nascimento do Menino-Deus; a alma do vi-nho cantando nas garrafas. Depois as recordações chegaram, cuidadosas. Em meio a tantos cartões recordo-me de um: gatinho branco e duas assinaturas me desejavam um natal feliz, uma vida feliz e vários eteceteras de felicidade. Hoje o cartão, o gato branco e as assinaturas lá estão adormecidos na gaveta. E os eteceteras? Adormeceram também. É sempre assim, o ciclo da vida é curioso. Hoje amor, amanhã ódio, e os cartões de fraternidade são mandados às favas; bicho es-quisito, o homem...

As luzinhas eram raras, ao longe. Na estrada deserta ne-nhum carro, apenas dois cavaleiros seguiam sob a noite de estrelas rumo à Missa do Galo. Depois o encontro, o riso, a fala, a cerveja escorrendo pela garganta, alguns olhos inex-

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pressivos pedindo alguma coisa. Ninguém lembrou, ninguém cantou, mas verdadeiramente era uma NOITE FELIZ!

O cheque chegou como afronta e ofensa. (Na verdade, no brejo da burguesia, se alguém pudesse ler os mais secretos pensamentos veria o desejo de descontá-lo.) Cada um fala a linguagem que lhe foi ensinada, alguns se doem com cheques, outros com poemas devolvidos. No primeiro caso devolveu--se o trabalho, um preço vil por serviços prestados; no outro foi a vida, inteirinha, mandada de volta.

E o novo ano chega, as pessoas ganham mais rugas, na alma ou na carne. É a velhice, na verdade, que se aproxima velozmente: as almas vivem um permanente inverno. Não obstante, todo mundo espera a chegada urgente da prima-vera.

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21 de janeiro de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Nos longes das distâncias a gente distingue, apenas, as primeiras coisas: o primeiro amor, a primeira saudade,

o primeiro sorriso e a primeira vontade de um precipitar no desconhecido. Há ainda a mescla do bem e do mal, ninguém sabendo exatamente delimitar a fronteira. Os traços da me-mória ressuscitam a certeza do repetir, do volver inexorável, maldição do gênese continua presente: sentirás a navalha na carne, a essência de abandono desordenado, o tédio sem mo-notonia e a náusea, a náusea não te pode faltar!

Como safar-se disso tudo com a renúncia e o despreendi-mento, responde o Cristianismo. Com engajamento, afirma o marxismo. No oriente, alienação, desapegar-se matreiro do corpo, flutuar falacioso, nirvana irreal. Mas a angustia pela felicidade brotará além da vida e da morte. O ciclo se re-pete: outra vez o sorriso, novamente a saudade e de novo a náusea contraindo o corpo, esverdeando o rosto. Há, então, uma melancólica saudade pela essência do antes do humano, aspiração de acompanhar qualquer Yuri Gagarin e expelir das entranhas a miséria e o nojo, num vômito definitivo.

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Conheço essa espuma de que são feitos teus pensamentos diários. Eu te olho e toda esperança se desvanecerá, pois eu sei o teu grande segredo. A não ser que todos os teus valores feneceram, que a tua hombridade tenha murchado, o teu brio morto ou que para mim os pólos da vida estejam desimanta-dos, a vitória será minha. Vitória de Pirro, mas inteiramente minha.

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04 de fevereiro de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Perplexidade! Esta a palavra para definir os contornos amorfos da alma, depois da queda. Perplexo, ataranta-

do, vagueia sem rumo ou direção, o mundo parece nascer a cada instante. Eis um sujeito liquidado – diriam os pássaros negros farejando em busca do odor do cadáver. Qual, an-tes tivesse de curvar a cabeça por uma derrota, pelo menos os polos da vida não estariam desimantados. Ainda mais: há quedas que servem para ponto de partida. Na verdade a in-decisão e o desalento estão longe de brotarem de um jogo onde se perdeu, ou de certo orgulho ferido tão proclamado e profetizado pelos que se deliciaram com o seu fracasso; mais do que humanos, esses sentimentos refletem apenas o desmoronar de valores, o ruir de uma filosofia de vida, o ex-plodir do sincretismo de ideais que a infância e a juventude têm de mais puro. Rompeu-se a linha divisória do Bem e do Mal, eis tudo dito de chofre.

A fé, a confiança, a espontaneidade passaram a ser relí-quias arqueológicas, repousam no museu da moral, pois que os atos e os fatos cuidaram de fossilizá-los: vale é a capoeira,

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o logro. Viva Brutus!Imagina-se a cara divertida das pessoas experientes dian-

te dessas considerações velhas, surradas e repetidas. Têm direito de sorrir. Não se perdoa é enganar-se uma criança, iludir uma juventude, ensinando ao menino e ao moço que a honestidade vagueia no mundo, a caridade (não no mes-quinho sentido de assistência social demagógica) transborda nos corações. Parece indesculpável embalar-se a juventude na embriaguez falaciosa da confiança e do amor. Razão tem Simonne de Beauvoir: a gente ama é uma ideia de si mes-mo. O homem continua sendo o lobo do homem, amantes permanecerão traindo-se mutuamente, seja em pensamentos ou obras, esposas continuarão tolerando seus maridos, estes desejarão outras mulheres, dentro das regras do jogo impos-to pela estrutura social, namorados e noivos persistirão em se enganarem, alguém será preso por roubar uma galinha, ninguém por sonegar imposto, haverá sempre algum cana-lha para ludibriar a ingenuidade de viúvas e a inocência de órfãos, e sobretudo haverá um balbucio de asco confessando amor num flutuar incessante. Sejamos espertos, ingênuos de boa-fé, hippies, playboys, operários, estudantes ou roceiros, todos os que tiverem a maldição da juventude. Sejamos es-pertos, preparemo-nos para a rasteira, inevitável.

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11 de fevereiro de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Pela segunda vez, pela segunda vez a mão se ergueu e veio a punhalada e o pontapé, da ferida jorrou um líquido vis-

coso, nem sangue nem água, apenas pus. Podia prever, podia adivinhar, segundo por segundo, os longos meses de vergo-nha que viriam. Os anos de desespero que o aguardavam.

Eis uma grande noite à sua frente, bela sanguínea sem se-mentes. Viria maior, salpicada de tons roxos, e então? Cobrir--se, virar-se, estender-se, não pensar. Em vão. Nada podia diluir aquele indecifrável caroço de noite.

Atrás daquela porta a liberdade, desatrelar-se de tudo, mergulhar totalmente nos flocos impenetráveis, enfronhar-se nos desígnios definitivos. A libertação, para sempre conhecer o concreto, o imutável: bastava o gesto, um pequeno gesto e a porta se abriria, ampla. O difícil era o gesto, estender a mão. Conseguisse isso e tudo seria luz.

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Marcado, para sempre. Para sempre? Convém reparar na transitoriedade e inconstância das coisas humanas. Seja lá como for, de tudo fica um pouco, às vezes um botão, às ve-zes um rato.

- Fartura, conforto, dinheiro, money, dracmas.- Ah, está se vendendo? - Jamais. O que recebo é o que tenho direito, despesas de

manutenção, faculdade, aluguel de apartamento. Necessida-des materiais que escapam a qualquer cotejo moral.

- Ah, desculpe, estava achando seu preço muito baixo. Em qualquer hipótese quem avisa amigo é – na hora de negociar regateie, exija. Preço alto, você é mercadoria de primeira!

Dialogar, dizer quase tudo, carregar as palavras soltas com um timbre de efetividade marota.

Corpos indistintos, sem contornos definidos, aproximan-do-se velozmente. Os pássaros negros chegavam.

Dançavas, bailavas, sorrias. Nenhum vestígio na memó-ria, nenhum resíduo. Tudo o que foi, a vida passada a limpo te deixou flutuar, nem o contato corpo a corpo ressuscita-va lembranças muito novas ou muito antigas. Quem te viu... quem te vê... não importa: na aparência ainda és respeitável.

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18 de fevereiro de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Você quis o diálogo, eu não acredito nele. Penso hoje que ninguém pode conhecer-se, se não contar-se, daí a ra-

zão porque escrevo. Isso difere, é claro, do meu pensamento de ontem, e amanhã talvez seja irreconhecível. Não importa, vivo o instante presente, então vale o que penso agora.

Empenho-me na dolorosa repulsa ao resíduo, é preciso destruir um mundo para se nascer. Aí se pode exclamar: eis um novo homem. Julgarei vislumbrar radiações promissoras, ouvir cantigas inefáveis, todos festejarão a metamorfose e o contentamento de verdade irá senhorear alegria tão espaçosa. Sonho de uma noite de verão... Olho para o chão, para os meus pés, e compreendo a inutilidade diante do inevitável: as marcas continuam, cresce a lama e o admirável homem novo contrai o estômago, a náu se volta no incessante circuito.

Mas é preciso nascer, e nas contrações para vir à luz rom-peu-se a casca do ovo, alguma coisa dilui-se, inteirinho, um indecifrável caroço de noite. Então o que repudio no ontem ganha dimensões tentaculares, sou tomado de uma disponi-bilidade arrasadora: flutuo, nada no bolso ou nas mãos, há

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um desapegar-se infantil das estruturas da vida.Talvez seja este o lado central do tormento. Os conceitos

gerados na força da idade, as limpas noções hauridas através dos tempos, tudo num segundo transformou-se em ruínas fumegantes, nada dos valores, nada das verdades, é o tempo das mentiras. O regato e o esgoto se confundem. Tudo o que se fizer brota sem unir os liames da vida, rasgou-se o frágil tecido da fé.

Não é conclusão apressada e apenas fruto do ressentimen-to, nem agora importa mais explicar o porquê e o para quê. Mesmo assim você quis o diálogo, as palavras pularam ávidas, violentas, num samba bravo. Eu já não acredito em palavras. Por que me sirvo delas? Quem responde por mim é Sartre, o meu novo Apóstolo do Desespero:

“A cultura não salva nada nem ninguém, ela não justifica, mas é um produto do homem: ele se projeta, se reconhece nela; só esse espelho crítico lhe oferece a própria imagem. De minha parte não me encontro e me pergunto às vezes se não estou jogando o perde ganha e empenhando-me em pisotear minhas esperanças de outrora para que tudo me seja devolvido ao cêntuplo. Não sei. Minha única preocupação era salvar-me. Sem equipamentos, sem instrumental, lancei--me por inteiro à ação para salvar-me por inteiro. Se guardo a impossível salvação na loja dos acessórios, o que me resta? Todo um homem, feito de todos os homens, que os vale to-dos e a quem vale não importa a quem.”

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25 de fevereiro de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

As evocações carnavalescas resvalam pelo insensato e confuso mundo alucinógeno, psicodélico, num frenesi

que adquire o colorido da loucura. O que amo nessa loucu-ra não é a alucinação desengonçada dos ritmos. Sou capaz de dar a vida por aquele desvencido torpor que se insinua à noite, no instante que precede o sono e desata não sei que cadarços da alma. Então abomino o delírio no que ele tem de dinâmico e me entrego inteiramente estático, ponho a imagi-nação a funcionar. As alucinações ritmadas revelam de início um indiazinha, delgada e franzina. Roupa de saco, o corpo salta e se abandona a misteriosos passos selvagens, violentos. Depois mudam-se os tempos, eis-me diante de uma grega também franzina em quem percebo uma alma onde poderei lustrar pecados que jamais repousam. No delírio mergulho inteiramente nos rituais pagãos, obscuros, cuja delícia maior é serem absolutamente inéditos para mim: Afrodite, Afrodi-te, no meu sonho psicodélico eu te estreitei na noite carna-valesca!

Cessa tudo em seguida, a última impressão que guardo é

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de alguém se aproximando, ouvindo Afrodite balbuciar pala-vras de amor estranho.

Outra vez as visões se atualizam, nem a índia, nem a gre-ga reinam nos meus sonhos, apenas uma garotinha de calça comprida, blusa vermelha...

Como são coloridos os sonhos!Só me resta diante dessas falaciosas visões oníricas um

trepidar de desengano. Se deixo o espírito vaguear tranquila-mente pelo denso e selvagem mundo das índias franzinas, ou se a alma flutua pela antiguidade clássica é porque ainda creio que somos oriundos dessa argila de que são feitas as criatu-ras raras. A despeito de toda tormenta, subsiste a alma dos faunos na pupila, porque nascemos no ritmo das flores. Só isso justificaria a existência, o estupor, a surpresa, a traição. Só isso seria capaz de ativar a memória preguiçosa na noite de Carnaval, quando todos pulam e gritam, mas em verdade todos dormem.

Do contrário eu ficarei com minha loucura psicodélica, com meu sonho de hippie claudicante que, apesar de tudo, ainda procura um caminho, melhor seria se não fosse aluci-nógeno.

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10 de março de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Autenticidade é a palavra da época, balbuciada ou arrota-da de instante a instante. Já a escutei inúmeras vezes, se-

cundada de sorrisos esperançosos a olhares decididos. Hoje guardo memória fonética do vocábulo, em meio a eructações interiores. Paga-se um preço muito caro para ser autêntico, é duro, é difícil, às vezes é ridículo, mas quem deseja per-manecer no arroto deve lançar-se nas esferas próprias e nos rodopios inertes. E ler urgentemente a peça de Sartre: “La putain respectuese”.

João desejava ser apenas sombra, impregnar-se do miste-rioso amorfismo. Tremia de contentamento ao imaginar-se espectro, acompanhar aquele outro corpo pelos meandros impenetráveis. Nasceu para sombra, seria sombra, constante, incansável e insistente. Seguiria todos os passos, acompanha-ria todos os gestos. Seria a presença vaga e indefinida, mas nunca deixaria o corpo. Vez por outra se deixaria mostrar e daria ciência que estava ali, ficaria ali até o fim dos tempos, encravado na essência da memória para só diluir-se minu-

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tos antes da morta. Algumas vezes João desanimava, pen-sava que o corpo não tinha consciência de que ele o seguia constantemente, testemunha silenciosa do seu passado e do seu presente. Mas João logo se entusiasmava, não importava que o corpo o desconhecesse. Seu papel de sombra tinha um destino que resvalava pela fímbria do eterno.

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17 de março de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Persona, um dos últimos filmes de Bergman, tem cenas decisivas na permanente procura da verdade. A perso-

nagem interrompe sua fala na peça teatral (Electra) e conti-nua num pungente mutismo. Renuncia às palavras, abandona essa estranha faculdade de comunicação. No diálogo com a psicóloga, esta descobre que a obstinação era oriunda da an-gústia pela autenticidade. “Mas a autenticidade é para o palco - conclui - não é para a vida”.

Clarice Lispector parte disso para escrever notável crôni-ca. E observa que num belo dia deixamos nossa máscara cair. Todos nos observam como somos, essas rugas, essas marcas, algumas cicatrizes. Persona - a crônica e o filme - confirmam melancolicamente que a autenticidade é para representação, máscara ocasional que logo se dilui.

Existe um dualismo impenetrável nessa desencantada con-clusão. Colocar a máscara ou mostrar as vísceras infames? É

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nessa mescla que a vida se embala. O ciclo se repete tranqui-lamente, possuímos, passamos, hoje com uma face, amanhã com outra, cada vez mais prostituindo a perdida inocência da infância, a puríssima angústia da adolescência.

E subimos e descemos ao palco. Renunciamos, por vezes, à possibilidade de falar. Longe deste fato ser oriundo da mes-ma preocupação de Bergman, representa nossa triste condi-ção de maus atores, de péssimos coadjuvantes.

Mas tudo isso já foi dito melhor por gente melhor.

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24 de março de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Sidarta abandonou esposa, filho e reino para sair pelas flo-restas, em busca da verdade. Meditava, meditava, ao mes-

mo tempo que procurava com a modificação dos sentidos encontrar o perdido norte da felicidade. Às portas da morte, desencantou-se com o rigorismo a que era submetido sem que se defrontasse com os subterrâneos da verdade. Voltou a comer, o corpo readquiriu o antigo vigor, partiu para novas peregrinações até constatar a realidade. Concluiu, então, que o sofrimento é a base da vida e que todas as desgraças nas-cem dos desejos. Grande novidade, “seu” Sidarta!

Em tempo: Sidarta é também chamado o “Buda”, criador da religião, filosofia ou modo de vida seguidos por 600 mi-lhões de pessoas.

A gente se desencanta, fica um acre sabor na boca. É pre-ciso repudiar o passado, os amigos, a religião, a filosofia an-tiga. Abraça-se o existencialismo, namora-se o budismo, há um flerte com marxismo, vibra-se com a dialética hegeliana. Mas tudo resvala nas trevas, na escuridão. Sartre, Sartre, por

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que és apenas humano?!!

Depois de dois mil séculos de cristianismo é quase im-possível libertar-se dele. Pasolini, o diretor do “Evangelho Segundo São Mateus”, marxista convicto, confessou-se in-capaz de se livrar do resíduo histórico. Ele nos amarra, suas correntes envolvem nossas mãos. Que vontade de encontrar a paz e o repouso, mas sobretudo sem “miserere nobis”.

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07 de abril de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Quero crer que essa temática interminável - a procura da verdade -deixe os leitores enfastiados. Nada aborrece

tanto como a repetição, a insistência, ainda que isso tudo seja motivado por comovente angústia pessoal. Que fazer? É esse o destino das crônicas, partir como barco a vela impulsiona-do pelo vento. Não tem nenhuma importância que nunca chegue a um porto.

Tu dominas a insatisfação das minhas madrugadas, os so-nhos que se diluem à luz verde da aurora. Quem és? Nem eu bem sei, admito até que o melhor é desconhecer-te. Amamos mais as deusas e as ninfas que nos escondem a face.

Às vezes sou tomado pelo frenesi dos escritores orientais. Hafiz, Omar Khayan, como eu os venero! As palavras sol-tas ganham um misterioso bailado, véus encobrem invisíveis dorsos desnudos, é o máximo...

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Arnold Toynbee, talvez o maior historiador vivo, em en-trevista publicada na LIFE, exterioriza sua admiração pelos hippies. Vai além, afirma que os primeiros hippies foram os apóstolos, seguidores de Cristo. Hippie! É mais uma opção, outro caminho. Vamos por ele, minha gente, até que nos far-temos da paz e da tranquilidade.

Vidinha arrumada, situação financeira razoável, os praze-res da mesa, a alma do vinho cantando nas garrafas. Ah, um pouco de vigilância e nada abalará essa segurança.

E a memória guarda todos os vestígios e os resíduos. Não é possível mudar o Mundo, porque ele não mais seria o Mun-do.

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05 de maio de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Essas tardes, essas tardes derreiam qualquer dureza, dei-tam por terra o fel do ressentimento. Uma volta, um

passeio, a paisagem entrando pelos olhos e poros, atingindo as cordas frouxas do coração, revivem o ingênuo lirismo e despertam os amortecidos cantos das cotovias. Viva abril!

Um moço anda pelo mundo. Abandona as ruas estreitas de um recanto de Minas, atravessa os Estados Unidos, vê o seu progresso, mergulha no mistério da Austrália e chega finalmente ao burburinho do Japão, mescla de oriente e oci-dente. Um moço anda pelo mundo e debaixo das amendo-eiras e dos pagodes, sob a fumaça das grandes fábricas, quer falar de um Deus Cristão a uma juventude que não acredita em Deus, muito menos em Deus cristão. Imagino o moço diante dos olhos nas pupilas, o desamor, a revolta. Imagino o moço diante da violência, ele, sozinho, nem com seu Deus, longe de sua terra, sozinho com seu amor que ninguém quer.

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Imagino outras coisas. Imagino outro moço divagando por Curitiba, ou num pequeno apartamento, perdido nas suas músicas e nos seus livros. E me lembro também de você, amiga, que nem me conhece e eu nem te conheço (uma vez alguém nos apontou à distância). Nos longes do Paraná ou nas praias de Ipanema tenho dois amigos e nem sei por que a lembrança dos dois flutua tão insistentemente na memória. Um amigo, uma amiga, dois leitores que me que me acompa-nham, afetividade que atravessa quilômetros, serras, poeira, frio.

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12 de maio de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Aqui estou na tarde calma, sentado, sem ilusões. Nada al-tera nada, nem o vietcongue estraçalhado na selva, nem

o guerrilheiro nos seus caminhos subterrâneos, nem a mu-lher que espera alguém num apartamento de Buenos Aires, nas praias do Senegal ou numa rua estreita de recanto de Minas. Há uma absoluta imobilidade, talvez um passageiro desejo de escrever uma crônica de aço, cortante, dura, impla-cável. Qual, a imobilidade é potência, deixa pairar apenas a densidade estática do não fazer, não pensar, não sentir. Hoje sou o homem do não, elevo a negação a um trono nunca dantes imaginado, minha deusa, senhora e estrela.

Eu me abismei em tuas profundezas, conheço de perto tuas cicatrizes e tuas marcas, as mais ocultas. Eu sou dono deste segredo, sei que és frágil e indefesa no estupor da nu-dez. E este segredo é meu sonho.

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26 de maio de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Coloco a vida, o sonho e a esperança na palma da mão. E a mão fica vazia. Bela imagem! Mais do que uma frase de

efeito é uma densidade do real que flutua.

Minha amiguinha me surpreende nas curvas dos cami-nhos. Há pouco, há pouquíssimo tempo contemplava a árvo-re florida no jardim da rua principal com aquele desvencido torpor dos desencantados. Claro o esforço para envolver-se de novo nas auras do contentamento. Nada de planos, nada de imediato, o futuro ficava algo remoto, perdido no tempo. E que notável capacidade de recomposição a tua, amiguinha! Invejo-te, sabes bem. Juntas os destroços a construir outra casa, quem sabe mais bonita do que a outra. Só que eu insisto em viver nas relíquias da casa velha...

Era um garoto, que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones. Viola enluarada, Clarice, Soy loco por ti Amé-rica. Canção de esperar você, Alegria, Alegria! Apelo, a Ga-

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rota de Ipanema, Fim de Noite, Superbacana, Que vá tudo pro inferno... A noite dos mascarados, Una furtiva lágrima, A Pequenina Cruz de teu Rosário, Morte e Vida Severina, Serenata do Adeus.

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21 de julho de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Não, eu te dizer adeus seria prosaico demais. Queira ou não, meu indecifrável caroço de noite flutua para além

da vida e da morte. Além do mais a delícia do antes do hu-mano persegue o claro-escuro que reina sobre a minha inte-ligência, meus sentidos, meu pensamento, meu pulsar. E o adeus impronunciado brotaria no balanço de circuito garço: primeiro a ternura, o choro na penumbra, a ânsia de frater-nidade, depois a náusea e o ódio, um líquido escuro jorrando nos subterrâneos da mente. Por isso eu te vi inerte e pros-trada, mercê das mãos e das vontades de todos, e mesmo as-sim a palavra de despedida morreu na garganta. Você, morta, partindo, e eu nem pensando em até logo.

Penso: uma noite eu lhe direi coisas suaves... Alegro-me. Eis que vem outra voz do outro lado da cerca: uma noite eu a matarei. Compreende, então, porque as ruínas minerais de teu corpo quedaram-se impotentes diante do meu destino e da minha determinação?! De nada adiantou o discurso revol-vendo soterradas lembranças - as muito novas e as muito an-

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tigas - peneirando lá no íntimo, trazendo no bico da cotovia de Manuel Bandeira a perdida esperança e a extinta alegria, a pureza e o gosto da infância, o claríssimo eco da primeira afeição. De nada adiantou.

Na verdade dois corpos mortos eu via. Confesso que o pa-radoxo sem humor conseguiu me desnortear. Lembrei todos os detalhes das fugas, das corridas, dos bilhetes, senti os mes-mos medos, ouvi os velhos sussurros dos segredos velhos. Presentes, cartão de natal e a cumplicidade absoluta daquela que agora estava além do Bem e do Mal; daquela presença que me tornava ausência, daquelas mãos que evitaram o mas-sacre. Ah, como foi em vão aquele esforço grandioso! Afinal, tudo virou ruína: o corpo, os sonhos e a chuva da desolação caindo sobre o mundo pequeno.

Para, coração apalermado! Tudo volta à natureza, ao prin-cipio, à argila de origem. E tudo se transforma, tudo morre, fenece, também o amor e o desamor. Algum dia desaparece-rão os rostos moldados pelas máscaras, os pés machucados nas estradas, a torpeza, a miséria, a traição. Talvez algum dia a verdade seja algo mais do que a certeza desse desaparecer e desse metamorfosear e jamais a mão que toque uma canção seja preciso fazer a guerra. Então eu também não mais exis-tirei, nem o meu ódio, nem a minha saudade, nem a minha ternura bloqueada.

No entanto o coração pulsou como doido diante da amiga morta. E o resto é silêncio.

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03 de novembro de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Pela ladeira da minha rua rolam todos os dramas. É o ca-minho de volta do hospital e sei distinguir com precisão

o timbre de todos os choros. Aquele pranto entrecortado revela que a mulher perdeu o marido, o grito lancinante tra-duz a morte da filhinha. Geralmente são mulheres que fazem penetrar pela janela do meu quarto sua dor e seu desespero. São mulheres, são pobres, miseráveis, quase não são gente. Gritam, convulsionam-se, todos ouvimos os prolongados es-tertores de sua mágoas e sofrimentos e todos já nos acostu-mamos com eles: prosaicos e vulgares, nada de espetacular, a miséria pequenina e surda nos enfada.

Ah, tédio, as horas correndo e o verso de Manuel Bandei-ra: passei a vida à toa, à toa...

Recebeu a carta a brotou a cólera. Então ousou! Mostrou as vísceras infames, ah canalha. Sentou-se, acalmou-se mas o choro não vinha. Não responderia, não tomava conhecimen-

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to de nada. Amassou, se arrependeu, voltou a ler. Quanta indignidade! O choro não chegava, de repente verificou que não tinha nenhuma vontade de chorar. Jogou a carta para um canto, pintou-se e disse com certo amargor. Eu o sou. Eu o sou. E guardou no selo o recorte de jornal com o anúncio da peça de Sartre, “La putain respectuese”.

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08 de dezembro de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

A maldição de Caim acompanha a trajetória flácida dos minutos: tu o quiseste. Acalenta como a um filho o ódio

nascente, todos sentirão a espada de Caim rasgar as carnes sujas, penetrante. Um líquido escuro jorra nos subterrâneos da mente, sente-se impregnado de uma certeza final, impe-netrável, semovente: tu o quiseste! - clama com raiva, com paixão - tenho um pequenino morto em casa - pensa com horror - sou horizontal, deitado e no entanto amo Kate. Kate? Chaty, ah, ei-la bem definida, a mulher do “A leste do Éden”, de Steinbeck. As badaladas sacodem as esferas e as vivências: deitado, numa noite dessas (a noite cheira a de-funto) volto a pensar; tenho um pequenino morto em casa. Deixa vir outro pensamento luminoso: há também os verti-cais, os que ficam sempre em pé; a esses preparo a rasteira inevitável e no entanto e no entanto e no entanto curvou-se a cama vazia, fresca, no quarto os duendes e os instrumentos aleatórios, os lêmures bailavam (eliminada a causa desaparece o efeito) havia os livros, fotografias, rascunhos, a longa noi-te se insinuava como mulher estéril, tudo residia na noite, o desespero no elevador, o choro na penumbra, a ânsia desen-

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freada no 18º andar e, no entanto e no entanto e no entanto a madrugada tardava, bela sanguínea sem sementes, a espada de Caim pendia na parede, respirava com dificuldade - não queria, jurava que não queria - a sensação envolvente, agora, o paraíso num segundo, num segundo, o gosto mole, des-maiava de êxtase, delícia de mão e no entanto e no entanto o carro girava pelo Pacaembu e o piano tocava simultanea-mente na mesma noite e alguém falava nas lesões e o carro desaparecia, alguém jantava e alguém se entregava, e alguém mostrava pedras preciosas e a mineralogia carregava a noite de pedras e o automóvel parava depositando, depositando e o elevador não funcionava e a rua deserta e os gemidos de amor enchendo a madrugada e no entanto e no entanto e no entanto a maldição acompanha a trajetória flácida dos minutos, a espada de Caim domina a noite de aço, há sangue na lâmina, sangue de Abel, de Kate (há quanto, meu Deus!), há sangue na memória, sangue-lodo, mescla abominável, as sensações e apelos vertem pela cloaca insólita, brota o ódio e no entanto e no entanto e no entanto.

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25 de dezembro de 1968

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Escrevo em 15 de dezembro e uma lua doente me obser-va. Diálogo:

- O estruturalismo de Levi Stratus me apavora. A leitura dinâmica me escandaliza. A crítica freudiana de Marcuse me espanta. A invasão da Checoslováquia não me cria cabelos. A prisão dos padres me enfadonha. Para mim não há nada de espetacular em Georges Luckás. E Sartre, ah! Sartre me desvanece... e só. Nelson Rodrigues é banal. Plinio Marcos, inconsequente, Conceição da Costa Neves, curatelada. O General Charles de Gaulle seria um bom amigo se fosse co-brador de ônibus. Desprezo igualmente os acomodados. Bob Kennedy era um moço simpático e impertinente. Nixon não é simpático, é teimoso. Os contos de Dalton Trevisan são ressequidos, os filmes de Glauber Rocha, pretenciosos. Livro de Henry MiIler é para repousar intocável na estante. E os hi-nos de louvor a juventude devem ficar sepultados nas gavetas fechadas a sete chaves. As ponderações dos adultos, da ge-ração que comanda suas perplexidades, seus espantos, tudo deve ser vertido numa cloaca gigante. O niilismo é refinada

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tolice. Guevara, um manufator depressivo. Cohn Bendit, um “bonvivant”, e Roberto Campos, uma pessoa que merece ser ouvida. O manifesto dos Bispos é a vida. O manifesto dos Bispos é quixotesco e esdrúxulo. A minissaia é vergonhosa, a saia nem comprida nem curta, uma excrescência, e a ausência de todas, uma barbaridade... Os demais também, o tropica-lismo de Caetano Veloso, um clarão de enxofre, com cheiro e tudo.

Discurso de paraninfo merece figurar no Festival de Bes-teiras que Assola o País (ao lado de crônicas como esta, evi-dentemente). Moça universitária representa um tripé fora do comum: afoiteza, verniz de cultura e nada de beleza. Os ateus provam mais a existência de Deus, os cronistas dos pequenos jornais interioranos provam mais a existência do inexisten-te. Um planíssimo de Wagner penetra na medula e provoca náuseas, as velhas cartas de amor, vômitos formidáveis.

A noite é triste, o dia, melancólico, a tarde, insuportável. A insônia é atroz, o sono aliena, os sacramentos são aleatórios, os locutores esportivos, carismáticos. Enfim, no fim, como diria Shakespeare: há algo de podre no reino da Dinamarca. Do mesmo: o céu encontra meios de matar de amor suas alegrias. E como mata!

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12 de janeiro de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

O primeiro pensamento que me ocorre vem de Frede-rico Garcia Lorca: “verde que te quiero verde”. Dita

por quem procurou arrasar com uma penada o que havia de expressivo na literatura, na antropologia, na economia, a citação do mártir espanhol nasce cambiante. Na verdade, em face dos protestos que os “diálogos” provocaram, sou obrigado a resumir em poucas linhas a autocrítica: por muito tempo tomei minha pena por minha espada, hoje sei que a literatura não pode ser uma trincheira.

Um belo dia a gente acorda e contempla ao redor, um cla-rão de aço convida a repudiar o amanhã opaco e vazio que se anuncia. Brota, então, um aceno ressentido: uma noite eu ouvirei coisas suaves!

Seria prosaico afirmar que tenho consciência das muta-ções estruturais do mundo. Isso não me anima a passar para o time das “reformas”, da nova Igreja, da nova Arte, da nova

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Filosofia. Por outro lado irrita-me sobremodo a “velha guar-da”, a velha Igreja, a velha Arte, a velha Filosofia. Contra-ditório, sou o primeiro a reconhecer, mas a verdade reside nesses paradoxos. Não sei qual o mais engraçado: o protesto juvenil ou a burrice adulta.

Reconheço que estou desengajado e que todo homem deve ter um compromisso no tempo. O que dói, entretanto, é o frenesi com que se atiram à última palavra, à ultima moda, ao último Marcuse, à última paridade.

Sem instrumental, sem equipamento, lancei-me por intei-ro à ação para salvar-me por inteiro. Se guardo a impossível Salvação na loja dos acessórios, o que resta? Todo um ho-mem, feito de todos os homens, que os vale todos e a quem vale não importa quem. Aí reside a sutileza dos “diálogos” doentes. Persigo a vereda da salvação, por isso é preciso es-crever como quem morre, numa dimensão furiosa.

Penso, hoje, que ninguém pode conhecer-se, senão contar--se. É possível que me empenhe em pisotear minhas esperan-ças de outrora para que tudo me seja devolvido ao cêntuplo. Não sei. A cultura não salva nada nem ninguém, ela não jus-tifica, mas só esse espelho crítico oferece ao homem a sua própria imagem.

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26 de janeiro de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Noite em Copacabana, diante do copo de uísque, o mo-nólogo. Trezentos tipos diferentes defronte a trezentos

copos de uísque também perdiam-se em meio a indagações etílicas. “Sou um sujeito fracassado”, murmurou de si para si. No mesmo instante trezentos lábios murmuram a mesmíssi-ma coisa, seiscentos olhos foram empregados da mesma de-silusão. Mais um gole, era noite em Copacabana, um espírito mágico flutuava pela Avenida Atlântica, o vento cheirava ma-resia e a noite pertencia aos fracassados. “Não tem sentido a vida”, borbulhou. O coro repetiu: “Não tem sentido a vida”. O uísque bailava pelas gargantas, a música sacudia, sacudia.

“Qué valientes son las chilenas”, diria Pablo Neruda. “A vida que poderia ter sido e que não foi”, arremata Manuel Bandeira.

À minha frente um livro sobre estruturalismo. Alguém me sussurra um desabafo de Fernando Pessoa: “Que delícia ter

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um livro para ler e não o fazer”. Folheio. Primeira a linguís-tica, depois a Música, Botânica, Arte, Antropologia, etc. In-dubitavelmente, o senhor Levi- Straus não se contenta com pouco.

À noite, o bar. Dormir quase madrugada. De manhã, o bar. Uma bitola, um círculo irremovível, as coordenadas da existência nos limites estreitos. Ah, nada poder fazer, todos impotentes diante do cotidiano insosso.

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16 de fevereiro de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

O gozado é observar os diálogos dos “jovens intelectuais” dos grandes centros. Geralmente são universitários que

participam de passeatas, gritos, protestos, assembleia, visan-do a uma conscientização paradisíaca, o segredo do perdido norte da felicidade. Assistem ao último filme de Godard:

- Godard é genial! exclamam, excitados, quase sempre sem entender nada do filme.

- Viu “Mouchette”? Bresson é ainda melhor.E vão tomar um chope no Castelinho.Existe uma espécie de “muro da vergonha” bifurcando os

dois mundos dos universitários das capitais. De um lado, o universo intelectualista, falacioso e enganador, os filmes de Godard, Buñuel, Bresson, os debates em cine clubes ou nos auditórios das Faculdades, a aversão instintiva por tudo que venha dos que não pertençam a sua roda. Do outro lado da cerca, o mundo real, a necessidade de ganhar dinheiro, as acomodações, a família, a virgindade, um casamento tranqui-lo, “a geleia geral brasileira”, no dizer de Gilberto Gil. Sinto pena desses moços inconformados e dessas meninas volú-

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veis, vivendo todas as configurações do Dr. Jekyl e de Mr. Hide. Eles realmente têm duas faces. Uma para ser mostrada na escola, no ambiente universitário, e outra para defrontar--se com a vida.

Recebo um cartão assinado por L. A. B., exigindo uma explicação mais detalhada sobre meu encontro com Nelson Rodrigues. A missivista (espero que seja mesmo “A”) não deu muito crédito ao que relatei, razão pela qual diz ter escrito ao grande teatrólogo, para confirmação. Julgando me colocar numa enrascada séria, conclui: “agora que eu quero ver”, e esta frase tem uma entoação de samba de breque. Resposta: não desdigo nada e estou preparando outra crônica para re-latar outros encontros. Pela ordem: Érico Veríssimo, Jorge Amado, Charles de Gaulle, André Maulraux, Jean Paul Sartre, Plínio Marcos, Bráulio Pedroso, Leila Diniz, Jeanne Maul-raux, Fellini e Miguel Angel Asturias. Por enquanto.

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02 de março de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Leila Diniz tem as minhas mãos. Estou na Galeria Metró-pole, cinzenta e carregada de indecifráveis conciliábulos.

O encontro marcado com facilidade soa prosaico, tomamos chá, a tarde paulistana esqueira-se flacidamente. Além das mãos, meu diálogo com belíssima atriz não progride nada, sinto com angústia uma linha divisória pousar-se entre nós. Um adventista estende-me um folheto, nele mesmo Leila esboça a resposta aos meus anseios e suspiros: duas linhas cruzadas, numa ponta o meu nome, noutra o seu (percebo que estou longe, muito longe de Leila Diniz), mais uma li-nha, escreve “Família” (tremo em pensar num marido furio-so ou um pai obtuso), outro traço surge – quem sabe? – o segredo forte. Ela grava “Certeza de amar”, logo em seguida duas linhas adjacentes sustentam a palavra “Dúvidas” (pen-so secretamente que ela estava compondo um bolero para Gregório Barrios). Então fico desalentado, perpassa-me uma indescritível onda de desânimo, sou tomado por uma sensa-ção de irreparável, um torpor flutua, o chá me sabe a losna. Ela pouco fala, mas sentindo meu estupor, manda-me um saliente sorriso. Na vitrola a música diz:

“Temos um sorriso engarrafado

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Já vem pronto e tabeladoÉ somente requentarE usar, porque é made in Brazil”Na verdade senti o “desespero do iconoclastas”, para usar

uma figura convincente e acreditei ser capaz de estrangular o belíssimo pescoço de Leila Diniz. Ela continuava sorrindo...resolvi também sorrir. Lá embaixo o burburinho, os ruídos, o desamor, a longa galeria da solidão que me esperava. Disse adeus a Leila Diniz e na rodoviária murmurava continuamen-te: Um dia vai e outro se encadeia, e este meu querer mais se liberta de gestos, palavras, outras peias, para ser apenas uma ideia.

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09 de março de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Há indecifráveis conciliábulos entre Carlos Soullé do Amaral, Vitto Rafael dos Santos e Juan Ramón Jimé-

nez. Ouçamo-los:CARLOS – Pense um pouco na mulher que você ama e

esqueça que a existência é uma vulgaridade.VITTO – Tédio é resposta do amor, tanto enlevo se per-

deu, como o sonho recompor?JUAN – Las flores se dan la mano y vuelan como los pája-

ros.CARLOS – Atenção, Vitto: quaisquer que sejam, nuvens

de saudade não poderão apontar rumos. Pense na mulher que você ama.

VITTO – Foi de longe que ela veio. Tinha o corpo de cris-tal e na voz demais enleio.

JUAN – La mariposa está aqui com lá ilusión.VITTO – Bastava um simples aceno, bastava uma só pro-

messa daquele corpo veneno.JUAN – Dios está azul. Vivan las rosas del amor.

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CARLOS – Mas a vida fugiu em atômica nuvem.VITTO – Bastava um simples aceno, bastava uma só pro-

messa daquele corpo veneno.JUAN – Dios está azul. Vivan las rosas del amor.CARLOS – Mas a vida fugiu em atômica nuvem.VITTO – Não deixou que perguntasse o motivo da parti-

da. Apenas voltou a face.JUAN – Y el corazón se le pierde, doliente y embalsama-

do.VITTO – Não demore o pranto denso, para matar a sau-

dade, curtir desespero imenso.JUAN – Dios está azul y la mañana de luz me traspasó!CARLOS – Então beba os mares e envenene-se de luar...

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23 de março de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

O coração se inclina no baile dos lêmures e os duendes se misturam. Amar o perdido deixa confundido este co-

ração – a frase de Drummond desaparece num segundo. Há alguns compassos intermitentes - ombra mai fu, ombra mai fu - que se confundem com o lamento virginiano: Carry me back to old Virginny. A vida intelectualizada, o quotidiano absurdo e a memória garça. Do fundo o brado envolvente, nova flor explodida nos caminhos da liberdade: “eu possuo o tempo e as noites”.

Um rosto evanescente e fugidio, um ser nascido da paisa-gem lunar. Até o fim nada diluirá esses contornos, essa flaci-dez, esse riso tortura.

De manhã terminou de ler “Le Diable et le Bon Dieu”, de Sartre, no original. À tarde releu alguns poemas de T.S. Eliot, artigos sobre o teatro realista de Albee, comentários a res-peito do filme “Play-Time”, de Jacques Tati. Na vitrola, uma

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cantata de Bach, “Uma furtiva lágrima” e a “Ode a Alegria”, com o coral Westminster.

À noite procurou extravasar a cultura adquirida. Em vão. Teve de contentar-se em falar da última reunião do Conselho de Segurança Nacional, do calçamento esburacado, da mu-lher do próximo... e a noite se findou e o Martini regou os diálogos profundos...

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13 de abril de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Penso: é o momento de estrangular Fernão Jacobino, mas sei que uma civilização repressiva à própria morte torna-

-se instrumento de repressão. Sem libertação do conteúdo reprimido na memória, sem descarga do seu poder liberta-dor, a morte do meu heterônimo viria antes do querer e do dever, carregada de agonia e dor. Então continuo nutrindo--o com a recordação do temps perdu de Proust, apostando até que ponto o indivíduo pode suportar a resignação sem se desintegrar. Nesse sentido confesso-lhe que a terapia que uso – escrever – transforma a “miséria histérica em felicida-de cotidiana”, fardo usual da humanidade. Procuro, destar-te, impregnar a existência desse cronista do absurdo com o mistério vigilante do coração presente. O poeta Vitto Santos contou-me uma vez que “num jardim de copas subornadas mãos sem luvas se tocaram”. A frase foi para um conto, o conto derramou-se na vida, e esta lentamente se diluiu. Mas o tempo é do diálogo e Jacobino procura defender-se, ele ama a vida.

O interurbano chama, a telefonista intervém: frustradas

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auroras nas hastes colhidas. Ele balbucia: “um homem per-deu sua sombra, eu perdi minha própria imagem, não tenho mais senão meu passado, mas ele não é mais nem felicidade nem orgulho: é um enigma, uma angústia”. Murmuro: todas as noites eu o chamo e me pergunto se não preferiria que estivesse morto. Eu me dizia: a morte é o único mal irrepa-rável. Se ele me deixasse eu sararia. Mas, de fato, se ele esti-vesse morto, eu saberia ao menos quem perdi e quem sou. Jacobino contorce-se, a resposta vem: “não há mais retorno, mesmo que você sobreviva, nada mais resta, nem mesmo o lugar que ocupou sobre a terra”.

Sou tomado, então, de ternura imensa por meu heterôni-mo, que continua tentando salvar-se: “eu me defendo pela agitação, por negros projetos, pelo ódio, e essas flores, essa lembrança de perdidas doçuras, irremediavelmente perdidas, abatem todas as minhas defesas”. Objetei para consolá-lo: há uma antiga história de rouxinol, de um espinho cravado no peito, de um moço. “Não me fale disso” – suplica – porque me lembro de Sartre, a náusea, matéria que se desfaz, se des-cama, se decompõe e recompõe. Convenço-me que ele apela para a filosofia existencialista. Cito Kirkegaard: para vencer o desespero não resta senão agir desesperadamente. Isso jus-tifica tudo. “Mario de Andrade também falou – acrescenta – que toda canção de liberdade nasce do cárcere”.

Resolvi parar. No inicio da crônica imaginava matar Fer-não Jacobino. Agora, se prosseguir, sua dialética acabará por me liquidar de vez. Traiçoeiramente coloco-o de encontro ao peito como uma criancinha. Não uso punhal, nem psicotró-picos, nem tensiolíticos. Falo-lhe do “salto Kirkegaardiano”, uma espécie de pólvora que faz saltar as pontes, dispersar as coisas e cava o abismo entre o viver no mundo, na periferia, na superfície, e o viver acima do mundo, no recôndito. Ele me contesta: “o ato da escolha depende de mim”. Deixo-o

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trancado e em tom de litania repito Simonne de Beauvoir: uma porta fechada, qualquer coisa que espreita, atrás. Ela não se abrirá se eu não me mexer. Jamais. Para o tempo e a vida. Mais eu sei que me mexerei. A porta de abrirá lentamente e eu verei o que vem detrás. É o futuro. A porta do futuro vai se abrir. Lentamente. Implacavelmente. Estou no limiar. Ele clama: tenho medo. E não posso chamar ninguém por socorro.

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04 de maio de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Não conversou, não sorriu, não hesitou. O elevador cumpria a sua parte, dois corpos petrificados regiam no

atrito. 16º, 17º, 18º, ponto final. Ligou o rádio: crescem flores de concreto, céu aberto, ninguém vê. São, São Paulo, meu amor. Principiava o ritual. Lá de baixo vinha o rumor da feira, vozes perdidas, difusas. No pequeno apartamento as pedras corpóreas ruborizavam de calor, bastava um artista medíocre para moldar aqueles contornos. Céu aberto, ninguém vê. Para variar lembrou-se de Drummond: no meio de um caminho tinha uma pedra. Colocou-a nos braços. No mesmo instante pensou estar no Edifício Esther em Belo Horizonte, talvez na praia do Senegal, num Motel da Filadélfia ou na rua es-treita de um recanto de Minas. Sacudia com carinho, a pedra rolou pelo leito. Inexpugnável. Crescem flores de concreto, céu aberto, ninguém vê. Não sabia porque, mas repetia in-cessantemente: nós dois acordaremos as tímidas ovelhas, nos caminhos calcados pelas ninfas. E as pedras rolavam, rola-vam...

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11 de maio de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Imagino um Robin Hood que furte afeição dos amados em excesso e a distribua equitativamente para os mal-amados.

Conheço uma moça taciturna e um rapaz maníaco-depres-sivo que receberiam aliviados e reconhecidos a visita desse Cavaleiro da Ternura. “Tristeza é aboio para chamar demô-nio” – brada o meu imaginário herói – e sai jorrando alegrias abocanhadas dos que as possuíam demasiado. A senhori-ta cabisbaixa poderia tornar-se mais jovial, o moço menos amargo. Numa noite de verão ou numa tarde simpática Ro-bin com o jeito extrassensorial dos deuses e duendes atiraria pela janela, adrede preparada, um pacote de amor e alegria, talvez um embrulhozinho contendo uma pitada de juventude envolvida numa fita de perdão. A senhorita sombria e o rapaz neurótico acordariam dos seus devaneios estéreis e topariam com a ressurreição e a vida. Disse ressurreição? Ligo os fatos. Robin Hood roubaria algum tempo das vidas cansadas de alguns homens cansados, somaria tudo e faria a doação para o poeta Largo Burnette para que ele rasgasse os versos tão tristes que fez para Toinho, seu filho natimorto. E como há muitas vidas cansadas e inúteis, não seria nem preciso roubá-

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-las. Tem muita gente querendo safar-se de existir. Ele faria a desapropriação, talvez cassasse, não importa: menos alguns anos de um canalha e mais oitenta para Carlos Drummond de Andrade, pelo menos mais 120 para Rose Marie Muraro. Sendo impossível aumentar a quantidade, triplicaria a intensi-dade: o dia de Gaulle terá o equivalente a 72 horas, a fecunda noite de Picasso durará 6 meses, as tardes de Bertrand Russel se prolongarão por toda a primavera.

O vento de Robin Hood varrerá os artistas medíocres, ha-verá a música-dinâmica, a poesia-dinâmica, a pintura idem. Camargo Guarnieri comporá 1.200 ponteios e modinhas por minuto, Lêdo Ivo poderá escrever até 1.800 elegias no mes-mo tempo, o abstracionismo de Manabo Mabe brotará em idêntica proporção. Para compensar, cassações. Um cidadão chamado J. G. de Araújo Jorge estará autorizado a publicar apenas um miniverso em cada 20 anos, José Mauro de Vas-concelos, impedido de proliferar sua literatura nos próximos decênios.

E Robin Hood percorreria os vales e as montanhas, in-dagaria de tudo, cuidaria de todos. Como a teologia afirma que Deus está morto, o meu herói zelaria para que ninguém sofresse demais ou de menos. Se o leitor estiver muito feliz, cuidado. Vem aí Robin Hood para aplicar justiça e fornecer a este cronista uma felicidadezinha.

Em tempo: mando um recadozinho para a moça taciturna e ao rapaz maníaco-depressivo: Robin Hood já está a cami-nho do iate Cristina. O amor esbanjado ali logo será de vocês.

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18 de maio de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

O langor provinciano entorpecia os anos dourados. O lago, a planície, o desapontamento inserido no contex-

to existencial: ninguém gostava de cultura, ninguém amava a arte. Um torpor mole perpassa, o ginasiano procura a revista para pesquisar sobre o Vietnã, a aldeia agora tomava conhe-cimento da Ásia convulsionada. Alguém repete Alexandre Herculano, o lugar-comum de Camilo é pronunciado com frenesi, o teste quer saber o autor da “Geografia da Fome” e ninguém chorou a morte de Karl Jaspers. O catecismo ho-landês merece apenas um comentário apressado numa noite chuvosa, o teatro de Brecht soa como o último representante de uma fauna extinta, a energia radial de Teillard de Char-din cheira a anúncio de companhia de eletricidade. Não há ouvidos para um lamento de Garcia Lorca, não existe um disco sequer de música dodecafônica. Uma tarde limpa, o crepúsculo nervoso, vontade irresistível de falar em Jacques Prévert. Não há espectadores. Uma noite quente, a moça lin-da aguarda momento oportuno para falar alguma coisa séria: “mamãe não avisou se vinha – diz ela – se ela vier, mando matar uma galinha”. De repente percebe-se um rumor al-

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vissareiro, um aceno de cultura. Fala-se em “secularização”, em conscientização. O coração pula como doido. Em vão. Não conseguem ir além. “Secularização”, “conscientização” – palavras repetidas, ninguém penetra em sua essência, elas gastam. Uma composição, uma carta, um discurso: viva An-toine Saint-Exupéry! E todo mundo se comove com An-toine Saint-Exupéry. Ah, se verdades imutáveis, repetidas de geração a geração, as frases indiscutíveis: tu te tornas eter-namente responsável por aquilo que cativas, não verás país como esse, o gosto é o regalo da vida, a promoção humana, a autenticidade (Hitler foi tão autêntico, meu Deus!). Um doi-do percorre a aldeia (perdeu tudo, menos a razão), do alto do campanário parece murmurar: quem conhece uma linha de Theodoro Dreiser? Um diálogo de Samuel Beckett? Um pianíssimo de Schoemberg? As linhas abstratas de Manabo Mabe? Um filme de Eiseistein? As elegias de Carlos Soulié do Amaral? Vozes difusas respondem-na madrugada silen-ciosa, poucas, raras, respondem e se calam para sempre, não querem falar disso, não querem discutir, a cultura lhes pesou como um fardo. E o louco continua gritando, continua infe-liz.

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26 de outubro de 1969

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Numa segunda-feira cinzenta repito o lugar-comum da canção: tudo passa, tudo passa. E como tudo passou,

ainda insepulto, todavia, o gostinho álacre do movimento incessante, da volúpia da ação, como há tempo para tudo, no dizer do Eclesiastes, é chegado o tempo de voltarmos às reflexões elegíacas: esse “encontro” nasceu sob o signo de amargor, continuemos na rota.

É preciso experimentar o sabor de tudo, da atividade intelectual, isenta e pura, até as vivências artesanais da realização. No papel em branco, nestes últimos meses, as palavras cederam lugar para os planos, projetos. O verbo perdeu para a imagem. E, como sempre fazemos, parafrase-ando a cantiga local, nos entregamos de corpo, alma, céu e paz à tarefa escolhida.

A conversa de hoje sabe a um discurso político. Tão con-dicionados estamos que um mero depoimento adquire cono-

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tações de “magister dixit”. Não importa. Tudo isso já foi dito melhor por gente melhor.

E apareceu Manuela, só porque eu gosto dela e outras mais. Os mortos sem sepulturas, ah! esses mortos tiveram estertores. Depois as feras, as donzelas, os pais e uma história de bichos, no Zoo. Festival de teatro e da canção, restaram vestígios de murmúrios, aplausos, violência pungindo o co-ração e a marca pessoal de Poços de Caldas. Vamos escrever uma Balada para os Moços de Poços de Caldas, para a atriz e para o poeta Nassif, que em sua música falou que “as noites sumiram, foram para Alfenas”.

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04 de janeiro de 1970

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

“Also sprach Zarathustra!”, segredou a senhorita ao meu lado para a companheira. Apego-me à frase. Assim falava

Zarathustra, traduzo mentalmente, enquanto o coração prin-cipia a saltar como doido. A música de Richard Strauss cor-porifica, um rumor surdo, indistinto, produzido por trêmulo pesado dos contrabaixos, órgão, contrafagote. Aproveito a ensancha e solto uma frase de efeito: “são ubiquidades tonais pré-dodecafônicas...”. A moça me olha espantada e eu... re-conheço aqueles olhos, mas de onde? Não perco tempo: “no terceiro acorde, senhorita, a escala de dó maior dá origem a uma progressão diatônica”. A senhorita não diz nada, sua amiga idem, mas há a ternura fugitiva desses lindos olhos, a claridade dissimulada da manhãzinha. Ah, estou a existir, finalmente a disposição de saltar o precipício e liquidar com algo de irremediavelmente ressequido. Imagino onde poderia tê-la conhecido, a memória garça recompõe uma cadeia de imagens e associações. No “La Vie en Rose”, talvez, durante o réveillon? Num jantar numa casa elegante do Pacaembu, quando examinamos a coleção do jovem mineralogista? Não, talvez num bar do Leblon, num baile junino em Bariri ou Monte Aprazível, sei lá, quem sabe numa rua estreita de um

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recanto de Minas... A moça sorri, acompanha a música, um frenesi me percorre o corpo. A letra de um samba me aque-ce: é com essa que eu vou sambar até cair no chão. O disco continua a girar, nada de sambas. Girai, girai humores e sons, girai dando adeus à minha disponibilidade, chegou o tempo do encontro, os “dias melhores” do presidente principiavam a inserir-se na minha própria pele. A moça fala com doçura: “An der Donau, der shoenem Donau” Sim – exclamo – Da-núbio azul, a Filarmônica de Berlim regida por Herbert Von Karajan. Exulto. A senhorita é linda, topou a conversa, sua cultura transborda que diz frases em alemão. Girai, girai, eu preciso de sons, o diamante me traz alegrias. Ela sorri, a com-panheira imutável, preciso despejar mais erudição: “Isso é fruto do experimentalismo eletrônico da música nova de Co-lônia. Trata-se de um “Réquiem” para soprano, mezzo, dois coros mistos e a orquestra é a da Rádio Bávara. Experimento um frio espesso envolver-me com dureza. Julgo não ouvir bem, ela insiste comigo: “Sprach deutch? Sprach deutch?” Se falo alemão? Santo Deus, exigirá tanto? Bem, tínhamos um curso, estudamos três meses, nem tanto. Ela sorri, parece não entender, abandona a loja, abandona Karajan, Richard Strauss e eu. Compreendo que a moça era alemãzinha da gema, desconhecendo inteiramente a língua portuguesa. Eu fiquei só com a minha pretensão. “Auf Wiedersehn”, uma das poucas palavras que sei em alemão, murmuro com amar-gor para a senhorita que se retira, silenciosa e linda.

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11 de janeiro de 1970

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Pairam-se as luzes, apagam, espoucam. Há rumores na noite espessa. Um gemido ao longe, uma conversa entre-

cortada de soluços, as ânsias de amor enchendo a madruga-da. O ano novo chegava.

Um senhor calvo começa a derrear diante do uísque, ao lado uma champanha estoura. Na mesa vizinha a família bur-guesa se abraça: felicidades, felicidades transbordando nos copos, brincando nas garrafas. O senhor calvo olha ao redor, sinto que a solidão lhe pesa como um fardo. Na noite de São Silvestre o senhor calvo aproxima-se da mesa da família bur-guesa: felicidades, felicidades é o que todos desejam. Ele olha a todos e depois volta para seu refúgio, e o copo fica vazio depressa de mais.

Então o senhor calvo começa a chorar discretamente, nin-guém percebe, aquelas lágrimas não têm lugar naquele mo-mento de felicidade.

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Deixo de observá-lo, meus olhos indiscretos voltam-se para a Bela da Tarde. Quem é? Uma personagem que a partir de hoje figurará obrigatoriamente em todas as crônicas. A Bela da Tarde (ou Belle de Jour, se quiserem) pertence ao rol das grandes damas. Eu a conheço no estupor da nudez. E este segredo é meu sonho.

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18 de janeiro de 1970

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

O cronista é um homem de imaginação, quer dizer: é um homem que inventa. A frase, embora paupérrima e

digna de figurar no Festival do Ponte Preta, sintetiza bem à guisa de explicação. (Esse “à guisa” tem lugar reservado no Festival). Em resumo: tudo é imaginação, nada de se fundir a cuca preocupando afoitamente nomear personagens que não pensamos e situações que não vivemos.

Como leitor do “Pasquim”, procuro ser sempre “váli-do, lúcido e sobretudo inserido no contexto”. E dar o meu recado. Ei-lo: numa manhã me surge a Bela da Tarde, sem Buñuel, sem afetação de cine-clube, sem nada. Não me en-contra. Imagino um título espetacular para a croniqueta idem: O homem que não encontrou a Bela da Tarde. Perdidas lei-turas e desvanecedora imodéstia sopram algo mais sugestivo: O Belo da Tarde, ou então, A Bela da Tarde de manhã. Certo que não a encontrei e a perdi, joguei fora a oportunidade de lhe dizer tantas coisas...

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Chega, então, o Paulo Francis e me traz notícias do Rio. Aproveito para a desforra: “Paulo, diga ao seu jornal que an-tes dele, muito antes, eu fiz uma entrevista com Leila Diniz”. Paulo Francis nem me ouve, parte para um papo de comuni-cação de massas, Macluhan e outros aperitivos mais da mo-derna intelectualidade brasileira.

Eu me aborreço, Paulo Francis é brilhante; o meio é a mensagem, ou a mensagem é o meio. Penso no meio de man-dar uma mensagem à Bela da Tarde, dizer-lhe que a estimo mais do que a Leila Diniz – Paulo, você é chato.

E minha história com a Bela da Trade, Paulo Francis e o “Pasquim” foi se agravando, como se verá.

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19 de janeiro de 1970

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

“É lá que me sinto seguro” – pensou. Apertou o passo, a nave repleta. “Introibo ad altare Dei” – qual, o latim não

mais existia. Deus sobrevivera ao latim. O moço percorreu a esteira de pensamentos e atitudes que deixara fluir no correr dos tempos. “Não sou nada” – concluiu – “nem um ponto de apoio, nem uma referência acanhada”.

Ainda ontem havia uma espuma disforme na linha do ho-rizonte, alguma coisa se insinuava ao longe como promessa. Naquele instante somente os fiéis flutuavam. “É aqui que me sinto seguro”. Tornou a murmurar: “Ad Deum qui Laetificat juventute meam” – a juventude se esvaiu num segundo, num segundo a alma rachou em fendas definitivas, a senectude se apresentando como fato consumado. Tinha o coração enru-gado.

Os fiéis saudavam o homem que chegava. Cantando: “Deus está aqui”, o moço procurava, uma luz lhe acontecia

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os pulsares. O homem saudado lança seu brado. “Não há memória das coisas antigas, mas também não haverá memó-ria das coisas que hão de suceder”. A Assembleia o escuta fascinado, a ele pertence o poder de salvá-los. “Há um ho-mem que é só e que não tem ninguém consigo” – prosseguiu. Não havia a menor dúvida. Citava o Eclesiastes, capítulo 10.

No mesmo instante a Assembleia irrompeu em cânticos de louvor, hosanas roçavam pelos ouvidos, expelidas pelas bocas pecadoras e arrependidas. Deus está aqui – não uma frase, mas uma certeza, um rumo, uma verdade.

Direi “verdade”? Ultrapassava-a. Os esquemas e imagens eram transpassados por um raio inconsequente. O rapaz ar-quejava, o senhor reverenciado explodia: “Não entrará nesta cidade coisa alguma contaminada”. Exultou. Coisa alguma contaminada! Os vocábulos brotavam para dimensionar com exatidão uma tragédia, ou comédia.

Pensou: “Terei coragem de me apresentar como puro, di-zer que nenhuma mão imunda maculou meu corpo branco?” Suspirava de medo, o terror se insinuou, mas havia a nave, o templo de paz, os cânticos. “Deus está aqui”, sim, no meio de alguma coisa contaminada.

“Ousarei olhar, abrir os olhos? Ousarei banhar-me naque-la promessa?” Refletiu: “Estou definitivamente contamina-do”. E a Assembleia cantava, cantava, o homem de vestes longas concluía, apocalíptico: “Eu vi um novo céu e uma nova terra”.

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01 de fevereiro de 1970

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Nada para fazer, nada para sentir. Um alheamento, linha precocemente introduzida na distância. Biafra é apenas

um nome, notícia de jornal incapaz de modificar os nossos destinos.

Alucinógenos, estreitos caminhos, o desapontamento. O vento que cheirava maresia, a melodia persistente na memó-ria.

Feitos esses apontamentos, dirigi-me ao parque. As pes-soas se tocavam, nenhum problema de comunicação. Dois universitários desabafam: não havia meio de entenderem os hidrocarbonetos. Ao lado, uma jovem senhora murmurava: “mamãe não avisou se vinha, se ela vier, mando matar uma galinha”. Um rapaz ajeita os óculos, arranja papel e lápis, faz umas contas. Eu só tenho olhos para a Bela da Tarde. Ah, Belle de Jour, experimenta hoje, no morrer da lua, não me abandonar...

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- Me escreve uma crônica?- Mas...- Que não fale em ausência, tempo passado, tempo futuro,

presenças, eructações, sonhos estafermos, ironias, veleidades sub-reptícias, tormento existencial.

- Chega. Você precisa ler o Racionalismo-Irracionalismo de Bertrand Russel regado com angústia roxa.

- Quanta velharia, já devorei a Polimorfia Sexual de Mar-cuse regada com angústia azul.

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22 de fevereiro de 1970

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

“Esse mundo cheio de vícios e tentações” – a palavra per-corria a assembleia – “puxa, ele foi um cara bacana que

morreu” – a palavra amarfanhava – “Satanás é a tentação” – a palavra machucava – “olha dentro dos meus olhos” – a palavra virava canção – “aqui não há lugar para curiosos” – a palavra, sempre a palavra, a nave recebia o jogo de vocábulos jorrando das bocas juvenis, lentamente brotava um ódio à se-nectude. As “veneráveis cãs” sabiam palha seca e água mor-na, sem lugar, sem esperança de salvação. “Olha dentro dos meus olhos!” – vejo mares tranquilos que repousam atrás dos olhos das meninas sérias – novamente o apelo: “olha den-tro dos meus olhos...” os fiéis penetravam naqueles segredos. Sem protesto, sem timidez, roçavam as retinas cintilantes em busca da vereda da Salvação. “Ele foi um jovem bacana que morreu” – ah! esse tom, esse diapasão confrangia, as “ve-neráveis cãs” se imaginam em delírio no Calvário torturan-do o “jovem bacana” que agonizava. Coisas da linguagem, problemas da comunicação, responsabilidades de Ferdinand Sausurre e Mcluhan.

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“Creio em ti, creio na comunhão dos homens” – um brado de esperança, um clamor enviesado contradizendo os acenos do desespero e do pessimismo e as vozes juvenis se abando-navam na poesia: para mim a chuva no telhado é cantiga de ninar. As preces se elevavam, ganhavam as alturas, o amor flutuava e o ódio se precipitava para o Desconhecido, so-mente as “veneráveis cãs” lustravam pecados que jamais re-pousam. Como num monumental “hapenning” havia união, estreitamento, afetividade, certeza, as coisas da eternidade subiam das profundezas e se metamorfoseavam no sorriso casto, na pele sem rugas, nos olhos sem cansaço. Sim, Deus era jovem, sem sentido figurado, a divindade era juvenil ao pé da letra. As “veneráveis cãs” aceitavam a fatalidade sem protesto, com admiração reverenciavam os novos senhores. Em meio a tudo isso, em meio a hosanas e cânticos, só me restou murmurar: “ah, se a juventude que essa brisa canta, ficasse aqui comigo mais um pouco...”

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26 de setembro de 1971

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

As lembranças do domingo pousaram nos arredores do sonho: dois olhares, duas emoções diferentes, um certo

palpitar de vida irisando os subterrâneos escuros do coração apalermado e farto. Há pouco, uma pequenina flor explodi-da anunciava entrega falaciosa, agora o tom azul flutua por entre as grades do parlatório, a carmelita me contempla na tarde de domingo. Eis-me diante do olhar que me desnuda mansamente nesse crepúsculo dominical, animando-me a re-petir o desespero sartreano: “tu me olhas e toda esperança se desvanece...”. Não sei, na verdade, se isso se aplicaria à religiosa serena que me interroga ou à “pequenina flor ex-plodida” que vi há pouco no restaurante, cheia de vida e de graça. Peço socorro à literatura, imagino o “Diálogo das Car-melitas”, de Bernanos, sem conseguir paralelo ou similitude, e acabo recorrendo a Carlos Drummond de Andrade, pois o momento me parece trágico: “Na noite do sem fim, breve o tempo esqueceu minha incerta medalha e a meu nome se ri. Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz mati-nal palpitando na bruma e que arranque de alguém seu mais secreto espinho”. De repente a literatura perde o sentido

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pois as criaturas não brotam das páginas e das letras, como diria o Conselheiro Acácio, e me senti vacilante, num bai-le de lêmures, à maneira de “Trepleff ”, famosa personagem de Tchecov, que não consegue resolver seu conflito interior de deficiência. Sim, neste domingo, que não acaba nunca, sou “Trepleff ”, traspassado por dois olhares. Com ele, mi-nhas relações com “Nina” (sua bem-amada) permanecem no plano ideal, sem conseguir tocá-la como criatura humana, e, como ele, percebo que sou capaz de uma concepção de arte, mas não de recriar a matéria artística. E da mesma maneira que ele, no seu genuíno sentimento do vazio, deverei abalar o mais depressa possível para não macular ninguém com o visgo da minha inquietude.

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24 de outubro de 1971

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Um automóvel que baila pelo asfalto, as imagens, “les choses de la vie”, o balanço precoce no segundo de-

cisivo: vai capotar, vai capotar, serei inserido docemente na eternidade. Qual, cada um tem sua hora e sua vez, fica para a próxima, o importante é livrar-se, safar-se. As pessoas que socorrem se espantam: ninguém agoniza (decepção!). De dentro dos escombros um cara maroto parece indagar e ble-far. Sim, um perfeito blefe, uma tragédia sem se consumar, uma manhã sem sangue. Prosseguir doravante na rotina di-ária, de novo ver o sol e as tardes, estender-se com preguiça debaixo dos flamboyants e degustar a chuva da madrugada. Tantos os boatos que experimento sentir-me morto, e como um fantasma percorro as ruas, converso com as pessoas, toco nos cabelos macios de alguém. Provavelmente estar morto corresponde a estar vivo, minha pequena tragédia não teve um ato final, continuo no palco com o mesmo papel, com o mesmo riso e o mesmo pranto. Foi preciso adiar o “the end” e levantar novamente a cortina. Aplausos, por favor, que eu mereço!

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09 de janeiro de 1972

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Farto de falar em política, o deputado me leva para con-frontos existenciais, quase diria existencialistas, enquan-

to a tarde começa a desaparecer pela avenida Afonso Pena. Escrever, estudar, tentar modificar o processo histórico, um humanismo novo desce na sacada do Hotel Normandy, en-quanto a cerveja desaparece em goles grandes. O governo e a política cedem lugar a preocupações mais vastas: o “eu” aqui e agora, a angústia enlaçada com a solidão e a falta de receita para obter-se uma saída, uma claridade passageira, pois os desencontros resistem até mesmo ao leve espírito natalino que flutua pela avenida. O mineiro, que segundo Oto Lara Rezende só é solidário no câncer, desfila lá embaixo, calado e triste, carregando o Natal como um fardo difícil. O deputado exulta ao imaginar o seu admirável mundo novo, mas o elei-tor mineiro que o ouve com fascinação cala e abaixa a cabeça porque não crê mais. “Deus é uma evidência” – comenta o parlamentar, sem nenhuma retórica. Em vão imagino que os transeuntes se voltam para ouvir novamente essas palavras sábias. Qual, os mineiros não mais acreditam nas evidências. Haverá alguém, nesta multidão, que se esquive do aço deste

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ceticismo irreparável?Os mineiros prosseguem tranquilos, pela sua avenida prin-

cipal, calados e tristes, mansos, aguardando serenamente o fim do ano, o fim do mundo, o fim de tudo.

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20 de agosto de 1972

EnCOntRO MaRCaDO

Fernão Jacobino

Na vilegiatura de julho chego a Congonhas do Campo. Lá não vi nem os resíduos da grandeza de Arigó, nem

me comoveu o espírito que emana das obras de Aleijadinho, vi Leila Diniz e suas saudades. O pequeno guia julga-me tu-rista de São Paulo, toma-me pela mão e vai repetindo o texto decorado: eis a estátua de Daniel, neste túmulo está enterra-do Arigó. Os profetas de pedra e o túmulo encravado na co-lina deixam de ser importantes. Vale a lembrança da atriz que um dia, na Galeria Metrópole, num inesquecível encontro, me sussurrou: “uma noite eu te direi coisas suaves...” Vale a lembrança da crônica escrita, o chá e o desnorteamento do incauto rapaz diante das coisas da vida. Leila, viçosa, frágil, repetindo: “uma noite eu te direi coisas suaves...”

A paisagem lunar que brota enviesada nesta tarde de ju-lho provoca estertores juvenis: aqui não quero o histórico, os contornos barrocos das pedras moles, a religiosidade e o folclore, os milagres, a glória reduzida ao túmulo azul da coli-na; quero lembrar, com descanso, dos filmes, da “Madona de Cedro”, de alguém que após encontrar Leila Diniz no “Chá

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Moon” escreveu uma crônica hoje relida com desgosto.Meu pequeno guia, não me fales de Francisco de Freitas,

das capelas, das figuras de pedra-sabão, do hotel inacabado, da essência turística da cidade, da História calcada nessas ladeiras. Podes falar do poema que Drummond escreveu sobre ela e tens o direito de repetir o lugar-comum: aqui ela viveu, dormiu, viu madrugadas e crepúsculos, ouviu a chuva caindo nos telhados seculares. Leila caminhou sobre as pedras e sobrevive à mineralogia, ao turismo. Aqui viveu, numa faixa de tempo, e isto basta.

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Edson Antônio Velano

POEMAS

De 1962 a 1974

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Poema de três faces

(1962)

Quero cantar na minha voz sumidao meu amor e o teu

Minha poesia de ritma de tangominha saudade de sabor amargoquero cantar o meu amor malandroquero cantar o meu amor num fado

Quando eu perder o teu amorpor outro amor mais quente e mais veladoafogarei meu sentimento com cuidadoe dormirei no meio das sereias

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Desatino

(1962)

O teu adeus, amada, na minha vidaque poderia ter sido e que não foiquebrou minha ilusão de vidro e porcelanao teu adeus nas vascas de um solpostovibrou profundamente no meu sere matou os meus desejosque eram mudos e não podiam nada

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Finados

(1962)

No dia de finadosconversei com meu paidiscutimos políticafalamos de futeboldeclamamos uns versosjá à tardinhacontei-lhe minha mágoase perguntei das suasao ouvir meu lamentomeu pai que é durãoque nunca chorouolhou-me penadoe pediu que eu ficasse...

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Escuto a tua voz

(1962)

Escuto, na sombra, a tua vozFalas do amor e do caminhoque amanhã não seguirei sozinhopois tu caminharás comigofalas da noite silenciosaque cobriu, agora, a terrafalas da aurora cor-de-rosaque dentro em pouco surgiráfalas da lua, do arvoredofalas do riacho tristefalas do menino que tem medode te perder na noite fria

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no pequenino mundo do meu quarto

(1963)

Havia, no pequenino mundo do meu quarto,um universo de recordações.A presença constante do teu retratopalavras de carinho rabiscadasem brancas folhas.Havia, no pequenino mundo do meu quarto,um universo de recordaçõeso livro, a rosa louca de amore o desejo asfixiantede te envolver novamente entre os meus braços

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Desajuste

(1963)

Como desejo empacotar a brisaque roça pelo teu cabeloe quando estiver sozinhono silêncio da madrugadalibertá-la, devagarinho,e sorvê-la como quem morre de sede

como desejo empacotar o teu mundoesse sedutor mundo em que vivese que não te conhececomo desejo abraçar as pessoasque recebem e não gozam as tuas palavrascomo desejo amarrar-me todoem volta do teu mundo que me desconhece

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Quando a noite chegar

(1963)

Nas horas longasquando a noite descer profundamentesobre o teu corpo e sobre teu passadodeixa que teus cabelosse umedeçamno sereno da noitetuas mãos afaguemimagens invisíveise a tua boca sinta a viração da brisaEu também deixarei na minha noite longaque os meus olhos mergulhem nas estrelase eu sinta na solidão das horasa tua imensa ternurano canto noturno das perdidas serenatas

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Setembro vai passando

(1963)

Setembro vai passando, meu amor,Levando de dezembro uma lembrançaE as cantigas cantadas com calorAquietam estranhamente a minha ânsia

Nove meses vividos com fervorNuma espera perene de esperançaE este instante é tão bom e abrasadorComo as lembranças distantes da infância

O anseio emudece ternamenteSilenciando meu amor tranquiloTornando a paixão bem diferente

Nem os teus olhos poderão senti-losPorque brilha de forma transcendenteE só os deuses poderão senti-las

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Estória

(1963)

Quando te conheci-às vezes fico pensando-imagino um grande telhadoe largas ruas nevadaslembro-me de uma cançãoque o rabino soluçavasob o grande telhadonão me lembro exatamentese eu te afaguei no invernode algum país inventadoou se te envolvi na noitemorte da cidadezinhalembro-me que contempleida janela dos teus olhostodas as civilizaçõesextintas e sepultadase o teu corpo prometidona terra prometidao eu só no cativeiroEnvia um grande telhadolargas ruas nevadas

e lamento do rabinocom os teus olhos sempre castosnunca mais me abandonaram

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