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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 110, jan. 2003 EDITORIAL V ocê já está pensando nas leituras das férias, aquelas, tão espera- das, que diminuiriam a torre de livros que cresce na sua mesinha de cabeceira ou ao lado de sua poltrona favorita? Você é daqueles que leva “leituras sérias”, basicamente, ou daqueles que incluem “leituras leves” na bagagem? Qual das pilhas voltam intocadas, aumentando sua culpa? Na sociedade da euforia, que partilhamos, as férias tornam-se, freqüentemente, mais um item de nossa apertada agenda de compromis- sos; daí que os livros na bagagem podem cumprir outras funções, como aliviar nossa culpa por dispor do tempo livre das férias com algo “útil”, diga- mos, o que autorizaria o gozo das férias. Os livros na bagagem também podem fazer a função de um objeto contra-fóbico, isto é, tornar esse tempo de redução de demandas e de proximidades afetivas, mais suportável. Nossa época parece nos exigir uma euforia constante, seja no traba- lho, seja no lazer. Certamente, diante de tal exigência, nada será satisfatório e passaremos a querer estar em outro lugar: sonharemos com a aventura das férias quando estamos trabalhando e desejaremos a rotina do trabalho quando em férias. Por falar disso, “A sociedade da euforia e sua psicopatologia” é o tema de uma das oficinas que a APPOA coordena no FSM, que se realiza mais uma vez em nossa cidade. O mês de janeiro, é um tempo de um intenso trabalho interno na APPOA, de apresentação e preparo dos temas de estudo propostos para o ano que se inicia, de seleção para a nova turma do Percurso de Escola e, também, neste ano, de preparar a renovação da mesa diretiva. Janeiro é o mês do novo: o ano é um bebê com sua carga de esperan- ça e de aposta no futuro. Quem sabe ele virá cumprir alguns dos itens da nossa agenda de desejos? Por coincidência, ou não, o tema de nossa seção temática é “bebês” e o trabalho que é possível e necessário quando nesse “novo”, a marca dos sintomas que os antecedem, produz sofrimento psíqui- co. Voltando àquela lista lá em cima: a APPOA tem sua lista de suges- tões. Para a lista “leituras leves” você pode incluir os números do CORREIO que você não teve tempo de ler durante o ano e, também, as revistas 21 e 22,

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1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 110, jan. 2003

EDITORIAL

Você já está pensando nas leituras das férias, aquelas, tão espera-das, que diminuiriam a torre de livros que cresce na sua mesinha decabeceira ou ao lado de sua poltrona favorita? Você é daqueles que

leva “leituras sérias”, basicamente, ou daqueles que incluem “leituras leves”na bagagem? Qual das pilhas voltam intocadas, aumentando sua culpa?

Na sociedade da euforia, que partilhamos, as férias tornam-se,freqüentemente, mais um item de nossa apertada agenda de compromis-sos; daí que os livros na bagagem podem cumprir outras funções, comoaliviar nossa culpa por dispor do tempo livre das férias com algo “útil”, diga-mos, o que autorizaria o gozo das férias. Os livros na bagagem tambémpodem fazer a função de um objeto contra-fóbico, isto é, tornar esse tempode redução de demandas e de proximidades afetivas, mais suportável.

Nossa época parece nos exigir uma euforia constante, seja no traba-lho, seja no lazer. Certamente, diante de tal exigência, nada será satisfatórioe passaremos a querer estar em outro lugar: sonharemos com a aventuradas férias quando estamos trabalhando e desejaremos a rotina do trabalhoquando em férias. Por falar disso, “A sociedade da euforia e suapsicopatologia” é o tema de uma das oficinas que a APPOA coordena noFSM, que se realiza mais uma vez em nossa cidade.

O mês de janeiro, é um tempo de um intenso trabalho interno naAPPOA, de apresentação e preparo dos temas de estudo propostos para oano que se inicia, de seleção para a nova turma do Percurso de Escola e,também, neste ano, de preparar a renovação da mesa diretiva.

Janeiro é o mês do novo: o ano é um bebê com sua carga de esperan-ça e de aposta no futuro. Quem sabe ele virá cumprir alguns dos itens danossa agenda de desejos? Por coincidência, ou não, o tema de nossa seçãotemática é “bebês” e o trabalho que é possível e necessário quando nesse“novo”, a marca dos sintomas que os antecedem, produz sofrimento psíqui-co.

Voltando àquela lista lá em cima: a APPOA tem sua lista de suges-tões. Para a lista “leituras leves” você pode incluir os números do CORREIOque você não teve tempo de ler durante o ano e, também, as revistas 21 e 22,

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NOTÍCIAS

que contém artigos dos eventos realizados em 2002. Para a lista “leiturassérias” destacamos a intensa produção de nossos membros lançada em2002, perfazendo um total de 8 livros, todos com resenha publicada em nos-so CORREIO.

Boas leituras e boas férias!

APPOA NO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL

Entre os dias 23 e 28 de janeiro de 2003 teremos, aqui em PortoAlegre, mais uma edição do Fórum Social Mundial.

A APPOA estará presente novamente com a inscrição de três ofici-nas: “Adolescência e novas formas de parentalidade”, “Sociedade da euforiae sua psicopatologia” e “O desejo de mudar: psicanálise do cinismo e subje-tividade contemporânea”.

A primeira oficina propõe pensar algumas questões a partir da adoles-cência e sua relação com as novas formas de parentalidade: por um lado, oquanto o adolescente se vê envolvido pelos lugares parentais quando da suapassagem da família para o social? Isto, na medida em que estes lugares serecolocam no social, sendo que uma das primeiras questões é sair de ondepara onde. Por outro lado, na medida em que a sociedade moderna favoreceo anonimato urbano e o desarraigamento cultural e onde a comunicação demassa faz apelo a uma reflexão pública sobre acontecimentos privados, oque isto poderia dizer do sintoma social contemporâneo enquanto a adoles-cência parece ser seu paradigma?

A segunda oficina discute as novas formas de sofrimento psicológicodecorrentes da exigência de ser feliz full time, ou seja, a sociedade contem-porânea demanda de seus membros um estado de contínua euforia. Quemnão se apresentar assim pode sentir-se “excluído da festa” e manifestar todoo mal-estar disto decorrente. A medicalização, muito facilmente, se propõea atender àqueles que desejam satisfação garantida. O que a psicanálisepode propor a este sujeito que sofre?

O que acontece com a subjetividade contemporânea, na medida emque é o sistema financeiro globalizado quem decide sobre o valor das coi-sas, o que ter, o que comprar, qual o político a eleger? Qual o lugar dosujeito, de suas representações, de seu desejo? Qual o lugar da palavra, namedida em que o discurso social não é mais moldado pelo conjunto social?Estas e outras preocupações é o que a terceira oficina oferecida pela APPOAno Fórum Social Mundial convida para discutir.

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A partir dos temas e questões propostas, as oficinas inscrevem-se noeixo dos “Princípios e valores, direitos humanos, diversidade e igualdade”. Olocal, data e horários serão confirmados assim que a organização do FSMconfirmar, mas adiantamos que devem acontecer nos dias 24 e 25 de janei-ro.

Convidamos a todos para participar das discussões.

CONVERGÊNCIA

Aconteceu nos dias 23 e 24 de novembro a reunião anual da Comis-são de Enlace Geral da Convergência – Movimento Lacaniano para a Psica-nálise Freudiana em Milão, Itália. No encontro estiveram representadas 36instituições de vários países, na maioria da França e Argentina, mas tam-bém do Brasil e outros países da América Latina, Espanha, Estados Unidos,Itália (o número total é 45 instituições).

Entre os vários assuntos tratados, destacou-se a disposição do movi-mento para a discussão e o suporte mútuo em questões cruciais à psicaná-lise, sejam elas de ordem inerente ao desenvolvimento da psicanálise, se-jam elas de origem política e social.

A organização do Segundo Congresso de Convergência, a se realizarno Rio de Janeiro em 2004, está em andamento: há jornadas de trabalho emdiferentes países (como aquela que teremos no último fim-de-semana demaio aqui em Porto Alegre e para a qual contaremos com a presença decolegas de Convergência do Brasil) e, há uma série intitulada Convergênciapara a publicação de textos (iniciativa de colegas argentinos e, também,trabalha-se por obter o registro legal do nome de Convergência).

Isto representa uma parte do trabalho de um movimento que é jovem ecompartilhado por associações com modos diferentes de trabalho. Há ques-tões políticas que requerem posições e que podem ser de valor para o movi-mento se ele funcionar como ponto de interlocução e sustentação da psica-nálise. Baseado nesta premissa, o grupo elaborou um documento oficial de

disposição de apoio às instituições que, confrontadas com problemas relati-vos à prática da psicanálise em seu local de origem (ex: tentativa de regula-mentação da profissão de psicanalista no Brasil, proposição de padroniza-ção da formação analítica surgida nos EUA) possam recorrer à Convergênciapara interlocução e suporte.

Ainda, foi estabelecida a data e o local da próxima reunião da Comis-são de Enlace Geral, a realizar-se nos dias 27 a 29 de outubro de 2003, emBuenos Aires.

Maiores informações ver página na Internet www.convergenciafreudlacan.org

Marta Pedóp/Comissão de Relações Exteriores

CARTEL DIREÇÃO DA CURA

O cartel Direção da Cura – que em realidade tem trabalhado sobre otexto Variantes do Tratamento Padrão, de Lacan – esteve reunido no dia 12de dezembro último e trabalhou com 2 eixos: (1) sobre os textos que Lacanrefere em suas notas no texto “Variantes” e (2) sobre os preparativos para aJornada de Abertura junto com a Comissão de Ensino e Eventos.

Maria Rosane Pereira Pinto apresentou idéias de Wilhelm Reich emAnálise do Caráter (1928-29), obra em que o autor buscou fundar uma técni-ca psicanalítica aprofundada a partir da estrutura do eu. Criticando a idéia deuma técnica uniforme e padronizada entre os psicanalistas, pois o objeto dapsicanálise se apresenta “fugidio”, aponta a uma singularidade da estrutura,ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, propôs uma caracterologia psi-canalítica ampla e sistemática. Com este paradoxo, sua escolha foi proporuma teoria baseada na estrutura econômica de Freud, na economia libidinal.Sua idéia vai no sentido de que o sujeito teria benefícios a partir da liberaçãoda energia sexual genital (daí vem a idéia da potência orgástica), a qual seriaalcançada com mais facilidade do que a sublimação, que viria em sua decor-

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rência. O caráter genital das descargas orgásticas satisfariam o Isso, e oSupereu não teria mais a necessidade do sadismo – o desaparecimento daculpa traria também uma estrutura social de amor e harmonia.

Embora certa ingenuidade na proposição da felicidade através do exer-cício sexual e um ideal genital “maduro” como parâmetro de cura – apontan-do à dimensão imaginária da relação transferencial – Lacan reconhece oesforço de Reich em encontrar a direção da cura e comenta, em seu texto,que os psicanalistas da época tiveram grande dificuldade em justificar suascríticas a esse autor, talvez movidos pelo mesmo tipo de ideal imaginário.

Em relação à Jornada de Abertura, o tema geral será mesmo a dire-ção da cura, nosso tema do ano de 2003, estando em elaboração seu título.O que sabemos é que será em 05 de abril, no Novotel (próximo à Av. CarlosGomes, Porto Alegre).

O cartel se reúne novamente dia 07 de janeiro às 20h30min na Appoa,quando trabalharemos sobre os outros autores citados no texto de Lacan(Fennichel, Balint, Theodor Reik), dentro dos comentários do próprio texto.Mais adiante, certamente retornaremos a Direção do Tratamento e os Princí-pios de seu Poder (texto de Lacan, de 1958).

Marta PedóP/Cartel

CORREIO DA APPOA 2003 – TEMAS E PRAZOS

Convidamos a todos os leitores para que encaminhem sugestões paraseções temáticas do CORREIO no ano de 2003. Em virtude do fechamentodas edições, comunicamos que o prazo final para entrega dos textos passa-rá a ser dia 30 de cada mês.

COMENTÁRIOXX JORNADA DO CENTRO LYDIA CORIAT

Quem esteve na XX Jornada do Centro Lydia Coriat de Porto Alegre edo Centro de Estudos Paulo César D’Avila Brandão, no último sábado denovembro, pôde acompanhar de perto o trabalho que vem sendo desenvolvi-do com bebês e crianças pequenas nessa instituição. Além de discussõesteóricas em torno de temas cruciais a qualquer terapeuta infantil, contamoscom a apresentação em video de uma sessão clínica de estimulação preco-ce, bem como a apresentação de diversas gravações de momentosconstitutivos do laço social entre bebês e seus pais.

A jornada foi aberta por Ivone Montenegro Alves e Rejane Farias coma apresentação de um trabalho intitulado “Filiação e Inclusão Social do Bebêe da Criança Pequena”. Nesse trabalho, foi abordada a necessidade de re-construir o investimento narcísico dos pais em função do excesso de realpresente na relação com essas crianças. A partir de então, apontam para aimportância do terapeuta poder realizar uma certa suplência imaginária pro-visória na recomposição dos laços entre pais e bebês. Através de imagensgravadas, tivemos a oportunidade de acompanhar uma sessão de estimulaçãoprecoce realizada com uma dupla de crianças.

Em seguida, Silvia Molina, Ângela Gonzales e Suzana Lodetti com-partilharam conosco o estudo que vêm realizando a respeito das primeirastrocas entre mães e bebês. Com a apresentação em video, foi abordada aimportância da posição dos pais na construção de sistemas de respostas nobebê. Muitas questões relativas ao desenvolvimento infantil no primeiro anode vida foram discutidas: diferenciação seio\boca, transformação de movi-mentos espontâneos em gestos, modulação vocal dos pais, imagem corpo-ral, construção do espaço imediato, entre outras.

Julieta Jerusalinsky, com seu trabalho “Enquanto o futuro não vem:clínica interdisciplinar com bebês”, iniciou abordando o uso da nomenclatura“estimulação precoce” em suas diversas acepções. Discutiu o conceito deestímulo presente na obra de Freud, bem como o registro temporal da noçãode precocidade. A partir daí, enfocou o conceito de temporalidade na clínica

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a partir dos registros de Real, Simbólico e Imaginário. Relançou a discussãosobre a função do terapeuta como possibilitador de inscrições primordiaisnecessárias ao desenvolvimento de uma criança.

Após a apresentação dos trabalhos, fomos convidados a participar docoquetel de lançamento do livro de Julieta Jerusalinsky “Enquanto o FuturoNão Vem”.

Fernanda Pereira Breda

ATIVIDADES DE ENSINO – CENTRO LYDIA CORIATCENTRO DE ESTUDOS PAULO CESAR D’AVILA BRANDÃO

CURSO “DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS DODESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA”– IX EDIÇÃO

Este curso tem como objetivo o aprofundamento e atualização teóri-co-clínica no campo do diagnóstico e tratamento dos transtornos do desen-volvimento na infância, através da abordagem interdisciplinar nas diversasespecialidades: psicanálise, psicologia, estimulação precoce, psicopedagogiainicial, psicomotricidade, fonoaudiologia, fisioterapia, psicopedagogia, edu-cação especial, deficiências múltiplas e neuropediatria. Tem duração de quatrosemestres, com início previsto para março de 2003, nas sextas-feiras das14h às 18h.

CURSO “CLÍNICA INTERDISCIPLINAR COM BEBÊSE CRIANÇAS PEQUENAS COM TRANSTORNOS

DO DESENVOLVIMENTO” – I EDIÇÃOEste curso responde a demanda de formação de profissionais de dife-

rentes especialidades – nas áreas de saúde e educação – que buscam aextensão de seus conhecimentos e instrumentalização para fazer frente acomplexidade própria da clínica em Estimulação Precoce. Aborda temasque tratam das características centrais da primeira infância, como: a aquisi-ção da linguagem, o desenvolvimento neuropsicomotor as patologias neuro-lógicas, o processo do pensamento, a constituição subjetiva do bebê e dacriança pequena no laço parental, o brincar, entre outros. O desdobramento

temático estará articulado à fundamentação clínica da Estimulação Precocesituando conceitualmente seu objeto de trabalho: o bebê, seu desenvolvi-mento e constituição psíquica. Sua duração é de 4 semestres compostospor disciplinas teórico-clínicas e 1 semestre de estágio supervisionado, cominício previsto para março de 2003, no horário de sextas-feiras das 14h às l8h.

GRUPO DE ESTUDO E PESQUISA “O DESENVOLVIMENTODO BEBÊ NO LAÇO PARENTAL DESDE UMA PERSPECTIVA

INTER E TRANSDISCIPLINAR”Esta é uma proposta, já em andamento, coordenada por Silvia Molina,

para realizar um trânsito pela leitura clínica da estruturação do desenvolvi-mento do recém nascido e do bebê nos seus aspectos diacrônicos esincrônicos, efetuando, tanto o deciframento da produção dos bebês “ditosnormais”, quanto a leitura dos valores sintomáticos das alterações na inscri-ção e na constituição desejante, bem como do valor sintomático das altera-ções orgânicas. O trabalho é realizado a partir da análise dos registros escri-tos e de filmagens de produções dos recém nascidos e bebês no laço parental.

CURSO DE VERÃONÍVEL I – “CLÍNICA INTERDISCIPLINAR DOSTRANSTORNOS DO DESENVOLVIMENTO”

Período: 06 à 10/01/2003 (Será reeditado em julho/03)Nível II – “Estimulação Precoce – A Clínica Interdisciplinar com Bebês

com Transtornos do Desenvolvimento”Período: 13 à 17/01/2003 (Será reeditado em julho/03)Os cursos de verão são compostos de seminários teórico-clínicos

ministrados pelos membros da equipe nas suas diversas especialidades,intercalados a observações de vídeos que focalizam a intervenção nas dife-rentes especificidades clínicas, em uma semana de trabalho intensivo, dirigi-do a profissionais de cidades distantes de Porto Alegre.

Informações e inscrições:Fones: (51)3311.2243 ou (51)3311.0091

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MACHADO EM PARIS

A jornada “A clínica do especular na obra de Machado de Assis” acon-teceu em dezembro passado, em Paris. Organizada pelo cartel de LeiturasBrasileiras da Associação Lacaniana Internacional, caracterizou-se comoum momento especial para os psicanalistas brasileiros e franceses que delaparticiparam. Um evento dedicado a textos de um autor brasileiro, poucoconhecido na França, mas altamente significativo para a formação dos psi-canalistas de língua “brasileira”, evidencia a força de um texto e a disponibi-lidade de troca e trabalho de todos os envolvidos por ele. Tanto psicanalistascomo historiadores e especialistas na área de letras puderam, notadamente,a partir do conto “Pai contra mãe” e do romance “Dom Casmurro”, discutir aimportância destes textos para uma análise de aspectos significativos dasubjetividade contemporânea; tais como as questões sobre a identidade, asingularidade do duplo e a permanência dos efeitos da escravidão.

Na próxima edição do Correio daremos mais detalhes sobre a jornada.

MUDANÇA PROFISSIONAL

Informo que o trabalho que realizo, de atendimento clínico junto a cri-anças, adolescentes e adultos, supervisões e assessorias está sendo de-senvolvido, exclusivamente, em novo endereço profissional.

Os contatos para encaminhamentos, agendamento de consultas eoutras atividades podem ser feitos através do endereço e telefones a seguir:

Rua Ramiro Barcelos, 1954, sala 604. Bairro Bom Fim – Porto AlegreFones: 3333.5275 consultório – 3346.6743 residencial – 9807.8797

celular – email: [email protected], também, que neste endereço estarei trabalhando juntamente

com Walter Cruz.Coloco-me à disposição para maiores informações.

Ana Marta Goelzer MeiraPsicanalista, Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Mes-

tranda do curso de pós-graduação em Psicologia Social e Institucional/UFRGS

Ultrapassar, na clínica, os limites do divã, nem sempre é tarefa fácil.Nos deparamos com isto, atualmente, de forma bastante incisivaem diversas práticas, como a clínica nas instituições e na Universi-

dade.A prática psicanalítica voltada às intervenções com bebês e crianças

pequenas é, talvez, uma das mais belas e poéticas destas novas formas dapsicanálise inserir-se e demonstrar-se ao social. Não tendo sido teorizadacomo prática por Freud e Lacan, bebe, no entanto, de toda a estrutura poreles demarcada para a constituição do sujeito psíquico.

Além disso, como faz a maioria dos bebês, quando com suas novida-des deslocam suas mães de seus lugares pré-estabelecidos, esta clínicavem nos convocar a realizarmos novas articulações com outros lugares, ou-tras disciplinas sem as quais as práticas com estes pequenos seriam abso-lutamente impossíveis.

Esta sessão temática vem então, através dos textos a seguir, contar-nos um pouco sobre esta prática jovem, mas que vem demonstrando já terdeixado suas marcas estruturais no seio da teoria e da prática psicanalíti-cas.

Ana Laura Giongo VaccaroMercês Ghazzi

SEÇÃO TEMÁTICA

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SEÇÃO TEMÁTICA

momento inicial, seus pais contam que ele “não pega os brinquedos; porém,adora pegar e puxar cabelos; sua fraldinha, ele também pega”. Este relatoaponta para alguns sintomas, como a hipotonia, a pobreza de seus esque-mas de ação e movimentos e significativo atraso psicomotor, os quais ex-pressam mais sua posição subjetiva do que seu quadro orgânico. Diante dosbrinquedos que lhe são oferecidos, João olha e retira os braços, mantendo-os posicionados atrás do seu corpo. Por vezes, pega os objetos com os pésou utiliza uma frágil preensão para segurá-los, o que faz com que deslizemde suas mãos.

A partir desse relato, é possível afirmar que João é um bebê que pro-duz um obstáculo na organização daquilo que Piaget chama de reaçõescirculares secundárias. Enquanto as reações circulares primárias, caracte-rísticas do período que vai até os quatro meses de vida, buscam reproduzirresultados interessantes que o bebê descobre no próprio corpo, as reaçõescirculares secundárias conservam também os efeitos obtidos quando a açãoincide sobre os objetos do meio. Assim, o bebê pega os objetos, sacode-os,esfrega-os e faz com eles toda a sorte de explorações de que é capaz.Desta forma, as reações circulares secundárias vão prolongar o exercíciodas reações circulares primárias, colocando em jogo os objetos, comintencionalidade crescente, e não só o corpo do sujeito.

No caso de João, encontramos uma situação na qual este movimen-to, esta passagem das reações circulares primárias às secundárias, nãoacontece, é obstaculizada. Assim, a possibilidade de lançar-se à experi-mentação do mundo e de seus objetos encontra-se fraturada, fragilizada,enfraquecida. Para decifrar o que aqui acontece, é necessário ir além daidéia piagetiana de equilíbrio/desequilíbrio cognitivo, para pensarmos o lugardesde o qual esta criança se relaciona com o mundo, com os objetos epessoas que a rodeiam.

Sabemos, a partir da psicanálise, que a pulsão, diferentemente doinstinto, não se organiza desde uma determinação orgânica e hereditária,mas, sim, através do laço feito pelo bebê com outros seres humanos. Estesúltimos exercem um papel que não é puramente imaginário, como nas ou

A CONSTITUIÇÃO SUBJETIVAE O DESENVOLVIMENTO DO BEBÊ

Gerson Smiech PinhoRejane Farias1

Se, no trabalho clínico com crianças, a multiplicidade de áreas quecompõe o campo do desenvolvimento infantil exige uma abordageminterdisciplinar, o trabalho com bebês nos confronta com a necessi-

dade dessa abordagem de modo direto e inequívoco. Isto porque, nos primei-ros tempos da vida, os diferentes aspectos do desenvolvimento encontram-se ligados de forma íntima e indissociável. Esses aspectos, que nos anosposteriores da infância podem apresentar uma diferenciação mais consis-tente, nos iniciais, encontram-se absolutamente interligados. Assim, a inter-venção clínica com bebês implica, necessariamente, o diálogo constanteentre diversas disciplinas.

A psicanálise tem aportado uma série de importantes contribuiçõespara aqueles que se dedicam ao trabalho com bebês, já que permite umaleitura a partir do sujeito que ali se constitui. Se a estrutura do sujeito já estádeterminada mesmo antes do nascimento, não é verdade que ela já estejadada de uma vez por todas, mas vai se instalando, pouco a pouco, no corpobiológico, dando forma ao psiquismo nascente. Na observação de bebês, épossível ver como estes sutis processos acontecem, bem como muitas for-mas de sintoma que obstaculizam a emergência do desejo.

João é um bebê com Síndrome de Down que chega para tratamentode Estimulação Precoce, no Centro Lydia Coriat de Porto Alegre, com oitomeses de idade. O tratamento tem início um mês após uma cirurgia cardía-ca, em função de um problema decorrente de seu quadro sindrômico. Nesse

1 Psicóloga e Terapeuta em Estimulação Precoce do Centro Lydia Coriat de Porto Alegre.

PINHO, G. S. E FARIAS, R. A constituição subjetiva...

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SEÇÃO TEMÁTICA

Após algum tempo de tratamento, a mãe comenta que João adorafazer uma brincadeira com ela e com o avô. O menino segura-se firme nosdedos e olha diretamente para quem o sustenta. Nessa posição, deslocaseus braços em diferentes posições espaciais, acompanhando uma cançãoque repete: – “O que tu quer? Quer dançar... ah! Quer dançar”. Nessa mes-ma época, João também começa a brincar de esconde-esconde com a fral-da, retirando com força o pano que encobre o seu rosto. Nesse espaço quese inaugura entre a mãe e o bebê, começam a circular objetos como o bico,o chocalho, a bola. João adquire a postura sentada sem apoio, começando afazer rotação do tronco, levando os braços no espaço lateral e atrás de seucorpo, numa franca pesquisa do espaço próximo. Segue o curso da consti-tuição de um “eu” discriminando-se do outro.

Baraldi (1999) afirma que o brincar está relacionado ao tempo de se-paração da criança da mãe e que a manipulação dos objetos feita no brincarsignifica que a criança já não é um puro objeto para sua mãe. Assim, o fatode uma mãe supor ou não uma posição de sujeito desejante em seu bebê irápermitir ou obstaculizar a experiência que ele poderá vir a fazer com osobjetos. O espaço circunscrito pelo brincar permite à criança afastar-se docorpo materno para habitar seu próprio corpo.

Coriat afirma que “a ausência da mãe presentifica um lugar vazio naprópria criança. É sempre desde um lugar vazio que o brincar se produz e ésempre desde o brincar que se produz uma criança” (1997, p. 35).

A partir do relato aqui trazido, podemos observar o modo como a posi-ção parental incide sobre os primórdios da possibilidade de uma criança sevoltar para os objetos do mundo e iniciar sua exploração.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARALDI, Clemência. Jugar es cosa seria. Buenos Aires: Homo Sapiens, 1999.CORIAT, Elsa. Psicanálise e clínica de bebês. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997.MOLINA, Sílvia. A estruturação cognitiva na criança deficiente mental e, particular-

mente, na criança com síndrome de down, um enfoque a partir da interdisciplinae transdisciplina, Escritos da criança, n. 6, Porto Alegre, Centro Lydia Coriat,2001.

tras espécies, mas também simbólico, pois operam um discurso que marcao corpo do bebê com significantes, os quais irão determinar seu lugar en-quanto sujeito e uma direção para seu destino.

De acordo com Molina (2001), podemos pensar o desenvolvimentocomo “o trabalho que a criança tem de fazer para se inserir na cultura e per-correr a lógica que as funções parentais lhe propõe”. Portanto, o modo comoo bebê vai, pouco a pouco, apreendendo os objetos de sua cultura e fazendodeles matéria para sua investigação intelectual ou para suas brincadeiras émarcado e dirigido pela lógica simbólico-imaginária presente no psiquismodaqueles que encarnam as funções parentais. Assim, não é desde qualquerlugar que o bebê irá se relacionar com os objetos ao seu redor, mas poraquele que é estabelecido a partir das funções parentais.

No caso de João, percebemos que, quando está sentado e percebe oafastamento da mãe, “deixa-se” cair. Outra cena importante: a mãe freqüen-temente mantém João reclinado em seu colo, oferecendo-lhe a mamadeira.Ele “se deixa” alimentar, sem esboçar qualquer expressão que indique quequer ou não o alimento. Nessa situação, o líquido escorre para fora de suaboca semi-aberta. É uma posição de absoluta passividade que a mãe con-voca João a ocupar, não demandando do menino qualquer manifestação deseu desejo.

É a função materna que inaugura a inscrição simbólica no corpo dobebê. A experiência primordial entre a mãe e o bebê irá ordenar os vetoresque determinarão o modo como ele irá apreender e lidar com os objetos ecom seu próprio corpo, pois o estilo de funcionamento do psiquismo maternoé o ponto de partida do estilo de funcionamento subjetivo do bebê. A lógicaenunciativa derivada da posição simbólica materna, a qual imprime as pri-meiras marcas significantes no corpo do bebê, irá determinar a forma comoeste corpo e suas funções – perceptiva, motora, e assim por diante – sãoordenadas por ela. Desta forma, a maneira com que um bebê se apropria dosobjetos da cultura, explorando-os, “decifrando-os” e fazendo deles suportepara o brincar, depende da lógica que a mãe, desde sua posição, imprime nopsiquismo do bebê.

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SEÇÃO TEMÁTICA

Se bem que às vezes encontremos crianças com severos problemasde constituição psíquica, em relação às quais costuma-se dizer “parece umbebê”, sabemos que há uma diferença radical entre parecer um bebê e sê-lo,pois se não se produziram marcas constituintes nos primeiros anos de vida,caracterizados pela extrema permeabilidade a inscrições, vamos estar lidan-do com um criança que já encontra sérios obstáculos, o que é bem diferentede um bebê.

Mas, além do registro real do tempo, há outros dois registros a seremconsiderados: uma temporalidade simbólica e uma temporalidade imaginá-ria. A temporalidade simbólica diz respeito ao desejo, à temporalidade dofuturo anterior, sustentada para o bebê pelos pais, que já antecipam simbo-licamente o bebê como todo um homenzinho ou mulherzinha quando esteainda nem sequer saiu dos cueiros4. Temos um claro exemplo disso quandoo bebê de quase seis meses chuta casualmente o cordão de brinquedospendurado sobre o berço, enquanto o pai afirma orgulhoso: “é um craque defutebol”. A esta altura, é claro que já há no guarda roupa do bebê uma cami-seta do Inter, do Grêmio ou de outro time qualquer. Desde tal fala, o bebê jáé um craque com uniforme e tudo, antes mesmo dele saber direito que tempés.

Trata-se da colocação em cena deste tempo do desejo parental des-de o qual o bebê já é suposto simbolicamente numa posição que, de fato,ainda não tem condições reais de ocupar.

Já podemos perceber como um bebê depara-se com a registros tem-porais que são um tanto irreconciliáveis entre si.

Temos, ainda, uma temporalidade imaginária – como a possibilidadede produção de imagens identificatórias para o bebê que são sustentadaspelos pais e que permitem colocar em cena antecipações funcionais emrelação ao bebê. Ou seja, é na medida em que o bebê é imaginado como

4 Alfredo Jerusalinsky (1988), Psicanálise e desenvolvimento infantil, Porto Alegre, ArtesMédicas.

O QUE HÁ DE PRECOCE NA ESTIMULAÇÃO PRECOCE?TEMPORALIDADE E CLÍNICA COM BEBÊS1

Julieta Jerusalinsky2

Aclínica com bebês é denominada, há mais de 30 anos, “estimulaçãoprecoce” (E.P.). Mas, dependendo da concepção teórica que se tomecomo referência para seu exercício, os termos “precoce” e

“estimulação” assumem diferentes fundamentações que levam a interven-ções clínicas bastante divergentes entre si.

Gostaria, então, de trazer algumas considerações acerca da exten-são conceitual que o termo precoce assume na clínica com bebês a partir docorte epistemológico que a psicanálise – sobretudo pela transmissão deFreud e Lacan – produz no campo específico da estimulação precoce. Con-siderações estas que são mais amplamente abordadas no livro Enquanto ofuturo não vem – psicanálise na clínica interdisciplinar com bebês3.

O termo “precocidade” faz uma referência direta à questão do tempona clínica com bebês: aponta uma intervenção que ocorre em um momentoda vida no qual estão ocorrendo as primeiras inscrições constituintes dosujeito psíquico e as primeiras aquisições instrumentais.

Sabemos também que, nos primeiros meses e anos de vida, o orga-nismo se caracteriza pela neuroplasticidade e pela permeabilidade da estru-tura psíquica às inscrições significantes. Daí que o registro real da tempora-lidade precise ser considerado nesta clínica, devido aos efeitos que a passa-gem do tempo – este tempo que se esvai sem retorno – têm sobre o organis-mo.

1 Texto apresentado no IV Encontro Nacional sobre o bebê, Brasília, novembro de 2002.2 Psicóloga, psicanalista, especialista em estimulação precoce, membro da APPOA, membroda APEP (Associação Paulista de Estudos Psicanalíticos), professora do Centro Lydia Coriat,pesquisadora do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da PUC-SP.e-mail: [email protected] Julieta Jerusalinsky (2002), Salvador, Ágalma.

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SEÇÃO TEMÁTICA

Bem sabemos que a maturação orgânica coloca limites às produçõesde um bebê ou criança, mas ela por si só não é a causa de uma produção.Por isso não dá na mesma exigir o controle esfincteriano com um ou doisanos de idade. Mais ainda: quando não se consideram as condições dematuração de um bebê, quando se exige que ele responda já ao que dele seantecipava desde a estrutura simbólica, ele fica exposto a uma hiperexigênciaque não é constituinte, mas desorganizadora.

Por outro lado, quando se intervém apenas com a eficácia do funcio-namento da função5 de modo desarticulado à temporalidade simbólica e ima-ginária parental, perde-se o ponto de mira que permite que a produção dobebê possa ser tomada como ato de realização de um sujeito. Perde-se oponto de mira desde o qual o bebê poderá vir a apropriar-se imaginariamentede uma função orgânica em nome de um desejo.

Propomos, então, considerar a intervenção clínica com bebês emestimulação precoce como uma articulação entre estes três diferentes regis-tros da temporalidade.

Produzir tal articulação, possibilitar que o circuito de desejo e deman-da parental possam circular por estes três registros não é tarefa fácil. Exigedo clínico em E.P. não só uma posição de escuta do discurso parental e umaleitura das produções do bebê. Também é decisivo, em diversos momentosde tratamento, que o clínico se implique em uma oferta dirigida ao bebê eque implique também sua palavra – emprestando significante – para supô-locomo sujeito e sustentar uma demanda constituinte.

Na sustentação de antecipações funcionais, o clínico não só estáatento ao momento da maturação em que o bebê se encontra e à legalidadeda seqüência de aquisição instrumental, mas também a produzir na cenacom o bebê este efeito de temporalidade subjetiva que se apresenta na ex-pectativa e na surpresa: a expectativa produz-se na medida em que o bebê é

5 Jean Bergès (1988). Função estruturante do prazer, Escritos da Criança, n.2, PortoAlegre, Centro Lydia Coriat de Porto Alegre.

capaz de certa realização que uma demanda lhe é dirigida e que lhe é ofertadauma cena na qual ele possa desdobrar tal produção. É porque se imaginaque um bebê é capaz de realizar balconeio que é ofertada a ele a possibilida-de de ficar de bruços no chão. É porque se antecipa que é capaz de dar seusprimeiros passos sozinho que alguém lhe estende os braços e lhe diz “vem”.

Tal cena típica do bebê no início da deambulação é retratada no qua-dro de Van Gogh intitulado Primeiros passos. A partir deste quadro podemosconsiderar a articulação dos três registros da temporalidade que incidem narealização instrumental produzida por um bebê. Nessa cena apresenta-seuma distância real a ser percorrida entre a mãe que ajuda o bebê a manter oequilíbrio estático em seu corpo cambaleante e o pai que lhe diz “vem”.

Mas comparece aí, também, uma distância simbólica a ser percorri-da, distância que se apresenta entre a posição que o bebê efetivamente seencontra e a que se espera que ele ocupe após realizar a travessia, mirando-se numa imagem ideal que é, para ele, sustentada desde tais coordenadassimbólicas e à qual o bebê se aliena.

É interessante que, ainda que o quadro chame-se Primeiros passos,o que ele retrata não é o acontecimento dos primeiros passos em si, mas omomento imediatamente anterior. Diante deste quadro podemos experimen-tar a expectativa que rodeia a cena: o bebê é convocado, implicado, referidoa um ideal. Para poder efetuar tal produção, o bebê apóia-se nos braços damãe e também nessa certeza antecipada do Outro que o supõe como capazde tal produção.

Mas, além desta sustentação do Outro encarnado, será preciso que obebê se lance nessa produção, que possa aventurar-se a produzir seus pri-meiros passos, precipitar-se na realização, implicando-se, então, como su-jeito na cena.

Consideramos que os efeitos constituintes para um bebê se produ-zem na medida em que o circuito de desejo e demanda parental, em que eleé tomado, possa circular por estes diferentes registros da temporalidade,articulando-as em sua incompatibilidade. Quando um destes registros deixade ser considerado, surgem obstáculos para a constituição do bebê.

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SEÇÃO TEMÁTICA

O BEBÊ E A DEFICIÊNCIA 

Maria Marta Heinz 

Este trabalho levanta algumas questões a respeito dos bebês que apre-sentam patologias orgânicas com prognóstico de deficiência mental,questões formuladas a partir de discussões realizadas no Núcleo de

Estimulação Precoce da FADEM1 e do que a Psicanálise propõe acerca dosujeito do desejo e sua existência.

Para situar rapidamente quais são essas patologias cujo diagnósticomédico implica deficiência mental, podemos dizer que elas são muitas, abran-gendo desde síndromes genéticas e neurológicas – sendo a síndrome deDown talvez a mais conhecida – até transtornos metabólicos e quadros delesões cerebrais de etiologias variadas.

As perguntas que inicialmente me ocorreram sobre este assunto fo-ram as seguintes: como considerar um bebê recém-nascido deficiente men-tal se seu aparelho psíquico ainda está por se constituir? Como medir tãoprecocemente uma deficiência? A avaliação psicomotora dos primeiros me-ses de vida fornece elementos para tal diagnóstico? Ou teria o prognóstico,nesses casos de grave patologia orgânica, um valor diagnóstico? Não pre-tendo exatamente respondê-las, mas traçar algumas considerações tentan-do pensar a importância destas perguntas para alguém que se ocupa de talclientela, já que, assim como o sujeito deficiente, ele também é determinadopelos significantes do Outro da linguagem.

O termo deficiência mental largamente utilizado em medicina, psico-logia ou educação, mesmo caracterizando situações muito diferentes, pare-ce ter como constante uma referência à normalidade do desenvolvimento, nocaso de uma criança, em relação a sua idade cronológica. Em geral, carac-teriza atrasos no desenvolvimento, déficits intelectuais ou cognitivos, déficits

1 Fundação de Atendimento de Deficiência Múltipla (Porto Alegre/RS).

endereçado a ideais, a partir dos quais algo dele se espera. A surpresa, porsua vez, implica na sustentação da alteridade, da brecha na qual o bebê, aoenvolver-se em uma realização, pode surpreender, pode ir além do demanda-do.

Por isso a clínica com bebês e pequenas crianças mobiliza tantasbrincadeiras de cosquinhas, de “vou te pegar”, de “um, dois três e já”. Brinca-deiras na qual o infante experimenta a temporalidade subjetiva que o situa nolaço com o Outro.

Uma vez que o circuito de desejo e demanda opera circulando porestes três diferentes registros da temporalidade, quando sua articulação pelolaço parental produz efeitos constituintes para o bebê, passa-se a prescindirdo suporte transferencial encarnado no clínico. É então que, para além dotempo cronológico que marca o fim da primeira infância, é chegado o temposimbólico, o tempo da resolução transferencial que permite concluir o trata-mento. Temos aí o tempo de concluir.

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que o bebê dependerá para se estruturar enquanto sujeito. E o que encontra-mos no social, por exemplo, em relação a encaminhamentos dados por neu-rologistas a muitos bebês lesionados com seqüelas motoras importantes?Tratamento fisioterápico motor, acentuando a patologia e deixando os pais eseu sofrimento fora da cena, como se não dependesse principalmente delesa evolução de seu filho, ou ainda, como se o aspecto motor pudesse sertotalmente isolado do desenvolvimento psíquico e talvez considerado maisimportante. Muitas vezes é somente no quarto ano de vida, quando pareceser possível diagnosticar-se claramente uma deficiência mental e quando aspossibilidades de evoluções motoras naquela abordagem se estagnaram,que a criança é encaminhada a um atendimento diferenciado, que possalevar em conta as funções materna e paterna e o discurso parental. Enfim, acriança chega tarde e um tempo precioso é perdido, tempo de maturação dosistema nervoso central e tempo de inscrições significantes do desejo ma-terno e do significante Nome-do-Pai. A aposta tão necessária para que na-quele corpo sequelado um sujeito desejante se estruturasse, problematizadaa partir do diagnóstico médico, não se viabiliza de início.

O trabalho do profissional de Estimulação Precoce e da equipeinterdisciplinar que o sustenta, se esse for o destino do bebê, será tratá-losem negar sua patologia, mas a partir da premissa de que, como qualqueroutro bebê, ele dependerá do Outro parental para se constituir como sujeito.Lidar com este corpo seqüelado exige intervenções específicas e técnicas,mas não uma postura educativa que ofereça, por exemplo, à mãe um saberpronto alheio ao seu. Participar de maneira ativa na construção do lugar queo Outro lhe oferece, abrindo caminhos para as manifestações do desejo éreconhecer a mãe como alguém que pode exercer sua função, ouvindo-a edando-lhe sustentação, inscrevendo, junto com ela, nos movimentos e mani-festações do bebê, intenções, pedidos e mesmos perguntas que irão nosentido da constituição de uma demanda. A chegada de um bebê doentepode significar o bloqueio do olhar materno à condição da mãe de tomá-locomo filho que necessita dos seus cuidados e de se perguntar o que elepode estar querendo, de respondê-lo a partir de suas hipóteses, para que

de comportamentos adaptativos e de aptidões, confundindo ou reunindo to-dos esses aspectos em uma só palavra. Em alguns países, como a França,outro termo é mais corrente – handicap mental2 – acentuando-se o aspectoadaptativo.

Se a deficiência mental refere a uma falha no funcionamento mentalde uma pessoa com consequências na sua vida social, isso não significaque todo sujeito considerado deficiente mental tenha características seme-lhantes nem do ponto de vista psíquico nem do ponto de vista de sua vidasocial; pelo contrário, será um sujeito desejante e único em sua subjetivida-de para quem dele se ocupar. Soa estranha essa afirmação pela suaobviedade, porém ela se faz necessária, visto que a generalização nos qua-dros patológicos orgânicos toma conta do discurso possível a respeito des-tes sujeitos. Pensando nos bebês, não seria justamente esse discurso, o dapatologia, que ocuparia o lugar vago deixado pela queda do bebê perfeitodesejado pelos seus pais?

Elsa Coriat3 ao falar sobre “discapacidade mental” faz uma separaçãoentre a deficiência mental (inteligência) e as alterações graves na estruturaçãodo aparelho psíquico (psicopatologia), dizendo, por exemplo, que um psicóticopode ser inteligente e um deficiente não apresentar graves alterações emsua modalidade de circulação social. E, mais precisamente sobre o queestamos discutindo, ela escreve: “enquanto a deficiência mental é uma vari-ável passível de ser determinada desde a dotação orgânico-biológica comque se nasce, a estruturação do aparelho psíquico, por sua vez, é contingen-te, acontece a posteriori, não depende da biologia, mas do lugar que o Outrooferece ao recém-chegado, especialmente nos primeiros anos de vida” 4.

É justamente desse Outro encarnado pelos pais, mas Outro da lin-guagem que veicula esse discurso generalizador sobre o deficiente mental,

2 Do inglês Mental Handicap, o termo é usado para caracterizar uma desvantagem ouinferioridade social e profissional, resultante de uma doença mental.3 Psicanálise e Clínica de Bebês, Artes e Ofícios Ed., 1997, capítulo XVI.4 Idem, pág. 234.

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“escutar”, já que a experiência comprova que cada sujeito é diferente dooutro e a transferência se dá de forma particular. Talvez também, para serpossível trabalhar, algo se recalque em relação ao que a palavra deficientecarregue, sejam as estatísticas ou a referência constante à normalidadecronológica. No entanto, o que parece certo é que, em se tratando principal-mente de bebês, a patologia orgânica não pode ser deixada de lado, comose não existisse; daí a importância de contar com uma equipe interdisciplinarde profissionais que se ocupem de aspectos fundamentais da vida do bebê,mas não centrais em uma intervenção a partir da psicanálise.

significantes se inscrevam nesse corpo, de dar-lhe crédito no que faz. Paraque o bebê da necessidade possa passar à demanda e que seu corpo possaser erotizado, bordeado, para que a culpa, muitas vezes presente para mãe,e o seu “excesso de amor” não mantenham o bebê eternamente colado aocorpo materno, sem falta e sem proibição, é preciso, enfim, que o processode simbolização se estabeleça, do tempo de alienação ao da separação.Sabemos que é através da transferência dos pais que é possível, no trata-mento, construir os alicerces de um lugar próprio do sujeito.

O que encontramos hoje – e nesse sentido o trabalho de EstimulaçãoPrecoce toma o caráter preventivo – é uma grande parte dos sujeitos defici-entes com uma estruturação psicótica ou mesmo em uma posição que po-demos chamar de autista. Com ou sem fala, dóceis ou agressivos, obedien-tes ou não na sua relação com o semelhante, apresentam, de fato, pobrezamental enorme e um isolamento social importante, muitas vezes em umaposição de abandono ou de colamento extremo ao corpo materno. É certoque, ao tomá-los em tratamento, mesmo na adolescência ou na vida adulta,enquanto possíveis sujeitos desejantes, através da transferência encontra-mos sujeitos únicos com uma história própria, mas cujo lugar simbólicoparece só estar garantido como deficiente. Não seria também essa realidadeque a palavra deficiente veicula e marca tão cedo a vida de certos bebês?

Retomando as perguntas iniciais deste texto e o incômodo que pare-ce ser o meu com o diagnóstico/prognóstico de deficiência mental para umbebê que apresenta uma patologia orgânica, devo dizer que acredito que aperspectiva de um sujeito desejante advir nesse corpo doente fica relativa-mente em suspenso. Não só sua mãe ou seu pai, mas o médico-neurologis-ta, o educador e, por que não dizer, o psicanalista compartilham dessa incer-teza. O que fazer com ela? Assumi-la ou recobri-la com estatísticas quecomprovam um prognóstico negativo, mesclando deficiência mental comestruturação psíquica?

Talvez a diferença que sustente uma intervenção clínica seja que apsicanálise nos coloca sempre diante de um imprevisível, de algo incerto,tanto do lado dos nossos atos como do lado do sujeito que nos propomos

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SEÇÃO TEMÁTICA

que cabem algumas considerações, como podemos ilustrar no exemplo quesegue.

O aspecto relacional a ser destacado é a amamentação de Márcia,um bebê de um ano e três meses de idade. Ana Maria, sua mãe, amamentaMárcia em seu peito sempre quando esta lhe solicita. Conseqüentemente,Márcia toma o peito materno desmedidamente no momento da entrevista,levantando a blusa da mãe a todo momento e colocando o seio materno emsua boca por poucos instantes. Repete o gesto várias vezes, não existindofronteira entre o corpo materno e o seu.

A amamentação situa-se em uma etapa de indiferenciação da criançacom o Outro primordial. O desmame, por outro lado, contribui no processode diferenciação que o bebê começa a estabelecer entre o que é interno eexterno. Molina (1997) descreve essa etapa como o início de um processode auto-sustentação, no qual a criança deixa de somente tomar emprestadoas imagens que sua mãe lhe oferece para construir suas próprias significa-ções, que ajudam-na a tolerar as frustrações. Todavia, nesse caso, Ana Marianão consegue contribuir para que essa diferenciação se estabeleça e impul-sione sua filha a um processo de individuação. Assim, não se cumpre afunção simbólica da amamentação ressaltada por Freud (1905/1972), im-possibilitando novos objetos e desdobramentos pulsionais, os quais são re-presentativos dessa primeira experiência de satisfação infantil.

Isso leva à reflexão de que para Márcia sua mãe é apenas teta, haven-do, portanto, ausência de deslocamentos significantes. Ela não conseguesuportar a ausência materna por não haver diferenciação entre ela e suamãe. Assim, a marca materna não consegue se inscrever e, dessa forma,ela precisa mamar a todo instante como forma de recolocar o traço maternopara que sua mãe não desapareça. O leite ofertado é somente matéria, nãoé um veículo que conduz as palavras da mãe à criança, auxiliando em suaestruturação simbólica, tal qual fala Molina (2001). Se sua mãe não fossesomente teta, Márcia poderia se acalmar ao ouvir a voz materna ou ao estarno colo de sua mãe, o que não acontece. Ela se tranqüiliza provisoriamente:“de meia em meia hora ela tá ali no meu pé”, com sua boca no seio da mãe.

AMAMENTAÇÃO INFANTIL COMO PONTODE PARTIDA PARA PENSAR A RELAÇÃO

PRESENÇA-AUSÊNCIA MATERNA

Adriana de Oliveira1

No processo interacional, mãe e bebê trocam sinais que propiciamuma alimentação recíproca. Em geral, são sinais que não se restrin-gem à ordem da necessidade. Estabelece-se, então, uma relação

que transcende a ordem biológica e encontra-se em uma dimensão rica designificados fornecidos inicialmente pela mãe às manifestações de seu filho.A aquisição da capacidade simbólica e a saúde do corpo, conforme Aryan(1993), dependerão do êxito da relação estabelecida na primeira infância,“(...) só a partir desta relação pode a criança adquirir consciência dos sinais(signos) que emite seu corpo e elaborá-los psiquicamente através da vidafantasmática” (p. 364).

A amamentação é o veículo de comunicação por excelência na rela-ção mãe e bebê. A amamentação pode revelar, segundo Molina (2001), oestilo da instalação da função materna. Todavia, essa comunicação não éregida, necessariamente, pela dimensão simbólica.

Partindo da compreensão de que os fenômenos psicossomáticos sefundam em uma relação precoce estabelecida entre a mãe e o filho, e reco-nhecendo a amamentação como um dos canais interativos que possibilitama operacionalização das inscrições maternas, imaginárias e simbólicas, fi-cam aqui algumas reflexões sobre a interação entre mãe e bebê asmático,tendo como destaque a amamentação. A amamentação, o primeiro tipo dealimentação que o bebê experencia, repercute de forma múltipla na mãe,aponta Jerusalinsky (1984). É sobre essa multiplicidade de efeitos e interações

1 Psicóloga, professora dos cursos de Psicologia e Enfermagem-URI/Campus de FredericoWestphalen e Mestre em Psicologia do Desenvolvimento-UFRGS.

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1986) e Aryan (1993) é promotora da potencialidade simbólica infantil. Ésalutar e necessária para que se estabeleça uma relação desejante e quenão afunde em uma relação massiva e alienante em relação ao Outro primor-dial. Mannoni (1982/1986) escreve que a mãe é para seu filho um objetoamoroso e, dessa forma, ela vale por sua presença. Porém, ao se ausentar,ela se torna para ele um agente simbólico.

A ausência desta bipolaridade pode provocar um abalo psicossomático.Essa presença massiva está refletida no primeiro vínculo estabelecido entreelas: a amamentação. A dificuldade materna em armar seu filho psiquica-mente, ajudando-o através do ‘pontapé’ inicial materno, pode dificultá-lo nodesenvolvimento de suas potencialidades psíquicas, cognitivas e motoras.Potencialidades estas que têm como propriedade o enlaçamento naquiloque é ofertado pela cultura e que, nesta etapa de vida, passa, necessaria-mente, pela equação materna. Como efeito, a criança se encontrará inibidana aquisição de uma identidade.

Kreisler (1978/1981) afirma que há, na dinâmica entre a mãe e o filhoasmático, uma relação superprotetora que remete a motivações maternasinconscientes. Esse é o vínculo estabelecido entre Ana Maria e sua filha,estando Márcia tomada em uma relação fora da situação triangular. Talvezpor isso perceba como normal o fato de continuar a amamentar sua filha semestabelecer os limites necessários a sua finalização.

A amamentação, de acordo com Jerusalinsky (1984), transforma aseparação súbita do parto em um distanciamento corporal lento e gradual,durante o qual o bebê recebe o dom materno, expresso primeiramente atra-vés do leite materno que vai sendo ressignificado através de outros objetospulsionais. Esta experiência do bebê ocorre com seus olhos fixos no rostomaterno, olhos que o engatam e remetem ao universo simbólico, lá onde seucorpo, boca e leite encontram sua inscrição. Ela vem cumprir, inicialmente,uma função de autopreservação para, posteriormente, assumir uma diversi-dade de sensações prazerosas que não se restringem à pura necessidade.Dessa maneira, a atividade sexual infantil é inicialmente autodirigida visandoà satisfação no próprio corpo, e seu alvo sexual se encontra sob o domínio

Em outras palavras, Márcia não consegue fazer a passagem que lhepossibilitaria substituir o seio materno por outros representantes da cultura.

Ana Maria diz não suportar o choro de sua filha e tenta tamponar suasangústias (dela e da menina) através do peito que lhe oferta. Todavia, isto setorna um círculo vicioso, pois, tal como afirma Lacan (1964/1988), não háobjeto que traga satisfação plena. Assim, a mãe tenta recobrir o que nãopode ser recoberto com seu peito, tornando-a “viciada em peito”, afirmandoque para ela é mais difícil que para sua filha a concretização do desmame.Sente-se culpada por ter rejeitado a gravidez e não consegue estabelecerlimites na relação. Acredita que só será possível desmamá-la se sair demanhã cedo e retornar somente à noite, “daí se ela chorar de saudade eunão vou ouvir o choro dela, não vou me comover”, não tendo, então, como ver.Diz que levaria tranqüilamente sua filha ao trabalho, caso lhe permitissem,amamentando-a sempre que fosse viável. É possível ver e ouvir o quanto sermãe, no tocante à amamentação, está colocado fora do espaço potencial:não há função materna, não há mãe simbólica, há corpo materno. Relata queapós sua ausência, quando retorna, Márcia gruda nela como “um chiclete”,agarra-se em seu corpo e mama pouco, pois sua vontade é de “cheirar ateta”. Todas as vezes que se ausenta ela reage da mesma forma. Acreditaque Márcia se sente carente por ter sido rejeitada na gravidez, podendo tervivido a rejeição em sua vida intra-uterina: “eu acho que fica alguma coisinhalá no íntimo, lá no subconsciente”. De quem fala?

Ana Maria não suporta o choro de sua filha, não suporta frustrá-la.Assim, não permite que a falta se instale, estabelecendo uma relação depresença massiva, provendo-a em suas necessidades (teta=mãe). De acor-do com Mannoni (1982/1986), há uma bipolaridade em jogo no vínculo entremãe e filho, devendo se estabelecer uma relação de presença-ausência paraque um sujeito psíquico possa advir. Assim, nesse caso, o que se estabele-ce é uma relação de completude em que não é permitida a instalação dafalta. Todavia, esta é necessária à constituição psíquica para que a falta setransforme em alavanca para a capacidade de simbolização. Essa alternânciapresença-ausência, segundo Bergés e Balbo (1996/1997), Mannoni (1982/

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Molina, S. E. (2001). A representação da vida e morte no laço mãe-bebê. Manus-crito não publicado.

da zona erógena. Porém, o que se destaca na interação da díade de mães ebebês asmáticos é o predomínio da ordem biológica, excluindo-se predomi-nantemente as vias respiratórias, que não transcendem a ordem da necessi-dade. Percebe-se que há falhas na função materna, pois, em alguns pontosinterativos da díade, há somente corpo materno, e não função materna.

Vários autores afirmam que as mães de crianças asmáticas sãosuperprotetoras. Há um superinvestimento materno, aludindo a essa formarelacional como uma das particularidades etiológicas da asma infantil. Afunção materna, nesse modelo de interação, tende a obstacularizar a auto-nomia e a independência do sujeito, sendo a doença asmática o ponto nodalque pautará o estilo da interação.

Pode-se pensar que a função materna em bebês asmáticos, em al-guns pontos do discurso, não opera, pois a via interativa transborda, e oexcesso materno, que, muitas vezes, vem com a roupagem de superproteção,inviabiliza que a falta se instale e que o simbólico venha a surgir, conformedestacado no aspecto da amamentação de Márcia. Nessas circunstâncias,a relação é tomada predominantemente pelo registro do real, fazendo comque a relação presença-ausência não ocorra de uma forma harmoniosa. Aonipresença da mãe impede que se instaure a função materna e, portanto,simbólica. A doença asmática demanda que a mãe se presentifique insis-tentemente, convocando-a nesse lugar presencial.

Se a criança não é ouvida no registro do desejo, ela não consegue tereficácia psíquica e, ao ser escutada predominantemente no registro da ne-cessidade, abre-se uma brecha para que o fenômeno psicoasmático se ins-tale. Conseqüentemente, são nos pontos de ruptura do circuito pulsional quea asma pode advir.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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à possibilidade da mesma em constituir uma pré-história para o filho. Dito deoutro modo, a pré-história fala tanto da subjetividade materna quanto do lugarque o bebê veio a ocupar na mesma. Algo que nos parece ser um indicadorda forma como será realizada a função materna. “A criança está presa nestamatriz simbólica, desde que nasce é jogada nela. A matriz simbólica vaidepender das tramas, das intersecções da cadeia significante com o discur-so” (Jerusalinsky, 2000, p. 11)3.

Mas, se falamos em uma determinação significante, que é anterior aonascimento, que função teria o trabalho analítico realizado numa UTI Neonatal,quando se trata de uma ruptura do frágil laço mãe-bebê, ocasionada por umasituação de internação provocada por um nascimento prematuro?

Primeiramente, só intervimos, porque a cadeia significante é passívelde deslocamentos. E, se há deslocamentos, há mudanças de lugares, o queimplica a possibilidade de uma nova posição do bebê no desejo materno.

Nesse contexto, falar em fragilidade do laço mãe-bebê implica ainexistência de um instinto materno que assegure a realização da funçãomaterna e que garanta a restituição narcísica que está em cena, para amulher, com o nascimento do bebê. Isto é, a ilusão de que este filho possatamponar uma falta, seja estrutural, ou ocasionada pelos vazios deixadospela vida (Sales, 2000)4.

É justamente essa gratificação narcísica, “presente-bebê”, que possi-bilitará à mulher fazer um luto do bebê imaginário e investir no bebê real queestá na sua frente. No sentido de que são as respostas do bebê aos cuidadosmaternos que irão resgatar a mulher do vazio deixado pelo parto, ao mesmotempo em que irão permitir ao bebê a saída da matriz simbiótica, presente nagravidez, e a sua referência a partir da matriz simbólica (Camarotti, 2000)5.

3 JERUSALINSKY, A. Como a Linguagem é Transmitida? In: Revista da APC: Psicanálise eClínica de Bebês. Ano IV – nº 4 – Dezembro de 2000. Publicação interna.4 SALES, L. M. M. A “Loucura” das Mães: Do Desejo à Realidade do Filho. In: A Clínica como Bebê. Cláudia Mascarenhas Rohenkohl (org.). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.5 CAMAROTTI, M. do C. De Braços Vazios: Uma Separação Precoce. In: A Clínica com oBebê. Cláudia Mascarenhas Rohenkohl (org.). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

DO “ENCANTAMENTO” NECESSÁRIO ÀREALIDADE DE UMA CONSTRUÇÃO

Michele Kamers1

Desde a Psicanálise, sabemos que, para um sujeito constituir-se, énecessário a presença de um Outro, representante do simbólico,que encarne a função materna para o pequeno. Como nos diz

Winnicott (1956)2, que ponha em cena uma certa “loucura materna”, no sen-tido de escutar, nos gritos do bebê, pedidos endereçados ao agente mater-no, que veja um sujeito no que ainda está por “advir”.

Partindo das formulações lacanianas, trata-se do momento da aliena-ção, este em que o vivente é capturado pelo desejo do Outro, sendo introdu-zido na matriz simbólica do casal parental. Contudo, parece-nos importanteressaltar que, antes mesmo do vivente vir ao mundo propriamente dito, háuma pré-história que o antecede e que produz nele marcas constituintes deseu lugar na cultura, numa geração, numa família, em outras palavras, nosimbólico.

Nos referimos ao lugar que os pais destinam ao futuro bebê e que estáintimamente relacionado com a maternagem exercida no mesmo. Algo quepode ser escutado a partir da escolha do nome, das fantasias dos pais e,principalmente, do discurso engendrado pelos pais em torno do bebê. Trata-se da cadeia significante familiar que, na gravidez, será a base para a cons-trução de dizeres a respeito do sujeito por vir.

Devemos salientar que uma “mãe suficientemente boa” (Winnicott,1956) é decorrente de uma construção. Em primeiro lugar, da forma como sedeu a resolução edipiana desta mulher, o que também se encontra articulado

1 Acadêmica do 10º semestre do curso de Psicologia da FURB – Universidade Regional deBlumenau e estagiária da UTI Neonatal do Hospital Santo Antônio da cidade de Blumenau.2 WINNICOTT, D. (1956). A Preocupação Materna Primária. In: Da Pediatria à Psicanálise:Obras escolhidas. RJ: Imago, 2000.

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SEÇÃO TEMÁTICA

equipe médica que está autorizada a intervir maciçamente sobre o corpo dobebê, sendo a única que supostamente teria o poder sobre o mesmo.

Falar em UTI Neonatal implica falar de um âmbito de atuação extre-mamente “fechado”, na qual se prima pela constância, pelo furor curandisem torno da vida e, principalmente, pela ausência de qualquer obstáculoameaçador a este grande útero que se propõe a “gestar” bebês. Palavras,choros, diferenças, agressividades, nem pensar! Isso poderia “prejudicar” obebê. As mães “descompensadas” são encaminhadas ao profissional “psi”para que não abalem o bom andamento do setor.

Em um trabalho de escuta que vimos desenvolvendo com a equipe,percebemos a dificuldade desta em falar dos bebês da UTI. Nesse contexto,gostaríamos de destacar uma situação muito curiosa.

A equipe da noite nos pede que trouxéssemos algum material sobrelimites de crianças com idade entre um a dois anos, justamente a idade naqual se encontravam os filhos dessas mulheres.

Após ter questionado o grupo a respeito desse pedido, encerramosesse encontro com uma pergunta dirigida ao grupo: “Por que é tão difícil falardos bebês da UTI, enquanto que se tem tanta facilidade para falar dos outrosbebês?”. Intervenção que produziu efeitos muito interessantes. Pois, de fato,eram dos bebês da UTI que elas falavam, mas não sabiam.

No encontro posterior com essa equipe, os integrantes nos trazemalgo muito precioso: “Os bebês da UTI são diferentes dos outros bebês”(sic). Diante de nossa indagação, as mesmas trazem que esses bebês NÃOrespondem. Eles não são como os outros bebês, que vêm abraçar, que sor-riem quando são abordados e que se pode ver o desenvolvimento, por exem-plo, começar a andar, balbuciar, comer, entre outros. Isto é, o que este grupoestava dizendo era: os bebês da UTI não têm infância, não se desenvolvem,pois, o que se espera deles é que vivam e, quando isso é possível, sãolevados embora!

Ou seja, estes bebês não possibilitavam a estas mulheres, que aliocupavam a função materna para eles, o retorno narcísico esperado de umamãe – posição ocupada por essas profissionais. Diante da não resposta do

No entanto, com o desencadeamento do parto prematuro, a mulherfica impossibilitada de se recompor narcisicamente com o nascimento dofilho, já que ela “fracassou” em segurá-lo, atualizando-se aí a sua incapaci-dade materna e a onipotência de sua própria mãe. Em segundo, de investirsua libido no bebê, já que este é “prova real”, testemunho de seu fracassoenquanto mãe, mostrando-se como “(...) um real que irrompe no tecido sim-bólico que até então estabelecia as representações que permitem em umafamília a sustentação simbólica da chegada de um recém-nascido”(Jerusalinsky, 1996, p.50)6. E, por último, a realização “concreta” de um de-sejo de morte sobre o bebê, que até então se encontrava na fantasia. O quepode transformar o bebê em um objeto persecutório, inoportuno e indesejá-vel, já que ele é responsável pela ferida narcísica dessa mulher (Sales, 2000).

A partir desse contexto, sabemos que uma intervenção faz-se neces-sária. O trabalho analítico na UTI Neonatal faz-se urgente!

Com o bebê, no sentido de que a subjetivação depende da presençade um Outro desejante, representado por um outro de “carne e osso”, masque, nesse momento, se encontra impossibilitado para ocupar esse lugar.Quem irá ocupar?

Com os pais, na direção de “reanimá-los” para que ocupem seu lugarde desejo frente ao bebê. E, por último, com a equipe, para que a mesmanão se “apodere” do vivente, (des)autorizando os pais, ao mesmo tempo emque possa realizar a função materna para ele. Isto é, para além do risco damorte real, é a possibilidade da não subjetivação que se faz presente.

Nesse sentido, pensamos que o primeiro aspecto a ser levado emconta, nesse contexto, é o possível lugar ocupado por cada personagemnesta cena edípica, onde o falo, agora, se encontra do lado da equipe médi-ca. O que, numa gestação sem maiores problemas, se encontraria do ladoda mãe, já que o suposto saber sobre o bebê seria dela. Nesta situação, é a

6 JERUSALINSKY, J. Do Neonato ao Bebê: A Estimulação Precoce Vai à UTI Neonatal. In:Revista Estilos da Clínica. Instituto de Psicologia – USP – Vol. 1, nº 1. São Paulo: USP-IP, 1996.

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SEÇÃO TEMÁTICA

lugar para falar disso! E, levando-se em conta que é essa mesma equipe queexerce a função materna para o bebê nos momentos da ausência materna, oque na UTI Neonatal ocorre quase todo o tempo é, de fato, a não subjetivaçãodo bebê que se encontra em cena.

Nesse percurso, podemos afirmar que a equipe tem um saber que éimprescindível ao trabalho do profissional “psi”, já que é essa equipe quepercebe os pais, que está em contato direto com os bebês e, principalmen-te, que pode, ou não, autorizar os pais junto ao seu bebê.

Desta forma, levando-se em conta a posição de desejo da equipefrente ao pequeno, poderia ela, ao invés de rivalizar com os pais, ajudá-los ase autorizarem frente ao seu bebê, servindo então como espelho para aantecipação subjetiva do vivente?

bebê a seus cuidados, elas desistiam de investir no mesmo, pois, como nosdiz Freud (1914, p. 98)7, “O amor dos pais, tão comovedor e no fundo tãoinfantil, nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido, o qual, transfor-mado em amor objetal, inequivocadamente revela sua natureza anterior”.

Os bebês da UTI não oferecem a estas mulheres o retorno narcísicopor elas esperado, já que a única coisa a supor neles, é que vivam e, quandoisso acontece, elas são abandonadas!

Após estas falas, pudemos entender que esse grupo se perguntavanão sobre os limites que se devem dar às crianças pequenas, mas doslimites daqueles bebês em responder aos cuidados dessas profissionais edos limites das mesmas, em suportar a ferida narcísica provocada pela nãoresposta dos pequenos.

A partir do momento em que apontamos isso ao grupo, estas se põema falar acerca de suas angústias em relação a esses bebês, ao mesmotempo em que se referiam ao encantamento nelas provocado pelas criançasmaiores, que respondem aos seus chamados, como é o caso de uma garo-tinha de dois anos que, devido a uma síndrome, é moradora do setor. Deta-lhe: ela tem até o crachá de membro da equipe!

No final desse encontro, enquanto fazíamos alguns apontamos sobreo que o grupo tinha trazido, uma das profissionais associa livremente e deixa“escapar” a seguinte fala: “Você faz a diferença!”. Prontamente olhamos paraela e a mesma nos diz: “É, é a fala de um texto que eu ganhei de umaprofessora”.

Isto é, essa profissional pôde escutar que a sua posição faz a diferen-ça para os bebês que cuida. Certamente, desde Freud, sabemos que essaassociação não se deu ao acaso!

Trouxemos esse relato no intuito de apontar que a equipe tambémsofre pelo mesmo motivo que os pais – a dor narcísica e a ausência de um

7 FREUD, S. (1914). Sobre o Narcisismo: Uma Introdução. In: Edição Standard das ObrasCompletas de Sigmund Freud. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

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SEÇÃO DEBATES

efeitos são diminutos ou inexistentes. Idem no caso de drogas, onde a rela-ção com o fornecedor pode ser singular.

Para ver isto, voltemos à questão do corpo. O homem, desde o mo-mento em que fala, já está implicado em seu corpo pela palavra. O corpo,para o sujeito, para o ser falante, é o corpo falado. Este corpo falado tambémé o corpo investido. É o narcisismo dos pais que vai tornar o corpo erógeno,vai falar, organizar, produzir ideais no corpo dos filhos. Para uma mãepsicótica, ou para uma mãe melancólica, o corpo do filho pode ser apenasuma coisa qualquer.

Ocorre que no narcisamento, mesmo normal, algo sempre fica fora.Então, este corpo falado, este corpo investido, sua totalidade já está, deinício, comprometida. Outro exemplo é o corpo despedaçado dos psicóticose a perda dos limites do corpo.

Trata-se, então, sempre de uma superação essencial com certa partedo corpo, como algo separado que sustenta, que mostra uma relação que denenhum modo está localizada. Esta parte perdida vai ser chamada de objetopara dizer que se trata de certa relação permanente com um objeto perdidocomo tal. A proposta imediatista é de repor esta perda com objetos ideais,com coisas substitutas. A busca de coisas que possam tapar este buracoimpreenchível pode se tornar intensa. O mercado de consumo promete acompletude a cada nova compra que possamos fazer – pode ser a comprade um carro, de drogas, de remédios, de uma psicanálise, enfim, em setratando desta promessa de recuperar esta parte de nossa carne tomada namáquina formal. É a busca para reencontrar esse objeto perdido, para sem-pre irrecuperável, perdido nos diferentes níveis da experiência corporal emque se produz o corte no trabalho do significante. Isto é o substrato da fun-ção da causa. A causa é o corpo parcial.

Entramos, agora, então, na questão da causa. Pergunta que semprese repete, qual é a causa disto, doutor?

A causa sempre surge em correlação com o fato de que algo é omiti-do na consideração do conhecimento, algo que é precisamente o desejo queanima à função do conhecimento. Cada vez que se invoca a causa, ela é de

O CORPO E AS TERAPIAS

Adão Costa1

Vou lhes propor uma fala a partir do corpo. O que é um corpo? Comose organiza um corpo? Um corpo, a princípio, pode ser consideradocomo uma totalidade. E, para a medicina, poderíamos pensar que

um corpo funciona globalmente: que um estímulo qualquer produz efeitos nasua totalidade2.

Teríamos que falar, ainda, sobre o lugar diferenciado que cada vezmais as ciências ocupam em nossas vidas. São inegáveis os avançostecnológicos em que vivemos.

Assistimos muitos desses avanços pela imprensa. Então, é normalque tenhamos sentimentos e que estes sentimentos, tanto de alegria, comode tristeza, tenham suportes bioquímicos. Também é normal que se possaagir sobre estes sentimentos modificando os fatores bioquímicos sob a açãofarmacológica. Pode-se até provocar sentimentos de bem-estar puramenteartificiais, independentes do sujeito. Hoje em dia pode-se produzir de formaartificial, por meios farmacológicos, ereções em sujeitos machos. Pode-sefazer dele um puro mecanismo. Trata-se de um ideal científico e a ciênciacontinua progredindo sobre isto. Mas, se estes progressos deixam de lado osujeito, cabe-nos tomar o cuidado para não deixarmos de fora a transferên-cia: uma psicanálise só se dá no campo da transferência. No dizer de C.Melman os progressos das ciências tornam-se uma boa notícia para os psi-canalistas, quer dizer que, pouco a pouco, os psicanalistas vão ser indis-pensáveis.

Voltando à questão da psicofarmacologia, sabemos que o que é to-mado, é tomado dentro de um campo de transferência. Caso contrário, seus

1 Texto discutido na HYBRIS com Maria Auxiliadora P. Sudbrack.2 Conceitos trabalhados a partir de J. Lacan e C. Melman.

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podemos articular com a idéia de “cepa”, de cepa onde ali algo sobrevive. Umresto que sempre voltará: enquanto cepa (bacteriana), enquanto vida que serenova, enquanto racismo que se reacende, enquanto lutas que se perpetu-am, enquanto drogas que se nos consomem.

Porém, para a psicanálise, a estrutura do objeto não se detém nolimite onde devemos encontrá-lo como separado. Não devemos falar da ex-periência narcisista, nem falar da imagem do corpo em sua totalidade, massim do espelho enquanto que é esse campo do Outro onde deve aparecerpela primeira vez o objeto, ou ao menos seu lugar. Vai aparecer não comoprojeção, se não como o que há do eu mesmo no exterior, ali está comoseparado de mim, sem que eu o veja.

A constituição deste objeto, chamado objeto a, que nada mais é doque uma letra – esta letra que deixa de ocupar um lugar positivo enquantocarro, drogas, álcool, comida, fármacos e outras coisas – vai sustentar odesejo do sujeito, enquanto separação do desejo do Outro, enquantodisjunção entre desejo e gozo. A constituição deste objeto separável estáem relação com a constituição do sujeito. Trata-se, então, da castração.

É a criança que se desmama, é a criança que se separa do peito namedida em que se constitui sujeito. Ao se constituir sujeito, ao ocupar lugarno discurso, o falante vai esvaziar o objeto (sua fissura).

A direção de uma cura aponta para o esvaziamento do lugar dos obje-tos (vozes, drogas,... etc) nos cortes da castração significante, onde nodizer de Lacan, a tragédia vira comédia.

O psicofármaco, o analista, o terapeuta, etc, vão ocupar inicialmenteum lugar de ideal, cujo fim da análise é justamente esvaziá-lo. Quer dizer,uma cura é poder se defrontar com o vazio do lugar do objeto. Defrontar-secom o vazio de pedaços do Real. Isto é a castração, no corte do nó borromeano,onde se amarram os registros do Simbólico, Imaginário e Real. É o corte donó que vai possibilitar a caída do objeto, até então preso nos enlaces, nasleis, nas alianças, nos compromissos, nos efeitos que respondem num su-jeito a uma determinada demanda ao quais vão interferir os de uma posiçãoem relação ao outro que ele sustenta enquanto sujeito.

certo modo a sombra do que é ponto cego na função desse conhecimento. Araiz do conhecimento é o compromisso com seu corpo. A crítica da causavai buscar seu fundamento, sua raiz, nesse objeto oculto, nesse objetosincopado (objeto cortado do corpo).

Então, o homem desde o momento em que fala, desde o momentoem que entra no campo do simbólico, vai se constituir por um lado enquantosujeito e por outro deixa um resto. Um resto de seu corpo não simbolizado.É um resto no Real. Sujeito falante e objeto oculto vão construir a fantasia.

Mas na fantasia, em determinada fase de seu funcionamento, a fun-ção do objeto se apaga e desaparece. É no campo da olhada, principalmen-te, onde o objeto está mais oculto. É a fantasia, cuja fórmula lacaniana($ a) é a que faz existir o sujeito por aquilo que o causa, quer dizer, por seupróprio objeto. Diferentemente, os objetos, as coisas de consumo, estãonum campo em que se repetirão infinitamente na busca desesperada dofalante para encontrar o objeto que o causa, mas se buscado nas coisas darealidade, nos fatos da realidade, apenas perpetuam-se em uma substitui-ção infindável. Carro, drogas, fármacos, comida, álcool... Coisas que adqui-ram valor ideal.

O mercado se serve desta fenda na constituição do sujeito oferecendoo ideal do igualitarismo distribuicionista do gozo, jogado, por sua vez, no afãdo lucro (mais-valia), conseguindo produzir dessa forma verdadeiros escra-vos consumidores. Isto é bom para o mercado.

Mas a fórmula da fantasia explica que o desejo é organizado em nósde forma perversa, uma vez que o oferecimento do objeto é justamente paracompletar o Outro. Reencontramos na fórmula da fantasia este algo separa-do, algo feito estátua, algo desde este momento inerte: é a libra de carne.Aquilo que fica na condição de reserva, reservado na fantasia, como o falanteque diz: tenho vergonha de falar isso. Mantém sua reserva para poder seguircom isso. A libra de carne que, como diz o texto do Mercador de Veneza, deShakespeare, tem que ser tirada bem perto do coração. Quer dizer, é sem-pre com nossa carne que devemos acertar as contas. Carne que nunca foiposta em jogo, tem função de resto, tem função de zona sagrada, a qual

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RESENHA

OS MONSTROS FAZEMBEM À SAÚDE

CORSO, Mário. Monstruário. Porto Alegre, Tomo Editorial,2002. 174p.

Se toda obra, ainda que no fundo almejeser uma obra-prima, tem pelo menos al-gum ponto vulnerável, Monstruário (Tomo

Editorial, 2002), de Mário Corso, talvez tenha oseu na própria introdução. É que antes de o autordar início a uma apresentação vigorosa e peculi-ar dos monstros do folclore brasileiro, ele mandaum recado para os seus colegas psicanalistas:“... isso não é nenhuma contribuição à psicanálise”.

A rigor, não é; e mais do que vulnerável ou fraco, o ponto seria sincero.Afinal, ao longo de 174 páginas, Monstruário conta histórias de monstros,nossos monstros, sem filiar-se a teorias por aí vigentes e muito menos àpsicanalítica, à qual se filia o autor. E o que lemos é um trabalho que poderiaser catalogado de folclórico, se considerarmos o exercício de coleta e apre-sentação de personagens de nosso folclore como a sedutora Alamoa ou aassustadora Alma Penada. E, como em todo bom folclore, o que ele faz écontar, revelando mitos de nosso imaginário brasileiro (e universal) desde ostempos do Brasil Colônia até os dias de hoje. Mas o fazendo com habilidadenarrativa e uma estrutura rítmica presente até mesmo na extensão de cadarelato (de duas laudas), o texto também adquire o estatuto de literário, po-dendo ser lido como pequenos contos, repletos de personagens. Lá estãoas Amazonas, ferozes guerreiras oriundas da Grécia e o Bicho-papão, vindode lá sei onde.

Porque também nisso encantam essas histórias populares, ou seja,no fato de serem contadas de geração à geração, polidas século a século,sem que possam desvendar suas origens nem mesmo pesquisadores deponta como o folclorista russo Vladimir Propp ou o nosso Câmara Escudo. É

Darmon ao falar sobre o nó que desata3 , vem ao encontro do queestudo há vários anos. Uma psicanálise desfaz o nó? Ele diz que Lacanrespondeu muitas vezes esta questão pela negativa. Mas o fato é que Darmonavança neste sentido, seguindo os movimentos de Lacan. Meu estudo tomapreferencialmente a própria definição de nó borromeano que, ao ser cortado,se verifica.

3 Correio da APPOA de junho - 2002

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RESENHA RESENHA

de de simbolizar, fruto de um processo gradual iniciado já ao longo do primei-ro ano de vida, é a marca de uma boa evolução psíquica, marcada pelaconquista de uma estrutura presente nos mitos e nas personagens comoessas apresentadas pelo autor. Lobisomem, Lobo-mau, Cuca podem serlidos como representações de nossa vida psíquica mais arcaica, porém jánão assustadores, uma vez que, nomeados, tornam-se protegidos pela artee pela metáfora desses relatos que o autor recupera com presteza. E, umavez existindo, como desenvolve Corso, tornam-se um meio precioso paranos ajudar a dominar a angústia do desconhecido, transformada agora emmedo, com objeto, personagem e tudo.

Mas pouco depois daquele eventual ponto vulnerável contido na intro-dução, o autor parece recuperar-se com brilho ao recomendar, apesar de serele próprio um psicanalista, muita cautela com as interpretações. E chega adizer com graça: “Para perguntas sem respostas é que existem os mitos”.Antes ainda, já havia brilhado ao atribuir a esses mitos a qualidade de serem“geradores de sentidos”. Aqui se situa outro ponto forte e sábio dessas per-sonagens populares e, com elas, do Monstruário; muito mais do que reduzi-rem a experiência humana a uma resposta ou a uma interpretação, sãocapazes de dar a ela o acesso a infinitas possibilidades, o que Umberto Ecochamou de obra aberta, e psicanalistas contemporâneos como AntoninoFerro ou René Diatkine chamam de campo aberto para o pensamento, obje-tivo primordial de um trabalho terapêutico eficaz.

Se os contos populares estão dispersos ao longo de toda a obra deFreud, foi Bruno Bettelheim, o autor da Psicanálise dos Contos de Fadas,que os reuniu em uma única obra, aberta e pioneira, demonstrando o quantocada um de nós, adultos e crianças, podemos utilizar as narrativas popula-res conforme as nossas necessidades no momento e, assim, amadurecerpsiquicamente ao inventar algum sentido para a nossa vida. Nesse caso,cada um constrói o monstro que pode ou aquele de que precisa.

Além de qualquer terror, repletos de sentidos, os monstros deMonstruário dão-nos um prazer enorme, que é o de ir encontrando nomespara as nossas coisas indizíveis e soluções imaginárias para os nossosdilemas principais. Isso sem contar as referências que nos fornecem no

tentar bisbilhotar o passado dessas histórias que, passando por versõeseternamente em mutação, nunca se atinge o ponto inicial. O início parecemesmo o começo dos tempos, a origem de tudo enfim.

Mas não parece ser esse o objetivo de Corso, e também aí avulta adensidade do seu livro, que tem a coragem de recuperar o sentido do relatoe, simplesmente, contar. Contar histórias como a do Bicho-do-mato, queerra perdido nesta terra depois de uma vida de pecados. Ou a do Berrador,entidade que berra noite adentro e, no Rio Grande do Sul, é a alma de umfilho amaldiçoado por uma mãe a quem humilhou e torturou depois de arrastá-la como um cavalo.

Por essas histórias e tantas outras, Monstruário é sim uma contribui-ção à psicanálise, e não só por causa das nuances de representações denossa vida inconsciente que o psicanalista acrescenta em seus relatos, dife-renciando-o, de certa forma, de outros estudos folclóricos como os de Câ-mara Cascudo. Mas também porque, atualmente, a saúde mental, mesmoque ainda valorize conceitos como o de uma “mãe suficientemente boa” (docélebre psicanalista inglês Winnicott) ou aquela mãe capaz de conter asansiedades da vida primitiva de seu bebê, preconiza cada vez mais a impor-tância de “mães suficientemente narrativas”, como expressou o psicanalistafrancês, especialista na linguagem dos bebês, Bernard Golse. Porque sedas mães é exigida a capacidade de olhar, tocar e assim tranqüilizar os seusrebentos, boa parte do processo pode e dever ser atingido pela capacidadeda mãe de inserir-se, junto com o filho, em um espaço narrativo com tudo aque esse tem direito: ações desenvolvidas em um determinado espaço etempo, encontro (como o do leitor e do autor através da obra), e tudo emnome da expressão de nossos afetos e sentimentos fundamentais. Assim,não raros são os profissionais dessa área que valorizam a importância donarrativo como material e instrumento terapêutico, como por exemplo o ame-ricano Roy Schaffer a propósito de adultos, situando os benefícios de umprocesso analítico como aqueles que ocorrem em um campo sobretudo nar-rativo. Ou o suíço Daniel Stern, sobre crianças, ao utilizar a metáfora de umenvelope (narrativo) para ilustrar tudo o que de mais importante acontece nodesenvolvimento do aparelho mental de uma criança. O acesso à capacida-

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RESENHA RESENHA

AVENTURAS DO SENTIDOPSICANÁLISE E LINGÜÍSTICA

SCHÄFFER, Margareth; FLORES, Valdir do Nascimento;BARBISAN, Leci Borges (Orgs.). Aventuras do sentido –psicanálise e lingüística. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.364 p.

Após percorrermos algumas páginas de“Aventuras do sentido”, vemos justificadaa utilização do termo “aventura” em seu

título. Durante a leitura, experimentamos o sa-bor de descobrir alguns caminhos que parecemter sido pouco explorados até então. O diálogoentre a psicanálise e a lingüística, que teve início com a articulação, feita porLacan, das idéias de Saussure e de Jakobson com a leitura de Freud, temsido pouco trabalhado, tanto por psicanalistas quanto por lingüistas. Ao queparece, é a possibilidade de interrogar a fronteira destes dois diferentes cam-pos conceituais que dá a esta obra seu caráter de novidade e originalidade.

O livro reúne uma série de trabalhos cuja problemática central é aarticulação entre a psicanálise e a lingüística. O conjunto de textos caracte-riza-se pelo rigor e profundidade com que os dois campos são abordados.Ao longo da obra, vemos muitos temas caros à psicanálise – como adenegação, a interpretação, a neurose e a psicose – sendo trabalhados à luzdos conceitos da lingüística, bem como importantes contribuições feitas àlingüística pela teoria psicanalítica do sujeito.

O primeiro capítulo traz uma reflexão sobre a necessidade e a nature-za da articulação entre a psicanálise e a lingüística que, segundo os auto-res, giram principalmente em torno do eixo sujeito/sentido. A lingüística com-porta teorias muito diversas e, só recentemente, tem se voltado para a psica-nálise a fim de buscar uma abordagem do sujeito que subverta as interpreta-ções clássicas do esquema da enunciação, as quais dão ênfase às relaçõesentre um “eu” e um “tu” como unidades transcendentes e dotadas de intenção.

sentido de nos inserirem dentro de uma cultura, à qual, através deles,nos afiliamos.

Monstruário pode não ser, enfim, uma contribuição direta à psicanáli-se; nem mesmo um exercício de psicanálise aplicada, como preveniu o au-tor na já citada introdução. Mas o livro tem méritos de sobra para, se bemcontado, bem ouvido e bem narrado, tornar-se uma contribuição efetiva paraa nossa saúde cultural, estética e, de quebra, mental.

Celso Gutfreind1

1 Celso Gutfreind é escritor e psiquiatra, tem vários livros publicados entre poesia e literaturainfantil. Realizou, na França, doutorado em psicologia sobre o tema da utilização terapêuticados contos com crianças separadas de seus pais.

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RESENHA RESENHA

sentido/referente, pois, nesse caso, sinal e referente estão colados. Assim,enquanto no discurso da neurose há uma denegação central, que dá sentidoàs outras denegações ou tentativas de denegação; na psicose, não hádenegação. O “não” encontra-se colado à coisa, trazendo pelo menos doisefeitos: a ausência de antecipação e o efeito enunciativo de uma monofonia,isto é, o não estabelecimento de uma relação dialogizada com osenunciadores. Uma distinção importante, apontada neste capítulo do livro, éentre os casos de psicose, em que não aparece a denegação, e aqueles emque encontramos uma tentativa de denegação, o que aponta para uma tenta-tiva de simbolização.

Em “A negação: um problema mal colocado?”, Margareth Schäffertrabalha a problemática da negação tanto do ponto de vista da construção doconhecimento como da constituição da subjetividade. A autora discute algu-mas concepções que procuram pensar o modo de construção da negaçãono campo da filosofia e no campo da psicanálise. A seguir, faz umaproblematização do que chama “o elogio da negação” e “o elogio da afirma-ção”.

No capítulo sobre “A constituição da subjetividade: a questão dosignificante”, de autoria coletiva, o tema da psicose é novamente trabalhado.Dessa vez, para analisar o papel do significante na constituição de sentidono discurso de sujeitos psicóticos. A hipótese proposta é de que o significantecontribui para a constituição de um sentido compartilhado e reconhecível naenunciação do neurótico, enquanto no psicótico o que se produz é umestranhamento de sentido na enunciação. Para tanto, são tomadas as ba-ses comuns entre o conceito de significante na lingüística e na psicanálise.Os autores percorrem o modo como a lingüística e a psicanálise entendem anoção de significante e ressaltam suas possíveis articulações.

O trabalho com o conceito de significante a partir dos campos dapsicanálise e da lingüística é retomado nos dois capítulos finais do livro. Em“Lacan e a lingüística saussuriana: um tiro que errou o alvo, mas acertou namosca?”, Mônica Nóbrega traz uma importante contribuição para o trabalhocom este conceito, ao situar os pontos de convergência entre as noções de

No segundo capítulo, sob o título “Freud e a autonímia”, Michel Arrivétoma o aforismo lacaniano “não há metalinguagem” para interrogar a questãoda metalinguagem e da autonímia em Freud. Entre outras questões, levantaa hipótese de que este aforismo lacaniano já possuía um antecedentefreudiano e, para demonstrá-la, retoma a abordagem freudiana do sonho.Assim, utilizando o modelo freudiano de interpretação do sonho, o autorafirma que, já na obra de Freud, podemos encontrar o aforismo “não hámetalinguagem”.

Escrito por diversos autores, “A denegação na neurose e na psicose”aborda o processo de denegação através da análise do discurso de sujeitosneuróticos e psicóticos, buscando construir um modelo para estudar a basecomum entre a negação na lingüística e a estrutura da denegação na psica-nálise. A partir do campo da lingüística, somos apresentados à concepçãode negação de Oswald Ducrot, categoria a que pertence a denegação e queeste autor denomina “negação polêmica”. A seguir, encontramos uma exten-sa e bem fundamentada abordagem do processo de subjetivação desde oenfoque psicanalítico, para demarcar o modo como a denegação aparecenesse campo teórico e para diferenciar o modo como se estruturam a neuro-se e a psicose nesse processo. A psicose é definida como uma falha naorganização dos significantes, ligada ao símbolo “não”, e que leva o sujeito anão conseguir simbolizar o real da mesma forma que o neurótico. Este fra-casso da simbolização pode dar origem tanto à fixidez do significante emuma significação dada quanto à deriva em um deslizamento infinito de senti-do. Na psicose não há denegação, já que, se não há uma admissão primor-dial, não há sobre o que denegar.

As questões do discurso psicótico também são abordadas através dalingüística, com o estudo da linguagem em Saussure e do estatuto do refe-rente em Frege e Russell. A fixidez da “palavra-coisa” na psicose subverte oprincípio da arbitrariedade do signo lingüístico descrito por Saussure, poisnão conserva o elo arbitrário entre significante e significado, pautado pelaidéia de valor na teoria saussuriana. Já em relação ao referente, o psicóticonão leva em conta a dimensão simbólica inerente ao sistema triádico sinal/

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RESENHA RESENHA

sa passar por todas, sem privilegiar uma delas em particular. Porém, napsicanálise, há um ato de interpretação que escapa ao paralelo com a con-cepção de interpretação na análise do discurso. Na psicanálise, a interpreta-ção possui a dimensão de ato, que tem lugar na cena enunciativa da transfe-rência. Com a interpretação psicanalítica, é possível ir além da simples indi-cação de outras leituras.

A discussão já exposta nos dois capítulos anteriores, a respeito dasconcepções de significante em Saussure e Lacan, é retomada aqui, na pro-posta de uma interlocução entre o pensamento dos dois autores. O proble-ma saussuriano do recorte das unidades é examinado, já que as possibilida-des de corte são fundamentais para a atividade de interpretação na clínicapsicanalítica.

Finalmente, o autor introduz sua própria concepção em relação à ques-tão da interpretação, a partir do conceito lacaniano de ponto de estofo ou decapitonê. A interpretação é conceituada como uma operação de capitonagemna qual aquilo que insiste no relato da história do sujeito é enlaçado aosuniversais descritos por Ernest Jones e retomados por Lacan em seus “Es-critos”. A seguir, encontramos a aplicação desse modelo de interpretação aoclássico caso do esquecimento do nome Signorelli, descrito por Freud em“Psicopatologia da vida cotidiana”. No final do artigo, o autor nos brinda comalguns belos exemplos de trabalho analítico, a partir dos quais é possívelanalisar as diversas modalidades de intervenção do analista – pontuação,escansão e interpretação.

Estes são alguns dos pontos trabalhados neste livro. As contribui-ções que este conjunto de textos reúne são de grande interesse tanto paraaqueles que trabalham com a psicanálise quanto para os que se dedicam àlingüística. Certamente, podem ser o ponto de partida para que o frutíferodiálogo entre estas duas disciplinas possa seguir sendo ampliado. Espera-mos que o grupo que produziu esta obra siga com suas “aventuras” nestafronteira, pesquisando esta tão rica e pouco explorada zona.

Gerson Smiech Pinho

significante em Lacan e Saussure. Segundo esta autora, Lacan, ao abordara noção de signo lingüístico, acerta em cheio o núcleo base da preocupaçãosaussuriana – a noção de sistema lingüístico. O modo como os significantesse articulam em Lacan é semelhante ao modo de funcionamento da línguaem Saussure. Assim, segundo a autora, Lacan, ao criticar Saussure, esta-ria, na verdade, sendo saussuriano.

O artigo de Francisco Settineri, “Quando falar é tratar: o funcionamen-to da linguagem na interpretação psicanalítica”, tem como tema central ainterpretação. Nele, o autor analisa o funcionamento da linguagem nas inter-venções do psicanalista sobre a fala dos analisantes, as quais operam cor-tes e alteram o sentido do que é dito, promovendo o surgimento de um sujei-to desejante.

A discussão sobre este tema inicia com uma reflexão sobre o concei-to de inconsciente – hipótese fundadora da psicanálise – e suas relaçõescom a linguagem. Na abordagem proposta pelo autor, acompanhamos a ela-boração desse conceito desde a primeira tópica freudiana até a propostalacaniana do “inconsciente estruturado como uma linguagem”. Este últimoponto é extensamente explorado, passando por textos fundamentais sobreas concepções de Lacan a respeito desta questão.

O ponto seguinte examina o dito espirituoso ou chiste, buscando com-preender seus mecanismos. Além da teoria psicanalítica, o autor analisa ochiste a partir da teoria polifônica da enunciação de Ducrot. Esta teoria, jáapresentada ao leitor no capítulo sobre a denegação, é retomada para serconfrontada com as análises freudianas a respeito da técnica do chiste.Mesmo que Ducrot fale em “enunciado humorístico” e Freud, em “chiste”, háuma relação entre ambos, na medida em que são situações linguageiras queprovocam desconcerto com a emergência de um sentido cômico onde pare-ceria não haver sentido.

A seguir, o autor trabalha duas tradições em relação à questão dainterpretação: a análise de discurso e a psicanálise. Ambas distanciam-seda hermenêutica, pois para elas interpretar não consiste em fixar significa-dos, mas oferecer a possibilidade de outras leituras, permitindo que se pos-

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RESENHA RESENHA

A criança é marcada por movimentos que a remetem à letra e aodiscurso, instâncias simbólicas que o transitivismo aponta em seu horizon-te. Neste, a mãe transitivista é aquela que atribui a seu filho a hipótese deum saber e ao mesmo tempo lhe outorga a possibilidade de construí-lo apartir de uma posição marcada pelo desconhecimento. Ao contrário, a mãeque “sabe tudo” não possibilita à criança a constituição de um saber marca-do pelo simbólico, mantendo-a presa a uma posição de objeto, impossibili-tando-a de ingressar na travessia do transitivismo. Essas são algumas refe-rências que podemos encontrar no trabalho de elaboração efetuado por Bergèse Balbo, a partir de sua rigorosa reflexão teórico-clínica.

Para além do laço primordial entre a mãe e a criança, os autoresremetem-se a outros campos nos quais se encontram em jogo as posiçõestransitivistas. A professora, em outro momento da vida da criança, tambémcoloca em cena estes movimentos. A este respeito, os autores escrevem:

“Se, no ‘revezamento’ transitivista, a criança recebe o ‘bastão’3 desua mãe e se torna, por sua vez, transitivista, a clínica mostra que outraspessoas vão, também, tomar desse “bastão” e passá-lo adiante: professorese educadores especialmente, que vão, eles próprios, exigir da criança queela se identifique a seus discursos sábios, porque fazem a hipótese de queo que eles lhe transmitem se articula a um saber que ela já possui. Naclínica, os fracassos das aprendizagens não podem ser corretamente abor-dados se não se levam em conta os desvios do transitivismo” (p.12).

 Lacan refere-se ao transitivismo em vários escritos, entre estes Aagressividade em psicanálise, onde escreve que no momento especular acriança apresenta na presença de seu semelhante um comportamento plenode “(...) reações emocionais e testemunhos articulados de um transitivismo

3 As tradutoras referem-se ao bastão como sendo uma metáfora de um elemento simbólicoque supõe revezamento e que é parte do processo de transmissão. Aludem ao jogo dobastão, em que os corredores o passam um ao outro, revezando-se, mas mantendo oprocesso do mesmo. O excelente trabalho de tradução desse livro esteve a cargo deÂngela Vorcaro, Nina Virgínia de Araújo Leite e Viviane Veras.

JOGO DE POSIÇÕES DA MÃE EDA CRIANÇA – ENSAIO SOBRE

O TRANSITIVISMO

BERGÈS, Jean e BALBO, Gabriel. Jogo de Posições damãe e da criança – Ensaio sobre o Transitivismo. CMCEditora: Porto Alegre, 2002. 135p.

“(...) a verdade não fala dodizer do analisante e não dá

consistência ao ato do analistasenão por se sustentar em

um desconhecimento 1”.Jean Bergès e Gabriel Balbo2

Jogo de Posições da mãe e da criança – Ensaio sobre o transitivismo,novo lançamento da CMC Editora, é um livro que traz uma reflexãoinstigante sobre esse tema que se encontra em cena na subjetivação

primordial da criança, mas que revela suas formações em outros camposonde se tece o laço social.

Reportando-se às origens conceituais do transitivismo, a partir dosestudos psiquiátricos sobre as psicoses, das contribuições de Wallon e,posteriormente, de Lacan, Bergès e Balbo analisam as configurações emque o transitivismo se enlaça, para além de uma relação biunívoca. Essesjogos de posições se entrelaçam nos registros do real, do imaginário e dosimbólico, apontando para a importância da contribuição de Lacan ao repor-tar-se ao discurso que os veste e que os constitui.

1 Bergès, Jean e Gabriel Balbo, Jogo de Posições da mãe e da criança – Ensaio sobre oTransitivismo, CMC Editora, Porto Alegre, 2002, p. 135.2 Jean Bergès é neuropsiquiatra, psicanalista da Association Lacanienne Internationale, ex-chefe de Clínica da Faculdade de Paris. Gabriel Balbo é psicanalista da AssociationLacanienne Internationale, responsável pela revista La psychanalyse de l’enfant, diretor depublicação do JFP (Journal Français de Psychiatrie).

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RESENHA RESENHA

se” a respeito da posição do analista, que este reconstrói “no só-depois, e apartir da hipótese de uma demanda que ele supõe no paciente, toda a etiologiado sintoma, do mesmo modo que o arqueólogo, de posse de um pouco derestos, reconstrói a cidade que acaba de descobrir” (p.152). As cidades pordescobrir, nesta travessia pelas formações do inconsciente, são reconstru-ções que se encontram em uma direção oposta à via racional e compreensi-va.

Sobre as palavras construção e reconstrução, que se encontram emjogo no processo analítico, sua história aponta para os fios que tecem laçosa inventar:

Construir: amontoar, empilhar por camadas ordenadas.Reconstruir: encontrar uma realidade desaparecida.Dessa forma, Bergès e Balbo finalizam seu trabalho, apontando que,

na análise, “o analista tem que inventar um real”6.

Ana Marta Meira

6 Afirmam que o engodo fálico da eficiência é o motor da queda do sintoma que acaba porarrastar consigo a própria criança.Ver o capítulo Observações sobre o transitivismo e a condução do tratamento, p. 153.

normal. A criança que bate diz ter sido batida, aquele que vê cair,chora. Igualmente, é em uma identificação ao outro que ela vive toda a gamade reações de imponência e ostentação, das quais suas condutas revelamcom evidência a ambivalência estrutural: escravo identificado ao déspota,ator ao espectador, seduzido ao sedutor” (p.29)4 .

Nesta passagem podemos encontrar diversas vias em que o transiti-vismo opera, mesmo no âmbito social.

Os tópicos analisados por Bergès e Balbo evidenciam um extensotrabalho de aprofundamento no qual, articulados ao transitivismo, encontra-mos os seguintes temas: os jogos de posições da mãe e da criança, a iden-tificação, o espelho, o novo sujeito, a afânise, o corpo, a voz, o objeto aluci-natório do desejo, a neurose obsessiva, a agressividade, o real, simbólico eimaginário, a necessidade de desconhecimento, a condução do tratamento.Nesse tecido, o campo do transitivismo, antes circunscrito às relaçõesobjetais, adquire novos contornos a partir das contribuições da psicanálise,nas quais a palavra que é ali colocada em jogo passa a marcar um laçosimbólico.

Este é um livro para ser lido e relido, fonte de consultas, interlocuçõese reflexão. Institui uma direção relativa à posição que cabe aos psicanalistasno campo clínico e para além deste: a de trabalhar a partir de uma leitura queconsidere a história e as origens do conceito, virando-o do avesso e produ-zindo uma reflexão que repercute em transformações na forma de olhar aclínica e outros campos que também se encontram marcados por jogostransitivistas e, portanto, ligados à transmissão simbólica.

O processo analítico apresenta jogos próprios do transitivismo e dodesconhecimento que o funda5. Em relação a esse ponto, os autores repor-tam-se a Freud, que escreveu em “Construção e reconstrução em psicanáli-

4 Em A agressividade em psicanálise, Cadernos Lacan I, APPOA, Porto Alegre, 1996.5 Bergès e Balbo escrevem: “na falta de transitivismo em seu analista, a criança não acedea essa função essencial de alcançar, ela mesma, a verdade constitutiva de seu sintoma”.(p.135)

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AGENDA

EXPEDIENTEÓrgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

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Revisor: Breno SerafiniImpressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.

Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355

Comissão do CorreioCoordenação: Maria Ângela Brasil e Robson de Freitas PereiraIntegrantes: Ana Laura Giongo Vaccaro, Gerson Smiech Pinho,

Henriete Karam, Liz Nunes Ramos, Marcia Helena de Menezes Ribeiro,Maria Lúcia Müller Stein e Rossana Oliva

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 2001/2002

Presidência - Maria Ângela Brasil1a. Vice-Presidência - Lucia Serrano Pereira2o. Vice-Presidência - Jaime Alberto Betts

1a. Tesoureira - Grasiela Kraemer2a. Tesoureira - Simone Moschen Rickes

1a. Secretária - Carmen Backes2o. Secretário - Gerson Smiech Pinho

MESA DIRETIVAAlfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Maria Gageiro, Ana Maria Medeiros da Costa,

Analice Palombini, Ângela Lângaro Becker, Edson Luiz André de Sousa,Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Ligia Gomes Víctora,

Liliane Froemming, Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack,Marta Pedó e Robson de Freitas Pereira.

Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - Macchina

PRÓXIMO NÚMERO

PSICOSES

Reunião do Serviço de Atendimento ClínicoReunião da Comissão de Eventos

Reunião da Mesa Diretiva - Fechada

Reunião da Comissão de Biblioteca

Reunião da Comissão do Correio da APPOA

20h30min19h30min

21h

20h15min

20h30min

JANEIRO – 2003

Dia Hora Local AtividadeSede da APPOASede da APPOA

Sede da APPOA

Sede da APPOA

Sede da APPOA

08 e 2209, 16,23 e 3009, 16,23 e 3009, 16,23 e 3014 e 28

N° 110 – ANO IXN° 110 – ANO IX JANEIRO JANEIRO – 200– 200 33

S U M Á R I O

EDITORIAL 1NOTÍCIAS 3 3SEÇÃO TEMÁTICA 1111A CONSTITUIÇÃO SUBJETIVAA CONSTITUIÇÃO SUBJETIVAE O DESENVOLVIMENTO DO BEBÊE O DESENVOLVIMENTO DO BEBÊGerson Smiech PinhoGerson Smiech PinhoRejane FariasRejane Farias 1212O QUE HÁ DE PRECOCE NAO QUE HÁ DE PRECOCE NAESTIMULAÇÃO? TEMPORALIDADEESTIMULAÇÃO? TEMPORALIDADEE CLÍNICA COM BEBÊSE CLÍNICA COM BEBÊSJulieta JerusalinskyJulieta Jerusalinsky 1616O BEBÊ E A DEFICIÊNCIAO BEBÊ E A DEFICIÊNCIAMaria Marta HeinzMaria Marta Heinz 2121AMAMENTAÇÃO INFANTILAMAMENTAÇÃO INFANTILCOMO PONTO DE PARTIDACOMO PONTO DE PARTIDAPARA PENSAR A RELAÇÃOPARA PENSAR A RELAÇÃOPRESENÇA-AUSÊNCIAPRESENÇA-AUSÊNCIAMATERNAMATERNAAdriana OliveiraAdriana Oliveira 2626DO “ENCANTAMENTO”DO “ENCANTAMENTO”NECESSÁRIO À REALIZAÇÃONECESSÁRIO À REALIZAÇÃODE UMA CONSTRUÇÃODE UMA CONSTRUÇÃOMichele KramersMichele Kramers 3232SEÇÃO DEBATES 38O CORPO E AS TERAPIASO CORPO E AS TERAPIASAdão CostaAdão Costa 3838RESENHA 4343“OS MONSTROS FAZEM“OS MONSTROS FAZEMBEM À SAÚDE”BEM À SAÚDE” 4343“AVENTURAS DO SENTIDO“AVENTURAS DO SENTIDOPSICANÁLISE E LINGÜÍSTICA”PSICANÁLISE E LINGÜÍSTICA” 4747“JOGOS DE POSIÇÕESDA MÃE“JOGOS DE POSIÇÕESDA MÃEE DA CRIANÇA ENSAIO SOBREE DA CRIANÇA ENSAIO SOBREO TRANSITIVOO TRANSITIVO”” 5252AGENDA 5656

PSICANÁLISE E APSICANÁLISE E ACLÍNICA COM BEBÊSCLÍNICA COM BEBÊS