editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a...

26
REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS janeiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII 28 Doutrina Editais de concursos públicos e seus elementos padrões diante dos princípios constitucionais Maria Cecília Mendes Borges Procuradora do Ministério Público junto ao Tri- bunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais. 1 Introdução É inegável que a prestação de serviços, por parte do Estado, não tem atendido, de forma satisfatória, aos princípios da administração pública, em especial, ao da efici- ência, sendo uma de suas causas o despreparo dos agentes públicos, que se encontram de certa forma viciados, desde a origem, pela inadequação ao meio de seleção para composição dos quadros. A qualidade do pessoal que integra a administração pública é fundamental para seu êxito, sendo de extrema importância sua seleção, assim como sua preparação e aperfeiçoamento (CUESTA, 2002, p. 291). A Administração Pública pode-se utilizar de vários instrumentos democráticos, que têm como fundamento os princípios, dentre os quais se inclui a realização de concurso pú- blico. Nesse caso, com o objetivo de selecionar o candidato que mais se enquadre nas exigências da função pública a ser preenchida. Neste trabalho, utilizou-se a expressão funções públicas em sentido amplo, referindo- se às atribuições dos agentes públicos, noção utilizada como gênero. A história do acesso às funções públicas no Brasil tem sido farta de nepotismo, favori- tismos, apadrinhamentos e demais formas de desvirtuamento em seu preenchimento — privilegiando o Estado patrimonialista, que, segundo Raymundo Faoro (1976, p. 20), prende os servidores numa rede patriarcal, na qual eles representam a extensão da casa do soberano —, incompatíveis com o Estado Democrático de Direito, que tem como uma de suas mais efetivas ferramentas o concurso público. O problema, entretanto, diante

Upload: others

Post on 27-Jul-2020

10 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

28Doutrina

Editais de concursos públicos e seus elementos padrões

diante dos princípios constitucionais

Maria Cecília Mendes borges

Procuradora do Ministério Público junto ao Tri-bunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais.

1 Introdução

é inegável que a prestação de serviços, por parte do Estado, não tem atendido, de forma satisfatória, aos princípios da administração pública, em especial, ao da efici-ência, sendo uma de suas causas o despreparo dos agentes públicos, que se encontram de certa forma viciados, desde a origem, pela inadequação ao meio de seleção para composição dos quadros. A qualidade do pessoal que integra a administração pública é fundamental para seu êxito, sendo de extrema importância sua seleção, assim como sua preparação e aperfeiçoamento (CUESTA, 2002, p. 291).

A Administração Pública pode-se utilizar de vários instrumentos democráticos, que têm como fundamento os princípios, dentre os quais se inclui a realização de concurso pú-blico. Nesse caso, com o objetivo de selecionar o candidato que mais se enquadre nas exigências da função pública a ser preenchida.

Neste trabalho, utilizou-se a expressão funções públicas em sentido amplo, referindo-se às atribuições dos agentes públicos, noção utilizada como gênero.

A história do acesso às funções públicas no Brasil tem sido farta de nepotismo, favori-tismos, apadrinhamentos e demais formas de desvirtuamento em seu preenchimento — privilegiando o Estado patrimonialista, que, segundo Raymundo Faoro (1976, p. 20), prende os servidores numa rede patriarcal, na qual eles representam a extensão da casa do soberano —, incompatíveis com o Estado Democrático de Direito, que tem como uma de suas mais efetivas ferramentas o concurso público. O problema, entretanto, diante

Page 2: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

29 Doutrina

do contexto histórico, é antes de tudo político e cultural — conforme já pontuado por

Florivaldo Dutra de Araújo (2005, p. 2) —, cabendo, assim, a todos a tarefa de solucio-

ná-lo, e aos órgãos de controle, a de exercê-lo com base na juridicidade dos atos.

é de extrema relevância, em especial dos editais de concursos públicos, seu controle,

que, todavia, sobretudo o externo, não se pode consubstanciar em entrave à ação ad-

ministrativa, sob pena de emperrar a máquina estatal, devendo se traduzir na concre-

tização vitalizante dos princípios (FREITAS, 1997, p. 163). Na prática administrativa,

os benefícios efetivos do concurso público estão muito aquém das suas possibilidades,

conforme se pode observar por situações concretas analisadas, especialmente em edi-

tais de concursos e em precedentes jurisprudenciais, enquanto que a plena e efetiva

aplicação dos princípios constitucionais, na modulação do concurso público, acarretará

o alcance de seus fins, sendo o meio de seleção que melhor atende aos referidos ditames

para os objetivos da administração pública, candidatos e sociedade e para a atividade

pública. Sem sua observância, os certames servirão como instrumento de apropriação

dos espaços públicos e de manipulação.

Defende-se a objetivação dos concursos públicos, em suas várias etapas, constantes de

seus editais, o que garante a efetivação dos princípios constitucionais e administrativos

e o seu controle.

O amplo e democrático acesso às funções públicas, conforme consta da Constituição

Federal, é uma oportunidade para que os rumos do Estado e do País possam adquirir

novos contornos, desde que vá se formando, já nos processos de seleção, uma nova

geração de agentes públicos dotados de visão histórica, de sentido de povo e nação, e

compromissados com a realização de um projeto nacional de independência econômica

e reinserção no cenário internacional, sendo fundamental, diante deste objetivo, a ela-

boração de editais de concursos públicos fundados na moralidade, na impessoalidade,

na razoabilidade.

2 Elementos padrões em editais de concursos públicos

O edital é uma peça escrita que tem por finalidade a divulgação de informações acerca

de determinado fato jurídico, segundo o conceito dominante na doutrina. Em editais de

concursos públicos, devem ser previstas as regras relativas à competição, observados,

sempre, os ditames constitucionais.

Page 3: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

30Doutrina

Assim, a corriqueira afirmação de que o edital é a lei do concurso, muitas vezes confeccionado ao livre arbítrio do administrador público, tem conduzido a — ou pelo menos facilitado — fraudes, desvios e manipulações de resultados, haja vista que o procedimento direcionado vicia o resultado final do concurso. Assim, a discricionariedade na elaboração do edital é limitada pela Constituição e pela lei. Nas palavras de Eduardo García de Enterría (1974, p. 48), a Administração não pode, em nome de suas faculdades discricionárias, violar princípios constitucionalmente consagrados.

O edital é a peça mais importante do certame, na medida em que fixa, a priori, as regras a que se submeterão tanto candidatos quanto administração pública. Embora se possa considerá-lo a lei do concurso, essa normatização deve obediência aos princípios constitucionais, às normas administrativas, especialmente a razoabilidade, bem como às especificidades do concurso e da função pública que se pretende preencher, o que nem sempre se tem verificado na prática administrativa.

A Constituição não prevê um princípio do concurso público. Há, sim, princípios explícitos e implícitos na Constituição Federal de 1988 — CF/88, relativos ao procedimento do concurso público, bem como o princípio da ampla acessibilidade às funções públicas, inserto no inc. I do art. 37 da CF/88. Logo, concurso público não é princípio, mas procedimento obrigatório para todos os entes e órgãos de quaisquer esferas da Federação brasileira. Dessa forma, não se pode admitir que cada concurso público tenha regramento próprio, ou seja, a edição de seus editais, ainda que decorrente de faculdade discricionária, não se pode dar à livre vontade do administrador público. Há um arcabouço principiológico do concurso público, a moldura dentro da qual o procedimento deve se realizar em todos os entes federativos do Estado brasileiro, consubstanciado nos princípios da legalidade ou, avançando, da juridicidade — a lei fornece os parâmetros para aferição da legalidade, enquanto a Constituição anuncia os princípios da administração pública que consubstanciam os parâmetros de aferição da juridicidade (MORAES, 2004b, p. 16) —, da ampla acessibilidade às funções públicas, da impessoalidade — corolário do princípio da isonomia —, da eficiência, da moralidade administrativa, da publicidade, da motivação, da proporcionalidade e da razoabilidade. São também princípios do processo administrativo e, portanto, aplicáveis ao concurso público, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e os meios e recursos a ela inerentes, na forma dos incs. LIV e LV do art. 5º da CF/88. Esses são, assim, os fundamentos principiológicos que legitimam a exigência do concurso público para ingresso de pessoal nos quadros da administração pública dos entes da Federação.

Page 4: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

31 Doutrina

Assim, os editais de concursos públicos devem trazer como previsão, além da legislação

aplicável, a nomenclatura e o quantitativo das funções oferecidas, descrição sumária

das atividades, seu regime jurídico, remuneração inicial e, quando houver, jornada

de trabalho, local, data e horário para realização das inscrições, em prazo razoável,

e documentação necessária — esta, quando não for o caso de inscrição exclusiva pela

internet, caso em que se difere sua apresentação para momento posterior —, requisitos

para provimento nas funções, que devem ser expostos detalhadamente e guardar

relação com as atribuições das funções a serem preenchidas, bem como a época de

sua comprovação. Se é certo que o acesso às funções públicas requer o atendimento de

requisitos pré-determinados, não menos válida é a assertiva de que tais requisitos devem

ser compatíveis com o próprio exercício e natureza da função, sob pena de configuração

de seu caráter discriminatório, preceito que direciona a conduta tanto do administrador

público quanto do legislador, em obediência ao princípio da razoabilidade e ao objetivo

fundamental da república prescrito no art. 3° da CF/88 de não discriminação.

Devem também ser previstas no edital regras básicas relativas aos conhecimentos

exigidos e programas das disciplinas para cada função, tipo de concurso, se de provas e

títulos ou somente um tipo, especificando-as de acordo com a natureza e complexidade

da função pública a ser preenchida, na forma do art. 37, II, da CF/88, critérios para

avaliação das provas, detalhando-se a pontuação atribuível a cada uma delas e se

classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas fases, incluídos os

títulos — que devem ser detalhados, bem como sua pontuação, mínima e máxima, e

correlacionados ao exercício da função —, a pontuação mínima para classificação ou o

limite de candidatos habilitados à etapa seguinte, critérios de desempate, que devem ser

objetivos, prazo de validade do certame e possibilidade ou não de sua prorrogação.

No que diz respeito ao prazo de validade do concurso público, o art. 37, III, da CF/88,

dispõe que o prazo de validade do concurso será de até dois anos, prorrogável uma

vez, por igual período. Quanto à suposta competência discricionária para fixação do

prazo de validade do certame, importa destacar o posicionamento do Professor Luciano

Ferraz (2005, p. 250), para quem o concurso deve ter validade de prazo suficiente para

justificar a realização do certame, devendo haver congruência entre o prazo necessário

à realização de novo concurso e seu antecedente.

As provas em concursos públicos podem se consubstanciar em provas escritas, provas

orais, prova prática, prova de capacidade física, prova de títulos, entrevista e avaliação

Page 5: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

32Doutrina

psicológica ou exame psicotécnico, no intuito de se aferir a capacidade intelectual,

física ou psíquica dos candidatos. Dentre estas, ainda há variações, podendo, nas provas

orais, se aplicar prova de línguas estrangeiras, podendo-se exigir a apresentação de

monografia especializada e sua defesa oral, como para o preenchimento de funções

de magistério. Diante dos sabidos limites das provas, no tocante ao grau de eficácia

para aferição da habilidade, ressai a importância de se conjugarem vários tipos em um

mesmo certame.

A fase de títulos se consubstancia em fase própria, devendo ser posterior às provas

escritas, com fincas à verificação do currículo do candidato e suas qualificações

adquiridas anteriormente ao concurso, mais especificamente, até a publicação do edital

do certame, em homenagem à boa-fé. Enquanto o critério de prova tem por objetivo a

comprovação direta e imediata da capacidade intelectual ou física do candidato, sempre

de acordo com critérios previamente definidos, os títulos visam à comprovação das

virtudes por meio da avaliação de sua experiência anterior (JUSTEN FILHO, 2005, p. 590).

A exigência de apresentação dos títulos previamente inverte a ordem do concurso e suas

fases, além de ferir a economicidade, a proporcionalidade, a eficiência e a finalidade

e, ademais, apresenta o perigo de direcionamento do resultado. Podem ser objeto de

avaliação, na fase de títulos, produções científicas e culturais de autoria individual,

em periódico impresso ou na internet, como artigos e livros editados, cursos, diplomas

de graduação, de pós-graduação lato sensu, de mestrado e doutorado, exercício do

magistério na graduação e na pós-graduação, e de função na área específica para a

qual se disputa a função, sendo de se preverem os períodos mínimo e máximo que

serão considerados para que seja válida a pontuação, aprovações em concursos

públicos pertinentes à função a ser preenchida, participação como membro de banca

examinadora, bem como o que não será considerado como título e todos os demais

necessários à objetivação dessa fase do certame.

O Supremo Tribunal Federal — STF entendeu pela violação ao princípio da isonomia a

norma editalícia que previu pontuação diferenciada, na fase de títulos, para servidores

não estáveis, no concurso para o Tribunal de Justiça do Maranhão, na ADI 3.443

(08/09/05), relatada pelo Ministro Carlos Velloso, o que feria também os princípios

da impessoalidade e da moralidade. Por expressa disposição do art. 19, § 1°, do ADCT

— Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, admite-se o cômputo do tempo

de serviço público como títulos dos servidores considerados estáveis pelo caput do

Page 6: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

33 Doutrina

dispositivo, quando se submeterem a concurso para fins de efetivação. Celso Antônio

entende que o servidor não pode auferir vantagem pelo fato de já ter sido beneficiário

da situação irregular de ocupar funções públicas sem concurso público, descabendo

atribuir-lhe pontos na classificação com base nesta situação anômala, que o privilegiou

indevidamente, mas observa que há uma situação anormal prevista pelo art. 19, § 1°,

do ADCT (MELLO, 1990, p. 46).

Via de regra, as funções subalternas, que geralmente implicam atribuições materiais, não

se coadunam com a realização da prova de títulos em razão do princípio da razoabilidade

(FERRAZ, 2006, p. 133). É de se verificar também se existe proporcionalidade entre os

valores que foram atribuídos aos títulos, como no caso em que o edital equiparava,

para efeito de titulação, nove meses de serviço público ao título de doutorado, oito

meses ao título de mestrado e assim sucessivamente, chegando-se ao resultado — em

se aplicando as regras do edital — de o candidato que possuía pós-graduação, mestrado

e doutorado cumulativamente alcançar o patamar máximo de pontuação, equiparando-

se, absurdamente, ao candidato que trabalhou na atividade pública por vinte meses

(FERRAz, 2006, p. 136).

Seja qual for o método de avaliação, ele deve ser objetivo, padronizado e vinculado à

natureza das funções a serem exercidas. A objetividade na seleção é decorrência dos

princípios da impessoalidade e da igualdade, bem como da eficiência e da moralidade.

é também imprescindível que os conhecimentos e habilidades exigidos sejam compatíveis

com a função pública a ser exercida, devendo seu conteúdo ser adequado à aferição

da capacitação do candidato às atribuições, limitando o princípio da razoabilidade a

discricionariedade do examinador. Em provas escritas e orais, é condição sine qua non

que haja a delimitação do programa e, especificamente nestas últimas, dos pontos a

serem sorteados — o que deve ocorrer também em prazo razoável antes da realização

das provas —, pois a nenhum ser humano é dado o conhecimento global e completo de

todas as nuances de determinada ciência, especialmente da Ciência Jurídica, diante

da inflação legislativa e da diversidade de posicionamentos interpretativos a respeito.

O que se exige, isso sim, compatível com a razoabilidade, é a demonstração, pelo

candidato, de capacidade de ordenação e organização de idéias, raciocínio lógico e de

se valer dos conhecimentos acumulados para a resolução dos variados desafios surgidos

no exercício da função pública. Da mesma forma, em caso de provas práticas e físicas,

é necessária uma descrição de suas exigências, com critérios objetivos, bem como ser

Page 7: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

34Doutrina

realizadas de acordo com a natureza e complexidade da função a ser preenchida, sendo

importantes na medida em que visam à aferição das habilidades práticas ou físicas do

candidato à função pública.

Todas as provas do concurso, tanto as escritas como as orais, de títulos, bem como as

fases relativas às entrevistas e avaliações psicológicas ou exames psicotécnicos, de

saúde e sindicância de vida pregressa, quando existentes, devem ser objetivadas, para

que não sejam utilizadas como meios indiretos de reprovação de candidatos, deven-

do, no caso das avaliações psicológicas, os critérios ser previamente estabelecidos em

edital, bem como haver previsão legal, conforme entendimento sumulado pelo STF, no

Enunciado 686.

O curso de formação se destina à formação do candidato, com apresentação de cursos,

realização de provas, com a finalidade de inserção prévia do concursando nas atividades

próprias da função a ser exercida, devendo ser condizente com as atribuições da função

pública a ser preenchida. Segundo Cuesta (2002, p. 294), trata-se de curso seletivo para

completar a formação dos selecionados, um período de prática administrativa. Deve ser

objetivo e, defende-se, seja feito após a posse, como política de pessoal, a fim de que

o recurso possa gozar de mais efetividade e operatividade, observando os princípios da

administração pública. Assim, sua colocação como fase do concurso público acarreta

um desvirtuamento de sua função, além do que as circunstâncias aferíveis pelo curso

podem ser avaliadas nos procedimentos de avaliação de desempenho.

Quanto às provas, pode ser divulgado um edital específico quanto aos horários e locais,

com um prazo de antecedência razoável, vedando-se hipótese de segunda chamada

para sua realização, sob pena de quebra do princípio da isonomia, eliminando-se au-

tomaticamente o candidato que deixar de comparecer a quaisquer das provas, bem

como o que proceder na tentativa de qualquer fraude, tais como falta de identificação

pessoal quando do ingresso na fase do concurso, comunicação com outro candidato ou

descortesia com este ou com os membros das comissões organizadora e executora do

concurso. Deve constar expressamente do edital a vedação ao candidato de se identifi-

car nas provas, sob pena de violação ao princípio da impessoalidade.

Também se devem prever prazos para vista das etapas e das próprias provas do concur-

so e para recursos, bem como regras quanto à comunicação das publicações, todos tam-

bém pela internet, o que atende aos princípios da ampla acessibilidade — garantindo um

Page 8: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

35 Doutrina

melhor e mais facilitado acesso dos candidatos aos mesmos —, da economicidade, bem

como à segurança, pois, na era tecnológica em que se vive, não é razoável que ainda

se relute e se dispense referida ferramenta. Merece destaque a decisão do CNJ — Con-

selho Nacional de Justiça no PCA 198 (j. 29/08/06), relatado pelo Conselheiro Eduardo

Lorenzoni, relativo ao VII Concurso para Juiz de Direito do Estado do Amapá, em que o

resultado das provas foi publicado em um sábado e a previsão do prazo recursal era de

24 horas, ou seja, deveria ser protocolado no domingo, o que foi considerado ofensivo

à razoabilidade administrativa. Ademais, o prazo entre a primeira prova e o encerra-

mento do concurso foi de aproximadamente dois meses, o que, concluiu o conselheiro,

só seria possível restringindo-se as possibilidades de questionamentos, materializadas

na inviabilidade de interposição de recursos, o que violou o direito dos candidatos aos

recursos. Por outro lado, devem ser coibidos recursos protelatórios, que feririam os

direitos dos demais candidatos ao regular andamento do certame e os princípios cons-

titucionais da eficiência, da moralidade e da proporcionalidade.

São também regras necessárias a previsão de forma facilitada de pagamento do valor

relativo à inscrição, em valor compatível com o serviço a ser prestado e limitado aos

custos totais, no qual já devem estar incluídos os atos relativos ao certame, como in-

terposição de recursos e vista de provas, bem como a regulamentação de devolução e

de isenção e cronograma básico de execução do concurso e de suas fases, com previsão,

inclusive, de data provável para sua homologação.

As bancas examinadoras e comissões de concurso — corpos colegiados responsáveis pela

execução ou julgamento das fases do concurso público — possuem grande importância

nos certames, em especial sua composição, na medida em que a eficiência do concurso

se relaciona também à condução do processo seletivo, devendo atender aos princípios

da publicidade, moralidade e impessoalidade.

O edital deve trazer claras as regras do concurso, bem como sua abrangência e forma,

sob pena de violação do princípio da transparência e, reflexamente, da ampla acessibi-

lidade às funções públicas, por limitar a inteligibilidade das regras do certame. Neste

ato, a Administração deve fornecer os critérios objetivos e suficientes, com fincas à

seleção dos melhores candidatos.

A margem de discricionariedade, na elaboração do edital, pode se verificar, exemplifi-

cativamente, quanto ao local de realização das provas, que, contudo, não pode ser de

Page 9: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

36Doutrina

difícil acesso, em havendo outros; quanto à duração das provas, que deve ser compa-

tível com o tipo e quantidade de provas; à quantidade de questões, que se não podem

transformar em teste de resistência às avessas; e à formulação das questões, vinculada

ao programa de disciplinas previamente divulgado.

Quanto ao prazo para impugnação do edital, deve ocorrer a partir do momento de sua

publicação, ou seja, desde que se apresentem as regras, acessíveis a todos os interes-

sados. Discordamos de João Batista Gomes Moreira (2005, p. 134), quando defende

que a prévia impugnação não é obrigatória, porque, segundo ele, apta a criar clima

psicológico de litigiosidade, desfavorável ao candidato. As regras editalícias são, desde

logo, acessíveis a todos, o que impõe o controle prévio do edital, salvo no caso em que

a lesão ao direito individual se der a posteriori. Assim, deve-se, gradativamente, cons-

truir a obrigatoriedade do controle prévio do edital, nos casos cabíveis, o que implicará

mudança cultural, estimulando a cidadania e regrando-se o exercício do direito de ação

para quando haja não apenas interesse individual contrariado.

O melhor e mais completo instrumento de controle, no que é pertinente aos concursos

públicos para seleção de agentes, é o edital do concurso, em que todas as suas dispo-

sições, regras, exigências e fases devem atender plenamente e de modo integrado à

impessoalidade, isonomia, eficiência, publicidade, moralidade e razoabilidade. Em ha-

vendo um edital de concurso público com estas características, estar-se-á dando cum-

primento ao fim do concurso, que é a melhor e justa seleção, e evitar-se-ão milhares

de ações que abusam da instituição e a banalizam.

3 Exigências abusivas em editais de concursos públicos

Apontaram-se os elementos padrões em editais de concursos públicos diante dos princí-

pios constitucionais. No presente tópico, também com fundamento no arcabouço prin-

cipiológico delineado, far-se-á uma abordagem acerca das exigências abusivas em edi-

tais de concursos, que fere aludido aparato, contrariando toda a finalidade do concurso

público. Referida abordagem será feita com base em editais de concursos públicos

analisados, bem como em precedentes jurisprudenciais.

De início, cumpre registrar que, antes mesmo da divulgação do edital, já é possível que

haja o controle interno do concurso público, em sua etapa interna, como a verificação

de cumprimento do sigilo necessário quanto a algumas informações, para que se não

Page 10: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

37 Doutrina

tornem privilegiadas para alguns e prejudiquem a isonomia necessária nos certames.

Já na etapa externa do concurso, seu edital não deve conter exigências abusivas que

limitam o acesso e, consequentemente, violam os princípios constitucionais.

Claro é que o acesso às funções públicas requer o atendimento de determinados requi-

sitos e exigências, desde que observados os princípios administrativos.

A primeira observação importante é que somente a lei, em sentido estrito, pode fixar

requisitos e condições restritivas ao acesso às funções públicas, o que é vedado ao edi-

tal e à resolução editada para o concurso, conforme art. 37, I e II, da CF/88. O STF já

se manifestou nesse sentido, conforme AGRAG 18.2487/PR (DJ 07/02/97), de relatoria

do Ministro Carlos Velloso, sendo que cada ente da Federação detém competência le-

gislativa para regular a matéria, em estrita observância aos princípios e mandamentos

da Carta Federal (FERRAz, 2005, p. 249). O Superior Tribunal de Justiça — STJ também

tem precedente nesse sentido, conforme RMS 20.637 (j. 23/02/06), de relatoria da

Ministra Laurita Vaz.

Ainda que constante de lei, a exigência do edital deve obediência à Lei Maior, aos prin-

cípios e aos objetivos e finalidade da instituição do concurso público. O STF decidiu,

por seu Tribunal Pleno, que embora a Constituição admita o condicionamento do acesso

aos cargos públicos a requisitos estabelecidos em lei, esta não o pode subordinar a

pressupostos que façam inócuas as inspirações do sistema de concurso público, que são

um corolário do princípio fundamental da isonomia, RE 194.657 (DJ 14/12/01), relata-

do pelo Ministro Sepúlveda Pertence. Segundo Adilson Dallari (1992, p. 32), sabendo-se

que todos os brasileiros gozam de acessibilidade aos cargos públicos, cumpre examinar

quais requisitos podem ser estabelecidos em lei, diante do dispositivo constitucional,

previsto pelo caput do art. 5º, que iguala a todos perante a lei, sem distinção de qual-

quer natureza, bem como da vedação constitucional a restrições estabelecidas por

discriminação, em razão do sexo, idade, cor ou estado civil como critério de admissão.

A igualdade é o núcleo do sistema constitucional, proibindo-se diferenciações de trata-

mento e categorias subjetivas.

As normas editalícias relativas à habilitação não podem conter exigências excessivas

para provimento das funções, tais como escolaridade, limites de idade e altura, sexo,

cor e estado civil, salvo em casos em que a natureza do cargo o exigir, conforme prevê

Page 11: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

38Doutrina

o § 3° do art. 39 da CF/88, com expressa remissão ao inc. XXX do art. 7°, devendo,

portanto, guardar conexão com a complexidade da função pública a ser provida, bem

como com os demais princípios e preceitos constitucionais.

O STF já decidiu que o legislador pode, observado o princípio da razoabilidade, esta-

belecer requisitos de escolaridade mínima para a investidura em funções públicas, não

ofendendo o princípio da isonomia a exigência — para provimento de funções de auditor,

escrivão e fiscal — de que os candidatos fossem diplomados em Direito, Administração,

Economia ou Ciências Contábeis, conforme consta da ADI 1.326-2/SC (DJ 26/09/97),

relatada pelo Ministro Carlos Velloso (MORAES, 2004a, p. 835), diante da coerência com

a natureza e complexidade das funções a serem providas, bem como com o princípio

constitucional da eficiência.

Não se faz necessária a inscrição em conselho regional da categoria para o deferimen-

to da habilitação para o concurso, no qual se exige apenas o diploma do curso superior

para o exercício da função pública, tendo sido esse o entendimento do STJ, no REsp

708.680 (03/03/05), em harmonia com o princípio da proporcionalidade, entre os

meios e os fins.

Quanto ao limite de idade, a Corte Constitucional entendeu ausente a razoabilidade

na fixação de limite de idade em concurso público, desde que seu ocupante tenha

idade compatível com a aptidão física necessária ao exercício da função, conforme RE

216.929-3/RS (DJ 07/08/98), relatado pelo Ministro Moreira Alves (MORAES, 2004a, p.

835). O entendimento foi sumulado no Enunciado 683, no sentido de que o limite de

idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7°, XXX, da

CF/88, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preen-

chido, revelando maturidade pessoal. Nesse ponto, há leis de entes da Federação que

são flagrantemente inconstitucionais, por se configurarem em exigência discriminató-

ria, ferindo a razoabilidade administrativa. Se a finalidade do concurso público é medir

o preparo e a aptidão dos candidatos, tendo como forma legítima para essa aferição o

sistema de provas ou de provas e títulos, e se o desejável é a ampla concorrência entre

o maior número de candidatos possível, caracteriza-se inconstitucionalidade a mera

limitação de idade em concurso público.

Segundo o Ministro Celso de Mello, o tema concernente à fixação legal do limite de

idade, para efeito de preenchimento de cargos públicos, tem sido analisado pela juris-

Page 12: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

39 Doutrina

prudência do STF em função e na perspectiva do critério da razoabilidade, conforme

RE 147.258/MG. E o Ministro Sepúlveda Pertence, referindo-se à razoabilidade como

princípio protetor da isonomia e, por conseguinte, da Constituição, entendeu haver

discriminação inconstitucional diante da vedação constitucional de diferença de crité-

rio de admissão por motivo de idade, que se estende à falta de exclusão constitucional

inequívoca (COELHO, 2002, p. 94).

Na esteira das garantias constitucionais, o Estatuto do Idoso — Lei n. 10.741/03, mui-

to a propósito, vedou a discriminação e fixação de limite máximo de idade em con-

cursos públicos, ressalvando os casos em que a natureza do cargo o exigir, atraindo,

assim, a aplicação do princípio da razoabilidade, para classificação da necessidade de

limitação de idade, em razão de atribuições do cargo, de forma que a discriminação

se justifique.

Não é admissível que a idade se consubstancie em fator discriminante para provimen-

to de funções públicas, conforme decidiu o STJ, no REsp 642.008/RS, de relatoria do

Ministro Castro Meira (SANTANA, 2006, p. 8.100), em homenagem ao princípio da iso-

nomia e da impessoalidade da administração pública, cabendo o controle jurisdicio-

nal na correção de eventual desproporcionalidade. As desequiparações devem guardar

equivalência com os valores, o sentido e os elementos normativos do sistema, ou seja,

guardar relação de pertinência lógica e, ainda que legalmente existente, deve ser con-

frontada com a Constituição, cuja inexistência é passível de correção inclusive judicial.

Por outro lado, não é a maior ou menor idade que fará o profissional um agente público

eficiente, o que pode ser conseguido mediante um processo seletivo bem elaborado,

condizente com a natureza da função a ser exercida, com as fases adequadas à função

pública. A prática demonstra que não é a idade que acarreta um bom e justo exercício

da função (SOUSA, 2000, p. 66). A restrição em razão da idade só pode existir na própria

Constituição Federal ou quando a natureza do cargo o exigir, mediante lei em sentido

formal, conforme art. 37, I, entendimento sumulado pelo STF no Enunciado 14, obser-

vados os preceitos e princípios constitucionais.

Quanto à exigência editalícia relativa ao teto máximo de idade previsto em Concurso

da Polícia Civil de Minas Gerais para os cargos de delegado, detetive, perito e escrivão

de polícia, decidiu-se por ser contrária à nova ordem constitucional, não guardando

relação com a natureza das atribuições, o que impôs a decretação da inconstitucio-

nalidade insanável e sua supressão dos editais, conforme decisão do juízo da Quarta

Page 13: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

40Doutrina

Vara da Fazenda Pública e autarquias desta unidade da Federação (j. 08/10/03).

Quando o requisito de idade máxima tiver como justificativa a necessidade de esforço

físico para o exercício da função pública, será intolerável se houver fase do concurso

própria para a avaliação física dos candidatos. é de se colacionar o entendimento do STF

nesse sentido, em consonância com os princípios da razoabilidade e eficiência, na deci-

são do RE 171.221 (22/08/97), relatado pelo Ministro Ilmar Galvão (SOUSA, 2000, p. 65).

Assim como as exigências de idade não podem ser descabidas, assim também no tocante

ao limite de altura: em alguns concursos públicos, é defensável essa limitação na busca de

uniformização em virtude das exigências da função, mas seria dezarrazoado e impessoal se

suprível por outras características igualmente satisfatórias do candidato, mensuráveis pelas

provas de esforço físico. é o que ocorre no caso de provimento de funções para as carreiras

policiais em que, em muitos casos, as exigências não são compatíveis com o exercício da

função, para cujo provimento importa mais a capacidade física do que simples medida de

grandeza. Nesse sentido, o STF afastou a exigência de altura mínima para acesso à função

de escrivão de polícia, por se tratar de atividade estritamente escriturária, conforme RE

194.952/MS (Informativo 241, de set./01), relatado pela Ministra Ellen Gracie, e o STJ afas-

tou-a para a função de oficial de saúde da polícia militar, conforme MS 1.643 (DJ 21/06/93),

relatado pelo Ministro Peçanha Martins (CARVALHO FILHO, 2005, p. 516).

Cumpre registrar a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na AC 15.842, na

qual se afastou o ato que concluiu pela inaptidão da candidata ao cargo de detetive,

por lhe faltarem onze milímetros de altura para alcançar o mínimo exigido. Salientou o

juiz prolator da sentença que a candidata não iria, evidentemente, trabalhar descalça,

o que faria com que sua altura ultrapassasse o mínimo exigido (SOUSA, 2000, p. 111).

Assim, a exigência de limite mínimo de altura, e mínimo ou máximo de idade, em

concursos públicos, só se pode considerar constitucional se em consonância com a

razoabilidade, em razão da natureza e complexidade da função a ser preenchida.

Em caso de provimento de funções que demandem preponderantemente atividade

intelectual, não é razoável exigir condições relacionadas à força física como fator de

discriminação no concurso.

Quanto à distinção em razão de sexo, se feita em atenção à natureza da atividade,

pode ser admitida, como no caso de formação de corpo policial masculino ou feminino,

Page 14: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

41 Doutrina

em virtude das atividades que lhe são cometidas, conforme exemplo citado por Adilson

Dallari (1992, p. 33) como o policiamento em presídios femininos.

No que toca à exigência de prática forense para provimento de cargos em carreiras

jurídicas, o STJ já decidiu que a interpretação da expressão não deve ser restritiva,

englobando também atividades ligadas ao exercício laboral dos servidores da Justiça,

como o exercício no cargo de técnico judiciário, com tarefas de funções de nível médio

exercidas na área-fim do Poder Judiciário, que importa obviamente prática forense

pelas funções a ela relativas, conforme RMS 14.434/MG (j. 09/03/03), relatado pelo

Ministro Fontes de Alencar (CARVALHO FILHO, 2005, p. 516), tendo o Ministro Paulo Me-

dina divergido do relator para ressaltar que no conflito entre o princípio da legalidade

estrita e o da isonomia, há de se prestigiar o último. O Ministro Edson Vidigal votou no

sentido de que a prática forense deve ser interpretada da forma mais razoável possí-

vel, de acordo com atividades que possibilitem ao indivíduo o desenvolvimento na área

específica do Direito, conforme MS 6.867/DF (DJ 18/09/00). é nesse sentido o posicio-

namento do Juiz Federal José Carlos Machado Júnior, ao comentar a EC n. 45/04, para

quem atividade jurídica é conceito mais amplo que prática forense, sendo que ativida-

de é fato, é realidade, o que deve conduzir à verificação da função de fato exercida,

se nela o agente emprega conhecimento jurídico próprio e específico do bacharelado

em Direito (MACHADO JÚNIOR, 2005, p. 24). O Tribunal Regional Federal da 1ª Região —

TRF/1ª Região também já decidiu que a prática forense pode ser obtida por candidato

portador de diploma de Direito, ocupante de cargo de nível médio do Poder Judiciário,

que comprova o exercício de atividades jurídicas em gabinetes de juízes federais, con-

forme AC 2005.33.00.023686-6/BA (j. 29/03/06).

Hugo Mazzilli também entende que atividades desenvolvidas nos tribunais, como as dos

servidores, de pesquisas jurídicas e de assessorias jurídicas, também se enquadram no

conceito de atividade jurídica, e entende que o estagiário de magistratura poderia con-

tar esse tempo de experiência profissional jurídica que, segundo ele (MAZZILLI, 2005, p.

60), não se confunde com a mera formação cultural acadêmica dos bancos escolares. E,

ainda, anteriormente à edição da EC n. 45/04, o STF decidiu pela razoabilidade da exi-

gência de dois anos de bacharelado em Direito para ingresso em carreira do Ministério

Público, por corresponder à experiência profissional, o que, ao contrário de se afastar

dos parâmetros da maturidade pessoal e profissional, adota critério objetivo que a am-

bos atende, conforme votos dos Ministros Néri da Silveira e Ellen Gracie, na ADI 1.040.

Page 15: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

42Doutrina

O STJ também decidiu que é indevida a exigência de inscrição na Ordem dos Advo-

gados do Brasil — OAB para a comprovação de prática forense, de modo a permitir a

inscrição em concurso para a Advocacia-Geral da União, sendo o conceito de prática

forense muito amplo e não restrito à prática da advocacia, conforme MS 5.841/DF

(DJ 19/04/99), relatado pelo Ministro Gilson Dipp. Recentemente, a Ministra do STF

Cármen Lúcia, no voto condutor da ADI 3.460 (DJ 15/06/07), entendeu que a Emenda

Constitucional n. 45/04 visou à ampliação das possibilidades de participação daqueles

que tinham condições, mas não aptidão, para o exercício da advocacia, como asses-

sores de juízes.

No que toca a servidores concursados do Poder Judiciário, conquanto vedado o exercício

da advocacia pelo Estatuto da OAB, tal norma não deveria induzir à negativa de inscrição,

com a ressalva na carteira quanto ao expresso impedimento. No mesmo sentido, não é ra-

zoável a exigência do STJ de os servidores apresentarem declaração ao órgão de que não

exercem atividade de advocacia, ainda que em defesa do próprio interesse (conforme

notícias constantes do site em 02/06/05). Isso porque não é razoável tolher do bacharel

em Direito que postule em juízo em defesa de seus próprios interesses, ainda que se en-

tenda haver a restrição quanto à não-postulação em face do ente público empregador.

A jurisprudência tem aceitado exigências de exercício de atividade profissional para

comprovação de maturidade pessoal e profissional. Colaciona-se a decisão liminar pro-

ferida no MS 26.690 (j. junho de 2007), deferindo a participação de candidato na fase de

provas orais, afastando a decisão administrativa que excluiu promotora sem três anos

de atividade jurídica do concurso para o Ministério Público Federal. Embora se trate de

requisito objetivo, decidiu o Ministro Eros Grau que a candidata já exercia atribuições

inerentes ao Ministério Público, bem como algumas delegadas do Ministério Público Fe-

deral, o que não poderia acarretar o indeferimento de sua inscrição definitiva.

Devem ser previstas, ainda, no edital do concurso, para garantia da moralidade do

processo, regras gerais relativas à ampla publicidade e transparência do certame, con-

dições públicas em que se realizará o concurso, bem como a observância, para todos os

concorrentes, do mesmo processo de exame e, por conseguinte, dose de conhecimentos

e critério de julgamento. O STJ decidiu que a regra geral, uniforme e imparcial, fixada

após o edital de abertura, dirigida a todos os concorrentes, relativa aos critérios de cor-

reção da prova, não ofende os princípios da isonomia e da publicidade, conforme RMS

18.793 (11/11/04). Isso desde que ainda não se tenham prestado as provas ou contato

Page 16: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

43 Doutrina

dos examinadores com as mesmas.

No que toca a critérios de desempate, cumpre destacar a disposição do Estatuto do Ido-

so, inserta em seu art. 27. Ao dispor que o primeiro critério de desempate em concurso

público será a idade, dando-se preferência ao de idade mais elevada, objetivou a nor-

ma privilegiar situação de empate em que há um idoso na disputa. A interpretação sis-

temática conduz à referida conclusão, sob pena de discriminação ao contrário. Assim, o

dispositivo legal deve ser assim interpretado: o primeiro critério de desempate em con-

curso público será a idade, quando houver idoso na disputa, dando-se preferência ao de

idade mais elevada, sob pena de afronta aos demais dispositivos constitucionais, já que

o concurso público é procedimento que avalia eminentemente o mérito dos candidatos.

Quanto à fixação de critérios de concorrência em caráter regional e em área de espe-

cialização, esses são válidos desde que não firam a vedação federativa prevista no art.

19, III, da CF/88 quanto às distinções entre brasileiros e preferências entre os entes da

Federação, já tendo assim decidido o STF, no RMS 23.432/DF (j. 04/04/00), de relato-

ria do Ministro Octávio Gallotti, conforme Informativo 184 (MORAES, 2004a, p. 839).

Assim, tem-se que a igualdade tem conteúdo jurídico, devendo ser densificada ca-

suisticamente, sendo possíveis discriminações se legitimadas pelo sistema normativo.

Conclui-se, portanto, que, ressalvada a capacidade civil, toda e qualquer outra condi-

ção deve guardar total pertinência com a função a ser executada, sob pena de nulida-

de, pois a regra geral é a proibição de distinções puramente discriminatórias (DALLARI,

1992, p. 34).

No ponto relativo à identificação datiloscópica, não há constrangimento ou ilegalidade

na exigência de coleta de impressão digital de todos os candidatos, constante do edital,

atendendo ao princípio da isonomia e ao interesse público. O TRF/1ª Região já apreciou

a questão nesse sentido, pontuando que vem ao encontro da lisura do concurso e que

não ofende a presunção de inocência, mas vem no sentido de coibir o grande número

de fraudes que têm ocorrido em concursos públicos, o que atende à boa-fé e confiança,

preservando o equilíbrio entre os candidatos. Não se trata de negar fé a documentos

públicos relativos à identificação civil, mas de garantia contra eventuais fraudes e

de preservação dos direitos dos demais candidatos probos e da administração pública

como um todo, o que reflete na sociedade, destinatária dos serviços. São precedentes

Page 17: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

44Doutrina

a AC 2000.33.00.003022-1/BA (DJ 30/05/05), relatada pela Desembargadora Federal

Selene Maria de Almeida, e a AC 1999.01.00.104169-3/MG (DJ 13/03/03) de relatoria

do Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro.

Relativamente à limitação quantitativa de candidatos habilitados à fase seguinte do

concurso público o STJ decidiu, em concurso público para o cargo de promotor de

justiça do Estado do Espírito Santo, que, inexistindo previsão da lei estadual quanto

à limitação, todos os que atingiram a média de sessenta por cento prevista no edital

deveriam ingressar na segunda etapa do certame, conforme SS 1.428, decidida em

04/11/04 pelo Ministro Edson Vidigal, diante dos princípios da eficiência e finalidade,

fundamentos, contudo, que devem ser sopesados.

Importa destacar que, dependendo do concurso público e do grau de dificuldade cons-

tante em suas várias etapas, as provas escritas realizadas em um só dia ou em um

mesmo final de semana se consubstanciam, muitas das vezes, em provas de resistência

física. Às vezes, até mesmo as provas de capacidade física são todas realizadas no mes-

mo dia, devendo-se confrontar com o princípio da razoabilidade. é de se analisar, no

caso concreto, afronta ao princípio da eficiência e desvirtuamento das finalidades das

etapas do concurso, com fincas ao enquadramento da norma como exigência excessiva

ou não, de acordo com as peculiaridades de cada caso, ou valorização do princípio da

economicidade na aplicação de várias provas em um só dia.

Consubstancia-se exacerbada a exigência de identificação mediante documento de

identidade e a não-aceitação de sua fotocópia no ato da prova, quando já submetido à

identificação datiloscópica de todas as digitais o candidato, providência que já eviden-

ciou a inexistência de fraude, conforme decisão do Tribunal de Justiça de Goiás na AC

101620-1/189 (j. 16/11/06).

Em se tratando de fraudes, devem ainda os editais de concursos trazer a previsão de

que referidas atitudes realizadas por candidatos ou a prática de atos vedados pelo

edital e pela lei acarretarão sua exclusão do certame, de acordo com os princípios da

moralidade e impessoalidade.

Em concursos nos quais se disputam vagas existentes em localidades diversas, os candi-

datos devem elaborar, na ordem de sua classificação, listas de preferências, que devem

ser observadas pelo órgão público organizador do concurso e, caso chegue a vez do can-

Page 18: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

45 Doutrina

didato e já se tiver operado o preenchimento de todas pelas quais optou, deve ser ouvido

novamente, sob pena de quebra da ordem de preferência estabelecida constitucional-

mente. Foi o que decidiu a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, do STJ, no RMS 11.422

(j. 21/05/07), ao estabelecer que, não estipulando o edital quantas localidades o candi-

dato deveria escolher, sendo critério omisso no edital, e diante da vedação constitucional

à preterição da ordem de classificação, deve a Administração convocar o candidato para,

uma vez preenchidas as vagas das localidades preferidas, escolher entre as restantes.

O STF decidiu, no RE 264.848 (j. 29/06/05), que o requerimento para aquisição da na-

cionalidade brasileira é suficiente para a disputa mediante concurso público, o que pode

afrontar o princípio da eficiência, pois o simples requerimento não induz à certeza do

deferimento.

No que toca especificamente a exigências durante a realização das provas de concursos

públicos, cumpre verificar a proporcionalidade entre a exigência e o resultado que se

almeja alcançar. Ilustrativamente, cite-se a vedação de utilização de relógios durante a

realização das provas, ainda que não digitais, o que, em inexistindo relógios nos recintos

destinados à sua realização, pode configurar exigência desproporcional e pode acarretar

prejuízos aos candidatos, o que deve ser coibido. Por outro lado, os modernos recursos

da tecnologia, a facilitar a existência de fraudes cada vez mais sofisticadas, poderiam

justificar a referida proibição, atendendo aos princípios do concurso público.

Ao tratar da aplicabilidade do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no

concurso público, Weida zancaner (2005, p. 166) afasta as exigências excessivas, que

devem ser confrontadas com a habilitação para o cargo, tendo em vista que a razão

de ser do Direito Positivo é a sua efetivação. Assim, não se pode admitir a cobrança de

conhecimentos mais amplos do que os necessários ao exercício da função, em razão

do princípio da proporcionalidade, assim como a prova de capacitação física deve ser

razoável e compatível com a função. Quanto à habilitação, também não se pode exigir

capacitação técnico-profissional excessiva.

João Batista Gomes Moreira, ao tratar dos princípios constitucionais da legalidade e

eficiência nos concursos públicos, entende que é possível o abandono às regras do edital

e até da lei propriamente dita para fazer prevalecer a finalidade implícita nas regras

constitucionais, citando o Enunciado 266 do STJ, o qual prescreve que o diploma ou

habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição

Page 19: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

46Doutrina

para o concurso público. E persiste, nessa linha de flexibilidade, para atender à finali-dade, citando decisão da 5ª Turma do TRF/1ª Região, em processo seletivo de licitação — similar ao do concurso público —, no sentido de ser possível deixar para o momento da entrega dos equipamentos a satisfação da exigência de possuir oficina, muito embora o edital, não impugnado, previsse a satisfação dessa exigência por ocasião da proposta. Segundo o doutrinador, a decisão judicial deu a tal norma interpretação sistemática e teleológica, diante da constatação de que se a empresa não precisava possuir, no mo-mento da proposta, já prontos, os helicópteros, não era razoável que devesse ter, já, a oficina, que é acessório (MOREIRA, 2005, p. 136).

Especificamente na fase de inscrições preliminares — momento processual hábil para oportunizar o acesso, o mais amplo possível, de todos aqueles que pretendam concorrer às funções públicas oferecidas no concurso, garantindo à administração pública a com-petência de velar pela lisura do certame, diante do poder-dever de anular a inscrição e todos os atos dela decorrentes se realizada com base em declaração falsa relativa ao candidato — não se pode aceitar que o edital preveja exigências absurdas. Dentre essas, pode-se citar a apresentação, nesta fase, de documentação relativa a títulos, de currículos, enfim, de documentos cuja análise só será efetivada em fase posterior, como documentos pessoais dos candidatos e os relativos à comprovação de sua habilitação, atestados de antecedentes criminais e certidões de distribuidores de foros, sendo que, quanto àqueles, ainda há a agravante de possibilidade de direcionamento do certame, com desvio de finalidade. Tais exigências dificultam a inscrição e o acesso, afrontando princípios como a ampla acessibilidade e a razoabilidade, na medida em que muitos dos candidatos não prosseguirão no certame, sendo desnecessária, portanto, a apresenta-ção por eles dos referidos documentos.

é também antieconômica e desarrazoada a exigência de realização de atos preliminares diretamente no órgão que realiza o concurso, para a prática dos quais, via de regra, é desnecessária a apresentação prévia de documentos. No contexto mundial, em que os meios eletrônicos de comunicação de dados, como a internet, são um dos recursos mais utilizados, sendo que muitos concursos têm disponibilizado a inscrição preliminar por este meio, a exigência de realização de atos pessoalmente, ou ainda que por procura-ção, vai de encontro aos princípios aplicáveis ao concurso público.

Na era atual, devem-se garantir as inscrições preliminares pela internet, sendo que referida providência atende aos princípios da ampla acessibilidade, da economicidade

Page 20: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

47 Doutrina

e da segurança, sendo a comprovação dos requisitos feita no momento da posse, con-forme, inclusive, entendimento já sumulado pelo STJ, de acordo com o Enunciado 266. Segundo o jurista acima citado, quanto ao momento de comprovação da habilitação para o exercício da função, importa fazer prevalecer a finalidade implícita nas regras constitucionais, revelada pelo STJ no Enunciado 266, segundo o qual o diploma ou ha-bilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público (MOREIRA, 2005, p. 135). Com efeito, a comprovação de deter-minada experiência ou habilitação, em concursos públicos, é importante na medida em que o candidato ingressar no exercício da função pública. Assim, é inexigível a compro-vação dos requisitos no momento da inscrição, por desproporcional. Além disso, até o momento da posse no cargo, o concorrente é somente mero candidato, sendo excessiva a conduta do administrador que antecipa a exigência da comprovação no momento preliminar. Não importa se no momento da inscrição não são atendidos determinados requisitos, mesmo porque, após a aprovação, ainda costuma ocorrer um lapso, configu-rando-se, assim, discriminação, configurando-se referidas exigências como prematuras, desnecessárias e inoportunas, sendo o entendimento da jurisprudência predominante do STJ e do STF.

Nesse ponto, José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 517) defende a importância da distinção entre requisitos de inscrição e requisitos do cargo, sendo legítimo exemplo dos primeiros a apresentação de documento de identidade para identificação do candi-dato, de procuração quando feita a inscrição por mandato.

Merece destaque a decisão do Ministro Marco Aurélio no MS 25.326 (25/04/05), em que se autorizou a continuação do impetrante no certame, que já havia completado o tem-po exigido de bacharelado em Direito, tendo em vista que a norma não especificava se a comprovação deveria se dar na inscrição preliminar ou na definitiva, em sintonia o STF com os princípios aplicáveis ao concurso público.

Também não é razoável sejam exigidas posturas cujos eventuais efeitos são diferidos para momento posterior à aprovação no certame, como a apresentação, no ato da ins-crição, de declaração em que o candidato se compromete a promover sua exoneração, em caso de empossamento na função disputada no certame. Referida exigência, além de se tratar de questão de acumulação de funções públicas, sem qualquer relação com a fase de realização do certame, mas somente posterior à eventual posse, viola a liberdade do candidato, que pode, posteriormente, deliberar de forma diversa, sem

Page 21: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

48Doutrina

qualquer prejuízo para a administração pública, já que se trata de direito do candidato.

O STF sumulou seu entendimento no Enunciado 684, no sentido da inconstitucionalida-de do veto não motivado à participação de candidato a concurso público, privilegiando os princípios constitucionais da motivação e da transparência.

Para garantia da moralidade do processo, devem o edital e a resolução garantir ampla inscrição dos candidatos — o que atende à publicidade e eficiência administrativa e im-plica na facilitação de sua realização, especialmente pela internet —, bem como prazo razoável desde a publicação do edital. O interstício entre a publicação do edital e a realização das provas também deve observar um prazo razoável, viabilizando a melhor preparação dos candidatos.

Quanto às inscrições de pessoas portadoras de deficiência, o percentual das funções públicas deverá ser previamente definido por lei, que também definirá seus critérios de admissão, na forma do inc. VIII do art. 37 da CF/88, bem como se dar em pata-mar razoável, sob pena de inconstitucionalidade por violação aos demais princípios constitucionais, devendo a comprovação da incapacidade se dar no momento da ins-crição, sob pena de indeferimento desta, pois, desde este ato inicial, já se valem os candidatos assim inscritos de alguns benefícios e prerrogativas, tais como a inscrição diferenciada e a aplicação de várias das provas de forma especial. A deficiência deve ser comprovada por perícia médica, por junta oficial do organizador do certame, e não pode incapacitar o agente de modo absoluto para o exercício da função pública, devendo ser com este compatível.

Foi exatamente considerando-se a possibilidade de afronta ao princípio da isonomia que se questiona, na ADI 3.714, distribuída ao Ministro Carlos Ayres Britto e ainda pendente de julgamento, a constitucionalidade de norma que restringe o horário dos sábados para realização de concurso público, sob o argumento de garantia ao exer-cício de liberdade religiosa. O impetrante, ao nosso ver corretamente, aduziu que o diploma normativo pode vir a, reversamente, minar garantias constitucionais de diversos outros grupos religiosos do Brasil.

Assim, a moldura constitucional dos princípios define o que pode e deve ser objeto dos editais de concursos públicos, bem como o que se configura exigência abusiva em face do provimento das funções públicas pela administração pública.

Page 22: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

49 Doutrina

4 Conclusão

A realização de concurso público, para selecionar o candidato que mais se enquadre às exigências da função pública a ser preenchida, é um dos instrumentos — que têm como fundamento os princípios — colocados à disposição da administração pública para fazer valer as garantias democráticas e os preceitos constitucionais.

Nesse contexto, os editais de concursos públicos devem ser objeto de controle, espe-cialmente confrontados com os princípios constitucionais. O controle externo da admi-nistração pública é de grande relevância, mas deve-se fortalecer a cidadania em nosso País, fundamento da República, nos termos do art. 1º, II, da CF/88, provocando o controle administrativo no que tange aos concursos públicos. Cabe à Administração, de outro lado, realizar seriamente controle prévio de seus atos, inclusive dos princípios constitucionais, sob pena de improbidade administrativa, conforme art. 11 da Lei n. 8.429/92.

Na prática administrativa, os benefícios efetivos do concurso público estão muito aquém das suas possibilidades, conforme se pôde observar por situações concretas analisadas, especialmente em editais de concursos e em precedentes jurisprudenciais, enquanto que a plena e efetiva aplicação dos princípios constitucionais, na modulação do concur-so público, acarretará o alcance de seus fins.

A burla ao concurso público ou aos princípios a ele aplicáveis ensejam sanções das mais diversas naturezas. Os direitos que o administrado tem diante do Estado, a exigir prestações ativas ou negativas, constituem, segundo Seabra Fagundes (1967, p. 150), direitos públicos subjetivos. A Constituição Federal fulmina à nulidade o ato que inob-serve o disposto nos incs. II e III do art. 37, que tratam da obrigatoriedade do concurso público para investidura em função pública, procedimento que deve ser realizado de acordo com a natureza e a complexidade da função. Os § § 2° e 4° ainda dispõem sobre a punição da autoridade responsável por improbidade administrativa.

Segundo Cármen Lúcia Antunes Rocha (1994, p. 204), em se corrompendo o primeiro momento de escolha de agentes públicos, é inevitável sua presença nos momentos pos-teriores, de exercício das funções estatais, havendo sempre um broto, fruto daquela semeadura espúria da primeira hora.

Assim, é de fundamental importância o concurso público, em especial em razão do

Page 23: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

50Doutrina

passado histórico do País, tendo-o como requisito para a boa prestação de serviços,

reunindo um corpo de servidores capazes e eficientes, consequência de uma seleção

bem organizada, realizada e controlada.

Eficiente instrumento de controle dos concursos públicos, para seleção de agentes, é o

edital do concurso, em que todas as suas disposições, regras, exigências e fases devem

atender plenamente e de modo integrado ao arcabouço principiológico. Em havendo

um edital de concurso com estas características, estar-se-á dando cumprimento ao fim

do concurso, que é a melhor e justa seleção, e serão evitadas milhares de ações que

banalizam tal instituição, em um abuso do controle. Os concursos, em suas várias fases,

devem ser objetivizados, até mesmo naquilo que aparenta subjetividade.

O processo de preenchimento das funções públicas influencia no exercício da função

pública e no perfil, qualidade e estilo do agente que se seleciona, sendo um fator de-

finidor essencial do tipo de Estado que se pretende construir e da evolução almejada,

justificando-se o estudo dos editais de concursos públicos, mediante aplicação dos prin-

cípios constitucionais e administrativos, na busca da consolidação da democracia, na

qual se impõe a continuidade de políticas públicas para além de governos episódicos.

Assim, o êxito da administração pública está intimamente relacionado à qualidade do

pessoal que a integra, sendo de extrema relevância o processo de seleção dos agentes

e, consequentemente, seu edital.

5 Referências

ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Motivação e controle do ato administrativo. 2. ed. Belo

Horizonte: Del Rey, 2005. 206 p.

ÁVILA, Humberto. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o

particular. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ — Centro de Atualização Jurídica, v.

I, n. 7, out. 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 10

abr. 2006.

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. O concurso público e o processo administrativo. In:

MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum,

2005. p. 73-89.

CAMMAROSANO, Marcio. Cargos em comissão — breves considerações quanto aos limites

Page 24: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

51 Doutrina

à sua criação. Revista Interesse Público, Porto Alegre, n. 38, jul./ago. 2006. p. 25-31.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2005. 953 p.

COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da administração pública.

São Paulo: Saraiva, 2002. 217 p.

CUESTA, Rafael Entrena. Curso de Derecho Administrativo. 12. ed. Madrid: Tecnos,

2002. 333 p. v. 2. I/2 Organización administrativa.

DALLARI, Adilson Abreu. Regime constitucional dos servidores públicos. 2. ed. rev. e

atualiz. de acordo com a CF/88. São Paulo: RT, 1992. 167 p.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. 823 p.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, per-

missão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São

Paulo: Atlas, 2005. 449 p.

ENTERRíA, Eduardo García de. La lucha contra las inmunidades del Poder en el Derecho

Administrativo. Madrid: Civitas, 1974. 99 p.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed.

Porto Alegre: Globo, 1976. p. 750. v. 1 e 2.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Os tribunais de contas e o controle sobre as admis-

sões no serviço público. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo

Horizonte, ano XX, n. 2, abr./jun. 2002. Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br>.

Acesso em: 03 mar. 2007.

FERRAz, Luciano. Concurso público de provas e títulos. Constitucionalização do Direito

Administrativo. Princípios jurídicos como limites à discricionariedade administrativa

(parecer). Revista Interesse Público, Porto Alegre, n. 35, jan./fev. 2006. p. 127-141.

FERRAz, Luciano. Concurso público e direito à nomeação. In: MOTTA, Fabrício (Coord.).

Concurso público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 245-255.

FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Comentários à reforma administrativa federal.

2. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. 443 p.

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São

Paulo: Malheiros, 1997. 168 p.

Page 25: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

52Doutrina

GASPARINI, Diogenes. Concurso público — imposição constitucional e operacionaliza-

ção. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo Horizonte:

Fórum, 2005. p. 13-72.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. 863 p.

MACHADO JÚNIOR, José Carlos. A reforma do Poder Judiciário (EC n. 45/04) e a exigên-

cia de três anos de atividade jurídica para o ingresso nas carreiras da magistratura e do

Ministério Público. Justiça em Revista: Revista da Justiça Federal de Primeiro Grau em

Minas Gerais, Belo Horizonte, ano II, n. 2, abr. 2005. p. 23-25.

MAGALHãES, José Luiz Quadros de. Agências reguladoras: a inconstitucional usurpação

da política democrática pela ditadura da técnica. Disponível em: <http:// www. cadi-

reito.com.br/artigos/art50.htm>. Acesso em: 22 maio 2003.

MAzzILLI, Hugo Nigro. A prática de atividade jurídica nos concursos. Revista do TRF/1ª

Região, Brasília, ano 17, n. 4, abr. 2005. p. 58-61.

MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública pelo Tribunal de Contas. Boletim

de Direito Administrativo, São Paulo, v. 8, n. 2, fev. 1992. p. 83-99.

MEDEIROS, Ethel Bauzer. Provas objetivas, discursivas, orais e práticas. 7. ed. Rio de

Janeiro: FGV, 1983. 178 p.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros,

1999. 749 p.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Regime constitucional dos servidores da administra-

ção direta e indireta. São Paulo: RT, 1990. 103 p.

MELO, Frederico Jorge Gouveia de. Admissão de pessoal no serviço público: procedi-

mentos, restrições e controles. Belo Horizonte: Fórum, 2006. 176 p.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional.

4. ed. São Paulo: Atlas, 2004a. 3068 p.

MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administração pública. 2. ed.

São Paulo: Dialética, 2004b. 239 p.

MOREIRA, João Batista Gomes. Princípios constitucionais da legalidade e eficiência nos

concursos públicos. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo

Horizonte: Fórum, 2005. p. 121-138.

Page 26: Editais de concursos públicos e seus elementos padrões ... · de certa forma viciados, desde a origem, ... classificatórias ou eliminatórias, apresentando-se gabaritos em suas

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2009 | v. 70 — n. 1 — ano XXVII

53 Doutrina

NÓBREGA, Airton Rocha. Exigências abusivas em concursos públicos. O Neófito — in-formativo jurídico, maio 2000. Disponível em: <http://www.neofito.com.br/artigos/ art02/admin52.htm>. Acesso em: 2 ago. 2002.

NOGUEIRA, Ataliba. O Estado é meio e não fim. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1955. 163 p.

PINTO, Francisco Bilac Moreira. Enriquecimento ilícito no exercício de cargos públicos. Rio de Janeiro: Forense, 1960. 411 p.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. 308 p.

SANTANA, Jair Eduardo. Concurso público. Instrumento constitucional de investidura em cargos e empregos públicos. Restrições usualmente inseridas nos editais e o princí-pio da isonomia. Observância do prazo de validade do concurso. Preterição de ordem e seus efeitos. Fórum Administrativo — Direito Público - FA, Belo Horizonte, ano 6, n. 69, nov. 2006. p. 8.095-8.104.

SANTOS, Waldir. Concurso público: uma ferramenta democrática subutilizada. Jus Na-vigandi, Teresina, a. 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3726>. Acesso em: 28 jun. 2004.

SEABRA FAGUNDES, Miguel. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. São Paulo: Saraiva, 1967. 481 p.

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malhei-ros, 2006. 1023 p.

SOUSA, éder. Concurso público: doutrina & jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. 160 p.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. rev. e atualiz., 6. tira-gem. São Paulo: Malheiros, 2005. 189 p.

zANCANER, Weida. O concurso público e os princípios da razoabilidade e da proporcio-nalidade. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo Horizon-te: Fórum, 2005. p. 161-168.