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360 EDIÇÃO 16 • DEZEMBRO DE 2017 Antônio Britto afirma que soluções a curto prazo fazem mal à saúde Prevenção e promoção: ações que dão resultados Apostar em diferentes modelos de negócios e serviços pode ser a resposta para os desafios do setor Novos rumos

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360EDIÇÃO 16 • DEZEMBRO DE 2017

Antônio Britto afirma que soluções a curto prazo fazem mal à saúde

Prevenção e promoção: ações que dão resultados

Apostar em diferentes modelos de negócios e serviços pode ser a resposta para os desafios do setor

Novos rumos

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EDITORIAL

Poucos assuntos mexem tanto com a vida em sociedade como a política. Até mesmo a apatia é um sinal de que muita diferença ela faz na construção de um país, na coletividade e, consequentemente, no impacto cotidiano dos cidadãos.

O ser humano é um ser político e fala de política mes-mo quando não percebe. Quando discute com o vizinho a demora na obra da esquina, quando reclama dos impostos, quando escolhe uma escola para o filho ou quando segue ou não as leis de trânsito. Não há como dissociar a vida em sociedade da política e de todas as regras e consequências que ela, em si, traz para cada um.

O que nos afasta da política e chega a causar ojeriza é a distância abissal entre os políticos e a realidade. No Bra-sil, especialmente, esta lacuna tem se mostrado crescente. Enquanto políticos tratam de seus interesses no Congresso Nacional, o país caminha aos trancos e barrancos, quase sem comando. A vida continua, as pessoas desacreditam um pouco mais a cada dia, e o risco de elegermos, em 2018, outro populista é gigantesco.

A abstenção dos votos, a apatia, o desinteresse e a crise de representatividade que vivemos em nossa democracia engrossam o caldo. Mais: o esquema político-ideológico do populismo possibilita a emanação de um líder que fala pelo povo e que é a voz dele. Obviamente, povo formado por ho-mens simples, porque o populista fala o que lhe vem à cabe-ça e promete coisas que o povo quer ouvir – mas sem contar como, quando e por quê. Junte-se a esta receita o enorme

poder da televisão, da imagem, do discurso e das redes so-ciais e está feito: o populista emocionado fala às massas, ga-nha o voto do povo apático e desacreditado, utilizando um discurso vazio, mas que toca o desejo íntimo do cidadão de ver resolvidos todos os seus problemas.

Neste sentido, é importante revisitar a história. O popu-lismo gerou o nazismo e o fascismo, na Europa. Na América Latina, Venezuela e Bolívia são apenas dois exemplos de desastres populistas, cujos governos incitaram as massas e depois as enredaram em sua armadilha, transformando os cidadãos em vítimas. No Brasil, os 13 anos do populismo petista mostraram do que a esquerda é capaz quando o as-sunto é aparelhamento do Estado, corrupção, ineficiência e promessas vazias.

As armas contra a enganação são o conhecimento e o envolvimento político. Isso quer dizer que é preciso sair da bolha em que vivemos. Estudar, informar-se. Existem inúme-ras escolas que oferecem cursos de formação em política, por exemplo. Ler sobre o assunto, interessar-se por história e geopolítica também é essencial. Habituar-se a ler jornais. Aproximar-se da câmara municipal local. Cobrar os políti-cos. Creio que esta seja a lição de casa para todos os brasi-leiros em 2018. Aos menos para aqueles que acreditam na democracia e na sua força de transformação.

Yussif Ali Mere JrPresidente

2018 e o risco do

populismo

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ÍNDICEEspecialistas opinam sobre a revista e o destaque do Portal FEHOESP 360

Os principais eventos na seção de Notas

Mais cara, saúde suplementar sofre para fechar as contas

Antônio Britto fala sobre os desafios da saúde, inovação e cenário político-econômico

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Disrupção pode ser saída para o setor da saúde se transformar

CAPA 18

Ações de prevenção e promoção da saúde contribuem para a sustentabilidade do sistema

Felipe Kietzmann comenta os riscos corporativos e a importância do compliance para os hospitais

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PAINEL DO LEITOR ONLINE

Confira, na edição digital, os conteúdos exclusivos da

Revista FEHOESP 360 em seu smartphone,

tablet ou computador.

360

CAPAAssista as entrevistas exclusivas

com os palestrantes do 2º Conecta Saúde e veja a íntegra das

palestras do evento.

ENTREVISTAConfira a opinião de Antônio

Britto sobre compliance e as questões éticas que envolvem

a relação entre a indústria farmacêutica e os médicos.

Vida longaTemas que abordem aspectos éticos da difícil arte do cuidar parecem--me serem tão importantes quanto os que discutem ou apresentam dados técnicos, pois é sabido que a humanidade evoluiu muito tecni-camente nas últimas décadas. Mas, como técnica não significa ética, a reflexão de temas nesta área é fundamental para as nossas escolhas e a ampliação da consciência. A Revista FEHOESP 360 tem caminhado com esta preocupação e atenção. Parabéns! Desejo vida longa à publi-cação e que ela possa continuar neste caminho de reflexão e atenção.

EDSON ROGATTI, PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO DAS SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA, HOSPITAIS E ENTIDADES

FILANTRÓPICAS (CMB) E DA FEDERAÇÃO DAS SANTAS CASAS E HOSPITAIS BENEFICENTES DO ESTADO DE SÃO PAULO (FEHOSP)

AtualAcompanho a Revista FEHOESP 360 desde o primeiro número. As pautas são atuais e nos fazem refletir sobre nossa maneira de traba-lhar, os desafios do momento vigente e do futuro. Eu acredito que a cada novo dia temos algo diferente para aprender. Os assuntos não se esgotam e, por isso, é importante nos atualizarmos e estarmos sem-pre atentos às novas tendências relacionadas à gestão e regulação do nosso setor, que é muito complexo. Esta publicação nos proporciona a possibilidade de ampliarmos o conhecimento e ter acesso a visões diferentes sobre temas importantes para o setor da saúde. Parabéns pelo trabalho!

DESTAQUE DO PORTAL O portal www.fehoesp360.org.br teve como destaque no último mês um parecer sobre as férias coletivas sob a ótica da nova lei 13.467/17, que promoveu a reforma trabalhista no país.

Preparado pelo departamento Jurídico da FEHOESP, o informe des-taca que a lei não alterou os artigos 139 a 141 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que dispõe sobre o assunto. Com isso, continua sendo prerrogativa do empregador a concessão ou não das férias cole-tivas, podendo beneficiar todos os colaboradores de uma empresa ou somente alguns setores.

Outro destaque foi a notícia da Agência Nacional de Saúde Suple-mentar (ANS), que irá incluir 18 novos procedimentos obrigatórios para os planos de saúde a partir de janeiro de 2018.

MARIA JÚLIA PAES DA SILVA, PROFESSORA DOUTORA EM ENFERMAGEM PELA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)

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NOTAS

Tecnologia é tema de encontro em SP O Fórum de Saúde da Câmara Americana de Comércio (Am-cham), realizado outubro, na capital paulista, reuniu líderes e gestores de saúde para discutir os desafios do setor nos âmbitos público e privado, além do papel das novas tecno-logias para gerir recursos e impulsionar o mercado.

Durante os debates, o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população foram reconhecidos pelos líderes como propulsores do aumento dos gastos em saú-de, mas, ao mesmo tempo, foram citados como fatores que trazem oportunidades de desenvolvimento. Um exemplo é a tecnologia. Além de ser grande aliada para diminuir custos em saúde, é uma ferramenta fundamental para auxiliar na

Os associados e fellows do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (Cbexs) participaram, em 10 de outubro, de mais

uma edição do evento Conexão, desta vez realizado em parceria com a Associa-

ção Nacional de Hospitais Priva-dos (Anahp), em São Paulo.

O encontro reuniu os prin-cipais especialistas do setor para debater tecnologia e hospital 4.0. Carlos Gouvêa,

Cbexs debate sobre hospital 4.0

prevenção de doenças, forne-cer mais informações para faci-litar o diálogo entre profissionais e pacientes, sem contar os inúmeros tratamentos e soluções para melhorar a qualidade de vida das pessoas.

presidente da Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em Saúde (ABIIS), falou sobre os benefícios trazidos pelas novas tecnologias para o setor, no que diz respeito à redução de custos e a personalização do cuidado. O big data, a previsão de tráfego de dados e a internet das coisas foram citados como ferramentas que irão reformular o sistema. “A virtuali-zação da saúde traz facilidade no acesso e um foco maior no usuário final por meio da saúde centrada no paciente, onde o consumidor se torna um agente ativo”, explicou Gouvêa.

O hospital 4.0 como forma de interação com os pacien-tes, o desenvolvimento de tratamentos e as diretrizes de TI, com o objetivo de compartilhar as melhores práticas em tecnologia da informação para o setor hospitalar também foram discutidos no encontro.

Clínica Maia celebra 50 anosPara celebrar suas cinco décadas de serviços prestados no tratamento em dependência química e transtornos mentais, a Clínica Maia realizou um evento, em 18 de outubro, que reu-niu cerca de cem profissionais do setor, para discutir o que foi realizado pela entidade e a evolução da psiquiatria no Brasil.

Hewdy Lobo, nutrólogo e especialista em psiquiatria da infância e adolescência, destacou a reforma psiquiátrica brasileira, as novas concepções relacionadas aos indivídu-os com transtorno mental e o tratamento para esse tipo de doença, que passou a respeitar as particularidades de cada paciente, visando um atendimento multidisciplinar e huma-nizado, com foco também no aspecto psicossocial.

Isidoro Cobra, mestre em psiquiatria, aproveitou a oportu-nidade para homenagear Edmundo Maia, fundador da Clíni-ca Maia, que entre 1961 e 1962, foi diretor da Divisão Nacional de Saúde Mental, no Ministério da Saúde. “Foi seguindo os preceitos do dr. Edmundo, que a clínica é reconhecida, prin-cipalmente, por seu enfoque humani-tário que abrange não só o pacien-te, como também sua família.”

Marco Antonio Bego falou sobre o processo de transformação

do Hospital das Clínicas

Luis Fernando Ferrari Neto, José Carlos Barbério e Marcelo Gratão, respectivamente, diretor da FEHOESP, presidentre do IEPAS e CEO das entidades

Hubert Reingruber, proprietá-rio da Clínica Maia, e Ricardo Mendes, diretor da FEHOESP

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Ministro da Fazenda diz que Brasil precisa de reformas O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, participou, em 30 de outubro, do almoço-debate com empresários de São

Paulo, onde enfatizou a necessi-dade de aprovação da refor-

ma da Previdência Social com urgência, afirman-

do que “caso contrá-rio, o país quebrará”.

Com a aproxima-ção de 2018, segun-do o ministro, os po-

líticos e autoridades

A Fundação Pró-Rim promoveu, no dia 9 de novembro, em Joinville (SC), o Fórum Certificação de Qualidade para Insti-tuições de Saúde, com a participação de representantes de institutos de acreditação nacional e internacional, de enti-dades e secretarias de Saúde.

O evento teve como objetivo discutir as expectativas e o reconhecimento das instituições quanto à qualidade dos serviços de saúde, além de debater as soluções para a me-lhoria no atendimento das atividades e na segurança dos pacientes, tanto em instituições privadas como públicas.

Na oportunidade, a Pró-Rim recebeu a certificação in-ternacional QMentum, tornando-se a primeira instituição de nefrologia no mundo a alcançar a qualificação na meto-dologia da Accreditation Canadá International. “Tal feito re-

Fórum aborda qualidade e segurança na saúde

devem encarar a reforma como prioridade. “O próximo ano é eleitoral e agora é o momento de aprová-la. É de interes-se de todas as forças políticas, mesmo daquelas que dizem não querer a sua aprovação, que isso seja resolvido ainda em 2017, senão o próximo presidente, independentemen-te de quem seja, e também os parlamentares do Congresso Nacional terão de encarar este desafio”, alertou.

Meirelles falou ainda sobre a reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro. “É democrática, flexível e moderniza nossa legislação. Além da geração de empregos, proporcionada pela reforma, temos de fazer reformas pon-tuais para reduzir o chamado ‘custo Brasil’ e produzir mais e melhor, como a proposta que temos do eSocial, que reduz o tempo do contribuinte para pagamento de impostos pelas empresas em 75%”, exemplificou.

presenta um avanço muito grande, não apenas para a empresa, mas para a saúde como um todo no Brasil”, destacou o presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Ju-nior, que lembrou que existem cerca de 700 entidades de saúde acreditadas no Brasil, entre hospi-tais, clínicas e serviços especializados. “E nós precisamos cada vez mais de qualidade assistencial.”

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Marcos Vieira, presidente da Fundação Pró-Rim, e Yussif

Hospitalar promove evento com players da área de digital Com o tema “Centralize Data & Decentralize Care”, a HIMSS@Hospitalar deu o pontapé para o International Digital Health-care Forum 2018, um dos principais eventos de digital health-care do Brasil, que ocorre durante a Hospitalar Feira+Fórum em São Paulo, entre os dias 22 e 25 de maio do próximo ano.

O evento, realizado no dia 31 de outubro, foi uma prévia do que será o encontro. Com especialistas de grandes corpo-rações de tecnologia do Brasil, o evento abordou temas re-levantes para o mercado de saúde do país. Medicina de pre-

cisão e health data analytics foram os principais assuntos, além de um debate sobre a implemen-tação de soluções para assis-tência e gestão da saúde.

Para Henrique Meirelles, 2018 será de muitos desafios

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Especialistas discutiram a incorporação de novas tecnologias

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s recentes projeções do Banco Central (BC) para o fim de ano do mercado financeiro no Brasil apontam o Índice Nacional de Preços ao Consu-midor Amplo (IPCA) em 3,08%, com um pequeno crescimento de menos de um ponto percentual para 2018 (4,02%). Ambas estimativas permane-cem abaixo da meta de 4,5% pretendida pelo BC. Se por um lado a economia parece estar abaixo do esperado, por outro, há setores que veem seus custos elevados ano após ano, como é o caso da saúde suplementar.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que o Brasil é o terceiro maior mercado de saúde privada do mundo (US$ 105 bilhões, ou 3,4% do mercado mundial), atrás ape-nas dos Estados Unidos (US$ 550 bilhões) e da

A China (US$ 253 bilhões). Entre os países emergen-tes, o Brasil é o que apresenta a segunda menor proporção de gastos públicos no total de despe-sas com saúde – superando apenas a Índia, cuja carga tributária, porém, é de apenas 13%, contra 34% da brasileira.

Cada personagem da saúde privada brasilei-ra (operadoras de planos de saúde, prestadores de serviços – hospitais, consultórios, clínicas e laboratórios – e fornecedores de medicamentos, materiais e equipamentos médicos) lida com di-ferentes pressões de custos, de forma que, para compreender a evolução dos preços aos consu-midores finais, que são os beneficiários, é preciso compreender os fatores que afetam os custos em suas áreas.

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Falta de gerenciamento de gastos e modelo de remuneração ultrapassado tornam a saúde suplementar mais cara

Uma conta difícil de fechar

FINANÇAS

POR REBECA SALGADO

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O aumento da expectativa de vida da popula-ção e a falta de programas de prevenção de do-enças têm sido a maior causa dos gastos do setor. Uma população que vive mais, gasta mais com saúde e, sem o gerenciamento correto dos ser-viços, o modelo de remuneração atribuído atual-mente no segmento suplementar torna-se ainda mais caro e obsoleto.

“Na saúde suplementar, além da inflação mé-dica, influencia na variação dos preços dos pla-nos de saúde a frequência de uso dos serviços e a peculiaridade do contrato. Assim, quanto maior a utilização em consultas, exames e internações de determinado grupo segurado, mesmo que os preços desses serviços não aumentem, os dos planos de saúde tendem a crescer, refletindo essa maior utilização”, explica Leandro Fonseca, dire-tor-presidente substituto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Outro fator preocupante é a idade, que repre-senta um aumento médio de 4,5% por ano no preço de procedimentos médicos para pessoas entre 55 e 79 anos, de acordo com a consultoria Mercer Marsh. Esta é a faixa etária com maior im-pacto sobre a chamada inflação médica. A ANS calcula que um em cada quatro brasileiros tem plano de saúde, o que movimentou R$ 160 bi-lhões em 2016. O setor realizou mais de um bilhão de procedimentos médicos no ano passado.

A metodologia aplicada pela agência para ob-tenção do índice máximo do reajuste baseia-se na média ponderada dos percentuais de reajuste dos contratos coletivos com mais de 30 benefici-ários, que passam por um tratamento estatístico e resultam no índice máximo de correção dos planos individuais novos a ser aplicado no perí-odo seguinte.

Anualmente, o Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (Iess) realiza um estudo que mede o índice de Variação de Custo Médico-Hospitalar (VCMH), atualmente o principal indicador utilizado pelo mercado de saúde privada como referência sobre o comportamento de custos. No entanto, o levantamento analisa uma amostra de planos individuais que corresponde apenas a aproxima-damente 2% dos planos de saúde brasileiros. Este índice não considera, por exemplo, as variações de custos em contratos coletivos, que são a maio-ria (80%) dos planos e seguros de saúde.

09

Para o Iess, em uma escala mundial, o índi-ce VCMH é sempre mais elevado que o IPCA. No país, em 2015, a inflação médica bateu recorde ao atingir quase o dobro do IPCA do ano. O re-flexo deste forte impacto tem sido uma grande movimentação do mercado em direção à gestão e redução de custos, muitas vezes, com foco na busca de novas opções de seguradoras e produ-tos, ou mesmo redesenho da política para acesso ao benefício saúde.

“Com o passar dos anos, o setor tem se con-fundido quanto à inflação médica e os custos da saúde. A principal diferença entre eles é que, nos custos, leva-se em conta também a variação da quantidade de serviços consumidos. É possível ter aumento de custo, decorrente do crescimento da utilização de produtos e serviços, mesmo com preços constantes”, comenta Francisco Balestrin, presidente do Conselho da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp).

Em conjunto com a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), em se-tembro, a Anahp lançou o estudo “Custos da Saú-de: Fatos e Interpretações”, onde explica as me-dições feitas nesta área pelo setor. O documento confronta os dados do Iess e aponta o aumento nos gastos das operadoras e também o alto re-ajuste nos preços dos planos de saúde que, de 2012 a 2017, aumentaram em 67,9%. Como base de comparação, no mesmo período a inflação medida pelo IPCA acumulou 38,8%. Procurado pela reportagem da Revista FEHOESP 360 para comentar o levantamento e explicar o contexto do VCMH, bem como seu método de realização, o Instituto preferiu não se manifestar.

Francisco Balestrin, presidente do Conselho de

Administração da Anahp

ANS

Leandro Fonseca, diretor-presidente substituto da ANS

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Mais despesas

A gestora de benefícios Aon, que anualmente cal-cula a inflação de custos médicos pelo mundo, aponta que os planos de saúde preveem um rea-juste de 15% em seus contratos com as empresas do país neste ano – valor bem acima da inflação para o mesmo período.

Mesmo com o crescimento das despesas as-sistenciais mais acelerado que o das receitas com planos, o resultado líquido das operadoras cres-ceu, em média, quase 70% no biênio 2015-2016, segundo o Prisma Econômico-Financeiro da Saú-de Suplementar, publicado este ano pela ANS.

Leandro Fonseca afirma que “falta no Brasil olharmos a saúde por dois pontos de vista. O primeiro é a despesa: há uma questão de mode-lo assistencial que deve ser melhor aproveitada, pois impacta na dinâmica de preços do setor. Por outro lado, há a receita, o foco no paciente onde os agentes econômicos da saúde sejam remu-nerados por manter as pessoas saudáveis e não para realizar procedimentos”.

Com o avanço da medicina personalizada, é de se esperar grandes inovações em tratamentos, mas trazendo custos maiores ao sistema. O setor deve ponderar sua sustentabilidade econômica na decisão de incorporar novas tecnologias e procedimentos em saúde à cobertura obrigatória dos planos – determinada pelo Rol de Procedi-mentos e Eventos em Saúde, atualizado a cada

dois anos pela ANS. Para Fonseca, há uma falta de

gestão de saúde adequada entre as operadoras dos planos. “O

país tem 900 operadoras, sendo que 125 delas respondem por 80% dos beneficiários. Os consu-midores realizam muitos exames sem necessida-de por falta de orientação, o que gera um desper-dício enorme de recursos porque os usuários do sistema não são orientados a transitar pela rede. As soluções são o uso consciente do consumidor e a reorganização da rede.”

Antônio Britto, presidente-executivo da Inter-farma, entende que o Brasil melhorou muito nos últimos 40 anos, mas não há solução para a saúde a curto prazo. “É preciso pôr em discussão o siste-ma e o nosso objetivo é chegar no foco do proble-ma, que é um país despreparado em prevenção, remuneração e informatização.”

“No Brasil, utilizamos o fee-for-service e sen-timos a necessidade de mudança no modelo assistencial e de remuneração da saúde. Muitos pacientes sentem-se frustrados ao irem ao con-sultório e saírem sem uma indicação para uma bateria de exames. É importante que médicos e pacientes engajem-se na promoção da qualida-de de vida, e não na busca por doenças”, afirma Yussif Ali Mere Junior, presidente da FEHOESP e do SINDHOSP.

De mesma opinião, Sidney Klajner, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, afirma que “o custo em saúde só pode ser realmente medido quando as más práticas, como o desperdício e a ineficácia, que podem gerar com-plicações e readmis-sões do paciente para o hospital, fo-rem combatidas."

FINANÇAS

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"É importante que médicos e pacientes engajem-se na promoção da qualidade de vida", afirma Yussif

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Contraponto

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), por meio de nota, destaca que a infla-ção médica ser maior que a inflação geral dos pa-íses é um fenômeno mundial. Há, inclusive, locais onde o “descolamento” entre a inflação geral do país e a médica é bastante superior ao registrado no Brasil.

Para a entidade, os reajustes dos planos de pessoas físicas, definidos pela ANS, seguem ín-dices intermediários entre a inflação geral e os reajustes praticados nos planos coletivos empre-sariais, gerando uma defasagem financeira, ano a ano, que provoca perdas irreparáveis para as ope-radoras de planos de saúde.

A nota diz ainda que, por sua vez, os reajus-tes dos planos coletivos são negociados entre as empresas (operadora e contratante) conforme o estipulado em contrato, numa correção que leva em consideração fatores como o índice de sinis-tralidade da carteira, mudança de faixa etária ou variação dos custos.

Cita também que, segundo o custômetro dos planos de saúde da Abramge, que mensura o total de recursos investidos pelas planos médico-hos-pitalares no cuidado à saúde de seus beneficiá-rios, as despesas assistenciais da saúde suple-mentar no Brasil atingiram em agosto de 2017 a marca de R$ 100 bilhões – a maior cifra já regis-trada nos primeiros oito meses de um ano. Isso, porque, mesmo com a perda de 1,4 milhão de beneficiários ao longo de 2016, o número de con-sultas, exames e internação continuou crescendo.

A Abramge explica também que o resulta-do desta conjuntura desfavorável se reflete na dificuldade das operadoras em alcançarem o equilíbrio econômico-financeiro necessário, "tão importante para gerar mais e necessários inves-timentos, que possam refletir em mensalidades mais baixas aos clientes dos planos de saúde".

Exemplo

Colocar o paciente como foco ao in-vés das doenças é um dos trabalhos do Comitê de Atenção Integral à Saúde (CAS) da Unimed Brasil, criado em 2011, e que traz bons resultados no gerenciamento dos custos. O presidente da cooperativa, Orestes Pullin, expli-ca que o modelo assistencial tem como base a atenção primária e promove o cuidado global do paciente. “Integramos prevenção, vigilância, pres-tação de assistência e reabilitação. No sistema Unimed, com esta iniciativa já foi possível registrar melhora no acompanhamento da rotina de saúde de mais de 200 mil pacientes participantes de pro-gramas de atenção primária, adotados em mais de 45 Unimeds nos últimos anos."

Com esta proposta, a proporção de consultas em pronto-socorro caiu de 34% para 19% em um ano, adequando-se ao teto de 20% preconizado pela agência reguladora. A proporção de con-sultas eletivas cresceu de 26% para 67% e houve uma redução de 14% para 9% da parcela de inter-nações desencadeadas por condições sensíveis à atenção primária (como hipertensão).

A cooperativa aponta ainda um índice de sa-tisfação dos clientes em 87% e redução de 57% no custo per capita em pronto-socorro com os pacientes acompanhados pelo programa Cuida-do Perfeito, direcionado a pacientes diabéticos. Saiba mais sobre ações de prevenção de doenças e promoção à saúde na pág. 22.

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Orestes Pullin, presidente da Unimed do Brasil

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Para Antônio Britto, é preciso mudar a forma como se

discute o sistema e rever a política de inovação no Brasil

POR FABIANE DE SÁ

país corre o risco de perder o bonde da inovação por falta de uma política de atração da pesquisa clíni-ca e pela existência de um sistema de saúde confuso que quer soluções ime-diatas para problemas de longa data. Esta é a avaliação de Antônio Britto Filho, ex-governador do Rio Grande do Sul, ex-ministro da Previdência Social e atual presidente-executivo da Associa-ção da Indústria Farmacêutica de Pes-quisa (Interfarma).

Ele acha que o país está dando al-guns passos na direção correta, mas ainda tem um longo caminho a per-

correr. “Temos um sistema extrema-mente ineficiente, com um modelo de remuneração ultrapassado e achamos que podemos resolver tudo para on-tem. Precisamos parar de apagar in-cêndios e pensar em planejar as déca-das futuras. O que a gente está vivendo hoje é consequência dessa coisa ime-diatista.”

Jornalista por formação, o gaúcho de Santana do Livramento defende a união dos atores do setor em prol de um sistema sustentável e efetivo na oferta de serviços de saúde de quali-dade à população. “Temos de parar

de brincar de batata quente e empur-rar a responsabilidade dos problemas para cada segmento. É muito ingênuo qualquer um achar que vai se salvar sozinho. Público, privado, medicamen-tos e indústria precisam estar juntos na busca por soluções”, garante.

Em entrevista à Revista FEHOESP 360, Britto ainda fala sobre custos, in-flação médica, judicialização da saúde e analisa o cenário político e econô-mico do Brasil. “Nós temos uma tarefa muito complicada pela frente e este trabalho exige políticos responsáveis.” Confira:

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ENTREVISTA

Pensar no curto prazo

faz mal à saúde

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FEHOESP 360: Com o país imerso em uma crise político-econômica, as finan-ças estão entre as principais preocupa-ções dos brasileiros. No setor da saúde não é diferente. Quais são os fatores de-terminantes que contribuem para esta situação?Antônio Britto: Temos dois conjuntos de situação que levam ao que temos enfrentado. As pessoas estão vivendo mais e não podemos nos queixar dis-so. A tecnologia avança muito e não deve ser motivo de queixa. Estes são fatores mundiais que geram consequ-ências para o setor, mas que não são negativos. Mas há um outro conjunto de situações que são tupiniquins, cria-das, produzidas e mantidas pelo Brasil. Primeiro: temos um sistema extrema-mente ineficiente. A descentralização que gera responsabilidade para mu-nicípios, Estados e União é evidente-mente importante e fundamental para o Sistema Único de Saúde (SUS), mas a forma como estas obrigações estão repartidas e são tomadas as decisões no sistema público, fora de um plane-jamento regional ou nacional, é um verdadeiro crime. Segundo: a gente precisa e merece ter um sistema pú-blico, porém, a maioria das facilidades são privadas (os hospitais e os labora-

tórios de diagnósticos) e a interação entre o público e o privado é muito pre-cária. Ainda hoje se vê pessoas ligadas ao SUS com restrições à participação da iniciativa privada, e, do outro lado, alguns poucos do segmento suple-mentar que imaginam que possa haver Brasil sem SUS. Estes dois grupos de-veriam aproveitar o tempo e discutir a questão verdadeira que é como aprimorar a integração entre o pú-blico e o privado. O terceiro conjunto de fatores decorre do descompasso entre o que a Constituição promete e o orçamento permite. A gente vê um sistema que na Carta Magna é público, universal, gratuito e inte-gral, e um orçamento absolutamen-te incapaz de corresponder a isso. A partir daí o que todos os governos fazem: tentam fechar parte da porta de entrada. Eles limitam a incorpo-ração de novas tecnologias, segu-ram ao ponto do estrangulamento a remuneração dos hospitais, mantêm um sistema que remunera muito mais a prestação de serviço do que a efici-ência dele. Esta é a questão financeira do problema. Não podemos deixar que se crie um discurso de lamentar tecno-logia e envelhecimento. Temos de en-frentar os nossos problemas.

360: O senhor disse que saúde no Brasil sofre de subfinanciamento há anos. Atu-almente, a participação da pasta é de menos de 4% do orçamento da União. Então, qual a solução?AB: Quando a gente olha o gasto total em saúde no Brasil, que fica perto dos 9%, não é um valor fora das propor-ções mundiais para países similares. O problema brasileiro é que o gasto pú-

blico de pouco mais de 4% este sim é insuficiente para um sistema público. Então, a gente fica num jogo sem saída porque ninguém quer mexer na Consti-tuição e reduzir direitos das pessoas, e nem deveria. Ao manter o direito e não recursos para atender estas prerrogati-vas, estamos empurrando as pessoas para a Justiça. Ao judicializar a saúde a gente desorganiza ainda mais o siste-ma. Só que a judicialização não é cau-sa e sim consequência do problema. Mas, por sua vez, torna-se a causa do agravamento da questão do financia-mento da saúde.

360: O estudo “O Custo da Saúde - Fa-tos e Interpretações”, realizado pela Interfarma em parceria com a Associa-ção Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), levanta algumas questões, procurando separar a inflação médica e os custos. Afinal, o que mais traz im-pacto para a cadeia da saúde?AB: Precisamos examinar esta questão parando de brincar de batata quente. O setor da saúde é especialista nisto. O hospital joga a culpa para o plano, que joga para o medicamento, que joga para outro, e assim vamos nos enga-nando. É preciso mudar a forma como se discute saúde. Existe um problema que é qualquer um dos atores do se-tor achar que vai se salvar sozinho. Na minha opinião, temos de pensar no

O fracasso da

pesquisa clínica no

país é a condenação

do Brasil à

dependência futura"

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ENTREVISTA

Há algum tipo parceria com a iniciativa privada para estudos científicos?AB: Talvez uma das coisas mais vergo-nhosas que a gente tenha no Brasil é o fato de que somos o quinto merca-do mundial em medicamento; temos ilhas de excelência extraordinárias em algumas instituições públicas, como o Instituto Nacional do Câncer (Inca), Instituto Butantan, Fiocruz, e em hos-pitais privados, como Albert Einstein e Sírio-Libanês; e mesmo com esta capa-cidade e este tamanho somos medío-cres em pesquisa clínica. Somo menos que a Argentina e a Colômbia. A Coreia é o quinto país do mundo em pesquisa e nós estamos brigando para ficar per-to do 20º lugar. O fracasso da pesquisa clínica no país é a condenação do Bra-sil à dependência futura. Se a gente não faz parte do novo, vamos ter de comprá-lo. Estamos fora do jogo do futuro. Ficamos sabendo dele pela The Lancet e depois compra-mos o futuro porque estamos com uma estrutura muito atrasada. Este atraso vem primeiro do fato que a inovação no país é como o yoga: todo mundo fala bem, mas somen-te cinco ou seis praticam. Segundo: somos erráticos em inovação. Que-remos inovar em tudo. Mas qual é o nosso forte? Onde queremos ser importantes? Ou a gente acha que vai destaque em tudo?

E por último, não conseguimos fazer os amigos da universidade, sen-tar com os da iniciativa privada e com os do governo numa mesma sala. Não existe inovação onde não existe integração entre o saber básico, que está sendo buscado na universidade; a aplicação dele em um saber prático que transforma o conhecimento em riqueza; e o financiamento, apoio e regulação pelo governo. Os cases de sucesso de inovação no mundo são: Irlanda, Coreia, a cidade americana de Boston e o Estado da Califórnia. Qual-

quer exemplo que se procure reúnem universidade, setor privado e governo. Aqui temos umas 14 áreas do gover-no envolvidas em inovação, já perdi a conta. Quem quiser falar sobre inova-ção tem de tirar um mês em Brasília até conseguir passar por todo mundo. Além disso, a universidade aqui, tiran-do raríssimas exceções, tem nojo desta história, pois acha que suja as mãos ao trabalhar com a iniciativa privada na busca por resultados objetivos. E o se-tor privado detesta o risco. Se você tem uma iniciativa privada, salvo exceções, que não arrisca, tem uma academia que constrói muro alto e fica lá den-tro, salvo exceções, e se você tem uma brutal distorção dos esforços governa-mentais, não tem como inovar.

360: Quanto a indústria investe em pesquisa científicas para novos medi-camentos?AB: O mercado farmacêutico mundial é US$ 1,1 trilhão/ano. O gasto em pesqui-sa básica e aplicada mundial em saúde é algo em torno de US$ 250 bilhões/ano. A gente não tem mais do que US$ 400 milhões em pesquisa no Brasil. É muito medíocre a nossa posição. Se você está em um país onde não existe inteligência cientifica, não tem criati-vidade, nem competência, tudo bem,

médio e no longo prazos. E tem aí vá-rias questões centrais. A primeira: pro-teger os hospitais brasileiros, porque hoje são tudo: pronto-socorro, pronto atendimento, divã psicológico. Na me-dida que a rede básica não funciona, os hospitais são uma espécie de time de futebol sem zagueiro. O hospital é o goleiro do sistema de saúde, mas sem proteção na sua frente. Todo mundo hoje vai direto ao hospital quando ele é, em qualquer sistema organizado, o ponto intermediário ou final. Em se-gundo lugar, a qualificação dos médi-cos no Brasil. Estamos fazendo uma coisa criminosa ao fechar os olhos para a vulgarização das faculdades de medicina, que estão gerando pro-fissionais inseguros, que se protegem pedindo exames desnecessários, por falta de convicção e de experiência profissional. Também é preciso mudar o sistema de remuneração para ontem. Não é possível. Esta é uma das coisas mais estúpidas que existem no Brasil, que é um modelo de remuneração em que a qualidade, a eficiência e o resul-tado não contam pontos. Você compra o serviço e se é bem prestado e qual o resultado para o paciente isto não im-porta. Nenhuma destas questões se re-solve em um mês, nem com as autori-dades em saúde querendo fazer coisas a curto prazo. Precisamos tentar agora para melhorar o 2020, 2030 e 2040. Mas o que acontece é que estamos com uma visão a curto prazo. Todo mun-do ao apagar o incêndio de hoje está gerando um brutal incêndio para o fu-turo. Eu tenho dito que o curto prazo faz mal à saúde. O que a gente está vi-vendo hoje é consequência desta coisa imediatista.

360: O Brasil vem reduzindo drastica-mente o investimento em pesquisa clíni-ca: somente este ano houve um corte de 44% no orçamento para a área. Como a indústria se posiciona neste contexto?

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Estamos fazendo uma

coisa criminosa ao

fechar os olhos para a

vulgarização das

faculdades de

medicina"

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você não tem inovação porque não tem quem inove. A coisa maluca que acontece aqui é que os jovens saem do Brasil para brilhar fora e não pode fazer em seu país a inovação que vão fazer lá fora. O caso brasileiro de não dar certo em inovação é pior do que a maioria dos países, porque eles não têm massa crítica para inovar. Aqui, temos e des-perdiçamos, ou emprestamos para os americanos e europeus.

360: A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Comissão Nacio-nal de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) sofrem críticas pela demora na liberação de novos medi-camentos e a incorporação de tecno-logias. Como melhorar este fluxo?AB: Não podemos cair na pegadi-nha de querer reduzir as exigências sanitárias da Anvisa ou as normas da Conitec porque o primeiro de-ver da autoridade é zelar pela saúde da população. Não vamos resolver o problema com o órgão regulador faci-litando, porque quem facilita ajuda a matar. Não se pode pôr no mercado o que não tem segurança, eficiência e qualidade. A saída para a demora não é facilitar. Temos de festejar que a regu-lamentação é extremamente exigente. Isso é bom para a saúde da população e também para se vender medicamen-tos lá fora, porque existem regras para o remédio entrar em outros países. A Anvisa e a Conitec se deram conta que era preciso revisar e agilizar os proces-sos. E sou otimista nisso, pois estamos menos pior em termos de prazos, ain-da que haja coisas insuportáveis, como levar 1.500 dias para liberar o registro de um produto genérico. É um negó-cio que deve ser recorde mundial. E é evidente que enquanto isso não se resolve se está gerando judicialização, porque hoje todo muno sabe que em um determinado lugar tem uma tecno-logia ou um medicamento melhor. E a

Constituição diz que é direito de todos, então o juiz manda conceder. Se as pessoas não soubessem o que tem de bom lá fora, não se gerava judicializa-ção. Mas a internet e o “dr. Google” di-zem que há outra saída. Tem de haver uma aceleração, que significa redução dos processos, sem que haja redução de rigor. Não queremos menos rigor, e, sim, menos burocracia.

360: Na sua opinião, para onde o Brasil está caminhando com o atual cenário político-econômico?AB: A economia retomou o caminho da racionalidade e a gente tem de rezar e trabalhar para que o ano que vem as pessoas se deem conta de que a gente tem errado muito em termos políticos. É muito fácil dizer a culpa é dos políticos. O eleitor não tem culpa, mas tem responsabilidade. Se apa-

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recer alguém amanhã dizendo que o Brasil tem soluções fáceis, rápidas e de curto prazo, esta pessoa é alguém ex-celente para não ser eleita. Nós temos um trabalho muito complicado pela frente que exige políticos responsáveis, que sejam maduros, que se evitem os festivais de mentiras e hipocrisia que marcaram as campanhas eleitorais re-centes. É preciso alertar a população

que milagres só existem na igreja. Na política e na vida de um país não tem milagre e, portanto, se alguém aparecer com cara de santo ofere-cendo milagre, desconfie.Ao judicializar a

saúde, a gente

desorganiza ainda

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Com as mudanças na reforma trabalhista, as entidades de classe representativas ganham um novo papel, ainda mais importante. As negociações coletivas, que poderão agora se sobrepor ao legislado, passam a ter um peso importantíssi-mo, e os sindicatos patronais precisam estar fortes para ne-gociar melhores acordos. A FEHOESP completa 15 anos em 2018 e o SINDHOSP, 80. Desde então, a Federação e todos os seus sindicatos vêm atuando na busca da sustentabilidade do setor, por meio de medidas políticas, legais, sindicais e de outras esferas.

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Mantemos em funcionamento os Comitês de Terapia Renal Substitutiva, de Laboratórios, de Clínicas e a Comissão de Recursos Humanos. Todos reúnem especialistas e represen-tantes dos serviços de saúde, e atuam na elaboração de pro-postas para a melhoria do setor.

Plantão de Dúvidas Contábeis

O IN$TRUIR tem como objetivo orientar os representados sobre as dúvidas das áreas de conta-

bilidade e fiscal, além de fornecer instruções para diminuir os custos tributários. O serviço é oferecido pes-soalmente, uma vez na semana, na sede da FEHOESP, em São Paulo. Também funciona via e-mail ou Skype, para as demais regiões.

Certificação de Qualidade

O Projeto Bússola oferece certifica-ção de qualidade às clínicas de ser-viços de saúde e home care, em par-ceria com a Organização Nacional de Acreditação (ONA).

Congressos

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Saiba como contribuir: www.fehoesp360.org.br

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Mudar é precisoApostar em disrupção pode ser uma saída

para o setor da saúde se transformar

POR ALINE MOURA

Disrupção, segundo o dicionário, é o que provoca ou pode causar uma ruptura. É o que interrompe o seguimento normal de um processo, que tem a capacidade de alterar, ou mais radicalmente, romper. O conceito, muito atrelado à tecnologia, tem sido utilizado na sociedade contemporânea para rever velhos paradigmas.

Na saúde, romper com antigos pactos, mode-los e processos pode ser a saída para enfrentar-mos as falhas na gestão, a escassez de recursos e a mudança do perfil etário da população brasilei-ra. Na tentativa de aprofundar estas questões, o Instituto de Ensino e Pesquisa na Área da Saúde (IEPAS) promoveu, em outubro, a segunda edi-ção do Conecta Saúde – Criando Valor. O even-to, patrocinado pelos mantenedores do Instituto (FEHOESP e SINDHOSP), jogou luz sobre assuntos que impactam direta ou indiretamente no funcio-namento do setor da saúde, e levou ao público exemplos de modelos disruptivos que podem ajudar a transformar e melhorar a dinâmica de nossos serviços.

Um dos porta-vozes desta disrupção é o mé-dico italiano Marco Bobbio, secretário-geral da Associação Italiana de Slow Medicine. Precursor do conceito batizado de slow medicine (medicina sem pressa), o professor e estatístico veio ao Brasil mostrar alguns resultados de um projeto inovador: a implantação da filosofia nas atividades diárias de uma rede de hospitais da Itália. A ideia começou há cinco anos, e nasceu colada a outra proposta, de origem norte-americana, chamada Choosing Wisely (escolha certa). Ambas pregam, sobretudo, uma medicina “sóbria, respeitosa e justa”.

Para o presidente da FEHOESP e do SINDHOSP, Yussif Ali Mere Junior, o slow medicine faz sentido

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porque revisita a medicina e nos faz refletir sobre como estamos caminhando. “A medicina de hoje está sendo tratada como uma questão tecnológi-ca, mas ela é uma ciência humana e precisa, como tal, manter suas características de relacionamen-to humano. Na minha opinião, o slow medicine é o resgate da verdadeira medicina, não do ponto de vista romântico e utópico, mas no que se refere ao tratamento da pessoa, e não da doença.”

Segundo Bobbio, o conceito não se aplica so-mente aos médicos, mas a todas as profissões na área da saúde que estejam envolvidas com assis-tência, direta ou indiretamente. A formação do profissional de medicina neste processo, entre-tanto, é fundamental. “Os médicos estão focados no uso excessivo de recursos, por muitas razões. Os encontros médicos, por exemplo, disseminam esta prática, porque são financiados pela indús-tria. Fato é que o uso excessivo de exames, de me-dicamentos e de todo o aparato à disposição são uma grande perda de dinheiro.”

Em cinco anos de experiência na implantação da rede de hospitais italiana, Bobbio conta que os resultados ainda são iniciais, mas bastante im-pactantes. Tudo começou em 2013, no complexo hospitalar Santa Croce e Carle di Cuneo, equipado com 690 leitos, 400 médicos, dois mil funcioná-rios e 40 departamentos, como cirurgia cardíaca, neurocirurgia, UTI ne-onatal, radiologia in-

Para Yussif, "o slow medicine é o resgate da verdadeira medicina"

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tervencionista, entre outros. “O primeiro desafio foi saber se os médicos estariam preparados para identificar, em cada um desses departamentos, três procedimentos de risco considerados desne-cessários”, conta o médico italiano. Depois de três meses de reuniões e estudos, 33 departamentos identificaram 96 procedimentos, sendo 63 testes diagnósticos e 33 tratamentos. “O curioso é que 37 deles eram similares aos identificados pelo projeto Choosing Wisely, desenvolvido nos Esta-dos Unidos."

Uma vez identificados, as equipes passaram a evitar sua utilização. Como solicitar hemograma a todo paciente que dá entrada na emergência, ou endoscopia com biópsia a todo paciente que possui o diagnóstico de esôfago de Barret, ou re-duzir o tempo de utilização do cateter de urina. Os primeiros resultados mostraram redução de 4,7% no consumo de antibióticos, 28% menos radio-grafias de peito antes da alta, 22% de redução no uso de testes de laboratórios, entre outros dados.

“Estamos no meio deste projeto. E ele requer não apenas a revisão sistemática dos procedi-mentos, mas, também, o treinamento das equi-pes, o envolvimento dos enfermeiros e o enten-dimento de que o médico precisa estar mais perto do paciente para reduzir riscos”, revela Marco Bobbio. Para identificar os excessos, é cla-ro, ele recomenda que os hospitais invistam em medicina baseada em evidências (MBE). Segundo ele, 42 sociedades científicas já reconheceram o slow medicine como uma prática segura e reco-mendada. “E mais hospitais estão aderindo, hoje somos 13, virão mais.”

Para Wilson Shcolnik, diretor de Acreditação e Qualidade da Sociedade Brasileira de Patolo-gia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), é preciso ter cautela quando se fala em redução de exames, especialmente os laboratoriais. “O cus-to deles, em relação ao que se gasta na cadeia,

é muito baixo. Nos Estados Unidos, por exemplo, eles re-presentam 2,3%. Na Alemanha, 1,3%. Os exames ajudam a definir diagnósticos e tratamentos, além de auxiliarem na avaliação de efetividade de trata-mentos e na necessidade de hospitalização."

No entanto, a SBPC/ML reconhece que exis-tem desperdícios e pode ajudar a mudar este cenário atuando, por exemplo, na elaboração de diretrizes de protocolos clínicos e disseminando- as entre os médicos. “Hoje não temos regras de remuneração para os exames reflexos, por exem-plo, mas, se pudéssemos adotá-los, seria uma forma de diminuir a quantidade de exames num primeiro pedido e realizar novos estudos em caso de alteração, sem a necessidade de retorno do paciente ao médico”, afirma Shcolnik.

Dario Birolini, professor emérito da Universi-dade de São Paulo (USP), discorda, alegando que exames são importantes, mas devem ser comple-mentares. “O parecer do médico, que antigamen-te era fundamental, é cada vez mais substituído pelo uso absolutamente descabido de exames de laboratório e de imagens. Atualmente, o que é complementar é a avaliação clínica.” Para ele, o debate deveria ser ampliado para o nível federal, para que chegasse até as escolas médicas.

O segredo, para o geriatra José Carlos Aquino de Campos Velho, é investir em médicos de famí-lia e nas especialidades mais generalistas. “A boa medici-

Médico italiano Marco Bobbio, especialista em slow medicine

José Carlos Aquino de Campos Velho, geriatra

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na é mais barata. Óbvio que não somos contra a tecnologia. Em medicina, o WhatsApp, por exem-plo, pode ser muito útil para manter uma conver-sa contínua com o paciente. Mas ele não pode substituir a consulta. É preciso levar em conta o raciocínio clínico como instrumento essencial da prática médica”, defende.

Para Lucas Zambon, doutor em segurança do paciente pela Faculdade de Medicina da USP e membro do movimento Choosing Wisely Brasil, a questão dos excessos é tão importante que foi parar na literatura médica. “Nos últimos três anos, o Jama (Journal of the American Medical Association) tem publicado revisões sistemáticas de práticas que podem ser consideradas excesso na medicina”. Dados do Canadian Institute of He-alth Information dão conta de que um milhão de tratamentos e testes são realizadas de maneira desnecessária naquele país, a cada ano. Nos Es-tados Unidos, o Institute of Medicine aponta o uso desnecessário de exames, procedimentos e trata-mentos como o maior problema de desperdício do sistema de saúde norte-americano, atingindo sozinho a cifra de 210 bilhões de dólares.

Outros fatores além da pressão da indústria médica pesam sobre o excesso na medicina. “Há uma perspectiva bastante complexa de que o médico trabalha com medo de errar e, aparente-mente, o dialogo está difícil”, pontua Zambon. No Brasil, o movimento Choosing Wisely desembar-cou há dois anos, e já conta com apoios de socie-dades de especialidades, tal qual no exterior. Ele defende que exista, sobretudo, diálogo entre mé-dicos e pacientes, e que as escolhas sejam feitas sempre baseadas em evidências, sem que haja a multiplicação de exames e procedimentos, ofere-cendo de maneira segura ao paciente o que é real-

mente necessário e que leve qualidade de vida. “Importante lembrar que o conceito não é uma política de redução de custos, e muito menos de controle da atividade profissional”, frisa Zambon.

Quando menos é maisEnquanto o slow medicine não desembarca de-finitivamente por aqui, grandes grupos de pres-tadores de serviços têm repensado sua maneira de oferecer saúde, tanto no que diz respeito a re-sultados assistenciais quanto aos financeiros. Há cerca de quatro meses, o Hospital Oswaldo Cruz anunciou e lançou seu novo empreendimento, uma ruptura de paradigma para os prestadores de serviços: um hospital que funciona sob um modelo de remuneração 100% pactuado com as operadoras, e em que os médicos, o hospital e os planos assumem riscos compartilhados.

A unidade Vergueiro não possui porta aberta de urgência e emergência, conforme explica Pau-lo Bastian, superintendente-executivo do grupo,

Lucas Zambon, membro do movimento Choosing Wisely Brasil

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porque os protocolos são todos gerenciados e os tratamentos definidos. Também não há compro-misso de garantia para uma ocupação mínima. “Passamos um ano desenvolvendo este projeto. Conversamos com as operadoras, elas nos mos-traram as áreas de necessidades e nós mostramos nossos protocolos. Fizemos oferta de preço, eles examinaram e concordaram conosco. Estamos construindo uma relação de confiança”, explica.

Bastian conta que entrou para a saúde nos anos 2000 e que ouve falar de confiança desde então. “Mas acredito que pouco foi feito. A infla-ção da saúde é mais que o dobro da oficial. As emergências estão sempre lotadas e são pouco resolutivas, e o sistema fee-for-service é um mo-delo falido. Na verdade, nós, hospitais, vendemos itens. Somos uma grande farmácia, quando deve-ríamos vender serviço. Tudo isso nos fez pensar num modelo diferente.”

Embora ainda seja cedo para apresentar re-sultados consistentes – tanto assistenciais como financeiros –, a nova unidade tem chamado a atenção do mercado. Médicos que inicialmente disseram não acreditar no modelo, por exemplo, hoje estão na fila para entrar no corpo clínico que, obviamente, é fechado. As regras são duras, como as que racionalizam e padronizam as órteses, pró-teses e materiais especiais (OPME), a remuneração médica fixa por procedimento e a admissão do paciente somente via referenciamento – pela ope-radora ou ambulatório. O acompanhamento do desempenho do médico também é rigoroso, uma vez que o retorno do paciente até 30 dias após a alta é bancado integralmente pelo hospital.

Com 230 leitos entre privativos e não privati-vos, 12 salas cirúrgicas e 30 leitos de UTI, a nova unidade é mais barata do que as que trabalham com fee-for-service. É o que garante Bastian. “Traz resultados suficientes para que a gente possa ter uma operação de qualidade para os pacientes.”

A disrupção da tecnologiaCertamente um dos setores mais disruptivos do mundo no último século, a área de tecnologia da informação tem quebrado paradigmas e modifi-cado a forma como nos relacionamos, vivemos, andamos pelas ruas e consumimos. Na saúde, no entanto, seus dispositivos ainda não foram capa-zes de integrar os dados, por exemplo, a fim de evitar que o paciente percorra duas ou mais vezes o mesmo caminho na cadeia da saúde. Pelo me-nos não no Brasil.

Segundo Carlos Eli Ribeiro, especialista em tec-nologia e gestão de saúde pública, este é um dos grandes problemas do país. “O que temos hoje são várias redes de assistência que não formam um sistema. O hospital deixou de ter o cuidado com a continuidade, e o paciente sai de lá com um papel, sem que se possa fazer a integralidade.”

O desafio, de acordo com Ribeiro, é enorme: unificar mais de 600 sistemas de gestão e pron-tuários, formados por 400 mil prescritores, que geram 4,3 bilhões em papel em mais de 100 mil redes de atendimento. Uma ferramenta apelida-da de CPOE (computerized physician order entry) seria uma das soluções. Ela nada mais é do que um pedido médico eletrônico, que se conecta com toda a cadeia, desde o prontuário do pacien-te até as redes de distribuição de medicamentos.

Experiências internacionais mostram que, em média, seriam precisos oito anos para se cons-truir um CPOE no Brasil, levando-se em conta os aspectos regulatórios e de compliance.

Na opinião de Ribeiro, temos muita tecnologia estocada. “Estima-se que 20% dos custos na saú-de estejam em tecnologia da informação, no en-tanto, não somos capazes de compartilhar dados em prol do sistema. E as empresas são as maiores penalizadas por conta disso.”

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Campeão de processos trabalhistas no mundo, o Brasil con-vive, desde 11 de novembro último, com a nova legislação trabalhista, aprovada pelo Congresso Nacional em meados de 2017. A expectativa, para especialistas, é que a convivên-cia entre patrões e empregados ganhe um ambiente mais amigável daqui em diante.

“O Brasil sofre cronicamente de um baixo nível de pro-dutividade no trabalho. E muitas pesquisas mostram que o conflito é um péssimo ingrediente para a produtividade”, sa-lienta o professor José Pastore, especialista em relações no trabalho, que também esteve no 2°Conecta Saúde.

Para ele, as novas regras, que incluem uma série de flexi-bilizações nas relações de trabalho, trarão benefícios, espe-cialmente para os trabalhadores. “Haverá grande economia com conflitos banais, que antes eram judicializados. Estima--se, ainda, que teremos 1,5% a mais de produtividade no trabalho nos próximos quatro anos, e 3,2% de geração de emprego”, avalia.

Na opinião de Yussif Ali Mere Junior, presidente da FEHOESP e do SINDHOSP, é responsabilidade das empre-sas difundir bem a lei. “Na área da saúde, que possui muitas especificidades, as dúvidas são ainda maiores. Por isso, por meio do IEPAS, temos promovido muitos seminários, em to-das as nossas regiões de atuação no Estado de São Paulo, a fim de esclarecer pontos importantes da nova lei. É preciso lembrar também que as coisas não irão mudar de uma hora para outra.”

Para José Pastore, as mudanças com a nova lei – mais do que necessárias – precisam vir acompanhadas de educa-ção de qualidade. Segundo ele, o mercado de trabalho está sendo revirado de pernas para o ar por conta da tecnolo-gia. “Muitas profissões estão se tornando obsoletas e outras novas surgirão. E somente a educação de boa qualidade vai permitir que o trabalhador acompanhe a revolução tecno-

lógica. Também é importante lembrar que as novas formas de contratação irão permitir que as pessoas tenham mais opções de trabalho.”

Em 14 de novembro, conforme acordado com o Congres-so Nacional, o presidente da República, Michel Temer, edi-tou a medida provisória (MP) n° 808/2017, regulamentando algumas questões da reforma trabalhista. Entre elas, a jor-nada 12 X 36 horas. Segundo a regulamentação, é facultado às empresas de saúde estabelecerem, por meio de acordo individual escrito ou convenção/acordo coletivo o horário de trabalho de 12 horas, seguidas por 36 de descanso.

Outro ponto de grande impacto para o setor, regulamen-tado pela MP, foi a atividade considerada insalubre das ges-tantes. Pelo texto, será permitido que a mulher atue em lo-cais de insalubridade de grau médio ou mínimo quando ela apresentar atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, do sistema público ou privado, que autorize a sua permanência no exercício das atividades.

Na opinião de Yussif, a medida provisória não traz a segu-rança jurídica que as empresas esperavam, especialmente nestes dois itens. “A jornada 12 X 36 terá de ser acordada em negociação, o que não muda muito do que tínhamos an-tes. No caso das grávidas, grau mínimo de insalubridade é praticamente qualquer local de trabalho e nos preocupa a liberalidade de o médico atestar ou não o afastamento”, pondera.

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Lei trabalhista na vanguarda

José Pastore, especialista em relações no trabalho

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Por definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde é mais que do estar livre de doenças. É um estado de “completo bem-estar físico, men-tal e social”. Assim, agir para evitar enfermidades é um dos aspectos mais importantes para uma vida saudável. Isso inclui alimentação adequada, atividade física e controle de hábitos que desen-cadeiam doenças. Na prática, os programas estru-turados para este fim na saúde suplementar ain-da não representam um volume significativo nos negócios do setor, mas são fundamentais para a sustentabilidade do sistema.

Como o segmento é norteado pelo modelo fee-for-service de remuneração, em que o pa-gamento é por produção, e considerando que a medicina de hoje tem bastante ênfase em tecno-logia, soluções de atendimento, qualidade nas

instalações e dos equipamentos para responder às demandas que chegam diariamente aos hos-pitais, clínicas e laboratórios, os custos da saúde são bastante elevados.

Os gestores se veem, então, impelidos a en-contrar soluções para manter o mercado susten-tável, já que o setor é um dos mais importantes para a economia do país, empregando 7,9% da força de trabalho brasileira, segundo dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (Iess).

Para tentar combater o excesso de gastos e manter a qualidade dos serviços, a aposta do se-tor vem sendo nas ações de promoção de saúde e prevenção de doenças. Vera Sampaio, gerente de Regulação em Saúde da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), explica que es-sas práticas contribuem para reduzir custos e que as operadoras estão se esforçan-do para fazer sua parte e investindo para conhecer o perfil epidemio-lógico de seus beneficiários.

Ações de prevenção são decisivas para a sustentabilidade do sistema

POR ELENI TRINDADE

ASSISTÊNCIA À SAÚDE

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Investimento

que traz resultados

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Um exemplo citado por ela é o conhecimen-to da carteira de beneficiários para identificar a população de risco. “A partir daí, orienta-se e conduz-se o beneficiário na rede assistencial, or-ganizando melhor a atenção médico-hospitalar, desenvolvendo e oferecendo programas adequa-dos ao perfil dos beneficiários e campanhas para combater diversos males”, enumera.

Quando o tema é promoção da saúde, os es-forços voltam-se para ações de educação que estimulem a adoção de hábitos saudáveis, como atividade física e alimentação. “Além de iniciativas que ajudem a combater o estresse, a depressão e a ansiedade, males da sociedade contemporânea que também são importantes para preservar a saúde mental e prevenir a instalação ou agrava-mento de doenças”, completa Vera Sampaio.

De acordo com Neusa Pellizer, gerente de Pro-moção e Prevenção à Saúde da Associação Bra-sileira de Empresas de Telecomunicações (Abet) – empresa de autogestão em saúde –, o enve-lhecimento da população, as mudanças demo-gráficas e epidemiológicas e a complexidade do cenário brasileiro são alguns dos fatores que esti-mulam o desenvolvimento de ações de gestão de saúde populacional. “Medidas de prevenção de agravos e doenças vêm sendo incentivadas pela OMS, pelo Ministério da Saúde e pela Agência Na-cional de Saúde Suplementar (ANS). A despeito disto, paralelamente ao envelhecimento popula-cional, aumenta vertiginosamente o número de portadores de doenças crônicas”, destaca.

Ela ressalta que a ciência já mostrou que por meio de orientações, do acompanhamento cons-tante, monitoramento de sintomas, controle de sinais específicos e mudança de hábitos, as pes-soas podem melhorar a saúde, adquirir autocon-trole e ampliar a longevidade. “O investimento em promoção à saúde leva à melhoria na quali-dade de vida, aumento na produtividade e, con-sequentemente, nos resultados das empresas,

além de racionalizar os custos da assistência à saúde, segundo maior gasto da área de recursos humanos das empresas”, salienta.

Responsável por regular o mercado de saúde suplementar, a ANS também está observando esse movimento e vem estruturando maneiras de incentivar as operadoras a colocar em prática os programas de prevenção de doenças e promoção de saúde. De acordo com Karla Coelho, diretora de Normas e Habilitação de Produtos da agência, em 2011, o órgão regulador publicou duas resolu-ções normativas (RNs) sobre ações de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças (Pro-moprev): a n° 264 e a n° 265.

Na RN 264 é definido todo o funcionamento dos programas na saúde suplementar, além de apresentar estímulos para as operadoras imple-mentá-los. “Incentivos regulatórios (condições especiais para a contabilização da margem de solvência); recebimento de pontuação de bônus na dimensão da atenção à saúde do Índice de De-sempenho da Saúde Suplementar (IDSS)”, explica Karla Coelho.

Já na RN 265, fica definido como pode ser a concessão de bonificação ou premiação aos be-neficiários de planos privados de assistência à saúde pela participação em programas de Pro-moprev. “A bonificação consiste em vantagem pecuniária, representada pela aplicação de des-conto na mensalidade do plano. Já a premiação pode ser oferecida por meio de distribuição de brindes, descontos em serviços ou até pelo não pagamento de co-participação para procedimen-tos de saúde relacionados ao programa”, enumera a dire-tora da ANS.

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Vera Sampaio, gerente de Regulação em Saúde da FenaSaúde

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ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Os resultados dessas ações são sentidos no dia a dia, aos poucos. Na opinião do diretor de Gestão de Rede Médica da Amil, Daniel Coudry, os benefícios dos programas de prevenção e aten-ção à saúde podem ser percebidos na melhora da qualidade de vida dos usuários devido ao acom-panhamento mais próximo feito por uma equipe multidisciplinar. “Os principais resultados entre os pacientes que fazem parte de um programa de acompanhamento contínuo são a melhoria dos indicadores clínicos, a redução da reinternação e a diminuição de intercorrências que os levem ao pronto-socorro”, explica.

Coudry salienta que a adoção de projetos vol-tados para prevenção de doenças e promoção de saúde são cruciais para manter o setor da saúde funcionando adequadamente. “A medicina deve, cada vez mais, evoluir para um modelo mais pre-ventivo e coordenado. Nesse sentido, a atenção primária proporciona um acompanhamento mais próximo dos resultados médicos dos bene-ficiários, contribuindo para reduzir o desperdício e para promover uso mais racional dos recursos assistenciais.”

Mudança gradual

Há registro da existência de projetos voltados aos cuidados com a saúde e o controle de do-enças desde 2004 sendo estimulados pela ANS. E, ao longo dos anos, as iniciativas vêm ganhan-do volume: segundo números da agência, havia 50 programas em 2009; 372 em 2012 e, este ano (entre janeiro e outubro) somaram-se mais 188, totalizando 1.669 ações de prevenção de doenças e promoção de saúde em todo o país. Após reali-

zarem o cadastro de seus programas na agência, as operadoras enviam todo ano uma atualização de seus dados para análise. Segundo a ANS, os principais setores atendidos pelos programas ca-dastrados são de estímulo à atividade física; ali-mentação saudável; prevenção ao tabagismo; de doenças como câncer, as sexualmente transmis-síveis (DSTs), osteoporose, hipertensão, diabetes, obesidade, saúde mental e do idoso.

Segundo a Karla Coelho, cada vez mais as ne-cessidades das pessoas precisam ser orientadas pela lógica do cuidado por causa da prevalência de doenças crônicas. “Monitorar a saúde dos be-neficiários e desenvolver programas de promoção à saúde e prevenção de doenças são estratégias importantes tanto para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos, quanto para reduzir os custos de produção do cuidado em saúde necessário”, conclui.

Este movimento em prol da valorização da prevenção de doenças e promoção de saúde vem crescendo, mas ainda tem muito a se expandir. Vera Sampaio destaca que é preciso muito em-

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Karla Coelho, diretora da ANS

Daniel Coudry, diretor de Gestão de Rede Médica da Amil

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penho de outros envolvidos no sistema, como as companhias que contratam planos de saúde. Elas representam um grande volume, já que a maio-ria dos contratos é de planos coletivos. “As ope-radoras também investem em ações para que as empresas auxiliem no mapeamento do perfil de saúde populacional. Sem esse esforço, somente quando o beneficiário demandar por determina-dos serviços de saúde, por exemplo, a operado-ra conhecerá um pouco da sua condição física e mental”, explica.

Na gestão de doenças crônicas dentro das operadoras, as estratégias de gestão são volta-das para os grupos de pacientes com alto risco assistencial. Dessa forma, esclarece a gerente da FenaSaúde, busca-se uma intervenção mais precoce possível para detectar as doenças antes que elas se instalem. “A adoção de medidas que estimulem a promoção à saúde e a prevenção de doenças trará, a longo prazo, um impacto finan-ceiro positivo para as operadoras, a partir do mo-mento que os beneficiários sejam cada vez mais atuantes e cuidadosos sobre sua própria saúde, tornando-se assim, consequentemente, pessoas mais saudáveis”, acredita.

Iniciativas

Na Abet, de acordo com Neusa Pellizer, as iniciati-vas têm foco em monitoramento de portadores de doenças crônicas, cuidado de diabéticos, assis-tência domiciliar, atenção à obesidade, saúde do homem e da mulher, longevidade e crescimento saudável. Como resultado, ela afirma que foram detectadas melhoras de índices biométricos e de prevenção de agravos e doenças como infartos, acidente vascular cerebral (AVC), diabetes e suas consequências. A apuração de ROI (retorno de in-vestimento) do programa de monitoramento de

crônicos, medida em junho de 2017, foi de R$ 1,89 para cada R$ 1 investido, e a satisfação dos usuá-rios em índices sempre ficou acima de 90%.

Com cerca de dez mil usuários na faixa etária de 60 anos em seu programa de prevenção, a No-treDame Intermédica centraliza o atendimento em unidades de prevenção com infraestrutura para o alto risco. As equipes são compostas por geriatras, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas e fonoaudiólogos que viabilizam ações para prevenir quedas, possibilitar fortale-cimento muscular e fazer reabilitação, além de fazer encontros semanais e quinzenais com es-pecialistas para tratar de temas como quimiote-rapia, depressão, ansiedade, memória, atividade física e alimentação. Os resultados são menores índices de internação: em 2004, eram, em média, 5,14 pacientes internados por dia a cada mil be-neficiários na cidade de São Paulo e na região do ABC. Em 2016, essa taxa caiu para 2,10.

Com o projeto Clube Vida de Saúde dentro do programa de gestão de saúde populacional, que desenvolve modelos de identificação, estra-tificação e análise da população, a Amil explica que fornece cuidado primário feito por equipes de médicos de família, enfermeiros e agentes de saúde. O trabalho viabiliza desde consultas até a realização de exames e acesso a programas de planejamento familiar, cessação do tabagismo e emagrecimento (infantil e adulto), com suporte multidisciplinar de fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas. Segundo a empresa, também existem modalidades no formato remoto ou in company, como programas de correção postural, suporte para gestantes, atenção ao idoso com déficit funcional e dificuldade de deslocamento até o ambulatório e programa de renovação de receita médica em domicílio para portadores de doenças crônicas.

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bros de organizações idôneas e absolutamente comprometidas com o bem-estar dos pacientes, precisamos trabalhar juntos para restabelecer a credibilidade do setor – passando, inclusive, por atuar proativa e intrinsecamente para combater desvios e episódios de má-conduta na cadeia.

Enquanto setor, portanto, estamos diante de um dos maiores desafios da nossa história: otimi-zar recursos escassos, em um contexto de grande avanço tecnológico (e consequente aumento dos custos), envelhecimento da população e elevada desigualdade social, e ainda assim entregar o me-lhor tratamento médico possível para a popula-ção brasileira.

Neste contexto, o profissional de compliance será um grande aliado do setor. A função, cada vez mais comum na área da saúde, é responsável por avaliar o ambiente normativo, regulatório e riscos particulares de cada atividade e gerenciar

POR FELIPE KIETZMANN

ARTIGO

s hospitais desempenham uma função pri-mordial na cadeia da saúde, geralmente repre-sentando o maior ponto de contato entre pa-cientes e práticas terapêuticas, das básicas às complexas, chegando a operações cirúrgicas e tratamentos intensivos. Assim, por estarem in-timamente responsáveis pelo nosso bem mais precioso, a saúde, sobretudo nos momentos de grande sensibilidade do ser humano, os hospitais se encontram no centro de análise por parte do governo, do legislador e da sociedade em geral.

De forma quase inconsciente, toda sociedade espera destes estabelecimentos – como local em que se dá a entrega da saúde, – a resposta para uma intrincada equação que envolve pacientes, médicos, indústrias, fontes pagadoras e órgãos reguladores, em um país de dimensões continen-tais, mas de recursos limitados, e que se propôs o desafio de um sistema de saúde público uni-versal. Neste contexto, com exaustiva exploração pela imprensa de desvios de conduta pontuais ocorridos em âmbito hospitalar, chegamos ao momento crítico em que a sociedade brasileira questiona a integridade de todo o setor.

Esta é uma situação que não podemos tolerar. Como médicos, empresários e executivos, mem-

Compliance e riscos corporativos em hospitais

Estamos diante de

um dos maiores

desafios da história:

otimizar recursos

escassos, em um

contexto de grande

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políticas, treinamentos, processos e mecanismos de identificação de desvios – um conjunto com-plexo de atividades, portanto, que costumamos denominar “programa de compliance”.

É importante destacar que em sentido am-plo, compliance significa conformidade e pode ser aplicado a inúmeros temas. Os hospitais, por exemplo, estão bastante habituados ao tema relacionando-o à qualidade, assim entendido o cumprimento de normas e protocolos técnicos emanados de órgãos vinculados ao Ministério da Saúde e agências reguladoras independentes, sobretudo a Agência Nacional de Vigilância Sani-tária (Anvisa) e a Agência Nacional de Saúde Su-plementar (ANS).

Em sentido mais estrito, no entanto, o com-pliance está historicamente relacionado a normas anticorrupção, e tem evoluído para abranger di-versos outros temas relevantes para os hospitais, tais como os conflitos de interesse entre médicos, fontes pagadoras e indústrias farmacêuticas e de produtos para saúde em geral – sobretudo de órteses, próteses e materiais especiais (OPME), como ficou demonstrado no famigerado episódio que ficou conhecido como “máfia das próteses”.

Em torno do paciente, que está no centro de tudo que fazemos, gravitam diversos grupos de interesse (além dos hospitais), dentre os quais podemos destacar médicos e outros profissionais da saúde; farmácias e outros pontos de venda e dispensação; distribuidores, importadores e fa-bricantes; centros de pesquisa e desenvolvimen-to de novas tecnologias; operadoras de saúde complementar; dentre outros.

A propósito, convencionamos usar a expres-são “cadeia da saúde”, o que leva o grande públi-co a imaginar cada um dos grupos acima com um “elo”, em um fluxo linear. A realidade, no entanto, é muito diferente. Os elos fazem parte de uma ver-dadeira rede de interações, que é continuamen-te influenciada pela vontade dos seus agentes, políticas públicas e incentivos econômico-finan-ceiros. É neste cenário dinâmico, portanto, que os profissionais de compliance da saúde devem atuar, o que exige um conjunto raro de competên-cias, tanto temáticas, quanto comportamentais.

É de responsabilidade de todas as instituições que atuam no setor da saúde, e sobretudo dos hospitais, estabelecer um programa de complian-ce efetivo e compatível com a lei e a regulação aplicável ao setor; à natureza, aos riscos e aos de-safios éticos relativos às suas atividades; ao volu-me, ao porte e à abrangência das suas operações; e aos anseios legítimos da sociedade.

Esta necessidade decorre, em primeiro lugar, da Lei Brasileira Anticorrupção (lei n° 12.846/2013), que elenca a existência de mecanismos e procedi-mentos internos de integridade como atenuante na eventual aplicação das sanções previstas na norma, e, em segundo lugar, de uma grande ten-dência por parte dos órgãos públicos de passar a exigir um programa de compliance para que as ins-tituições possam ser contratadas por entes da ad-ministração pública – podendo vir a impactar em um futuro breve, por exemplo, o repasse de recur-sos por parte do Sistema Único de Saúde (SUS).

Neste contexto, o Colégio Brasileiro de Executi-vos da Saúde (Cbexs) lançou o Programa de Cer-tificação Profissional em Healthcare Compliance, que em sua primeira edição, em 2017, formou 33 executivos, inclusive da área hospitalar, para atu-ar como agentes transformadores da área da saú-de. Estamos seguros, assim, de estar contribuin-do para a transformação ética do setor, até que se torne um modelo a ser perseguido por outros setores e por toda sociedade brasileira.

* Felipe Kietzmann é advogado, com MBA em ges-tão empresarial, fellow e coordenador-geral do Programa de Certificação em Healthcare Com-pliance do Cbexs

É de responsabi-

lidade de todas as

instituições

estabelecer um

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CHARGE

A Revista FEHOESP 360 é uma publicação da FEHOESP, SINDHOSP,

SINDHOSPRU, SINDJUNDIAÍ, SINDMOGI-DASCRUZES, SINDRIBEIRÃO, SINDSUZANO e IEPAS

Tiragem: 15.500 exemplares

Periodicidade: mensal

Correspondência: Rua 24 de Maio, 208, 9º andar - República - São Paulo - SP - [email protected]

Coordenadora de Comunicação Aline Moura

Editora responsávelFabiane de Sá (MTB 27806)

RedaçãoEleni Trindade, Rebeca Salgado e Ricardo Balego

Projeto gráfico/diagramação - Thiago Alexandre

Fotografia - Leandro Godoi

Publicidade: [email protected]

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da revista.

Diretoria FEHOESP

Presidente - Yussif Ali Mere Junior

1º Vice-Presidente - Marcelo Soares de Camargo

2º Vice-Presidente - Roberto Muranaga

3º Vice-Presidente - Flávio Isaias Rodrigues

1º Diretor Secretário - Rodrigo de Freitas Nóbrega

2º Diretor Secretário - Paulo Fernando Moraes Nicolau

1º Diretor Tesoureiro - Luiz Fernando Fer-rari Neto

2º Diretor Tesoureiro - José Carlos Barbério

Diretores Suplentes - André Junqueira Santos Pessoa, Hugo Alexandre Zanchetta Buani, Danilo Ther Vieira das Neves, Arman-do De Domenico Junior, Luiza Watanabe Dal Ben, Jorge Eid Filho e Michel Toufik Awad

Conselheiros Fiscais Efetivos - Antonio Carlos de Carvalho, Ricardo Nascimento Tei-xeira Mendes e João Paulo Bampa da Silveira

Conselheiros Fiscais Suplentes - Maria Helena Cerávolo Lemos e Fernando Henri-ques Pinto Junior

Delegado Representante junto à CNS efetivo - Yussif Ali Mere Junior

Delegado Representante junto à CNS suplente - Marcelo Soares de Camargo

Pode comecar,

sem pressa. . .s

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