edição 17 vírus planetário completa

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R$ 5 VÍRUS PLANETÁRIO Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça edição nº 17 setembro/ outubro 2012 Mostramos uma série de iniciativas de coletivos independentes de arte e intervenção político-cultural. Uma reflexão sobre a democracia para além do voto A Cultura além do espetáculo A participação popular na política Por que apenas trocar de mãos as armas não resolve os problemas nas favelas do Rio de Janeiro. Unidade de Polícia Pacificadora ISSN 2236-7969 nº17 R$ 5,00

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Edição 17 (outubro 2012) da revista Vírus Planetário completa

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Page 1: Edição 17 Vírus Planetário completa

R$5VÍRUS PLANETÁRIOPorque neutro nem sabonete, nem a Suíça

edição nº 17 setembro/

outubro 2012

LIBERDADE VIGIADA?

Mostramos uma série de iniciativas de coletivos independentes de arte e intervenção político-cultural.

Uma reflexão sobre a democracia para além do voto

A Cultura além do espetáculo

A participação popular na política

Por que apenas trocar de mãos as armas não resolve os problemas nas favelas do Rio de Janeiro.

Unidade de Polícia Pacificadora

ISSN 2236-7969

nº17 R$ 5,00

Page 2: Edição 17 Vírus Planetário completa

Em defesa do projeto dos movimentos sociais para o petróleo, com monopólio

estatal, Petrobrás 100% pública e investimento em energias limpas.

Participe do abaixo-assinado:www.sindipetro.org.br

Notícias da campanha:www.apn.org.br

organização:

Aê Galeera, tem pra

todo mundo! São 174

blocos de petróleo, na

terra e no mar!

vuuummmm

Ma õõÊE! Quem Quer petróleo?

Acompanhe a campanha e outras notícias na

...os empresários brasileiros e estrangeiros já começam a juntar a merreca pra com-

prar mais poços e ganhar muito mais dinheiro

Como esse

povo brasileiro

é trouxa...

Enquanto isso, na sala de injustiça, o ministro de minas e energia, edison lobão já está anunciando que o próximo leilão do petróleo brasileiro está próximo de acontecer...

Entretanto, algo não esperado por lobão e seus comparsas ainda pode acontecer: O povo brasilei-ro tem que se mobilizar e Exigir:

“o petróleo tem que ser nosso!”

Olha o desespero do lobão quando no-

tar que seus planos diabólicos irão por

água abaixo...

E aí??? Quer que essa história tenha um final feliz? Então, participe da campanha

Page 3: Edição 17 Vírus Planetário completa

Por Carlos D Medeiros | Veja mais em: facebook.

com/Fucalivro

Por Vitor Vanes Veja mais em www.vitorvanes.blogspot.com

traço livre

Page 4: Edição 17 Vírus Planetário completa

EXPEDIENTE:Rio de Janeiro: Aline Rochedo, Artur Romeu, Caio Amorim, Felipe Salek, Ingrid Simpson, José Roberto Medeiros, Julia Maria Ferreira, Maria Luiza Baldez, Mariana Gomes, Miguel Tiriba, Noelia Pereira, Renata Melo, Rodrigo Teixeira, Seiji Nomura e William Alexandre | Campo Grande (MS): Marina Duarte, Rafael de Abreu, Tainá Jara, Daniel Lacraia, Jones Mário e Fernanda Palheta | Brasília: Alina Freitas, Ana Ribeiro Malaco, Mariane Sanches, Luana Luizy, Tais Koshino e Thiago Vilela Diagramação e projeto gráfico: Caio Amorim e Mariana Gomes Ilustrações: Rio de Janeiro: Vitor Vanes (vitorvanes.blogspot.com.br), Carlos Latuff e Carlos D. Medeiros Revisão: Bruna Barlach Colaborações: Chico Motta Foto Capa: Complexo do

Alemão onde recentemente foi instalada uma UPP - foto por Maria Buzanovsky (mariabuzanovsky.com.br)

Conselho Editorial: Adriana Facina, Amanda Gurgel, Ana Enne, André Guimarães, Carlos Latuff, Claudia Santiago, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, Henrique Carneiro, João Roberto Pinto, João Tancredo, Larissa Dahmer, Leon Diniz, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Mauro Iasi, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone,

Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Repper Fiell, Sandra Quintela, Tarcisio Carvalho, e Virginia Fontes e Vito Gianotti

Eduardo Oliveira de Carvalho: Não entendi porque titubearam sobre o governo Ahmadinejahd. Será que a culpa da ditadura é só do Aiatolá? Não dá pra ter dúvidas sobre o governo do Irã. Uma revista que diz defender os oprimidos não pode ter dúvidas sobre o governo do Irã. Nem muito menos fazer o governo do Irã como bode expiatório para uma disputa com a grande mídia.

Errata: A primeira foto da página 34 na edição anterior (número 16), que ilustra a entrevista inclusiva com a Cia Revolucionária Triângulo Rosa é de autoria de Paula Rafiza. Pedimos desculpa pelo fato de não termos dado os créditos, pois as fotos nos foram cedidas pela Cia Triângulo Rosa, entrevistada.

Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principal-

mente o nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas necessária para os virgens de Vírus Planetário:

Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso

estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcia-lidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim,

parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas exclu-

ídas, de batalharmos contra as mais diversas formas de opres-são. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível

gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor

Afinal, o que é a Vírus Planetário?

Curta nossa página! facebook.com/virusplanetario

A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora com sede no Rio de Janeiro#Tiragem: 2.500 exemplares

#Impressão: Print Express

www.virusplanetario.com.br

Anuncie na Vírus: [email protected]

Siga-nos: twitter.com/virusplanetario

COMUNICAÇÃO E EDITORA

é necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas

batalhas do cotidiano.

O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem

o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acredi-

tamos que com mobilização social, uma sociedade em que haja felicidade para todos e todas é possível.

Recentemente, inauguramos um Conselho Editorial (nomes abaixo) com integrantes de movimentos sociais e intelectuais

que referendam e apoiam a revista.

Correio

>Envie colaborações (textos, desenhos, fotos), críticas, dúvidas, sugestões, opiniões gerais e sobre nossas reportagens para [email protected]

Queremos sua participação!

Viral

Page 5: Edição 17 Vírus Planetário completa

Editorial

Democratizando a democracia Sorrisos em cartazes, ‘defensores do povo’ pra lá, ‘salvadores da

pátria’ pra cá e a gente no meio, zonzos. Com jingles de Naldo, Michel Teló e tudo quanto é músico que esteja à mesa, as eleições invadem a gente sem querer saber quem é rei ou maltrapilho – desde que tra-ga a salvo o bendito título de eleitor. Estamos convocados a passar a tocha para que uns ou outros liderem à frente. Evidente que não po-demos ignorar que através do voto, alguns candidatos podem fazer a diferença para o povo e os movimentos sociais. Ainda assim, é triste que esta seja a interpretação que se dá à democracia nos nossos tempos: que o poder ‘emana’ do povo para seus representantes e não que o poder deve estar nas mãos do povo.

Em altos brados, políticos defendem suas propostas e se van-gloriam de suas realizações. Nesta edição, damos destaque a um dos projetos mais polêmicos do Rio de Janeiro e, com a possível exportação do modelo, do Brasil: as Unidades de Polícia Pacificado-ra (UPPs). Entrevistamos moradores do Salgueiro e especialistas no assunto para falar sobre o projeto de maneira geral e a situação da UPP do Salgueiro em particular. Por um lado, as opiniões dos entrevistados refletem o alívio com a diminuição dos tiroteios, mas reclamam contra a continuidade do controle armado do co-tidiano – mas agora feito pela polícia. Com a resolução 013, por exemplo, a polícia passa a poder gerenciar a cultura na região, instituindo proibição a alguns tradicionais bailes funk. Além disso, a valorização das casas e dos serviços acaba causando uma espécie de ‘remoção branca’, que acaba forçando moradores an-tigos a migrarem para outras áreas. As opiniões sobre o projeto são controversas, diferente do mar de rosas que se costuma apresentar nas campanhas eleitorais.

Negando a falsa ideia de que votar uma vez a cada dois anos signifique ‘participação popular’, preparamos uma repor-tagem em que entrevistamos intelectuais e militantes sobre os limites que o nosso sistema político e econômico colocam para a democracia e como mudar esse quadro. Todos concordaram que o contexto é ‘limitado’, mas cada um fez diversas pro-postas, desde mecanismos de participação como sindicatos, conferências públicas e mecanismos de pressão até ideias como a da ‘não-participação’.

Ainda nesta edição: espaços culturais para além do espe-táculo e do grande mercado, a marcha patriótica da Colôm-bia e uma entrevista com a pesquisadora Nelma Gusmão, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Regional da UFRJ, sobre como os megaeventos estão sendo usados para im-por um modelo de cidade para o Rio de Janeiro.

Sumário

6 Internacional_Uma Colômbia

em Marcha

8 Bula Cultural

9 Bula Cultural_CD Pedras e

Sonhos - El Efecto

10 Bula Cultural_Mate com Angu

12 Bula Cultural_A cultura para

além do espetáculo

15 Sórdidos detalhes

16 O sensacional repórter

sensacionalista

18 Sociedade_1+1+1+1+1... e o poder

do povo

22 CAPA_Rio de Janeiro_ As vozes

que a UPP não escuta

26 Brasília_Noroeste, terra sagrada ou

vendida?

28 Entrevista Inclusiva_Nelma Gusmão

32 Movimentos Sociais_ Por terra,

território e dignidade

35 O sensacional repórter

sensacionalista

Page 6: Edição 17 Vírus Planetário completa

O mês de abril viu nascer nas ruas da capital colombiana um mo-vimento que pode mudar os rumos da política em nuestra América: a Marcha Patriótica. Composta por movimentos sociais, organizações populares, sindicatos e partidos de esquerda, ela é uma tentativa de se construir uma solução política pací-fica para o dramático conflito social e armado que assola o país há mais de meio século.

Sérgio Quintero e Juan Tapiro, colombianos, estudantes da UFRJ e organizadores do movimento no Brasil, conversaram conosco e ex-plicaram como a Marcha funciona. “Há muitos processos em curso na Colômbia atualmente, de indígenas, de jovens, de Direitos Humanos. A Marcha Patriótica surge da necessi-dade de se juntar, num movimento político, essas forças que estavam dispersas na sociedade”, explica Sérgio. Esse processo começou em 2010 e se consolidou em 2012, numa marcha que levou às ruas cerca de 80 mil pessoas, promovendo deba-tes e atividades culturais.

Por William Alexande

Uma Colômbia em marcha Camponeses, trabalhadores, indígenas e

estudantes se articulam num movimento por paz e justiça social

Embora o nome possa sugerir, esse não é um movimento naciona-lista, a Pátria que se busca é aquela mesma sonhada por Simon Bolivar, “Nossos países não podem ser pen-sados isoladamente, eles estão in-terligados politicamente, então a li-bertação não deve ser apenas a do povo colombiano, mas de todos os povos latino-americanos”, diz Juan.

O movimento atualmente está presente em todos os 32 estados do país, e organizado em “Conse-lhos Patrióticos” em quase todos eles. Sua estrutura democrática – cada organização participante tem dois delegados no Conselho Patri-ótico Nacional – e sua pluralidade definem um patamar de unidade inédito entre as classes populares. A Marcha Patriótica estabelece um novo marco na história das lutas sociais.

Ainda que para a história oficial a Colômbia tenha conquistado sua independência já nas primeiras dé-

internacional

Pela segunda e definitiva independência

Foto

s: divu

lgação

March

a

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 20126

Page 7: Edição 17 Vírus Planetário completa

cadas do século XIX, esta se deu de forma incompleta. As elites instalaram-se no poder, e o que se deu desde então foi uma dispu-ta entre liberais e conservadores, e um longo período marcado pela violência: “Desde a independência, a Colômbia teve 70 guerras inter-nas, geralmente entre as próprias elites”, explica Juan.

Dentre os conflitos, destaca-mos a Matança das Bananeiras em 1928, episódio que inspirou o Nobel de literatura Gabriel García Márquez, autor de “Cem anos de solidão”, e o assassinato de mais de 5 mil membros e simpatizantes da União Patriótica (UP), no final da década de 90. Na ocasião as FARC (Forças Armadas Revolucio-nárias da Colômbia), principal gru-po insurgente, aceitaram deixar as armas para participar regularmen-te das eleições através da UP, que conseguiu eleger diversos parla-mentares. As elites, vendo sua he-gemonia ameaçada, utilizaram-se das forças do Estado e de milícias paramilitares, para promover o ge-nocídio.

O presidente eleito em 2010, Juan Manuel Santos, prometeu abrir o diálogo com os setores po-pulares, apresentando-se como a

alternativa democráti-ca ao governo de Álvaro Uribe. O que fez, na ver-dade, foi dar continuida-de ao projeto neoliberal de seu antecessor, favorecendo as grandes multinacionais, privatizan-do serviços essenciais e criminalizando a pobreza. Segundo Ivan Pinheiro, secretá-rio-geral do PCB, seu governo está alinhado com a política imperialista, sobretudo estadunidense: “A Colômbia está se transformando numa espécie de Israel da América Latina, uma pon-ta de lança do imperialismo”.

Por isso, o povo colombiano reivindica sua segunda independência, e que desta vez ela seja definitiva. Para isso ele precisa vencer uma acir-rada disputa pela memória, explica Sérgio: “No 20 de julho se comemora a independência com um desfile militar, mas é preciso ressaltar que, antes de tudo, esta é uma data de luta do povo”. O caminho da paz na Colômbia parece passar inevitavelmente pela consciência política, e mais que isso, à ação prática.

Mas esse não é apenas um movimento pela paz, mas um caminho para a superação da dominação imperialista e oligárquica através da unificação das classes subalternas e exploradas. Além disso, sua decla-ração política clama pela urgência de se avançar na construção de uma sociedade alternativa ao Capitalismo. Este modelo econômico ampliou de forma brutal as desigualdades sociais, concentrando a riqueza nas mãos de poucos privilegiados, precarizou o trabalho e privatizou direi-tos fundamentais, como a saúde, a educação e a cultura, tudo em nome da maximização dos lucros. Sendo assim, entendemos que só há uma solução para isso, que é a superação deste sistema, do contrário, só nos restará a barbárie.

O sucesso da Marcha Patriótica já rende os seus primeiros frutos: a certeza de que um mundo muito melhor é possível e a esperança de que na luta dos povos oprimidos poderemos, enfim, forjar os pilares de uma nova primavera.

“Todos os povos do mundo que lutaram pela liberdade extermina-ram no final ao seus tiranos.” (Simon Bolivar)

“ Desde a independência,

a Colômbia teve 70 guerras internas,

geralmente entre as próprias elites”

Solidariedade além das fronteiras

Ilustração

: Vito

r Van

es

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 7

Page 8: Edição 17 Vírus Planetário completa

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

IndicaçõesIconoclassistas

Acreditando que a comunicação é uma prática política, os

iconoclasistas buscam a expressão por meios das imagens.

Embora, muitas vezes, as imagens sejam consideradas ino-

fensivas, o coletivo entende que são elas que constroem e in-

fluenciam o imaginário social, por conta de seus múltiplos

significados. Assim, procuram usar as suas representações

como uma ferramenta para a transformação, incomodando

o receptor para que ele não permaneça na mesma po-sição submissa em que a mídia tradicional o coloca.

Para o diversificado gru-po, as imagens são formas de esclarecimento – por isso, criam cartografias críticas e mapas cole-tivos, retratando situa-ções históricas e políticas indo-afro-latinas e além. Acessando o site www.ico-noclasistas.com.ar, você pode conhecer o traba-lho incrível dos iconocla-sistas. Só um detalhe: o conteúdo da página é em espanhol. Mas não desani-me, é possível compreen-der os textos!

Exposição “Impressionismo: Paris e a Modernidade”

Diretamente do Museu D’Orsay, um dos mais famosos de

Paris, o Brasil recebe uma mostra de acervo impressionista

inédita na América Latina. A exposição “Impressionismo:

Paris e a Modernidade” reúne 85 quadros de pintores re-nomados como Monet, Van Gogh, Renoir, Gauguin, De-gas e Cezanne. A mostra já esteve em Brasília, perma-nece em São Paulo até o dia 7 de outubro e, por fim, che-ga ao Rio de Janeiro. Se você não mora em nenhuma des-tas capitais, quem sabe não organiza um fim de semana para passeio?

Contraindicações

Músicos vendidosDudu Nobre, Diogo Nogueira, Alcione, Mo-

narco da Portela, e o cantor Buchecha foram os primeiros a aderir à campanha do atual prefeito, Eduardo Paes. Não coincidentemen-te, os mesmos artistas foram os que mais fize-ram shows para a prefeitura nos últimos anos. Alguns inclusive sem licitações, pagos pela RioTur. A cantora Alcione já chegou a receber R$210 mil por um show da Prefeitura do Rio realizado no Reveillon de Copacabana. Mo-narco teve CD e shows de anivesário bancados pela gestão. Não muito diferente é o caso do Naldo, que vendeu a música mais chiclete do ano – “Amor de Chocolate”- para o candidato Rodrigo Maia, a versão começa com “Rodrigo é a cara do novo, pode acreditar…” Aham, pode deixar! Já estamos acreditando.

ingerir em caso de marasmo ingerir em caso de repetição cultural

ingerir em caso de alienação

POSOLOGIA

manter fora do alcance das crianças nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico

extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 20128

Page 9: Edição 17 Vírus Planetário completa

sem mencionar a linda atualização de “Os saltimbancos” de Chico Bu-arque, em que, dessa vez, “Os As-saltimbancos” libertam o grito preso por tantas correntes da contas-cor-rentes.

Tudo muito belo a não ser por uma falha capital: a profunda “Ciran-da”, lançada no ano passado, inexpli-cavelmente, ficou de fora para dar lugar à regravação de “A caça que se apaixonou pelo caçador” presen-te no primeiro CD. Fica a impressão de que o grupo teve a humildade de não lançar um CD perfeito. Brinca-deiras à parte, o lançamento oficial do disco no Rio de Janeiro será no Studio RJ (Av. Vieira Souto, 110, Ar-poador) no dia 26/09, às 20h30, com entrada franca (pague quanto e se quiser). “Pedras e Sonhos” está dis-ponível para download gratuito e completo no site www.elefecto.com.br, onde se encontram mais informa-ções sobre agenda.

Há situações em que nossa hu-manidade e sentimentalidade não podem ficar presas e devem extra-vasar os limites do papel. Por isso, não me furto a registrar que ouvir os 50 minutos do terceiro CD da banda El Efecto , “Pedras e Sonhos”, é uma das experiências mais intensas que alguém pode ter. O álbum consagra El Efecto com uma das melhores - senão a melhor - banda de todo o cenário musical brasileiro. A qualida-de e originalidade são explícitas em cada acorde de suas músicas e em cada vírgula de suas letras. As músi-cas de Pedras e Sonhos afloram não só nossas utopias, mas também a inspiração para que muitas pedras filosóficas, metafóricas e físicas (por que não, em alguns casos?) voem (e elas precisam voar) para sonhos dan-çarem e assim, construirmos com muita garra, dança, música, suor e lágrimas, um mundo em que haja fe-licidade para todas e todos.

Destaca-se também a qualidade da gravação, ponto em que os discos anteriores pecavam. Dessa vez, a banda teve uma preocupação minu-

Pedras e Sonhos são nossas únicas armas

El Efecto lança tão aguardado CD que ultrapassa os limites da beleza e da emoção

ciosa para que tudo saísse perfeito. Cada arranjo baila cristalino para a audição de seu fiel público. Além dis-so, as músicas parecem mais acessí-veis – em termos de linguagem - à grande parte da população. Quem tem sentimento, não ousa ficar indi-ferente às novas letras. Mesmo com melodias mais claras, que remetem a uma brasilidade presente em can-ções consagradas de Paralamas do Sucesso e Gilberto Gil, a banda não perde a pegada e o ecletismo. Ainda assim, é recomendável ouvir algumas músicas com as letras em mãos para maior compreensão e reflexão.

O álbum traz a exaltação da luta popular contra megaempresários num arranjo belíssimo de rock com xaxado em “O encontro de Lam-pião com Eike Batista”; uma primo-rosa crítica à mídia hegemônica em “N’aghadê”; a faixa-título ganhou uma roupagem arrepiante, com di-versas nuances, aceleração de ritmo e a inserção do discurso do Subco-mandante Marcos do Exército Za-patista, com sons de passeatas em diversos países latinos ao fundo. Isso

“ Quem tem sentimento,

não ousa ficar indiferente”

Ilustraçõ

es: divu

lgação

Por Caio Amorim

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 9

Page 10: Edição 17 Vírus Planetário completa

gia uma página na internet com o foco na Baixada Fluminense. “Mate com Angu” era uma forma pejorati-va de se referir à população carente assistida pela Escola Proletária de Meriti, fundada em 1921 por Arman-da Álvaro Alberto no território onde é hoje Duque de Caxias. Esta esco-la foi uma das primeiras a oferecer merenda aos alunos, e como sobre-vivia de doações dos comerciantes, era recorrente no menu o mate com angu doce.

As primeiras exibições do Mate eram realizadas no subsolo da Câ-mara de Vereadores de Duque de Caxias quinzenalmente, à tarde e no meio da semana. O horário di-ficultava a participação do público que trabalhava. A sessão logo rece-beu um novo endereço, o Sindicato dos Bancários. Após os filmes (em geral curta-metragens), o coletivo começou a realizar festas, trazen-

Mate com AnguMate com Angu em comemoração do aniversário de 9 anos | Foto: Samitri Bara

O Mate com Angu nasceu em Nova Iguaçu, mas é caxiense de coração. Igor Barradas, 34 anos, um dos idealizadores do cineclube, cresceu no Jardim Primavera, bairro do município de Duque de Caxias – cidade mais populosa da Baixa-da Fluminense, com quase 900 mil habitantes. Sua escolha pelo cine-ma deu-se ainda na adolescência, na época em que a tecnologia di-gital não era difundida. Ele viu esta transformação ocorrer na virada do século e soube identificar ali algo que ele define como “uma quebra de paradigmas”. Livre do alto custo da película, era possível fazer um fil-me sobre o próprio bairro: “A gente sabia que era uma possibilidade da ponta estar falando da ponta”. Se-guindo esta corrente, seu primeiro documentário, “Progresso Primave-ra”, narra as transformações sofri-das pelo bucólico bairro de Jardim Primavera durante a “revolução do asfalto”, em Caxias. Este primeiro filme foi o catalisador de um pro-

cesso que culminaria na criação do Cineclube Mate com Angu.

Logo após ter contato com o ideal cineclubista no II Fórum Social Mundial, em 2002, Igor é convidado pela FEUDUC a organizar uma mos-tra de filmes no departamento de história da faculdade. Junto com os alunos, Igor chega à conclusão de que uma mostra seria pouco. A fal-ta de lugares dedicados à produção cultural independente na Baixada Fluminense era motivo de inquie-tação. Ter um espaço para a exi-bição da produção cinematográfica de baixo custo que emergia no país era vontade geral. Além disso, eles observavam a existência de uma re-presentação midiática pouco com-plexa sobre o lugar onde viviam, o que despertou a necessidade de mostrar seus próprios pontos de vista sobre a Baixada.

O nome do cineclube foi uma sugestão de Heraldo Bezerra, o HB, agitador cultural que, à época, diri-

Por Taiane Linhares

Utopia ao estilo Baixada

O cineclube que agita a cena cultural da Baixada completa 10 anos e lança um livro

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

Cinema, Cerveja e

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 201210

Page 11: Edição 17 Vírus Planetário completa

Seção de comemoração de 10 anos do cineclube Fotos: divulgação

Para Igor, o Mate é “provocador”, uma intervenção poética sem o objetivo claro de trazer grandes mudanças sociais. Após o coletivo ler “TAZ”, de Hakim Bey, deram-se conta de que, sem saber, o que produziam toda última quarta-feira do mês era uma zona autônoma temporária, uma ocupação pontual de um espaço para fins festivos sem confrontar diretamente o Estado.

Manter a utopia viva em um ambiente hostil é por si só uma árdua tarefa. Em certa ocasião, recorda Igor, o peso da realidade tombou so-bre o coletivo de forma brutal: “Havíamos feito um puta lançamento no Mate, energia ótima. Na mesma noite acontece uma chacina em Nova Iguaçu e Queimados. Um grupo de policiais sai pelas ruas e mata 30 pessoas. A gente achava que estava revolucionando a Baixada, que estava quebrando um paradigma. E a gente percebeu que a realidade era muio mais complexa”.

O cineclubismo não é mais uma novidade. Muitos eventos com esse enfoque surgiram após o Mate com Angu, incluindo o “Buraco do Getúlio”, em Nova Iguaçu. No entanto, o Mate é atualmente um dos

cineclubes a mais tempo em atividade no Rio. As realizações também foram muitas. O Mate foi um dos dez projetos contemplados com o Prêmio Cultura Nota Dez, iniciativa da UNESCO e do Governo do Estado do Rio de Janeiro, em 2005. Já em 2010, o cineclube ganhou a Europa como convidado de honra em uma mostra de filmes brasileiros em Paris.

Passados 10 anos de exibições, o Mate bus-ca a reestruturação do coletivo. A entrada de novos integrantes e a realização de projetos mais ambiciosos dão novo fôlego ao cineclube. Para comemorar o aniversário, no mês de julho, foi lançado um concurso com premiação para o melhor vídeo de até um minuto sobre a cidade de Caxias. Será publicado, ainda esse ano, o livro “O Cerol Fininho da Baixada - Cineclube Mate Com Angu em Ação”, de Heraldo Bezerra, uma retrospectiva da primeira década do Mate. A publicação faz parte da coleção “Tramas Ur-banas”, da editora Aeroplano, dedicada às expe-riências que se deram em periferias brasileiras.

do definitivamente o clima boêmio para as suas sessões. O público surgia às dezenas e se multiplica-va a cada mês.

Com a greve dos bancários, o coletivo teve que trocar de en-dereço minutos antes de uma das sessões. O cartaz na porta indicava “Fomos para a Lira de Ouro”. Chegaram em 2004 e, des-de então, nunca mais saíram da Lira – berço do samba em Caxias. Igor lembra da sessão com clare-za: “Era uma exibição do Glauber, ‘Deus e o Diabo na terra do sol’, e tinha um boteco na frente com um som muito alto. Me lembro da cena do deserto do Glauber pas-sando com ‘we are the world’ ao fundo. Houve um momento de ca-tarse na sessão com esse embate entre realidade e ficção”.

Essa história merece um livro

“ Ao ver a primeira sessão vazia, me bateu uma

sensação muito grande de que o Mate ia dar certo”

Serviço:

Cineclube Mate com Angu

Quando? Toda última quarta-feira do mês, às

20h.

Onde? Ponto de Cultura Lira de Ouro – Rua José Veríssimo, 72, Duque de

Caxias.

E não perca! De 12 a 30/9 a exposição de 10

anos do cineclube no SESC Duque de Caxias - Rua General Argolo, 47.

Das 10h às 18h

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 11

Page 12: Edição 17 Vírus Planetário completa

Quando pensamos em cultura, infelizmente, ignora-mos, muitas vezes, as manifestações culturais que nos cercam cotidianamente. Quase sempre remetemos cultura à ideia de erudição, para aquilo que se constrói mentalmente como o “culto”, o “hierarquizado”, ou seja, algo que não é acessível para todo mundo. Assim, nos esquecemos de valorizar o que é nosso, o que faze-mos de forma livre e genuína, nata da nossa gente!

Tal retrato distorcido da cultura ocorre em diver-sos lugares do mundo, e no Rio de Janeiro não é

diferente. Ingressos para shows internacionais esgotam-se em horas, a prefeitura modifica o trânsito, jornalistas descabelam-se por cre-denciais, além de filas enormes e entradas

caríssimas. E tudo isso fica estampado nas manchetes dos jornais, como: “Show histórico no Rio empolga multidão”, “Show Business ultra-passa as expectativas” dentre outras. É impor-tante que haja grandes eventos e sejam trazidos artistas internacionais, mas será que vale gastar tanto dinheiro para realizar tais shows e, contradi-toriamente, investir tão pouco na cultura de base na cidade?

O espaço da cultura não pode ser o espaço da exclusão. Lutando contra a hegemonia dos megae-ventos, os projetos Norte Comum, Bonde da Cultura, Domingo é dia de Cinema e demais iniciativas cultu-rais anônimas em nossa cidade, fogem da logística de um mercado que invadiu os espaços culturais cariocas. Tais iniciativas instigam uma espécie de militância da cultura, uma luta contra a concepção de que o acesso à cultura é simplesmente pagar a entrada e aplaudir o espetáculo.

Estes militantes da cultura são pessoas comuns preocupadas com os processos culturais que se per-deram nos guetos, nas ruas, nas favelas, no samba dos bares, nas rodas, nas cirandas, no funk, no rap, na cantiga, na poesia, na literatura, no teatro, no cinema. A iniciativa de mapear a história de seu espaço social e valorizar o que seu povo tem produzido enriquece e amplia a teia de relações culturais de uma sociedade.

A Cultura para além do espetáculo...Coletivos de cultura atuantes em diversas áreas da cidade do Rio de Janeiro provam que o espaço da cultura não pode ser o da exclusão

Por Aline Rochedo e Julia Maria

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

Ilustração: Vitor Vanes

Page 13: Edição 17 Vírus Planetário completa

O Norte Comum é um exemplo vivo de articulação pela união de di-versas frentes culturais que estão separadas na Zona Norte. Carlos Meijueiro, um dos idealizadores do grupo, conta que não falta produ-ção de cultura na cidade, mas que estamos numa “Ditadura da Linha Um” na qual a maioria dos editais, dos museus e dos aparelhos cul-turais da cidade está na Zona Sul. Além disso, o Rio de Janeiro está numa espécie de luta constante pelos editais. O modelo que o go-verno criou para fornecer a verba fomenta a competição entre grupos de produção cultural e não a união deles. E quem perde com isso é a cidade.

Carlos ainda ressalta que “o não investimento na área de cultura acaba ofuscando aqueles que estão na guerrilha da cultura.” São estes os que compõem de fato um ce-nário cultural na cidade do Rio de Janeiro e a proposta do Norte Co-mum é mapear e divulgar as diver-

sas manifestações decorrentes da zona norte, em especial, à Tijuca e ao morro do Salgueiro: “nosso intui-to é criar meios de visibilidade para quem está produzindo”, completa Carlos.

No caso do Bonde da Cultura que atua dentro de favelas a situação é ainda mais difícil. Há uma enorme carência de espaços destinados à manifestações culturais. No Morro Jorge Turco, onde o grupo começou, as oficinas de teatro, artes-marciais, música e debates políticos realiza-das pelo Bonde aconteciam em lu-gares improvisados e sem subsídio do governo – o que é comum entre articuladores que atuam em favelas ou para elas. Segundo o Bonde da Cultura, o principal objetivo da pro-posta é estimular a valorização da arte cotidiana.

A cultura não pode estar fora da esfera da luta, da diversidade cultu-ral. E aqui, estamos falando de di-ferentes meios e condições sociais, uma vez que não existe apenas uma cultura, mas várias culturas numa mesma sociedade. O Bonde, por exemplo, acredita que cultura é o instrumento de maior eficácia para que se construa uma cidade

“ A cultura não pode estar fora da esfera da luta, da

diversidade.”

mais humanizada, mais agradável para se viver. “Pela nossa experiên-cia em favelas e no subúrbio, temos legitimidade para afirmar que a le-tra de um rap, por exemplo, tem muito mais efeito do que qualquer discurso político, quer seja marxista, leninista ou de qualquer outro “ista” que exista”, afirmam.

No projeto Domingo é dia de ci-nema, idealizado pelo professor de geografia Leon Diniz, no Odeon, a concepção de cultura se relaciona diretamente com a concepção de cidade. Para ele, a ideia de se co-nhecer o centro da sua cidade in-fluencia sua relação com as diver-sas manifestações existentes nela, em especial em uma cidade tão grande e plural, como é o Rio de Janeiro: “Eu conheci o centro da mi-nha cidade já com 21 anos. A ideia de você se deslocar para o centro, faz com que conheçamos a nossa cidade, sua história. E o centro da cidade é democrático: pessoas de todas as regiões do Rio chegam aqui”, conta Leon.

Domingo é dia de cinema tem levado várias pessoas ao cinema pela primeira vez. Após a exibição, ocorre um debate entre convidados e o público a fim de promover uma maior integração e assimilação da mensagem cinematográfica, além de estimular o senso crítico nos presentes.

Articulação em movimento

Coletivo Norte Comum Foto: divulgação

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 13

Page 14: Edição 17 Vírus Planetário completa

Manifestações culturais diversas nos possibilitam entender os sujeitos em sua plenitude. Numa mesma socie-dade podemos encontrar uma ampla diversidade de manifestações cult-urais.

Teoricamente CulturaS são sistemas (de padrões de comportamento so-cialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades huma-nas aos seus embasamentos biológi-cos. Esse modo de vida das comuni-dades inclui tecnologias e modos de organização econômica, padrões de estabelecimento social e organização política, crenças e práticas religiosas, e assim por diante.

Esta amplitude de possibilidades, en-tretanto, será limitada pelo contexto real e específico onde de fato cada pessoa nasce e se compreende en-quanto ser humano.

O jornalista e escritor André Mansur se-gue uma proposta similar a de Leon, dire-cionada para a zona oeste do Rio de Janeiro. Segundo Mansur, o bairro de Campo Grande também é bastante ca-rente de eventos culturais. Há poucas peças e shows na Lona Cultural Elza Osborne e no Teatro Arthur Azevedo; cinemas, apenas em shopping e pou-cos espaços para exposições.

A iniciativa de André surgiu de uma inquietação particular de quem vive o drama da falta de espaços culturais: “Como moro no bairro, achei interes-sante a ideia de montar um cineclube, exibindo filmes fora do circuito comer-cial e que possam gerar algum tipo de reflexão”. A princípio, o projeto tinha parceria com a locadora do bairro, a Cinéfila, comandada pelo fotógrafo Júlio Lima, que emprestava os filmes a serem exibidos: “esta locadora, por sinal, representou um movimento cul-tural muito importante na região, pois, além dos filmes, era um espaço musi-cal e de exposição também, sempre com muito público”. Atualmente, os filmes são selecionados e dispo-nibilizados pelo próprio André Mansur, que ressalta: “a Cultura, nesta perspectiva, não deixa de ser resistência”.

É preciso que estas formas culturais se articulem. E, assim, as pes-soas adquiram a capacidade de questionar e valorizar a arte que pro-duzem de forma livre e espontânea.

Pensando em tais manifestações, ampliamos nossas relações com a concepção cidadã e a forma pela qual encaramos e nos articulamos em nossa realidade de cidade, pois tanto a economia quanto a política são produtos da cultura.

É imprescindível a presença des-sa cultura livre, capaz de ser facil-mente entendida em qualquer lugar. É uma questão de militância, uma vez que as propostas do governo são incapazes de unir as mais dife-rentes culturas tornando conhecida a Voz da minoria, ou melhor dizen-do, a Voz da Maioria.

Através da cultura o homem vê o mundo e se reconhece

Acima, o bonde da Cultura em ação. Abaixo

sessão do “Domgino é dia de Cinema” no

Cine Odeon.

Fotos: Divulgação

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 201214

Page 15: Edição 17 Vírus Planetário completa

sórdidos detalhes...

A Mentira varrida pra debaixo do tapete

Não é preciso ser nenhum especialista para perceber as mentiras contadas pelo atual prefeito Eduardo Paes para ser reeleito: basta ser carioca. Fazendo propaganda do seu sistema de transporte, o BRT, os corredores Trans e o Bilhete Único, afirma-se que ficou para trás: “o en-garrafamento crônico nas principais vias do Centro e da zona Sul” e “perder horas no deslocamento para o trabalho em ônibus de péssima qualidade”. Bem, um fato é certo: Dudu Paes não anda de ônibus, não é, gente? Até porque, Bilhete Único só funciona para ônibus sem ar con-dicionado. Já ta recebendo a regalia de uma passagem só, seria muita folga mesmo exigir um fresquinho.

E tem muito mais. Quando é para se gabar de saúde, adivinhem o que ficou para trás? A “fal-

ta de leito em hospitais municipais” e os “idosos que passavam horas na fila para obter atendimento mé-dico”. Depois da abertura das Clínicas de Família, acabaram por completo os problemas. Só que ao contrário! Que isso, colocar curativo em cima de machucado não é curar, não. O atendimento é maravilhoso... mas só para os outros. Se inter-nar lá nem pensar, né!

Na sessão “Legado Olímpi-co”, nosso planejamento para suportar os megaeventos de 2014 e 2016, o que ficou para trás foi – uma pausa, esta é sensacional -: os alagamentos nas vias em dias de chuva for-te na cidade. Taran! Acho que ele se esqueceu de 2010 ou viu a galera de bote ajudando os outros e pensou que fosse esporte!

Aliás, quando um carioca vê um problema – o que não é raro – já virou jargão dizer “imagi-na só como vai ser na Copa e nas Olímpiadas”. Então, pelo menos, nisso ninguém ta botando fé. Pois é, não precisa nem ser adivinho que a gente já sabe: com este planejamento, o tumul-to tende a piorar.

Agora, respondam: como um prefeito vai fazer alguma coisa por esta cidade se não con-segue ver os problemas mais fundamentais que passamos por aqui? Olha a poeira se acumu-lando embaixo do tapete... Alô, Rio de Janeiro!

Para conferir as informações dadas , acesse http://www.eduardopaes15.com.br/ e veja com seus próprios olhos como pode ser grande a cara de pau para se gabar de tantas “realiza-ções”.

“Somos um Rio... você é outro!”

Se o objetivo era criar um site de humor, é um sucesso!

Por Maria Luiza Baldez

Ilustrações: Carlos Latuff

Page 16: Edição 17 Vírus Planetário completa

*Improvável, mas não impossível.

Por Chico Mottafacebook.com/deltanews2012

Não adianta só ir à igreja todo dia, dizer que acredita em Deus, doar

o dinheiro do dízimo no débito automá-tico – aliás, já estamos aceitando Master-card-, tem que votar também com Deus, e hoje, eu preciso lhes dizer: Deus está com Eduardo Paes no Rio de Janeiro e com Celso Russomanno em São Paulo. O voto é o seu poder de esco-lha na sociedade e a escolha das pessoas da igreja é sempre por Deus. Paes e Russomano foram escolhidos pela nossa igreja. Quando estiver votando neles, lembre-se disso, será como se votassem em Deus.

Vocês sabem que nunca tive preferência partidária, minha preferência política sempre es-teve vinculada com o dinheiro das campanhas milionárias dos candidatos, sempre minha pre-ocupação foi com expansão da nossa igreja e a propagação da palavra da Bíblia Sagrada. Je-sus precisa de dinheiro, vocês sabem, e é para isso que esta-mos oferecendo nossos votos de fidelidade, para que possamos professar a palavra de nosso senhor com riqueza e prospe-ridade.

Nessas Eleições vote com cristo

Virão enviados do satã, travestidos de amigos, dizer para que não sigam o pastor. Proferirão injúrias ao meu nome e dirão que não é de Deus a palavra que sai de minha boca. Tapem os ouvidos a estes infames, meus irmãos, pois não são seus amigos de verdade quando falam, mas sim a encarnação do próprio As-modeus que veio do inferno para tentar

destruir a família de bem brasileira e a fé no nosso senhor Jesus Cristo.

Prestem atenção, pois o discurso do demônio é sempre muito sedutor, dirão que não podem votar em Paes, dirão que a seita doente de fornicadores do demô-nio tem sido beneficiada e financiada por um governo municipal repleto de so-

domistas que querem implan-tar sua ditadura-gay e impedir que o homens de bem da nação xinguem ou apedrejem homos-sexuais que demonstrem seu pecado em público.

É bem verdade que o mal do homossexualismo tem se alastrado, e que a família e a igreja têm sido oprimidas por esses sujos que nos obrigam a ver nas novelas e nas ruas os seus atos impuros e pecadores. Não nos deixam mais queimá-los ou espancá-los por qualquer motivo, é um absurdo! Que-rem que nossos filhos todos se tornem homossexuais e que o mundo se acabe em perversão e doença.

É verdade, também, que que-rem nos impedir de combater o pecado e a danação destes seres que contrariam a bíblia e a fé

Por Pastor Silas FalamalaMinha gente, mais uma vez eu quero trazer a vocês um esclarecimento muito im-

portante, pois estamos decidindo o futuro da nossa nação. Não adianta vir separar, dizer que “ah, negócio de religião”. Meu querido, o ser humano é um ser bio-psico-sócio-pluri-extra-espiritual, por isso, você cristão, você cristã, tem que botar a mão no peito e professar a sua fé durante todos os momentos da sua vida, sem exceção, inclusive quando estiver em frente à urna de votação.

NEWSAs principais notícias do dia

com dispensa de licitação

“Não se iludam, Paes não apoia a

pederastia!”

Page 17: Edição 17 Vírus Planetário completa

*ATENÇÃO: Queridos fanáticos religiosos, essa seção é fictícia. Não levem a mensagem a sério, devemos

pregar por respeito às diferenças e às religiões.

cristã, nos acusando de preconceituosos quando na verdade só estamos protegen-do nossos filhos de não serem abusados por essas figuras demoníacas.

Mas não se iludam, Paes não apoia a pederastia! Ouçam o pastor, ele é o úni-co que pode lhes dizer a verdade. Paes é um homem arrependido. Errou, sejamos sinceros, mas pediu o seu perdão a Deus, poucos são os homens com tal coragem. Irmãos, ainda me emociono ao me lem-brar da cena, este nobre homem, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, ajoelhou-se na entrada da igreja, e disse orando em línguas: hanama canta ravashue cinacas

abaloirirarom jeová! Que significa: “Per-doai este pecador e cure seu governo da doença maligna do homossexualismo, Jesus”.

Jesus então falou comigo nesse mo-mento que se aquele homem doasse – e doou! - a módica quantia de 2,8 milhões de reais para a marcha da família com Jesus, ele estaria perdoado em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Até o mais ímpio dos homens pode ser perdoado se assim se arrepender e no grau de seus pecados honrar a Deus com suas peni-tências. Louvemos os homens que são perdoados dos pecados, amém, gente?

Eduardo Paes, mesmo anencéfalo, consegue andar e até ficar dez

segundos em cima de um skate. É a prova de que o aborto de anencéfalos é uma

desumanidade

Celso Russomanno prova que é Ungido em Cristo, seja

abençoando a passista de escola de samba (ao lado), seja orando

pela Mulher-pera abaixo.

Aos paulistanos gostaria de dizer: Russomano é outro grande exemplo de arrependimento e superação. Já foi envolvido com peculato, exercício ile-gal da advocacia, aliado de bicheiros e estelionatários procurados pela Inter-pol. Veio até mim e pediu que lavas-se e purificasse sua alma com a água santa do Leão de Judá. Fizemos a Fogueira Santa da purificação e mais um ritual muito difícil. Por exigência de Russomanno, foi feita uma sessão da banheira sagrada de Israel, em que jogamos sabonetes numa banheira e o purificado deve catar o maior núme-ro possível enquanto uma de nossas irmãs da congregação, representando o demônio, tenta impedi-lo. A luta foi árdua mais hoje o candidato do PRB está limpo graças ao sangue do Senhor Jesus Cristo! Toda sua alma e o seu dinheiro, antes impuros, foram lavados com o poder da fé no nosso salvador.

Ao contrário do que diz toda me-dicina ateia-demoníaca,que prega o desumano aborto de anencéfalos, es-tes dois grandes homens, ao contrário dos que dizem ser impossíveis, vivem sem cérebro, andam, falam, são meus e serão seus candidatos a prefeito. É a mais pura prova de que a fé na cura pela Igreja e pela graça do Senhor é possível, irmãos.

É por isso, cristãos, que do mesmo modo que defendi e defenderei sem-pre os nossos direitos a expor a nossa luta contra o homossexualismo, que peço o voto de vocês hoje. Um voto em Cristo, um voto no perdão e amor divinos, um voto na fé da igreja, da família e dos homens ungidos de bem da nação. Agradeço a todos e fiquem com Deus.

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Ilustra

ções: Ico

no

classista

s

sociedade

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Ilustra

ções: Ico

no

classista

s

1+1+1+1+1...e poder do

povo

Por Artur Romeu eSeiji Nomura

A ideia original era a de escrever uma reportagem sobre os mecanis-mos e canais de participação da so-ciedade no processo de tomada de decisão. Pensamos que poderíamos aproveitar as eleições municipais e sugerir um debate sobre a constru-ção democrática para além do voto. Parecia uma boa ideia. O problema é que ao conversar com nossos en-trevistados, acadêmicos e ativistas políticos, nos deparamos constan-temente com o seguinte depoimen-to: “vivemos numa democracia mí-nima”. Para ser bem sincero, o que ouvimos foi um verdadeiro desfile de adjetivos do estilo: “muito bai-xa”, “restrita”, “limitada”, “incipiente”. Ao tentar conhecer os caminhos da participação social esbarramos com o desafio de explorar o significado de democracia, engolido pelo senso comum.

Que fique bem claro: nenhum dos entrevistados tampouco suge-riu que estamos sob uma ditadura. Não se trata disso, mas sim de en-carar o consenso entorno do siste-ma em que vivemos. A assistente social e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Larissa Dahmer, ressalta que a construção democrática é um processo de luta pela ampliação de direitos.

“Se percebermos a construção da concepção da democracia no seu sentido histórico, vamos ver

que quem vai buscar radicalizar esse conceito é a classe trabalha-dora, dizendo ‘não queremos ter somente a liberdade de vender a força de trabalho, a gente quer ter acesso a direitos políticos e sociais’”.

Apesar de uma série de conquis-tas, como os direitos à associação, ao voto, às liberdades de expressão, de religião, de ir e vir, a professora acredita que ainda estamos mui-to longe da ideia de democracia no seu sentido pleno. Para ela, en-tender democracia no capitalismo pressupõe reconhecer que existe um limite imposto pela própria lógi-ca do sistema.

“O liberalismo admite direitos po-líticos desde que não sejam ame-açadores, mas tem restrições aos direitos sociais porque prejudicam a lógica do mercado. Não estamos aqui o tempo todo levando porra-da. Mas vivemos num sistema que consegue fazer com que todo dia, todo mundo levante e acredite que

Porque a soma de indivíduos não é igual a uma democracia?

vai vencer na vida. As pessoas não pensam: vamos melhorar de vida coletivamente. As pessoas pensam: eu vou melhorar de vida. Isso é mui-to forte. “

Nascido e criado no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, o ativista político, Alan Brum, é um dos coor-denadores da ONG local Raízes em Movimento. Com sede no Morro do Alemão, o grupo atua desde 2001 em parceria com entidades de di-reitos humanos para promover me-lhores condições de vida na região. Segundo Alan, ainda estamos num processo inicial do que pode ser uma democracia no sentido literal da palavra – “poder do povo”.

“O que a gente tem são eleições, quando ano após ano somos lem-brados que o processo de represen-tatividade está falido. Isso nos traz outra perspectiva para pensarmos a democracia. Espaços em que te-nhamos princípios de atuação pro-cessual e não esporádicos. Acredito

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 19

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que haja democracia quando exista uma teia de diálogo e articulações que possam influenciar realmente na tomada de decisões políticas”, afirma Alan.

Ele diz ainda que as eleições e a política partidária em geral estão baseadas na ideia da troca de favores. De acordo com Alan, a dinâmi-ca eleitoral raramente propõe um debate mais sério sobre projeto de sociedade e acaba se limitando à lógica do compadre, do clientelismo. “Obviamente que as políticas sociais beneficiam uma parcela da socie-dade, existem avanços”, reconhece, “mas essas medidas não se pro-põem de fato a acabar com os problemas sociais – afinal, quem está interessado em quebrar o status quo?”

Professor da UFF e da PUC-Rio, o antropólogo José Carlos Rodrigues também critica o atual modelo eleitoral como mecanismo de constru-ção democrática por excelência. “Ao contrário do que pensa a cultura individualista, uma democracia não pode se fazer aditivamente, isto é, 1+1+1+1... como imagina o sistema eleitoral burguês”, afirma o professor. Segundo ele, os mecanismos e canais de participação da forma com que são concebidos têm pouca margem para mudanças concretas e são em grande parte paliativos, introduzindo espaço para pequenas reformas, mas sem o poder real de transformação das desigualdades.

“A ideia é que uma sociedade efetivamente democrática impede a desi-gualdade, por exemplo superior/inferior, e assegura a diversidade, como as diferenças entre religiões, culinárias, línguas, etc. A concepção que apregoa a universalização de uma cultura – em geral capitalista, industrial, indivi-dualista e de consumo – sobre as demais, confunde diferença com desi-

gualdade e proclama a sua diferen-ça particular como sendo superior”, aponta José Rodrigues.

O Instituto Mais Democracia é uma ONG com pouco mais de um ano de vida, sediada no Rio de Janeiro. Coordenada pelo cien-tista político João Roberto e pelo jornalista Carlos Tautz, o Mais De-mocracia procura responder à de-manda de participação e vigilância pública sobre as relações entre a economia e a política, buscando o aprofundamento da democra-cia brasileira. Para João Roberto, a tradição do pensamento político foca muito no governo, “em como democratizar o governo”.

“O lugar da política não é ape-nas o Estado, os partidos, mas sim a vida social, as relações pessoais, em casa, no trabalho. A política, enquanto produção de sentido e ações coletivas, está em todos os cantos. A democracia é um auto-governo que se constrói na rela-ção com o outro. Eu construo a minha identidade através de um processo associativo e quero par-ticipar da produção legal sobre esse produto coletivo”, afirma o coordenador do Mais Democracia.

Para João Roberto, o maior de-safio democrático é conectar o movimento político ao universo econômico, ou seja, a participação

sociedade

“ A política, enquanto produção de sentido e ações coletivas, está

em todos os cantos”

“ A ideia é que uma sociedade efetivamente democrática impede a desigualdade e

assegura a diversidade”

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 201220

Page 21: Edição 17 Vírus Planetário completa

e ação pública sobre a propriedade privada, sobre o controle da acu-mulação. De acordo com ele, a luta por direitos se mantém restrita ao “andar de baixo”, limitada aos direi-tos políticos, mas pouco se debate sobre a economia e o poder que as empresas exercem nesse setor, influenciando a política de forma desigual.

“Não acumulamos força para chegar no andar de cima. Quem está no andar de cima? O Banco Central, o BNDES, a Petrobras, o Ministério da Fazenda, o Ministé-rio da Agricultura, etc. O andar de cima, que opera o direito à proprie-dade, está intocado. E isso não é só no Brasil. As democracias moder-nas não chegaram a fazer cócegas no poder das empresas, muito pelo contrário. O Estado nesse nível está subordinado a este poder. Isso fica claro se tomarmos por exemplo todos os conflitos que estão acon-tecendo no Rio de Janeiro com o Porto do Açu, a TKCSA, o Morro da Providência, a Transcarioca, a Vila Autódromo, o Porto de Sepetiba, o Complexo Petroquímico. O Estado de Direito não vale aí”, aponta João Roberto.

Ainda segundo o cientista políti-co, a própria ideia de crescimento

econômico a todo custo é antide-mocrática, “é como se a econo-mia se justificasse em si mesma”. O discurso de que o povo também está interessado nesse desenvol-vimentismo está baseado sempre nos argumentos do emprego e ren-da, para João Roberto o ponto crí-tico onde vemos a construção do consenso. “Precisamos de canais de participação que possam incidir na relação dos órgãos públicos com os agentes econômicos. Todas as instituições do governo associadas a esse universo estão a salvo da sociedade, e elas determinam um consenso para o resto.”

Na frente virtual, a coordenadora da ONG Meu Rio, Alessandra Orofi-no, atua com campanhas de pres-são política. O objetivo é criar um espaço de participação cívica que une a tecnologia à mobilização da sociedade para aproximar as toma-das de decisões aos moradores do Rio de Janeiro. O grupo já organizou, entre outras, campanhas para cha-mar atenção sobre os gastos das obras no Maracanã, das irregulari-dades no orçamento para a educa-ção municipal e os abusos de poder nas favelas com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Segundo

“Em uma sociedade em que o tempo todo somos chamados a participar votando em políticos, enquetes virtuais, na militância política, talvez também devamos pensar sobre a importância de não participar”, provoca José Carlos Rodrigues. “A história provoca mudanças por duas vias, uma que é mais ou menos calculável e afetada por estratégias, da qual falamos usando palavras como ‘causas e consequências’. A segunda é através de grandes vômitos, quando não se aguenta mais e as pessoas vomitam, expulsam o que inco-modava”, explica.

Para ele, talvez a esquerda esteja apostando demais no lado institucio-nal e estratégico, promovendo ações que atrapalham este outro aspecto da história. “O momento atual do Brasil, de expansão do emprego, aumentos salariais e de conquistas trabalhistas pode ser ótimo e legítimo para as pes-soas por um lado, mas prolonga uma situação insustentável. Este momento de ‘desenvolvimento’ é péssimo, por exemplo, para os indígenas que sofrem com Belo Monte e serve para recriar a fé numa forma de Estado que sustenta as desigualdades”, explica o antropólogo. “Outra pergunta que em geral não se faz, talvez porque a resposta não interessa a ninguém é: que dimensões máximas pode ter uma sociedade, para lhe permitir visualizar alguma possi-bilidade de ser democrática?

Uma outra visão sobre participar

Alessandra, “democracia é prática, e não existe apenas como sistema jurídico”.

“Existem mecanismos burocrá-ticos de participação previstos pe-los estatutos da cidade: Audiências Públicas, Conselhos, Conferência da Cidade, projetos de Orçamentos Participativos, etc. Mas estes es-paços estão muitas vezes instru-mentalizados por partidos e/ou es-vaziados pelos governantes e pela própria população. Tudo isso acaba sendo mais o teatro da democracia do que a prática democrática.”

Segundo ela, o problema da insti-tucionalização desses canais é que quem cria o canal cria as regras do jogo. Quando o governo institui es-tes espaços, isso é feito na medida em que ainda pode controlá-los de alguma forma, o que acaba por cer-cear as possibilidades de participa-ção, inibindo a criatividade. “Faltam mais canais de prática democrática que não foram instituídos pelas ins-tituições governamentais, mas sim criados pelas pessoas. Impostos ao governo”, sugere.

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 21

Page 22: Edição 17 Vírus Planetário completa

As vozes que a UPP não escuta

No Salgueiro, favela da zona norte do Rio de Janeiro, ouvimos

o que os moradores pensam sobre a Unidade de Polícia

Pacificadora e conversamos com especialistas que

analisam a UPP

rio de janeiro

Page 23: Edição 17 Vírus Planetário completa

Violência, tiroteios, abuso de poder, moradias precárias e pes-soas armadas por todo lado. Essa era a realidade do célebre morro do Salgueiro, localizado numa das áreas mais nobres da Zona Norte do Rio de Janeiro. Em fevereiro de 2010, os moradores presenciaram a morte do líder do tráfico Fabinho do Salgueiro, nascido e criado no local. Tal fato ocorreu pelas mãos de policiais num suposto confronto, contestado por muitos moradores, que afirmam não ter havido resis-tência por parte do traficante. Esse fato anunciaria a fase introdutória da cronologia para um processo de mudanças. A favela, que já foi palco de conhecidas operações policiais e de repressão violenta ao tráfico de drogas hoje vive seus dias de paci-ficação. Isso porque há exatos dois anos, em setembro de 2010, insta-lou-se na região a 11ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Organiza-da pelo governo estadual, a ocupa-ção policial é nomeada por muitos como “processo de pacificação”.

Para o antropólogo e cientis-ta político, Luiz Eduardo Soares, as UPPs são positivas, mesmo com problemas. “Enquanto houver acompanhamento de movimen-tos sociais e da mídia, e enquanto a presença policial for tão perma-nente e numerosa quanto é nas áreas nobres da cidade, uma UPP será infinitamente melhor para a democracia e os direitos humanos do que o poder arbitrário armado de um grupo qualquer”, pondera o

escritor. Soares acredita que não se pode vender a ideia de que, no Rio, há uma divisão entre o bem, representado pelas polícias, e o mal, representado pelos traficantes. “Isso é falso e mascara nosso verdadeiro problema. Só houve e só há tráfi-co territorializado porque policiais corruptos se associaram aos trafi-cantes. A grande questão é mudar, refundar as polícias. Atribuir aos tra-ficantes o monopólio do mal é um erro patético ou mera manipulação política e retórica”, explica.

Hoje, após dois anos de UPP, os moradores colocam suas impres-sões acerca da militarização ocor-rida na favela. Relatos trazem a percepção de como vivem os apro-ximadamente quatro mil moradores naquele território dominado pelas forças de pacificação. Em meio a uma aparente ordem sustentada pelo Estado, quando subimos as in-contáveis escadas e descemos pela ladeira principal, percebemos carac-terísticas da precarização que resul-ta do descaso dos órgãos públicos, como ocorre com o transporte. Por não haver infraestrutura suficiente e pela inexistência de variedades de transporte, os moradores (que pediram para ter suas identidades preservadas por questões de segu-rança) e frequentadores enfrentam cotidianamente as grandes falhas do sistema de transportes. O deslo-camento, muitas vezes, é feito por meio dos moto-taxis e kombis não regulamentados. E esta é só mais uma forma que comprova o desca-

so dos serviços públicos no cotidia-no da população.

Passados dois anos com promes-sas de trazer à população diversas melhorias nos serviços básicos com a chamada UPP Social, de acordo com os moradores, além da “sensa-ção de segurança” nada se concre-tizou. “A UPP veio e a gente ficou com aquela esperança de mudança, mas mudança mesmo não teve ne-nhuma, só mudança superficial. Se você andar pela comunidade, vai ver que continua tudo a mesma coisa”, explicou um dos moradores.

Outro entrevistado também ex-plica as impressões da população local: “se você for na parte de baixo vê esgoto a céu aberto, valas, falta de água... você só não vê bandido armado, mas tem droga em todos os cantos. E isso eles não vão ter como proibir”.

O procurador aposentado do Es-tado do Rio de Janeiro, Miguel Bal-dez – explica que o marketing da UPP quer nos fazer acreditar que ela veio para libertar o morador. “A UPP existe, não para o mora-dor, mas para o chamado capital urbano, a cidade pensada e exe-cutada pelo prisma do capital. Daí se explica porque até o hoje não se tem uma obra social e nem vai ter. Porque a UPP é concebida para os interesses de fora”, ressalta Baldez.

O subprocurador-geral de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público do Rio de Janeiro, Leonardo Chaves, garante que não é difícil

Por Miguel Tiriba, Noelia Pereira, Ingrid Simpson e

Mariana Gomes

“ A UPP existe, não para o morador, mas para o chamado capital urbano,

a cidade pensada e executada pelo prisma do capital”

Ilustração

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Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 23

Page 24: Edição 17 Vírus Planetário completa

perceber a geografia das UPPs e seus “corredo-res de proteção”. Para ele, os interesses do Esta-do vão além de supostamente proteger. Há um “pacote de vantagens” que não é destinado ao morador desses territórios. “Há coincidências que interessam ao capital, sobretudo aos interesses da indústria da construção civil e da especulação imobiliária”, frisa Chaves. O que vemos hoje são inúmeros e caros empreendimentos no entorno das favelas pacificadas.

A contenção de moradores das favelas hoje se dá através dos muros de concreto (como no mor-ro Santa Marta) e das barreiras simbólicas que impedem a expansão da cultura e da liberdade da população. A ideia é estabelecer o isolamento por com a justificativa da garantia de segurança. Para o cineasta e liderança comunitária da favela Santa Marta, Repper Fiell, o poder público impõe o controle da favela, o que não acontece em ou-tros territórios da cidade. “Poderíamos viver no território favela, sem a presença das armas, igual ao resto da cidade. O que acontece de verdade é o controle do território e do social”, desabafa.

Para o advogado Tomás Ramos, pesquisador na área de sociologia e direito, a neutralização po-licial no cotidiano de morros na cidade do Rio de Janeiro se tornou um laboratório vivo de técnicas de gestão militar da miséria. “A UPP é um projeto de cidade que desenha ‘corredores de segurança’ e produz ‘aldeias de obediência’, para garantir o fluxo social das mercadorias e proteger as áreas de investimento do capital”. Segundo Tomás, se a genealogia da favela permite traçar uma história das lutas que mobilizam a cidade, podemos con-cluir que a primeira década do século XXI marcou o desenvolvimento do controle militar de “territó-rios de risco” e a gestão policial de “populações perigosas”. “Esperamos que o direito à cidade seja para todos. É preciso ter e ver a favela como parte da cidade”, acrescenta.

O Baile Funk do Salgueiro era um dos mais co-nhecidos e frequentados da cidade e aglutinava praticamente todas as classes sociais. Assim que a UPP foi implantada no morro, uma das primei-ras medidas tomadas pelo comandante respon-sável foi a proibição da festa. Sem consultar os moradores sobre a decisão, alegaram que a UPP Social seria colocada no lugar do baile e traria novas atividades ao local, informação que é con-testada por quem vive no Salgueiro.

Dentre os moradores, diferentes olhares pai-ram sobre o assunto. Alguns a favor da proibição

rio de janeiro

Favela também é cidade

O cerceamento da cultura

Além do cerceamento à liberdade de expressão, outra

reclamação constante dos moradores de favelas com

UPP é o aumento das tarifas serviços de luz, água, sem

que haja serviço de qualidade de fato. Em muitos casos

ocorrem remoções forçadas e não-forçadas, consequên-

cia do aumento dos aluguéis. Acima, o esgoto não trata-

do no Salgueiro, no meio, moradores do Pico do morro

Santa Marta protestam contra remoção e abaixo a

quadra onde ocorriam os bailes funks vazia

Foto: Ingrid Simpson

Foto: Maria Buzanovsky

Foto: Ingrid Simpson

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 201224

Page 25: Edição 17 Vírus Planetário completa

do baile funk, devido ao grande movimento trazido para a comuni-dade, além da música alta até de manhã. Já aqueles que são contra a proibição alegam que o baile era uma forma de lazer da juventude.

A proibição do baile funk é em-basada pela resolução 013, que dá ao policial o poder de proibir qualquer evento cultural sem avi-so prévio, de acordo com critérios que ele mesmo pode criar. A re-solução é a atualização de regu-lamentações da Lei da Censura (5.536, 21/11 de 1968), uma herança da Ditadura Militar. De acordo com Leonardo Chaves, a proibição do evento é mais um aspecto que reforça a criminalização da pobre-za. “A forma que o Estado tem de conter a população de uma favela é criminalizando suas práticas e o baile funk é uma das formas que os moradores têm de manifestar sua cultura”, afirma.

O fim da situação de plena vio-lência e dos tiroteios cotidianos parece ser consenso entre os mo-radores de favelas “pacificadas” e especialistas da área de seguran-ça pública. Quanto ao abuso de poder, as moradias precárias e a quantidade de armas que circulam pela comunidade, a situação pa-rece continuar a mesma de sem-pre – com a diferença de que as armas não estão mais nas mãos das mesmas pessoas, passaram a ser manuseadas pelo Estado. Desde a implantação da UPP no Santa Marta, em 20 de novembro de 2008 (primeira UPP instalada e considerada pelo governo como

“favela-modelo”), a infraestrutura local quase inexiste. O saneamento básico não chegou e a precariedade é uma constante na vida dos moradores. Nada de creches, escolas, hospitais, espaços culturais, áreas de esporte e lazer. As políticas públicas pare-cem não acompanhar o ritmo das ocupações policiais.

Para o advogado e professor Nilo Batista, há um forte processo de militarização das favelas. “A militarização é um atentado aos direitos constitucionais dos moradores de favelas. Se olharmos para o século XX, que foi um século com muitos genocídios, perto de cada um deles há forças policiais militarizadas, ou forças militares com funções poli-ciais. É com essa receita que, no Complexo do Alemão, por exemplo, nós estamos caminhando inadvertidamente”, protesta. Para além da sensação de segurança, a população do Salgueiro e de qualquer outra favela pacificada quer ter sua voz garantida, participar das decisões sobre as políticas públicas que envolvem a comunidade.

Não se trata de uma comparação entre o domínio das facções que controlam o varejo da droga e a UPP. Mas sim de lutar para garantir que os serviços básicos cheguem aos cidadãos das favelas, pois como lembra, em artigo, o historiador Luiz Antônio Simas: “Eu quero o con-vívio urbano e as ruas pacificadas. E rua pacificada é rua cheia, não é vazia de gente onde vez por outra se escutam tiros ou onde prevaleça a ordem do choque. Todos os que encaram a cidade fomentando o individualismo mais tacanho e o clima de desconfiança entre seus habitantes, prestam um desserviço. As políticas públicas que neguem nossa peculiaridade e atuem pelo viés da repressão higienizadora es-tão fadadas ao mais retumbante fracasso”.

Para além de um território militarizado, a população não só do Salgueiro, mas de toda e qualquer favela pacificada quer atuar como sujeito de direitos, ativo e atuante, tendo voz e vez nas decisões sobre educação, saneamento, lazer, cultura e segurança. A cidadania, portan-to é o que ainda se aguarda nesses territórios.

Tudo como antes?

Muitos são os relatos de casos de tortura e abuso de autoridade cometido por policiais de UPPs. As vítimas, quase sempre, encontram problemas na hora de denunciar. O advogado do Instituto de Defen-sores de Direitos Humanos (DDH), Carlos Eduardo Cunha Martins, fa-lou sobre a história do adolescente LSC, de 17 anos, que foi vítima de tortura. Segundo Carlos, os policiais da UPP do morro de São Carlos, zona norte do Rio, pretendiam obter uma confissão. Eles pressiona-ram o menor para que se dissesse traficante de drogas, quando na verdade ele apenas possuía um cigarro de maconha. LSC declarou-se usuário e funcionário de um lava a jato de automóveis. “Ele sofreu agressões na cabeça com um cabo de vassoura, tapas no rosto e teve cortes no pé com um vidro quebrado. Teve as mãos amarradas, além de ter submetido a sessões de choques, asfixia com de sacos plásticos e tentativa de afogamento”, narrou Carlos.

Para o advogado, ao que parece, este não é um caso isolado. Ca-sos de violência em áreas de UPP, já ocorreram em outros locais, como no Complexo do Alemão. “A realidade é que existem diversas violações de direitos humanos nestas áreas de UPP não chegam à mídia hegemô-nica devido ao crivo editorial da mídia comercial, que decide qual notícia é ou não vendável”, ressalta o advogado.

Carlos também afirma que há um panorama de militarização da vida social destas comunidades, marcada pela seletividade da política de im-plementação das UPPs. “Elas obedecem aos interesses próprios dos me-gaeventos, bem como da especulação imobiliária. A manifestação mais evidente deste estado policial nas áreas de UPP é a repressão à cultura e o

modo de vida local”, explica.

Tortura no morro São CarlosIlustração: Carlos Latuff

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 25

Page 26: Edição 17 Vírus Planetário completa

“Nós vivemos aqui desde 1950. Brasília não existia, era só povo indí-gena. A moradia indígena não exis-te. Nossa moradia é a mata. São os seus núcleos usados para orar que são sagrados. Uma árvore tem um dono sagrado que é vinculado aos nossos antepassados e à terra’’, de-clara o pajé Santxiê, líder dos índios fulni-lô, guardiões do local. Estamos falando do Santuário dos Pajés, uma área de aproximadamente 50 hectares localizada próxima ao Pla-no Piloto de Brasília. Como já fora denunciado pela Vírus em 2010 (edi-ção 7), o território indígena é alvo de disputa por grandes empresários. Eles estão construindo o chamado “Setor Noroeste”.

Até 2009 a terra era do Poder Público, que há décadas atrás com-prou a antiga fazenda Bananal para a construção de Brasília. Mesmo ciente da existência deste Santu-ário, o Governo do Distrito Federal (GDF), por meio da Terracap (Com-

panhia Imobiliária de Brasília), reali-zou, sob imensos protestos, um lei-lão para empreiteiras interessadas em construir o novo bairro.

De acordo com o Instituto Bra-sília Ambiental (Ibram), no total fo-ram leiloados 825 hectares. Deste total, os índios lutam na justiça por pelo menos 50 hectares, na contra-mão do Ibama, que defende que 20 hectares sejam assegurados, e da Terracap, que pretende reduzir ao máximo a área e deixar apenas 4 hectares para a Terra Sagrada.

Desde o início das construções os indígenas vem denunciando a ação ilegal de empresas que come-çaram a fazer incursões no território usando milícias privadas, fazendo o uso de spray de pimenta. A casa do índio Towê, próxima ao Santuário, foi alvo de um incêndio (apontado por laudo da PF como criminoso) no dia 30 de março de 2009. O caso ainda não foi solucionado.

O Ministério Público Federal havia conseguido uma liminar que invia-bilizava obras no local reivindicado pela comunidade indígena até que o processo de demarcação fosse con-cluído. A liminar caiu em agosto do ano passado, quando foi realizada uma Audiência Pública que decidiu que somente a empresa Emplavi poderia continuar realizando obras na área disputada.

Segundo Ariel Foina, advogado que ajuda voluntariamente a cau-sa do Santuário, no momento a situação é estável. “Desde então a Terracap não licitou nenhuma pro-jeção que envolva a área indígena”, diz. A desembargadora Selene Ma-ria de Almeida autorizou, através de liminar, que outras empresas con-tinuassem as construções na área reivindicada, mas, de acordo com Ariel, as liminares foram revogadas e outras estão aguardando a reso-lução de mandados de segurança.

brasília

Por Alina Freitas, Mariane Sanches e Thiago Vilela

Conheça o Noroeste Terra sagrada...ou vendida?

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Impasse

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 201226

Page 27: Edição 17 Vírus Planetário completa

O título de “bairro sustentá-vel” se deu porque o local terá drenagem sustentável, coleta e tratamento do lixo. Os prédios terão, além de coletor solar, ja-nelas grandes para absorver a luminosidade do dia. Ainda que todas estas promessas um dia saiam do papel, o problema está muito além da área do Santu-ário. No segundo semestre de 2011, o Ibram identificou o des-cumprimento de várias condicio-nantes estabelecidas na licença ambiental do Noroeste: depósito inadequado de terra oriunda das escavações, atraso no cronogra-ma das obras de infraestrutura e controle do acesso ao canteiro de obras.

O Ibram chegou a solicitar, em março, a suspensão das obras em todo o setor, pedido que foi ratificado pelo Ministério Público do DF e Territórios. Sob pressão das empreiteiras, a Terracap as-sinou um termo de compromis-so que permitiu a continuidade dos trabalhos. Em seis meses a Terracap deve concluir o sistema de drenagem pluvial e manter o lago limpo. O novo setor não tem bocas de lobo na maioria das pistas e a tubulação para captar água da chuva não foi concluída. Segundo relatório da Companhia de Saneamento Am-biental do DF (Caesb), restos de obras chegaram a provocar as-soreamento no Lago Paranoá.

Mônica Veríssimo, analista em urbanismo e meio ambiente, está ao lado do Ibram nas de-núncias de violação ambiental. “O Noroeste é tudo, menos um bairro ecológico. É possível ver que a vegetação vem sendo reti-rada para abertura de vias. Sem contar que a água drenada não poderia ser levada para o Bana-nal, o que vem acontecendo dia-riamente”.

Até o final do ano várias unidades serão entregues sem inúmeros dos requisitos que tornariam o setor um “bairro ecológico”. Com um pouco de sorte, os pioneiros poderão ao menos desfrutar dos mesmos problemas da Brasília de 50 anos atrás: poeira, poluição, barulho de obras e tráfego de caminhões por todo lado. Tudo isso por “apenas” R$8 mil por m² (mínimo). Alguém se interessa?

“ Mesmo ciente da existência do Santuário, o governo realizou um

leilão para empreiteiras interessadas em construir o novo bairro. ”

De vilã a “ecovila”

A todo vapor

Devido ao desrespeito às normas ambientais, o

Instituto Brasília Ambiental chegou a pedir a suspensão

das obras

Fotos: Thiago Vilela

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 27

Page 28: Edição 17 Vírus Planetário completa

O que te motivou a escrever uma tese sobre o planejamento de uma cidade voltada para a produção de grandes espetáculos esportivos?

Eu lembro que escolhi a temática dos espetáculos esportivos quando vi a comemoração, no momento em que o Rio de Janeiro foi escolhido como cidade candidata às Olimpí-adas de 2016, em 2008. No anúncio do Comitê Olímpico Internacional (COI), em Atenas, estavam presentes diferentes representantes do poder político e da iniciativa privada - to-dos se abraçando, se beijando. Pen-sei, “está aí o projeto hegemônico que o Rio de Janeiro procura para unificar os interesses dominantes dentro da cidade”. Fui pesquisar o campo do espetáculo esportivo para tentar entender quais as estruturas de poder envolvidas que propicia-vam a construção de um consenso em torno de um modelo de planeja-mento de cidade que se volta exclu-sivamente para o mercado.

O que você quer dizer com a construção de um consenso sobre o planejamento de uma cidade vol-tada para o mercado?

É toda uma concepção de plane-jamento urbano que surge a como resposta às mudanças estruturais na economia a partir da partir da crise dos anos 1970 e, mais especificamente ao receituário proposto pelo Consen-so de Washington. O governo federal se retira do papel de promotor do da política de desenvolvimento urbano e alguns teóricos começam a defender a ideia de que os gestores municipais

“Outro dia peguei um táxi, o motorista puxou papo e eu disse que estu-dava planejamento urbano. Ele virou para mim e disse: ‘Que bom! Porque está precisando’, como se esse estudo pudesse me conferir o poder de resolver todos os problemas da cidade.” Nelma Gusmão de Oliveira é doutoranda do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional da UFRJ (IPPUR) e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Desde 2008, ela acompanha os preparativos do Rio de Janeiro para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Em setembro, Nelma defende sua tese de doutorado sobre as relações de poder na interseção entre o campo da produção do espetáculo esportivo e a produção da cidade. Ela conversou com a Vírus Planetário sobre como os megaeven-tos se tornaram o motor de uma reforma urbana que atende a certos inte-resses econômicos e políticos na construção de uma cidade que privilegia os negócios em detrimento da população. “Antes de perguntarmos para que serve tudo isso, temos que nos perguntar a quem serve tudo isso”.

ENTREVISTA INCLUSIVA:

Fotos: Arquivo pessoal

Nelma Gusmão

A lógica de uma cidade onde a dificuldade de se viver é sinal de desenvolvimento

Por Artur Romeu

Page 29: Edição 17 Vírus Planetário completa

Fotos: Arquivo pessoal

é gerida como empresa e depois a própria empresa passa a gerir a cida-de. A neutralidade e a competência técnica são sempre acionadas como ferramentas na criação do consen-so, porque contra a competência ninguém tem argumento. Qualquer pessoa que se coloca contra ela é imediatamente acusado de atrasado, porque se coloca “contra o desenvol-vimento”.

Da forma que você coloca, parece que é uma construção autoritária. No entanto, não temos a impressão de estarmos sendo obrigados a fa-zer o que quer que seja.

Vários autores, dentre os quais eu destaco, no Brasil, o professor Carlos Vainer, já tem chamado a atenção o quão autoritário é esse tipo de con-senso. Porque não é mais um autori-tarismo da imposição pela violência, mas é um autoritarismo que passa pela própria negação do espaço da política. Porque a cidade não se tor-na mais o espaço de debate, e sim o do consenso, porque qualquer um que ouse desafiar o consenso é atra-sado e antipatriótico. A cidade passa a ser gerida com base nesse modelo de projeto neoliberal, onde o Esta-do deixa de assumir o seu papel e o transfere para a iniciativa privada. Temos então a ação direta da inicia-tiva privada em torno do que alguns autores chamam de “coalização pró- crescimento”. O espetáculo esportivo vem legitimar tudo isso de uma for-ma muito mais eficaz. O Rio de Janei-ro não teria conseguido realizar esse projeto sem os megaeventos esporti-vos. O projeto Porto Maravilha, por

para a cidade? Uma decisão admi-nistrativa é se vai contratar tal ou tal empresa, mandar tapar tal ou tal buraco. Uma decisão política é pen-sar se vai dar prioridade ao projeto “Porto Maravilha” em detrimento de outros projetos. A atitude de se am-pliar uma linha de metrô ou buscar um traçado em rede é política por-que envolve jogos de poder, inte-resses econômicos e interesses da população. A ideia do planejamento estratégico vem de um modelo que se coloca de cima para baixo e se im-põe através do argumento de repetir a experiência que supostamente deu certo. Você não pode simplesmente transpor um modelo de uma cida-de para outra; cada lugar tem suas peculiaridades próprias, históricas, sociais, culturais, políticas. E isso é feito sempre em cima do argumento do emprego e da renda, que é acio-nado para a construção do consenso.

Ouvimos com frequência a ideia de “o que é bom para a cidade”. Isso ajuda a determinar esse con-senso?

Existem muitos pontos de vista do que é bom para cidade. No meu ponto de vista, seria uma cidade que ampliasse os canais de partici-pação, que aumentasse o espaço da política, da democracia participativa e que, ao mesmo tempo, reduzisse as desigualdades sociais. Mas, para certos segmentos, é melhor que ve-nham os negócios. Nunca se ganhou tanto dinheiro no Rio como agora. É claro que, para esses grupos que es-tão ganhando, os megaeventos pa-recem perfeitos. Primeiro a cidade

devem assumir o papel de protago-nistas na busca de investimentos. As cidades passam a se basear no mo-delo de planejamento e gestão em-presarial, que, no Brasil, chega com o nome de planejamento estratégico. A ideia é que todos devem estar unidos no plano interno para poder competir por investimentos dentro do mercado mundial. Esse modelo chega ao Brasil através dos escritórios de consultoria catalães, tendo a experiência de Barce-lona como paradigma. Um organismo complexo como a cidade passa a ser tratado como um sujeito unitário e, mais precisamente como uma empre-sa. Você vê aquela ideia de que a cida-de tem vocação. “A vocação do Rio para os esportes”. Ora, uma cidade não tem vocação, dentro dela existem interes-ses contraditórios e conflitantes e não existe possibilidade de conciliar esses interesses em uma única vocação. A essência desse modelo não é uma ci-dade planejada para as necessidades de seus habitantes, mas sim para um ambiente externo, disputando com ou-tras cidades um espaço para inserção no mercado global.

No entanto, é muito comum que esse caráter administrativo das ci-dades seja valorizado. Quais são os impactos de uma cidade ser ge-renciada como uma empresa?

O meu argumento, em concor-dância com muitos outros colegas, é que a cidade deve ser planejada para seus habitantes e não para o mercado. As decisões que envolvem esse debate são políticas e não ad-ministrativas. Onde investir? Como investir? Qual é o melhor projeto

“ Primeiro a cidade é gerida como empresa e depois a própria

empresa passa a gerir a cidade”

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 29

Page 30: Edição 17 Vírus Planetário completa

exemplo, estava latente há muito tempo, os megaeventos chegaram para legitimar toda a sua articulação.

Como isso se configura con-cretamente no Rio?

Vamos tomar o Porto Mara-vilha como exemplo, uma área onde 75% das terras são públi-cas. Essas terras vão ser comer-cializadas preferencialmente para os compradores dos Cer-tificados de Potencial Adicional Construtivo (CEPACS). A inicia-tiva privada, de posse desses certificados, poderá construir acima do limite de utilização do

terreno permitido pela legislação. Os recursos captados no mercado, pelo município, com a venda desses certificados, seriam reinvestidos naquela região. A ideia é tornar o espaço atrativo, valorizando as oportunidades para o investimento através de uma Parceria Público-Privada (PPP). Ok. Vamos analisar de perto. No Porto Maravilha, primeira Operação Urbana Consorciada do Rio de Janeiro e a maior do Brasil, a iniciativa privada não apareceu para comprar os CEPACS no valor de 3,5 bilhões e investir mais cerca de R$ 8 bilhões no contrato de PPP para a realização das obras de infraestrutura, sua manutenção e prestação de serviços públicos por 15 anos. O Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, controlado pela Caixa Econômica Federal, comprou todos os CEPACS com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ou seja, dinheiro do trabalhador. O Fundo controlado pela Caixa foi o único interessado em assumir o risco e agora cabe a ele revender os 6,4 milhões de CEPACS na bolsa de valores para tentar recuperar o investimento. O risco é assumido com o dinheiro público. Essa é a primeira crítica.

Outro ponto importante. A Prefeitura diz “vamos fazer uma grande ar-recadação para investir na área”. Ora, vai arrecadar através dos CEPACs, cuja inversão está restrita à área onde foi captado o recurso, mas abre mão do IPTU e de outros impostos, através de várias leis de benefícios

ENTREVISTA INCLUSIVA_Nelma Gusmão

fiscais e creditícios, que poderiam ser aplicados de forma distributiva em áreas da cidade carentes de investimentos. Então, reforça-se a concentração de benefícios em áre-as com potencial de valorização do capital. Por último, a Lei Orgânica do Município, a legislação Estadual e a Constituição Federal afirmam que para terrenos públicos estru-turados em áreas centrais o poder público deve priorizar a constru-ção de habitação de interesse so-cial. Então você tem 75% de terras públicas, numa área central, com acesso a todos os meios de trans-porte, onde se concentra a maio-ria dos empregos da cidade, mas o que acontece? É uma área que tem um valor muito grande para colocar pobre para morar, dentro da visão desse modelo de cidade, é claro. A ideia é que para valorizar essa área, tem que tirar o pobre que está lá, ao invés de construir habi-tação social. Então vem uma série de discursos articulados, seja o de instalar um teleférico, de construir um plano inclinado, seja o de que a área é de risco. Todos os argumen-tos possíveis são acionados para tirar os pobres de lá, porque área onde vive pobre é desvalorizada. Enfim, sempre se colocou a neces-sidade de reestruturar aquela área, mas nunca para os moradores e sim para os negócios.

Mas como um projeto dessa en-vergadura, numa área central da cidade, passou sem que fosse fei-to um debate público?

O Instituto Pereira Passos (IPP) é o órgão público responsável pelo planejamento e implantação de projetos estratégicos para a cidade. Em 2009, o Eduardo Paes convida o empresário Felipe Góes, sócio da empresa de consultoria McKinsey, para coordenar o IPP e cria uma Secretaria Especial de Desenvol-vimento para ele, que assume o papel, como o próprio Prefeito do Rio ressaltou na época, de “ven-der a cidade”. O Felipe desmonta o instituto e enche com os primei-

“ O que queremos

fazer não é nada impossível, é

apenas respeitar o direito dessas

pessoas a decidirem sobre o

seu destino”

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 201230

Page 31: Edição 17 Vírus Planetário completa

mônico conseguiu unificar os grupos dominantes do Rio, ele conseguiu também unificar os movimentos so-ciais que estavam bastante fragmen-tados. Eu acho que a resistência aos megaeventos atingiu um nível de mobilização que tem se fortalecido a cada dia. Inicialmente, se criou a Rede dos Megaeventos (Reme), que posteriormente evoluiu para Comitê Popular da Copa do Mundo e Olim-píadas para, na sequência, cons-truir uma articulação nacional forte em torno dos Comitês Populares da Copa. Esta articulação acabou con-quistando visibilidade mundial.

Como tem se manifestado essa união dos movimentos sociais? Qual seria um caminho alternati-vo?

O Plano Popular da Vila Autódro-mo é um exemplo de como se pode planejar a cidade para seus morado-res e que não é necessário fazer uma assepsia social para sediar eventos desse porte. Por mais que eu seja uma técnica em planejamento urba-no, eu nunca vou saber o que é me-lhor para os moradores da Vila Au-tódromo, esse título de doutora não vai me conferir a chancela de dizer para as pessoas que lá vivem o que é melhor para elas. Uma cidade para ter valor de uso, tem que oferecer uma boa qualidade de vida para os seus moradores. Não tem mistério. O que queremos fazer não é nada im-possível, é apenas respeitar o direito dessas pessoas de decidirem sobre o seu destino, o que não tem sido feito pelos nossos gestores.

ros escalões com funcionários da McKinsey, que praticamente monta um escritório dentro do IPP. Todo o projeto para o Porto Maravilhada é delegado, através dessa equipe, a um consórcio composto pelas empresas OAS, Carioca e Odebrech. Assim que o Rio de Janeiro é escolhido sede das Olimpíadas de 2016, é enviado para Câmera Municipal, onde é aprovado em apenas um mês, sem a realiza-ção de audiências públicas confor-me previsto no Estatuto da Cidade. O projeto das empresas se torna lei e os únicos habilitados a participar da licitação para as obras no Porto Maravilha são do consórcio Novo Porto que é composto pelas mesmas empresas OAS, Carioca e Odebrech responsáveis pelo projeto e que ga-nharam um contrato de 7,5 bilhões de reais. E nada disso é ilegal. No fi-nal, uma área ocupada por determi-nadas classes sociais passa por um processo de reforma urbana que a torna inviável para a sua população original, seja devido à remoção for-çada, seja devido à supervalorização do custo de vida na região que se revela insustentável para os antigos moradores. Muitas vezes, quando se fala em recuperar uma área degra-dada significa expulsar a população pobre que mora ali.

O que sustenta esse consenso?O professor Carlos Vainer identifi-

ca no discurso dos defensores desse modelo dois elementos como funda-mentais. A percepção de crise e o pa-triotismo cívico. Ou seja, a percepção de crise vem trazer o projeto como salvador do fantasma da estagnação

e do desemprego. Para sustentar a continuidade do projeto, nada me-lhor que a ideia de que mesmo que eu viva muito mal na minha cidade, eu vivo na cidade mais famosa do mundo. A carga simbólica articula-da aos megaeventos é muito forte, remete a uma construção de ideais gloriosos, como a honra, a justiça, a busca da superação ou a união en-tre os povos. Esses valores morais é que agregam valor à marca olímpica junto aos seus clientes. Quem são os clientes? Os patrocinadores, as redes de TV e os gestores de cidades. Uma vez estabelecido o consenso, estão criadas as bases de legitimação para uma maciça transferência do capi-tal público para a iniciativa privada, seja através de políticas de redução de impostos, de incentivos fiscais, de financiamentos, de grandes em-preitadas ou de mudança de parâ-metros urbanísticos. A tese principal que defendo é que, se os interesses econômicos têm submetido a cidade ao mercado, a produção de eventos esportivos criam o meio adequado para que isso se dê de uma manei-ra perfeita. Isso só acontece graças a uma forte autonomia política e jurídica conquistada pelo campo da produção do espetáculo esportivo, através de uma delicada costura que atravessa mais de um século e se sustenta basicamente nesse capital simbólico nesse tempo acumulado.

Você acha que vai haver um le-gado para o Rio depois de 2016?

Eu acho que teremos um gran-de legado, honestamente acho. Do mesmo jeito que esse projeto hege-

“ A resistência aos megaeventos atingiu um

nível de mobilização que tem se fortalecido a cada dia.”

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 31

Page 32: Edição 17 Vírus Planetário completa

Entre os dias 20 e 22 de agos-to houve em Brasília aquela que é considerada, entre os movimentos camponeses, a maior articulação entre as organizações sociais do campo. O último evento da mesma proporção aconteceu há 50 anos, o histórico I Congresso Camponês, de 1961. O Encontro Unitário dos Traba-lhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas reuniu cerca de 8 mil camponeses, indígenas e quilombolas. O objetivo do Encontro foi o de unificar a luta dos movimentos camponeses, prio-rizando um plano de ação local em cada estado brasileiro, fortalecendo a base e definindo estratégias co-muns a favor de políticas públicas para esta população excluída e opri-mida diariamente.

Por terra, território e dignidade Trabalhadores das organizações

sociais do campo denunciam o “sequestro” do meio rural para

alimentar as cifras bilionárias do agronegócio

movimentos sociais

Por Ana Malaco

Para as organizações sociais do campo, o meio rural brasileiro está sendo “sequestrado” para satisfazer o lucro de poucas grandes empre-sas multinacionais do agronegócio. A atual crise econômica internacio-nal vê como alternativa a expansão do capital sobre os recursos natu-rais como mercado de crédito e carbono, royalties do petróleo e do minério e especulação da terra, que caracterizam a transformação do capital fictício em patrimônio real, alimentando ainda mais a estrutura desigual desse modelo desenvolvi-mentista. Para Willian Clementino, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), “Não haverá nenhum programa de combate à pobreza eficaz que não passe pela

Reforma Agrária. Este é um princí-pio para todos nós.”.

O autodenominado agronegócio, que combina latifúndio, capital ex-terno, tecnologia, agrotóxico e gera-ção de saldos comerciais externos expressivos, surgiu como “alternati-va” e resultado da crise estrutural atual do capitalismo. Este não mo-difica em nada a estrutura agrária do país, mas, ao contrário compete com pequenos agricultores, tira o direito de trabalho do homem do campo e gera ainda mais desigual-dade.

“Parte dos capitalistas do mundo inteiro está vindo para o Brasil com-prar terra, usinas de combustível, hidrelétricas, agredindo o meio am-

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 201232

Page 33: Edição 17 Vírus Planetário completa

biente, forçando a mudança da legislação indígena e levando a uma maior concentração da propriedade, da terra e da renda”, pronunciou João Pedro Stédi-le, diretor nacional do MST que representou a Via Campesina, durante coletiva de imprensa realizada na abertura do encontro.

Outro fator importante que foi denunciado pelas organizações foram as ações de violência de gran-des projetos contra os trabalhadores e comunida-des tradicionais. Mais de 500 projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) estão sendo executados em territórios indígenas. “O modelo de desenvolvimento que ceifa vidas e coloca na ca-deia lideranças que lutam pela terra não pode ser chamado de desenvolvimento”, declarou Lindomar Terena, liderança indígena. Segundo publicação anu-al Conflitos no Campo Brasil, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram registrados 29 assassinatos de trabalhadores rurais em 2011. Embora o número seja menor que no ano anterior, quando 34 trabalhadores foram assassinados, houve aumento de 177,6% no nú-mero de trabalhadores e trabalhadoras ameaçadas de morte.

Outro ponto destacado pelos movimentos foi a criminalização das organizações sociais através

Fotos: Ana Malaco

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 2012 33

Page 34: Edição 17 Vírus Planetário completa

• RecentedesaparecimentodeduasliderançasGuaraniemMS;• PerseguiçãocontraTupinambásnosuldaBahia;• AtualdisputaentreoQuilomboRiodosMacacoseaMarinha,nointe-

rior da Bahia;• 1363casosdeconflitosnocampoe1035conflitosporterraregistrados

noanopassado(ConflitosnoCampo–ComissãoPastoraldaTerra)• 12assassinatosdejaneiroaabrildesseano(ConflitosnoCampo–CPT)• Adin(AçãoDiretadeInconstitucionalidade)nº3239,quepraticamenteinvia-

biliza a demarcação de terras quilombolas;• APEC(PropostadeEmendaConstitucional)nº215,quetransferedoExe-

cutivo para o Legislativo a regularização de áre-as indígenas.

Comunidades camponesas, quilombolas e indígenas sofrem com cenário de violência:

Ilustração: Vitor Vanes

das coberturas jornalísticas feitas pela mídia mercadológica. Segundo as organizações, ao tratar a luta como caso de polícia e não de política, a “grande” imprensa contribui para tor-nar ilegítimas as lutas das famílias que esperam o direito de trabalhar na terra e comunidades tradicionais que lutam pela legalização de seus terri-tórios.

A Declaração Final do Encontro Unitário, elaborada durante o evento, foi entregue ao Ministro da Secreta-ria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. O documento foi entregue por 15 mulheres, represen-tantes dos diversos movimentos que compuseram o Encontro, no ato que finalizou o evento, no dia 22 de agosto. Cerca de 10 mil pessoas marcharam do Parque da Cidade em direção ao

Palácio do Planalto. O documen-to propõe a efetivação da Reforma Agrária, o acesso à terra, fortalecimento da agricultura familiar, fomen-to à produção agroecológi-ca e orgânica, o respeito às mulheres e a superação da divisão sexual do trabalho, a garantia da educação no campo e a democratização dos meios de comunicação, além de pautas sobre a ne-cessidade de ações mais

efetivas do governo para aca-bar com a violência no campo, contra trabalhadores, trabalhadoras, comuni-dade tradicionais e indígenas.

“ A “grande” imprensa

contribui para tornar ilegítimas as lutas

das famílias que esperam o direito de

trabalhar na terra”

movimentos sociais

Vírus Planetário - SETEMBRO / OUTUBRO 201234

Page 35: Edição 17 Vírus Planetário completa

NEWSAs principais notícias do dia

com dispensa de licitação

Campo Grande – Nesta terça-feira, após um dia de campanha sem impre-

vistos, Eduardo Paes encontrou-se com os principais correligionários da zona oeste para uma partida amisto-sa de Banco Imobiliário, o jogo fa-vorito do prefeito conforme informa-ções de sua própria assessoria.

No entanto, o que era para ser um jogo tranqüilo acabou gerando mui-ta confusão. Logo no início os par-ticipantes se depararam com todos os logradouros da Zona Sul e Centro reservados em nome de Eike Batista que mandou um advogado para cui-dar dos seus interesses. Hotéis eram construídos aos montes e o custo de passagem estava acabando com as reservas de todos. Para piorar a si-tuação as companhias de ônibus, de estrada de ferro, de navegação e de aviação, já estavam todas vendidas, e antes que pudessem respirar as ta-rifas já haviam subido.

“O custo de vida está altíssimo, Dudu, quem quer rir tem que fazer rir!”, indagou Jerominho pouco antes de puxar a carta-prisão e ser mandado para cadeia. A partir daí foi uma seqüência de carta-prisão atrás de carta-prisão que deixou até mesmo Eduardo Paes assustado. Os lideres que ainda permaneciam no jogo pressionaram o Prefeito para tomar alguma providência, receben-do como resposta uma mensagem de texto registrada com exclusivida-de por um de nossos jornalistas, “A relação com as milícias vai azedar na

*Improvável, mas não impossível.

Por Chico Motta facebook.com/deltanews2012

cpi, mas podem ficar tranquilos, que vocês são nossos, e nós somos seus.”

Mas em Pasárgada, como se sabe, todos são amigos do Príncipe, e não demorou muito e para que as regras do jogo mudassem. Paes logo assi-nou acordos abrindo novas conces-sões para transporte alternativo que foram distribuídas generosamente

entre os presentes, mexeu alguns pauzinhos e conseguiu liberar li-nhas de crédito facilitadas com subsídio do Minha Casa, Minha Vida, possibilitando, assim, a construção de diversas casas nos logradouros controlados por seus colegas.

Ao final do jogo todos elogia-ram a capacidade gerencial e ad-ministrativa do Prefeito, “Somos um Rio!” disse um dos líderes. Ainda durante o evento foi mar-

cado o churrasco de lançamento da campanha de um candidato a vereador da região que ocorreria na data de hoje. Enviamos uma jornalista para cobrir, mas desde que deixou a redação não conse-guimos mais entrar em contato.

Redação - Rio de Janeiro”

“A relação com as milícias vai azedar na cpi, mas podem

ficar tranquilos, que vocês são nossos, e nós somos seus”

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