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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - PROPESP INSTITUTO DE OCEANOGRAFIA - IO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GERENCIAMENTO COSTEIRO EDERSON PINTO DA SILVA PARA ALÉM DA GESTÃO DOS RECURSOS: UMA ABORDAGEM CRÍTICA SOBRE A REALIDADE DA PESCA ARTESANAL NA LAGOA MIRIM, NO SUL DO BRASIL Rio Grande 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - PROPESP

INSTITUTO DE OCEANOGRAFIA - IO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GERENCIAMENTO COSTEIRO

EDERSON PINTO DA SILVA

PARA ALÉM DA GESTÃO DOS RECURSOS: UMA ABORDAGEM CRÍTICA

SOBRE A REALIDADE DA PESCA ARTESANAL NA LAGOA MIRIM, NO SUL

DO BRASIL

Rio Grande

2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - PROPESP

INSTITUTO DE OCEANOGRAFIA - IO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GERENCIAMENTO COSTEIRO

EDERSON PINTO DA SILVA

PARA ALÉM DA GESTÃO DOS RECURSOS: UMA ABORDAGEM CRÍTICA

SOBRE A REALIDADE DA PESCA ARTESANAL NA LAGOA MIRIM, NO SUL

DO BRASIL

Rio Grande

2017

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Gerenciamento Costeiro da Universidade Federal do Rio Grande,

como requisito para a obtenção do título de Mestre em

Gerenciamento Costeiro.

Orientadora: Profª Drª Tatiana Walter

A Banca Examinadora abaixo relacionada, no dia 18 de agosto de 2017 aprovou

sem considerações a dissertação de Ederson Pinto da Silva, com o título PARA ALÉM

DA GESTÃO DOS RECURSOS: UMA ABORDAGEM CRÍTICA SOBRE A

REALIDADE DA PESCA ARTESANAL NA LAGOA MIRIM, NO SUL DO BRASIL,

como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Gerenciamento Costeiro.

Banca Examinadora:

Profª Drª Tatiana Walter (Orientadora – Presidente, PPGC /FURG)

Profª Drª Lucia de Fatima Socoowski de Anello (PPGC/FURG)

Prof Dr Milton Lafourcade Asmus (PPGC/FURG)

Prof Dr Carlos Frederico Bernardo Loureiro (UFRJ)

Dedico este trabalho a todos os pescadores e pescadoras artesanais que se

erguem e lutam contra as agressões impostas por uma sociedade que vive da

exploração da natureza e que avança ferozmente contra seus territórios

tradicionais, ameaçando seu modo de vida.

AGRADECIMENTOS

Por um conjunto de acontecimentos e determinações tive o privilégio de nascer

em uma comunidade de pescadores artesanais, fato que desde muito cedo me

proporcionou conviver com grandes mestres na arte de ler e interpretar os enigmas da

natureza. Aos ensinamentos que me passaram nas conversas de galpão ou nas minhas

inesquecíveis experiências em que vivenciei os amores e os rigores da Laguna dos Patos,

agradeço humildemente. Sem o que aprendi com esses homens e mulheres, a trajetória

que me trouxe até aqui seria impossível.

Esta trajetória também me deu a felicidade de conhecer e conviver com os

pescadores e pescadoras da Lagoa Mirim, conhecer sua luta, suas vitórias e suas

angústias. Um povo persistente que resiste e que sonha com dias melhores, a quem sou

grato, primeiramente pelas inquietações que me levaram a esta pesquisa e,

posteriormente, pela contribuição que me deram ao longo de sua realização.

Na passagem pelo mestrado no PPGC convivi com pessoas magníficas!

Professores, servidores e colegas a quem sou grato pela convivência, pela troca de

experiências de vida e pelo compartilhamento de conhecimentos que agora trago comigo.

O período em que cursei o mestrado coincidiu com um dos mais tristes momentos

da história do Brasil quando, após um golpe de Estado, as elites passaram a massacrar os

direitos sociais duramente conquistados por nosso povo. Neste cenário travei uma intensa

luta diária para, dentro do possível, conseguir me centrar e concluir minha pesquisa. Não

teria conseguido sem a compreensão e motivação da amiga e professora Tatiana Walter

que, respeitando o militante, orientou o caminho do agora pesquisador.

Agradeço aos companheiros Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff que

durante suas passagens pela Presidência da República investiram como nunca na

formação em nível de Pós-Graduação, criando condições objetivas para que a CAPES

aumentasse substancialmente o número de bolsas, sendo uma delas suporte para a

realização desta pesquisa.

Agradeço a todos amigos pelas conversas motivadoras, pelas trocas de ideias e

pelos apoios prestados em diversas oportunidades. Sem descuidar do carinho que recebi

de todos, cito aqui os amigos e companheiros Maria Odete, Lucia e Avelino como

representativos das pessoas que despretensiosamente contribuíram de alguma forma para

que eu chegasse até aqui.

Registro também um agradecimento especial aos meus pais que, além de servirem

de inspiração para mim, sempre me apoiaram para que eu seguisse meus próprios passos.

Aqui também incluo minhas irmãs e suas famílias pela compreensão sobre minha

ausência em determinados momentos.

Por fim, à companheira Ana Paula pelo apoio incondicional e compreensão que

me dedicou neste conturbado período de nossas vidas.

“Podemos fazer a revolução, se interpretarmos corretamente a realidade histórica e se

utilizarmos corretamente as forças que nela intervém”

Ernesto Che Guevara

RESUMO

A presente pesquisa aborda o tema da participação social na gestão ambiental pública e

de como grupos sociais com interesses conflitivos se inserem nas arenas políticas que

tratam da questão ambiental. Mais especificamente trata-se de um estudo de caso que

investiga como se dá a participação dos pescadores artesanais de uma lagoa costeira

situada da região de fronteira entre Brasil e Uruguai – Lagoa Mirim, nos espaços de gestão

ambiental do território. Para isto, fazendo uma abordagem que tem a bacia hidrográfica

como referência, se utiliza do materialismo histórico para compreender a realidade em

que estão inseridos os pescadores artesanais e, a partir desta realidade, desenvolve uma

análise crítica sobre as condições em que se dá a sua participação em dois colegiados

regionais que tratam da gestão ambiental no território, sendo um deles com foco na gestão

de recursos pesqueiros e o outro com foco na gestão de recursos hídricos. A análise

desenvolvida revela que, embora outros grupos sociais gerem impactos ambientais que

afetam a sustentabilidade da pesca artesanal, nas arenas ambientais do território a

correlação de forças políticas impede que os pescadores tenham protagonismo na

discussão acerca das questões ambientais, revelando que sua participação tem apenas um

caráter simbólico para legitimar os interesses dos grupos dominantes, configurando assim

uma distorção do que é preconizado em termos de participação da sociedade civil na

gestão ambiental pública. Assim, a educação ambiental em uma perspectiva crítica,

emancipatória e transformadora é apresentada como uma alternativa para promover a

participação efetiva dos grupos sociais mais frágeis das arenas de gestão ambiental.

Palavras-chave: Gestão ambiental costeira . Participação social . Pesca artesanal .

Materialismo histórico

ABSTRACT

This study discusses the social participation in public environmental management and

how social groups with conflicting interests are included in the political arenas that deal

with environmental issues. More specifically, it is a case study that investigates how the

artisanal fishing communities of Mirim Lagoon – a coastal lagoon located in the border

region between Brazil and Uruguay – participate in the environmental management

spaces of the territory. Thus, taking as reference the hydrographic basin, the approach of

historical materialism is used to understand the reality in which the artisanal fishermen

and fisherwomen are inserted and, from this reality, develops a critical analysis of the

conditions of their participation in two regional instances dealing with environmental

management in the territory, one of which is focused on the management of fisheries

resources and the other on the management of water resources. The analysis reveals that,

although other social groups generate environmental impacts that affect the sustainability

of artisanal fishing, in this territory the correlation of political forces prevents fishermen

from playing a leading role in the discussion of environmental issues, which shows that

their participation has only a symbolic appeal to legitimize the interests of the dominant

groups, thus configuring a distortion of what is advocated in terms of civil society

participation in public environmental management. Therefore, environmental education

in a critical, emancipatory and transformative perspective is presented as an alternative to

promote the effective participation of the most fragile social groups in the environmental

management scenarios.

Keywords: Coastal environmental management. Social participation. Artisanal fishing.

Historical materialism

LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Figura 1 Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim ............................................................................. 51

Figura 3 Extensão dos tipos de canais de drenagem e densidade de drenagem da Planície

Lagunar sob influência do Canal São Gonçalo RS-Brasil (1953 e 2010) ................................... 89

Figura 2 Estrutura Organizacional da CLM .............................................................................. 111

Quadro 1 - Áreas identificadas como potenciais para projetos de irrigação pelo Projeto

CLM/PNUD/FAO. ...................................................................................................................... 87

Quadro 2 Áreas cultivadas e utilização de agroquímicos pelos cultivos de arroz, soja e

silvicultura na BHLM ................................................................................................................. 92

Quadro 3 - Potenciais impactos sobre a pesca artesanal na Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim

................................................................................................................................................... 109

Quadro 4 - Representação estatal e comunitária no COMIRIM ............................................... 117

Quadro 5 - Composição do Comitê de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas da Lagoa Mirim

e do Canal São Gonçalo ............................................................................................................ 120

SIGLAS E ABREVIAÇÕES

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ALM – Agência de Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim

APEVA – Associação dos Pescadores da Vila Anselmi

BHLM – Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim

CLM – Comissão Mista Brasileiro-Uruguaia para o Desenvolvimento da Bacia da

Lagoa Mirim

COMIRIM – Conselho Cooperativo para Ações nas Lagoas Mirim e Mangueira no

Âmbito Pesqueiro

CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente

CONAPE - Conselho Nacional de Aquicltura e Pesca

CONFREM – Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos

Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos

COOPESI - Cooperativa de Pescadores de Santa Isabel

CORSAN – Companhia Riograndense de Saneamento

DINARA – Dirección Nacional de Recursos Acuáticos

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations

FURG – Universidade Federal do Rio Grande

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMO – International Maritime Organization

IOC – Intergovernmental Oceanographic Commission

IRGA – Instituto Riograndense do Arroz

MGAP – Ministerio de Ganadería, Agricultura y Pesca

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MONAPE – Movimento Nacional dos Pescadores

MPA – Ministério da Pesca e Aquicultura

MPP – Movimento dos Pescadores e Pescadoras

MPPA – Movimento dos Pescadores Profissionais Artesanais

OECD – Organization for Economic Cooperation and Development

OP – Orçamento Participativo

PCdoB – Partido Comunista do Brasil

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPGC – Programa de Pós-Graduação em Gerenciamento Costeiro

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

RESEX – Reserva Extrativista

RGP – Registro Geral da Pesca

SB/CLM – Seção Brasileira da Comissão Mista Brasileiro-Uruguaia para o

Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim

SEAP/PR – Secretaria Especial da Presidência da República

SUDEPE – Superintendência de Desenvolvimento da Pesca

SUDESUL – Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul

UFPEL – Universidade Federal de Pelotas

UNCDF – United Nations Capital Development Fund

UNESCO – United Nations Organization for Education, Science and Culture

WWF – World Wide Fund for Nature

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 16

2 OBJETIVOS ...................................................................................................................... 21

2.1 Objetivo Geral ........................................................................................................... 21

2.2 Objetivos Específicos................................................................................................. 21

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................... 22

3.1 A relação homem-natureza no materialismo histórico de Marx ........................... 22

3.2 Considerações acerca do método de Marx .............................................................. 27

3.3 A pesca artesanal na luta de classes ......................................................................... 33

3.4 Gestão Ambiental Pública e Participação Social .................................................... 40

4 PROCEDIMENTOS DA PESQUISA ............................................................................. 49

4.1 Caracterização da área de estudo ............................................................................ 50

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................... 53

5.1 Pesca artesanal e luta de classes no Brasil: um olhar histórico para a organização

social dos pescadores artesanais ........................................................................................... 53

5.2 A propriedade privada das terras e seus consequentes impactos ambientais ...... 74

5.2.1 As transformações ambientais no território: os impactos do interesse

privado sobre o ambiente de uso comum ........................................................................ 85

5.3 A realidade da pesca artesanal na Lagoa Mirim .................................................... 93

5.3.1 A produção dos pescadores artesanais da Lagoa Mirim ............................... 93

5.3.2 O processo histórico de constituição do sujeito coletivo ................................ 97

5.3.3 O lugar da pesca artesanal na gestão ambiental do território .................... 111

5.4 Possíveis caminhos na perspectiva da pesca artesanal ......................................... 123

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 128

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 131

16

1 INTRODUÇÃO

Em seu mais recente relatório intitulado Planeta Vivo, a WWF (2016) apontou

que atualmente a humanidade necessitaria da capacidade regenerativa de 1,6 Planeta

Terra para dar suporte à demanda anual por bens e serviços consumidos pela população

mundial. Informações deste tipo, via de regra, têm sido utilizadas para sustentar a

afirmação de que o estilo de vida que a humanidade escolheu é insustentável do ponto de

vista ambiental.

Não há dúvida de que o planeta está diante de uma crise que se traduz em impactos

ambientais1 cada vez maiores e mais complexos sobre a vida nele existente. Contudo,

uma questão que tem se tornado evidente é de que os problemas ambientais que afetam

as camadas mais frágeis da sociedade humana, antes de qualquer outro aspecto, são fruto

do modelo de produção capitalista, o qual é imposto pelas classes dominantes2 e que cada

vez mais empurra a humanidade para a barbárie.

Neste contexto Acselrad (2010) identifica a existência de uma razão utilitária

hegemônica que estrutura sua estratégia para lidar com a questão ambiental pela lógica

do Mercado, atribuindo as soluções ao progresso científico e ao consenso político,

atuando em um campo estratégico onde “uma revolução da eficiência é evocada para

economizar o planeta, dando preço ao que não tem preço” (ACSELRAD, 2010, p. 109).

Sua análise demonstra a ligação entre as questões ambientais e a estrutura de classes da

sociedade. Após verificar que enquanto grupos hegemônicos ficam com os benefícios da

exploração da natureza e aos grupos sociais mais fragilizados restam os impactos

ambientais, o autor chega à síntese de que cada vez mais a proteção ambiental passa a ser

parte integrante das lutas sociais das maiorias.

1 [...] qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por

qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente,

afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a

biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais.

(CONAMA, 1986)

2Ao longo do texto, em sintonia com as referências utilizadas, são empregados como sinônimos de classe

dominante os termos: classe dirigente, burguesia, capitalista ou opressor.

17

Com o mesmo olhar crítico, Quintas (2009) defende que a crise ambiental é apenas

uma consequência da forma de organização da sociedade que as classes dominantes

impõem ao planeta. Para ele,

O problema está na ordem social vigente que para garantir um determinado

estilo de vida para uns poucos, tem necessariamente que destruir

aceleradamente a base material de sustentação da população e condenar a

maioria à pobreza, quando não à indigência. Em outras palavras é a sociedade

que está em crise. Os danos e riscos ambientais decorrem de uma determinada

ordem social, que se constituiu historicamente, e se mantém por meio de

relações de dominação seja da natureza por seres humanos, seja de humanos

por outros humanos (QUINTAS, 2009, p. 37).

Assim, não se pode atribuir à humanidade, como um todo, as consequências

ambientais de um modelo de produção que, em busca do acúmulo de riquezas, deforma a

“condição universal do metabolismo entre homem e natureza” (MARX, 2013, p. 335), a

relação por meio da qual, através do trabalho, o homem se apropria dos elementos naturais

para garantir a satisfação das necessidades humanas. No modelo de produção capitalista,

o trabalho do homem na natureza deixa de ter como objetivo imediato a produção de

objetos para garantir a satisfação das necessidades humanas e passa a estar a serviço de

uma minoria que domina as relações dos humanos com a natureza e destes consigo

mesmo.

Neste sentido, desenvolvendo o que Foster (1999) chamou de “Teoria da Falha

Metabólica”, ao analisar a forma como a agricultura capitalista, associada ao processo de

industrialização e urbanização, influenciou na relação homem-natureza, Marx (2013)

afirmou que “ao mesmo tempo que destrói as condições desse metabolismo, engendradas

de modo inteiramente natural-espontâneo, a produção capitalista obriga que ele seja

sistematicamente restaurado em sua condição de lei reguladora da produção social”

(MARX, 2013, p. 702). Um bom exemplo pode ser observado na produção global de

alimentos. Se por um lado o agronegócio global avança a fronteira agrícola,

contaminando o solo e as águas sob a justificativa de aumentar a produção de alimentos

para matar a fome no mundo, por outro, conforme o relatório OECD/FAO/UNCDF

(2016), mesmo que já se produza alimentos suficientes para sustentar toda a sua

população mundial, cerca de 800 milhões de pessoas sofrem diariamente com a fome e

com a desnutrição.

18

Esta “falha metabólica” na relação sociedade-natureza acaba se traduzindo em

alterações ambientais que impactam os ecossistemas em escala global, regional e local.

Tais alterações e seus decorrentes impactos acabam tomando maior dimensão nos

ecossistemas mais frágeis e/ou mais intensamente utilizados.

Neste contexto as zonas costeiras, densamente povoadas, com ecossistemas

frágeis e amplamente exploradas, assumem especial importância. Costanza et al. (1997)

identificaram que a Zona Costeira corresponde a aproximadamente 8,5% da área marinha

mundial. Segundo a European Environment Agency (1999) as zonas costeiras

correspondem a 15% da superfície terrestre do Planeta. Neste pequeno espaço geográfico

de interação entre o mar e a superfície terrestre, vive cerca de 40% da população mundial

(IOC/UNESCO, IMO, FAO, PNUD, 2011). Barragán e Andrés (2015) apontaram que

dentre as 4.285 cidades e aglomerações com mais de 100 mil habitantes existentes no

mundo, 2.129 estão localizadas até 100 km da costa, onde vivem 1,453 bilhões de pessoas

(53% da população mundial das cidades e aglomerações com mais de 100 mil habitantes).

A grande densidade populacional e a intensidade das atividades econômicas e

socioculturais existentes na Zona Costeira acabam exercendo forte pressão e grandes

impactos sobre ecossistemas costeiros, afetando principalmente os grupos sociais

historicamente menos favorecidos. Dentre esses grupos encontram-se as comunidades de

pescadores artesanais, que enfrentam uma série de impactos ambientais decorrentes de

outras atividades que coincidem com seus territórios tradicionais e/ou com os

ecossistemas em que estão inseridas.

Marx (2013) destaca a importância da água como elemento vital para o peixe, ou

seja, a existência do peixe é condicionada pela existência de um corpo hídrico com

qualidade e quantidade minimamente necessária para garantir sua condição vital. Assim,

atividades que geram impactos sobre a qualidade e a quantidade da água dos ambientes

ecológicos tradicionalmente utilizados pela pesca artesanal, ao impactarem o elemento

vital para a existência do peixe, por óbvio, vão gerar impactos na produção e reprodução

social dos pescadores artesanais.

Neste contexto, inserem-se as comunidades de pescadores que têm na pesca

artesanal praticada em lagoas costeiras o seu meio de vida, como é o caso das

comunidades de pescadores da Lagoa Mirim, uma lagoa costeira binacional localizada no

19

extremo sul do Brasil, transfronteiriça entre o estado do Rio Grande do Sul e o Uruguai.

Trata-se de uma lagoa situada em uma bacia hidrográfica onde, em decorrência do

processo histórico de ocupação do território e desenvolvimento das forças produtivas,

ocorreram significativas transformações ambientais que acabaram alterando o

ecossistema, gerando assim impactos ambientais que afetam a produção e reprodução

social dos pescadores artesanais. Pesquisas recentes como as de Fernandes et. al. (2007);

Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009); Migliaro (2013, 2014, 2015) e Dias et al. (2014)

têm abordado as dificuldades enfrentadas pelos pescadores artesanais da Lagoa Mirim no

que se refere a questões como queda nas capturas e outras questões que afetam a sua

produção e reprodução social.

Em situações onde diferentes grupos sociais se relacionam com o território de

forma conflitiva, o papel atribuído a gestão ambiental pública é o de administrar os

conflitos ambientais – latentes e explícitos – e estabelecer regras de uso que assegurem a

qualidade ambiental. Ou seja, é no campo da gestão ambiental que se estabelece quem

usa, quando usa e como usa – conforme exposto por Quintas (2009) – com vistas a

assegurar o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

No que se refere à gestão ambiental pública, em nível de Brasil, a pesca artesanal

desenvolvida em lagoas situadas dentro ou fora da Zona Costeira está vinculada, tanto à

gestão do uso sustentável dos recursos pesqueiros, como à gestão do uso sustentável da

água. A gestão do uso dos recursos pesqueiros é disciplinada pela Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira, instituída pela Lei nº 11.959/2009,

que busca conciliar “o equilíbrio entre o princípio da sustentabilidade dos recursos

pesqueiros e a obtenção de melhores resultados econômicos e sociais” (BRASIL, 2009,

p. 2). Já a gestão do uso da água é estabelecida pela Política Nacional de Recursos

Hídricos e pelo Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, instituídos

pela Lei nº 9.433/1997, a qual estabelece a bacia hidrográfica como unidade de gestão e

traz como uma de suas diretrizes “a integração da gestão de recursos hídricos com a

gestão ambiental” (BRASIL, 1997, p. 2). Ambos instrumentos legais versam sobre a

necessidade de que a gestão destes recursos seja realizada de forma a promover o

envolvimento da sociedade civil nos processos decisórios.

Na bacia hidrográfica da Lagoa Mirim, estas políticas se materializam em dois

colegiados regionais que dialogam com a gestão ambiental no território: o Conselho

20

Cooperativo para Ações nas Lagoas Mirim e Mangueira no Âmbito Pesqueiro –

COMIRIM, vinculado à gestão pesqueira e o Comitê de Gerenciamento de Bacias

Hidrográficas da Lagoa Mirim e do Canal São Gonçalo, vinculado à gestão de recursos

hídricos. Assim, partindo-se de uma visão sistêmica, no âmbito da gestão ambiental

pública, ambos os espaços são estratégicos no que se refere à discussão das questões

ambientais que relacionadas à produção e reprodução social dos pescadores artesanais.

Neste contexto, a presente pesquisa está situada na linha Políticas Públicas e

Governança Marinha e Costeira, do Programa de Pós-Graduação em Gerenciamento

Costeiro que versa sobre os arranjos institucionais necessários à governança, bem como,

a participação da sociedade em tais arranjos. Partindo da premissa da luta de classes e

utilizando o materialismo histórico como fio condutor, busca investigar como se dá a

participação dos(as) pescadores(as) artesanais nas arenas que dialogam com a gestão

ambiental dos territórios onde estão inseridos.

Ao considerar a bacia hidrográfica como unidade de gestão ambiental do

território, toma a bacia hidrográfica da Lagoa Mirim como área de estudo e, por meio da

totalidade, verifica como se deu o processo de desenvolvimento das forças produtivas no

território e como este processo incidiu sobre alterações ambientais que determinaram a

realidade da pesca artesanal. Assim, partindo desta realidade, desenvolve uma análise

crítica acerca da participação dos(as) pescadores(as) artesanais nos espaços de gestão

ambiental presentes no território, tendo como referência os impactos ambientais

vivenciados pelos mesmos e a tratativa de tais impactos no Conselho Cooperativo para

Ações nas Lagoas Mirim e Mangueira no Âmbito Pesqueiro – COMIRIM e no Comitê

de Gerenciamento das Bacias Hidrográficas da Lagoa Mirim e do Canal São Gonçalo.

Após essa análise, apresenta a educação ambiental transformadora como um dos possíveis

caminhos para fortalecer a participação dos pescadores e pescadoras artesanais nas arenas

ambientais que dialogam com seus territórios.

21

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Analisar a realidade da pesca artesanal na Lagoa Mirim de forma a compreender,

em uma perspectiva crítica, como os espaços de gestão ambiental presentes neste

território atuam sobre a reprodução social dos pescadores artesanais.

2.2 Objetivos Específicos

Analisar o processo de ocupação e uso do território da Bacia Hidrográfica

da Lagoa Mirim;

Desenvolver uma análise da pesca artesanal da Lagoa Mirim, a partir de

uma perspectiva histórica das relações sociais de produção no território;

Identificar as principais transformações ambientais ocorridas no território

e seus possíveis impactos ambientais sobre a pesca artesanal;

Verificar como os pescadores artesanais se inserem nos espaços de gestão

ambiental do território;

Debater uma proposta de atuação para o fortalecimento da participação dos

pescadores artesanais nos espaços de gestão territorial.

22

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Os quatro itens apresentados na fundamentação teórica desta pesquisa buscam

posicionar abordagem realizada no campo da teoria crítica. Assim, inicialmente discute a

relação sociedade natureza na perspectiva do materialismo histórico, para, na sequência,

discutir de forma mais específica o método de Marx, o qual foi empregado na realização

da presente pesquisa. Alinhado no materialismo histórico, o terceiro item, ultrapassando

o olhar sobre os “recursos pesqueiros”, traz uma discussão sobre o lugar da pesca

artesanal na luta de classes. Por fim, o quarto item discute a gestão ambiental pública e

sua relação com a participação social, com vistas a nos situar sobre o debate em torno dos

espaços de participação social na gestão pública.

3.1 A relação homem-natureza no materialismo histórico de Marx

O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de guia para

meus estudos, pode ser formulado, resumidamente, assim: na produção social

da própria existência, os homens entram em relações determinadas,

necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção

correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças

produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a

estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma

superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais

determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona

o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos

homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina

sua consciência. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças

produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de

produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as

relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até

então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações

convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social. A

transformação que se produziu na base econômica transforma mais ou menos

lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura. Quando se consideram tais

transformações, convém distinguir sempre a transformação material das

condições econômicas de produção - que podem ser verificadas fielmente com

ajuda das ciências físicas e naturais - e as formas jurídicas, políticas, religiosas,

artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas sob as quais os

homens adquirem consciência desse conflito e o levam até o fim. Do mesmo

modo que não se julga o indivíduo pela ideia que de si mesmo faz, tampouco

se pode julgar uma tal época de transformações pela consciência que ela tem

de si mesma. E preciso, ao contrário, explicar essa consciência pelas

contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças

produtivas sociais e as relações de produção. (MARX, 2008, p. 47-48)

23

A síntese explicativa da abordagem materialista-histórica para a compreensão da

sociedade que Marx (1818-1883) apresenta no Prefácio de Contribuição para a Crítica

da Economia Política e que, segundo ele mesmo, uma vez descoberta passou a servir de

fio condutor para todos os seus estudos, só foi possível graças à atenção e ao rigor com

que o mesmo se empenhou em analisar a relação metabólica que o homem desenvolve

com a natureza. Para Marx o ponto de partida (o primeiro ato histórico) para o

desenvolvimento da sociedade ocorre quando, ao se relacionar com a natureza para

produzir suas condições essenciais de existência física, o homem transforma o meio ao

seu entorno e a si mesmo, desenvolvendo consciência, gerando relações sociais que vão

influenciar a forma de organização da sociedade. Assim, parte de pressupostos reais da

existência humana, do indivíduo, para observar como se formam historicamente as

relações sociais que determinam a sociedade.

[...] o primeiro pressuposto de toda a existência humana e também, portanto,

de toda a história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de estar em

condições de viver para poder “fazer história”. Mas, para viver, precisa-se,

antes de tudo, de comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais.

O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas

necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato

histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim

como há milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente

para manter os homens vivos. [...] A primeira coisa a fazer em qualquer

concepção histórica é, portanto, observar esse fato fundamental em toda a sua

significação e em todo o seu alcance e a ele fazer justiça.[...] O segundo ponto

é que a satisfação dessa primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o

instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades.[...] A

terceira condição que já de início intervém no desenvolvimento histórico é que

os homens, que renovam diariamente sua própria vida, começam a criar outros

homens, a procriar – a relação entre homem e mulher, entre pais e filhos, a

família. Essa família, que no início constitui a única relação social, torna-se

mais tarde, quando as necessidades aumentadas criam novas relações sociais e

o crescimento da população gera novas necessidades, uma relação

secundária[...] e deve, portanto, ser tratada e desenvolvida segundo os dados

empíricos existentes[...] esses três aspectos da atividade social não devem ser

considerados como três estágios distintos, mas sim apenas como três aspectos

ou [...] como três “momentos” que coexistiram desde os primórdios da história

e desde os primeiros homens, e que ainda hoje se fazem valer na história.

(MARX; ENGELS, 2007 p. 32-34)

O homem se relaciona com a natureza por meio do trabalho que este exerce sobre

os materiais disponíveis para atender suas necessidades primeiras de existência e aquelas

decorrentes do convívio social. Neste processo o homem desenvolve sua práxis3 e sua

3Corrobora-se aqui com a elaboração apresentada por Kosik (1976) para quem a práxis compreende não só

o momento laborativo, mas também o existencial, estando presente tanto na atividade objetiva do trabalho

humano na transformação da natureza e atribuição de sentido aos materiais naturais, como na formação da

24

maneira de ler e conceber o mundo ao seu redor. Assim, o trabalho não se limita à função

de gerar os meios para o atendimento das necessidades vitais e passa a ser gerador de

relações sociais que são base para a formação da sociedade. Esta concepção, acerca do

papel do trabalho é detalhada por Marx nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844.

[...] primeiramente o trabalho, a atividade vital, a vida produtiva mesma

aparece ao homem apenas como um meio para a satisfação de uma carência, a

necessidade de manutenção da existência física. A vida produtiva é, porém,

vida genérica. É a vida engendradora de vida. No modo (Art) da atividade vital

encontra-se o caráter inteiro de uma species, seu caráter genérico, e a atividade

consciente livre é o caráter genérico do homem. A vida mesma aparece só

como meio de vida [...] O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto

da sua vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital consciente. Esta

não é uma determinidade (Bestimmtheit) com a qual ele coincide

imediatamente. A atividade vital consciente distingue o homem imediatamente

da atividade vital animal. Justamente, [e] só por isso, ele é um ser genérico. Ou

ele somente é um ser consciente, isto é, a sua própria vida lhe é objeto,

precisamente porque é um ser genérico. Eis porque a sua atividade é atividade

livre. (MARX, 2004, p. 84)

O trabalho é a atividade vital para a existência humana. Conforme Marx e Engels

(2007) é ele que, pelo exercício corporal e pela práxis, se constitui na principal diferença

entre os homens e os animais. Mas para que o trabalho se realize, não há outra

possibilidade que não o acesso do homem aos materiais disponíveis na natureza. Sobre a

dependência do homem em relação à natureza, Marx afirma que

O trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensível

(sinnlich). Ela é a matéria na qual o seu trabalho se efetiva, na qual [o trabalho]

é ativo, [e] a partir da qual e por meio da qual [o trabalho]produz. Mas como

a natureza oferece os meios de vida, no sentido de que o trabalho não pode

viver sem objetos nos quais se exerça, assim também oferece, por outro lado,

os meios de vida no sentido mais estrito, isto é, o meio de subsistência física

do trabalhador mesmo. (MARX, 2004, p. 81, grifos do autor)

Para Marx, no sistema capitalista, são rompidos os nervos vitais que mantêm a

relação metabólica do homem com a natureza e o trabalho deixa de ser um meio de

realização do homem para ser uma forma de penitência necessária para a garantia de suas

subjetividade humana, na qual os momentos existenciais como angústia, náusea, medo, alegria, riso,

esperança, etc. não se apresentam como experiência passiva, mas como parte da luta pelo reconhecimento,

isto é, do processo de realização da liberdade humana. “Sem o momento existencial, o trabalho deixaria de

ser parte da práxis” (KOSIK, 1976, p. 224). Em sua acepção transformadora da realidade, vai-se ao

encontro da definição de Paulo Freire que diz que a práxis “é reflexão e ação dos homens sobre o mundo

para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos” (FREIRE,

2011, p. 52).

25

necessidades vitais. Com a instituição da propriedade privada e a separação entre capital

e trabalho, sem possuir os meios de produção, resta ao trabalhador apenas a venda de sua

força de trabalho ao proprietário dos meios de produção. O trabalho que antes era

considerado meio de constituição do homem como ser genérico, passa a assumir o caráter

de trabalho alienado, onde a relação do trabalhador com produto de seu trabalho é de

estranhamento.

[...]a externalidade (Äusserlinchkeit) do trabalho aparece para o trabalhador

como se [o trabalho] não fosse seu próprio, mas de um outro, como se [o

trabalho] não lhe pertencesse, como se ele no trabalho não pertencesse a si

mesmo, mas a um outro[...] Se a minha própria atividade não me pertence, é

uma atividade estranha, forçada, a quem ela pertence, então?[...] O ser estranho

ao qual pertence o trabalho e o produto do trabalho, para o qual o trabalho está

a serviço e para a fruição do qual [está] o produto do trabalho só pode ser o

homem mesmo. Se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, um

poder estranho [que está diante dele então isso só é possível pelo fato de [o

produto do trabalho] pertencer a um outro homem fora do trabalhador. Se sua

atividade lhe é martírio, então ela tem de ser fruição para um outro e alegria de

viver para um outro (MARX, 2004, p. 83-86).

A relação do homem com a natureza não é mais mediada pelo impulso de

atendimento de suas necessidades vitais, mas sim controlada e condicionada pelos

interesses da propriedade privada. O interesse privado decide sobre quem tem ou não

acesso aos bens naturais e põe em risco a própria existência física do homem. Marx

discute o caráter excludente da propriedade privada pela primeira vez em 1842 quando

publicou na Gazeta Renana os “Debates sobre a Lei referente ao furto de madeira”.

Se todo o atentado contra a propriedade, sem qualquer distinção, sem

determinação mais precisa, for considerado furto, não seria furto também toda

a propriedade privada? Por meio da minha propriedade privada não estou

excluindo todo e qualquer terceiro dessa propriedade? Não estou, portanto,

violando o seu direito a essa propriedade? (MARX, 2017, p. 82)

Marx (2017) denuncia o fato de os deputados da Assembleia Renana estarem

legislando para garantir seus próprios interesses, transformando em crime de furto a

tradicional coleta que os camponeses do vale do Mosela faziam da madeira seca caída nas

florestas. A utilização, na forma de lenha, da madeira caída das florestas era um direito

consuetudinário dos pobres, mas com a instituição da propriedade privada e a

mercantilização da madeira, este direito foi revogado em nome do interesse privado. Aqui

26

ganham importância dois outros conceitos centrais do marxismo os quais estão

relacionados entre si, ou seja, a luta de classes e o papel do Estado.

Na teoria marxista a sociedade historicamente se organiza em classes sociais que

lutam entre si disputando espaço na hierarquia da forma de organização da estrutura social

e tentando impor hegemonia sobre as demais classes. Quando escrevem o Manifesto

Comunista de 1848, Marx e Engels iniciam o texto afirmando que “a história de todas as

sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes” (MARX e ENGELS,

1998, p.40).

No sistema capitalista a hegemonia da burguesia e sua relação de exploração com

a força de trabalho, fazem com que as duas principais classes combatentes entre si sejam

a burguesia e a classe trabalhadora. O Estado então é visto como ferramenta estratégica

da classe dominante para garantir sua hegemonia e preservar seus interesses. Sobre essa

questão Engels (1984) afirma que

Como o Estado nasceu na necessidade de conter o antagonismo de classes, e

como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral,

o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe

que, por intermédio dele, se converte também em classe politicamente

dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe

oprimida (ENGELS, 1984, p. 193)

Na luta entre burguesia e classe trabalhadora, tendo a burguesia a hegemonia na

sociedade, o Estado passa a assumir papel central para garantir seus interesses ante os da

classe trabalhadora. Esta questão é explicitada logo nas primeiras páginas do manifesto

comunista onde Marx e Engels afirmam que “o executivo no Estado moderno não é senão

um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX e

ENGELS, 1998, p. 42).

Neste sentido, se os interesses da burguesia e da classe trabalhadora são

antagônicos, pode-se chegar à conclusão de que ao defender os interesses da burguesia, o

Estado volta-se contra os interesses da classe trabalhadora. Assim, a burguesia tem no

Estado um poderoso instrumento de manutenção do domínio e da exploração de classe.

27

3.2 Considerações acerca do método de Marx

Parafraseando o slogan deum deputado federal4que emergiu da luta camponesa no

sul do Brasil e fez de sua voz no congresso nacional um instrumento dos que lutavam por

reformas estruturais na sociedade brasileira, Marx foi um estudioso que teve sua trajetória

marcada por manter um pé na luta internacional dos trabalhadores e outro na construção

de uma teoria social revolucionária vinculada a essa luta. Segundo Netto (2011) por Marx

ter sido um pensador que não se limitou aos limites impostos pela ordem burguesa,

colocando-se a serviço dos trabalhadores e da revolução socialista uma parcela

considerável de polêmicas que giram em torno de seu pensamento partem tanto de

motivações científicas quanto recusas ideológicas e motivações políticas. Devido ao

compromisso de Marx com um projeto de transformação da sociedade burguesa,

conforme afirma Netto (2011), ao longo do século XX, mesmo nas chamadas sociedades

democráticas, enquanto ninguém teve seus direitos civis ou políticos limitados por ser

durkheimiano ou weberiano “milhares de homens e mulheres, cientistas sociais ou não,

foram perseguidos, presos, torturados, desterrados e até mesmo assassinados por serem

marxistas” (NETO, 2011, p. 10).

Com uma produção teórica extremamente densa e posicionada politicamente a

concepção teórico-metodológica de Marx foi vítima de tratamentos equivocados, tanto

por parte de seus opositores como de seus próprios seguidores, resultando em leituras

simplistas e/ou reducionistas que pouco ou nada tem a ver com pensamento de Marx. Esta

observação em relação ao estudo da concepção teórico-metodológica de Marx também é

feita por Netto (2011) quando o autor afirma que o mesmo apresenta “inúmeras

dificuldades – desde as derivadas da sua própria complexidade até as que se devem aos

tratamentos equivocados a que obra marxiana foi submetida” (NETTO, 2011, p. 11).

Assim, torna-se importante uma breve discussão acerca de Marx buscando, sem

afastá-lo do seu compromisso e de sua contribuição histórica com a luta internacional dos

trabalhadores, situar sua não menos importante contribuição teórico-metodológica para o

campo da teoria social. Neste sentido, busca-se aqui discutir o método na perspectiva de

4 Adão Pretto (1945-2009) foi uma liderança política que emergiu das lutas camponesas e chegou ao

congresso nacional como deputado federal. Mantendo-se sempre como um “porta voz” dos movimentos

sociais populares, criou para seu mandato o slogan ‘um pé na luta e outro no parlamento’.

28

autores que consideram que “são os próprios textos de Marx (e, eventualmente, de Marx

e Engels) que propicia o material indispensável e adequado para o conhecimento do

método que ele descobriu” (NETTO, 2011, p. 16).

Contudo, antes de se avançar sobre uma discussão acerca do método de Marx é

importante que se faça uma fundamental consideração acerca de o que é o método para

Marx, pois aqui reside uma fundamental distinção entre o método de Marx e os

procedimentos de pesquisa amparados na “tradição empirista e/ou positivista” (NETTO

2011, p. 20), pois para Marx o conhecimento teórico “é o conhecimento do objeto - de

sua estrutura e dinâmica - tal como ele é em si mesmo, na sua existência real e efetiva,

independentemente dos desejos, das aspirações e das representações do pesquisador”

(NETTO, 2011, p. 20) e o método não pode ser confundido técnica e/ou instrumento de

coleta e processamento de dados que se vale o pesquisador para “apoderar-se da matéria”.

Neto (2011) lembra que, inclusive, técnicas e instrumentos similares chegam a servir a

concepções metodológicas diferentes. O método para Marx,

[...] não é um conjunto de regras formais que se "aplicam" a um objeto que foi

recortado para uma investigação determinada nem, menos ainda, um conjunto

de regras que o sujeito que pesquisa escolhe, conforme a sua vontade, para

"enquadrar" o seu objeto de investigação. [...] O método implica, pois, para

Marx, uma determinada posição (perspectiva) do sujeito que pesquisa: aquela

em que se põe o pesquisador para, na sua relação com o objeto, extrair dele as

suas múltiplas determinações. (NETTO, 2011, p. 52-53)

Neste sentido, Tambara e Oliveira (2011) destacam que o ao longo de toda a sua

obra Marx dedicou-se à busca de uma formulação teórica consistente que pudesse

justificar racionalmente a luta pela superação do modelo capitalista, a qual deveria estar

amparada em um modelo metodológico sólido capaz de sustentar inabalavelmente sua

legitimação. Segundo eles, “a preocupação com as questões de método foi uma constante

ao logo da obra marxiana, levando-o, mais de uma vez, a abandonar empreendimentos

teóricos e hercúleos ao convencer-se de sua fragilidade metodológica” (TAMBARA;

OLIVEIRA, 2011, p. 150). Os autores afirmam ainda que somente na Introdução aos

Grundrisse Marx começa a ter uma consistência metodológica que lhe permitiria fazer

uma abordagem do capital como articulação dinâmica da complexidade. Netto (2011) ao

referir-se ao processo em que é desenvolvido o método de Marx afirma que “[..] ao fim

de quase 15 anos de pesquisa que ele escreve, entre agosto e setembro de 1857, a célebre

29

‘Introdução’, onde a sua concepção teórico-metodológica surge nítida” (NETTO, 2011,

p. 36).

Para Tambara e Oliveira (2011), na Introdução aos Grundrisse, primeiramente

Marx apresenta a determinação do caráter social das relações econômicas e a articulação

lógica entre as categorias econômicas para, finalmente, fazer a exposição do método em

sua formulação mais acabada. De fato, nas primeiras linhas da Introdução Marx (2011)

inicia a delimitação do seu objeto de pesquisa, afirmando que os indivíduos produzem em

sociedade e, por isso, o ponto de partida de sua investigação é a produção dos indivíduos,

na forma que é determinada pela sociedade. A produção dos indivíduos não ocorre

simplesmente por suas vontades pessoais, mas são determinadas por relações sociais

historicamente construídas. Assim, segundo Marx, “a produção também não é somente

produção particular. Ao contrário, é sempre um certo corpo social, um sujeito social em

atividade em uma totalidade maior ou menor de ramos de produção”. (MARX, 2011,

p. 57-58, grifos nossos).

Na sequência, ao apresentar a discussão sobre a articulação entre as categorias

econômicas, Maxtraz novamente a questão da totalidade e da complexidade do todo ao

concluir que “o resultado a que chegamos não é que produção, distribuição, troca e

consumo são idênticos, mas que todos eles são membros de uma totalidade, diferenças

dentro de uma unidade” (MARX, 2011, p. 75-76). Aqui cabem algumas breves

considerações a respeito da totalidade no pensamento marxista.

Há de se registrar que para Marx, a totalidade deve ser compreendida em seu

caráter dialético, como totalidade concreta, o que significa “realidade como um todo

estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer, (classes de fatos, conjuntos

de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido” (KOSIK, 1976, p. 44). Assim, não

basta juntar/acumular os fatos para se conhecer a realidade, tampouco todos os fatos não

constituem a totalidade.

Os fatos são conhecimento da realidade se são compreendidos como fatos de

um todo dialético – isto é, se não são átomos imutáveis, indivisíveis e

indemonstráveis, de cuja reunião a realidade saia constituída – se são

entendidos como partes estruturais do todo. O concreto, a totalidade não são,

por conseguinte, todos os fatos, o conjunto dos fatos, o agrupamento de todos

os aspectos, coisas e relações, visto que a tal agrupamento falta ainda o

essencial: a totalidade e a concreticidade. [...] a realidade é a totalidade

concreta – que se transforma em estrutura significativa para cada fato ou

conjunto de fatos. (KOSIK, 1976, p. 44)

30

Desta forma, diferente de uma descrição “fotográfica” de determinado fenômeno,

a totalidade compreendê-lo como realidade em movimento. Sobre este caráter dialético

da totalidade, Kosik (1976) ainda afirma que

Justamente porque o real é um todo estruturado que se desenvolve e se cria, o

conhecimento de fatos ou conjuntos de fatos da realidade vem a ser

conhecimento do lugar que eles ocupam na totalidade do próprio real. Ao

contrário do conhecimento sistemático (que procede por via somatória) do

racionalismo e do empirismo – conhecimento que se move de pontos de partida

demonstrados através de um sistemático acrescentamento linear de fatos

ulteriores -, o pensamento dialético parte do pressuposto de que o

conhecimento humano se processa num movimento em espiral, do qual cada

início é abstrato e relativo. Se a realidade é um todo dialético e estruturado, o

conhecimento concreto da realidade não consiste em um acrescentamento

sistemático de fatos a outros fatos, e de noções a outras noções. É um processo

de concretização que procede do todo para as partes e das partes para todo, dos

fenômenos para a essência e da essência para os fenômenos, da totalidade para

as contradições e das contradições para a totalidade; e justamente neste

processo de correlações em espiral no qual todos os conceitos entram em

movimento recíproco e se elucidam mutuamente, atinge a concreticidade.

(KOSIK, 1976, p. 50)

É neste sentido que Netto (2011) reafirma o fato de Marx compreender a sociedade

burguesa como uma totalidade concreta e não como um “todo” formado por “partes”

integradas de forma funcional. Na interpretação deste autor, a sociedade burguesa é para

Marx, “uma totalidade concreta inclusiva e macroscópica, de máxima complexidade,

constituída por totalidades de menor complexidade. Nenhuma dessas totalidades é

"simples"- o que as distingue é o seu grau de complexidade” (NETTO, 2011, p. 56).

Ao finalizar a apresentação da articulação entre as categorias econômicas, antes

de entrar na exposição do método em si Max deixa aberta a possibilidade de utilização de

seu método para “qualquer todo orgânico” (MARX, 2011, p.76). Com esta compreensão

corroboram Tambara e Oliveira (2011) ao afirmarem que, embora o terceiro passo da

argumentação de Marx na Introdução tenha o título específico de “O Método da economia

política”, os raciocínios metodológicos ali apresentados podem ser utilizados para a

investigação de qualquer realidade complexa. Desta forma, “pode-se, portanto,

compreender o método da Economia Política como o método da Educação, da História,

da Sociologia, etc.” (TAMBARA; OLIVEIRA, 2011, p. 151).

31

Marx (2011) inicia a exposição do seu método criticando a abordagem

costumeiramente realizada pela Economia Política, a qual considera equivocada. Em que

pese a Economia Política parta sua análise da população, o que é real e concreto, ao não

considerar as múltiplas determinações que se articulam na constituição da realidade

concreta, acabam sempre em relações determinantes, abstratas e gerais.

Se consideramos um dado país de um ponto de vista político-econômico,

começamos com sua população, sua divisão em classes, a cidade, o campo, o

mar, os diferentes ramos de produção, a importação e a exportação, a produção

e o consumo anuais, os preços das mercadorias, etc. Parece ser correto

começarmos pelo real e pelo concreto, pelo pressuposto efetivo, e, portanto,

no caso da economia, por exemplo, começarmos pela população, que é o

fundamento e o sujeito do ato social de produção como um todo. Considerado

de maneira mais rigorosa, entretanto, isso se mostra falso. A população é uma

abstração quando deixo de fora, por exemplo, as classes das quais é constituída.

Essas classes, por sua vez, são uma palavra vazia se desconheço os elementos

nos quais se baseiam. p. ex., trabalho assalariado, capital etc. Estes supõem

troca, divisão do trabalho, preço etc. O capital, p. ex., não é nada sem o trabalho

assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço etc. (MARX, 2011, p.

76-77)

Marx então começa a dar forma e fundamentação ao seu método. Assim, a síncrese

como ponto de partida, no caso a população, é ainda “uma representação caótica do todo”

(MARX, 2011, p. 77) não teorizada. Em outras palavras, este primeiro passo corresponde

ainda apenas a uma apreensão sincrética5 do empírico, um todo abstrato, carente das

mediações do pensamento que possibilita a descoberta das determinações e conexões

capazes de torná-lo minimamente compreensível. Neste primeiro momento, a população,

as classes, as categorias, etc., não passam de abstrações.

Já em um segundo passo, inicia-se o processo de desmembramento deste todo

caótico, buscando revelar a seus múltiplos aspectos que o compõem. Por meio da análise,

o todo passa a ser particularizado e analisado em seus múltiplos aspectos constituintes de

forma que, conforme afirma Marx, “por meio de uma determinação mais precisa,

chegaria analiticamente a conceitos cada vez mais simples; do concreto representado

[chegaria] a conceitos abstratos [Abstrakta] cada vez mais finos, até que tivesse chegado

às determinações mais simples” (MARX, 2011, p.77). O momento de análise, conforme

Tambara e Oliveira (2011), implica no exame minucioso de cada aspecto do todo que se

5 A expressão “apreensão sincrética” é utilizada por Tambara e Oliveira (2011) em referência ao ponto de

partida da dialética marxiana.

32

procura compreender e tem como resultado, “o completo esquadrinhamento da realidade

em estudo” (TAMBARA; OLIVEIRA, 2011, p. 153).

O passo seguinte se dá por meio da síntese, o qual se inicia pelo caminho inverso

de recomposição do todo, articulando toda a multiplicidade e complexidade de relações

entre seus aspectos constituintes, chegando-se assim à totalidade. Nas palavras de Marx,

a síntese incorreria em “dar início à viagem de retorno até que finalmente chegasse de

novo à população, mas desta vez não como a representação caótica de um todo, mas

como uma rica totalidade de muitas determinações e relações” (MARX, 2011, p. 77). Só

a partir da síntese é que é possível de se compreender a totalidade concreta.

O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, portanto,

unidade da diversidade. Por essa razão, o concreto aparece no pensamento

como processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, não

obstante seja o ponto departida efetivo e, em consequência, também o ponto

de partida da intuição e da representação (MARX, 2011, p. 77-78).

Diante do exposto, corrobora-se aqui com a síntese formulada por Tambara e

Oliveira (2011) para quem o método em Marx está centrado na apreensão da realidade

como uma totalidade complexa multiplamente determinada. Apreensão esta que não

ocorre de modo imediato “sendo necessário fazer incidir sobre a realidade empírica

capturada sincreticamente os momentos de análise e síntese” (TAMBARA E

OLIVEIRA, 2011, p. 154). Síntese semelhante também é apresentada por Kosik (1976)

a respeito do processo dialético de chegada ao conhecimento da totalidade concreta.

Da vital, caótica, imediata representação do todo, o pensamento chega aos

conceitos, às abstratas determinações conceituais, mediante cuja formação se

opera o retorno ao ponto de partida; desta vez, porém, não mais como ao vivo,

mas incompreendido todo da percepção imediata, mas ao conceito do todo

ricamente articulado, e compreendido. O caminho entre a “caótica

representação do todo” e a “rica totalidade da multiplicidade de determinações

e das relações” coincide com a compreensão da realidade. O todo, não é

imediatamente cognoscível para o homem, embora lhe seja dado

imediatamente em forma de sensível, isto é, na representação, na opinião e na

experiência. Portanto o todo é imediatamente acessível ao homem, mas é um

todo caótico e obscuro. Para que se possa conhecer e compreender este todo,

possa torná-lo claro e explicá-lo, o homem tem de fazer um detóur: o concreto

se torna compreensível através da mediação do abstrato, o todo através da

parte. (KOSIK, 1976, p. 36)

É necessário que se tenha presente, contudo, que na concepção dialética

materialista a realidade transforma-se no tempo. Este caminho (síncrese, análise e síntese)

33

sempre será feito de forma que “a realidade é apreendida em seu movimento histórico-

social, como fluxo de relações, nunca como eventos estáticos ou seres definitivos”

(TAMBARA; OLIVEIRA, 2011, p. 155). Corroborando com Kosik (1976), o próprio

sujeito é produzido e reproduzido pela realidade social em que está inserido. Assim, a

síntese não está dissociada da visão de mundo que possui o sujeito que pesquisa

determinada realidade.

3.3 A pesca artesanal na luta de classes

Quando se fala em pesca é preciso se ter presente que esse termo é por demais

genérico. Além da crescente confusão existente com a aquicultura, em que cada vez essa

se apropria dos termos e conceitos daquela, existe uma falta de consenso para discutir as

categorias e particularidades existentes nesse grande setor pesca que envolve uma

complexa rede de diversidades, as quais se relacionam em um movimento que, na maioria

das vezes, é conflituoso. Assim, torna-se de importante relevância para a pesquisa em tela

buscar posicionar a pesca artesanal dentro da pesca.

Antes disto, cabe lembrar que no caso da pesca, como uma atividade que vive da

exploração da natureza, “há uma correlação importante entre a vida social e a

reprodução natural [...] há uma correlação entre a vida social e a reprodução dos

estoques de pescado” (DIEGUES, 1983, p. 95). Desta forma, a reprodução social das

comunidades de pequenos pescadores é influenciada de forma considerável pela

reprodução natural dos cardumes, a qual é imprevisível e foge ao controle do homem. De

forma semelhante a pesca empresarial capitalista, ainda que tenha a possibilidade de

explorar diversos ecossistemas ao mesmo tempo, não está livre da limitação de predação

imposta pela capacidade de reprodução dos estoques. Este seria, segundo afirma Diegues,

“um aspecto importante na análise da atividade pesqueira, esquecido muitas vezes por

aqueles que analisam a pesca como idêntica aos outros setores da divisão social de

produção” (DIEGUES, 1983, p. 95). Dito de outra forma, ao contrário de outros setores,

a pesca reproduz-se condicionada pelas leis naturais de reprodução dos cardumes.

34

Dada a dificuldade de consenso em termos de categorização, no âmbito deste

trabalho optou-se por situar a pesca artesanal de acordo com a caracterização apresentada

por Diegues (1973; 1983; 1988) em que a pesca artesanal é analisada a partir de uma

abordagem marxista. Neste sentido, Diegues (1973), para estratificar a pesca existente no

litoral do estado de São Paulo afirma que “a categorização de indivíduos numa atividade

econômica é uma função, em 1º lugar da especificidade do setor, de seu dinamismo e das

condições em que é realizado e, em 2º lugar, da estrutura social em que a atividade se

insere” (DIEGUES, 1973, p. 110). Assim, para estratificar os pescadores da região

estudada utilizou os critérios de i) relações de trabalho existentes na unidade produtiva;

ii) destino da produção; iii) tecnologia utilizada; iv) ambiente ecológico a ser explorado,

e v) tradição de pesca. Com esta análise, descreve o pescador artesanal como

[...] aquele que na captura e desembarque de toda a classe de espécies

aquáticas, trabalha sozinho e/ou utiliza mão-de-obra familiar ou não

assalariada, explorando ambientes ecológicos limitados através de técnicas de

reduzido rendimento relativo e que destina sua produção, total ou parcial, para

o mercado [...] Ele é um profissional quando faz da pesca seu único meio de

vida ou quando e da atividade pesqueira que retira seus rendimentos.

(DIEGUES, 1973, p.111)

Com base nesta conceituação inicial, Diegues (1983; 1988) aprofunda sua análise

utilizando uma metodologia que parte das relações sociais de produção existentes em

determinada realidade para categorizar as formas de organização da produção pesqueira.

Em um primeiro esforço de aprofundamento Diegues (1983), mantendo a área de estudo

no litoral do estado de São Paulo e partindo da análise das relações entre os agentes da

produção pesqueira, apresenta algumas formas e subformas em que esta se expressa.

[...] percebe‑ se que os agentes da produção pescadores/não‑ pescadores se

relacionam entre si e com as condições objetivas da produção, segundo certas

formas ou modelos que ganham uma existência histórica. Ainda que em dados

momentos históricos uma dessas formas seja a dominante, a mais dinâmica,

elas coexistem e se articulam. Tendo-se em vista as diversas combinações dos

fatores produtivos em relações sociais de produção, constatamos que elas

assumem formas possíveis e algumas subformas: a) a produção pesqueira de

autossubsistência ou primitiva; b) a produção pesqueira realizada dentro dos

moldes da pequena produção mercantil; c) a produção pesqueira capitalista.

No interior da pequena produção mercantil identificamos ainda duas

subformas: a) a pequena produção familiar dos pescadores-lavradores, e b) a

pequena produção dos pescadores artesanais. No interior da produção

pesqueira capitalista encontramos duas subformas: a produção dos armadores

de pesca e a produção das empresas de pesca. (DIEGUES, 1983, p. 148)

35

Ao discutir estas formas e subformas de organização social da produção pesqueira,

o autor apresenta algumas características que as distinguem entre si. Estas formas e

subformas vão novamente ser abordadas por Diegues (1988) em um esforço que buscou

“coordenar sob o ponto de vista teórico” (DIEGUES, 1988, p. 8) a análise das formas da

produção pesqueira, apresentando uma tipologia passível de ser utilizada em outras

regiões do Brasil.

Nesta versão mais acabada da tipologia construída por Diegues (1988), as formas

de organização da pesca são estruturadas agora em três categorias, a saber: 1) Pesca de

subsistência; 2) Pesca realizada dentro dos moldes da pequena produção mercantil; 3)

Pesca empresarial-capitalista. A pesca artesanal está situada em uma subdivisão da pesca

realizada dentro dos moldes da pequena produção mercantil a qual Diegues define suas

principais características.

A principal característica dessa forma de organização é a produção do valor de

troca em maior ou menor intensidade; isto é, o produto final, o pescado, é

realizado tendo-se em vista a sua venda. Isto pressupõe uma certa divisão

social do trabalho já com produtores mais ou menos especializados que não

necessariamente participam da captura. É o caso, por exemplo, do artesão

"fazedor de canoas". Os produtores diretos, nesse caso, são independentes:

proprietários dos meios de produção, incluindo-se aí o "savoir-faire"

tradicional empregado na localização dos cardumes. O trabalho tem em geral

características familiares (nuclear ou extensa), a tecnologia empregada se

caracteriza pelo relativamente baixo poder de predação e o nicho ecológico é

restrito. O processo produtivo gira em torno de instrumentos de produção

(redes, espinhéis, canoas, etc.) apropriados familiar ou individualmente. A

unidade de produção e em geral o grupo familiar ou a vizinhança, sendo a

apropriação do produto regido pelo sistema de partilha ou quinhão (partes do

produto são distribuídas aos produtores diretos). Em suma, o princípio que

norteia essa forma de organização de produção é o da mercadoria, que se

converte em dinheiro através da circulação mercadoria-dinheiro, que é

utilizada para a aquisição de novas mercadorias (M-D-M) (DIEGUES, 1988,

p. 8-9)

No que se refere à pesca artesanal, Diegues apresenta algumas características que,

sem afastá-la da pequena produção mercantil, são particulares desta forma de

organização. Tais características são apresentadas em seis pontos.

Em primeiro lugar, o grupo doméstico, ainda que importante na atividade

pesqueira, não mais constitui a base das unidades de produção e cooperação.

À medida que a pesca deixa de ser uma atividade complementar para tornar-se

a principal fonte de produção de bens destinados a venda, à medida que surge

um excedente, utilizado na compra de embarcações motorizadas, que exigem

uma outra "tripulação", a mão-de-obra mais apropriada nem sempre é a

familiar. De acordo com as novas bases de partilha da produção introduzidas,

36

nem sempre é interessante utilizar um parente como "camarada". Em segundo

lugar, a atividade pesqueira passa a ser a principal fonte de renda, propiciando,

em determinadas situações, uma maior produção de excedente, em cuja

distribuição entre os pescadores passam a ser introduzidos padrões menos

igualitários. O "dono da embarcação motorizada", por exemplo, passa a exigir

um “quinhão maior”, alegando custos maiores na manutenção da embarcação,

pagamento de financiamentos feitos etc. Rompe-se, então, um certo

igualitarismo existente na subforma de produção anteriormente descrita. Com

isto, torna-se mais nítida a diferença entre os proprietários dos meios de

produção e os "camaradas". [...] Em terceiro lugar, esse novo tipo de pesca,

explorando ambientes marinhos e costeiros mais amplos, exige conhecimentos

mais específicos [...] Em quarto lugar, a propriedade dos meios e

instrumentos de trabalho na pesca passa a ser um elemento fundamental em

toda a organização produtiva, ao passo que a "propriedade familiar" deixa de

ser tão importante. Em quinto lugar, há um avanço tecnológico importante

como a introdução da embarcação motorizada, das redes de náilon, de novos

processos de conservação e transporte do pescado etc. Em sexto lugar,

organiza-se todo um processo de comercialização do pescado em que

progressivamente os "atravessadores" individuais vão perdendo

gradativamente o terreno para as “firmas” de compra e financiamento da

produção. (DIEGUES, 1988, p. 11-13, grifos nosso)

Devido a estas características particulares, Diegues mantém a pesca artesanal

dentro dos moldes da pequena produção mercantil, porém estando esta subforma em um

estágio um pouco mais avançado no que se refere ao desenvolvimento das forças

produtivas, passa a classifica-la como pequena produção mercantil pesqueira ampliada.

Segundo Diegues, “é somente nesse estágio que surge o "pescador” como tal, que passa

a viver exclusiva ou quase exclusivamente da sua "profissão"” (DIEGUES, 1988, p. 13).

Ao passo que faz da pesca a sua profissão, o seu principal meio de vida,

[...] o pescador "artesanal" passa a se reproduzir e reproduzir suas condições

de existência na pesca, voltada fundamentalmente para o comércio. O mercado

é o objetivo de sua atividade [...].No entanto, o excedente reduzido e irregular,

a baixa capacidade de acumulação, a dependência total vis-à-vis do

intermediário, a propriedade dos meios de produção, o domínio de um saber

pescar baseado na experiência (e que constitui sua profissão) são elementos

que caracterizam ainda “a pequena pesca mercantil”(DIEGUES, 1988, p. 13-

14).

E é justamente quando o pescador artesanal se torna um profissional, quando o

mercado passa a ser o objetivo de sua atividade, que parece estar o momento em que, na

luta de classes travada na sociedade burguesa, o pescador artesanal é incorporado à classe

trabalhadora. Ainda que esteja organizada em um sistema de produção mercantil, ou seja,

que não tenha chegado a uma organização plena do processo de produção capitalista, a

pesca artesanal faz parte de um todo que é regido pelo modelo de produção capitalista.

37

Desta forma esta “incorporação” pode perfeitamente ser observada através análise da

relação que o pescador estabelece com a mercadoria que produz, relação esta que é

condicionada pela total dependência que o mesmo tem do intermediário, tanto para o seu

financiamento, como para poder comercializar a mercadoria produzida por meio do seu

trabalho.

A relação de dependência do pescador artesanal tem do intermediário, seja ele o

atravessador local ou a empresa capitalista, faz com que o pescado capturado pelo

trabalho do pescador não seja seu, mas sim de um terceiro que não participa do processo

produtivo e que tem o poder não só de adquirir com exclusividade a mercadoria, como

também lhe atribuir o valor que lhe convir. Assim, o pescado passa a ser propriedade do

capitalista, restando ao pescador o papel de empregar seu trabalho para capturá-lo e

entregar ao intermediário. Cria-se então uma relação de estranhamento entre o pescador

artesanal/trabalhador e a mercadoria que produzida por meio do seu trabalho na natureza.

No modelo capitalista “o trabalhador se torna mais pobre quanto mais riqueza

produz, quanto mais sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna

uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria” (MARX, 2004, p. 80).

Esta relação não é diferente na pesca artesanal. Como dito em Diegues (1983), a pesca é

uma atividade de caça em larga escala e a produção social é condicionada pela produção

natural dos estoques. Assim, pela “lei” imposta pelos intermediários, quanto mais o

pescador artesanal captura, mais valor produz, porém, menor é o valor que recebe por

unidade (kg) entregue ao intermediário. Desta forma, quanto mais riqueza produz, menor

é o valor relativo recebido pelo seu trabalho.

Assim que produz o pescado por meio do seu trabalho, que o põe em sua

embarcação, o pescador artesanal se depara com algo que, além de não lhe pertencer,

passa-lhe a ser hostil. Esta mesma “hostilidade” é identificada por Marx quando analisa

a relação do trabalhador com o produto do seu trabalho na sociedade capitalista.

Na determinação de que o trabalhador se relaciona com o produto de seu

trabalho como [com] um objeto estranho estão todas estas consequências. [...]

A exteriorização (Entäusserung) do trabalhador em seu produto tem o

significado não somente de que seu trabalho se torna um objeto, uma existência

externa (äussen), mas, bem além disso, [que se torna uma existência] que

existe fora dele (ausser ihn), independente dele e estranha a ele, tornando-se

uma potência (Macht) autônoma diante dele, que a vida que ele concedeu ao

objeto se lhe defronta hostil e estranha. (MARX, 2004, p. 81)

38

Ora, que outra relação que não de estranhamento existe entre o pescador artesanal

e pescado capturado que necessita ser rapidamente entregue ao capitalista ao preço que

melhor lhe convir? Que outra relação que não de estranhamento existe entre o pescador

artesanal e o pescado que ele captura e que não pode consumir após este ser transformado

em mercadoria? Ao se tornar independente do pescador artesanal, o pescado mercadoria

lhe empurra para a condição de trabalhador que lhe produz mas não tem domínio sobre

ele. O pescador artesanal passa à condição de trabalhador que produz em um processo de

trabalho estranhado, onde o seu trabalho está a serviço de um não trabalhador. Desta

forma, ainda que possua a propriedade dos meios de produção, que se reproduza

socialmente baseado na tradicionalidade, etc., no todo da luta de classes existente na

sociedade capitalista, o pescador artesanal não pode ocupar outra posição que não a de

classe trabalhadora.

Contudo, além deste posicionamento da pesca artesanal como classe trabalhadora

nas relações sociais da produção pesqueira, no que se refere à luta de classes, um outro

aspecto fundamental deve de ser considerado. Trata-se da relação do pescador artesanal

com a natureza e da forma como seu meio de vida é afetado quando a natureza é

apropriada para atender aos interesses das classes dominantes.

Como já demonstrado, a relação homem-natureza está no centro do pensamento

de Marx e exerce papel fundamental na história da luta de classes. Retomando os Debates

sobre a Lei referente ao furto de madeira, é possível notar que, ainda de forma

embrionária, Marx já apresentava este olhar. Nestes artigos, ao se referir ao feudalismo

afirmou que,

O feudalismo, no sentido mais amplo, é o reino animal do espírito, [...] onde a

humanidade é posta em gavetas no sentido próprio do termo [...] no

feudalismo, uma raça se alimenta da outra até chegar lá embaixo, na raça que

como um pólipo grudado na gleba nada possui além de muitos braços para

colher os frutos para as raças superiores, ao passo que ela própria se alimenta

do pó, pois, enquanto no reino animal da natureza os zangões são mortos pelas

abelhas operárias, no reino animal do espírito, as abelhas operárias são mortas

pelos zangões, e isso se dá por meio do trabalho (MARX, 2017, p. 85).

No artigo seguinte, Marx traz uma importante reflexão sobre como, a partir da

apropriação privada da natureza ocorrida no início do sistema capitalista, passou a

39

assumir importante papel na relação das classes sociais com a natureza. Assim, ao discutir

como os despossuídos ignoravam as regras da propriedade privada e confrontavam os

interesses burgueses para satisfazerem suas necessidades fundamentais de existência,

Marx disse

Descobriremos que os costumes que são costumes de toda a classe pobre

sabem captar a propriedade com instinto certeiro por seu lado indeciso;

descobriremos que essa classe não só sente o impulso de satisfazer uma

necessidade natural, mas na mesma medida sente a necessidade de satisfazer

um direito legal. A madeira seca no chão nos serve de exemplo. Sua ligação

orgânica com a árvore, via é tão pequena quanto a pele descascada com a cobra.

A própria natureza representada nos gravetos e galhos secos, quebrados,

separados da vida orgânica, em contraste com as árvores e os troncos

firmemente enraizados, cheios de seiva, assimilando ar, luz, água e terra na

forma que lhes é própria e em sua vida individual, como que o antagonismo de

pobreza e riqueza. É uma representação física de pobreza e riqueza. A pobreza

humana sente essa afinidade e deriva desse sentimento de afinidade seu direito

de propriedade, se modo que, deixando a riqueza orgânico-física para o

proprietário premeditado, ela reivindica a pobreza física para a necessidade e

sua contingência [...] No ato de coletar, a classe elementar da sociedade

humana confronta-se com os produtos da potência elementar da natureza,

ordenando-os. É o que ocorre com os produtos florestais, que constituem um

acidente totalmente contingente da posse e que por sua insignificância não

podem ser objeto da atividade do proprietário propriamente dito; é o que ocorre

com os direitos da respiga, com os da segunda colheita e com outros direitos

consuetudinários desse tipo (MARX, 2017, p. 89-90).

Como visto, a forma de apropriação e uso da natureza tem sido um dos elementos

centrais na luta de classes ao longo da história. No modelo capitalista, a apropriação

privada da natureza para atender aos interesses da classe dominante, não só configura a

disputa direta pelo acesso direto ao bem natural (lenha, terra, água, alimentos, etc.), como

também assume a dimensão das disputas pelo uso do território. Assim, atuando em

ambientes ecológicos limitados e dependendo da integridade destes ambientes para a

reprodução natural dos cardumes, a pesca artesanal passa a enfrentar um outro embate

com a classe dominante. Desta vez pelo direito de acesso a um ambiente ecológico que

garanta sua produção e reprodução social.

Em uma situação paradoxal, ao mesmo tempo em que se verifica que por meio

das relações sociais da produção pesqueira, o pescador artesanal é explorado e

posicionado na luta de classes, também é possível observar que é por meio do trabalho

na natureza que ele se efetiva, não só como trabalhador, mas também como o ser, como

o profissional que vive da pesca artesanal. Para ser pescador artesanal ele necessita do

ambiente ecológico em condições mínimas que garanta a reprodução dos estoques e,

40

consequentemente, a sua produção e reprodução enquanto trabalhador. Contudo, à

medida que as classes dominantes vão se apropriando da natureza para atender seus

interesses, vão gerando impactos no meio ambiente e comprometendo a sobrevivência

das demais classes. Os impactos que as atividades a serviço da acumulação capitalista

podem causar ao ambiente são telegraficamente descritos por Marx e Engels quando os

mesmos afirmam que

A “essência” do peixe é o seu “ser”, a água – para tomar apenas uma de suas

proposições. A “essência” do peixe de rio é a água de um rio. Mas esta última

deixa de ser a “essência” do peixe quando deixa de ser um meio de existência

adequado ao peixe, tão logo o rio seja usado para servir à indústria, tão logo

seja poluído por corantes e outros detritos e seja navegado por navios a vapor,

ou tão logo suas águas sejam desviadas para canais onde simples drenagens

podem privar o peixe de seu meio de existência (MARX; ENGELS, 2007 p.

46-47)

Obviamente que Marx e Engels não estavam escrevendo sobre a atividade

pesqueira, mas o exemplo utilizado por eles mostra que já naquela época os impactos

ambientais decorrentes do modelo de produção adotado poderiam determinar a

“inexistência” dos peixes. Ora, se a pesca artesanal ocorre em território limitado; se a

existência do pescador artesanal é condicionada pela existência do peixe; se os impactos

ambientais decorrentes da exploração da natureza para atender aos interesses da classe

dominante pode inviabilizar a existência do peixe, reside ai outro elemento da luta de

classes que posiciona o pescador artesanal junto à classe trabalhadora: a luta pela

preservação do ambiente onde vive e, consequentemente, pela sua sobrevivência ante os

interesses das classes dominantes.

3.4 Gestão Ambiental Pública e Participação Social

Conforme Sabbatella (2010) o trabalho é o momento em que o homem se relaciona

com a natureza, se apropriando do seu entorno e o transforma para satisfazer suas

necessidades (alimentação, habitação, vestuário, etc.). Quintas (2006) afirma que é dessa

interação entre seres humanos e natureza que emerge o que se conhece por meio ambiente.

41

Contudo, na medida em que o ser humano é ao mesmo tempo um ser natural e um

ser social, as diferentes formas de organização social historicamente construídas acabam

influenciando a forma de interação dos seres humanos com a natureza, o que, por sua vez,

vai influenciar nas relações estabelecidas entre os seres humanos.

No processo de transformação do meio ambiente, de sua construção e

reconstrução pela ação coletiva dos seres humanos– são criados e recriados

modos de relacionamento da sociedade com o meio natural (ser humano-

natureza) e no seio da própria sociedade (ser humano - ser humano). Ao se

relacionar com a natureza e com outros homens e mulheres, o ser humano

produz cultura evidenciada por suas manifestações, ou seja, cria bens

materiais, valores, modos de fazer, de pensar, de perceber o mundo, de

interagir com a própria natureza e com os outros seres humanos, que

constituem o patrimônio cultural construído pela humanidade ao longo de sua

história (QUINTAS, 2006, p. 21, grifo do autor).

Assim, à medida que a sociedade passa a se organizar sob o modelo de produção

capitalista, segundo afirma Sabbatella (2010), as relações seres humanos-seres humanos

e sociedade-natureza se alteram de forma que o trabalho assume um duplo caráter: um

caráter concreto de produção de valores de uso e um caráter abstrato de produção de mais

valia. O primeiro corresponde à relação metabólica homem-natureza. Já o segundo

corresponde a uma relação social imaterial entre capital e trabalho. A necessidade de

produção de mais valia, além de aumentar a necessidade de trabalho humano, por

consequência, aumenta a utilização dos bens naturais e a geração de resíduos que são

devolvidos ao meio ambiente. Para Sabbatella (2010) a propriedade privada acaba por

estabelecer a reificação do objeto natural e sua alienação da natureza, o que se constitui

em elementos chave para o esgotamento dos bens naturais e para a contaminação do meio

ambiente.

[...] en el régimen capitalista, la forma predominante en la cual el hombre se

vincula a la naturaleza es la apropiación privada y la mercantilización. La

producción está dirigida a la obtención de plusvalía relativa a través del

aumento de la productividad; y el mercado está signado por la competencia

entre capitales individuales. Con esas características, la reproducción en escala

ampliada del capital estimula la centralización no solo de los médios de

producción. Para una perspectiva ecológica, cabe enfatizar una restricción cada

vez más pronunciada en el acceso y control de los bienes naturales, que no es

más que la riqueza natural de medios de vida y objetos/medios de trabajo

(SABBATELLA, 2010, p. 73).

Se de um lado as relações sociais de produção baseadas na exploração do trabalho

pelo capital levam a desigualdades sociais, do ponto de vista ambiental a soma das

42

relações sociais de produção com as relações sociedade-natureza leva às desigualdades

ambientais. Ou seja, “a exposição desproporcional dos socialmente mais desprovidos

aos riscos das redes técnico-produtivas da riqueza ou sua despossessão ambiental pela

concentração dos benefícios do desenvolvimento em poucas mãos” (ACSELRAD, 2010,

p. 109). Neste sentido, Sabbatella (2010) afirma que as desigualdades ambientais podem

se manifestar de duas formas: a) a desigualdade no acesso e controle dos bens naturais

– entendidas como assimetrias para acessar e aproveitar e utilizar bens naturais essenciais

à vida como água, terra, energia, pesca e medicamentos tradicionais naturais, etc; b) a

desigualdade de acesso a um ambiente sadio – relacionada com a proteção ao meio

ambiente e com as assimetrias de poder na distribuição dos impactos ambientais

decorrentes de atividades produtivas, tais como contaminação do ar, da água, dos

alimentos provocadas por indústrias, transporte, disposição de resíduos e por grandes

obras.

Estando estreitamente ligadas às formas de organização da sociedade e às

desigualdades sociais, as desigualdades ambientais acabam se transformando e injustiças

ambientais, que são

o mecanismo pelo qual as sociedades desiguais, do ponto de vista econômico

e social, concentram os recursos ambientais sob o poder dos grandes interesses

econômicos e destinam a maior carga de danos ambientais do desenvolvimento

às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos

étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e

vulneráveis (ACSELRAD, 2002, p. 6)

A manifestação dessas injustiças nem sempre é perceptível pelos grupos sociais

afetados. Conforme afirma Quintas (2006) nem sempre estes impactos são perceptíveis,

o que resulta da dificuldade de as pessoas visualizarem as causas e consequências

relacionadas com a ação humana no meio ambiente. Não são raras as vezes em que grupos

sofrem com determinados impactos sem que percebam as causas de sua origem. “O

processo de contaminação de um rio, por exemplo, muitas vezes está distante dos

indivíduos no espaço [...] e no tempo [...]. Para complicar, este processo não apresenta

um efeito visível e imediato [...]” (QUINTAS, 2006, p. 59). Nestes casos, tem-se então o

que Carvalho & Scotto classificam como problemas ambientais, ou seja, “aquelas

situações onde haja risco e/ou dano social/ ambiental e não haja nenhum tipo de reação

43

por parte dos atingidos ou de outros atores da sociedade civil face ao problema”

(Carvalho & Scotto, 1995, apud QUINTAS, 2006, p. 65).

Não em raras situações, por meio do que Acselrad (2010) classifica como

“chantagem locacional6” as corporações a serviço do Capital utilizam-se de situações de

fragilidades sociais, como carência de empregos e de receitas públicas para impor práticas

poluentes e regressão de direitos a determinados grupos sociais. Contudo, nem sempre a

apropriação privada da natureza, a mercantilização dos bens naturais e a distribuição do

passivo aos grupos sociais menos privilegiados são aceitas de forma pacífica. Ao mesmo

tempo em que o capital avança impondo seu rastro de destruição da natureza e das

condições objetivas de vida de determinados grupos sociais, cresce a resistência dos

grupos afetados. As injustiças ambientais passam a ser percebidas pelos atores sociais

afetados, dando origem aos conflitos ambientais que são “aquelas situações onde há

confronto de interesses representados por diferentes atores sociais, em torno da

utilização e/ou gestão do meio ambiente” (Carvalho & Scotto, 1995, apud QUINTAS,

2006, p.66).

[...] o conflito ambiental ocorre porque atores sociais reagem em defesa dos

seus interesses, pela utilização e/ou gestão dos recursos ambientais [...] um

conflito ocorre quando atores sociais tomam consciência de dano e/ou risco ao

meio ambiente, se mobilizam e agem no sentido de interromper ou eliminar o

processo de ameaça. (QUINTAS, 2006, p. 66-67)

A reação de luta contra processo de mercantilização da natureza e contra as

injustiças sociais e ambientais decorrentes do uso dos bens naturais para a acumulação de

capitais, fez emergir no interior do movimento ambiental um segmento que passou a

compreender que a relação sociedade-natureza é condicionada pelas relações sociais que

se estabelecem no interior da sociedade e que, portanto, não basta lutar apenas pela

conservação da natureza externa ao homem. Compreendendo que o acesso aos bens

naturais e a exposição aos riscos ambientais não são, por assim dizer, democráticos, este

movimento passa a lutar pelo que se compreende como justiça ambiental.

6 “[...] jogo político das grandes corporações, que procuram impor aos setores menos organizados da

sociedade a aceitação de níveis de poluição rejeitados por países e setores sociais mais organizados e

criteriosos na definição de restrições a processos poluentes e ambientalmente danosos” (ACSELRAD,

2010, P.111)

44

Acselrad (2010) ao discutir a relação do movimento por justiça ambiental com as

lutas sociais travadas no interior da sociedade, afirma que a luta por justiça ambiental se

ampliou para um conjunto de princípios e práticas que:

a – asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe,

suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas

de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais,

estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b –

asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais

do país; c – asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos

recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos

ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de

políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito; d – favorecem

a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e

organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos

alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso

aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso. (ACSELRAD, 2010,

p.112)

Ao afirmar que a noção de “justiça ambiental” expressa um movimento de

ressignificação da questão ambiental, resultando de uma apropriação singular da temática

do meio ambiente por dinâmicas sociopolíticas tradicionalmente envolvidas com a

construção da justiça social, Acselrad (2010) destaca que esse processo de ressignificação

está associado a uma reconstituição das arenas onde se dão os embates sociais pela

construção dos futuros possíveis. Em tais arenas, cada vez mais a questão ambiental passa

a estar relacionada às questões sociais.

A gestão ambiental pública é “o processo de mediação de interesses e conflitos

(potenciais ou explícitos) entre atores sociais que agem sobre os meios físico-natural e

construído” (QUINTAS, 2006, p.30). Ao tomar as decisões no campo ambiental o Estado

“está de fato definindo quem ficará, na sociedade e no país, com os custos e quem ficará

com os benefícios advindos da ação antrópica sobre o meio físico-natural ou construído”

(QUINTAS, 2006, p.31). Conforme Acselrad (2010) o que está em jogo no centro do

embate acerca da questão ambiental é o modo como se organizam e distribuem no

território as diferentes formas de apropriação dos recursos ambientais e como a existência

de determinadas formas pode afetar as demais.

Assim, se historicamente as arenas políticas têm privilegiado os interesses das

classes dominantes, não é de se esperar que na discussão acerca das questões ambientais

seria diferente. É neste contexto que se insere a discussão sobre a participação da

45

sociedade civil na gestão pública, mais especificamente nas arenas da gestão ambiental

pública.

Nas últimas décadas têm-se visto emergir com grande força a proposta de gestão

participativa como alternativa para os países em desenvolvimento implementarem

políticas em diferentes áreas.Com grande fomento de agências internacionais, muitas

delas ligadas à ONU, e também como resultado de lutas sociais internas, os países

passaram a reestruturar sua ação de forma a criar arranjos institucionais com vistas

possibilitar a participação da sociedade civil nos processos de gestão pública,

transformando a gestão participativa em tema obrigatório, tanto de programas de

governos de esquerda como de governos liberais.

No Brasil, a questão da participação da sociedade civil na gestão pública merece

um olhar específico, pois conforme destaca Dagnino (2004) esta assume uma dupla

dimensão. Por um lado, é resultado da luta das forças populares que com o fim do regime

militar começaram a chegar à administração do aparelho de Estado e agiram no sentido

de buscar compartilhar o poder estatal com a sociedade. Por outro, é parte de uma ofensiva

do capital globalizado que impôs ao país a agenda neoliberal e com ela a reforma

gerencial que minimizou o tamanho do Estado brasileiro, principalmente das áreas

destinadas às políticas sociais, e trouxe consigo o discurso da participação da sociedade

civil por meio da criação das agências reguladoras e da transferência gradativa de suas

responsabilidades sociais para as organizações da sociedade civil.

Se por um lado as forças populares, de acordo com Dagnino (2004), conquistaram

a participação cidadã com a criação legal de conselhos gestores de políticas públicas e,

em sua versão mais radical, com a criação dos orçamentos participativos – OP7, no lado

oposto, sob o discurso do “controle social” e da participação da sociedade civil nas

políticas públicas, foram criadas as agências reguladoras dos serviços públicos, as

organizações não governamentais foram capturadas para exercer um papel que deveria

7Vale-se aqui da experiência vivenciada, com o Orçamento Participativo do Governo do RS (1999-2002) e

da Prefeitura de Pelotas (2001-2004). Cabe registrar ainda a importância que as assembleias do OP no

estado do Rio Grande do Sul tiveram para a criação de políticas públicas para a pesca artesanal. Como

definição, adota-se aqui a apresentada por DAGNINO (2004, p. 96) para quem os Orçamentos

Participativos são espaços públicos para deliberação sobre o orçamento das administrações municipais,

onde a população decide sobre onde e como os investimentos devem ser realizados. Diferentemente dos

Conselhos Gestores, cuja existência é uma exigência legal, os Orçamentos Participativos derivam de

escolhas políticas dos diferentes governos municipais e estaduais.

46

ser do Estado e ainda criou-se toda uma variedade de instrumentos “participativos” para

legitimar os interesses das classes dominantes.

Assim, seja pela luta das classes populares ou por estratégia do capital, em

diferentes níveis, conselhos, comissões, fóruns e demais arranjos institucionais passaram

a ser criados, abrindo espaços para a participação da sociedade civil na tomada de decisão

em diversos temas como saúde, educação, desenvolvimento econômico, desenvolvimento

rural, biossegurança, segurança pública, gestão urbana, meio ambiente, gestão pesqueira,

etc. Neste sentido, não se pode incorrer no equívoco de despolitizar a participação a ponto

de acreditar que a mesma pode ser alcançada apenas pela reunião de atores para discutir

sobre determinado tema em comum.

Sobre a participação, corrobora-se aqui com a concepção de Demo (2009), para o

qual a mesma é conquista em um processo de luta que resulta, não só na participação em

si, mas em alterações na estrutura das desigualdades. Neste sentido, a participação não

ocorre de forma pacífica. Pelo contrário,

[...] a redução das desigualdades só pode ser fruto de um processo árduo de

participação, que é conquista, em seu legítimo sentido de defesa de interesses

contra interesses adversos. Não há porque enfeitar ou banalizar esse processo,

ainda que não deva em si ser necessariamente violento. (DEMO, 2009, P.23)

Em sociedades caracterizadas pelas desigualdades sociais, a classe dominante não

aceitará de forma pacífica a participação da classe menos favorecida. Na medida em que

essa se organiza para a participação àquela reage no sentido de garantir seus privilégios.

As condições da participação no mundo atual são essencialmente conflituosas

e a participação não pode ser estudada sem referência ao conflito social [...]

não podemos fugir à análise da estrutura de poder e da sua frequente oposição

a toda tentativa de participação que coloque em julgamento as classes

dirigentes e seus privilégios [...] Numa sociedade regida mais pelos sistemas

de interesses que pelos de solidariedade, com uma marcada estratificação

socioeconômica, na qual umas classes exploram outras a participação será

sempre uma guerra a ser travada para vencer a resistência dos detentores de

privilégios. (BORDENAVE, 2013, P. 41 - 42)

Em geral, os modelos de participação da sociedade civil propostos por agências

internacionais, e incorporados pelos governos, trazem consigo uma forte carga ideológica

de negação dos conflitos sociais e pregação do consenso. Entretanto, a negação do

47

conflito, ao contrário do que pode parecer, não é uma ação ingênua em busca de um

suposto ambiente colaborativo, mas sim parte de uma estratégia carregada de

intencionalidade para manutenção da estrutura de poder vigente.

Muitas propostas participativas acabam sendo expediente para camuflar novas

e sutis repressões. Particularmente iniciativas do governo, mas também da

universidade, prestam-se tendencialmente a isto. Não é, assim, que o governo

seja incapaz de promover a participação. Mas terá tanto mais condições para

tal quanto mais tomar a sério sua tendência controladora. Na verdade, a

ideologia mais barata do poder é encobrir-se com a capa da participação”

(DEMO, 2009, p. 20).

Se a estrutura social é mantida pela exploração de determinado grupo por outro,

não há possibilidade de se estabelecer um processo de participação baseado na lógica do

“ganha-ganha”. Ganhar para o grupo que se mantêm no topo da pirâmide significa

aumentar os benefícios que obtêm por meio da exploração dos demais. Por outro lado,

para o grupo explorado, o ganho só é possível na medida em que consegue diminuir a

exploração a que é submetido.

No que se refere à questão ambiental, Acselrad (2010) critica a forma como o

Capital tem agido no sentido de utilizar-se dos mecanismos de participação da sociedade

civil para “promover uma ação de antecipação, capaz de capturar os movimentos de

contestação ao padrão dominante de desenvolvimento” (ACSELRAD, 2010, p. 107). O

autor destaca que para garantir seus interesses o Capital aplica um discurso de

transformação do confronto em colaboração, fazendo do embate ecológico uma dimensão

de uma suposta parceria entre sociedade civil e governos.

Neste contexto, considera-se importante a manutenção de uma postura crítica ao

lidar com o tema da participação e da gestão participativa no setor público. Em um

processo de negociação, um pescador artesanal jamais terá as mesmas condições de

participação que têm o proprietário de uma grande empresa de pescado. Logo a

proposição de arranjos institucionais que proponham a participação, mas são baseados

nas regras do jogo que historicamente determinaram a realidade, não irão contribuir para

que, resgatando Demo (2009), algo aconteça na estrutura das desigualdades. Assim, a

promoção da participação da sociedade nos espaços de gestão ambiental, ou seja, a

promoção da gestão ambiental pública deve estar ancorada em uma perspectiva de

promoção da justiça ambiental. Por isso, deve atuar no sentido de explicitar os conflitos

48

existentes, dando voz e vez aos afetados, para só depois buscar tratá-los (os conflitos) em

suas totalidades.

49

4 PROCEDIMENTOS DA PESQUISA

A presente pesquisa foi realizada com base no método de Marx (2011), cotejando

o mesmo com as considerações apresentadas por Kosik (1976), Tambara e Oliveira

(2011) e Netto (2011). Assim, o método está amparado na dialética materialista marxiana,

a qual parte de uma apropriação sincrética do objeto de estudo e, por meio da análise,

chega ao conhecimento da realidade pela totalidade. Todo o processo reflexivo tem como

fio condutor o materialismo histórico.

Desta forma, pode-se situar como o ponto de partida a experiência acumulada ao

longo de 10 anos de contato com as organizações dos pescadores artesanais da Lagoa

Mirim. Neste período, seja na assessoria às organizações dos pescadores (colônias,

cooperativas, associações e grupos informais), ou na atuação como gestor público, por

diversas vezes as questões socioambientais da pesca artesanal na Lagoa Mirim foram

pautadas pelas lideranças dos pescadores. Foi por meio da práxis desenvolvida ao longo

deste processo, nessa relação, com as organizações dos pescadores (hora mais orgânica,

hora mais distante), que foram se formando as inquietações que constituíram a

representação sincrética da realidade, ou seja, o “todo caótico” que foi o ponto de partida

para o desenvolvimento da pesquisa.

O segundo passo do processo investigativo deu-se por meio da análise do objeto,

ou seja, pelo exame minucioso do todo que constitui a realidade estudada. Este passo é

composto pela particularização das partes e pela determinação dos múltiplos aspectos que

compõem o todo. Assim, tendo como objeto a pesca artesanal da Lagoa Mirim, a pesquisa

utilizou a modalidade de estudo de caso para o desenvolvimento da análise. Sobre esta

modalidade de pesquisa, Minayo (2014) afirma que

Os estudos de caso utilizam estratégias de investigação qualitativa para

mapear, descrever e analisar o contexto, as relações e as percepções a respeito

da situação fenômeno ou episódio em questão (MINAYO, 2014, p. 164)

No que se refere às técnicas foram utilizados procedimentos de pesquisa

bibliográfica, análise documental, entrevistas informais e a participação em reuniões dos

fóruns de discussão da gestão ambiental do território. A pesquisa bibliográfica buscou

publicações que tratassem da questão da pesca artesanal de uma forma mais geral, bem

50

como publicações mais específicas relacionadas à pesca local e suas relações com o todo

que envolve a área de estudo. A análise documental foi realizada no sentido de se buscar

documentos citados na bibliografia e que pudessem ajudar na compreensão dos processos

históricos que contribuíram para o conhecimento da realidade.

As entrevistas abertas foram realizadas nos dias 16 e 25 de maio de 2016.

Seguindo as orientações de Gil (2008), que define este tipo de pesquisa é a menos

estruturada possível, tendo como objetivo a coleta de dados para a obtenção de uma visão

geral sobre o problema estudado. Foram entrevistadas quatorze lideranças de pescadores,

dentre as quais, em Jaguarão, um pescador de dupla nacionalidade.

A participação nos fóruns de discussão acerca da gestão ambiental do território se

deu por meio de duas reuniões, sendo uma realizada pelo COMIRIM em 09/07/2015 e

outra realizada pelo Comitê de Gerenciamento das Bacias Hidrográficas da Lagoa Mirim

e do Canal São Gonçalo em 10/10/2016. Cabe registrar que estas foram as únicas reuniões

realizadas por esses fóruns no período do desenvolvimento da pesquisa.

O terceiro passo, ou seja, o momento da síntese, constituiu no processo de

recomposição do todo, agora conhecendo detalhadamente, não só as partes, mas suas

múltiplas relações e determinações. Assim, a realidade da pesca artesanal na Lagoa Mirim

pôde ser compreendida como totalidade concreta. O desenvolvimento das forças

produtivas no território; a forma de apropriação do território; a luta de classes; os

impactos ambientais, a injustiça ambiental e a participação dos pescadores na gestão

ambiental do território, entre outros, uma vez analisados, em uma viagem teórica inversa

foram recompondo o todo ao ponto de se poder chegar ao conhecimento da realidade da

pesca artesanal na Lagoa Mirim. Porém, agora não mais como uma série de inquietações

da práxis, mas como o conhecimento pela totalidade concreta.

4.1 Caracterização da área de estudo

A Lagoa Mirim é uma lagoa costeira binacional localizada no extremo sul do

Brasil, transfronteiriça entre o estado do Rio Grande do Sul e o Uruguai. A Bacia

Hidrográfica da Lagoa Mirim (Figura 1), segundo Piedras et al. (2012) é uma das

51

principais bacias hidrográficas transfronteriças da América do Sul. Está localizada entre

os paralelos 31°30’ e 34°30’S e entre os meridianos 52° e 56°O, correspondendo a uma

superfície de aproximadamente 62.250 km2, dos quais 29.250 km2 (47%) em território

brasileiro e 33.000 km2 (53%) em território uruguaio, constituindo uma bacia

transfronteiriça onde prevalece o regime de águas compartilhadas (BRASIL, 2015).

No que se refere a superfície lagunar, conforme Piedras et al. (2012), possui uma

área de aproximadamente 3.750 Km², destes aproximadamente 2.750 Km² em território

brasileiro e 1.000 Km² em território uruguaio. No lado brasileiro faz margem com os

municípios de Santa Vitória do Palmar, Rio Grande, Arroio Grande e Jaguarão, estando

ainda ligada à Laguna dos Patos por meio do Canal de São Gonçalo, o qual tem uma

extensão de 76 km. Já no lado uruguaio, faz margem com os departamentos de Cerro

Largo, Treinta y Tres e Rocha.

Figura 1 Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim

Fonte: Machado (2002)

Trata-se de uma bacia hidrográfica que nas últimas décadas sofreu significativos

impactos ambientais, principalmente em decorrência do avanço do agronegócio. No que

se refere à pesca artesanal, Piedras et al. (2012) relatam que esta atividade é fonte de

sustento para 449 pescadores residentes nos municípios de Arroio Grande, Jaguarão, Rio

Grande e Santa Vitória do Palmar. Já do lado uruguaio, a pesca artesanal tem menor

importância relativa. Segundo a Dirección Nacional de Recursos Acuáticos - DINARA,

52

em 2014 foram expedidos 08 permisos para a pesca artesanal na região, considerando

ainda 2 tripulantes por embarcação (URUGUAY, 2014).

53

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Marx (2011) ao discutir a distinção entre seus métodos de investigação e de

exposição, afirma que somente após a apropriação da matéria em seus detalhes, formas e

nexos internos, é possível se passar a exposição da síntese. Para ele, “se isso é realizado

com sucesso, e se avida da matéria é agora refletida idealmente, o observador pode ter

a impressão de se encontrar diante de uma construção a priori” (MARX, 2011, p. 129).

Assim, o processo de síntese levou a formulação de uma estrutura para a exposição

dos resultados que é composta por cinco itens. Um primeiro traz uma abordagem sobre

pesca artesanal e luta de classes no Brasil, trazendo uma discussão sobre como se deu a

relação histórica entre os pequenos pescadores e as classes dominantes, bem como as

implicações desta relação para a organização social dos pescadores artesanais brasileiros.

O segundo item traz uma apresentação de como se deu o processo histórico de ocupação

do território e as implicações ambientais causadas pela apropriação privada da natureza.

O quarto item traz então uma discussão acerca da realidade da pesca artesanal na Lagoa

Mirim e é composto por três subitens que articulados buscam apresentar esta realidade: a

produção dos pescadores artesanais da Lagoa Mirim; o processo histórico de constituição

do sujeito coletivo; e o lugar da pesca artesanal na gestão ambiental do território. Por fim,

o último item, mantendo-se na perspectiva dos pescadores artesanais, busca apresentar

possíveis caminhos para a transformação desta realidade.

5.1 Pesca artesanal e luta de classes no Brasil: um olhar histórico para a

organização social dos pescadores artesanais

Partindo-se da premissa de que existe luta de classes e da concepção marxista

acerca do papel desempenhado pelo Estado, buscou-se fazer uma breve reflexão sobre o

como se deu a relação histórica entre o Estado brasileiro e os pequenos pescadores, e

como essa relação determinou a realidade da pesca artesanal, influenciando também na

organização dos pescadores. Neste sentido, ganha grande relevância os trabalhos

54

realizados por L.G. Silva (1988; 2004). Ao analisar a história dos pescadores no Brasil,

quando escreve sobre a pesca no contexto escravista-colonial o autor afirma que

À medida que se expandiu a importância e a necessidade da atividade

pesqueira em geral, durante o período colonial, foram se acentuando as

tentativas de controle de tal atividade pelo Estado colonial, em função dos

interesses das classes dominantes da Colônia, e à revelia dos interesses

concretos dos grupos sociais ligados à pesca [...]qualquer mudança mais

específica no contexto da pesca, dentro das estruturas escravistas da Colônia

ou do Império, resultava no aumento da exploração sobre, o produtor direto,

sempre a mercê das classes dominantes e sem qualquer respaldo das leis do

Estado (L.G. SILVA, 1988, p. 51-58).

O autor analisa um conjunto de ações implementadas pelo Estado, as quais tornam

evidente a intenção de dominação e subordinação dos pescadores, às classes dominantes

da metrópole e da Colônia:

a) O Dízimo do Pescado, implantado em 1534 como a primeira prática do

Estado em relação à pesca e que se estendeu por todo o período Colonial,

no qual um percentual da produção pesqueira (10%) devia ser destinado

aos representantes do Estado.

b) O processo de regulamentação da pesca da baleia que ao longo dos séculos

XVII, XVIII e XIX foi sofrendo alterações pelo Estado, sempre no sentido

de garantir melhores ganhos aos capitalistas e à coroa, sem qualquer

preocupação com a melhoria das condições de vida dos grupos menos

favorecidos, os pescadores, os quais em grande parte do período de pesca

da baleia eram em sua maioria escravos.

c) A organização dos Pesqueiros Reais, os quais se estenderam até a

Amazônia para atender aos interesses econômicos e militares da

Metrópole e da classe dominante da Colônia. Na Amazônia, associados

aos aldeamentos religiosos, estes pesqueiros foram responsáveis pela

exploração das populações indígenas e extinção de seus modos de

produção material e cultural.

d) A instituição do “Rei dos Negros” entre os pescadores escravos.

Transplantada para o Brasil em meados do século XVII dos regimes

adotados para os escravos africanos na Europa, a instituição do “Rei dos

Negros”, no caso da pesca, consistia em possibilitar com que os escravos

africanos que exerciam a pesca elegessem um Rei que exerceria uma

função administrativa vinculada à Capitania e com caráter repressivo. Esse

rei tinha a incumbência de fiscalizar e manter a subordinação dos

pescadores escravos que a ele estavam subordinados. “Não se pode deixar

de inferir que esta foi mais uma forma, encontrada pelo Estado colonial,

de controlar a produção pesqueira e os próprios pescadores, através do

elemento étnico majoritário nesta categoria: o negro africano” (L. G.

SILVA, 1988, p. 61).

55

e) A instauração do monopólio do sal por parte do Estado metropolitano

gerando um rígido controle da produção e comercialização do sal, o que,

por sua vez gerou especulação nos preços e prejudicou sobremaneira a

reprodução material da pesca, levando os pescadores a lutarem contra tal

controle8.

f) A determinação de posturas municipais para os pescadores, as quais desde

o século XVII passaram a ser publicadas pelas câmaras das vilas para

exercer o controle sobre a pesca por meio do controle de redes, da

instituição e arrecadação de impostos.

g) A experiência da primeira Colônia de Pesca no Brasil, Nova-Ericeria, fruto

de uma determinação do Rei de Portugal Dom João VI que em 1817 que,

por meio de um Decreto, ordenou a constituição, de cima para baixo, de

um povoado de pescadores na região de Santa Catarina, na enseada das

Garoupas em Porto Belo.

Com a emancipação da Metrópole e o início da formação do Estado Imperial,

iniciou-se um período de aprofundamento nas intervenções do Estado sobre a pesca. A

classe dominante, ao assumir a constituição e a condução do Estado, logo passou a

construir mecanismos de dominação das camadas populares por meio da ação estatal. Os

pescadores, em sua maioria formada por negros que viviam na condição de escravos, ex-

escravos (quilombolas), alforriados ou filhos livres, ao longo de todo o período colonial

já haviam demonstrado sua capacidade de resistência e espírito de luta. Sobre a

composição étnica dos pescadores neste período, L.G. Silva (1988) afirma que

[...] pela maioria absoluta de negros empregados na pesca e inscritos nas

Capitanias das Províncias do Norte do Império (com exceção do Pará, onde os

índios sempre superavam os 50% do total), pode-se aventar a hipótese de que

a maioria dos pescadores brasileiros eram ex-escravos ou filhos livres ou

alforriados de escravos. De fato, no Sul do Império (Santa Catarina, Paraná e

Rio Grande do Sul) a maioria dos pescadores eram brancos, mas estes eram

uma pequeníssima minoria face aos negros nortistas, pois, os matriculados nas

três Províncias do Sul, ora aludidas, nunca excediam 10% do total dos

matriculados em todo o Brasil (L.G. SILVA, 1988, p. 146)

Além de resistirem ao regime de escravidão, já haviam sito protagonistas em

importantes lutas como a que derrubou o monopólio do sal, na resistência contra a invasão

holandesa no Nordeste e na guerra da independência na Bahia. Aos olhos da classe

8 Silva (1988) lembra que no período colonial o pescado era conservado por meio da salga, para posterior

comercialização nos mercados ou nos engenhos.

56

dominante do novo Império, tratava-se de uma população que, necessariamente, deveria

passar por um processo de “domesticação”. Neste sentido, o Estado apresentou-se como

ferramenta para cumprir essa tarefa.

Particularmente, ao nível da história dos pescadores, assistiu-se, então, a um

processo bem mais intenso de dominação e controle político e econômico da

atividade pesqueira. É bastante que se diga que, por exemplo, nunca se

observou tamanha regularidade e opressão fiscal sobre os grupos sociais que

viviam da pesca, do que no período aqui considerado (L.G. SILVA, 1988,

p.116)

Além da manutenção do dízimo, ao longo do século XIX os pescadores foram

sendo submetidos a um conjunto de impostos, que muitas vezes geravam conflitos entre

pescadores e os cobradores de impostos. Conflitos estes que o Estado resolveu na base da

força, disponibilizando guarda para acompanhamento dos ditos administradores todas as

vezes que os mesmos assim requisitassem para acompanhamento às bancas de pescado.

Uma outra forma de limitar a liberdade de ação dos pescadores neste período se

deu por meio da aplicação de “posturas municipais” que determinavam pontos e regras

para a venda do pescado. L.G. Silva (1988) lembra que em caso de não cumprimento de

tais posturas os pescadores estariam sujeitos a novos tributos ou até mesmo castigos

físicos. O autor também analisa o primeiro processo de regulamentação dos pescadores

no Brasil, o qual teve início em 1846 por meio da obrigatoriedade de os pescadores se

matricularem nas Capitanias dos Portos. Ao analisar-se esse processo é possível perceber

claramente a intenção do Estado em dominar os pescadores para, sem custos à Marinha,

fazer deles um “exército reserva” para eventuais recrutamentos em casos de guerra.

[...] a regulamentação dos pescadores, através das matrículas destes nas

Capitanias, teve um sentido puramente militar. Tratava-se, de uma forma ou

de outra, de ter um controle geral sobre a população marítima de todas as

Províncias do Império, para, através destes dados, substituir paulatinamente o

recrutamento forçado por um outro método, que consistia no chamado ao

serviço militar de parte dos matriculados nas Capitanias, quando fosse

conveniente à Marinha de Guerra. Ora, se a Marinha de Guerra precisava de

contingentes efetivos, por· que não transformar os pescadores em "verdadeiros

marinheiros"? Porque seria antieconômico para a Marinha. A ideia era mantê-

los pescadores, mas na condição de serem "reserva naval", o que não custaria

nada ao Estado, mas apenas aos pescadores. Estes teriam que pagar pela

matrícula nas Capitanias, que além da regulamentação não lhes garantiam

absolutamente nada em termos profissionais. Por outro lado, os pescadores,

enquanto "reserva naval", teriam que se submeter, sobretudo em tempos de

guerra, ao serviço da armada que, normalmente, incluía castigos físicos e

baixíssimos soldos. (L.G. SILVA, 1988, p.135)

57

Instituída para ser um instrumento controle e domínio dos pescadores para

fornecer contingentes aos navios da Marinha, a matrícula na Capitania dos Portos

possibilitou com que o Estado convocasse os pescadores por meio de listagens que eram

elaboradas com base no cadastro (matrícula) existente nas Capitanias dos Portos.

Contudo, conforme mostra L.G. Silva (1988), de forma muda e silenciosa os pescadores

derrotaram a estratégia da Marinha por meio de omissões, fugas e deserções, ora das

matrículas, ora dos recrutamentos, fazendo com que a ideia de recrutar os pescadores por

meio de listagens baseadas na matrícula fosse abandonada, levando o governo a publicar,

em 1874 a Lei que estabeleceu as condições para o recrutamento ao Exército e à Marinha.

Contudo, a vitória dos pescadores sobre a Marinha e sua estratégia de dominação

para colocá-los a serviço da classe dominante foi apenas momentânea. Com o início da

formação da República e da reorganização do Estado para atender a um capitalismo ainda

incipiente, à medida que as forças produtivas do novo modelo começaram a se

desenvolver a dominação dos pescadores deixou de ser apenas um problema militar e

assumiu também um importante viés para garantir os interesses da classe dominante.

Coube então ao capitão de fragata Frederico Villar comandar uma nova ofensiva que se

consolidaria como o golpe fatal para a domesticação dos pequenos pescadores brasileiros:

a criação das Colônias de Pesca.

Embasadas na experiência de países europeus onde o processo de

desenvolvimento do modelo capitalista já estava bem mais adiantado, as colônias de pesca

pertenciam a um “sistema de representação” (colônias, no nível local, federações de

colônias, no nível estadual e confederação geral dos pescadores do Brasil, no nível

nacional) que era estranho aos próprios pescadores. L.G. Silva (2004) destaca o caráter

modernizador desse sistema de representação uma vez que

se fazia necessário adestrar os pescadores numa ética militar e numa nova ética

do trabalho, posto que, por um lado, algum treinamento militar era

imprescindível aos reservistas navais. Por outro lado, tencionava-se destruir os

modos de vida tradicionais antes descritos à medida que se fomentasse uma

campanha pela industrialização da pesca no Brasil (L.G. SILVA, 2004, p. 42)

O próprio Capitão Villar, em sua publicação intitulada “A nacionalização da

pesca e a regulamentação dos seus serviços” quando, ainda nos textos introdutórios

58

avalia os resultados preliminares, revela os verdadeiros interesses que estavam por detrás

da criação desse sistema de representação dos pescadores.

O que já fizemos e o que esperamos realizar - o que já está delineado - como

organisação da Pesca no Brasil, é a synthese perfeita, ideal, de quanto já está

feito e de tudo quanto aspiram realizar os povos marítimos mais cultos da terra!

[...] Instrumentos divinos da Obra que corajosamente emprehendemos,

examinámos a nossa situação e traçámos uma decisão magnífica, orientando o

rumo que imprimimos às Industrias da Pesca em nosso paiz - ás quaes está

intimamente ligada a nossa defeza economica e militar. (VILLAR, 1924, p. 19)

Ao longo deste texto, por várias vezes o Capitão Villar destaca o caráter

econômico e militar dessa “organização da pesca”. Segundo ele,

A Pesca no Brasil não é simplesmente um problema administrativo que

interesse exclusivamente à Marinha de Guerra. Embora já lhe devamos

serviços navaes de grande folego, desde a brilhante parte tomada pelos

pescadores bahianos nas luctas pela Independencia, nas quaes o seu concurso

foi decisivo, no apoio prestado aos bravos da Itaparica e do Reconcavo,

determinando a victoria de Pirajá, a 2 de Julho de 1823; e, logo depois,

substituindo na Esquadra de Cockrane os marujos luzitanos que, apezar das

suas juras de fidelidade ao Brasil, oppuzeram-se traidoramente ao combate,

quando os navios brasileiros enfrentaram a esquadra portuguez de Felix de

Campos; não obstante haverem os nossos pescadores sempre revelado grandes

qualidades militares e assegurado a independência e a unidade nacional

brasileira; não obstante o interessante papel representado pelos nossos praianos

nas guerras da Cisplatina no Paraguay e na gloriosa campanha pela liberdade

dos captivos; apezar dos serviços importantes que nos têm prestado com o

soccorro marítimo, por elles automaticamente organisado em nossa immensa

costa a Pesca é - mais que um simples problema naval - a expressão de um

grande problema nacional! Porque o Brasil é ainda o littoral e do seu directo

contacto com o mar depende a sua riqueza, a sua crescente civilisação e a sua

prosperidade! E nesse littoral e desse littoral vive a Nação, na multiplicidade

de suas actividades - no seu commercio, nas suas lavouras e nas suas industrias

- que não poderão prosperar sem uma grande Marinha Mercante Nacional em

aguas solidamente garantidas por uma forte Marinha de Guerra, da qual a Pesca

é o viveiro, a escola e a grande RESERVA! (VILLAR, 1924, p.53-54)

Com a criação desse sistema de representação, imposto de cima para baixo e

baseado nas colônias de pesca como “órgãos de classe”, criaram-se as condições objetivas

para a desestruturação do modo de vida histórica e culturalmente construído pelas

comunidades de pescadores. A imposição de um novo modo de organização dominado

por agentes externos a cultura da pesca constituiu-se como elemento central desta

estratégia de dominação dos pescadores para atender aos interesses militares e burgueses.

Neste caso, não se trata, desde seu nascedouro, de um “órgão de representação

da classe de pescadores artesanais”, como argumentou uma autora que

desconhece a história dessa instituição, mas de um órgão misto, corporativo,

no qual, através de práticas estabelecidas mediante a ocupação dos postos

59

chaves do sistema, militares e burgueses tentavam inculcar uma ética militar e

uma nova ética do trabalho entre os pequenos pescadores. Só assim poderiam

os militares e setores ligados à burguesia, ou às suas concepções de classe,

impor sua visão de mundo às pessoas comuns. [...] Entre outras coisas, foi

precisamente isto – pulverizar a experiência e a consciência de um dado grupo

profissional – que militares e burgueses procuraram fazer com as pessoas

comuns em questão ao criarem as colônias “de pescadores”. Em suma, num

primeiro momento, a Marinha de Guerra constituiu os “órgãos de classe” dos

pequenos pescadores cooptando exatamente aqueles que os exploravam em seu

cotidiano. Investidos do poder conferido pelas relações de dependência aí

prevalecentes, os comissários de peixe podiam ordenar aos seus prepostos a

filiação à colônia e, ao mesmo tempo, manter sua posição superior na

comunidade através da agregação de uma nova forma de controle sobre estes

– a qual, ainda por cima, era institucionalizada e oficializada pelo Estado

nacional (L.G. SILVA, 2004, p. 43 - 44).

Tendo a Marinha vencido a etapa da “domesticação” dos pescadores, o centro da

ação do Estado em relação aos pescadores passou a ser o atendimento aos interesses

burgueses de implementar um processo de industrialização da pesca. Neste sentido,

Diegues (1983) verifica que até a década de 1930 a pesca era realizada dentro dos moldes

da pequena produção mercantil, quando têm início um outro estágio de desenvolvimento

da pesca industrial através da introdução da pesca da sardinha por traineiras. O autor ainda

afirma que

Até a década de 60, a atividade pesqueira no Brasil, mesmo na Região Sudeste

onde houvera um maior desenvolvimento das forças produtivas, se limitava à

pesca artesanal, e à produção dos armadores, proprietários de algumas poucas

embarcações (traineiras, linheiros, etc.). As empresas de pesca [...] eram raras

e se limitavam à produção do pescado para ser vendido enlatado ou consumido

fresco. Somente no Nordeste haviam-se organizado algumas empresas que

exploravam a lagosta para exportação (DIEGUES, 1983, P. 131).

Até meados do século XX o Estado ensaiou algumas intervenções com vistas a

estimular o desenvolvimento de uma indústria pesqueira, porém a intervenção estatal para

atender aos interesses do capital tem seu ápice na década de 1960. Em 1962 é criada a

Superintendência de Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE e em 1967 é publicado o

Decreto-Lei 221/67, o qual teve o objetivo de implementar uma política de estímulo ao

desenvolvimento de uma pesca empresarial-capitalista no Brasil. Ao mesmo tempo em

que criou uma série de incentivos para a pesca industrial-capitalista, o Decreto Lei 221/67,

instituído em um período de ditadura militar, interviu na organização das colônias,

federações e confederação e ainda instituiu o Registro Geral de Pesca – RGP, obrigando

a todos os pescadores se cadastrarem na SUDEPE.

60

Por um lado, a política implementada pelo Decreto-Lei 221/67 incentivava o

desenvolvimento da pesca capitalista, por outro, implementava mais uma forma de

intervenção e controle sobre a pesca artesanal para quem sobraram apenas alguns escassos

recursos dessa política. Além da intervenção e controle sobre a pesca artesanal, Diegues

(1983) lembra que ao incentivar a pesca empresarial-capitalista e largar a pequena pesca

à própria sorte, o Decreto-Lei 221 de 1967 revelava um claro objetivo de atribuir à

pequena pesca a função de uma reserva de trabalho barata para ser recrutada para a pesca

empresarial-capitalista que, através do domínio da comercialização, também passou a ter

as condições concretas para a apropriação do pescado do setor mais dinâmico da pequena

pesca (a produção dos pescadores artesanais motorizados). Em Diegues (1988) o autor

relata alguns dos resultados da política implementada pelo Decreto-Lei 221/1967.

O resultado dessa política de incentivos maciços, com volumosa importação

de tecnologia não foi animador: grande parte das empresas (muitas firmas

fantasmas) depois de realizarem pesados investimentos em infraestrutura da

terra foram à falência, pois, como resultado da sobrepesca, os recursos

pesqueiros procurados começaram a escassear [...] Por outro lado, a pesca

artesanal, ainda que responsável por uma parcela importante da captura,

recebeu recursos escassos. Além disso, passou a sofrer as pressões da pesca

empresarial-capitalista, cujos barcos pescavam em regiões interditadas, dentro

de baías e estuários, causando uma enorme devastação de recursos pesqueiros,

representada, sobretudo pela "fauna acompanhante" (trash fish) do camarão,

jogada ao mar. Inúmeros conflitos se verificaram entre as duas formas de

organização da produção (DIEGUES, 1988, p. 6-7)

Azevedo e Pierri (2013; 2014) ao analisarem a política pesqueira implementada

pelo Estado com a chegada, no ano de 2003, do Partido dos Trabalhadores ao governo

federal, organizam a ação do Estado entre a década de 1960 até o ano de 2003 em três

períodos. O primeiro período (1964 a 1989), caracterizado pela implementação de uma

política desenvolvimentista, modernizadora e ambientalmente irresponsável. O segundo

período, entre (1989 a 1998), caracterizado pela reação ao período anterior com a

implementação de uma política fundamentalmente conservacionista que, considerando

toda a pesca como depredadora, rompeu com os investimentos no desenvolvimento da

pesca e passou a criar vários instrumentos de gestão pesqueira visando à recuperação de

algumas espécies. O terceiro período (1998 a 2003) caracterizado por fortes conflitos

institucionais entre os interesses conservacionistas e os desenvolvimentistas, com a

retomada de investimentos, ainda que modestos, no setor pesqueiro, os quais eram

prioritariamente dirigidos ao setor empresarial-capitalista representado pela pesca

61

industrial e pela aquicultura empresarial. Sobre os impactos da ação do Estado e de suas

políticas sobre os pescadores artesanais as autoras identificam que

A pesca artesanal ao longo desses três períodos não foi alvo de praticamente

nenhuma ação por parte dos governos, que se centraram ora no

desenvolvimento industrial do setor, ora na conservação e preservação dos

recursos. Desta forma, a condição social dos pescadores artesanais, sua

contribuição econômica e à produção de alimento, e a diversidade de suas

formas culturais de vida estiveram fundamentalmente à margem das preo-

cupações governamentais. Mais do que isso, o resultado das políticas

desenvolvimentistas e conservacionistas, somado ao vazio de políticas

substantivas para a pesca artesanal, determinaram que a maioria dos

pescadores artesanais e suas comunidades ficassem em condições muito

precárias de vida. Assim, eles se constituíram nas principais vítimas da crise

dos recursos pesqueiros, sem ter sido os principais responsáveis de causá-la,

ficando condenados ao empobrecimento e a enfrentar a concorrência desigual

com a pesca industrial e a aquicultura empresarial e os conflitos derivados.

(AZEVEDO; PIERRI, 2014, P 65)

Conforme pode ser observado em Diegues (1995) e L.G. Silva (1988; 2004),

impactados pelo processo de modernização e desenvolvimento da pesca empresarial-

capitalista e pela exploração imposta pelos comerciantes, bem como pelo avanço da

especulação urbana decorrente da expansão das cidades e pela poluição provocada

dinamização econômica da zona costeira, ainda durante a ditadura militar, os pescadores

artesanais começam a se organizar para tentar romper com as amarras impostas pelo

sistema oficial de representação e lutar pela manutenção de seu modo de vida. A estratégia

passava por tentar eleger pescadores para as diretorias das colônias, até então comandadas

por militares e comerciantes, colocando-as a serviço dos interesses dos pescadores.

Com o fim da ditadura militar e o início da redemocratização do país, tendo o

apoio de setores da igreja católica e de alguns partidos progressistas, os pescadores

artesanais protagonizam um movimento que iniciou em 1985 e foi denominado como

“Constituinte da Pesca”, uma ampla mobilização que culminou com a Constituição de

1988 lhes garantindo importantes direitos como a equiparação das colônias à condição de

sindicatos e a possibilidade de se organizarem em sindicatos livres e independentes da

tutela do Estado. Diegues (1995) e L.G. Silva (2004) destacam outras importantes

conquistas do processo da Constituinte da Pesca como o impulso na organização dos

pescadores e na consciência de que os mesmos se constituíam como produtores de

alimento e não como meros objetos de programas sociais; na contribuição para a

preservação ambiental de alguns ecossistemas e na criação do Movimento Nacional dos

62

Pescadores – MONAPE, sendo este o desdobramento do acúmulo organizativo oriundo

da Constituinte da Pesca.

Emergindo de uma mobilização de resistência dos pescadores, segundo Diegues

(1995) o MONAPE reuniu lideranças dos pescadores, não necessariamente representantes

de colônias, em uma luta que tinha a finalidade de democratizar as colônias e fazer valer

as conquistas garantidas pela Constituição de 1988, bem como lutar pela melhoria nas

condições de vida e de trabalho dos pescadores. O autor ainda destaca que um dos temas

centrais da luta do MONAPE foi a conservação dos habitats marinhos e fluviais como

condição básica para a sustentabilidade da pesca artesanal. Embora tenha tido uma

atuação mais focada nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, o MONAPE protagonizou

importantes lutas e conquistas dos pescadores artesanais, tanto no que se refere às

questões ambientais como no que se refere às políticas públicas. Foi a partir desta luta

que começaram a surgir algumas políticas públicas mais orientadas para a pesca artesanal.

Contudo, ao se remover da superfície a espuma que encobre a luta de classes no

mundo das águas, uma análise mais minuciosa deste processo revela que, em que pese as

políticas públicas tenham representado como conquistas da luta dos pescadores

artesanais, em alguns casos foram instrumentos utilizados pelas classes dirigentes para

novamente intervir na organização dos pescadores, algumas vezes de forma mais incisiva,

outras de forma mais sutil9. Para ilustrar esta afirmação, apresenta-se a seguir uma breve

síntese sobre três situações foram separadas apenas com o objetivo didático, mas que

estão articuladas em um complexo todo maior: i) o aparelhamento político-financeiro

realizado pelo sistema de representação dos pescadores com a política do seguro

desemprego; ii) as articulações entre a Federação dos Pescadores do estado do Rio Grande

do Sul conflito entre pescadores artesanais e a pesca “amadora”; iii) as políticas públicas

após a chegada do Partido dos Trabalhadores no Governo Federal e suas implicações na

organização dos pescadores artesanais..

i) O aparelhamento político-financeiro realizado pelo sistema de

representação dos pescadores com a política do seguro desemprego. No que se refere

ao aparelhamento feito com a política do seguro desemprego do pescador artesanal, é

9Importante destacar que a reflexão que segue, embora eventualmente recorra a algumas fontes, tem como

base a experiência vivenciada junto às lutas do Movimento dos Pescadores Profissionais Artesanais –

MPPA e de outras organizações da pesca artesanal.

63

importante destacar que o mesmo surge como resultado de uma luta legítima dos

pescadores artesanais que passaram a reivindicar algum tipo de assistência financeira na

época em que eram impedidos de exercer sua atividade pela instituição dos períodos de

defeso para a reprodução das espécies. Assim, fruto desta luta, o seguro desemprego do

pescador artesanal foi concebido pela Lei 8.287 de 1991.

Contudo, ao condicionar o acesso ao seguro desemprego, além do RGP, a um

atestado fornecido pelas colônias, o Estado transformou o acesso ao seguro desemprego

em um instrumento de barganha e clientelismo nas mãos das direções das colônias. Tendo

tamanho poder, as direções passaram a utilizar esse atestado como uma importante fonte

de renda, obrigando os pescadores de forma geral vivendo em precárias condições, a

quitarem as mensalidades com a colônia para poder recebê-lo. Assim, as colônias

passaram a aumentar sua arrecadação e foram se fortalecendo economicamente,

possibilitando a manutenção do poder com os presidentes comprometidos com interesses

antagônicos aos dos pescadores artesanais.

O resultado imediato deste processo foi que os movimentos de oposição que

vinham em uma crescente acabaram se enfraquecendo e as colônias, embora livres pela

Constituição Federal de 1988, voltaram a manter um vínculo umbilical com o Estado.

Não demorou muito para que este aparelhamento tornasse a estrutura das colônias em

uma rede de verdadeiros balcões de negócios, onde o acesso ao seguro desemprego, fruto

da luta dos pescadores artesanais, passou a ser tratado como mercadoria para atender a

interesses escusos, entre eles os interesses político partidários.

Ao longo das últimas décadas foi incontável o número de investigações que

constataram fraudes e desvios de interesse nesta política pública. Tal situação a tem

afastado cada vez mais de seus objetivos iniciais, o que já faz com que surjam posições

de agentes do Estado que questionam a sua viabilidade e a necessidade de sua

continuidade.

ii) As articulações entre a Federação dos Pescadores do estado do Rio Grande

do Sul conflito entre pescadores artesanais e a pesca “amadora”.

No que se refere à posição da Federação dos Pescadores do estado do Rio Grande

do Sul no conflito entre pescadores artesanais e a pesca amadora existente neste estado

da Federação, trata-se de um caso emblemático de deturpação do caráter representativo

64

de uma organização de classe! Segundo Diegues (1995) a Federação dos Pescadores deste

estado foi uma das quatro primeiras federações a serem “conquistadas” democraticamente

pelos pescadores. Antes da constituição de 1988, os pescadores haviam conquistado as

federações de Pernambuco (1984) e Alagoas (1987). Logo após a promulgação da

constituição de 1988, entre dezembro daquele ano e fevereiro de 1989, foi a vez de os

pescadores conquistarem as federações de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

Porém, no ano de 1994, para atender seus interesses financeiros, a Federação dos

Pescadores e boa parte de suas colônias iniciam um conluio com o Estado em que deram

de ombros para os interesses dos pescadores artesanais e passaram a tratar a “pesca

esportiva” como a “galinha dos ovos de ouro” (porque não, a tainha das ovas de ouro).

Iniciou-se assim um processo de aparelhamento político-financeiro em que Estado e as

“organizações dos pescadores” se aliaram às classes dominantes, dando origem a um dos

maiores conflitos da pesca artesanal do Rio Grande do Sul e que até os dias atuais ainda

não está resolvido.

Esta situação começou em 1994, quando o Deputado Estadual Valdir Fraga, do

Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, apresentou o Projeto de Lei - PL nº 33/94 que

buscava dispor sobre a pesca artesanal no Estado do Rio Grande do Sul. Na justificativa

do referido Projeto de Lei o deputado afirmou que:

Precisamos valorizar e propiciar a participação dos sindicatos dos pescadores

e das colônias de pescadores que praticam a pesca artesanal, pois no nosso

entendimento estes são os verdadeiros representantes legais e identificados

com a prática e a vida do pescador artesanal, porém encontram-se

desprotegidos, sem legislação que lhes permita ter sua situação regularizada,

junto aos poderes púbicos (FRAGA, 1994, p. 2)

Contudo, é na Lei 10.164 (Rio Grande do Sul, 1994a) e suas alterações que pode

ser verificada a verdadeira intenção de tal “nobre iniciativa”. Com menos de três meses

entre o protocolo do PL e o seu sancionamento, a referida Lei10, em que pese tenha

explicitado de forma clara que a pesca artesanal é uma atividade profissional, em seu

artigo 4º define que

A Federação dos Pescadores do Estado do Rio Grande do Sul ficará

responsável pelo cadastramento, confecção e expedição das Carteiras de

Habilitação do Pescador Artesanal, que será o documento hábil para o

10 Esta redação foi dada pela Lei nº 10.936/97, a qual deteve-se unicamente ao artigo 4º.

65

exercício da atividade pesqueira artesanal (RIO GRANDE DO SUL, 1997, p.

1).

Após o sancionamento desta Lei, criaram-se as condições objetivas para a

configuração de uma tríplice aliança que iria atuar de forma a atentar violentamente

contra os interesses dos pescadores artesanais. De uma ponta o Estado criara condições

para repassar suas responsabilidades para a Federação dos Pescadores, contentando-se

com que 15% do valor arrecadado com a emissão de carteiras e taxas retornasse para o

Batalhão Ambiental da Brigada Militar11. Esta, por sua vez, agindo de forma astuta, fez a

alquimia incorporar no conceito de pesca artesanal, também a “pesca esportiva”. Assim,

mediante pagamento para a Federação dos Pescadores, um segmento da sociedade gaúcha

que não dependia da pesca para sobreviver e que historicamente vinha entrando em

conflito com os pescadores artesanais, passou a ser “oficializado” mediante a criação pelo

governo do estado de uma carteira de “pescador artesanal” expedida pela Federação. Com

a regulamentação desta Lei, os “pescadores artesanais” que não eram profissionais, com

o porte das carteiras que ficaram conhecidas no meio como carteiras amarelas passaram

a ter direito de utilizar até 200 metros de redes por pescador.

Principais responsáveis pela arrecadação das colônias e da Federação estes

“artesanais amarelos”, com veículos e equipamentos em condições de grande

superioridade em relação aos pescadores artesanais, passaram a competir pelos

pesqueiros em condições desiguais, instaurando crise e insegurança nas comunidades de

pescadores artesanais. Tal situação, que também é descrita por Pasquotto (2005),

arrastou-se até o ano de 2005 quando, finalmente, após mais de uma década esta Lei é

derrubada por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade12.

Porém, parafraseando Marx (2000), no ano de 2006 o conflito ressurge, desta vez

não mais como tragédia para os pescadores artesanais, mas como farsa sorrateiramente

articulada contra os seus interesses. Com a derrocada da Lei 10.164/1994, nos primeiros

meses de 2006 os Deputados Estaduais Adilson Troca, do Partido da Social Democracia

Brasileira – PSDB e Gerson Burmann, do Partido Democrático Trabalhista – PDT,

11 Polícia Militar do estado do Rio Grande do Sul. 12 Em abril de 2005 o Superior Tribunal Federal acatou a ADI 1245, movida contra os dispositivos desta

Lei.

66

chamando para si a defesa dos interesses financeiros das colônias e Federação, bem como

a defesa daqueles pescadores eventuais das carteiras amarelas, protocolam o Projeto de

Lei nº186/2006. Este projeto de Lei, que na prática tinha como objetivo retomar o amparo

legal para que a “pesca esportiva” continuasse se utilizando das benesses resultantes da

Lei nº 10.164/94, foi apresentado com a seguinte justificativa:

A Constituição Federal, em seu art. 24, VI, dispõe expressamente: “Art. 24 -

Compete à União, aos Estados (grifo) e ao Distrito Federal legislar

concorrentemente sobre [...] VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da

natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e

controle da poluição (grifo).[...] § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a

competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais (grifo). § 2º - A

competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a

competência suplementar dos Estados (grifo).[...]” O principal diploma legal

federal que dispõe sobre pesca conceituando-a, classificando-a em categorias

gerais, caracterizando-a do ponto de vista comercial, profissional, desportivo,

fixando normas para seu licenciamento, estabelecendo princípios relativos a

permissões, proibições, concessões, fiscalização, infrações, penas e multas, é

o Decreto-Lei 221, de 28 de fevereiro de 1967. Prudentemente, o Decreto-

Lei omite regular matéria relativa às peculiaridades dos Estados. Não

dispõe, por exemplo, sobre a pesca semiprofissional e esportiva, tal como

está definida pelo presente Projeto de Lei e que abrange grande parte dos

pescadores do Rio Grande do Sul, contingente expressivo do contexto

pesqueiro gaúcho, extremamente necessitado de estímulos, organização e

disciplinamento. A tentativa de suprir esta lacuna legal foi feita através da Lei

estadual nº 10.164, de 11 de maio de 1994. Lamentavelmente continha

imprecisões de redação, incorrendo em dificuldades de ordem

constitucional, a ponto de ser atacada por uma Ação Direta de

Inconstitucionalidade movida pela Procuradoria-Geral da República e

acatada pelo Supremo Tribunal Federal. Em consequência, ficaram sem

lei e sem proteção os pescadores acima mencionados, o maior número em

nosso Estado. Objetivando suprir este vazio legal, propomos o presente

Projeto de Lei, mantendo as necessárias cautelas para que a ação do Estado

seja meramente suplementar à legislação federal, como preceitua a

Constituição. A definição de pesca semiprofissional e esportiva não contraria

o conceito de pescador profissional disciplinado na Lei federal. Suplementa-o,

atendo-se às peculiaridades locais. Tal não poderia ser feito pela legislação

federal, que extravasaria os limites das normas gerais ditadas

constitucionalmente. Se for aprovada, a iniciativa terá reflexos positivos

imediatos para os pescadores mais necessitados, especialmente aqueles

atendidos pelas Colônias e Federação de Colônias de Pescadores do Rio

Grande do Sul. (TROCA; BURMANN, 2006, p. 1, grifos nossos)

Alegando que estas modalidades de pesca (semiprofissional e esportiva) eram

praticadas “como atividade econômica suplementar, ou como lazer e desporto” (TROCA;

BURMANN, 2006, p. 1), e que ambas constituíam “um contingente expressivo e

extremamente necessitado de estímulos”, o referido PL propunha, não só reabilitar para

a utilização de petrechos exclusivos da pesca profissional toda uma outra parcela da

sociedade que não tinha na pesca seu modo de vida e que era representada, entre outros,

67

por profissionais liberais, servidores públicos, empresários, etc. Além disso, para permitir

o transporte e a comercialização do pescado oriundo desta pesca, o projeto propunha a

criação de uma zona cinzenta entre a pesca profissional e a pesca amadora, criando uma

nova categoria de pescador denominado semiprofissional.

Com apoio irrestrito da Federação dos Pescadores e propondo a criação de uma

lei para amparar uma pesca especulativa que vinha há muito tempo entrando em conflito

com a pesca artesanal, principalmente nas águas interiores, o PL186/2006

dissimuladamente ainda alegara que, caso fosse aprovado, resultaria em benefícios

imediatos para os pescadores mais necessitados atendidos pelas colônias e pela

Federação. No dia em que o PL foi à votação no plenário da Assembleia Legislativa13,

enquanto alguns pescadores e pescadoras artesanais acamparam em frente ao prédio da

Assembleia, lideranças do Movimento dos Pescadores Profissionais Artesanais – MPPA

passaram o turno da manhã visitando os gabinetes dos deputados, pedindo que não

aprovassem o referido PL. Contudo, antes de iniciar a sessão plenária, a Federação dos

Pescadores do Rio Grande do Sul, juntamente com a Colônia de Pescadores de Porto

Alegre, desembarcaram algumas centenas de pessoas que, impedidas de conversarem

com os pescadores que estavam acampados, dirigiram-se ao plenário para, nas palavras

do único pescador com quem se conseguiu falar durante um furo no isolamento “apoiar

um projeto que era bom para o pescador”.

Assim, o projeto que novamente autorizava a prática da pesca especulativa que

atentava contra os pescadores artesanais, mas que fora justificado pelos deputados e pela

Federação dos Pescadores como sendo em seu benefício, conforme pode ser observado

na ata da sessão14, foi à votação e foi aprovado com 25 votos favoráveis e 8 votos

contrários, sendo esses últimos das bancadas do Partido dos Trabalhadores – PT e do

Partido Comunista do Brasil – PCdoB. Aprovado pelo legislativo, o projeto de lei nº

186/2006 foi transformado na Lei nº 12.557/2006, a qual definiu como as “modalidades”

de pesca semiprofissional e esportiva como aquelas “praticadas por brasileiros ou

estrangeiros, utilizando ou não embarcação pesqueira, sem vínculo empregatício com

empresa, como atividade econômica suplementar, lazer ou desporto” (RIO GRANDE

13 Este relato é embasado pela presença nas manifestações realizadas pelo MPPA no dia da votação. 14 Disponível em

<http://www2.al.rs.gov.br/taquigrafia/Transcri%C3%A7%C3%B5es/Sess%C3%B5esPlen%C3%A1rias/t

abid/5478/ID_SESSAO/453/language/pt-BR/Default.aspx>. Acesso em:26 de junho de 2017.

68

DO SUL, 2006, p.1). Já no seu artigo segundo afirma que “o pescador semiprofissional

ou esportivo deverá, anualmente, cadastrar-se e habilitar-se para o exercício da

atividade na Federação de Pescadores do Estado do Rio Grande do Sul, sem

obrigatoriedade de filiação a esse órgão” (RIO GRANDE DO SUL, 2006, p. 1).

Além de remeter novamente para a iniciativa privada uma função que é exclusiva

do Estado, esta nova Lei ainda eximiu os beneficiários das carteiras amarelas de estarem

filiados às colônias e de qualquer modalidade de controle. Apenas com o simples

pagamento de uma taxa para a Federação e estabelecida pela Federação, o pescador

semiprofissional ou esportivo receberia “habilitação para exercer a atividade” (RIO

GRANDE DO SUL, 2006, p.1). Nesta segunda versão, em mais uma manobra sorrateira

para tentar garantir os interesses da pesca especulativa, também foi criado um artigo

específico para tratar dos petrechos permitidos para tais modalidades.

Art. 5º - A limitação e a proibição de locais de pesca, quantidade de pescado,

períodos de defeso e petrechos a serem utilizados obedecerão ao disposto na

legislação federal e estadual. Parágrafo único - Na pesca semiprofissional e na

pesca esportiva poderão ser utilizados os seguintes petrechos: I - linha de mão,

caniço, punçá, molinetes e carretilhas; II - em mar aberto, espinhéis de até 100

anzóis, e em arroios, rios, lagoas e açudes, espinhéis de até 50 anzóis; III - em

mar aberto, tarrafas com malha de, no mínimo, 25 milímetros, e em arroios,

rios, lagoas e açudes, tarrafas com malha de, no mínimo, 50 milímetros; IV -

em mar aberto, rede passeadeira com malha de, no mínimo, 70 milímetros, ou

rede de calão, âncora e poita, com malha de, no mínimo, 100 milímetros; e V

- em arroios, rios, lagoas e açudes, rede com malha de, no mínimo, 100

milímetros, com dimensão máxima de 50 metros por pescador (RIO GRANDE

DO SUL, 2006, p. 1-2)

Sem, em nenhum momento fazer a distinção entre as “categorias”

semiprofissional e esportiva, a Lei nº 12.557/2006, não só garantiu novamente o direito

de utilização de petrechos profissionais para pessoas que não eram pescadores

profissionais, como também abriu a possibilidade de que este tipo de pesca especulativa

fosse realizada também por estrangeiros. Tudo isto com o apoio irrestrito dos dirigentes

da Federação dos Pescadores do Rio Grande do Sul, focados única e exclusivamente no

aparelhamento político-financeiro que tal instrumento proporcionaria.

69

Mas os articuladores da farsa, convictos de que tinham maioria para aprová-la, ao

enxertarem tantas aberrações em sua segunda Lei, acabaram brechas para que a

Presidência da República, na época comandada pelo Partido dos Trabalhadores, ajuizasse

a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3229 contra os dispositivos de tal Lei. Desta

forma, ainda no ano de 2006, em decisão liminar do Supremo Tribunal Federal suspendeu

os efeitos da Lei nº 12.557/2006. Porém, até os dias atuais, uma vez que tal liminar ainda

não foi julgada pelo plenário da corte, a situação ainda não está resolvida.

iii) As políticas públicas após a chegada do Partido dos Trabalhadores no

Governo Federal e suas implicações na organização dos pescadores artesanais.

Em nível nacional, com a chegada do Partido dos Trabalhadores – PT ao governo

federal no ano de 2003 criaram-se grandes expectativas de que as pautas históricas dos

pescadores artesanais passassem a ser atendidas. De fato, como afirmam Azevedo e Pierri

(2013) a pesca artesanal foi atendida como jamais havia sido antes. Porém, entre os

interesses do Capital e os interesses das comunidades de pescadores artesanais, o Estado

fez a opção pelo Capital.

No campo macro, a implantação de uma agenda desenvolvimentista fez emergir,

principalmente ao longo da costa, diversos conflitos ambientais, alguns bastante

violentos, envolvendo as comunidades de pescadores artesanais e os interesses do Capital.

Em muitos casos financiados com recursos públicos, grandes obras de infraestrutura

como hidrelétricas, estradas, portos e hidrovias, e grandes empreendimentos privados,

como àqueles ligados ao agronegócio, à aquicultura, à indústria de exploração de petróleo

e gás, indústria naval e ao turismo, passaram a ameaçar de forma substancial a reprodução

social dos pescadores artesanais.

No que se refere à política pesqueira, a criação de um órgão específico e

hierarquizado para tratar do desenvolvimento do setor pesqueiro (Secretaria Especial de

Aquicultura e Pesca da Presidência da República – SEAP/PR e posteriormente Ministério

da Pesca e Aquicultura – MPA), associado à constituição de espaços de interlocução entre

sociedade civil e governo (Conselho Nacional de Aquicltura e Pesca - CONAPE,

Conferências de Aquicultura e Pesca etc.) apresentaram-se como uma grande esperança

para as lideranças da pesca artesanal que mergulharam em uma relação acrítica com o

governo, acreditando que estavam construindo um novo momento para a pesca artesanal.

70

E de fato estavam! Sem se dar conta que, ao fim e ao cabo, estavam ajudando a tecer a

rede que serviria ao Capital, as lideranças dos pescadores mobilizaram suas bases e

debruçaram-se na construção das conferências de aquicultura e pesca, e no fortalecimento

do CONAPE, legitimando uma a construção de uma política que prioritariamente tratou

dos interesses da aquicultura empresarial e da pesca empresarial-capitalista, interesses

estes na maioria dos casos antagônicos aos interesses da pesca artesanal.

A ampliação do acesso ao seguro desemprego nos períodos de defeso e a

consequente disputa sobre qual seria a forma de acesso, associados à implementação de

uma “negociação de balcão” sobre o destino dos recursos para a pesca artesanal foram

elementos centrais a cooptação e manipulação de lideranças da pesca artesanal que

cegaram-se lutando entre si enquanto as grandes questões da aquicultura e da pesca

industrial eram tratadas em larga escala. De uma forma bastante intensa, o sistema de

representação oficial dos pescadores assumiu o papel de braço do Estado.

Um exemplo simbólico da relação utilitarista que o Estado estabeleceu com a

pesca artesanal neste período materializou-se de forma inequívoca em 2009 em Itajaí -

SC. Iludidos de que a inversão na ordem das palavras pesca e aquicultura significaria

também uma inversão na lógica que vinha sendo implementada até o momento pela

SEAP/PR, lideranças de diversas regiões do país dirigiram-se até o coração da pesca

industrial-capitalista para aplaudir a criação do MPA e a publicação da nova Lei da Pesca.

Cabe registrar que apesar de ser o maior pólo de pesca industrial, em fevereiro de 2017,

segundo dados do RGP, Itajaí possuía apenas 225 pescadores registrados, sendo 188

industriais e 37 artesanais.

Porém, o que se viu foi que nem a nova Lei da Pesca nem a criação do MPA

refletiu em avanços para a pesca artesanal. Ao contrário disso, a centralização do poder

de gestão da pesca no MPA serviu muito bem aos interesses da pesca empresarial-

capitalista, que, bem articulada política e economicamente, soube muito bem aproveitar

a oportunidade para garantir seus interesses nos mecanismos de gestão construídos sob o

novo arranjo político da estrutura de Estado. Alguns desses mecanismos, como o Plano

de Gestão da Tainha (publicado em 2015)15 afetam mortalmente as comunidades de

15BRASIL. MINISTÉRIO DA PESCA E AQUICULTURA; MINISTÉRIO DO MEIO

AMBIENTE. PLANO DE GESTÃO PARA O USO SUSTENTÁVEL DA TAINHA, Mugil liza

Valenciennes, 1836, NO SUDESTE E SUL DO BRASIL. Brasília: MPA/MMA, 2015. 238 p.

71

pescadores artesanais16. Aos pescadores artesanais, na verdade, coube o papel base

política para valorizar o MPA como moeda de troca em negociações que envolviam a

construção de maioria no Congresso Nacional. Desde sua criação em junho de 2009 até

sua extinção em outubro de 2015 o MPA esteve sob o comando de seis ministros. Uma

interessante síntese sobre a atuação do Estado para a pesca artesanal no período entre

2003 e 2011 foi apresentada por Azevedo e Pierri (2014)

Grandes projetos de infraestrutura, como represas hidrelétricas, portos e

estradas, grandes empreendimentos públicos e privados, como a exploração de

petróleo, fazendas de carcinicultura, hotéis resorts, e complexos industriais

pressionam cada vez mais aos pescadores artesanais, que não contam com

nenhuma proteção especial que lhes garanta a permanência nos seus territórios

e a manutenção de seus modos de vida, os elementos centrais e fundamentais

para a sobrevivência da pesca artesanal, em face dos conflitos e disputas nos

quais estão envolvidos, tanto em terra quanto em mar. A política para o setor

pesqueiro não somente não escolhe aos pescadores artesanais como

destinatários privilegiados do apoio do governo, senão que a prioridade dada

ao crescimento produtivo e a eleição da pesca industrial e da aquicultura

implicam, por um lado, o incremento da escassez de recursos pesqueiros, e,

por outro, a privatização das águas, que já começou, processos que fragilizam

ainda mais a pesca artesanal. No conjunto, a atuação governamental dos

últimos anos, detrás de um discurso de suposta sensibilidade social e

responsabilidade ambiental, e apesar da diminuição imediata da pobreza, tem

contribuído para aumentar a vulnerabilidade e a situação de injustiça ambiental

sofrida pelas comunidades pesqueiras artesanais (AZEVEDO; PIERRI, 2014,

p 77).

Do ponto de vista da luta dos pescadores artesanais, a cooptação de lideranças foi

tamanha a ponto de até mesmo as lideranças que haviam participado do processo da

Constituinte da Pesca e da criação do MONAPE praticamente não apresentarem

resistência em relação aos conflitos ambientais que os pescadores passaram a enfrentar.

Enquanto os presidentes de Colônias viravam verdadeiros despachantes naufragados na

burocracia das políticas públicas de assistência social e de gestão pesqueira, condição esta

disputada visceralmente com associações de pescadores que pipocaram pelo país com o

intuito de virarem “minicolônias”, as comunidades de pescadores artesanais, sem

qualquer proteção do Estado, sozinhas passaram a enfrentar, só e bravamente ao avanço

do Capital sobre seus territórios e as ameaças aos seus meios de vida.

16Walter et al. (2017) demonstram que este plano, na verdade, se constitui em um disfarce completo, onde

em nome da sustentabilidade propõe ações de manejo que ao mesmo tempo que inviabilizam a pesca

artesanal, por não levar em conta a sua tradicionalidade, implementam a privatização do recurso pesqueiro

para atender o interesse da pesca industrial e da exportação de ovas de tainha.

72

No ano de 2010, reunidos em Santo Amaro, no recôncavo baiano, palco da luta

dos pescadores pela emancipação do Brasil, desacreditados da luta pela via de

representação oficial instituída pela Marinha de Guerra para servir aos interesses militares

e da burguesia, um conjunto de lideranças de pescadores e pescadoras artesanais, com o

apoio de setores da igreja católica, rompe com lógica da luta pela via institucional e dá

início a uma nova forma luta. Assim é criado o Movimento dos Pescadores e Pescadoras

Artesanais – MPP, que traz três fortes ideias centrais: o rompimento com a tutela do

Estado, a defesa do território tradicional das comunidades e a associação com outros

movimentos de trabalhadores em busca de transformações estruturais na sociedade

brasileira. Neste sentido, em sua Carta de criação o MPP afirma que:

Decidimos assumir um novo nome para o movimento com objetivo de

simbolizar o rompimento com um modelo institucional e representativo que

não foi capaz de acolher as lutas e sonhos dos povos das águas. Assim, não

estamos vinculados a qualquer instituição [...] Afirmamos como nossas

principais bandeiras de luta: defesa do território e do meio ambiente em que

vivemos. Lutamos pelo respeito aos direitos e igualdade para as mulheres

pescadoras; pela garantia de direitos sociais; por condições adequadas para

produzir e viver com dignidade. Resistimos ao modelo de desenvolvimento

que esmaga as comunidades pesqueiras e se concretiza a partir de grandes

projetos que concentram a riqueza e degradam o meio ambiente. Queremos

combater o capitalismo e sua lógica excludente. Pretendemos construir um

projeto popular para o Brasil e contribuir para as transformações mais amplas

da sociedade. Para cumprir nossa missão estamos articulados com outros

movimentos campesinos no Brasil. Integramos a Via Campesina e a

Assembleia Popular. (MPP, 2010)

Dois anos após a sua criação, em 2012 o MPP lançou a Campanha Nacional pela

Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, a qual tem como

objetivo a mobilização dos pescadores para a coleta de assinaturas de apoio a um projeto

de lei de iniciativa popular que visa à demarcação e proteção dos territórios pesqueiros.

Azevedo e Pierri (2014) destacam a importância da demarcação desses territórios para

garantir a sustentabilidade da pesca artesanal e a garantia da reprodução dos modos de

vida e práticas tradicionais das comunidades de pescadores artesanais. As autoras

destacam ainda a importância dessa luta dos pescadores artesanais frente às agressões

impostas pelo modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado nos últimos anos.

Com criação do MPP e o consequente esvaziamento do MONAPE, um segundo

grupo de lideranças passou a se organizar em um outro bloco de lutas que, focado

prioritariamente na defesa dos territórios das populações tradicionais, em final de 2014

73

criou a Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos

Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos – CONFREM. Na página que mantém na

internet esta organização afirma ter como missão

Desenvolver, articular e implementar estratégias visando o reconhecimento e

a garantia dos territórios extrativistas tradicionais costeiros e marinhos na

dimensão social, cultural, ambiental e econômica, garantindo os seus meios de

vida e produção sustentável (CONFREM, 2017).

Nesta mesma página estão relacionados os objetivos da CONFREM, sendo eles:

Lutar pelo reconhecimento e andamento dos processos de solicitação de novas

RESEX Marinhas17; assegurar o direito a produção do espaço próprio dos

extrativistas; Promover o contato entre as 22 RESEX espalhadas de norte a sul

do país; Garantir a manutenção dos saberes das populações tradicionais

pesqueiras; Garantir a conservação dos rios, mares, manguezais e fauna

marinha e costeira (CONFREM, 2017).

Em um primeiro momento o que se pode observar é que, ao contrário do MPP este

coletivo não rompeu com a institucionalidade, mas o centro de sua missão e seus objetivos

não se distancia das bandeiras de luta do MPP. Contudo, é importante observar que sua

criação se deu em um momento em que a conjuntura política do País possibilitava a

manutenção de canais de diálogo entre agentes governamentais e lideranças sociais da

pesca artesanal.

O golpe de Estado implementado em 2016, trouxe consigo uma forte ideologia

ultraliberal que tem pautado uma série de ataques aos interesses da classe trabalhadora.

Para conseguir os votos necessários no Congresso Nacional para aprovação de reformas

de interesse do Capital, recentemente o governo interino publicou o Decreto nº 9.004, de

13 de março de 2017, o qual atua em três frentes: a) transferência de toda a política

pesqueira para o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços; b) manutenção

do ordenamento pesqueiro sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente, porém conferindo a esses ministérios

o papel de "assessoria" ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e; c)

17área natural utilizada por populações extrativistas tradicionais onde exercem suas atividades baseadas no

extrativismo, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, assegurando o uso

sustentável dos recursos naturais existentes e a proteção dos meios de vida e da cultura dessas populações.

Permite visitação pública e pesquisa científica. (BRASIL, 2017)

74

vinculação do Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca ao Ministro da Indústria,

Comércio Exterior e Serviços. Ao que tudo indica, além de garantir os votos necessários

para sua reforma ultraliberal, o grupo político que comanda o golpe buscou criar as

condições objetivas para promover a exploração dos recursos pesqueiros pelo Capital

internacional e ainda para a implantação de uma aquicultura gerenciada pelas grandes

corporações internacionais.

A tendência é de que a conjuntura tende a piorar bastante para os pescadores

artesanais. Porém, como pode ser visto, a história dos pequenos pescadores e dos

pescadores artesanais no Brasil é uma história de alianças entre as classes dominantes e

o Estado na tentativa de dominação dos pequenos pescadores. A realidade da pesca

artesanal não é uma realidade estacionada no tempo e no espaço, mas sim uma realidade

historicamente construída pela luta de classes onde o Estado sempre esteve ao lado dos

interesses burgueses. Por outro lado, também é uma história de resistência por parte dos

pescadores que, horas de forma mais silenciosa, horas de forma mais explícita foram

desenvolvendo e adaptando suas estratégias e ainda hoje insistem em resistir à ofensiva

do Capital sobre seu modo de vida. Neste contexto, a recente luta conjunta entre

lideranças do MPP e da CONFREM18 pode ser compreendida como um importante passo

para que ocorram outras aproximações futuras.

5.2 A propriedade privada das terras e seus consequentes impactos ambientais

Para se compreender as transformações ambientais ocorridas na bacia hidrográfica

da Lagoa Mirim, partindo de uma análise ancorada no materialismo histórico, é

importante que se compreenda minimamente como se deu o processo de apropriação

privada das terras após a ocupação europeia. Pois foram a apropriação privada da terra e

do desenvolvimento das forças produtivas que incidiram diretamente para que ocorressem

tais transformações ambientais. Contudo, também é importante considerar a conquista e

ocupação do território é fruto de dois conflitos que ocorreram simultaneamente: um

18BRASIL DE FATO. Pescadores ocupam ministério contra cassação de registros profissionais. 2017.

Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2017/06/12/pescadores-ocupam-ministerio-contra-

cassacao-de-registros-profissionais/>. Acesso em: 26 jun. 2017.

75

conflito entre europeus e populações indígenas e outro entre Portugal e Espanha pela

posse do território conquistado.

Assim, no que se refere à ação das populações indígenas durante o processo de

ocupação europeia, é de grande relevância o trabalho de Oliveira (2010). Nele o autor

apresenta uma intensa revisão da literatura brasileira e uruguaia existente sobre o processo

que levou a dizimação das populações indígenas que habitavam os Campos Neutrais19.

Afirma ainda que “o processo de ocupação dos Campos Neutrais foi disputado por duas

culturas, uma europeia e outra indígena, sendo que a primeira é a autora dos

acontecimentos” (OLIVEIRA, 2010, p. 74).

Tanto Oliveira (2010) como Corte (2016), entre outros, reafirmam a importância

das populações indígenas na configuração do território e denunciam o que Corte (2016)

chama de “apagamento” da existência do indígena na região. Nesta mesma linha Pieve,

Kubo e Coelho-de-Souza (2009) afirmam que

Convém lembrar o papel de etnias importantes na configuração do território

sul do Rio Grande do Sul. Com escassos registros históricos, a população

indígena da região, composta por nômades minuanos e charruas com cultura e

territorialidade diferenciadas e sem dialogar com a estrutura mercantilista da

Europa Ocidental, que movia a expansão portuguesa, acabou expropriada de

suas terras e assimilada às tropas de defesa do território, das estâncias e dos

contrabandos da fronteira (PIEVE; KUBO; COELHO-DE-SOUZA, 2009, p.

59).

Neste sentido, Bracco (2004, apud OLIVEIRA, 2010, p. 74) “diz que a

documentação encontrada como fonte para a construção é escassa e deixa lacunas, um

silêncio enorme entre os fatos e o mundo dos vencidos”. Já Oliveira (2010), ao discutir o

processo de ocupação dos Campos Neutrais afirma que “as populações indígenas,

Charrua, Minuano, Arachanes, Yaros e outros, principalmente o Minuano, foram

severamente castigadas pela colonização em seu meio natural” (OLIVEIRA, 2010,

p.74). Desta forma, retirando as populações indígenas do processo de conquista do

território, ou ainda fazendo com que estas desaparecessem ao longo deste processo,

habilmente a versão dos conquistadores resolveu a questão do “branqueamento” da

19 O Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, estabelece os Campos Neutrais, com a finalidade de fazer limites,

ou seja, um espaço a ser respeitado pelas duas Coroas (OLIVEIRA, 2010, p.74-75)

76

população. Assim, não havendo indígenas, não haveria, como de fato não há, qualquer

preocupação futura em relação a possíveis lutas destas populações.

Contudo, em que pese a versão dos conquistadores se resuma ao relato das

disputas territoriais travadas entre Portugal e Espanha, é importante que se “recoloque”

as populações indígenas no processo de ocupação do território que lhes foi expropriado,

uma vez que estas também foram importantes agentes históricos para a formação

econômica, social e cultural da região. Afinal, conforme demonstram, entre outros,

Ribeiro (1995), Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009), Oliveira (2010) e Corte (2016),

é inegável a contribuição indígena para a formação do gaúcho, figura que veio a exercer

fundamental papel no desenvolvimento das forças produtivas do território. Assim como

também cada vez mais tem se tornado difícil para as classes dominantes e os Estados de

Brasil e Uruguai conterem a rearticulação da etnia Charrua. Mesmo os Charrua sendo

considerados oficialmente extintos, no Brasil até 2007 e no Uruguai até os dias atuais,

diversos trabalhos acadêmicos tem registrado sua crescente organização enquanto povo.

Entre estes trabalhos pode-se citar os de Víctora (2011), Víctora e Ruas-Neto (2011) e

Corte (2016), entre outros.

No que se refere aos conflitos travados entre Portugal e Espanha pela posse do

território conquistado, estes se deram em um ambiente de dinamização promovido pelas

rotas comerciais que se articulavam com região. Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009),

destacam a importância que teve a Colônia do Sacramento (1680-1777), atual Uruguai,

como entreposto nas rotas do Atlântico Sul, servindo de ligação entre rotas terrestres e

marítimas de comércio legal e ilegal entre África, Europa e América. Assim, “em sua

fundação estão materializados os primeiros processos de expansão territorial e

comercial dos portugueses rumo ao sul da América e do Brasil, e mais precisamente, à

região do Rio da Prata” (PIEVE; KUBO; COELHO-DE-SOUZA, 2009, p. 58). Assim,

para a Espanha dominar o território significaria conter a expansão de Portugal que, por

outro lado, via nesta ocupação a possibilidade, não só de expandir suas fronteiras, mas

também de expandir e fortalecer suas rotas comerciais.

Neste contexto, a estratégia portuguesa na disputa com a Espanha passou pela

articulação da região com o restante do território brasileiro, já sob o domínio de Portugal,

por meio do incremento de suas rotas comerciais para a comercialização de charque, sebo

e couro produzidos na região. Assim,

77

duas rotas de ligação à Colônia do Sacramento foram incrementadas,

primeiramente a de Laguna, aproximadamente em 1616; e na sequência, a de

Morro dos Conventos em 1727. Estas rotas serviam de intercâmbio entre São

Paulo e Rio Grande do Sul que, no momento, comercializavam carne, charque,

couro e sebo. Pois, com rebanhos de gado selvagem à solta na região, esta

atividade foi a base da economia luso-brasileira, empurrando os tropeiros mais

para o sul da planície (PIEVE; KUBO; COELHO-DE-SOUZA, 2009, p. 58).

Outra estratégia importante para defender o território ocupado de possíveis

investidas da coroa espanhola ou ataques das populações indígenas, principalmente os

charruas, passou pelo povoamento da região. Para isto, Portugal recorreu a dois

importantes recursos: a fundação da cidade de Rio Grande e a concessão de sesmarias

para a criação de gado na área compreendida entre as margens da Lagoa Mirim e

Maldonado, no Uruguai. Com a fundação da cidade de Rio Grande foi possível mobilizar

para a região um contingente de pessoas para uma ocupação estratégica do território.

Os portugueses, ainda preocupados em garantir posse e defesa do território,

visto que a área entre Rio Grande e o forte de São Miguel era muito sensível à

penetração de castelhanos e indígenas charruas, foi fundada a cidade de Rio

Grande em 1737, cuja ocupação fundiária se dividia em: chácaras, pequenas

propriedades de agricultores, de colonizadores transferidos da Colônia do

Sacramento; estâncias, via concessão de sesmarias e destinadas à pecuária,

principalmente nas áreas entre as Lagoas Mirim e Mangueira - Taim e Curral

Alto -; e pela transferência de açorianos, que, juridicamente, recebiam terras

para cultivo agrícola e criação de gado (VIEIRA; RANGEL, 1988, apud

PIEVE; KUBO; COELHO-DE-SOUZA, 2009, p. 59)

Assim, promovendo a ocupação das terras de forma mais densa nas regiões

próximas à cidade, aumentava-se a possibilidade de resistência em caso de possíveis

ataques. Na medida em que as terras iam se afastando da cidade, divisões eram maiores

e menos povoadas, mas estas também tinham um caráter estratégico uma vez que

atrairiam para a região um outro perfil de ocupante. Neste sentido, ao discutir o processo

de ocupação dos Campos Neutrais, Oliveira (2010) descreve que a possibilidade do

recebimento de grandes extensões de terra, “por título legal”, atraiu para a região chefes

militares, aventureiros e pessoas que exerciam cargos administrativos em outras partes

do Brasil.

É interessante observar que no processo de apropriação privada das terras, o

caráter oportunista e aventureiro do sesmeiro não perdoou sequer os não indígenas que já

habitavam o território. Para tornar-se o “senhor das terras”, nem mesmo os “brancos”

78

foram poupados da expulsão. Oliveira (2010) transcreve uma parte do diário de Saint-

Hilaire para demonstrar como pessoas brancas, sem posses e sem prestígio, que tentaram

se radicar no território, também foram expulsas das terras que ocupavam.

Logo que os portugueses se tornaram senhores absolutos da região, seu filho,

José Bernardes, reclamou do Marquês do Alegrete a terra que este ocupava e

que nunca tinha sido doada a ninguém: seu protesto despertou no secretário

particular do Marquês a ideia de apossar-se desse terreno, e o pobre José

Bernardes viu-se, em breve, obrigado a abandonar sua casa, “após o dia em

que perdi minha mãe”, dizia-me ele, “não houve para mim outro mais triste

que aquele em que deixei a choupana onde nasci” (SAINT-HILAIRE, 1987, p.

105, apud OLIVEIRA, 2010, p, 75).

Bem articulado com as classes dirigentes, o sesmeiro passaria a cumprir papel

central na organização econômica e no controle político e militar da região. Dito de outra

forma é este aventureiro, que sem qualquer compromisso histórico-cultural com o

território, que diferente dos pequenos colonos que migram para o território em busca terra

para cultivar e sobreviver, que vai se constituir na classe dirigente do território. Sua

primeira intenção não é outra que não, utilizando-se dos “poderes” lhe concedido pelo

latifúndio, explorar a terra e o trabalho como forma de acumulo de riquezas.

Na medida em que a questão da propriedade da terra e do gado que sobre ela vivia

foi sendo encaminhada, a necessidade do trabalho nas fazendas foi sendo resolvida pelo

emprego de mão de obra dos gaúchos (sobreviventes dos povos indígenas massacrados e

filhos de sua miscigenação com os europeus), pelos brancos sem posse e por africanos

escravizados. Esses últimos, com o fim da escravatura, muitas vezes acabaram tendo

como única alternativa seguir oferecendo sua força de trabalho aos seus antigos senhores.

A exploração da terra como propriedade privada passou então a combinar, ao mesmo

tempo, a exploração do trabalho dos gaúchos “livres”, mas sem posses, e de africanos

escravizados.

Conforme as forças produtivas do território foram se desenvolvendo, combinando

a estratégia de ocupação geográfica e o objetivo de acúmulo de capital por parte dos

latifundiários, foram se desenvolvendo as relações sociais de produção e o modelo

capitalista foi se enraizando. Observando esse processo, Ribeiro (1995) demonstra como

as transformações econômicas ocorridas após a demarcação das terras e o

estabelecimento do latifúndio na região de fronteira foram configurando a organização

79

das forças produtivas. O autor demonstra que foi no processo em que a lida com o gado

se transformou de uma aventura para assumir o caráter de uma atividade econômica

racional que o estancieiro deixou de ser um aventureiro caudilho e passou a ser patrão de

seus gaúchos. “As regalias destes diminuem e, com elas, a ração da carne para o

churrasco e de mate para o chimarrão” (RIBEIRO, 1995, p.420). O gaúcho

progressivamente foi deixando de ser campeiro de gado em terra de ninguém e passou a

ser trabalhador de fazenda onde sua tarefa era cuidar o gado nas terras do patrão.

Ainda cavaleiro campeia, garboso, o gado do patrão, com orgulho de seu ofício

o seu domínio da montaria e do rebanho. Porém, cada vez mais pobre e mais

mal pago, come menos e vive mais maltrapilho. Os imensos campos livres de

outrora são, agora, retângulos divididos em estâncias e subdivididos em

potreiros. Entre as estâncias se estende, como terra sem dono, tão somente o

corredor entre os aramados divisórios, subindo e descendo pelas ondulações

das coxilhas, para comunicar e para apartar os mundos privados das estâncias.

(RIBEIRO, 1995, p. 421)

O estabelecimento da paz20 na região da fronteira entre Brasil e Uruguai, que

segundo Vargas (2014) ocorreu em meados de 1870, criou um ambiente propício para

que as classes dirigentes dos dois países passassem a dar menos atenção para a defesa do

território e direcionassem seus esforços para potencializar a acumulação de capitais pela

exploração das terras. Assim, por um lado o avanço nas negociações diplomáticas para

delimitação da fronteira dispensou a necessidade de os latifundiários disporem de grandes

contingentes para a defesa das suas propriedades, por outro a domesticação do gado e o

emprego de técnicas de manejo, como o aramado, diminuíram a necessidade de emprego

de mão de obra. Desta forma, o gaúcho que já vinha amargando a experiência da venda

de sua força de trabalho como único meio de sobrevivência passou a experimentar uma

realidade até então desconhecida: o desemprego. Sobre esta questão, Ribeiro (1995)

afirma que

Com o gado cresceu a população, que, sobrante das singelas necessidades de

mão‑de‑obra das lides pastoris, foi sendo desalojada das estâncias. Amontoa-

se pelos terrenos baldios, ou onde os corredores se alargam em rancharias, que

são malocas campestres. Transformam‑se assim os gaúchos em reservas de

mão‑de‑obra em que o estancieiro recruta os homens de que necessita quando

vai bater os campos, esticar um aramado, ou nas épocas de tosquia. São

trabalhadores de changa, biscateiros subocupados mas prolíficos, cujas

famílias crescem na penúria, vitimadas por moléstias carenciais, por infecções,

20 Destaca-se que a paz aqui referenciada restringe-se à paz entre as classes dominantes dos dois países

(Brasil e Uruguai).

80

enfim, por todos os achaques da pobreza, como mais um subproduto do

latifúndio pastoril (RIBEIRO, 1995, p. 422).

Ao analisar o processo de industrialização ocorrido na sociedade burguesa do

século XIX e a forma como este processo de racionalização da produção capitalista,

influenciada por temporadas, explorava os trabalhadores, Marx (2013) revelou que com

aquele tipo de relação de exploração a indústria criara “um exército industrial de reserva

sempre disponível, dizimado durante parte do ano pelo mais desumano trabalho forçado

e, durante a outra parte, degradado pela falta de trabalho” (MARX, 2013, p. 672). Esta

passou a ser a realidade do gaúcho, uma mão-de-obra desalojada das estâncias e

acumulada em aglomerados rurais que formando um “exército agropastoril de reserva”,

sucumbiu à venda esporádica de mão-de-obra ou à proletarização nas estâncias.

Alguns buscaram ocupar terras ocasionalmente abandonadas, contando que a sorte

mantivesse os “doutores” e as forças policiais distantes. Surgiu assim o gaúcho parceiro,

um tipo de lavrador que cultivava as terras ainda não ocupadas pelo pastoreio, em regime

de parceria com os estancieiros. Já a maior parte da gente jovem e sadia emigrou para

outras áreas rurais e urbanas em busca de uma vida melhor. Segundo Ribeiro (1995) é

esse processo de emigração do “excedente” de mão de obra das estâncias que fez o Rio

Grande do Sul, possivelmente também o Uruguai, experimentar um profundo processo

de urbanização sem industrialização, “fazendo multiplicar-se nas grandes e pequenas

cidades uma massa de subocupados, mendigos e prostitutas” (RIBEIRO, 1995, p. 424).

No final do século XIX, segundo Vargas (2014) o setor do charque, atividade que

impulsionava a economia regional, enfrentou sua derradeira crise. No início do século

XX essa crise já afetava a economia da região como um todo encorpando ainda mais a

massa de reserva de mão-de-obra rural que só teve como alternativa migrar para os

grandes centros urbanos e tentar vender sua força de trabalho no incipiente processo de

industrialização, engrossando as periferias das pequenas cidades ou resistindo nos

aglomerados rurais onde, provavelmente, era possível acessar os meios mínimos para a

sobrevivência por meio da caça e da pesca. Migliaro (2014) e Ferreira (2012) citam

também o contrabando como uma atividade que desde essa época já se fazia presente

nesta zona de fronteira.

81

Neste contexto, nas primeiras décadas do século XX a região iniciou a

experimentar um novo ciclo econômico marcado pela introdução do cultivo do arroz, que

passou a ser integrado à pecuária extensiva praticada no latifúndio. Assim, segundo

Emygdio, (1999 apud Menegheti, 2010) no lado brasileiro o cultivo de arroz se iniciou

em 1907 na cidade de Pelotas. No lado uruguaio, Migliaro (2014) identificou o ano de

1927 como início desta atividade na bacia hidrográfica da Lagoa Mirim.

A implantação do cultivo de arroz na região fez surgir uma nova modalidade de

exploração das terras onde o proprietário passou a arrendar parte das áreas cultiváveis a

empresários que arcavam com todos os custos de preparo das terras e cultivo. Assim, a

terra como propriedade privada do latifundiário passou a ser concedida para ser explorada

por uma outra força produtiva. Esta força produtiva, denominada arrendatário, passou a

explorar a terra por meio da utilização do trabalho assalariado.

Ao analisar essa etapa do desenvolvimento das forças produtivas, Ribeiro (1995)

afirma que essa nova modalidade de exploração da terra foi responsável pelo surgimento

de novas possibilidades de trabalho para as massas rurais, empregando um grande

contingente nas atividades menos mecanizadas e ainda fazendo surgir uma nova força de

trabalho empregada nos setores intermediários como a mecanização agrícola, o

beneficiamento das safras e a sua comercialização. Porém, o emprego na mecanização

nesses cultivos passou a atuar como um redutor de postos de trabalho e, associado com o

monopólio da terra, contribuiu para manter marginalizada significativa parte da

população rural que foi considerada como excedente da necessidade de mão de obra para

a nova economia agrícola que se instalou na região.

Assim, o trabalhador assalariado passou a cultivar a terra de uma forma em que

sua relação com a natureza era de tamanho estranhamento que estava condicionada, antes

dele, pelo acerto entre dois agentes externos (latifundiário e arrendatário). Por sua vez ao

arrendatário, sem qualquer vínculo com a terra arrendada, o que interessava era explorar

ao máximo o que fosse possível extrair da terra. Já ao latifundiário, não interessavam as

relações de trabalho existentes no processo de cultivo da terra, mas sim a maximização

do acúmulo de capitais, a qual obtinha pelo sucesso no arrendatário na exploração da terra

e pelo maior número de áreas passíveis de arrendamento.

82

Neste contexto, a possibilidade de acumulação de capital pelo aumento das áreas

utilizáveis, tanto para a pecuária, como para a emergente cultura do arroz que se instalava

na região, logo se tornou pauta unificada nas relações entre as classes dirigentes e os

estados do Brasil e do Uruguai. A possibilidade de maximização dos lucros e acúmulo de

capitais pela exploração do território privatizado levou as classes dirigentes a enxergar as

principais características naturais do ecossistema, segundo Seeliger, Cordazzo e Barcellos

(2004) formado há aproximadamente quatro mil anos, como fatores limitantes ao

desenvolvimento da economia regional.

Sobre algumas destas características, analisando publicações feitas em 1977 pela

extinta SUDESUL, Gouvêa, Zarnot e Alba (2010) chamam a atenção para a diferença

entre as de vazões máximas dos tributários contribuintes da Lagoa Mirim, que excediam

30 mil m³/s e a capacidade máxima de descarga do Canal de São Gonçalo, que nunca

havia ultrapassado os 4 mil m³/s. Essa diferença entre o volume recebido e a capacidade

de escoamento da bacia hidrográfica acarretavam em inundações periódicas e constantes

em áreas ao redor da Lagoa Mirim. Neste sentido, Averbeck (1984) demonstra que

estudos feitos em 1969 revelaram que ao redor da Lagoa Mirim existiam cerca de 1.150

km² de área submergível e 5.500 km² de área inundável.

Assim, as inundações dos campos e áreas de lavouras em períodos de forte

ocorrência de chuvas, associadas à salinização das águas em períodos de estiagem,

transformaram o regime hidrológico da região em inimigo público, tanto no lado

brasileiro, como no lado uruguaio, levando latifundiários e governos dos dois países a

somarem esforços no sentido de dominá-lo. Se, como já visto, a paz na fronteira foi

estabelecida por volta se 1870, pondo fim a questão sobre o domínio do território,

conforme demonstra-se na sequência, ambos países imediatamente se uniram agora para

guerrear contra o ecossistema.

Ao mesmo tempo Brasil e Uruguai foram desenvolvendo políticas públicas

nacionais para promover a expansão de suas fronteiras agrícolas sobre esse território,

principalmente pelo incentivo à implantação dos cultivos de arroz irrigado. Assim, no

Uruguai, “en 1940 se sanciona la Ley Arrocera y siete años más tarde se funda la

Asociación de Cultivadores de Arroz. Em la década de los `60 se promueve el desarrollo

del cultivo en forma intensiva a través de impulsos estatales” (MIGLIARO, 2014, p. 50).

83

No Brasil, diversas instituições vão direcionar esforços para o desenvolvimento de

políticas com vistas ao fortalecimento deste setor. Costa e Netto (2012) apresentam

importante resgate histórico que vai da criação do Sindicato Arrozeiro do Rio Grande do

Sul, criado em 1926, ao papel desempenhado pelo Instituto Riograndense do Arroz –

IRGA, ente estadual que atua nas áreas de pesquisa e extensão.

À medida que a pecuária extensiva e a monocultura do arroz foram se consolidando

na região, ambos países desde 1882 foram “cristalizando a ideia de dar solução aos

problemas do desenfreado regime das águas da Bacia da Lagoa Mirim”(BRASIL, 1976,

p. 9) e em 1963 foi criada a Comissão Mista Brasileiro-Uruguaia para o Desenvolvimento

da Bacia da Lagoa Mirim – CLM. Com o discurso unificado em torno do

desenvolvimento regional, sem, contudo, questionar a estrutura fundiária, a forma de uso

do solo e dos recursos naturais, entre tantas outras possibilidades, Brasil e Uruguai

lançaram-se em busca de ajuda internacional para aumentar a exploração das terras da

região.

Desta articulação, surgiu o Projeto CLM/PNUD/FAO, um projeto executado entre

1965 e 1970, com investimentos na ordem de U$ 3.126.200 (U$ 1.529.300 do PNUD e

U$ 1.529.300 dos governos brasileiro e uruguaio), onde a FAO foi executora juntamente

com a CLM e que envolvia a realização de um conjunto de estudos e proposições de ações

para promover o desenvolvimento da região. A visão com que esse processo foi

concebido é explicitada em um documento publicado pela SUDESUL em 1976.

Tanto no Uruguai como no Brasil, o desenvolvimento econômico e social da

área que compreende a Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim não tem

acompanhado, de forma geral, o ritmo do desenvolvimento global destes

países. A economia da Bacia baseia-se primordialmente na agricultura, a qual,

com frequência, sofre prejuízos causados pelas inundações e estiagens, e ainda

pelas frequentes intrusões de águas oceânicas na Lagoa Mirim. A produção

agrícola da Bacia é, por isto, reduzida em relação às suas potencialidades. [...]

os governos de ambos os países solicitaram a ajuda do Programa das Nações

Unidas Para o Desenvolvimento – PNUD, com a finalidade de analisar os

problemas que impediam o desenvolvimento e determinar as medidas

necessárias para resolvê-los. (BRASIL, 1976, p.11)

Ainda segundo este documento o Projeto CLM/PNUD/FAO, com a finalidade de

preparar um plano de desenvolvimento integrado para a Bacia da Lagoa Mirim, gerou

mais de 250 relatórios de estudos específicos nos campos de hidrologia, solos, geologia,

84

engenharia, agronomia, pecuária, sociologia e outros. As principais metas deste plano

eram

[...] a proteção contra inundações, o impedimento contra a penetração de água

salgada na Lagoa Mirim, o aproveitamento de terras, a regularização e o

melhoramento da navegação na Lagoa e nas vias de saída para o mar, a

irrigação, o abastecimento de água e, de uma forma geral, o desenvolvimento

econômico e social. (BRASIL, 1976, p. 13)

Assim, a proposta construída para a região não propôs o desenvolvimento a partir

de suas características ambientais. Tampouco buscou desenvolver uma economia

articulada com os pequenos municípios, ou ainda alterar a estrutura fundiária de modo a

dinamizar a região. De outra forma, seu foco central foi alterar o ambiente de modo a

possibilitar o aumento das terras exploráveis para a produção de mercadorias voltaras ao

o mercado de internacional. Esta concepção fica bem clara no mesmo documento da

SUDESUL

A microrregião oferece alta potencialidade para a produção de alimentos, face

à disponibilidade de recursos naturais (solo e água), de mão-de-obra agrícola

e à capacidade empresarial, contando ainda com uma sólida indústria de

alimentação, capaz de processar a produção gerada e de, através do porto de

Rio Grande e de toda a infraestrutura do Corredor de Exportação,

comercializá-la em condições competitivas no mercado internacional. A

produção agrícola, industrializada em grau crescente na microrregião,

principalmente de arroz, soja, carne, frutícolas e hortaliças, bem como de

couro, peles e lãs, deve ser estimulada, como está sendo proposto para a

comercialização no mercado internacional (BRASIL, 1976, p. 26-27).

Pode-se perceber que a lógica consistia em utilizar-se dos recursos solo, bem

como da força de trabalho existente na região, para produzir mercadorias, não para

abastecer a demanda regional ou nacional por alimentos, mas toda essa produção

orientada para o mercado internacional. Cabe aqui resgatar o fato de que como afirma

Ribeiro (1995), apenas os grandes centros regionais (no lado brasileiro, Pelotas e Rio

Grande) dispunham de unidades industriais com capacidade de processamento de tais

matérias primas.

85

5.2.1 As transformações ambientais no território: os impactos do interesse

privado sobre o ambiente de uso comum

Para atender aos interesses da propriedade privada e de um capitalismo

internacional que passou a se articular com a região por meio dos portos de Rio Grande e

Montevidéu, conforme proposto pelo Projeto CLM/PNUD/FAO, iniciaram-se obras de

infraestrutura, boa parte subsidiada técnica e financeiramente pelos governos de Brasil e

de Uruguai. Tais obras tiveram como objetivo intervir no ecossistema de forma a

potencializar a exploração das terras para a produção de matérias primas e mercadorias a

serem exportadas para o mercado internacional. Porém, ao promoverem transformações

significativas no ambiente, afetaram substancialmente o equilíbrio natural do

ecossistema. Assim, enquanto as classes dirigentes passaram a maximizar seus lucros

com a intensificação do processo de mercantilização da natureza, para a grande massa da

população regional, fundamentalmente os grupos sociais mais fragilizados, restaram

apenas os riscos e os impactos ambientais.

Entre tais intervenções, insere-se a barragem eclusa do Canal São Gonçalo, a qual

foi construída entre 1972 e 1977 e teve como objetivo impedir a entrada de águas

oceânicas no Canal São Gonçalo e na Lagoa Mirim. A justificativa para a realização desta

obra esteve relacionada ao uso da água para abastecimento da cidade de Rio Grande e do

seu complexo portuário-industrial, irrigação das lavouras de arroz e ainda uma projeção

futura para o abastecimento da cidade de Pelotas. Os impactos da salinização das águas

da Lagoa Mirim, que eram utilizadas para a irrigação das lavouras de arroz situadas no

seu entorno, já eram motivos de preocupação de instituições governamentais há muitos

anos.

Listada como a primeira das recomendações do Projeto CLM/PNUD/FAO e em

operação desde 1977 a Eclusa do São Gonçalo foi o “pulo do gato” para a consolidação

e desenvolvimento da lavoura arrozeira nas várzeas do São Gonçalo e no entorno da

Lagoa Mirim, tanto no lado brasileiro como no lado uruguaio. Com esta obra, as planícies

ficaram livres da “invasão” das águas oceânicas, que era um dos principais entraves para

a ampliação dos cultivos de arroz e uma preocupação para os governantes uruguaios e

brasileiros. Ou, em outras palavras, o ecossistema moldado por processos geológicos de

86

milhares de anos fora mudado por uma obra que durou menos de cinco anos e iniciou

pouco mais de um século depois que foi instituída a propriedade privada das terras na

região.

Além do controle sobre a “invasão” da cunha salina na Lagoa Mirim, o Projeto

CLM/PNUD/FAO também criou condições para o enfrentamento de outro antigo

empecilho para a acumulação de capital por meio da exploração da terra: a limitação da

expansão da fronteira agrícola pela presença de extensas áreas de banhados e áreas

inundáveis. A limitação da área utilizável para a pecuária e para a orizicultura, devido às

cheias periódicas e à presença de grandes extensões de banhados na região, já vinham

sendo motivos de preocupações de agentes políticos desde o início do século XX.

Essa preocupação já se manifestara publicamente desde o ano de 1915, “quando

o Engº Ildefonso Simões Lopes, Ministro da Agricultura do Brasil, propõe o estudo de

um canal de descarga da Lagoa Mirim até o oceano, na zona do Taim” (BRASIL, 1976,

p.9). Aliás, a construção deste canal também foi proposta pelas consultorias realizadas no

âmbito do Projeto CLM/PNUD/FAO. Em um dos relatórios do Projeto o consultor

afirmou que “se espera que la construcion de las represas para propósitos de riego

reducir á los niveles máximos de la laguna. Sin embargo, la solución más efectiva será

La construción de un gran canal de salida al Océano cerca de Taim” (ROËLL, 1968, p.

4). Tal obra só não foi realizada, não pela importância ecológica do Taim, mas porque

seu custo-benefício foi considerado desfavorável.

La inundación resulta del ascenso del nivel de las águas de la Laguna durante

los períodos de mayor afluencia de água de las corrientes tributarias, y puede

controlarse mediante um vertedoro que da salida hacia al Océano. En virtude

del elevado costo de um proyecto de este tipo em relación a las pérdidas y

daños causados em la zona por estas inundaciones, los técnicos del proyecto

creen - y la Missión concuerda - que no es aconsejable. (CLM/PNUD/FAO,

1969, p. 3)

A ambição em ampliar as áreas exploradas foi tamanha que a preocupação com a

função ecológica dos banhados sequer foi tratada pelas consultorias realizadas no âmbito

do Projeto. A evidente falta de preocupação com a importância ambiental dos banhados

também pode ser verificada em um relatório de 1969, no item “Conservacion de la

Fauna”.

87

A FAO no ha hecho ningun estudio específico sobre el punto. En vista del

hecho comprobable del gran número de aves y animales de los Bañados, debe

hacerse algún estudio sobre los efectos de los diversos proyectos sobre los

animales de la región. Si se consideraran convenientes, pueden establecerse

cotas reservadas em Bañados de Rocha y otros puntos, adaptándose las

reglamentaciones necessarias para la conservacion de las especies. A esta

altura del proyecto, este no debe ocupar ningún personal adicional de FAO. Se

debe llamar la atención de la CLM sobre el punto, sin embargo.

(CLM/PNUD/FAO, 1969, p. 18)

Vendo a presença dos banhados como um fator limitante para a exploração

agropecuária do território, o projeto CLM/PNUD/FAO chegou a contratar uma

consultoria para identificar as possíveis áreas drenáveis. No seu relatório, a consultoria

identificou uma área bruta de 1.700.000 hectares de planícies no entorno da Lagoa Mirim,

as quais seriam áreas prioritárias para o desenvolvimento de políticas públicas de

irrigação em grande escala, por duas razões: “1) Es el método mas económico para

introducir el cultivo regado en grandes áreas. 2) Requiere recursos financieros y de

organización, los cuales no pueden ser provistos por iniciativa particular” (ROËLL,

1968, p. 1). Desta área bruta, o relatório apontou para a possibilidade de desenvolvimento

de projetos de irrigação em uma área líquida de 520.000 e 530.000 hectares,

respectivamente no Uruguai e no Brasil (Quadro 1).

Contudo, para a utilização dessas áreas se faziam necessárias grandes intervenções

no sentido de, como propôs Roëll (1968), evacuar o excesso de água da chuva o mais

rápido possível, protegê-las contra as inundações dos rios e contra as inundações das

lagoas. A partir desse período, tanto no Uruguai como no Brasil, se iniciaram grandes

projetos de irrigação e drenagem com apoio estatal que levaram ao desaparecimento de

diversos banhados para a implantação da orizicultura e da pecuária extensiva.

Quadro 1 - Áreas identificadas como potenciais para projetos de irrigação pelo Projeto

CLM/PNUD/FAO.

ÁREAS NÃO INUNDADAS PELA LAGOA MIRIM

Planícies no Uruguai 490.000 ha

Planícies no Brasil, entre a serra e a Lagoa 160.000 ha

Planícies no Brasil, entre a Lagoa e o Oceano 260.000 ha

ÁREAS INUNDADAS PERIODICAMENTE PELA LAGOA MIRIM

No Uruguai 30.000 ha

No Brasil 110.000 ha

Total 1.050.000 ha

Fonte: Roëll (1968), adaptado pelo autor.

88

No que se refere ao Uruguai, Arrarte e Scarlato (2000) destacam o papel exercido

pelo governo a partir da década de 1970 com a implementação de políticas de incentivo

à orizicultura, desde o financiamento com baixos juros e isenção de impostos até a

realização de obras de infraestrutura, incluindo sistemas de irrigação e drenagem de

banhados. A drenagem dos banhados para expansão da fronteira agrícola “fue

consecuencia de una forma de concebir estos ecosistemas como tierras inapropiadas o

improductivas, por lo que era necesario recurrir a su desecación para ampliar la frontera

agrícola, principalmente para cultivar arroz”. (ACHKAR, DOMINGUEZ e PESCE,

2012, p. 27). Conforme Arrarte e Scarlato (2000), já em meados da década de 1980, houve

uma série de estudos manifestações de organizações sociais destacando a importância dos

“Bañados del Este”, a degradação que estavam sofrendo e a necessidade de protegê-los.

Enquanto isto, no lado brasileiro da bacia hidrográfica, por meio do Programa

PROVARZEAS NACIONAL criado em 1981 com objetivo de “promover o

aproveitamento racional e gradativo de áreas de várzeas nacionais a nível de

propriedade rural [...] através de financiamento e suporte técnico-administrativo na

drenagem e sistematização de suas várzeas” (BRASIL, 1981), o governo disponibilizou

recursos públicos e apoio técnico para a implantação de projetos sistematização de áreas

úmidas. Assim, uma complexa rede de canais, diques e levantes21 foi construída

resultando, conforme afirma Burger (2000), em significativas alterações no ecossistema.

Este uso do solo alterou o regime hidrológico da região incluindo as lagoas

Mirim e Mangueira e o Banhado do Taim. Estes sistemas são interligados, de

modo que a retirada de água para irrigação e as obras de construção de sistemas

de irrigação (canais de drenagem, levantes, barragens), afetam todo o sistema,

especialmente em anos com déficit hídrico. Os banhados e as matas de restinga

são os ecossistemas mais destruídos, praticamente não restando áreas intactas

fora do Banhado do Taim. As lagoas e banhados sofrem também os impactos

da contaminação por agrotóxicos, das águas que retornam das lavouras.

(BURGER, 2000, p.10)

A influência da sistematização das várzeas para a utilização agropecuária também

foi estudada por P. Silva e Simon (2014), que ao analisarem as alterações ocorridas na

rede de drenagem da região de Planície Lagunar sob influência do Canal São Gonçalo,

identificaram a ampliação das lavouras de arroz como uma das principais causas para as

alterações hidrológicas verificadas entre 1953 e 2010 (Figura 1). Segundo os autores,

21 Ponto de bombeamento de água para uma cota com altitude ligeiramente superior.

89

essas alterações ocorreram devido à construção de canais artificiais que causam distúrbios

na circulação superficial e subsuperficial da água.

Figura 2 Extensão dos tipos de canais de drenagem e densidade de drenagem da Planície Lagunar

sob influência do Canal São Gonçalo RS-Brasil (1953 e 2010)

Fonte: P. Silva e Simon (2014)

Como muitas destas obras foram realizadas à revelia da importância ambiental

dos banhados da região, com o aprimoramento da gestão ambiental muitas destas obras,

tanto do lado brasileiro como do lado uruguaio, vêm sendo embargadas e suas reformas

impedidas de serem realizadas. Contudo, tanto pelo que se pode apurar com o pescador

uruguaio entrevistado, como no estudo de P. Silva e Simon (2014), não há indícios de que

as determinações legais ultrapassem o embargo e obriguem os latifundiários a recuperar

as áreas degradadas. É neste cenário que se inserem as novas formas de utilização das

terras que vão aumentar ainda mais a pressão sobre o ecossistema.

Com o avanço da globalização das economias do Brasil e do Uruguai, desde os

primeiros anos do século XXI a bacia hidrográfica da Lagoa Mirim passou a se articular

com a produção de duas outras importantes mercadorias comercializadas como matéria

prima no mercado mundial. Assim, o agronegócio que basicamente estava voltado à

produção pecuária e à orizicultura, começou se articular com a produção de celulose

voltada ao fornecimento de madeira bruta para empresas transnacionais ligadas ao setor,

bem como com a produção de soja voltada ao mercado internacional de commodities.

No que se refere à celulose, as empresas passaram a montar sua estratégia tendo

os países da América Latina como locais de produção de matéria prima, deixando nestes

países, muitos deles com legislações frágeis, todos os impactos ambientais e sociais desta

forma de exploração da terra. Assim, a Bacia da Lagoa Mirim não foi uma exceção a essa

regra.

90

Conforme Carneiro et al. (2015), as terras agricultáveis passaram a ser ocupadas

para alimentar o ciclo da celulose e não as pessoas. Iniciou-se assim um forte movimento

capitaneado pelas empresas com intensivo apoio do Estado no sentido de implementar

um polo madeireiro na região. Suertegaray e L. A. Silva (2009), ao referirem-se a este

processo, afirmam que

do ponto de vista socioeconômico, o objetivo seria transformar a matriz

econômica da metade sul do Rio Grande do Sul, histórica e culturalmente

pastoril, em região de produção de madeira e celulose. As bases desse

empreendimento estão assentadas na construção de um polo de produção de

celulose em terras do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina (O Cone Sul),

implantar fábricas de celulose (as papeleiras tão discutidas e geradoras de

conflito recente entre o Uruguai e Argentina) e promover o escoamento dessa

produção através de vias navegáveis, como a Lagoa dos Patos, pelo Porto de

Rio Grande, e o Rio Uruguai para escoamento pelo Mar del Plata. O destino é

o mercado internacional (SUERTEGARAY; L. A. SILVA, 2009, p.56).

Contudo, pelo fato de a bacia hidrográfica da Lagoa Mirim estar em área de

fronteira, a aquisição das terras por empresas estrangeiras enfrentou alguns limites legais,

limites estes que segundo Suertegaray e L. A. Silva (2009), foram contornados pelas

empresas através do registro das terras em nome de seus executivos que, da noite para o

dia, viraram grandes latifundiários. Desta forma, não foi só o regime de exploração das

terras que mudou, mas também a propriedade do território.

Este processo de estrangeirização das terras tem ocorrido tanto no Brasil, como

no Uruguai e tem sido motivo de preocupação por setores da sociedade civil e

comunidade científica. Pesquisadores e movimentos sociais tem se mobilizado para

denunciar os impactos socioeconômicos e as manobras políticas que se escondem por

detrás dos processos que de regulamentação destas atividades, tanto do lado brasileiro

como do lado uruguaio.

Do lado brasileiro, Teixeira Filho e Philomena (2010) afirmam existir um

conjunto de contradições nos processos de licenciamento dos florestamentos no estado

do Rio Grande do Sul. Já do lado uruguaio Achkar, Dominguez e Pesce (2012) alertam

que, avançando sobre áreas de campos nativos, lavouras de sequeiro e matas nativas, as

florestas exóticas estão se instalando velozmente nas zonas altas e cabeceiras da Bacia

Hidrográfica, o que compromete, a curto prazo, a produção hídrica da Bacia em geral.

Esta preocupação também é apresentada por Bachini (2013).

91

El déficit hídrico y la incompatibilidad edáfica han sido erigidos como

problemas para esa práctica, además de cuestiones referidas a la conservación

de la biodiversidad. A ello debe agregarse que no se conocen para la CBLM

estudios fidedignos acerca del consumo de agua por parte de montes forestales.

(BACHINI, 2013, p. 45)

Segundo o Anuário Estadístico Agropecuário do MGAP (2015), no ano de 2013

as florestas exóticas ocupavam uma área de 275.170 hectares do território uruguaio da

BHLM. Já do lado brasileiro, segundo o IBGE (2016), a silvicultura já ocupava uma área

aproximada de 150.500 hectares nos municípios que compõem a Bacia Hidrográfica

Mirim-São Gonçalo.

Paralelamente à instalação das monoculturas florestais, a soja foi se instalando na

região de uma forma quase que silenciosa, mas com um crescimento fenomenal nas

últimas décadas. Com as facilidades de manejo obtidas com o advento da transgenia, o

que possibilitou o controle de plantas não desejáveis pelo emprego intensivo de potentes

agrotóxicos, somadas aos baixos preços da terra na região da fronteira e à demanda

crescente no mercado internacional, criaram-se as condições objetivas para que a região

experimentasse um crescimento vertiginoso no cultivo desta commoditie. No lado

brasileiro, segundo dados do IBGE (2016) a área cultivada saltou de 58.060 hectares em

2004 para 264.555 hectares em 2014. Já no território uruguaio, no senso de 2000 esta

atividade era praticamente inexistente na região da BHLM. Já na safra 2010/2011,

segundo dados do MGAP (2011) a área estimada cultivada foi de aproximadamente

65.500 hectares.

O surgimento e crescimento vertiginoso dos cultivos de soja na região da bacia

Hidrográfica da Lagoa Mirim, além de alterar as características da paisagem regional, têm

trazido consigo significativas consequências sociais e ambientais. Dentre estas

consequências pode-se destacar a especulação em relação ao valor das terras e a pressão

indireta que o aumento dos cultivos de soja exerce sobre as áreas de banhados. Neste

sentido, Achkar, Dominguez e Pesce (2012), afirmam que,

A la rizicultura se le suma un processo reciente de avance de los cultivos de

soja sobre suelos tradicionalmente dedicados al cultivo de arroz, pero que

presentan niveles dependiente suficientes para drenar el agua del campo, lo que

generalas condiciones favorables para la implantación del nuevo cultivo. Por

su parte, el cultivo de arroz presiona sobre nuevas áreas inundables, siendo

necesaria La construcción de canales para drenar estos campos (ACHKAR;

DOMINGUEZ; PESCE, 2012, p. 29).

92

Assim, em meio a polêmicas, protestos e chicanas científicas e jurídicas, em um

curto período de tempo estas monoculturas se instalaram na da Bacia da Lagoa Mirim e

continuam crescendo a taxas preocupantes. Como a área de orizicultura tem se mantido

estável22, os impactos socioambientais destas novas atividades (soja e silvicultura) se

somam aos impactos já presentes no território. Utilizando-se dados disponibilizados pelo

IBGE (2016) e pelo MGAP (2015), estima-se que no ano de 2014 estas três monoculturas

(arroz, soja e silvicultura) ocuparam uma área aproximada de 1,1 milhão de hectares, o

que corresponde a aproximadamente 18,5 % de toda a área terrestre da bacia

hidrográfica23. Tomando-se como referência a soja e o arroz, cruzando estes dados com

os dados divulgados por Carneiro et al. (2015) no Dossiê ABRASCO 2015 e pelo Instituto

Riograndense do Arroz - IRGA (2013), pode se ter noção da grande carga de adubos

químicos (NPK e Ureia) e agrotóxicos (herbicidas, inseticidas e fungicidas) que estas

culturas despejam anualmente na bacia hidrográfica24 (Quadro 2)

Quadro 2 Áreas cultivadas e utilização de agroquímicos pelos cultivos de arroz, soja e silvicultura

na BHLM

Culturas Área (ha) % total

BHLM

% terrestre

da BHLM

Adubos

químicos (ton)

Agrotóxicos

(m³)

Arroz 309.393 5,0 5,4 154.697 ton 3.093

Soja 330.212 5,3 5,7 66.042 ton 3.962,54

Silvicultura 425.670 6,8 7,4 * *

Totais 1.065.275 17,1 18,5 220.739 7.056

Fonte: Elaborado pelo autor.

Diante do exposto, pode-se perceber que as classes dominantes continuam a

explorar os bens naturais existentes no território de forma a atender unicamente aos seus

interesses privados de acúmulo de capital. Em que pese, como já visto, exista uma vasta

produção científica que serve de embasamento para se constatar a ocorrência de impactos

ambientais em larga escala na Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim, pouco ou nada têm

sido feito no sentido de reparar tais injustiças. Ainda que saibam de todos os impactos

22 Segundo informações disponíveis nos sites do IBGE (2016) e do MGAP (2015), no ano de 2004 a área

cultivada foi de aproximadamente 311,5 mil hectares e no ano de 2014 esta área foi de aproximadamente

309,5 mil hectares. 23 Excetuando-se apenas as áreas correspondentes à Lagoa Mirim e à Lagoa Mangueira. 24 Como a silvicultura é uma cultura perene, e estando os cultivos em diferentes estágios, torna-se inviável

buscar dimensionar o consumo anual de insumos e agrotóxicos.

93

ambientais gerados, dentro e fora das cercas do latifúndio, as classes dominantes não

esboçam qualquer intenção de interromper a lógica de acúmulo de capital, custe o que

custar. Esta tragédia socioambiental toma dimensões ainda maiores pelo fato da

apropriação privada das terras da região pelo capital internacional.

5.3 A realidade da pesca artesanal na Lagoa Mirim

5.3.1 A produção dos pescadores artesanais da Lagoa Mirim

Tomando-se como base as tipologias apresentadas por Diegues (1983; 1988) pode-

se dizer que a pesca artesanal realizada na Lagoa Mirim, ocorre dentro dos moldes da

pequena produção mercantil ampliada. Contudo, ainda que mantenha grande adesão ao

modelo teórico construído por Diegues, dispensando aqui reescrever tais características,

existem algumas características típicas desta região que podem ou não se aplicarem

também a outras regiões.

Uma das primeiras características está relacionada à limitação da área de ação

impostas pela fronteira entre Brasil e Uruguai e pela “fronteira” com o estuário da Laguna

dos Patos25. Assim, esta limitação na sua área de ação, uma vez que limita a busca de

novos locais de pesca, limita a produção de excedentes para serem empregados na

agregação de tecnologia às embarcações e aos petrechos utilizados. Esta pequena

produção de excedentes gera uma segunda característica que se reflete na alocação da

força de trabalho para atuar nas embarcações, que em grande parte se mantém na unidade

familiar, inclusive com uma significativa participação das mulheres. Ainda que a questão

da escola para os filhos se apresente como limitante a participação da mulher nas

atividades de captura26, ela exerce papel fundamental na execução das tarefas “de terra”.

Também se verificou que nos períodos de férias escolares aumenta a participação das

25 Por meio da Portaria IBAMA N° 171-N, de 22 de dezembro de 1998, um instrumento de gestão pesqueira

passou a limitar a pesca no estuário da Lagoa dos Patos apenas para pescadores das comunidades de seu

entorno, limitando os pescadores da Lagoa Mirim de exercerem a pesca além dos limites dessa lagoa. 26 Como muitos pesqueiros são distantes das comunidades, os pescadores utilizam a estratégia de montar

acampamentos nas margens da lagoa ou em desembocaduras de rios. Assim, nas famílias que possuem

filhos em idade escolar as mulheres acabam ficando nas comunidades.

94

mulheres nas atividades de captura, pois ainda existem famílias que se deslocam

completamente para os acampamentos nestes períodos.

Nos últimos anos vem ganhando força um arranjo denominado pelos pescadores

como parceria, onde alguns pescadores se unem para trabalhar junto e diminuir os custos

de produção. Neste tipo de arranjo, um dos pescadores entra com o seu bote e suas redes

e um outro ou mais entra somente com as redes que possui. As despesas são divididas e

a comercialização da produção é realizada de forma individual.

Uma outra questão importante, mas de difícil aprofundamento devido ao receio dos

pescadores em relação ao acesso às políticas públicas, está relacionada à pluriatividade

como trabalhadores eventuais das fazendas em determinadas épocas do ano. Embora este

tema apareça em conversas paralelas, nenhum dos entrevistados confirmou esta situação.

No que se refere à comercialização, pela particularidade da realidade da lagoa

Mirim, este tema merece destaque na discussão das relações de produção. Porém é

impossível discutir comercialização ignorando o papel que o cooperativismo e o

associativismo vêm desempenhando nas comunidades de pescadores da região. E destes,

não se pode dissociar conquistas que os pescadores obtiveram por meio de suas lutas por

políticas públicas de apoio à comercialização.

Durante o processo de articulação da rede de comercialização, entre 2005 e 2008,

foi realizada uma rodada de oficinas municipais, buscando construir uma linha do tempo

sobre as iniciativas dos pescadores ou projetos relacionados ao tema da comercialização.

Constatou-se que desde o início da década de 1990 algumas lideranças ou famílias já

vinham buscando alternativas para diminuir a dependência dos “compradores” e das

indústrias27, buscando melhores condições de comercialização para o seu pescado. Muitas

destas iniciativas, ou foram boicotadas pelas indústrias e seus representantes locais, ou

acabaram se inviabilizando por calotes aplicados por aventureiros que passaram a

frequentar as comunidades da Mirim em busca de pescado. Porém os pescadores não

desistiram e no início dos anos 2000, associações e cooperativas de pescadores

começaram a ser organizadas tendo como principal objetivo avançar no tema da

27Cabe ressaltar que no processo desencadeado pela política de desenvolvimento pós 221/1967, as

indústrias regionais optaram por não quererem se relacionar diretamente com os pescadores. Para isso,

criaram a figura do “comprador”, o que na prática significava pegar uma liderança local e transformá-la em

um intermediário entre os pescadores e a indústria.

95

comercialização. Deste processo, resultou a formação de cooperativas e/ou associações

em todas as comunidades onde a pesca artesanal tinha expressão.

Assim, algumas comunidades acessaram recursos para investimentos em

infraestrutura de beneficiamento, estocagem e comercialização. Também acessaram

recursos para comercialização institucional. Estas experiências foram fundamentais para

fortalecer a identidade regional dos pescadores da Mirim e abriram espaço para uma

discussão até então ignorada, que era a exploração dos pescadores artesanais pela baixa

remuneração do produto do seu trabalho.

Após um período de grandes avanços, atualmente essas experiências passam por

um estágio de refluxo devido a falhas ocorridas durante o processo de implementação das

políticas públicas, até então pensadas exclusivamente para o setor industrial. Das

instalações construídas, atualmente somente a da COOPESI, em Arroio Grande, está em

funcionamento. Suas atividades incluem o fornecimento de gelo, a comercialização do

pescado de seus associados que vai para compradores de outras regiões do Rio Grande

do Sul e também para o município, onde é fornecido pescado para a alimentação escolar.

No município de Santa Vitória do Palmar, onde foram construídas duas fábricas de gelo

e duas agroindústrias (Vila Anselmi e Porto Pindorama), após mudança da gestão

municipal, estas passaram a não mais receber apoio local e acabaram fechando. Em

Jaguarão, foram criadas uma cooperativa e uma associação de pescadores, porém as

disputas internas dificultam o avanço no tema da comercialização.

Não por acaso, onde os pescadores menos reclamaram do valor do pescado foi na

comunidade de Santa Isabel, onde a COOPESI, mesmo não abrangendo todos os

pescadores da comunidade, atua como reguladora do preço. Já em Santa Vitória do

Palmar, tanto na comunidade da Vila Anselmi, como no Porto Pindorama, os pescadores

apontam o tema da comercialização como um dos maiores problemas enfrentados

atualmente.

“Em 2006, quando a APEVA funcionava, os pescadores vendiam a traíra a R$

3,40 e o Peixe-Rei a R$ 2,00. Vendemos o Jundiá para o Fome-Zero à R$ 2,00.

Hoje a traíra está R$ 2,00, o Peixe-rei R$ 0,90 e o Jundiá parece que nem

querem. E ainda estão falando em baixar a traíra pra R$ 1,40. Ano passado

pagaram o peixe-rei a R$ 0,80. Não paga um quilo de sal”. (Entrevistado A28)

28 Liderança comunitária do sexo feminino, envolvida com a pesca artesanal há mais de 20 anos.

96

Excetuando-se o caso da COOPESI, o restante do pescado é vendido para a empresa

Japesca29que monopoliza a compra de grande parte da produção e por atravessadores de

outras regiões do Rio Grande do Sul buscam o pescado diretamente nas comunidades. No

caso de Jaguarão, existem dois compradores que levam o pescado para ser comercializado

no mercado público de Pelotas. Já os pescadores uruguaios, conforme Migliaro (2014), a

maior parte da produção é comercializada aos atravessadores brasileiros e parte é vendida

na cidade de Rio Branco.

O apoio prestado pelo município de Arroio Grande à COOPESI, certamente tem

sido decisivo para os avanços que a cooperativa vem alcançando. Já em Santa Vitória do

Palmar é nítido o retrocesso vivenciado pelos pescadores das comunidades Anselmi e

Porto. Ainda sobre esse tema, merece destaque as distorções que existentes na legislação

e na fiscalização da cadeia produtiva.

“Os governos apoiam as organizações. Constroem agroindústrias, etc. Mas

os políticos não querem fiscalizar quem trabalha irregular, quem trabalha

errado e compete de forma desigual com as organizações. Não tem como

competir com quem trabalha na clandestinidade”. (Entrevistado B30)

A fala deste entrevistado é um desabafo pelo crescimento indiscriminado de um

esquema de comercialização informal, onde o peixe já vem da lagoa “em manta” e é

vendido de forma ilegal. Essa prática tem favorecido o crescimento da pesca predatória e

também dificultado a comercialização formal que é realizada pelas organizações dos

pescadores e pela única indústria que compra peixe na Lagoa Mirim. Por outro lado, como

relatou um dos pescadores, hoje ele trabalha bem menos do que antes. Dimensiona suas

redes de acordo com sua capacidade de “cortar o peixe” e ainda obtém uma renda bem

melhor do que antes.

O tema da comercialização, sem dúvida, é um tema que merece uma análise

específica por parte de futuros estudos. Seja em relação ao formato das políticas propostas

29 Das empresas que na década de 1980 passaram a comprar peixe oriundo da Lagoa Mirim, a empresa

Japesca é a única que mantém os canais de comercialização com as comunidades e, por isso, segundo os

pescadores, têm utilizando-se de práticas monopolistas na compra do pescado. 30 Pescador artesanal, homem, envolvido com a pesca há mais de 30 anos.

97

para a pesca artesanal, em relação às normas aplicadas ou ao envolvimento dos

municípios.

5.3.2 O processo histórico de constituição do sujeito coletivo

Os pequenos grupos remanescentes indígenas que continuaram sobrevivendo na

região, associados à população constituinte do exército de reserva que, resultante do

processo de racionalização da exploração capitalista do latifúndio acumulara-se nos

aglomerados rurais e nas periferias das pequenas cidades, foram fatores fundamentais

para o surgimento de uma forma de relação com o território que passou a combinar a

pesca e a caça como atividades de subsistência. Utilizando artes rudimentares, e pequenas

embarcações adaptadas para “flutuar” sobre a densa vegetação de banhados e pequenas

lagoas situadas às margens da Mirim, peixes e animais silvestres eram capturados e

utilizados para a alimentação familiar.

Como estes pescadores/caçadores não possuíam terras para cultivo de alimentos

básicos, eventualmente capturavam um excedente para ser trocado por outros gêneros

alimentícios nos vilarejos ou com viajantes que àquela época já se aventuravam em uma

navegação mercantil que existia na região. Esta forma de organização da pesca também

foi relatada em atividades realizadas no âmbito do projeto de Articulação da Rede

Regional de Comercialização Solidária da Pesca no Sul do Rio Grande do Sul – Projeto

da Rede, onde eventualmente os pescadores da Lagoa Mirim referiam-se a famílias

descendentes de indígenas que viviam acampadas nas margens dos corpos hídricos da

região. Além dos pescadores mais antigos fazerem referência a este tipo de pesca, um dos

pescadores fundadores da Cooperativa Lagoa Viva em Pelotas, na época do projeto de

articulação da Rede (2005 - 2008) por várias vezes relatou com certo saudosismo a sua

descendência indígena e o fato de ter sido criado, junto com seus irmãos, em barracos

montados embaixo de figueiras às margens do Canal de São Gonçalo e do Rio Piratini.

A pouca idade deste pescador, na época com aproximadamente pouco mais de 40

anos, estabelece evidências de que esse tipo organização coexistiu com as demais formas

durante muitos anos, sendo aos poucos limitada pela perda do território ou diluída pela

98

pesca praticada dentro dos moldes de uma pequena produção mercantil. Atualmente não

se encontrou evidências da existência desta forma de organização da, mas os pescadores

mais antigos relatam que algumas famílias sobreviviam dessa forma até poucas décadas,

passando a fixar residência nas comunidades.

Com o processo de paz resolvido entre Brasil e Uruguai, a região passou a viver

uma nova dinamização socioeconômica. Ainda que com a paz declarada, a região passou

a contar uma permanente presença militar com contingentes militares que passaram a

demandar por mercadorias e alimentos. A paz também propiciou o estabelecimento de

uma navegação comercial que passou a interligar alguns portos uruguaios e brasileiros da

Lagoa Mirim aos portos da Laguna dos Patos. As atividades comerciais ligadas a estes

portos, bem como mais tarde a construção da Ponte Barão de Mauá, ligando as cidades

de Rio Branco e Jaguarão, atraíram para a região um significativo contingente de

trabalhadores. Com a demanda por alimentos, fruto desta dinamização, começou a surgir

na região uma atividade mercantil que combinava a pesca, a caça e a extração vegetal.

Alguns pescadores passaram a comercializar uma parte do seu excedente em

aglomerados urbanos e em casas de comércio que se instalaram nos portos utilizados pelas

embarcações que trafegavam pela região. A caça de ratões (Myocastor coypus) para a

comercialização de peles e parte da carne passou a ser vista como uma alternativa para

complementação da renda familiar, que contava ainda, em algumas comunidades, com a

extração de madeira nativa (Sarandi) para a confecção de piques utilizados nas cercas das

estâncias e juncos que eram comercializados para Rio Grande e São José do Norte, para

serem utilizados na confecção de résteas de cebola por agricultores.

A importância da caça e da extração vegetal como atividades complementares à

atividade pesqueira é bastante destacada no trabalho de Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza

(2009). Neste período o território de atuação dos pescadores era composto pelos banhados

e lagoas marginais, onde acampavam com as famílias após deslocarem-se em

embarcações movidas à vela, que rebocavam os “ratoneiros”, embarcações menores,

movidas à remo e que eram utilizadas por uma única pessoa para adentrar aos banhados.

A caça de aves e capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) também se constituía em uma

importante fonte de alimentação e, eventualmente, geração de renda para aquisição de

produtos consumidos pela família.

99

Os equipamentos utilizados para a pesca ainda eram rudimentares. As redes eram

confeccionadas manualmente em fios de algodão, linho ou seda, as quais recebiam um

tratamento artesanal para aumentar sua resistência. Este tratamento, que se constituía em

“ferver” as redes comumente era preparado com casca de capororoca ou aroeira31, além

de ser relatado pelos pescadores da Lagoa Mirim, também foi muito utilizado pelos

pescadores do estuário da Laguna dos Patos, conforme descrito por Pasquotto (2005). A

“tralha” das redes era feita de cordas de algodão, sisal ou couro trançado, nas quais eram

amarrados saquinhos de areia ou pedras e as boias eram feitas de porongo ou madeira de

corticeira.

As espécies que vinham do estuário eram capturadas em determinadas épocas,

quando estavam próximas às margens da lagoa ou adentravam os rios, mas eram poucos

os pescadores que se desafiavam nesta “aventura” com receio de que o bagre e a

miraguaia destruíssem suas frágeis e poucas redes. Por esse motivo, a pesca de bagres

empregava o uso de espinheis os quais também eram utilizados para outras espécies. Em

Santa Isabel um pescador lembrou aos risos um feito, que acabou virando ditado na

comunidade, quando um pescador teve as redes estouradas por um cardume de miraguaia.

Em Jaguarão, fato parecido foi relatado por um pescador em relação a um cardume de

bagres cercado por ele, seu pai e seus irmãos.

“O peixe imantava no sangue do gado que corria da charqueada [...] o pai

mandou abrir ...12 redes, cada rede nossa tinha entre dez e doze braças, uma

baita parelha (risos). O pai disse: lá está o cardume de peixe. Deve ser trairão

com grumatã que estão comendo os lambaris. Meus irmãos soltaram a rede,

fecharam o lance e deram duas batidas com o remo na água. Era uma manta

de bagre. Ficou só buraco na rede. Rebentou tudo”. (Entrevistado C32)

O “calendário de atividades” era determinado pela dinâmica das águas, pela

temperatura e pela demanda de peles, juncos e piques de Sarandi. Cada coisa tinha o seu

tempo, a sua safra. Os meios de produção eram próprios e o regime de trabalho era

familiar, envolvendo muitas vezes o deslocamento de toda a família para acampamentos

mais próximos ao local de trabalho.

31 Espécies vegetais nativas da região. 32 Liderança comunitária do sexo masculino. Atualmente com pouco mais de 50 anos, pesca desde que

nasceu.

100

O desenvolvimento das rotas comerciais, interligando os portos da Mirim às cidades

de Pelotas e Rio Grande por meio do Canal São Gonçalo foi aproximando os pescadores

da Mirim com os pescadores artesanais do estuário da Laguna dos Patos, estes últimos já

vivendo um processo de maior profissionalização, tendo a pesca como principal meio de

vida e em uma relação mais integrada ao mercado, seja via atravessadores locais, seja via

um incipiente capitalismo industrial que já se articulava com a pesca da região. Pasquotto

(2005) relata que já em 1928 existira em São Lourenço do Sul uma indústria que

processava pescado oriundo do estuário da Laguna dos Patos em modernas máquinas que

vieram da Alemanha e que enviava grande parte da produção para o nordeste do Brasil.

Assim, em meados do século XX já existira no estuário uma importante atividade

comercial ligada ao pescado e a integração pelo canal São Gonçalo, aos poucos foi

ligando a pesca da Mirim a essa economia pesqueira. O pescado passou a ser salgado e

comercializado para Pelotas e Rio Grande. Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009)

identificam por relatos dos pescadores que na década de 1960 o pescado salgado era

transportado em embarcações à vela para comerciantes da cidade de Pelotas e Rio Grande.

Por intermédio destes comerciantes, ainda na década de 1960 alguns pescadores do

estuário da Laguna dos Patos, já com embarcações motorizadas, se deslocam para a Lagoa

Mirim em busca de espécies estuarinas como a tainha e a corvina.

“O “Inácio Piloto” tinha um caminhãozinho e tinha banca em Porto Alegre.

Ai ele encomendava um caminhão de corvina, o pessoal cercava. Tirava um

caminhão e deixava o resto preso, esperando ele voltar. Se quisesse mais, era

só carregar. Se não quisesse o pessoal abria a rede e largava o peixe que ainda

estava vivo”. (Entrevistado D33)

Em atividades realizadas no âmbito do projeto da Rede de Comercialização, os

pescadores de Santa Vitória do Palmar identificam o ano de 1964 como o ano em que

alguns pescadores vindos de São Lourenço do Sul se instalaram na comunidade do Porto,

juntamente com um comprador de pescado. Na mesma década, segundo Santos et al.

(2014) um grupo de pescadores, também de São Lourenço do Sul, instalou-se na

comunidade da Capilha, no município de Rio Grande. Assim, a década de 1960 inaugurou

um período onde os pescadores da Lagoa Mirim, a essa altura já incorporando também

33 Pescador aposentado do estuário da Laguna dos Patos. Pescou esporadicamente na Lagoa Mirim até a

década de 1980.

101

parte dos trabalhadores desempregados pela mecanização da lavoura de arroz e pela

diminuição das atividades comerciais marítimas, passaram a conviver com pescadores

artesanais, bem melhor equipados, vindos do estuário da Laguna dos Patos. Parte dos

pescadores do estuário, também passaram a incorporar a prática da caça para a

comercialização de peles que eram comercializadas como contrabando para o Uruguai.

Com a política implementada pelo Decreto-Lei 221/1967, segundo Diegues (1983),

20 % dos incentivos fiscais concedidos pelo governo federal para a modernização da

pesca nacional foram investidos no Rio Grande do Sul, uma boa parte destes direcionados

para construção de unidades processamento de pescado sem se saber da existência de

matéria prima para supri-los. Assim, principalmente na cidade de Rio Grande, instalou-

se um parque industrial superdimensionado com uma demanda superior à capacidade de

produção dos ecossistemas da região. Um dos resultados desta política é que em 1976, as

empresas de enlatamento do Rio Grande do Sul funcionavam com 72% de sua capacidade

ociosa.

Tentando suprir a demanda por matéria prima as indústrias também voltaram sua

atenção para a produção da pesca artesanal por meio de atravessadores indicados como

representantes das indústrias. Estes atravessadores passaram a financiar os pescadores,

tendo exclusividade para a aquisição de sua produção, com o valor sempre estipulado pela

indústria. Assim, ao longo da década de 1970 estes atravessadores passaram a mobilizar

pescadores do estuário da Laguna dos Patos para, nos períodos de frustração de safra no

estuário, irem pescar na Lagoa Mirim. Desta forma, uma pesca artesanal mais

intensificada passou a ser realizada nos banhados, lagoas marginais e também na região

central da lagoa. Com embarcações melhores equipadas, abastecidas com gelo e com

redes melhores e maiores, feitas com fio de nylon, os pescadores do estuário eram

mobilizados por estes atravessadores para pescar na Lagoa Mirim como uma forma de

atender à demanda de matéria prima da indústria capitalista da pesca.

Esta “migração” temporal, por um lado se apresentava como uma competição

desigual para os pescadores da Lagoa Mirim, mas por outro criava certas condições

favoráveis, uma vez que estes atravessadores temporários traziam consigo uma

possibilidade concreta de comercialização de seu pescado na região. Quando a “safra” da

Mirim acabava, os pescadores locais ficavam na dependência de se deslocarem até Pelotas

102

ou salgarem o pescado para aguardar a presença de algum comprador. O deslocamento

até Pelotas era penoso e ainda dependia exclusivamente do vento.

Desta interação, alguns atravessadores passaram a estabelecer pontos de compra

nas comunidades no entorno da Lagoa Mirim e alguns acabaram financiando os

pescadores locais para a aquisição de redes, embarcações e motores. Nesta época a

extração de piques de Sarandi e de Junco para vender aos ceboleiros havia perdido espaço

na composição da economia familiar. A pesca, a caça e trabalhos esporádicos nas

fazendas eram as principais fontes de renda nas comunidades de pescadores. Este

financiamento por parte dos comerciantes, que se confirma em Pieve, Kubo e Coelho-de-

Souza (2009), proporcionou aos pescadores locais adquirirem equipamentos mais

modernos e a dedicarem-se um pouco mais à pesca de espécies estuarinas que adentravam

à Mirim pelo Canal São Gonçalo. Segundo relato dos pescadores, agora melhores

equipados e já com redes de nylon, os bagres marinhos (Genidens barbus e Genidens

planifrons), o burriquete (Pogonias chromis), a tainha (Mugil platanus), a corvina

(Micropogonias furnieri), o linguado (Paralichthys orbignyanus)e eventualmente o

camarão (Farfantepenaeus paulensis)passaram a constituir uma importante fonte de

renda para os pescadores da região.

Com a construção da barragem eclusa do Canal de São Gonçalo, por orientações

do Projeto Lagoa Mirim CLM/PNUD/FAO, o qual estranhamente considerou a entrada

de água salgada na Lagoa Mirim como um obstáculo para o desenvolvimento da atividade

pesqueira na região34, “a cunha salina foi impedida de penetrar na Lagoa Mirim e em

grande parte do canal São Gonçalo causando a perda de área estuarina de

aproximadamente 2.750 km², principalmente durante as estações de verão e outono”

(BURNS, 2017, p. 216).

Os estudos realizados por Burns et al. (2006), Burns (2010; 2017) vão ao encontro

dos relatos dos pescadores e indicam que esta interrupção no ecossistema trouxe grandes

perdas para a pesca artesanal, uma vez que interrompeu o habitat e, em alguns casos, o

ciclo biológico das espécies marinhas e estuarinas que ocorriam na região e que vinham

se constituindo em importantes fontes de renda para os pescadores locais. Vaz-Ferreira

34Aparentemente, el tema de la indústria pesquera em las lagunas no fué estudiado em virtude de que las

periódicas entradas de agua salada fueron vistas como un obstáculo importante para esse desarrollo

industrial. Ahora que la CLM otorga prioridad al controle del agua salada y la regulación de niveles en las

lagunas, el tema de la industria pesquera puede receber su importancia. (CLM/PNUD/FAO, 1969, p.18-19)

103

(1969) também se constitui em uma importante referência para se avaliar o impacto desta

obra sobre as espécies marinhas e estuarinas. Ao catalogar os peixes do Uruguai este autor

registra a ocorrência no litoral da Lagoa Mirim e do Rio Cebollati de um bagre marinho

da família Ariidae, conhecido nestas regiões como “bagadú”. Segundo ele este bagre

[...] vive la mayor parte del tiempo en el mar, cuando llega la estación de cría

"bagres" de esta especie penetran en la Laguna de los Patos (Brasil),

pasan a la Laguna Merín y remontan el río Cebollatí, donde se,

encuentran sobre todo en diciembre y enero. Es en esa zona donde se efectúa

su peculiar tipo de reproducción: las hembras depositan huevos de unos 18

mm. de diámetro y los machos, que en esse período presentan las aletas

coloreadas de rosado vivo, los toman en la boca en número de 30 a 48. Durante

un período de varias semanas el macho deja de comer y los incuba en la boca.

Los embriones se desarrollan hasta reabsorber totalmente la vesícula umbilical

y eclosionar; recién algo después de este momento salen de la boca del macho,

que a la sazón se encuentra en viaje de descenso en las proximidades de las

bocas del río o en las lagunas (VAZ-FERREIRA, 1969, p. 38, grifo nosso).

Assim, após a construção da barragem, segundo os pescadores, espécies como o

bagre, miraguaia e linguado praticamente desapareceram da Lagoa Mirim. Já as capturas

de tainha e corvina passaram a ser cada vez mais raras, uma vez que “com essa obra, foi

cortada a migração de peixes, como a tainha e corvina, que ocorria entre a Lagoa Mirim,

Lagoa dos Patos, Oceano e vice-versa” (J. A. SILVA, 1990, p. 3). Conforme também

afirmam Pieve, Kubo e Coelho-de-Souz a (2009), sem as espécies marinhas e estuarinas,

os pescadores tiveram de direcionar a pesca exclusivamente para os peixes de agua doce,

principalmente a traira (Hoplias malabaricus), o jundia (Rhamdia spp), o pintado

(Pimelodus maculatus) e o peixe-rei (Odontesthes spp). Ao longo dos anos os impactos

desta obra sobre a pesca artesanal têm sido motivo de lamentações, indignação e

denúncias por parte dos pescadores artesanais, caracterizando um conflito ambiental em

que a voz dos impactados tem sido sistematicamente ignorada e abafada pelas classes

dirigentes.

Já no final da década de 1970 a pesca artesanal no estuário da Laguna dos Patos

começava a apresentar seus primeiros resultados negativos decorrentes do processo de

modernização do setor. Buscando diminuir a pressão sobre o estuário, conforme J. A.

Silva (1990), o governo passou a incentivar a construção de embarcações de madeira com

cabine, convés e dotadas de sistema de navegação, para atuarem na pesca de emalhe

costeiro.

104

No entanto a estratégia das indústrias passou por, desde os primeiros anos da década

de 1980, mobilizar grandes quantidades de pescadores do estuário para atuar sobre os

estoques existentes na Lagoa Mirim, inclusive algumas das embarcações que haviam sido

construídas para atuarem na costa oceânica. Esta década também é marcada pelo início

das atividades da empresa Japesca35, na compra de pescado nos municípios brasileiros do

entorno da Lagoa Mirim. Foi a partir da estruturação dos canais de comercialização feitos

por esta empresa que, conforme Migliaro (2014), alguns uruguaios passaram a iniciar na

atividade pesqueira através do porto de Rio Branco. Em síntese, para atender o interesse

das empresas capitalistas, esta década foi marcada por um significativo aumento no

esforço de pesca na Lagoa Mirim.

Contudo, além dos primeiros impactos causados pela construção da barragem

eclusa e do ainda latente conflito com os pescadores do estuário da Laguna dos Patos, ao

longo da década de 1980 as classes dirigentes iriam pôr em marcha um processo de

transformação ambiental em larga escala que iria mudar o rumo da história da pesca

artesanal na Lagoa Mirim. Se Hardin (1968) sugere a propriedade privada como uma

forma de proteger os bens comuns, o que se ocorreu ao redor da Lagoa Mirim foi

justamente o contrário. De posse da propriedade privada das terras, os latifundiários,

apoiados pelo Estado, deram início a um processo de destruição ambiental em larga escala

que diminuiu a área de uso comum dos pescadores e aumentou a área de uso privado dos

latifundiários, afetou em cheio a sustentabilidade da pesca na região.

A relação dos pescadores artesanais com o território nunca foi uma relação de

apropriação privada da terra, pois sequer os lotes de terra que ocupavam com habitação

de suas famílias36 poderiam chamar de seu. Como já visto, historicamente os pescadores

artesanais da região se produziram e reproduziram relacionando-se com a natureza por

meio de seu trabalho nas áreas de banhados e lagoas marginais, áreas estas que aos poucos

foram sendo reivindicadas pelo interesse privado dos latifundiários. Ao drenarem as áreas

úmidas (banhados e lagoas marginais) para a expansão da exploração agropastoril, os

latifundiários não só impactaram o equilíbrio ecológico do ecossistema, uma vez que

35 Indústria de pescados situada no município de São Lourenço do Sul, com forte presença no processo de

desenvolvimento da pesca artesanal na Lagoa Mirim. 36 Durante os recentes programas para construção de habitações rurais, muitos pescadores não puderam ser

beneficiados por não possuírem o título da terra em que moram. Na verdade, a imensa maioria não possui

e só foram beneficiados aqueles que se inscreveram nas primeiras edições do programa quando o mesmo

aceitava apenas uma declaração da Prefeitura. Na maior parte das comunidades a terra pertence a famílias

de fazendeiros da região.

105

destruíram importantes áreas de reprodução e berçário das espécies de peixes e animais,

mas também impactaram diretamente a forma de relação entre pescadores e natureza.

Ao suprimirem em larga escala o habitat das espécies nativas da região, conforme

foi descrito por Burger (2000), as classes dirigentes não só decretaram a diminuição da

abundância de tais espécies, mas também expropriaram os territórios tradicionais

utilizados pelos pescadores. Junto com as lagoas e banhados não se foram só os peixes e

os demais animais que historicamente serviram para sua sustentação, mas todo o saber

tradicional acumulado por gerações sobre como lidar com aquele ambiente. Se foram os

pesqueiros, os acampamentos, as trilhas e os comedouros dos animais, as sangas, etc.

Fernandes et. al. (2007) e Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009), relatam que os

pescadores identificam a drenagem dos banhados como um dos principais problemas para

a pesca. Estas últimas autoras ainda afirmam que a orizicultura exerce impacto direto na

pesca da região “ao drenar banhados na construção de canais de irrigação, construir

bombas de sucção da água e contaminar a água com o escoamento de agrotóxicos em

banhados próximos ou diretamente na Lagoa” (PIEVE, KUBO e COELHO-DE-

SOUZA, 2009, p. 170). O território de pesca e de caça a cada ano passou a ser mais

reduzido e os vastos banhados transformaram-se em um emaranhado de canais rasgando

os campos demarcados com cercas e porteiras, em alguns casos protegidas por seguranças

armados. Os poucos banhados e sangas que restavam não suportavam mais a quantidade

de pescadores.

A perda dos banhados gradativamente foi afastando a possibilidade da caça como

fonte de sustento e forçando a especialização na atividade pesqueira como meio de

sobrevivência. Contudo, conforme relato de alguns dos pescadores entrevistados,

inicialmente muitos tiveram dificuldades, pois com as perdas dos pesqueiros tradicionais

e dos locais de reprodução dos peixes, de forma geral os pescadores da Lagoa Mirim

acabaram tendo que se aventurar em um tipo de pescaria que não estavam habituados e

para a qual a grande maioria não estava equipada, que foi a pesca na lagoa propriamente

dita. Esta situação fica evidente na fala de um dos entrevistados.

“Inicialmente muitos tiveram dificuldades. Perdemos os pesqueiros, os locais

de reprodução dos peixes, a nossa reserva, e acabamos tendo que aprender a

pescar no meio da Lagoa” (Entrevistado E37)

37 Pescador artesanal aposentado. Sempre pescou na Lagoa Mirim.

106

Neste contexto, após as classes dirigentes interromperem os ciclos das espécies

marinhas e estuarinas que ocorriam na região, e após terem lhe expropriado o território

que tradicionalmente ocupavam, os pescadores artesanais da Lagoa Mirim foram

forçados a migrar para uma pescaria para a qual não estavam equipados e tampouco

tinham conhecimento. Neste tipo de pescaria os também pescadores artesanais do estuário

da Laguna dos Patos, também foram impactados com todas as transformações ambientais

que ocorreram na região, e que também eram explorados pelas empresas capitalistas da

pesca, possuíam melhores embarcações melhores equipadas e tinham visível vantagem

em relação ao poder de captura dos pescadores locais.

Assim, enquanto as classes dominantes passaram a acumular capital pela

apropriação privada da natureza e pela exploração indiscriminada do território, todos os

custos ambientais deste processo foram canalizados para o grupo social dos pescadores

artesanais. A tragédia dos comuns não teve origem na utilização comunal dos bens, mas

sim na possibilidade de mercantilização da natureza decorrente da apropriação privada

das terras e de todos os bens naturais disponíveis sobre elas.

Contudo, uma questão intrigante neste processo é que ao passo que os impactos

decorrentes das transformações ambientais levadas a cabo pelas classes dirigentes foram

se materializando, um conflito da classe trabalhadora consigo mesma foi ganhando forma,

ou seja, foi emergindo um conflito entre pescadores artesanais da Lagoa Mirim e do

estuário da Lagoa Mirim pelo acesso aos poucos estoques pesqueiros que ainda restavam.

Marx, ao analisar a conjuntura em que Louis Bonaparte implementou o golpe de Estado

da França, traz uma importante reflexão acerca da realidade em que estavam inseridas as

famílias camponesas naquele momento.

À medida que milhões de famílias camponesas vivem em condições

econômicas de existência que as separam umas das outras, e opõem o seu modo

de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade,

estes milhões de famílias constituem uma classe. Mas na medida em que

existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local em que a

igualdade de seus interesses não cria entre eles comunidade alguma,

ligação nacional alguma, nem organização política, nessa exata medida

não formam uma classe. São, portanto, incapazes de fazer valer seu interesse

de classe em seu próprio nome, quer através de um parlamento, quer através

de uma Convenção (MARX, 2000, p. 137, grifo nosso)

107

Embora tanto os pescadores artesanais do Estuário da Laguna dos Patos como os

da Lagoa Mirim tenham sido impactados pelas intervenções ambientais que as classes

dirigentes puseram em marcha para atender exclusivamente seus interesses privados, as

ligações existentes entre estes dois grupos de trabalhadores não lhes possibilitaram que

estes se reconhecessem enquanto uma classe que vinha sendo impactada pela ação da

classe dominante. E foi nesta conjuntura que, enquanto as classes dominantes passaram a

acumular capital, os pescadores artesanais passaram a acumular impactos e a cultivar um

conflito no interior da própria classe, onde o centro passou a ser o acesso e uso dos cada

vez mais escassos recursos pesqueiros. Como será visto mais adiante, este conflito foi

precursor de um processo de gestão pesqueira implementado na região.

Soma-se a este cenário um outro conflito que vêm se arrastando por décadas entre

os pescadores artesanais e a prática de uma pesca especulativa realizada por “turistas” de

outras regiões que acessam a lagoa e, utilizando lanchas com motores potentes e redes

ilegais, inclusive nos períodos de piracema, exercem uma pesca ilegal sem qualquer

compromisso com a sustentabilidade dos estoques. Via de regra, o acesso à lagoa se dá,

ou por meio de consentimento dos latifundiários, ou por meio de uma espécie de

“aliciamento” feito com membros das comunidades, os quais acabam recebendo este tipo

de “turistas” como se fossem visitas.

Como pode ser observado, ao se analisar a realidade da pesca artesanal na Lagoa

Mirim, verifica-se que historicamente esta vem sofrendo com diversos impactos

ambientais e sociais provocados pela ação das forças que exercem o domínio sobre o

território (Quadro 3). Muitos dos impactos verificados estão diretamente relacionados ao

processo de apropriação privada da terra e à sua exploração para a acumulação de capital

por parte dos grupos sociais que historicamente foram privilegiados na constituição do

território.

Cabe registrar que o conjunto de impactos sobre a pesca artesanal até aqui

apresentados são conhecidos de longa data pelas agências estatais. Em um diagnóstico

que a SUDEPE produziu sobre o setor pesqueiro no Rio Grande do Sul, Rodrigues et al.

(1988) já relacionou os problemas enfrentados pela pesca na Lagoa Mirim aos impactos

ambientais provocados por outras formas de uso do território. Impactos esses que,

segundo o diagnóstico foram causados, entre outros, pelo uso de agrotóxicos, bombas de

irrigação, construção de barragens, despejos industriais e desmatamento ciliar.

108

No que se refere à pesca artesanal nos rios do Rio Grande do Sul, bem como

lagoas de importância significativa como a Lagoa Mirim e a Lagoa Mangueira,

nota-se que os problemas avolumam-se e relacionam-se diretamente a

expansão demográfica, além daqueles relativos ao aspecto de pesca predatória.

O fluxo constante das águas dos rios com seu trânsito em direção ao oceano,

carreia em seu meio componentes altamente tóxicos, derivados de descargas

industriais, domésticas e produtos químicos, trazendo consequências

imensuráveis para os recursos pesqueiros. [...] O avanço tecnológico aplicado

às lavouras agrícolas, com o advento das bombas de recalque de água de grande

potência, que tem como fonte rios e lagoas, fez com que houvesse um

extermínio de alevinos desses locais, quebrando o ciclo biológico e decretando

a falência dos recursos. [...] A falta de integração interinstitucional entre os

órgãos que legislam sobre o uso dos mananciais hídricos, nos múltiplos e

deficientes serviços de fiscalização, somada à falta de conscientização das

populações sobre o correto uso dos mananciais e ainda, a falta de uma política

de administração nas bacias, que contemple as suas peculiaridades são os

principais responsáveis pelo lamentável estado em que se encontram nossas

águas interiores (RODRIGUES et al., 1988, p. 89).

Já no campo da Ciência, nota-se que em um movimento contra hegemônico alguns

pesquisadores têm dedicado suas atenções para analisar os impactos ambientais que a

exploração capitalista tem gerado sobre os pescadores da Lagoa Mirim. Alguns poucos,

inclusive, têm se colocado ao lado dos pescadores artesanais e contribuído bastante para

dar maior visibilidade aos conflitos enfrentados pela pesca artesanal, como é o caso, entre

outros, de Migliaro (2013, 2014a, 2014b) e de Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009).

Algumas destas pesquisas que vêm sendo realizadas, reforçam o movimento ainda singelo

dos pescadores artesanais que nos últimos anos começaram a identificar esses impactos e

a relacioná-los à realidade em que estão inseridos.

Com o passar dos anos, os pescadores passaram a denunciar essas transformações

ambientais e a cobrar das autoridades uma atitude em relação a tais impactos sobre o

ecossistema e, consequentemente, sobre a sustentabilidade da pesca artesanal. Contudo,

neste contexto histórico de impactos ambientais em larga escala, em que a tragédia não

teve origem na utilização comunal dos bens naturais, mas sim na possibilidade de

mercantilização da natureza pela apropriação privada das terras, muitos desses impactos

têm sido encobertos pela ação das forças políticas pertencentes aos setores dirigentes da

sociedade.

109

Quadro 3 - Potenciais impactos sobre a pesca artesanal na Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim

Atividade Atores Aspecto

Ambiental

Potenciais impactos Evidências Bibliografia Problema ou

Conflito

Orizicultura/

pecuária

Latifundiários;

Arrendatários;

Governo;

Pescadores

artesanais

Drenagem dos

banhados Supressão de habitat

Diminuição dos criadouros;

Diminuição do pescado;

Perda do território tradicional;

Perda do conhecimento

tradicional;

Necessidade de maiores

investimentos;

Privatização dos pesqueiros e

impedimento de acesso.

Perda de renda.

Denúncias dos

pescadores;

Trabalhos científicos;

Reportagens;

Relatórios técnicos.

Achkar, Dominguez e Pesce (2012);

Arrarte e Scarlato (2000);

Averbeck (1984);

Brasil (1976);

Brasil (1981);

Burger (2000);

Fernandes et. al. (2007);

J. A. Silva (1990);

Migliaro (2013; 2014a; 2014b);

Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009);

Rodrigues et al. (1988).

Roëll (1968);

Conflito

Orizicultura Latifundiários;

Arrendatários;

Governo;

Pescadores

artesanais

Bombeamento

irregular da

água

Mortandade de alevinos

Perdas econômicas

Denúncia dos

pescadores

Tema abordado no

COMIRIM

Burger (2000);

J. A. Silva (1990);

Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009);

Rodrigues et al. (1988)

Conflito

Orizicultura Latifundiários;

Arrendatários;

Governo;

Pescadores

artesanais

Instalação da

Barragem eclusa Alteração do ecossistema;

Supressão de habitat

Barramento de espécies

estuarinas;

Mudança cultural.

Perdas econômicas

Denúncias dos

pescadores;

Trabalhos científicos;

Reportagens;

Relatórios técnicos;

Ausência de espécies

estuarinas nas capturas.

Brasil (1976);

Burns (2010; 2017)

Burns et al. (2006);

J. A. Silva (1990);

Rodrigues et al. (1988)

Vaz-Ferreira (1969)

Conflito

Orizicultura Latifundiários;

Arrendatários;

Governo;

Pescadores

artesanais

Uso de adubos e

agrotóxicos Alteração das características

físico-químicas e

microbiológicas dos corpos

hídricos (acidificação, por

exemplo).

Contaminação dos recursos

hídricos

Levantado em

entrevistas por alguns

pescadores;

Estudos científicos;

Dados IBGE e MGAP

Arrarte e Scarlato (2000)

Burger (2000)

J. A. Silva (1990);

Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009);

Rodrigues et al. (1988);

Problema

110

Bioacumulação de poluentes

na cadeia trófica

Desequilíbrio ambiental

Perdas econômicas

Silvicultura Governos;

Latifundiários;

Empresas

multinacionais;

Pescadores

artesanais

Implantação de

monoculturas de

florestas

exóticas

Desequilíbrio hídrico

Poluição do solo e das águas

Impactos sociais

Mobilização social;

Estudos científicos;

Relatórios Técnicos.

Achkar, Dominguez e Pesce (2012);

Bachini (2013).

Suertegaray e L. A. Silva (2009);

Teixeira Filho e Philomena (2010);

Problema

Crescimento

da soja

Empresas

multinacionais;

Governos;

Latifundiários;

Pescadores

artesanais

Uso de adubos e

agrotóxicos Destruição das matas nativas

e matas ciliares;

Erosão do solo

Contaminação do solo e das

águas

Desequilíbrio ambiental e

perdas econômicas

Entrevistas com

pescadores;

Estudos científicos;

Relatórios de

movimentos sociais;

Dados IBGE e MGAP

Achkar, Dominguez e Pesce (2012);

Bachini (2013);

Problema

Turismo Turistas;

Agências e

empresas da região;

Pescadores

artesanais

Pesca predatória

Poluição

Degradação

ambiental

Aliciamento de lideranças

Ameaça ao modelo de gestão

da pesca

Prejuízos ambientais e

econômicos

Entrevistas com

pescadores

Trabalhos científicos

Migliaro (2014) Conflito

Comércio

clandestino

Atravessadores;

Órgãos de

Fiscalização;

Pescadores

eventuais

Pesca predatória

Ameaça ao sistema de gestão

Perdas econômicas

Competição desleal com as

organizações

Entrevistas

Relatórios técnicos

Conflito

Gestão

pesqueira

Pescadores do

Estuário;

Pescadores da

Mirim;

Governo;

Universidades.

Gestão

pesqueira Limitação da área de ação

(estuário e Mirim);

Normas incongruentes com a

realidade dos pescadores

locais

Entrevistas

Pauta do COMIRIM

Trabalhos científicos

Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009);

Reis e D’Incao (2000);

Piedras, Fróes e Robaldo (2015)

Piedras (2015)

Conflito

Fonte: Elaborado pelo autor

111

5.3.3 O lugar da pesca artesanal na gestão ambiental do território

Por seu caráter binacional, a gestão da bacia hidrográfica é mediada pelo Tratado

de Cooperação para o Aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimento da

Bacia da Lagoa Mirim e pelo Protocolo para o Aproveitamento dos Recursos Hídricos do

Trecho Limítrofe do Rio Jaguarão, instituídos no território brasileiro pelo Decreto

no 81.351/1978. A Implementação deste Tratado é feita pela Comissão Mista Brasileiro-

Uruguaia para o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim (CLM), a qual se subdivide

em uma seção brasileira e em uma delegação uruguaia (Figura 2). No Lado Brasileiro, as

ações ficam a cargo da Seção Brasileira da Comissão Mista Brasileiro-Uruguaia para o

Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim (SB/CLM), a qual tem sede executiva na

Agência de Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim (ALM), estrutura vinculada à

Universidade Federal de Pelotas - UFPEL, por força do Decreto 1.148 de 26 de maio de

1994, que transferiu para a UFPEL “o acervo técnico-científico, os bens patrimoniais e

os projetos relacionados com o Plano de Desenvolvimento Integrado da Bacia da Lagoa

Mirim” (BRASIL, 1994).

Figura 3 Estrutura Organizacional da CLM

Fonte: Agência da Lagoa Mirim

No território brasileiro, o tema do meio ambiente e da gestão ambiental é tratado no

âmbito da Constituição Federal de 1988, a qual em seu artigo nº 225 estabelece que “

todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade

112

o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL,

2002, p. 129). Neste mesmo artigo, a Constituição Federal incumbe ao Poder Público

(Estado) a atribuição de garantir a efetividade deste direito.

Assim, o Estado brasileiro tem passado a implementar as políticas públicas

relacionadas à gestão ambiental por meio a articulação de estruturas colegiadas que visam

promover a participação da sociedade civil nas decisões que são exclusivas do Estado.

Fruto deste processo, no território brasileiro existem dois espaços colegiados que

dialogam com a gestão ambiental territorial. Assim, o Conselho Cooperativo para Ações

nas Lagoas Mirim e Mangueira no Âmbito Pesqueiro – COMIRIM está vinculado à

política de gestão pesqueira do governo brasileiro. Já o Comitê de Gerenciamento das

Bacias Hidrográficas da Lagoa Mirim e do Canal São Gonçalo está em consonância com

a política nacional de recursos hídricos.

Neste contexto, torna-se interessante fazer um movimento reflexivo no sentido de

buscar compreender qual estratégia as classes dominantes têm utilizado para manter a

hegemonia sobre os pescadores artesanais, sem que esses se voltem contra aqueles que

ameaçam a sua existência. Para isto, tomou-se como base uma avaliação de como estas

relações ocorrem no território brasileiro da bacia hidrográfica da Lagoa Mirim e em que

condições ocorre a participação dos pescadores artesanais nestes dois espaços de gestão

que dialogam com política nacional implementada pelo Estado brasileiro.

O Conselho Cooperativo para Ações nas Lagoas Mirim e Mangueira

no Âmbito Pesqueiro – COMIRIM

A criação do COMIRIM está vinculada a uma estratégia adotada pelo Estado

brasileiro que, buscando uma maior eficácia na gestão dos recursos pesqueiros, conforme

Kalikoski e Silva (2007), passou a implementar inúmeros sistemas de gestão

compartilhada da pesca38. Este modelo de gestão surge de uma abordagem que vinha

emergindo no cenário mundial e que em 1995 viria a se materializar no Código de

Conduta para a pesca responsável da FAO, o qual em seu artigo 6º definiu que

38 A gestão pesqueira compartilhada pode ser definida como uma parceria na qual o governo, a comunidade

de usuários locais do recurso (pescadores), os agentes externos (organizações não governamentais,

acadêmicas e instituições de pesquisa), e outros atores envolvidos com a pesca e os recursos costeiros

(proprietários de embarcações, comerciantes de peixes, bancos que concedem empréstimos,

estabelecimentos turísticos, etc.) compartilham a responsabilidade e a autoridade por tomar decisões sobre

a gestão de uma pescaria (BERKES et al., 2006, p. 273)

113

Los Estados, reconociendo que es sumamente importante que los pescadores y

los acuicultores comprendan los problemas relacionados con la conservación

y la gestión de los recursos pesqueros de los que dependen, deberían fomentar

por medio de la enseñanza y la capacitación la toma de conciencia de éstos

acerca de la pesca responsable. Asimismo, deberían velar por que los

pescadores y acuicultores participen, cuando proceda, en el proceso de

formulación y ejecución de políticas con el fin de facilitar la aplicación del

Código (FAO, 1995, p. 8, grifos nosso).

Assim, no início da década de 199039, como forma de resposta ao conflito entre

pescadores artesanais da Lagoa Mirim e do estuário da Laguna dos Patos, o IBAMA

(então órgão estatal responsável pela gestão dos recursos pesqueiros), pôs em andamento

um processo de gestão pesqueira compartilhada. Para isso, segundo Reis e D’Incao

(2000), passou a articular o COMIRIM para ser um órgão colegiado por onde passaria

todo o processo de discussão e proposição das medidas de gestão da pesca na região.

Entre as medidas de manejo, estabeleceu-se como prioridade a redução do esforço

de pesca por meio da limitação do acesso exclusivamente para pescadores residentes nas

comunidades do entorno das lagoas Mirim e Mangueira. Também foi planejado um

sistema de monitoramento do desembarque de pescado, com o objetivo de monitorar o

desempenho dos estoques.

Para dar materialidade à proposta, no ano de 1993 foi publicada a Portaria IBAMA

n° 119-N, de 17 de novembro de 1993 (BRASIL, 1993) que proibiu o uso de redes de

arrasto e redes de espera com malha inferior a 80 mm, bem como regulamentou a

quantidade de uso de redes de espera e o licenciamento dos pescadores, implementando

ainda a obrigatoriedade de os pescadores licenciados preencherem mapas de bordo a ser

entregues ao IBAMA após cada viagem ou semanalmente. Com a publicação desta

portaria e a obrigatoriedade do licenciamento para que pescadores pudessem exercer a

pesca na região, pôde-se ter controle sobre os pescadores a serem licenciados, sendo que

as colônias só passariam a encaminhar para licenciamento os pescadores residentes nas

comunidades do entorno das lagoas Mirim e Mangueira. Desta forma, um significativo

número de pescadores dos municípios de Pelotas, Rio Grande e São Lourenço do Sul

passaram a ser impedidos de pescar nas lagoas Mirim e Mangueira, reduzindo assim o

39 Perucchi, Kubo e Coelho-de-Souza (2012) identificam o ano de 1992 como ano de criação do

COMIRIM.

114

esforço de pesca. Em contrapartida, os pescadores destas lagoas também ficaram

proibidos de pescar no estuário da Laguna dos Patos.

Desde que se iniciou o processo de manejo pesqueiro na Lagoa Mirim, o mesmo

vem passando por ajustes nos instrumentos legais que balizam a implementação e

operacionalização das ações voltadas à gestão do uso dos recursos pesqueiros na região.

Tais medidas visam garantir maior segurança jurídica ao processo de gestão

implementado pelo COMIRIM, bem como dar maior suporte às ações de fiscalização

realizadas na Lagoa Mirim.

Assim, com a identificação de algumas fragilidades existentes na Portaria IBAMA

119-N, em 1998 foi publicada a Portaria IBAMA/SUPES/RS N° 12 que trouxe algumas

complementações ao processo de regramento da pesca. Tais medidas garantiram maior

segurança jurídica ao processo de gestão, bem como deram maior suporte às ações de

fiscalização. Desta forma, no seu primeiro artigo esta Portaria deliberou que só poderiam

pescar na Lagoa Mirim os pescadores portadores de licenças concedidas após a aprovação

“em um fórum especialmente constituído e definido pelo IBAMA para este fim, composto

pelos representantes das comunidades pesqueiras do entorno da Lagoa Mirim e da

Sociedade Civil Organizada” (IBAMA, 1998, p. 1). Cabe registrar que aqui que embora

a Portaria fale em comunidades pesqueiras e sociedade civil organizada, o COMIRIM

possui uma forte presença do Estado e de seus aparelhos ideológicos40, conforme pode

ser visto nas representações que se fazem presentes neste colegiado (Quadro 4). No seu

artigo segundo, a Portaria apresentou como exigências complementares para a obtenção

da licença a comprovação de residência e apresentação de comprovante de que a pesca

exercida na Lagoa Mirim era o principal meio de vida dos pescadores candidatos a tal

licença.

Já em 2004 foi publicada a Instrução Normativa Conjunta MMA/SEAP Nº 2, de

9 de fevereiro de 2004. Disciplinando artes de pesca de acordo com as características de

cada local de pesca (lagoas Mirim e Mangueira ou seus tributários), bem como quantidade

de redes e tamanho mínimo de malhas, esta Instrução Normativa incorporou ainda as

40 No âmbito deste trabalho, a concepção de que tais organizações pertencem aos Aparelhos Ideológicos do

Estado - AIE, parte da formulação de Marx (2008) sobre o papel que a superestrutura exerce na reprodução

das relações sociais e soma-se às contribuições de Althusser (1970) e de Soares (1978). Assim, organizações

públicas ou privadas que se dedicam a atuar na formação da consciência das pessoas, de forma a reproduzir

a ideologia hegemônica, foram classificadas como aparelhos ideológicos do Estado.

115

discussões relacionadas ao período de defeso para a reprodução dos peixes. Tal

preocupação foi expressa em seu artigo sétimo ao “proibir, anualmente, de 1º de

novembro a 31 de janeiro, a pesca nas lagoas Mangueira e Mirim e seus respectivos

tributários [...], correspondendo ao período de reprodução dos peixes” (BRASIL, 2004).

Esta norma resultou de um ajuste ainda maior no processo de gestão pesqueira, uma vez

que passou a restringir artes de pesca e proteger um pouco mais a pesca em determinados

ambientes.

Com o passar dos anos os pescadores passaram a pleitear junto ao COMIRIM uma

alteração nas normas de gestão visando incorporar às regras existentes o tamanho mínimo

por espécie de peixe, ajustado o tamanho de malha correspondente a cada tamanho

mínimo. Cabe registrar que segundo Piedras, Fróes e Robaldo (2015) esta proposta passou

a ser embasada em estudos técnicos realizados por pesquisadores da Universidade Federal

de Pelotas, buscando dar solução a um conflito sistemático que se estabeleceu entre

IBAMA e pescadores locais após a alteração nos tamanhos mínimo de malhas definidos

nas normas anteriores.

O pleito para a revisão na normativa e readequação do tamanho mínimo de malha

surge justamente de uma constatação de que a alteração no tamanho mínimo de malha

não levou em conta a tradicionalidade dos pescadores da região. Criou-se assim uma

norma que transformou a pesca tradicional em uma pesca considerada ilegal, ou, como

preferem alguns defensores do conservacionismo, uma pesca predatória. Conforme pode

ser visto na justificativa que Piedras (2015) apresenta para a redução do tamanho mínimo

de malha na região, a norma implementada não reconheceu a cultura dos pescadores

locais que nunca aceitaram o aumento do tamanho de malha e seguiram pescando com

malha proibida, mesmo sendo sistematicamente apreendidos pelos órgãos de fiscalização.

Sem ter seu pleito de gestão por tamanho mínimo atendido, em um processo que

se arrasta por mais de uma década, os pescadores têm começado a adotar uma postura

mais crítica em relação ao papel desempenhado pelo COMIRIM. Este descontentamento

também foi observado por Pieve, Kubo e Coelho-de-Souza (2009).

Foi interessante notar que, não foi feita menção alguma ao COMIRIM, no

sentido de participação, mas sim no sentido crítico, deste ser um órgão sem

endereço, sem a participação de pescadores, e que mesmo assim pode

regulamentar a pesca na Lagoa Mirim (PIEVE, KUBO e COELHO-DE-

SOUZA, 2009, p. 81).

116

Soma-se ainda o fato de este colegiado não ter se constituído como um espaço

para dar vazão às demandas recorrentes dos pescadores e suas organizações, como é o

caso da fiscalização na comercialização do pescado e no enfrentamento dos conflitos

estabelecidos com o agronegócio. A concessão de participação dada aos pescadores

artesanais deu-lhes apenas o direito de legitimar a implementação de algumas das

clássicas medidas da gestão pesqueira tradicional, as quais representaram apenas em

restrições aos pescadores artesanais, sem possibilitar-lhes encarar e discutir a realidade

da pesca como um todo.

Em uma situação em que o ambiente ecológico foi desequilibrado por alterações

ambientais em larga escala, o caminho para a sustentabilidade apresentado pelo Estado

apontou apenas para o enfrentamento de um dos conflitos vivenciados pelos pescadores

artesanais da Lagoa Mirim. Focou apenas no conflito pelo acesso aos escassos recursos

pesqueiros que resistiram após todas as transformações ambientais que ocorreram no

ecossistema.

A proposta de gestão ambiental apresentada pelo Estado foi justamente no sentido

de promover o enfrentamento da classe trabalhadora consigo mesma, ou seja, dos

pescadores artesanais da Lagoa Mirim com os pescadores artesanais do Estuário da

Laguna dos Patos. De fato, ao se observar a composição do COMIRIM a luz da luta de

classes e tendo presente que este colegiado foi criado para dar resposta à crise ambiental

enfrentada pelos pescadores da Lagoa Mirim, nota-se que o Estado atuou para garantir a

hegemonia na correlação de forças na arena política.

Considerando-se as representações dos pescadores e as representações diretas do

Estado ou de instituições que reproduzem a ideologia da classe dominante, pela

correlação de forças existentes, percebe-se que a participação dos pescadores não propicia

uma real possibilidade de que os mesmos incidam nos processos decisórios. Sem

conseguir fazer valer a demanda para que a norma que trata do tamanho mínimo de malha

seja adequada ao seu conhecimento ecológico tradicional, o que parece estar evidente é

que a participação dos pescadores serve apenas para legitimar uma proposta de gestão

pré-concebida por parte do Estado e da ideologia da classe dominante.

117

Quadro 4 - Representação estatal e comunitária no COMIRIM

Representantes do Estado AIEs Representantes dos Pescadores

Prefeitura Municipal de Arroio

Grande

Universidade Federal

de Pelotas

Colônia Z-24 (Santa Isabel)

Prefeitura Municipal de Jaguarão Universidade Federal

de Rio Grande

Colônia Z-25 (Jaguarão)

Prefeitura Municipal de Rio Grande Emater/Ascar/RS Colônia Z-26 (Santa Vitória do

Palmar)

Prefeitura Municipal de Santa Vitória

do Palmar

Comunidade de Pescadores de

Jaguarão

Secretaria Estadual de Meio Ambiente Comunidade do Porto Pindorama

e Curral Alto (Santa Vitória do

Palmar)

Fundação Estadual de Proteção

Ambiental

Comunidade de Pescadores da

Lagoa Mangueira (Santa Vitoria

do Palmar)

Batalhão Ambiental da Brigada

Militar

Comunidade de Pescadores de

Santa Isabel

IBAMA Comunidade de Pescadores do

Taim/Capilha

Agência da Lagoa Mirim

Comissão Mista da Lagoa Mirim

Fonte: COMIRIM

O Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica Mirim-São Gonçalo

O Comitê de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas da Lagoa Mirim e do Canal

São Gonçalo é parte integrante da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, instituídos pela Lei Federal nº 9.433,

de 8 de janeiro de 1997. Esta Lei estabelece a bacia hidrográfica como unidade de

planejamento para implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Também estabelece como

diretrizes gerais da Política, entre outras, “ V a articulação da gestão de recursos hídricos

com a do uso do solo; VI a integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos

sistemas estuarinos e zonas costeiras” (BRASIL, 1997).

Em consonância com a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Lei estadual nº

10.350, de 30 de dezembro de 1994 (e suas alterações) estabelece a Política Estadual de

Recursos Hídricos. A qual é regida pelos seguintes princípios:

I - Todas as utilizações dos recursos hídricos que afetam sua disponibilidade

qualitativa ou quantitativa, ressalvadas aquelas de caráter individual, para

118

satisfação de necessidades básicas da vida, ficam sujeitas à prévia aprovação

pelo Estado; II - a gestão dos recursos hídricos pelo Estado processar-se-á

no quadro do ordenamento territorial, visando à compatibilização do

desenvolvimento econômico e social com a proteção do meio ambiente; III

- os benefícios e os custos da utilização da água devem ser equitativamente

repartidas através de uma gestão estatal que reflita a complexidade de

interesses e as possibilidades regionais, mediante o estabelecimento de

instâncias de participação dos indivíduos e das comunidades afetadas; IV

- as diversas utilizações da água serão cobradas, com a finalidade de gerar

recursos para financiar a realização das intervenções necessárias à utilização e

à proteção dos recursos hídricos, e para incentivar a correta utilização da água;

V - é dever primordial do Estado oferecer à sociedade, periodicamente, para

conhecimento, exame e debate, relatórios sobre o estado quantitativo e

qualitativo dos recursos hídricos.(RIO GRANDE DO SUL, 1994b, grifo

nosso)

No que se refere às diretrizes que orientam a Política Estadual de Recursos Hídricos

a Lei estabelece que são elas:

I - descentralização da ação do Estado por regiões e bacias hidrográficas; II -

participação comunitária através da criação de Comitês de Gerenciamento de

Bacias Hidrográficas congregando usuários de água, representantes políticos e

de entidades atuantes na respectiva bacia; III - compromisso de apoio técnico

por parte do Estado através da criação de Agências de Região Hidrográfica

incumbidas de subsidiar com alternativas bem definidas do ponto de vista

técnico, econômico e ambiental, os Comitês de Gerenciamento de Bacia

Hidrográfica que compõe a respectiva região; IV - integração do

gerenciamento dos recursos hídricos e do gerenciamento ambiental

através da realização de Estudos de Impacto Ambiental e respectivos

Relatórios de Impacto Ambiental, com abrangência regional, já na fase de

planejamento das intervenções nas bacias; V - articulação do Sistema

Estadual de Recursos Hídricos com o Sistema Nacional destes recursos e

com Sistemas Estaduais ou atividades afins, tais como de planejamento

territorial, meio ambiente, saneamento básico, agricultura e energia; VI -

compensação financeira, através de programas de desenvolvimento

promovidos pelo Estado, aos municípios que sofram prejuízos decorrentes da

inundação de áreas por reservatórios ou restrições decorrentes de leis de

proteção aos mananciais; VII - incentivo financeiro aos municípios afetados

por áreas de proteção ambiental de especial interesse para os recursos hídricos,

com recursos provenientes do produto da participação, ou da compensação

financeira do Estado no resultado da exploração de potenciais hidroenergéticos

em seu território, respeitada a Legislação Federal. (RIO GRANDE DO SUL,

1994b, grifo nosso)

Assim, a Lei 10.350/94 cria os Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica,

dá a eles, entre outras, a atribuição de “compatibilizar os interesses dos diferentes

usuários da água, dirimindo, em primeira instância, os eventuais conflitos” (RIO

GRANDE DO SUL, 1994b, grifo nosso). Neste sentido, o Decreto estadual nº 44.327, de

06 de março de 2006, instituiu o Comitê de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas da

119

Lagoa Mirim e do Canal São Gonçalo e previu uma composição de cinquenta membros

distribuídos em três grupos, a saber: I) 20 vagas para o grupo de representantes dos

usuários da água; II) 20 vagas para o grupo de representantes da população; III) dez vagas

para o grupo de representantes da Administração direta Federal e Estadual41.

A princípio, a criação de um espaço de participação da sociedade com vistas à

promoção da integração do gerenciamento dos recursos hídricos e do gerenciamento

ambiental com um enfoque territorial parece uma nobre iniciativa por parte do Estado.

Mais nobre ainda parece quando se percebe que o Estado concebe uma arena onde 40%

do poder de decisão fica com os usuários da água, 40% com os representantes da

população e apenas 20% com o Estado.

Entretanto, quando se analisa a composição das instituições titulares no Comitê, à

luz da correlação de forças, verifica-se que há uma hegemonia absoluta por parte das

classes dominantes, com uma grande vantagem numérica de instituições que representam

o Capital em relação às que representam o Trabalho (Quadro 5). Por detrás de um discurso

de participação e de uma suposta isonomia entre os membros (um membro, um voto), a

análise da correlação de forças não demonstra uma intenção de promoção da participação

efetiva e da construção da justiça ambiental.

Ao contrário, o que se pode perceber é uma clara intenção de manutenção do poder

com o grupo social que historicamente se beneficiou da apropriação privada da natureza

e que gerou as grandes transformações ambientais no território. Como consequência

imediata desta correlação de forças, o processo de gestão não reconhece a existência dos

impactos ambientais enfrentados pelos pescadores artesanais.

Como já visto, desde a década de 1980 estudos fazem referência aos impactos

ambientais que a apropriação privada da natureza impôs ao ambiente ecológico e,

consequentemente, à pesca artesanal. Também já foi visto que nos últimos anos os

pescadores artesanais passaram a reagir a tais impactos, caracterizando situações de

conflitos ambientais. Entretanto, ao entrevistar membros deste comitê, Machado (2012)

indica que nas entrevistas os mesmos reconheceram como “único conflito” existente o

41 Segundo o atual presidente do Comitê, no que se refere aos representantes da Administração Direta, a

composição dos comitês é análoga à composição do conselho estadual de recursos hídricos.

120

ocorrido entre produtores rurais em relação ao uso da água de uma lagoa marginal (Lagoa

Formosa) para a irrigação em um período de estiagem.

Quadro 5 - Composição do Comitê de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas da Lagoa Mirim e

do Canal São Gonçalo

Grupo Setor /Vagas Instituições/organizações

Usuários da

água

(20 vagas)

Abastecimento Público (02) Prefeitura Municipal de Arroio do Padre

Companhia Riograndense de Saneamento -

CORSAN

Esgotamento Sanitário e Resíduos

Sólidos (02)

Prefeitura Municipal de Canguçu

Companhia Riograndense de Saneamento -

CORSAN

Drenagem (01) VNO*

Produção Rural (07) Sindicato Rural de Arroio Grande

Sindicato Rural de Santa Vitória do Palmar

Sindicato Rural de Pelotas

Sindicato Rural de Jaguarão

Associação de arrozeiros de Jaguarão

Associação de Arrozeiros de Santa Vitória do

Palmar

Associação de usuários da Lagoa Formosa

Indústria (02) Sindicato da indústria de arroz de Pelotas –

SINDAPEL

Centro das indústrias de Pelotas - CIPEL

Mineração (01) Sindicato da Indústria da Construção e Mobiliário de

Pelotas e Região – SINDUSCON

Lazer e Turismo (02) Iate Clube de Jaguarão

Associação dos Cavaleiros da Cavalgada da Costa

Doce

Pesca (02) Colônia de Pescadores de Santa Isabel Z-24

Colônia de Pescadores de Pelotas – Z-3

Gestão urbana e ambiental (01) Prefeitura Municipal de Arroio Grande

Representantes

da População

(20 vagas)

Poder Legislativo municipal e

estadual (04)

Câmara Municipal de Turuçu

Câmara Municipal de Morro Redondo

Câmara Municipal de Arroio do Padre

VNO*

Associações comunitárias (02) Comunidade Ev. Confissão Luterana Py Crespo

Sociedade R. São Pedro

Clubes de serviços comunitários

(02)

Associação Colonial de Esportes

Associação Desportiva de Pelotas

Instituições de ensino, pesquisa e

extensão (04)

Embrapa Clima Temperado

Universidade Federal de Pelotas

121

Instituto Riograndense do Arroz

Universidade Federal do Rio Grande

Organizações ambientalistas (03) Grupo Ecológico Amantes da Natureza - GEAN

Centro de Estudos de Toxicologia do Rio Grande do

Sul – CET/RS

Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental -

NEMA

Associações de profissionais (02) Associação dos Engenheiros Agrônomos de Pelotas

Associação Brasileira de Eng. Sanitária e Ambiental

Organizações sindicais (02) Associação dos Professores da FURG

Associação dos Docentes da UFPEL

Comunicação (01) Associação dos Diários do Interior RS

Órgãos Públicos

(10 vagas)

Secretarias estaduais –

composição análoga ao conselho

estadual de recursos hídricos nos

moldes do Decreto Estadual Nº

40.505, de 08 de dezembro de

2000.

Secretaria das Obras Públicas e Saneamento

Secretaria da Agricultura e Abastecimento

Secretaria da Coordenação e Planejamento

Secretaria da Saúde

Secretaria de Energia, Minas e Comunicações

Secretaria da Ciência e Tecnologia

Secretaria dos Transportes

Casa Civil

Secretaria do Meio Ambiente

Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos

Internacionais

Fonte: Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica Mirim-São Gonçalo

Desta forma, estando em um colegiado que se pretende uma unidade de

planejamento territorial, ao ignorarem a existência de todos os conflitos enfrentados pelos

pescadores artesanais e já citados anteriormente, os conselheiros entrevistados por

Machado dão uma inequívoca demonstração de qual é o espaço da pesca artesanal na

gestão ambiental do território. Em outras palavras, o grupo social que detém a hegemonia

no território e, consequentemente, no comitê resolve o conflito entre latifundiários e

pescadores artesanais simplesmente negando o fato de que ele exista.

Assim, sob a propaganda de promover a participação da sociedade civil, o Estado

implementa um modelo de gestão ambiental que define claramente que, aos pescadores

artesanais, cabe a missão histórica de arcar com os custos da apropriação e uso que as

forças dominantes exercem sobre o território. A participação dos pescadores artesanais

em um espaço de gestão ambiental pública que se reivindica participativo e mediador de

conflitos, mas que não reconhece os conflitos enfrentados por eles, dificilmente resultará

122

em alteração na estrutura das desigualdades. Representa sim, uma tática de inclusão

subordinada que visa unicamente travestir de participativa a estratégia de dominação

histórica exercida pelo grupo social que define o uso do território. Ao constituir uma arena

de gestão ambiental onde induz os pescadores a participarem em uma condição de visível

inferioridade em relação ao agronegócio, o Estado assume seu lado em favor deste último.

Diante do exposto, ao se observar estes dois espaços de gestão ambiental no

território, torna-se evidente que ambos se constituem em espaços que abordam a gestão

ambiental de forma segmentada, focando na gestão de recursos como se os mesmos não

pertencessem a um todo complexo, como se entre eles não houvessem conexões vitais e

como se também não dependessem de outras conexões para existir. Ao separar a água da

terra e o peixe da água este modelo de gestão ambiental segmentada, ao mesmo tempo

em que se mostra ineficaz para garantir os direitos constitucionais ao meio ambiente

equilibrado para esta e para futuras gerações, serve muito bem aos interesses das classes

dominantes para continuarem mercantilizando e explorando a natureza.

Em uma perspectiva da luta de classes, não se tratam apenas de processos de

manipulação, mas sim de processos de dominação mediado pelo Estado. Neste sentido,

Bordenave (2013) fala em um tipo de participação provocada – a participação dirigida ou

manipulada – em que agentes externos atuam para manipular membros de determinado

grupo a fim de atingir seus próprios objetivos previamente estabelecidos.

No caso da pesca artesanal na Lagoa Mirim, uma análise crítica dos processos de

gestão ditos participativos, revela fortes indícios de uma atuação manipuladora por parte

do Estado. Ao que tudo indica, indo ainda ao encontro de Demo (2009), a participação

concedida e condicionada acaba sendo apenas um expediente para camuflar a repressão

imposta aos pescadores artesanais pela classe dirigente e por uma ciência comprometida

em manter as relações de poder existentes.

Sem possibilitar o real enfrentamento de suas questões, a participação dos

pescadores assume apenas um caráter simbólico, onde os mesmos “têm influência mínima

nas decisões e nas operações, mas são mantidos na ilusão de que exercem o poder”

(BORDENAVE, 2013, p. 63). Aprisionadas por esta simbologia também se encontram

suas lideranças que ainda continuam acreditando que a solução para a crise ambiental será

123

alcançada, ou pela humanização do Capital, ou pelo sacrifício da vítima do processo: o

pescador artesanal.

5.4 Possíveis caminhos na perspectiva da pesca artesanal

Quem, melhor que os oprimidos, está preparado para compreender o terrível

significado de uma sociedade opressora? Quem sofre os efeitos da opressão

mais intensamente que os oprimidos? Quem com mais clareza que eles pode

captar a necessidade da libertação? Os oprimidos não obterão a liberdade por

acaso, senão procurando-a em sua práxis e reconhecendo nela que é necessário

lutar para consegui-la. Essa luta, por causa da finalidade que lhe dão os

oprimidos, representará realmente um ato de amor, oposto à falta de amor que

se encontra no coração da violência dos opressores, falta de amor ainda nos

casos em que se reveste de falsa generosidade (FREIRE, 1980, p.57)

Combatendo de forma dissimulada ou até mesmo com o emprego da força

qualquer iniciativa de organização autônoma por parte dos pescadores, as classes

dirigentes souberam muito bem utilizar-se do Estado para manter a dominação histórica

sobre os pescadores artesanais. Como resultado deste processo os pescadores artesanais

encontram-se envolvidos em uma difícil e complexa realidade.

Se por um lado são obrigados a arcarem com os custos da desigualdade ambiental,

por outro são iludidos a participarem de espaços que legitimam as relações sociais que

originam os impactos ambientais que enfrentam. O discurso hegemônico, inclusive, tem

se apoiado em uma certa responsabilização aos pescadores artesanais pela realidade que

enfrentam. São culpabilizados, devido a sua “pouca participação” nos espaços em que o

Estado concede a participação da sociedade civil no processo de gestão ambiental. Seu

conhecimento ecológico tradicional é massacrado por uma ciência comprometida com o

campo hegemônico, muitas vezes, inclusive, apropriando-se e distorcendo-o para

sustentar a sua versão da realidade.

Seu sistema oficial de representação, pensado e historicamente tutelado pelo

Estado, não permite, ou pelo menos dificulta bastante, uma organização mais efetiva por

parte dos pescadores que lhes permita avançar em um processo participação cidadã. Neste

contexto, surge a necessidade de se refletir sobre alguns caminhos para que os pescadores

artesanais busquem romper os grilhões, que historicamente os aprisionam na condição de

124

classe oprimida e possam ser agentes de sua emancipação. Porém, torna-se necessário

reafirmar a compreensão de participação como, conforme afirma Bordenave (2013), uma

guerra a ser travada, bem como retomar Demo ao dizer que “a liberdade só é verdadeira

quando conquistada. Assim também é a participação. E isto fundamenta a dimensão

básica da cidadania” (DEMO, 2009, p.23).

Em uma sociedade fundamentada na exploração da natureza por meio da

exploração do trabalho, o grupo social dominante não abrirá mão de seus privilégios

históricos de forma pacífica. De uma perspectiva dos pescadores artesanais, qualquer que

seja o caminho a ser seguido, terá de passar inevitavelmente pelo acúmulo de forças e

pela compreensão da estrutura social que determina a sua realidade. Como afirma Freire,

[...] os oprimidos, enquanto classe, não superarão sua situação de exploração a

não ser com a transformação radical, revolucionária, da sociedade de classes

em que se encontram explorados [...] a consciência crítica dos oprimidos

significa, pois, consciência de si, enquanto “classe para si”. (FREIRE, 1982,

p.48)

Em nível nacional, a experiência do MPP, ainda que em fase bastante embrionária

devido ao seu pouco tempo de criação, vem configurando-se em uma interessante

alternativa para unificação da luta dos pescadores artesanais. A criação de um movimento

que unifique os pescadores em suas lutas, representadas principalmente na campanha

nacional em defesa dos territórios pesqueiros, tem se configurado como uma importante

alternativa. Combatendo no mesmo campo político, mas com uma tática um pouco

diferente, soma-se a luta travada pelas lideranças dos pescadores que combatem na

CONFREM.

Contudo, articulações políticas que envolvam o Estado e o sistema oficial de

representação, juntamente com a real possibilidade de ingerência de doutrinas religiosas

sobre esses movimentos, são questões que merecem uma atenção com o devido

distanciamento temporal. Soma-se ainda o fato de que na região estudada nenhum destes

movimentos se faz presente.

Assim, considerando-se os limites e possibilidades do Estado Democrático de

Direito promulgado pela Constituição Federal de 1988, a gestão ambiental pública se

insere como espaço estratégico de luta para promoção de justiça ambiental que garanta

aos pescadores artesanais o acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito

constitucional garantido a todo cidadão, sendo dever do Estado garanti-lo para as gerações

125

presentes e futuras. Neste sentido, é no conjunto dos espaços constituídos pelos

instrumentos legais decorrentes da Política Nacional de Meio Ambiente, instituída pela

Lei nº 6.938/1981 (BRASIL, 1981), que se encontram as possibilidades de atuação no

sentido de disputar uma concepção de gestão ambiental pública que ultrapasse a

abordagem de gestão de recursos e avance para a discussão sobre como os diferentes

grupos sociais se relacionam com o território.

Entretanto, há de se considerar que conforme afirma Quintas (2004), indo ainda

ao encontro do que foi visto nas arenas analisadas, o poder de decidir acerca das questões

ambientais é distribuído de maneira assimétrica entre diferentes grupos sociais. Desta

forma, com vistas a promover uma participação mais efetiva dos pescadores artesanais na

gestão ambiental pública, um dos possíveis caminhos a ser seguido por aqueles que se

posicionam ao lado dos pescadores artesanais pode ser a formação de lideranças que

articulem as comunidades em um movimento de luta por justiça ambiental.

Neste sentido, a educação ambiental pode ser um importante instrumento. Porém,

enquanto processo educativo, conforme demonstra Layrargues (2006) a educação

ambiental não está descolada das concepções político-ideológicas que disputam

hegemonia no debate sobre o modelo de sociedade. Assim têm-se a educação ambiental

como instrumento em disputa que pode servir tanto para a manutenção como para a

transformação das relações de sociais.

Uma concepção de educação ambiental em que o processo educativo assume

apenas o caráter de “repasse” de informações, com vistas a tornar o indivíduo

ecologicamente correto, buscando promover uma mudança dos seus valores culturais,

éticos e morais em relação à natureza, “como se bastasse ao humano apenas reaprender

a ler o livro da Natureza para tornar sustentável o desenvolvimento” (LAYRARGUES,

2006, p. 83), não passa de uma concepção de educação que serve à manutenção das

relações sociais estabelecidas. Esta concepção de educação ambiental, que foca no

indivíduo sem colocá-lo de forma crítica em um sistema de relações que pertence a uma

totalidade, estaria sim mais alinhada com o que Freire (1977) chama de uma falsa

educação que, na verdade, é domesticação.

Uma visão classista acerca da questão ambiental, na perspectiva da classe

trabalhadora, converge com o campo político-ideológico que concebe a educação

ambiental como instrumento que busca a proteção da natureza de forma simultânea à

126

promoção de transformações sociais. Layrargues (2006) afirma que para a mudança

ambiental, sobretudo em sociedades desiguais, é necessário que a educação ambiental

tenha relação não apenas com a mudança cultural, mas também com as mudanças sociais.

Neste sentido, destaca alguns autores que têm firmado posição em um campo

político-ideológico contra hegemônico e que têm construído algumas concepções de

educação ambiental que se articulam com os as forças sociais progressistas e que é

comprometido com a mudança social, para o qual não basta, conforme afirma Layrargues

(2006), discutir as relações sociedade-natureza sem que se busque mudanças nas relações

internas da sociedade. É neste campo que está a educação ambiental transformadora, que

compreende que “o quadro de crise em que vivemos não permite soluções compatibilistas

entre ambientalismo e capitalismo, ou alternativas moralistas que deslocam o

comportamental do histórico-cultural e do modo como a sociedade está estruturada”

(LOUREIRO, 2006, p. 94). Assim como outras vertentes da educação ambiental que

dialogam com a teoria crítica, é concebida sobre grande influência da pedagogia libertária

de Paulo Freire que encara a educação como “prática da liberdade” e como ação

transformadora, onde

A tomada de consciência não se dá nos homens isolados, mas enquanto travam

entre si e no mundo relações de transformação, assim também somente aí pode

a conscientização instaurar-se[...]. Este esforço da tomada de consciência em

superar-se a alcançar o nível da conscientização, que exige sempre a inserção

crítica de alguém na realidade que se lhe começa a desvelar, não pode ser,

repitamos, de caráter individual, mas sim social. [...]a conscientização, que não

pode dar-se a não ser na práxis concreta, nunca numa práxis que se reduzisse

à mera atividade da consciência, jamais é neutra. Como neutra jamais pode ser

a educação. Quem fala em neutralidade são precisamente os que temem perder

o direito de usar a ineutralidade em seu favor. (FREIRE, 1977, P. 77)

Portanto, ao se propor a educação ambiental como um dos possíveis caminhos

para a transformação da realidade em que os pescadores artesanais da Lagoa Mirim estão

inseridos, é preciso que se diga, refuta-se qualquer possibilidade de ações de educação

ambiental que possam ir ao encontro de um discurso hegemônico que negue a injustiça

ambiental a qual os pescadores são submetidos. A transformação da realidade não

acontecerá por concessão pacífica da classe opressora ou por pregação de mudanças

comportamentais que, na verdade, servem para manter a realidade como está. Virá sim

pela luta consciente dos pescadores artesanais contra aqueles que lhe oprimem

historicamente.

127

A educação ambiental poderá assumir um papel estratégico na medida em que, de

fato, consiga proporcionar as condições objetivas para que os pescadores artesanais

possam acumular forças para se inserirem em melhores condições na disputa travada pelo

uso do território. Afinal, quem melhor que eles para entender a realidade em que estão

inseridos e a necessidade de transformá-la?

128

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou desenvolver uma análise crítica sobre como se dá a

participação dos pescadores artesanais nas arenas políticas em que a gestão ambiental

pública propicia a participação da sociedade civil. Para isto, tendo como fio condutor o

materialismo histórico, tendo como ponto de partida a análise sobre a realidade da pesca

artesanal no território estudado. Assim, resgatou os elementos da história em que a ação

das forças produtivas foram interagindo entre si e com a natureza, determinando assim as

condições objetivas para a constituição de tal realidade. Nesta perspectiva demonstrou

que as forças dirigentes souberam muito bem utilizar-se do Estado para atender seus

interesses e manter sua hegemonia no território.

Como visto, o Estado brasileiro sempre esteve aliado às classes dirigentes para

garantir o domínio sobre os pequenos pescadores e, mais recentemente, sobre os

pescadores artesanais. Agindo na legitimação de relações de exploração do trabalho, ou

atuando para garantir a apropriação privada dos bens naturais, nunca deixou de assumir

seu lado na luta de classes. E este lado nunca foi o dos pescadores artesanais.

No território analisado – a Lagoa Mirim – a pesca artesanal esteve longe de ser uma

atividade merecedora de atenção por parte do modelo de desenvolvimento que

historicamente vem sendo construído. De uma atividade, ao que tudo indica, desenvolvida

inicialmente para garantir a subsistência em vilarejos formados por “sobrantes” do

processo de apropriação privada da terra e exploração da natureza e do trabalho, coube

aos pescadores apenas a função de serem explorados pela classe dirigente, seja por meio

da venda esporádica de sua força de trabalho aos proprietários de terra, ou pelo trabalho

exercido na captura de pescado para o fornecimento às indústrias capitalistas da pesca.

O processo de desenvolvimento implementado pelas forças hegemônicas vem

gerando alterações ambientais em larga escala. Enquanto a classe dirigente acumula

capital pela exploração da natureza, aos pescadores artesanais é destinada a tarefa

histórica de arcar com os custos de todos os riscos e danos ambientais. Configura-se assim

uma situação histórica de profunda injustiça ambiental.

129

Em um movimento que expressa uma tendência mundial do capitalismo, viu-se que

as classes dirigentes adotam uma estratégia de esconderem-se por detrás de supostos

processos de gestão participativa. Adotando uma estratégia hegemonista, estes processos

têm servido para iludir os grupos sociais mais frágeis a quem é concedida a participação,

em condições de extrema desigualdade, apenas para legitimar a ação das classes

dirigentes.

Ao se analisar a correlação de forças presente nas duas arenas de gestão ambiental

do território – COMIRIM e Comitê de Bacia Hidrográfica –, percebe-se que sob discurso

de transformação do conflito em colaboração esconde-se a perversa estratégia de

antecipação a qualquer possibilidade de reação por parte dos impactados. A participação

é concedida como estratégia de dominação, pois embora os pescadores venham sofrendo

com impactos ambientais que efetivamente se traduzem em perdas materiais e culturais,

a correlação de forças em tais arenas não permite aos pescadores se inserirem com

protagonismo da discussão acerca da gestão ambiental do território.

Neste contexto, verifica-se que há uma distorção daquilo que é preconizado pela

gestão ambiental pública, pois não há mediação de conflitos. O que ocorre são processos

de legitimação daquilo que historicamente vem sendo imposto pelas classes dominantes.

Dito de outra forma, é no disfarce da gestão ambiental participativa, que a ideologia

dominante estrutura sua estratégia de neutralização da ação revolucionária dos pescadores

artesanais.

Na perspectiva dos pescadores artesanais, a educação ambiental foi identificada

como um dos possíveis caminhos a serem seguidos para contribuir com o acúmulo de

forças para que os mesmos atuem na transformação da realidade em que estão inseridos.

Porém, para que sirva a este propósito, esta não deve trazer consigo uma solução exógena

e sim possibilitar que pela sua práxis os pescadores artesanais definam a sua estratégia de

luta e transformação de si e de sua realidade. Desta forma, uma educação ambiental na

perspectiva crítica, emancipatória e transformadora apresenta-se como uma alternativa

para fortalecer a participação dos grupos sociais mais frágeis nas arenas de gestão

ambiental pública.

Muitas das questões sobre as quais as pesquisas em gerenciamento costeiro se

debruçam, são questões construídas em um processo histórico de correlação de forças

130

entre grupos sociais que disputam a forma de apropriação e uso dos bens naturais

existentes no território. Assim, para além dos recursos, é real o desafio de se buscar

compreender como as relações sociais de produção estão associadas às questões

ambientais. Caso não supere este desafio, corre-se o risco ver as informações produzidas

sucumbirem pela ação da correlação de forças existente nas arenas ambientais.

Assim, como forma de contribuição ao Gerenciamento Costeiro, que enquanto

campo acadêmico pretende incidir nos processos decisórios relacionados à gestão do uso

da Zona Costeira, a presente pesquisa aponta a necessidade de que se busque compreender

como as relações sociais incidem nas questões ambientais existentes no território. Neste

sentido, uma abordagem marxista amparada no materialismo histórico, ao passo que

permite o conhecimento da realidade por meio da totalidade, pode contribuir para tal

compreensão e ainda para o conhecimento dos interesses e da correlação de forças

existente nas arenas territoriais que tratam das questões ambientais.

131

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