ecossistemas do mar profundo - sophia · para a realização plena da fotossíntese, o que implica...

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ECOSSISTEMAS DO MAR PROFUNDO

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  • ECOSSISTEMASDO MAR

    PROFUNDO

  • DGRMAvenida Braslia1449-030 LisboaPortugalTel.: +351 213 035 700 Fax: +351 213 035 702 [email protected] www.dgrm.mm.gov.pt

    [email protected]

    COPYRIGHT

    Logtipo SOPHIA DGRM 2016. Todos os direitos reservados. Marca registada. No permitida qualquer reproduo ou retroverso, total ou parcial, do logtipo SOPHIA sem prvia autorizao escrita do Editor.

    Guia 7 - Ecossistemas do Mar Profundo.Licena Creative Commons AtribuioNo Comercial Compartilha Igual 4.0Internacional (CC BY-NC-SA 4.0)

    http://www.dgrm.mam.gov.pt%20http://www.sophia-mar.pt

  • TtuloEcossistemas do Mar Profundo

    AutoresAna Colao1, 2, 3, Marina Carreiro e Silva1, 2, Eva Giacomello1, 2, Leonel Gordo1, 4, Ana Rita Vieira1, 4, Helena Ado1, 5, Jos Nuno Gomes-Pereira1, 2, 3, Gui Menezes1, 3, Ins Barros1, 2, 3

    1 MARE - Centro de Cincias do Mar e do Ambiente, 2 IMAR Instituto do Mar3 Okeanos Centro U&I, Universidade dos Aores 4 Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa5 Universidade de vora

    Coordenao do Guia TcnicoAna Colao

    Coordenao Cientfica do Projeto SOPHIAFaculdade de Cincias da Universidade de Lisboa(coordenao: Ana C. Brito)

    EdioDGRM - Direo-Geral de Recursos Naturais, Segurana e Servios MartimosEdio Eletrnica - 2017

    Design GrficoESCS - Escola Superior de Comunicao Social (coordenao: Joo Abreu; paginao: Joana Souza; colaborao: Joana Paraba, Joana Torgal Marques, Pedro Ribeiro, Renata Farinha, Rita Oliveira)

    Referncia ao Guia TcnicoColao, A., Carreiro e Silva, M., Giacomello, E., Gordo, L., Vieira, A., Ado, H., Gomes-Pereira, J. N., Menezes, G., Barros, I., (2017). Ecossistemas do Mar Profundo. DGRM, Lisboa, Portugal. E-book disponvel em www.sophia-mar.pt.

    ISBN978-989-99601-8-3

    Documentao de apoio ao mdulo de formao SOPHIA Ecossistemas do Mar Profundo.

    http://www.sophia-mar.pt

  • ECOSSISTEMAS DO MAR

    PROFUNDO

  • PREFCIO CAPTULO 1 - O que o mar profundo?

    1.1 Zonao das bacias ocenicas

    CAPTULO 2 - Identificao dos diferentes ecossistemas e habitats do mar profundo

    2.1 Ambientes pelgicos2.2 Ambientes bentopelgicos2.3 Ambientes bnticos ou bentnicos

    CAPTULO 3 - Da margem para as dorsais ocenicas

    3.1 Talude Continental3.2 Padres batimtricos da biodiversidade ao longo da margem (talude) europeia3.3 Canhes submarinos3.4 Plancie abissal3.5 Meiofauna nos sedimentos do mar profundo3.6 Montes submarinos

    CAPTULO 4 - Dorsais ocenicas

    4.1 Ambientes quimiossintticos4.2 Corais de guas frias4.3 Agregaes de esponjas

    CAPTULO 5 - Estratgias alimentares

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  • CAPTULO 6 - Biologia das espcies de profundidade

    6.1 Adaptaes6.1.1 Luz6.1.2 Tamanho dos olhos6.1.3 rgos da linha lateral6.1.4 Flutuabilidade neutra 6.1.5 Taxas metablicas

    6.2 Adaptaes dos parmetros de histria de vida6.3 Servios ecossistmicos

    CAPTULO 7 - Presses sobre o meio marinho

    7.1 Pescas7.2 Minerao

    7.2.1 Recursos minerais7.2.1.1 Depsitos de sulfuretos polimetlicos7.2.1.2 Ndulos de ferro-mangans7.2.1.3 Crostas de cobalto 7.2.1.4 Recursos minerais em Portugal

    7.2.2 Potenciais impactos da minerao7.3 Explorao dos recursos genticos

    7.4 Alteraes climticas no mar profundo7.4.1 O papel dos oceanos na regulao do clima 7.4.2 Painel Intergovernamental sobre as Alteraes Climticas7.4.3 Aquecimento do oceano7.4.4 Acidificao do oceano7.4.5 Desoxigenao do oceano7.4.6 Fluxo orgnico para o mar profundo

    7.5 Conservao marinha: o uso sustentvel dos recursos

    CAPTULO 8 - Metodologias ao servio da avaliao do Estado Ambiental

    8.1 Anotao de imagens subaquticas8.2 Tcnicas moleculares

    REFERNCIAS

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    PrefcioA Terra um planeta azul, em que 70% da superfcie est ocupada por mar. Mais de 90% desse enorme volume est a profundi-dades superiores a 200 metros, onde a luz escasseia e a vida toma contornos diferen-tes dos que se observam nas zonas onde a energia solar penetra. O fundo do mar, na sua escurido, a ltima grande fronteira marinha a ser explorada. Denominado mar profundo, esse gigantesco ambiente, cujo potencial para o desenvolvimento de pesquisas igualmente imenso, o maior bioma na Terra e tem uma srie de carac-tersticas que o tornam distinto dos outros ecossistemas marinhos e terrestres. comum afirmar-se que o ser humano conhece melhor a superfcie lunar do que o fundo do mar. De facto, s para chegar a uns escassos 40 metros de profundi-dade temos que utilizar um escafandro, e os 100 metros j se tornam impossveis de visitar sem o recurso a um submarino.

    O conhecimento que se vem adquirindo sobre estes ambientes profundos mos-tra que neste bioma provavelmente vivem mais de um milho de espcies animais ainda desconhecidas (sem falar dos microrganismos, que em algumas zonas so mais de 90% da biomassa dos sedi-mentos (Danovaro et al., 2015)). , pois, necessrio estudar esta biodiversidade e, como tal, dezenas de novas espcies de peixes, corais e outros animais so desco-bertos anualmente. Nas ltimas dcadas, e essencialmente como consequncia da

    disponibilidade de modernos instrumen-tos tecnolgicos, os registos de novas espcies tm aumentado. Nos dias de hoje existem robs e sensores que conse-guem ir mais fundo, filmando e recolhendo organismos destes ambientes remotos para serem estudados. Foi graas a eles que se descobriram as fontes hidroter-mais, ainda que apenas no final dos anos setenta, e mais recentemente os bancos de corais de profundidade. Apesar de des-conhecido, o mar profundo um bioma extraordinariamente importante, pois dele dependem a sequestrao de carbono, a regenerao de nutrientes, entre outros. Na realidade, a maioria dos ciclos bio-geoqumicos do planeta esto largamente dependentes deste grande bioma.

    O presente guio pretende ser uma abor-dagem inicial ao mar profundo, aos seus ecossistemas, biodiversidade e processos.

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  • caPtulo 1O que O mar prOfundO?

  • CAPTULO 1 - O que o mar profundo?

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    Existem vrias definies sobre o que o mar profundo, ou sobre a profundidade a que se d a transio para este meio. Numa reviso recente (Ramirez-Llodra et al., 2011), a definio indicada como a mais consensual a clssica: a que define o fim da plataforma continental a cerca de 200 m de profundidade (Gage e Tyler, 1991). a partir desta pro-fundidade que, mesmo havendo penetrao de luz, deixa de existir energia solar suficiente para a realizao plena da fotossntese, o que implica que praticamente no haja produ-o primria na maioria dos ecossistemas do mar profundo (Ramirez-Llodra et al., 2011).

    O mar profundo tem caractersticas ambientais gerais muito prprias. As mais distintas so:1. Luz: neste ambiente a luz praticamente inexistente. Com a profundidade, a pene-trao da luz diminui, deixando esta de ser energeticamente utilizvel pelos produtores primrios. A partir dos 200 m e dependendo das caractersticas das massas de gua (densidade, turbidez, teor em partculas), teremos uma zona disftica, que nalguns casos poder estender-se at aos 1000 m.2. Presso: a presso aumenta 1 atmosfera (1kg/cm2) por cada 10 metros. A maior parte do ambiente profundo tem uma presso de 100 a 600 atm. As protenas e as membra-nas biolgicas dos seus organismos esto adaptadas presso, apresentando estruturas baseadas em carbonato de clcio. Esta adaptao necessria, pois quando a presso sobe e a temperatura desce, aumenta a solubilidade do carbonato de clcio, o que torna os organismos mais frgeis.3. Salinidade: a salinidade constante a partir dos 200 m de profundidade.4. Temperatura: a termoclina definida pela maior e mais rpida mudana de tempera-tura entre profundidades e situa-se entre as guas superficiais e o incio das guas do mar profundo. Abaixo da termoclina, a massa de gua do mar profundo fria e homognea. Excetuam-se a este padro as zonas com ambientes quimiossintticos.5. Oxignio: nas guas superficiais, a concentrao de oxignio elevada devido reno-vao de oxignio promovida pela fotossntese e pelo contacto com a atmosfera. Entre os 500 e os 1000 m as concentraes de oxignio so, na generalidade, baixas devido res-pirao dos organismos. Nalgumas zonas dos oceanos, entre os 150 e os 1500 m, ocorre uma zona de oxignio mnimo (OMZ), que por vezes corresponde picnoclina (gua de transio entre a superficial e a profunda). As partculas que afundam acumulam-se nesta camada de gua e ficam suspensas devido densidade da camada inferior de gua. Este alimento atrai inmeros organismos que respiram e consomem o oxignio. Nesta camada no h renovao de oxignio e a difuso a partir das camadas superiores baixa, e como tal a concentrao de oxignio acaba por diminuir. As concentraes podero ser to baixas que os mares muito produtivos podem tornar-se praticamente anxicos (sem oxignio) nestas profundidades. As guas mais profundas so ricas em oxignio. Como a densidade de organismos no mar profundo baixa, o oxignio no uma substncia limitante.

  • CAPTULO 1 - O que o mar profundo?

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    6. Alimento: no existe fotossntese no mar profundo. Existe dependncia da camada euftica e do material desta camada que atinge o fundo. Mais uma vez, excetuam-se as zonas com ambientes quimiossintticos.

    1.1 Zonao das bacias ocenicasO ambiente ocenico o maior ecossistema do planeta e compreende quase 90% de toda a gua existente. Este ambiente ocenico formado pelos fundos a mais de 200 metros de profundidade e pela massa de gua acima dos mesmos. Se considerarmos o ambiente marinho, ele pode dividir-se em dois grandes domnios: o pelgico (coluna de gua) e o bentnico ou bntico (fundo do mar). O oceano pode ser dividido vertical e horizontal-mente, de acordo com as caractersticas fsicas e biolgicas de cada seco. No meio marinho, a luz solar consegue penetrar at aproximadamente 200 m (Galand et al., 2010), enquanto que a profundidades maiores a luz praticamente inexistente.

    As divises clssicas do ecossistema pelgico so a Regio Nertica parte da regio pelgica que se estende desde a linha da mar alta at ao final da plataforma continental e incio do talude continental (geralmente at cerca de 200 m); e a Regio Ocenica toda a regio aps a plataforma continental cujos fundos esto abaixo dos 200 m de profundi-dade e que se divide em 3 zonas de acordo com a profundidade: 1. Regio ftica: cobre os oceanos a partir da superfcie at aos 200 m de profundidade e onde a luz penetra em quantidade suficiente para a realizao da fotossntese zona epipelgica (Galand et al., 2010).2. Regio disftica: caraterizada por fraca iluminao e onde embora ainda haja alguma luz, esta no suficiente para a realizao da fotossntese - zona mesopelgica (200-1000 m de profundidade) (Barange et al., 2010).3. Regio aftica: camada profunda dos ecossistemas aquticos, onde no h ao direta da luz solar zona batipelgica (1000-3500 m de profundidade), abissopelgico ou abissal (3500-6500 m de profundidade) e zona hadopelgica ou hadal (mais de 6500 m de profundidade) (Barange et al., 2010; Galand et al., 2010).

    Podemos ento dividir a coluna de gua dos oceanos em guas superficiais, picnoclina e guas profundas. As guas superficiais geralmente correspondem camada at aos 100 m e constituem cerca de 2% do volume dos oceanos. a parte mais varivel pois est em contacto com a atmosfera. Estas guas so menos densas devido a uma menor salinidade e a uma temperatura mais elevada.A picnoclina corresponde a cerca de 18% do volume dos oceanos.

  • CAPTULO 1 - O que o mar profundo?

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    As guas profundas representam cerca de 80% do volume dos oceanos. Esta gua pre-sente nas camadas mais profundas no est esttica. Na realidade, h uma circulao global que renova estas guas. Apesar de no ter um incio nem um fim, mas antes um ciclo perptuo, podemos, para facilidade de explicao do circuito, definir que as guas profundas tm origem superfcie das latitudes elevadas, onde, arrefecendo, se tornam mais densas, afundam at ao fundo do mar e fluem depois atravs das bacias ocenicas. Nas constries oceanogrficas, a gua do mar profundo regressa zona mais super-ficial. Este movimento essencial ao equilbrio trmico do planeta e no enriquecimento mineral necessrio para a produo alimentar ocenica.

    Os ambientes pelgicos que esto no domnio do mar profundo, so, portanto todos aque-les que se distribuem entre os 200 m de profundidade at aos fundos marinhos. Mais de 65% da superfcie slida do nosso planeta corresponde a mar profundo. O ambiente bentnico contm desde os taludes continentais s plancies abissais com as suas fendas profundas, incluindo canhes, montes submarinos com os seus recifes e jardins de corais e agregaes de esponjas, assim como cadeias montanhosas como as dorsais ocenicas e as fontes hidrotermais.

    A 100 metros do fundo h uma zona com caractersticas prprias denominada, em termos ecolgicos, por zona bentopelgica. Em termos fsicos considerada a camada bentnica fronteiria (benthic boundary layer - BBL) (Sanders, 1968; Sverdrup et al., 1942).

    Para efeitos de zonao do fundo do mar profundo (Figura 1) consideram-se as seguintes reas de acordo com Watling et al, 2013.:1. Zona Batial: corresponde ao declive acentuado que ocorre aps o trminus da pla-taforma continental. Estende-se tipicamente entre os 200 e os 3500 m de profundidade, ocupando o chamado talude continental. Devido ausncia de luz no existem algas e h poucos animais.2. Zona Abissal: regio de gua com movimento reduzido, uniformemente fria e onde no penetra luz. Esta rea estende-se desde os 3500 m at aos 6500 m de profundi-dade. Algumas espcies presentes na zona abissal apresentam adaptaes extremas s grandes presses, ausncia total de luminosidade e consequente escassez de alimento. Em termos alimentares, a maior parte dos animais depende dos restos org-nicos que se precipitam lentamente das camadas superiores em direo ao fundo. Este alimento serve, inclusivamente, como alimento para os animais necrfagos, detritvoros e microrganismos decompositores. Alguns animais desta regio apresentam biolumines-cncia, tm viso muito sensvel, capaz de responder a pequenos estmulos luminosos, e formas bizarras, como boca e dentes grandes para facilitar a captura das presas, e o estmago dilatvel.3. Zona Hadal: composta por ecossistemas localizados em zonas do oceano mais profun-das do que os 6500 m de profundidade. o habitat mais profundo do planeta, geralmente

  • CAPTULO 1 - O que o mar profundo?

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    associado a fossas. A zona hadal no pode ser considerada uma continuao da zona abissal. Recentemente descobriu-se que nestas zonas existe uma acumulao de material orgnico particulado. A combinao da matria orgnica acumulada, com a alta presso hidrosttica e com o isolamento geogrfico permitiu uma elevada especiao e, como consequncia, um alto nvel de endemismo.

    Fig. 1 - Representao grfica da zonao do mar profundo, quer do ambiente bentnico, quer das zonas pelgicas, considerando as principais caractersticas ambientais (biomassa, luz e temperatura).

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  • caPtulo 2IdentIfIcaO dOs dIferentes ecOssIstemas e habItats dO mar prOfundO

  • CAPTULO 2 - Ident i f icao dos di ferentes ecossistemas e habi tats do mar profundo

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    2.1 ambientes PelgicosA maioria dos processos ecolgicos fundamentais fortemente influenciada pela estru-tura vertical da coluna de gua, sendo a produo primria o processo mais importante. As taxas de produo primria so influenciadas pela disponibilidade de luz e nutrien-tes (Angel, 2003). Os gradientes das caractersticas fsico-qumicas da coluna de gua influenciam a distribuio dos organismos pelgicos, o que leva a uma zonao vertical destes organismos.

    A grande maioria da vida nos oceanos est baseada na produo primria realizada nos primeiros 100 metros da coluna de gua, e subsequentemente exportada para guas mais fundas. Na sua descida, a matria orgnica processada por microrganismos ou consumida pelos organismos pelgicos que vivem em profundidade. Com o aumento da profundidade, a quantidade de matria orgnica vai diminuindo (Angel, 2003). Da zona euftica at aos 1000 m a biomassa diminui, passando-se o mesmo entre os 1000 e os 4000 m de profundidade (Angel e Baker, 1982). Esta diminuio uma consequncia direta da quantidade de matria que chega ao fundo, quer por afundamento quer trans-portada por animais migradores.

    A zona epipelgica prolonga-se desde a superfcie at cerca dos 200 m, onde ocorre a grande maioria da produo primria, e onde o alimento mais abundante para herb-voros e suspensvoros. A maior parte das espcies que constituem o fitoplncton tem reduzidas dimenses e o mesmo se passa com quem dele se alimenta. Certas espcies de grandes propores possuem, no entanto, mecanismos especializados para permitir fil-trar o fitoplncton presente na gua. Assim, se o fitoplncton for maior do que uma dezena de micrmetros, este pode servir de alimento ao krill, mas o pico e o nano plncton, que tm dimenses mais reduzidas, sero por seu lado o alimento passivo para grupos planctnicos que os armadilham com muco, como fazem as salpas, os pterpodes, os foraminferos, as larvas, entre outros. Em zonas de baixa produtividade, o picoplncton pode produzir at cerca de 80% de toda a produo primria. O muco produzido pelos consumidores ir por sua vez transformar-se em neve marinha que pode formar agrega-dos e servir de alimento a outros organismos pelgicos. O restante pode afundar e vir a alimentar organismos de zonas bem mais profundas.

    Muitos dos residentes nos ambientes pelgicos so transparentes, obtendo assim uma camuflagem que lhes permite escapar maioria dos predadores. Como tal existe uma profuso de organismos gelatinosos que derivam nesta massa de gua e que chegam a ser dominantes em perodos diurnos. Toda esta biomassa alimenta predadores que, por

  • CAPTULO 2 - Ident i f icao dos di ferentes ecossistemas e habi tats do mar profundo

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    sua vez, sero alimento de outros, at ao topo da cadeia alimentar como atuns, golfinhos, entre outros. Para alm desta teia, h um conjunto de organismos migradores que se movimentam nas zonas mais profundas, com movimentos ascendentes da zona meso-pelgica para a zona epipelgica ao lusco-fusco e voltando a descer ao nascer do sol, aumentando a biomassa desta camada nestes perodos, chegando por vezes a duplicar o seu valor. Abaixo da zona epipelgica, a zona mesopelgica estende-se at aos 1000 m de pro-fundidade. Apesar de o tipo de organismos dominantes desta zona no diferir do da anterior, existem grandes alteraes na sua composio especfica. Na ausncia de fitoplncton, as opes de alimento limitam-se a detritos ou predao. O meso zoo-plncton dominado por coppodes, mas na camada mais superficial do mesopelgico encontramos organismos gelatinosos muito frgeis e com formas que nos alimentam o imaginrio (Figura 2).

    Fig. 2 - Zooplncton gelatinoso - (A) Ctenforo Bathocyroe fosteri; (B) Lula de vidro no identificada; (C) Cten-foro no identificado. Fotografia: Marsh Youngbluth.

    A

    B C

  • CAPTULO 2 - Ident i f icao dos di ferentes ecossistemas e habi tats do mar profundo

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    Fig. 3 - Peixes mesopelgicos - (A) (B) Gonostoma spp. - Peixe mesopelgico com fotforos ventrais; (C) Argyropelecus hemigymnus. Fotografia: David Shale.

    A C

    B

    A morfologia dos peixes que habitam esta zona caracterstica e inclui rgos luminosos, negros ou prateados, resultando numa boa camuflagem usada na zona disftica. A maior parte dos peixes tm olhos tubulares e, tal como a boca, direcionados para cima. A boca possui longos dentes extremamente afiados (Figura 3).

    Os 1000 metros de profundidade marcam o incio da zona batipelgica. Os peixes que aqui residem so negros e muitos possuem rgos luminosos, embora em menor abundn-cia do que os das zonas menos profundas. Nesta zona no h peixes migradores. O ambiente mais profundo, a partir dos 3500 metros, denomina-se abissopelgico. A quanti-dade de peixes na zona abissopelgica ainda mais reduzida. Em termos ecolgicos, os peixes so substitudos por crustceos decpodes e, mais fundo ainda, pelos crustceos misidceos. A zona abissopelgica estende-se em profundidade para a zona hadal (pro-fundidades superiores a 6500 m) (Angel, 1984).

  • CAPTULO 2 - Ident i f icao dos di ferentes ecossistemas e habi tats do mar profundo

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    2.2ambientes bentoPelgicosO domnio bentopelgico ecologicamente uma importante zona de fronteira, perto do fundo do mar (bentos), onde vivem vrios organismos na chamada camada bntica fronteiria (em ingls Benthic Boundary Layer BBL). At este ponto a biomassa tem vindo a diminuir com o aumento da profundidade, mas a proximidade ao fundo vem retroceder esta tendncia. As espcies que vivem nesta zona fronteiria tanto so do domnio pelgico (Figura 4) como do bntico e interagem nesta zona que ocorre desde profundidades da plataforma continental at s zonas abissais, passando pelos mon-tes submarinos e taludes continentais. As espcies que aqui vivem tm em comum a obrigatoriedade de passarem parte do seu ciclo de vida nesta zona fronteiria.

    Neve Marinha Agregados orgnicos de diversas naturezas, tal como bactrias, clulas, algas e restos de fezes ou da degradao de substncias gelatinosas, geralmente enriquecida com microrganismos, que se precipitam das camadas mais superficiais para os fundos marinhos, providenciando energia e alimento a estas zonas. Plncton - Conjunto de organismos, principalmente microscpicos, que flutuam em guas salgadas ou doces, movendo-se com as massas de gua.Necton - Organismos com habilidades de natao que lhes permitem mover-se de forma independente das correntes marinhas.

    Fig. 4 - Peixes bentopelgicos: (A) Lopodolos acanthognathus; (B) Chiasmodon niger Consegue capturar e ingerir presas maiores que ele prprio graas a um grande estmago. Fotografia: Richard Young.

    A B

  • CAPTULO 2 - Ident i f icao dos di ferentes ecossistemas e habi tats do mar profundo

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    Biodiversidade Diversidade biolgica. Pluralidade dos organismos vivos, nas suas variadas formas. A biodiversidade acontece a vrios nveis: a nvel de ecossistemas (os diferentes tipos de habitats que existem), a nvel de espcies (diferenas entre espcies) e a nvel gentico (variedade dos genes de cada uma das espcies).Bioma - So tipos de ecossistemas, habitats ou comunidades biolgicas com certo nvel de homogeneidade.Biomassa Quantidade de matria viva numa determinada rea.Biota - Conjunto de seres vivos (animal, vegetal e microrganismos) que se encontra num dado ambiente, num dado perodo e/ou numa determinada regio geogrfica.Comunidade Grupo de organismos de diferentes espcies que ocorre no mesmo habitat ou rea.Ecossistema - Todos os organismos numa comunidade bitica e o ambiente fsico com o qual interagem.Habitat - Conceito usado em ecologia que inclui o espao fsico e os fatores abiticos que condicionam um ecossistema e por essa via determinam a distribuio das populaes de determinada comunidade.Populao Grupo de organismos da mesma espcie que habitam a mesma rea geogrfica.

    A regio bentopelgica, uma zona fronteira onde ocorrem por vezes autnticas tem-pestades bnticas. As tempestades bnticas podem refletir-se at centenas de metros sobre o fundo (Angel e Baker, 1982; Weatherly e Kelley, 1985). Dependendo da velocid-ade das correntes, as partculas que esto no fundo podem mesmo ser ressuspendidas.

    2.3 ambientes bnticos ou bentnicosA biota associada aos substratos consolidados e no consolidados, tambm conhecido como bentos, muito diversa e complexa e tem um papel fundamental no fluxo de energia entre os diferentes nveis trficos das cadeias alimentares. Os bentos alimentam-se tanto da matria orgnica em suspenso como da depositada no sedimento. A biomassa das comunidades bnticas diminui com a profundidade (Lampitt et al., 1986).Se analisarmos o perfil das bacias ocenicas verificamos que a zona bentnica do mar profundo extremamente heterognea nos ecossistemas que apresenta: taludes con-tinentais, plancies abissais, fossas, canhes, montes submarinos, dorsais, campos hidrotermais com as espcies e habitats associados.

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  • caPtulo 3da margem para as dOrsaIs OcenIcas

  • CAPTULO 3 - Da margem para as dorsais ocenicas

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    3.1 talude continentalO talude continental a zona que se encontra entre a plataforma continental e o mar profundo. nessa rea que ocorrem as grandes trocas de matria e energia, incluindo as escorrncias antropognicas. Embora os taludes continentais constituam menos de 20% do oceano mundial, so fontes de matria orgnica importantes utilizada pelas comunida-des do oceano aberto (Druffel et al., 1992; Canals et al., 2006).

    Estes ecossistemas assumem uma influncia mais vasta por estarem envolvidos nalguns dos processos biogeoqumicos e ecolgicos globais contribuindo assim para um funciona-mento sustentvel da biosfera. Dos vrios bens (biomassa, molculas bioativas, petrleo e gs) e servios (regulao do clima, a regenerao de nutrientes e alimentos) forneci-dos pelos ecossistemas de mar profundo, muitos so produzidos ou esto armazenados ao longo das encostas abertas das margens continentais. Ao mesmo tempo, os ecos-sistemas das plataformas do mar profundo so os principais depsitos de biomassa e, provavelmente, um grande repositrio de biodiversidade ainda no descoberta na Terra. Avaliar a sua vulnerabilidade em relao s entradas antropognicas , portanto, crucial para a definio de aes de gesto especficas que visem a preservao da biodiversi-dade do mar profundo.

    3.2 Padres batimtricos da biodiversidade ao longo da margem (talude) euroPeiaPara alm da profundidade, as caractersticas das bacias tambm influem nos padres de variao das espcies (Rex et al., 1997).O conhecimento dos gradientes batimtricos de diversidade amplamente baseado em estudos realizados na zona batial (isto , a partir da quebra da plataforma dos 200 m at aos 4000 m). Alm disso, diferentes taxa (espcies) exibem diferentes padres espaciais com o aumento da profundidade. O nmero de taxa diminui com o aumento da profundi-dade e diversos estudos (Hoste et al., 2007; Vincx et al., 1994) revelam que as margens abertas so locais de elevada concentrao de biodiversidade (muitas vezes referidos

  • CAPTULO 3 - Da margem para as dorsais ocenicas

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    pela expresso inglesa hotspots) em que a riqueza de espcies maior do que o docu-mentado para os ecossistemas do batial e abissal.

    As ilhas das regies Atlnticas, como as que constituem os arquiplagos dos Aores e da Madeira, esto rodeadas por uma plataforma insular seguida de uma vertente insular. Dado o reduzido tamanho da plataforma insular, a vertente insular quase um prolon-gamento da zona costeira, com uma zonao semelhante dos taludes continentais. Porque as ilhas tm uma gnese vulcnica semelhante das encostas dos montes sub-marinos, partilham com eles os mesmos padres de variao de biodiversidade com a profundidade.

    3.3 canhes submarinosOs canhes submarinos so sistemas complexos e heterogneos. Apresentam uma forma tpica em V, com gargantas estreitas e vertentes muito inclinadas. O comprimento mdio de 50 km. Muito embora a maioria tenha poucos quilmetros de comprimento, existem alguns com cerca de 200 a 300 km de extenso e o canho submarino mais extenso conhecido at ao presente possui cerca de 442 km. Estas estruturas atingem grandes profundidades, estando muitas vezes abaixo dos 3000 m (Shepard e Milliman, 1978).

    Os canhes submarinos embutidos na margem continental funcionam como vias de dre-nagem de materiais (sedimento, lixo, etc.) do continente para a plancie abissal, e a sua eficcia depende, entre outros fatores, da distncia ao litoral a que esto definidas as suas cabeceiras e da rea de plataforma que os influencia diretamente.

    Este tipo de incises est frequentemente associado a diversos condicionalismos energ-ticos como afloramentos costeiros (consultar o Guia da Plataforma Continental - Domingos et al., 2017) e acumulao de energia das ondas internas com capacidade de transferir os sedimentos acumulados na plataforma, bordo e vertente continental superior, para a plancie abissal. No caso de canhes cuja cabeceira esteja muito prxima da orla litoral, a sua morfologia tem uma influncia significativa sobre os processos costeiros, como a hidrodinmica da zona costeira (p. ex. ondas gigantes, tsunamis) e o transporte sedimen-tar (p. ex. o Canho Submarino da Nazar) (Masson e Tyler, 2011; Tyler et al., 2009). Recentemente realizaram-se vrios estudos focados nos habitats bentnicos associados aos canhes submarinos e foi descoberto que, devido s caractersticas oceanogrficas e geolgicas anteriormente descritas, algumas destas estruturas contm uma diversidade

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    elevada e, como consequncia, so consideradas reas hotspot de biodiversidade, no s ao nvel de organismos bentnicos (Amaro et al., 2010; De Leo et al., 2010; Tyler et al., 2009) como de populaes de peixes comercialmente importantes (Company et al., 2008; Wrtz, 2012).

    3.4 Plancie abissalTodos os oceanos, entre as suas margens (ativas como as dorsais ou passivas como as margens continentais), apresentam uma rea com topografia suave e plana, normalmente coberta por sedimentos pelgicos, situada entre os 3500 e os 6000 m de profundidade (Angel, 2003; Smith e Demopoulos, 2003) - a plancie abissal. uma rea extensa dos fundos ocenicos.

    Nas plancies abissais podem existir depresses designadas por fossas, que apresen-tam grandes profundidades, podendo mesmo ultrapassar os 11000 m. Podem ainda existir ilhas e colinas formadas pela acumulao de materiais vulcnicos emitidos por vulces submarinos (Smith e Demopoulos, 2003). At aos 5000 m de profundidade, a fina textura dos sedimentos formada pela deposio de valvas de microrganismos calcrios, como os de foraminferos e de certas algas. Abaixo dessa profundidade, o sedimento mais comum tem natureza siliciosa. Este sedimento formado a partir das valvas de diatomceas que habitam as guas mais superficiais e que, aps a morte, afundam. A grande parte do sedimento nas plancies abissais depositado a partir das margens continentais ao longo dos canhes submarinos.

    As comunidades das plancies abissais so geralmente caractersticas de sedimentos mveis (por oposio aos substratos duros), e comportam todas as classes de tama-nho (Figura 5), sendo a megafauna essencialmente necrfaga (peixes macrurdeos, caranguejos e anfpodes) ou detritvora (holotrias e ofiros), e sendo a macrofauna (poliquetas, ispodes, etc.), e meiofauna (nemtodes, coppodes, etc.), em grande parte endofauna, responsvel pela degradao e remineralizao da matria orgnica que chega ao fundo do mar, e portanto prestando um servio fundamental de reciclagem de nutrientes ao planeta Terra.

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    Fig. 5 - Classes de tamanho da fauna encontrada na plancie abissal. Megafauna a fauna que pode ser identificada por fotos e vdeos. Macrofauna a fauna que fica retida no crivo de 300-500 m, sendo a meiofauna a que fica retida num crivo menor que 300-500 m e maior que 32-63 m. fauna que no fica retida no crivo de 32 m d-se o nome de microfauna. Secretariat of the Pacific Community.

    Nestas zonas sedimentares, vamos tambm encontrar poos, tocas, montes, trilhos ou rastos, moldes fecais e vestgios de repouso. O termo tcnico para todos esses sinais de atividade bentnica, sejam rastos, trilhos, montes, e fezes Lebensspuren, que apesar de originalmente ser uma palavra alem, tambm usada em ingls. Os Lebensspuren, cuja traduo direta rastos de vida, muitas vezes confirmam a evidncia da presena de grandes organismos sobre as plancies abissais e so tambm particularmente teis para a quantificao da megafauna dentro dos sedimentos. Estes organismos, que so extremamente difceis de amostrar usando os mtodos convencionais, desempenham um papel potencialmente importante na ecologia do mar profundo e na estruturao do ambiente sedimentar.

    Podemos classificar os Lebensspuren em diferentes categorias, que dependem do com-portamento dos animais:1. Rastos de repouso: marcas de animais parados.2. Rastos de locomoo: marcas dos rgos locomotores.3. Estruturas alimentares: existncia de resduos e depsitos de fezes ou pseudo-fezes.4. Rastos de passagem: marcas delicadas na superfcie do sedimento.

    Cada uma destas categorias tem efeitos notoriamente diferentes nas caractersticas fsi-cas do sedimento, sendo que uns so mais efmeros que outros. Os rastos de locomoo so os mais destrutivos das estruturas fsicas e biognicas, por resultarem numa mistura considervel do sedimento. Rastos de repouso e estruturas alimentares no causam tanta mistura de sedimento. Os rastos de passagem, por sua vez, mantm as estruturas biog-nicas e tm efeito limitado na mistura do sedimento.

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    3.5 meiofauna nos sedimentos do mar Profundo Pertencem meiofauna bentnica (meiobentos) os pequenos organismos com tamanho entre os 32 e os 1000 m que vivem nos diminutos espaos intersticiais dos sedimen-tos. Estes possuem elevada representao na biodiversidade marinha, mas sobretudo desempenham um papel importante no funcionamento dos ecossistemas aquticos. O grupo taxonmico mais abundante da meiofauna so geralmente os nemtodes marinhos de vida livre, que se caracterizam pela sua elevada abundncia e diversidade.

    As comunidades de meiobentos tm um papel determinante no funcionamento e sade dos ecossistemas devido sua posio funcional. Encontram-se na base da teia tr-fica sendo essenciais na transferncia de energia para os nveis trficos superiores dos ecossistemas aquticos, mas tambm so importantes na cadeia detrtica, fazendo parte integrante do ciclo de nutrientes e da produo secundria. Tem sido tambm demons-trada a sua profunda relao com o ambiente ecolgico em que vivem e a sua elevada sensibilidade s alteraes e perturbaes dos ecossistemas aquticos (Materatski et al., 2016; Ramalho et al., 2014; Vafeiadou et al., 2014).

    possvel ento considerar estas comunidades como uma espcie de comunidade modelo para o estudo dos processos de ecologia marinha em diferentes habitats e em particular nos sedimentos do mar profundo, devido s suas importantes caractersticas: (i) a ubiquidade da sua distribuio espacial (ii); a capacidade de refletir as alteraes ambientais a pequena e a grande escala espacial e temporal (iii) o facto de os indivduos possurem um ciclo de vida curto (apenas de 2 ou 3 semanas), o que permite a estas comunidades terem respostas muito mais rpidas s perturbaes naturais ou antropog-nicas, modificando a sua biodiversidade e ainda (iv) a amostragem ser consideravelmente mais simples que a necessria para outros grupos bentnicos.

    A meiofauna e os nemtodes marinhos constituem assim uma importante comunidade bentnica para a monitorizao e avaliao do bom estado ambiental dos sedimentos do mar profundo.

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    3.6 montes submarinosOs montes submarinos so estruturas conspcuas, normalmente com flancos abruptos e uma forma cnica de base circular, elptica ou mais alongada. Do ponto de vista geolgico so formaes que emergem do leito do oceano, geralmente de origem vulcnica e fre-quentemente associados a hotspots de biodiversidade. Apesar de existirem milhares de montanhas submarinas estes sistemas so pouco estudados (Giacomello et al., 2013).Atualmente so conhecidos cerca de 100.000 montes submarinos, dos quais 14 000 tm grandes dimenses (Wessel et al., 2010). Apenas em 200 destes 14 000 montes subma-rinos foram j recolhidas amostras de forma sistemtica (Shank, 2010), o que demonstra quo pouco estudados esto. As correntes que circundam os montes submarinos e as superfcies rochosas expostas dos mesmos oferecem condies ideais para animais filtra-dores, que tendem a dominar a zona bentnica. No Oceano Atlntico existem pelo menos 800 montes submarinos de grandes dimenses, a maioria deles associada Crista Mdia Atlntica, mas tambm na zona a oeste de Portugal Continental (Morato et al., 2008).

    Os montes tm natureza rochosa e podem possuir fissuras, falhas, canhes, onde fre-quente a acumulao de sedimentos biognicos (Gubbay, 2003). O relevo dos montes submarinos tem efeitos profundos sobre a circulao ocenica circundante, como a for-mao de ondas retidas, jatos, turbilhes e as circulaes fechadas conhecidas como colunas de Taylor (Gubbay, 2003). Podem ser divididos em:1. Pouco profundos: quando o cume se encontra na zona ftica.2. Intermdios: quando o cume se encontra entre o limite inferior da zona ftica e a profundidade de migrao diurna do zooplncton, mais conhecidas por migraes nicte-merais (aproximadamente 400 m).3. Profundos: quando o cume est abaixo dos 400 m e, portanto, sem efeito da luz solar (Gubbay, 2003).

    Os montes so caracterizados por uma elevada biodiversidade e pensa-se que os que se aproximam mais da superfcie so importantes por facilitarem a disperso das esp-cies nos oceanos agindo como pontos de passagem (mais conhecidos pela expresso inglesa stepping stones) para espcies nas suas rotas de colonizao (Gubbay, 2003). Nos montes submarinos cujo cume se localiza na zona ftica ou disftica e aquando das migraes nictemerais, muitos dos organismos migradores acabam por ficar aprisionados nos topos durante a sua descida diurna, devido s correntes ocenicas, provocando o aumento local da quantidade de alimento.

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  • caPtulo 4dOrsaIs OcenIcas

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    Geralmente, a biomassa bentnica diminui com a profundidade e com a distncia aos continentes, tendo as profundidades abissais menos de 1% dos valores de biomassa das zonas costeiras (Rex e Etter, 2010). Na ausncia de uma dorsal ocenica, espera-se que a fauna abissal seja escassa. Isto justifica-se tambm pela baixa produtividade da zona ftica em pleno oceano.

    A presena das dorsais ocenicas, que no so mais do que cadeias de montanhas no meio do oceano, reduz a profundidade da coluna de gua e a sua topografia pode influen-ciar os padres de circulao (St Laurent e Thurnherr, 2007). Estas elevaes podem, em parte providenciar habitat para as espcies batiais, que de outra forma no existiriam no meio do oceano (a no ser nos montes submarinos).

    Acredita-se que tambm as dorsais ocenicas possam ser stepping stones para a disper-so das espcies batiais. Estudos recentes (Priede et al., 2013) na dorsal atlntica (tambm chamada Crista Mdio Atlntica) mostram que os flancos desta cadeia montanhosa so dominados por terraos planos separados por vertentes abruptas, frequentemente com penhascos paralelos voltados para o eixo da dorsal. Estes terraos (com inclinao infe-rior a 5%) representam cerca de 38% da rea e esto cobertos por sedimento, seguidos de vertentes ligeiras (56%) tambm maioritariamente cobertas de sedimento, sendo inter-rompidos por afloramentos rochosos (5-30 de inclinao) e cerca de 6% de vertentes inclinadas cobertas com cerca de 30% de sedimento (>30). Nestas vertentes inclinadas, os penhascos so de rocha nua nas faces verticais, mas com sedimento na base. Os autores concluram que, apesar de vrios elementos rochosos na topografia, o substrato dominante sedimentar. O substrato rochoso o habitat de uma grande diversidade de fauna bentnica sssil, dominada por corais, esponjas e crinides (Mortensen et al., 2008).

    Diversos cientistas (Priede et al., 2013) constataram que a fauna da dorsal mdio atlntica tem muitas espcies conhecidas das margens continentais. A maior parte das espcies demersais e bnticas so tpicas do batial, tendo cerca de 10% de endemismos (espcie endmica: espcie que se desenvolve numa nica regio geogrfica) na megafauna bn-tica. As holotrias constituem o grupo com maior percentagem de endemismos.

    4.1 ambientes quimiossintticos Quer nas margens continentais, quer nas dorsais ocenicas podemos encontrar ambien-tes particulares com capacidade de sintetizar matria orgnica na ausncia de luz. Estes so os ambientes quimiossintticos onde a produo primria no depende da luz solar.

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    Em zona de margem os ambientes quimiossintticos dependem da presena de uma fonte de metano no sedimento e tm o nome de fontes frias por oposio s fontes hidrotermais, que se formam em zona de separao de placas, e que apresentam fluidos reduzidos extremamente quentes.

    Os ecossistemas hidrotermais encontram-se em zonas relacionadas com a tectnica de placas, situando-se nas zonas de separao das mesmas (Figura 6). Aqui, o magma, com uma temperatura de cerca de 1200 C, ascende, consolida e forma nova crosta que, ao arrefecer, se fratura. A gua do mar infiltra-se nestas fraturas, circula na nova crosta ocenica, e aquece quando se aproxima da cmara magmtica. A aquece, torna-se an-xica e menos densa e, por movimentos de convexo, volta a ascender at superfcie da crosta. No processo de ascenso, interage quimicamente com as rochas por onde passa, arrastando consigo metais como o ferro, cobre, zinco e chumbo entre outros. Transporta tambm gases, incluindo o dixido de carbono, o hidrognio, o metano e o sulfureto de hidrognio. O contacto deste fluido com a gua do mar fria e oxigenada, faz com que os compostos acarretados se precipitem sob a forma de calcopirite (Cu, Fe, S), esfalerite (Zn, Fe, S) e pirite (Fe, S), formando chamins (Van Dover, 2000).

    Fig. 6 - Padres biogeogrficos das comunidades hidrotermais, em ambiente de dorsal e de margem. As difer-entes cores indicam as seis grandes provncias biogeogrficas. Ilustrao de E. Paul Oberlander, Woods Hole Oceanographic Institution.

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    Tabela 1 Fauna dominante das provincias biogeogrficas propostas na figura 6 (Adaptado de Ramirez-Llodra et al, 2007)

    Fig. 7 - Esquema simplificado de uma fonte hidrotermal. A gua do mar infiltra-se na crosta ocenica e ao aproximar-se da cmara magmtica aquece e modificada pela troca qumica com as rochas circundantes. A gua do mar alterada, por movimento de convexo, novamente expelida no fundo ocenico. A pluma crescente mistura-se rapidamente com a gua do mar ambiente, baixando a temperatura e a diluio da concentrao de partculas. A pluma, menos densa que a gua circundante, continua a subir atravs da gua do mar. Uma vez que a densidade da pluma hidrotermal corresponde densidade da gua do mar, a subida pra e comea a dispersar lateralmente. Num cenrio como este, 90% dos metais da pluma perdem-se e no formam depsitos de metal. Secretariat of the Pacific Community.

    Dorsal Mdio Atlntica, Juno Tripla dos Aores (Atlantico norte, 800-1700m)

    Dorsal Mdio Atlntica entre a Juno Tripla dos Aores e o Equador (Atlantico norte, 2500-3650m)

    Dorsal mdio Atlantica sul

    Dorsal das Galapagos e Rise do Pacifico Este

    Pacifico Noroeste

    Pacifico Oeste

    Dorsal central do Indico

    Provincia biogeogrfica e Profundidade Fauna dominante

    Mexilhes do Gnero Bathymodiolus, anfpodes e camares da Infra-Ordem Caridea

    Camares da Infra-Ordem Caridea- maioritariamente Rimicaris exoculata, e mexilhes do Gnero Bathymodiolus

    Camares da Infra-Ordem Caridea, mexilhes do Gnero Bathymodiolus e ameijoas

    Verme tubcola vestimentifera- maioritariamente Riftia pachyptila e mexilhes do Gnero Bathymodiolus, ameijoas da Familia Vesycomidae, poliquetas da Familia Alvinelidae, anfpodes e caranguejos

    Verme tubcola vestimentifera- excluindo os do Gnero Riftia, poliquetas e gastrpodes

    Cracas, lapas, Mexilhes do gnero Bathymodiolus, gastrpodes cabeludos, ameijoas da Familia Vesycomidae e camares

    Infra-ordem Caridea- Rimicaris kairei, mexilhes, gastrpodes com escamas e anmonas.

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    A temperatura dos fluidos das chamins varia consoante a profundidade a que esto os campos hidrotermais e pode chegar a atingir os 350 C (Figura 7). So os compos-tos reduzidos (fonte de energia) e o dixido de carbono transportado por estes fluidos que permitem que os organismos quimiossintticos realizem produo primria (produ-o de matria orgnica a partir de elementos inorgnicos), algo que at descoberta destes ambientes s se conhecia em ambientes fotossintticos (fotossntese), (Figura 8). Verifica-se ento, como consequncia deste original processo de fabricao de alimento, a presena de autnticos osis de vida em redor das chamins. Os organismos que vivem sobre ou prximo delas esto adaptados a estes ambientes (que contrariamente ao mar profundo batial e abissal, rico em metais, enxofre, com pH inferior ao da gua do mar e com elementos radioativos), distribuindo-se de forma heterognea, conforme as suas adaptaes. As variaes so escala centimtrica, podendo no espao de uma dezena de centmetros variar entre 100 C e 12 C.

    Fig. 8 - Relaes de simbiose quimiautotrfica. Estas relaes so semelhantes s simbioses que ocorrem entre recifes de corais e as algas fotossintticas. (A) tal como alguns corais necessitam da luz solar para obter energia para as algas simbiticas, (B) os animais, tais como os mexilhes, necessitam dos fluidos provenientes das fontes hidrotermais que so benficos para as bactrias simbiticas. Secretariat of the Pacific Community.

    A B

    A caracterstica mais especial dos ambientes hidrotermais o facto de no depende-rem do carbono orgnico que provm da superfcie. A produo primria realizada pelos microrganismos suporta este osis de vida, que apesar de uma grande biomassa, tem uma diversidade especfica inferior dos ecossistemas batiais vizinhos. So ambientes geralmente dominados por espcies simbiotrficas, ou seja, megafauna e macrofauna hospedeiras de bactrias simbiontes quimioautotrficas, autnticas fbricas de produo de alimento.

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    Os campos hidrotermais so muito importantes. Contribuem para o equilbrio trmico do planeta, enriquecem a gua do mar do ponto de vista qumico e geram parte dos sedimen-tos existentes nos fundos submarinos.

    Existem vrias provncias biogeogrficas com hidrotermalismo de grande profundidade ativo e a regio dos Aores uma delas. Os campos hidrotermais aorianos so domi-nados pelo mexilho hidrotermal Bathymodiolus azoricus, um curioso animal que alberga nas suas brnquias uma simbiose dupla de microrganismos que oxidam o enxofre e o metano. No domnio da megafauna tambm abundante o camaro Mirocaris fortunata e o caranguejo Segonzacia mesatlantica. Estes campos hidrotermais so reas marinhas protegidas, fazendo parte da rede de reas marinhas protegidas da Conveno Oslo-Paris para a proteo do Norte Atlntico (mais conhecida pelo acrnimo OSPAR) e do Parque Marinho dos Aores.

    Do ponto de vista geolgico, as fontes frias apresentam caractersticas muito diversas. Esto dispersas globalmente, ocorrendo em todas as margens continentais (tectonica-mente ativas e passivas) e em lagos e mares interiores. So conhecidas fontes frias desde profundidades inferiores a 15 m at profundidades superiores a 7400 m. As fontes frias encontram-se com frequncia ao longo de fraturas na crista de colinas, nas escarpas baixas e nos afloramentos planos, alm de em zonas de falha associadas a tectnicas salinas em margens continentais passivas (Gibson et al., 2005). Estas fontes dependem do metano, quer este seja formado por afloramentos de hidratos, quer por ascenso atra-vs de falhas ou quer pela produo a partir da diagnese da matria orgnica.

    As fontes frias, tal como as fontes hidrotermais, albergam comunidades caracterizadas por uma produo primria quimioautotrfica e com associaes simbiticas entre bactrias eucariotas. O metano e o sulfureto so as principais fontes de energia e so oxidados por espcies bacterianas na presena de oxignio. As altas concentraes de metano, hidro-carbonetos ou sulfureto podem estar presentes no fluido, sendo que as concentraes e o fluxo tm grandes efeitos na composio da comunidade quimioautotrfica adjacente (Solem, 1997). Em sedimentos anxicos controlados por difuso, todo o metano produ-zido por metanognese oxidado na zona de transio metano/sulfato e nunca alcana as guas do fundo. Nas fontes frias, a gua saturada de metano existente nos poros do sedimento transportada na direo da superfcie do sedimento e a grande disponibili-dade de metano leva a taxas mais altas de oxidao anaerbica de metano na superfcie dos sedimentos (Gibson et al., 2005).

    Mas h outros ambientes submarinos que albergam comunidades biolgicas particulares. Quer em zona de margens, quer nas dorsais ocenicas, quer nos montes submarinos, se as condies forem propcias, encontrar-se-o construes biolgicas que per si so

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    tambm ecossistemas muito importantes, tais como as agregaes de esponjas, os jar-dins e recifes de corais de guas fria. sobre estes outros ambientes que iremos dissertar daqui em diante.

    4.2 corais de guas friasOs corais de guas frias ou corais de profundidade (tambm habitualmente referidos pela sigla em ingls CWC - cold water corals) pertencem ao Filo Cnidaria e diferem das espcies tropicais por no dependerem de dinoflagelados simbiontes para a produo de alimento. Este grupo taxonmico engloba alguns antozorios, como as colnias cons-titudas por esqueletos calcrios ou crneos (Hexacorallia: Scleractinia e Antipatharia, respetivamente), as gorgnias (Octocorallia: Gorgonacea) e os hidrozorios duros (Hydrozoa: Stylasteridae) (Roberts e Cairns, 2014).

    Embora os corais sejam geralmente coloniais, determinadas espcies so solitrias, isto , constitudas por um nico plipo (p. ex. Caryophylliidae). Estes organismos tanto podem existir isolados ou em povoamentos densos de colnias arbustivas (jardins de corais), como podem formar recifes de aspeto tridimensional e com considervel extenso (Roberts et al., 2009). As gorgnias e os antipatrios so os principais cons-tituintes das comunidades do tipo jardim de coral (OSPAR, 2010), enquanto que os corais escleractneos Lophelia pertusa e Madrepora oculata so as principais espcies construtoras de recifes tridimensionais complexos (Roberts et al., 2009). Por exemplo, o maior recife de coral de L. pertusa de que h registo, o Rst reef, foi descoberto em 2002 ao longo da margem da plataforma continental da Noruega, a uma profundidade de 300 - 400 m, cobrindo uma rea com aproximadamente 35 - 40 km de comprimento e 3 km de largura (Thiem et al., 2006). Noutras reas geogrficas os jardins de corais so o habitat mais comum. o caso dos Aores onde, at hoje, foram identificados cerca de vinte tipos de jardins de coral e 165 espcies de corais (Braga-Henriques et al., 2013; Tempera et al., 2013).

    Os CWCs habitam predominantemente guas ocenicas com temperaturas entre os 4 e os 13 C e possuem uma distribuio geogrfica global (Roberts et al., 2009). A sua distribuio em profundidade varia com a latitude: em latitudes mais elevadas a presena de corais ocorre a profundidades relativamente reduzidas (50 a 1000 m), enquanto que a menores latitudes poder atingir os 8000 m. So normalmente encontrados em fun-dos rochosos acidentados sob condies hidrodinmicas intensas, muitas vezes em torno de elevaes topogrficas, tais como os montes submarinos, pinculos, bem como nas

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    margens continentais e nos canhes (Roberts et al., 2009). A preferncia por zonas de correntes aceleradas tem duas funes: maior disponibilidade de alimento, p. ex. zoo-plncton e outros materiais orgnicos suspensos nas guas circundantes (Thiem et al., 2006) e o contributo para manter a superfcie dos corais livres de sedimentos (Lacharit e Metaxas, 2013).

    No que respeita biodiversidade, estas comunidades so comparveis aos recifes de corais tropicais de baixa profundidade. De facto, cerca de 66% da diversidade global de corais, i.e. 3356 das 5160 espcies conhecidas, encontra-se em guas com mais de 50 m de profundidade (Roberts e Cairns, 2014). Estes nmeros, s por si, comprovam que os CWCs so autnticos hotspots de biodiversidade. Na realidade, o facto de propiciarem habitat, alimento, local de desova e viveiro para muitos outros organismos incrementa os nveis de biodiversidade associada. As esponjas, os poliquetas, os crustceos, os molus-cos, os equinodermes e os briozorios, incluindo as espcies comerciais de peixes, tais como o peixe relgio (Hoplostethus atlanticus), a maruca azul (Molva dipterygia) e os gra-nadeiros (famlia Macrouridae) (Costello et al., 2005; Pham et al., 2015), so alguns dos beneficiados pelos jardins de corais.

    Os CWC so caracterizados por grande longevidade e taxas de crescimento lentas. As colnias de coral L. pertusa tm um crescimento linear de cerca de 6 a 35 mm por ano, e os recifes que formam podem atingir os oito mil anos (Roberts et al., 2009). As gorgnias no formam recifes, mas sim colnias de grandes dimenses, com longevidade na ordem das centenas de anos, e taxas de crescimento entre os 50 e os 440 m por ano, segundo estudos baseados em tcnicas radiomtricas de Carbono 14 ou Chumbo 210 (Weaver et al., 2011). Os corais de ouro (Gerardia sp.) e os corais negros (Leiopathes glaberrima) tm as longevidades maiores que se conhecem, podendo viver entre dois e quatro milnios, respetivamente (Roark et al., 2009). Estes organismos possuem uma taxa de crescimento muito lenta, na ordem de 2 a 5 m por ano de crescimento radial.

    Pela sua natureza, nomeadamente a grande longevidade, o crescimento lento e a repro-duo tardia, os habitats formados por estas espcies so particularmente vulnerveis aos impactos das atividades humanas como a pesca de fundo, a perfurao para recolha de hidrocarbonetos e a minerao dos fundos marinhos. Depois de perturbados, estes locais podem necessitar de centenas de anos para recuperar a sua compleio natural (Roberts et al., 2009), tendo por isso sido classificados como ecossistemas marinhos vul-nerveis pela Conveno OSPAR (OSPAR, 2010, 2009, 2008).

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    Antipatrios ou corais pretos (Ordem Antipatharia) - Secretam um esqueleto orgnico base de quitina. Os plipos possuem caracteristica-mente seis tentculos.Cnidria - Filo de animais com cerca de 9000 espcies diferentes. Os cnidrios so radialmente simtricos, com tentculos provenientes de um n central. Este filo inclui hidrides, medusas, anmonas e corais.Corais duros ou escleractnios (Ordem Scleractinia) - Tm esqueletos calcrios e so os principais construtores dos recifes de coral. Caracteri-zam-se por apresentar tentculos em nmero de seis ou mltiplos de seis e podem ser solitrios (apenas um plipo) ou coloniais (vrios plipos).Hidrocorais (Classe Hydrozoa) - Produzem esqueleto calcrio. Tm poros de tamanho diferenciado, onde se localizam trs tipos de plipos, um especializado na alimentao, outro na defesa e outro na reproduo.Octocorais (Subclasse Octocorallia) - So assim chamados por apre-sentarem exclusivamente oito tentculos nos seus plipos. Incluem as gorgnias, os corais tubo e os corais moles. Podem produzir um eixo crneo, que lhes confere grande flexibilidade. As gorgnias contm no seu esqueleto estruturas de calcite que se chamam escleritos. Plipo - Cada um dos indivduos pertencentes a uma colnia dos animais invertebrados do filo Cnidria, tal como os corais e as anmonas. Por vezes podem ser solitrios. Cada plipo consiste numa estrutura cilndri-ca em forma de saco com uma cavidade interna que se abre apenas numa extremidade chamada boca, rodeada por tentculos. A boca tem funo de ingesto de alimentos e tambm na eliminao de resduos.

    4.3 agregaes de esPonjasAs esponjas, pertencentes ao Filo Porifera, encontram-se entre os animais mais primitivos e ancestrais que se conhecem, com registos fsseis com 710 milhes de anos (i.e. Era Neoproterozica) (Maloof et al., 2010).

    So um grupo taxonmico diverso e exclusivamente marinho, composto por quatro clas-ses: esponjas calcrias (Calcarea), esponjas-de-vidro (Hexactinellida), as demoesponjas (Demospongiae) e as Homoscleromorpha (Bergquist e Anderson, 1998). O termo agre-gaes de esponjas refere-se a comunidades dominadas por megaesponjas das Classes Demospongiae e Hexactinelida que ocorrem essencialmente em zonas profundas (supe-riores a 250 m de profundidade) (Bett e Rice, 1992; OSPAR, 2010). Estas comunidades

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    ocorrem essencialmente entre os 250 e os 1300 m de profundidade e a temperaturas entre os 4 e os 10 C onde as correntes so moderadas (0,5 ns) (Bett e Rice, 1992; OSPAR, 2010). As agregaes de esponjas ocorrem maioritariamente em substratos mveis, podendo tambm colonizar substratos rochosos (rochas e pedras) em zonas sedimen-tares. Estes organismos tm preferncias por habitats semelhantes aos dos corais de guas frias, sendo frequentemente encontrados nos mesmos locais, como por exemplo nos montes submarinos na regio dos Aores (Pereira, 2013; Tempera et al., 2012).

    Do ponto de vista ecolgico estas comunidades desempenham um papel importante enquanto micro e macro-habitat para microrganismos, invertebrados e peixes (Bell, 2008). Tal como os corais de guas frias, estes organismos possuem um papel funcio-nal chave no ciclo de vida de algumas espcies, como locais de refgio, alimentao e reproduo. Alguns estudos indicam que os tapetes de espculas das esponjas pre-sentes em redor das agregaes de esponjas, estabilizam os sedimentos, contribuindo para um aumento da biodiversidade de organismos associados, desde microrganismos a organismos macrobentnicos (p. ex. equinodermes, crustceos) (Smith e Hughes, 2008). Os tapetes de espculas tm tambm uma funo importante como substrato de fixao para as larvas de esponjas que colonizam estes locais (Henrich et al., 1992). Em algumas regies geogrficas estes bitopos tm uma importncia acrescida para espcies de peixes comerciais e consequentemente para a pesca local (Bell, 2008; Kenchington et al., 2010).

    Para alm do seu papel bioconstrutor de habitat, as esponjas so organismos filtradores/suspensvoros que desempenham uma funo fundamental no acoplamento bentopel-gico atravs da remoo direta de nutrientes, por via de microrganismos associados (Pile e Young, 2006; Radax et al., 2012; Yahel et al., 2007). As esponjas apresentam, assim, a capacidade de alterar as comunidades planctnicas e as caractersticas qumicas da coluna de gua a nvel local. Algumas esponjas so tambm importantes agentes bioero-sivos de bioestruturas calcrias, como corais e conchas de bivalves, o que lhes confere um papel fundamental nos ciclos biogeoqumicos (Beuck e Freiwald, 2005).

    No geral, as espcies que formam agregaes de esponjas apresentam uma grande lon-gevidade e um crescimento lento (Dayton et al., 2013; Fallon et al., 2010), tornando-as pouco resilientes aos impactos causados pelas atividades antropognicas e tendo, por esse motivo, sido classificados como Ecossistemas Marinhos Vulnerveis pela Unio Europeia1 , e como espcies ou habitats ameaados ou em declnio pela Conveno OSPAR2 (OSPAR, 2010). So agregaes com um padro de distribuio irregular e espacialmente fragmentado, sendo por isso extremamente vulnerveis destruio, por exemplo, por pesca de arrasto (Freese, 2001; Wassenberg et al., 2002). Desde o incio da pesca industrial com arrasto que foi possvel observar alteraes das comunidades

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    bentnicas, com diminuio da densidade e biomassa de esponjas, as quais pelas suas caractersticas biolgicas parecem no recuperar (Clark et al., 2015; Heifetz et al., 2009; Moran, 2000; Pitcher e Clark, 2010).

    O estudo da importncia das agregaes de esponjas como ecossistemas do mar pro-fundo, ainda um tpico recente. O estado da identificao taxonmica destas esponjas (Pereira, 2013) ainda limitado e fragmentado, bem como o conhecimento da sua biologia reprodutiva e populacional, longevidade, crescimento, e desenvolvimento larval. Todos estes parmetros so essenciais para o desenvolvimento e implementao de estratgias de gesto e conservao.

    1 norma regulatria C.E. n 734/20082 OSPAR (acordo de 2008-06)

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  • caPtulo 5estratgIas alImentares

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    exceo dos ambientes quimiossintticos, o ambiente do mar profundo depende da matria orgnica que produzida nas camadas mais superficiais do oceano (Figura 9). Por esta razo, a maior parte dos organismos tem uma baixa especializao da dieta, podendo utilizar vrios tipos de estratgias alimentares: suspensvora, detritvora, necr-faga, por raspagem ou predao.

    Os suspensvoros podem intercetar passivamente as partculas (p. ex. os braos dos cri-nides) ou ter uma interseco ativa atravs da gerao de muco ou criao de correntes (caso dos equinodermes, bivalves e ascdias). Geralmente os suspensvoros diminuem com a profundidade, pois o fluxo das partculas baixo (correntes lentas) ou esto limi-tados a zonas onde existe um aumento do fluxo (p. ex. montes submarinos, zonas de penhasco ou de inclinao acentuada).

    Os detritvoros so animais que processam os detritos no tubo digestivo (geralmente os detritos misturados nos sedimentos). Geralmente, estes animais processam apenas a camada fina do topo dos sedimentos. Encontramos nos organismos das plancies abissais e das zonas hadais a dominncia desta forma de alimentao. Os detritvoros utilizam diversas formas de alimentao: estendendo os tentculos ou palpos alimentares na superfcie do sedimento, aspirando a subsuperfcie do sedimento ou usando covas ou galerias como armadilhas de detritos.

    Existem tambm os raspadores (muitas vezes referidos pelo nome em ingls, grazers), cuja fonte de alimento so as bactrias e outros microrganismos (p. ex. nemtodes).Os necrfagos so omnvoros e substituem funcionalmente em profundidade os preda-dores carnvoros. Apesar de poderem ter dimenses reduzidas, como alguns anfpodes, geralmente so grandes e podem nadar grandes distncias (p. ex. o anfpode Eurythenes gryllus pode nadar a uma velocidade de at cerca de ~7 cm s-1 dado que desenvolveu bastante a sua capacidade natatria). Os animais necrfagos desenvolveram sentidos que os auxiliam a detetar as carcaas que chegam ao fundo, deixando assim a viso para segundo plano.

    Apesar de, com a profundidade, a predao ser progressivamente substituda pela necro-fagia, continuam a existir alguns predadores no mar profundo. Geralmente usam uma estratgia do tipo sentado espera, como o peixe trpode que sensvel s vibraes. Existem tambm grupos especializados, como os bivalves, que se alimentam de madeira (xilfagos), ou os poliquetas que se alimentam de ossos de baleia (Osedax sp.), assim como os organismos simbiotrficos dos ambientes quimiossintticos que utilizam simbion-tes para providenciar toda ou parte da energia fundamental para viver e onde as bactrias quimiossintticas vivem numa estreita associao com os seus hospedeiros.

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    Fig. 9 - O que chega ao mar profundo: (1) Material de origem terrestre; (2) Neve Marinha; (3) Matria orgnica particulada; (4) Dejetos e mudas de animais; (5) Grandes carcaas; (6) Transferncias trficas de organismos de profundidade que fazem migraes na coluna de gua; (7) Matria orgnica dissolvida; (8) Microrganismos no sedimento; (9) Produo quimiossinttica nas fontes hidrotermais.

    simbioses

    A relao entre hospedeiro-simbionte chamada de holobionte. geralmente nos ambientes quimiossintticos que encontramos, em ambientes profundos, a associao simbiosa holobionte, em que so geralmente as espcies dominantes (pioneiras ou no) a assumir o papel de bioconstrutoras, pois so elas que alteram o ambiente por forma a torn-lo habitvel por outras espcies. Muitas vezes os holobiontes apresentam adapta-es morfolgicas, fisiolgicas e bioqumicas menos comuns nestes ambientes profundos, incluindo a perda do sistema digestivo no caso das rftias (Riftia pachyptila) e novos fotorrecetores em camares (Van Dover, 2002). Conjuntos de organismos holobiontes, como, por exemplo, agregaes de bivalves e rftias, podem propiciar habitats comple-xos (Figura 10) que servem de substrato para o crescimento microbiano, como refgio para invertebrados juvenis ou como habitat para os organismos associados, incluindo os consumidores primrios e consumidores secundrios (Van Dover, 2014). O hospedeiro fornece os compostos reduzidos (p. ex. o sulfito de hidrognio) e o oxignio que a bactria usa para sintetizar compostos de carbono a partir de molculas de carbono simples (quer de dixido de carbono ou metano). Estes simbiontes requerem uma fonte de dadores de eletres (p. ex. o sulfito proveniente das fontes hidrotermais), uma fonte recetora de

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    eletres (p. ex. o oxignio existente na gua do mar) e uma fonte de carbono inorgnico (p. ex. o dixido de carbono ou o metano dos fluidos hidrotermais) (Bettencourt et al., 2014; Desbruyres et al., 2000).

    Fig. 10 - Simbiose quimiossinttica que ocorre numa ampla gama de habitats marinhos, incluindo: (a) sedimentos de guas rasas; (b) sedimentos do talude continental; (c) fontes frias; (d) carcaas de baleias e quedas de madei-ra. Adaptado de Dubilier et al. 2008 Nature Publishing Group.

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    Fig. 11 - Do sol ao magma - a energia que alimenta o mar profundo.

    No existem, portanto, ambientes isolados no mar profundo, desde logo porque a energia tem, essencialmente, origem na superfcie. E as diferentes estratgias alimentares fazem com que este ambiente seja muito diverso, quer em termos de biodiversidade, quer em termos de fun-cionamento. Mesmo nos ambientes quimiossintticos, os organismos aerbicos necessitam do oxignio que formado nas camadas superficiais do oceano atravs da fotossntese.

    A Figura 11 resume as diferentes fontes de energia para os ambientes em profundidade no substrato mvel, no substrato fixo e nos ambientes quimiossintticos. Ilustra-se tambm a diferena entre os produtos reduzidos de origem termognica, como as fontes hidro-termais, em contraponto com os de origem biognica das fontes frias (a grande maioria). Nas fontes frias, um complexo de microrganismos que vai reduzir o sulfato da gua do mar e oxidar o metano (que pode ter origem biognica ou termognica), para produ-o de sulfureto de hidrognio e dixido de carbono, necessrio para os microrganismos quimioautotrficos.

  • CAPTULO 6 - Biologia das espcies de profundidade

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  • caPtulo 6bIOlOgIa das espcIes de prOfundIdade

  • CAPTULO 6 - Biologia das espcies de profundidade

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    6.1 adaPtaes As espcies de profundidade colonizaram o mar profundo em momentos diferentes. Estas deslocaes foram acompanhadas de adaptaes que tornaram os organismos particu-larmente adaptados a estes ecossistemas.Um primeiro grupo inclui seres que pertencem a famlias que evoluram e radiaram em espcies que s se encontram no mar profundo. Estas espcies exibem claras adapta-es estruturais para a vida nas profundezas, incluindo rgos luminosos especializados, olhos modificados e dentes de grandes dimenses. Um segundo grupo, os chamados pei-xes secundrios das profundezas, teve a sua evoluo e radiao primrias na plataforma continental costeira, onde a maioria se encontra ainda hoje, e mudou-se para o fundo muito mais tarde. No mostram, por isso, marcadas adaptaes morfolgicas ao ambiente profundo relativamente s formas mais antigas. De uma maneira geral, as formas pelgi-cas de profundidade pertencem, na sua maioria, a grupos de formas antigas enquanto as afinidades das formas demersais podem ser consideradas como as secundrias.

    De uma maneira geral, a abundncia e biomassa dos peixes de profundidade, tanto pel-gicos como demersais, diminuem com a profundidade. Ou seja, quanto mais fundo for o ambiente, menos peixes existem e menor a sua biomassa. A diversidade varia de forma um pouco diferente, j que o seu mximo ocorre a profundidades mdias. Em reas onde a produo primria elevada, por exemplo em latitudes elevadas ou em reas de upwelling, o domnio de uma ou de poucas espcies comum. Em reas onde a produo baixa, o que corresponde grande maioria do oceano, as espcies esto presentes em baixas abundncias e a escassez a regra.

    As adaptaes particulares da fauna do mar profundo vo para alm do aspeto peculiar que aparentam em termos de cor, estrutura mandibular e posicionamento das barbatanas. O tamanho dos olhos, os rgos da linha lateral, a bexiga gasosa e os tecidos sofreram modi-ficaes evolutivas para garantir o sucesso no mar profundo. No entanto, as adaptaes tambm incluem outras questes importantes embora no aparentes como os parmetros de histria de vida (Herring, 2002; Merrett e Haedrich, 1997; Randall e Farrell, 1997).

    6.1.1 luZ

    Uma das adaptaes de espcies que vivem no mar profundo est relacionada com a resposta ao gradiente vertical da intensidade da luz. Muitas espcies da plataforma e

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    vertente continental tm um contraste de cor, com dorsos escuros de modo a facilitar a camuflagem contra o fundo e ventres claros para coincidir com a componente fraca da luz ambiente vista de baixo. Nestas espcies, os flancos so prateados para refletir o ambiente de todos os ngulos. A luz solar consegue penetrar a gua at cerca de 1000 m de profundidade e este facto resulta numa diminuio do contraste protetor, muitas vezes acompanhado por um escurecimento geral do corpo a maior profundidade. Uma vez que a extremidade vermelha do espectro (ver Guia da Deteo Remota - Sutcliffe et al. (2016) melhor absorvida pela gua do mar, a cor vermelha torna-se funcionalmente preta e o escurecimento do corpo a maior profundidade pode ser atingido pela pigmentao verme-lha. Isso acontece, por exemplo, no peixe relgio, Hoplostethus atlanticus, e nos peixes vermelhos do gnero Sebastes. A colorao mais negra usada, por exemplo, pelo peixe-espada-preto, Aphanopus carbo.

    6.1.2 tamanho dos olhos

    Os olhos da maioria das espcies de fundo mantm a grande proporo das espcies mais superficiais. Algumas espcies da famlia das Alepocephalidae e Squalidae possuem meios especializados para recolher qualquer frao de luz. Estudos comparativos con-firmam que as espcies tm tendncia para responder a nveis diminutos de luz atravs de diversas adaptaes particulares. A reteno de olhos funcionais e substanciais, con-juntamente com adaptaes especializadas, so tambm consequncia da luz biolgica que produzida por muitos organismos do mar profundo. Entre os seres que produzem luz biolgica encontram-se indivduos pertencentes aos grupos taxonmicos Crinoidea, Amphiuridae, Holothuriidae, mas tambm os seres planctnicos dos grupos Siphonophora, Ctenophora e Euphausiacea.

    6.1.3 rgos da linha lateral

    Os rgos da linha lateral, usados para a deteo a curta distncia e localizao de movimento (predadores, presas ou parceiros sexuais) so especialmente elaborados nas espcies de fundo. Este sistema desenvolve-se particularmente nos granadeiros (famlia Macrouridae) e Halosauridae (ordem Notacanthiformes) que possuem regies cavernosas na cabea, albergando canais preenchidos por muco e com detectores sensoriais. Quanto maior for a matriz sensorial, maior a preciso e alcance do sis-tema. Este provavelmente o fator significativo que ter levado evoluo do corpo muito alongado encontrado em muitas espcies demersais de profundidade (quimeras, enguias-de-fundo, peixe-rato).

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    6.1.4 flutuabilidade neutra

    Algumas espcies desenvolveram considerveis adaptaes para a conservao de energia usando a bexiga gasosa como sistema de flutuao com baixo custo energtico para conseguir a flutuabilidade neutra que lhes permite manter a profundidade onde se encontram. Outras conseguiram-no ainda quer acumulando lpidos, quer incluindo gordura nos ossos, quer aumentando o contedo em gua atravs da reduo do seu esqueleto e da robustez muscular.

    1. Bexiga gasosa: um meio muito eficiente para atingir a flutuabilidade neutra utilizando uma cavidade cheia de gs. A profundidades moderadas, o gs tem uma densidade pra-ticamente negligencivel comparada com a densidade da gua e uma cavidade com gs com um volume de cerca de 5-6% do volume do corpo suficiente para assegurar a flu-tuabilidade neutra. O gs depositado na bexiga gasosa por difuso passiva a partir do sangue.

    2. Acumulao de lpidos: algumas espcies possuem elevado contedo de lpidos cor-porais (que so menos densos que a gua), facilitando assim a obteno da flutuabilidade neutra. Com efeito, os lpidos mais comuns (steres de cera, esqualeno, triacilglicerol) tm uma densidade de entre 0,8 e 0,9 quilogramas por litro. Outras espcies acumulam lpidos no fgado que, em geral, equivale a 2 a 4% do peso total, mas que nos tubares equivale a 20 a 25%. Elevados contedos em esqualeno ocorrem nos fgados de cinco famlias de tubares, chegando o fgado de Centrophorus uyato a conter 90% de esqualeno.

    3. Ossos com gordura: o esqueleto , geralmente, o tecido com maior densidade. Vrios telesteos usam, porm, os seus ossos como reservatrios de gordura, redu-zindo assim a sua densidade. Em algumas espcies, a maior acumulao ocorre no crnio (p. ex. Cirrhitus pinnulatus, com 90%), mas noutras em todo o esqueleto. Nessas espcies, os ossos lipdicos constituem o maior reservatrio de lpidos do organismo. Por exemplo, o Pimelometopon pulchrum e o Anoplopoma fimbria tm, respetivamente, 79 a 93% e 52 a 82% do total de lpidos nos ossos. Outro exemplo de uma espcie que usa o crnio e ossos como reservatrios de gordura o peixe-chocolate Ruvettus pretiosus.

    4. Tecidos aquosos: a gua pode ser acumulada no s em fluidos, mas tambm em tecidos que, quando apresentam um maior contedo em gua, so designados por tecidos aquosos. Um msculo aquoso muito mais suave do que um msculo normal e tem uma densidade menor. A acumulao de gua pode ocorrer tambm no esqueleto e conseguida pela reduo da mineralizao. Uma reduo no peso do esqueleto pode ser ainda conse-guida pela reduo do tamanho e espessura dos ossos. A elevada densidade do esqueleto

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    est relacionada com o elevado contedo de ies pesados tais como o clcio (Ca2+) e fos-fatos ou sulfatos. Assim, reduzindo o seu contedo nos ossos, diminui-se drasticamente a densidade ssea. Normalmente, o contedo destes elementos ronda 2% do peso total, mas, por exemplo, as espcies Pleuragramma antarcticum e Dissostichus mawsoni reduziram o contedo dos seus esqueletos para menos de 0,6%.

    6.1.5 taxas metablicas

    Os peixes de profundidade diferem dos seus congneres costeiros tanto ao nvel da fisiologia como da bioqumica, devido s alteraes que foram necessrias para que se adaptassem a ambientes de altas presses, baixas temperaturas e de fraca abundn-cia alimentar. As espcies do mar profundo usualmente respiram a uma taxa muito mais baixa do que as espcies costeiras. Por exemplo, a taxa de respirao do peixe-rato Coryphaenoides acrolepis duas vezes mais baixa que a do seu parente costeiro de guas frias, o bacalhau Gadus morhua. O peixe-rato-abissal Coryphaenoides armatus combina uma taxa metablica relativamente baixa com um armazenamento altamente energtico sob a forma de lpidos neutros e glicognio. O armazenamento disponvel pode fornecer as necessidades energticas do animal para cerca de 186 dias, facilitando assim a vida num ambiente onde a disponibilidade alimentar pouca e espaada. As tempe-raturas em profundidade so permanentemente baixas e, em conjunto com o aumento da presso, podem retardar os processos gerais de taxa metablica apesar das adapta-es enzimticas s condies de profundidade (Herring, 2002; Merrett e Haedrich, 1997; Randall e Farrell, 1997).

    6.2 adaPtaes dos Parmetros de histria de vidaOs parmetros de histria de vida so fortemente influenciados pelas condies ambien-tais acima referidas e, em termos biticos, pelo facto de as espcies do mar profundo estarem sujeitas a uma disponibilidade alimentar muito mais fraca quando comparada com a das espcies costeiras.

    A temperatura afeta o crescimento e, nas guas superficiais, as mudanas sazonais podem diminuir a taxa de crescimento durante o inverno. Nas guas profundas, as temperaturas permanentemente baixas associadas ao aumento de presso, retardam os processos das taxas metablicas dos indivduos.

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    Tal como nos peixes de menor profundidade, tambm no mar profundo os anis opacos e hialinos ocorrem nos otlitos da maioria das espcies, identificando assim pocas de maior e menor abundncia alimentar. Contudo, no est claro como e a que ritmo se depositam os padres de bandas observados nos organismos do mar profundo: sero anis dirios ou anuais? Ou estaro estes anis relacionados com ciclos lunares ou com qualquer outro padro singular de disponibilidade alimentar?

    Nas espcies de guas superficiais, como acontece nos Gadidae, as fmeas esto madu-ras quando ainda se encontram na fase de crescimento rpido e continuam a reproduzir-se anualmente at idades muito avanadas. No mar profundo, por outro lado, as energias disponveis so canalizadas exclusivamente para o crescimento rpido at se atingir o tamanho de adulto, uma estratgia para garantir o sucesso alimentar e evitar os preda-dores. S depois de atingida a fase adulta que comea a ser canalizada energia para a reproduo, o que significa que a maioria das espcies s atingem a primeira maturao quando alcanam 75% do seu tamanho mximo. As adaptaes estendem-se tambm fecundidade, havendo uma tendncia para que as espcies de profundidade sejam menos fecundas quando comparadas com espcies costeiras da mesma famlia. Este tipo de estratgia, caracterizado por uma elevada longevidade, maturao tardia e menor fecundidade torna os habitantes do mar profundo extremamente vulnerveis explorao (Figura 12) (Herring, 2002; Merrett e Haedrich, 1997; Randall e Farrell, 1997).

    Fig. 12 - Comparao da longevidade, da taxa mxima de crescimento e da idade de maturao entre vrios organismos.

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    6.3 servios ecossistmicosO mar profundo , muitas vezes, visto como um ambiente grande, escuro, remoto e ins-pito. No entanto este ambiente e os seus fundos so cruciais devido aos servios que fornecem. Se a compreenso plena acerca das funes do mar profundo continua aqum do desejado, a evidncia da sua importncia de suporte, de abastecimento, de regulao e como fonte de servios culturais j bastante clara (Figura 13).

    Um dos principais processos na regulao climtica o facto de vrias aes biolgicas como a fotossntese, a respirao, a alimentao e a decomposio reduzirem a quanti-dade de carbono que as atividades antropognicas e naturais libertam para a atmosfera, incorporando-o nas guas do fundo do mar por longos perodos de tempo. A esta ocor-rncia d-se o nome de bomba biolgica. Um outro potente gs da atmosfera e um dos responsveis pelo efeito de estufa, o metano, mantido no oceano profundo pela oxida-o microbiana, durante o processo de captura de carbono em carbonatos. A regenerao

    Bexiga natatria rgo em forma de saco que se encontra na parte dorsal da cavidade visceral de muitos peixes sseos; desempenha funes de flutuao por regulao do volume de ar.Arrasto de fundo - Um mtodo de pesca em que uma grande rede em forma de saco arrastada na parte de trs da embarcao. A boca da rede pode ser mantida aberta por vrios mtodos, tais como o uso de uma viga de madeira (redes de arrasto) ou grandes placas planas (arrasto de fundo).Demersal Organismo que vive maioritariamente associado ao fundo ocenico.Esqualeno Tipo de leo extrado dos fgados de alguns tubares, com aplicao na industria qumica (p. ex. farmacutica e cosmtica).Fecundidade - Medida de produo de gmetas; varivel quantificvel sobre o sucesso reprodutor individual, que expressa o nmero de ovos ou esperma produzido por fmea ou macho, respetivamente.Peixes cartilagneos Que possuem esqueleto cartiliginoso, alm de outras caractersticas tpicas; tubares, raias, jamantas, etc.Peixes sseos Que possuem esqueleto de tecido sseo, alm de outras caractersticas tpicas; englobam a maioria dos peixes, excetuando os peixes cartilagneos.

  • CAPTULO 6 - Biologia das espcies de profundidade

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    de nutrientes levada a cabo por qualquer uma das classes de tamanho da fauna fornece os elementos necessrios para abastecer a produtividade, a pesca de superfcie e uma diversidade de processos microbianos de desintoxicao de compostos. Individualmente, cada um desses processos ocorre numa escala muito pequena, mas se considerarmos a grande rea sobre a qual eles ocorrem, tornam-se importantes para o funcionamento global do Oceano (Smith e Hughes, 2008). O mar profundo tambm oferece uma riqueza de recursos, onde se incluem as populaes de peixes, um enorme potencial para a bio-prospeco, e as reservas de elementos e de energia. Alguns destes bens comeam j a ser extrados e previsto que no futuro prximo essa procura aumente. Enquanto muitas funes ocorrem em grandezas de mcrons a metros e escalas de tempo de anos, os ser-vios derivados que da resultam, s so teis depois de sculos de atividade integrada. Este vasto habitat escuro, que cobre a maior parte do mundo, abriga processos que tm impacto direto nos seres humanos sob vrias formas. E no entanto as caractersticas que o diferenciam dos sistemas marinhos terrestres exigem uma maior necessidade de com-preenso espacial e temporal integrada (Thurber et al., 2014).

    Fig. 13 - Relao entre os servios de suporte, regulao e aprovisionamento prestados pelos ecossistemas do mar profundo. Adaptado de Thurber et al. (2014).

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    importante salientar que os servios de regulao e de suporte dependem de um oceano saudvel, assim como alguns servios de aprovisionamento (p. ex. pescas, compostos derivados de organismos marinhos, sequestrao de CO2), enquanto outros no (p. ex. fontes minerais). O oceano tem vindo a sofrer processos de industrializao desde mea-dos do sculo XX, que tm acelerado dramaticamente nos ltimos 30 anos em conjunto com os ciclos econmicos globais e que so conduzidos por diversos fatores entre os quais o desenvolvimento tecnolgico e a globalizao.

  • CAPTULO 7 - Presses sobre o meio marinho

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  • caPtulo 7presses sObre O meIO marInhO

  • CAPTULO 7 - Presses sobre o meio marinho

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    Como consequncia da sobre-explorao dos recursos terrestres e dos de baixa profundi-dade, as diferentes atividades econmicas tm migrado para guas mais fundas (exemplo das pescas e da explorao petrolfera). Os parmetros da histria de vida das espcies de profundidade (p. ex. a grande longevidade, baixas taxas de crescimento, idade de maturao tardia) e dos habitats que estas formam (p. ex. os corais de guas frias, as agregaes de esponjas, as fontes hidrotermais), tornam-nos mais vulnerveis atividade humana, da que se espere que o impacto resultante das diversas presses nos bens e servios que estes fornecem ao ser humano seja mais significativo (Figura 14).

    Fig. 14 - Efeitos cascata dos principais impactos antropognicos nos bens e servios dos ecossistemas marinhos vulnerveis do mar profundo.

    Entre as presses que podem impactar os ambientes do mar profundo contam-se a sobre-explorao dos recursos marinhos vivos (como a pesca), a poluio, as alteraes climticas (p. ex. o aumento da temperatura e a acidificao dos oceanos com o CO2), a explorao de petrleo e gs, a minerao, entre outros (Figura 15). As potenciais conse-quncias dessas presses sero abordadas de seguida.

  • CAPTULO 7 - Presses sobre o meio marinho

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    Fig. 15 - Impactos humanos e climatricos no mar profundo. O esquema ilustra a confluncia nas atividades de explorao humana e resduos com as alteraes climatricas na temperatura, pH e oxigenao do mar profun-do, causadas pelo aumento do dixido de carbono (CO2) libertado durante a queima de combustveis fsseis. A sobreposio de impactos antropognicos e climatricos ser maior ao longo das margens continentais e em profundidade batial, mas as mudanas ao longo da profundidade do oceano iro comprometer os servios dos ecossistemas em todo o mundo. 2015 American Association for the Advancement of Science.

    7.1 Pescas As atividades humanas no mar profundo tm vindo a aumentar nas ltimas dcadas, assim como o interesse e reconhecimento dos servios e funes fornecidos pelos seus ecossis-temas (Thurber et al., 2014). Em geral, considera-se que o impacto global das atividades antropognicas no mar profundo est a aumentar e que, entre as atividades humanas que so realizadas, a extrao de recursos, em especial as pescas, ser a mais relevante em termos de expresso e impactos causados. A pesca de fundo, que tem um impacto sobre espcies vulnerveis e em habitats frgeis como os CWC, hoje em dia considerada como a ameaa mais sria enfrentada pelos ecossistemas de mar profundo (Ramirez-Llodra et al., 2011; Rogers, 2015). Os impactos da pesca, juntamente com outras atividades huma-nas (como o despejo de resduos, a poluio, as perturbaes mecnica e acstica, a

  • CAPTULO 7 - Presses sobre o meio marinho

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    bioprospeco, a indstria de petrleo e o gs, a minerao dos fundos marinhos ou as alteraes climticas), criam sinergias produzindo impactos acumulados que ameaam o provisionamento dos servios ecossistmicos (Ramirez-Llodra et al., 2011).

    Entre os vrios ecossistemas includos no oceano profundo, as zonas de fratura ou cristas ocenicas, os canhes e os montes submarinos representam reas importantes para as pescas. A explorao pesqueira do mar profundo atua maioritariamente at aos 1500 - 1800 m de profundidade, e em alguns casos pode ter lugar at aos 2000 m (Clark et al., 2008; Morato et al., 2006; Rogers e Gianni, 2010). Apesar de as pescas poderem acon-tecer num vasto intervalo de profundidade, as reas potencialmente disponveis para a pesca so limitadas. Considerando que 80% da pesca em alto mar realizada utilizando o arrasto, e que este ocorre em substratos rochosos das cristas ocenicas, montes subma-rinos e canhes, s menos de 5% dos fundos marinhos so adequados para esse efeito (Menezes e Giacomello, in press; Norse et al., 2012).

    O incio da explorao pesqueira do mar profundo remonta aos anos 1960 e 70 com as frotas longnquas da Unio Sovitica e do Japo e de outras naes em diversas regies ocenicas (Bensch et al., 2008; Clark et al., 2008; Gordon et al., 2003; Merrett e Haedrich, 1997; Rogers e Gianni, 2010). No Atlntico Norte, foi a frota francesa de arrastes que, em meados dos anos 80, deu o mote para que pesca de espcies de mar profundo se desenvolvesse em maior escala (Gordon et al., 2003), como a das frotas da Islndia e de Espanha (Merrett e Haedrich, 1997). Depois de um perodo de rendimentos muito eleva-dos, a partir de meados dos anos 90 a maioria das pescarias de profundidade exploradas por grandes arrastes tinha colapsado (Merrett e Haedrich, 1997). Apesar disso, vrias cristas nos oceanos Atlntico, ndico e Pacfico continuam a ser exploradas para a pesca dirigida a vrias espcies de peixes (Clark et al., 2008).

    A expanso da pesca no mar profundo foi impulsionada por vrios fatores, incluindo a diminuio dos recursos pesqueiros nas reas tradicionais de pesca na plataforma, o aumento das restries e da regulamentao na pesca a nvel nacional, e o aumento na procura de peixe pelos pases desenvolvidos (Devine et al., 2006; Morato et al., 2006; Rogers e Gianni, 2010; Weaver et al., 2011). A evoluo e a expanso da pesca industrial no mar profundo foram acompanhadas por avanos tecnolgicos considerveis, como o desenvolvimento de artes de pesca mais robustas, a bordo de grandes navios, dotados de equipamento avanado eletrnico para navegao, caracterizao do fundo e localizao dos recursos, com elevada autonomia e capacidade de pesca, e a capacidade de proces-sar o peixe a bordo (Gordon et al., 2003; Norse et al., 2012).

    A anlise das tendncias globais de 1950 a 2001 indica que a profundidade mdia de captura aumentou notoriamente a partir dos anos 80, comprovada pelo aumento das

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    descargas de espcies de mar profundo, como o peixe relgio (Hoplostethus atlanticus, famlia Trachichthyidae), os granadeiros (famlia Macrouridae), os imperadores (Beryx spp., famlia Berycidae) e alguns tubares de profundidade (Morato et al., 2006).

    As espcies alvo das grandes pescarias no mar profundo incluem vrias espcies de peixes sseos, tais como Reinhardtius hippoglossoides, Coryphaenoides rupestris, Coryphaenoides armatus, Sebastes mentella, Dissostichus eleginoides, Sebastes norve-gicus, Dissostichus mawsoni, Hoplostethus atlanticus, Molva dypterygia, Al