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ECONOMIA SOLIDÁRIA: UM INSTRUMENTO PARA INCLUSÃO SOCIAL? 2 INTRODUÇÃO 2 1 A COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO DE EXCLUSÃO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE 3 2 ECONOMIA SOLIDÁRIA E INCLUSÃO SOCIAL 13
2.1 Definições e diferentes formas de organizações solidárias 13 2.2 Alternativa de inclusão social? 25
CONSIDERAÇÕES FINAIS 27 REFERÊNCIAS 28
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ECONOMIA SOLIDÁRIA: UM INSTRUMENTO PARA INCLUSÃO SOCIAL?
CARLOS NELSON DOS REIS*
RESUMO O conjunto da literatura nacional e internacional passou a demonstrar um maior interesse pelo estudo e aprofundamento do fenômeno exclusão social a partir dos anos 80 do século XX. No entanto, ele não deve ser considerado nenhum fenômeno contemporâneo, pois sua existência remonta a diferentes tempos da história da civilização. Em realidade, a exclusão social abrange diferentes expressões e define-se a partir da situação e do momento político, econômico e social de cada local ou região onde ocorra. Em paralelo à existência de exclusão social, têm-se os movimentos da atividade produtiva que, para evoluir, necessita de um conjunto de ajustes e de mudanças científicas e tecnológicas que, muitas vezes, são responsáveis pelo aumento do contingente de excluídos sociais. Paralelamente, também respeitando um processo histórico, vem sendo formulado e implantado um conjunto de alternativas que buscam dar oportunidade de inserção aos excluídos do processo de produção e reprodução capitalista vigente. O presente texto tem por objetivo: primeiro, pontuar aspectos teóricos para a compreensão do significado de exclusão social; segundo, desenvolver o significado de economia solidária e o seu papel como alternativa de inclusão social e, por último algumas considerações finais. PALAVRAS-CHAVE: Economia solidária; exclusão; inclusão social.
INTRODUÇÃO
As últimas décadas do século XX caracterizaram na literatura histórica, social e econômica brasileira e
mundial como um período de muitos acontecimentos. Dentre eles, tiveram destaque: em nível mundial, a
reestruturação produtiva, a abertura dos mercados nacionais, tanto no aspecto produtivo quanto no
financeiro, e em nível nacional, principalmente, a estabilização dos preços e a reforma do papel do
Estado, onde o grande acontecimento foi um vigoroso processo de privatização de empresas estatais. Em
síntese, esses fatos, dentre outros, caracterizam o período como de grandes transformações conjunturais e
estruturais. No Brasil agenda nacional reproduziu-se em agendas estaduais e municipais, e, assim,
principalmente após a estabilização dos preços, foram implementadas amplas modernizações produtivas,
acompanhadas de abertura do mercado nacional. Em paralelo a esses movimentos nas relações produtivas
tem-se o recrudescimento de expressões da exclusão social. O presente texto tem por objetivo: primeiro,
pontuar aspectos teóricos para a compreensão do significado de exclusão social; e, segundo, desenvolver
o significado de economia solidária e o seu papel como alternativa de inclusão social e, por último
algumas considerações finais.
* Doutor em Economia pela Unicamp. Professor Titular da PPGE/FACE/PUCRS e do PPGSS/FSS/PUCRS e Coordenador do NEPES/PUCRS. E-mail: [email protected].
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1 A COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO DE EXCLUSÃO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE
O termo exclusão social, principalmente ao longo dos anos 80 do século XX, experimentou significativo
destaque nos diferentes fóruns internacionais e nacionais. Foi tema de discussão tanto nos de ciências
políticas, econômicas como nos de ciências sociais. No entanto, é fundamental reter a constatação de que
não se trata de nenhum fenômeno contemporâneo, pois sua existência remonta a diferentes tempos da
história da civilização “... é um todo histórico determinado que acompanha, em maior ou menor grau, a
evolução da humanidade” (CAMPOS et al, 2003, pg. 27). Em realidade, o foco do debate se localiza,
enquanto lócus temporal, na transição do feudalismo para o capitalismo, onde surgem novas e
polarizantes formas de desigualdade econômica e uma nova rodada de lutas de classes (THERBORN,
2000). Sendo assim o importante é ter clareza quanto ao seu significado no contexto de um mundo em
acelerado processo de transformações produtivas e sociais.
De maneira muito precisa a literatura recente tem apontado para a significativa complexidade que envolve
o termo exclusão social. O primeiro ponto do debate concentra-se na dificuldade para se chegar a uma
definição geral, principalmente em razão da compreensão do significado nos diferentes locais de
ocorrência1. Pode-se entender, com certo grau de certeza, que esta dificuldade está muito centrada nas
diferenças vocacionais e culturais de cada região. Por exemplo, existem alguns hábitos culturais, de
origens política, econômicas ou sociais, que compõe a maneira de viver no oriente que se implantados no
ocidente, ou vice e versa, caracterizariam formas de exclusão social. A partir desta linha de raciocínio é
possível perceber o caracter multidimensional que norteia a compreensão do significado de exclusão
social.
No âmbito do Estado democrático de direito essa multidimensionalidade tem suas expressões tanto em
variáveis políticas e econômicas como nas sociais. No entanto, é muito comum ligar o entendimento de
exclusão social a expressões estritamente sociais, tais como: pobreza, indigência, mendicância,
subnutrição, velhice, entre outras. A concretização dessas expressões se efetiva a partir de sujeitos, tais
como: morador de rua, criança em situação de rua e minorias sociais, entre outros. Em realidade, ao se
fazer desta maneira, provavelmente, se esteja diminuindo à amplitude do entendimento, pois a
visualização destas categorias se dá a partir de uma medida estritamente econômica, o que não,
necessariamente, determina o significado da exclusão a qual o sujeito é portador. Chama-se atenção para
a importância do referencial orientado pelas ciências econômicas para a compreensão do significado de
exclusão social, mas alerta-se para o fato de que as condições que conformam a exclusão de um sujeito
devem ser buscadas para além dos instrumentais econômicos.
1 A particularidade embutida nessa dificuldade está nas diferenças constitutivas dos valores e conceitos locais. Essa na maior parte das vezes formadas por definições políticas, econômicas e mesmo sociais.
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Neste artigo, ao buscar-se aprofundar o debate sobre o significado da exclusão social, não haverá
diferenças de fundo com as análises tradicionais que privilegiam o uso do aporte de economia, mas
destaca-se o conhecimento da necessidade de agregar outras orientações científicas que permitam
alcançar a amplitude do significado. Em realidade, esta situação vem desde o início do debate, quando de
forma generalizada o núcleo da discussão esteve no ter ou não ter acesso ao mercado de bens e serviços,
o que sem dúvida leva ao campo da materialidade econômica. Assim, para que se chegue, pelo menos
próximo, ao significado de exclusão social, é conveniente compor uma breve retrospectiva, destacando as
principais categorias que orientam a composição do fenômeno.
Tendo como referência a perspectiva histórica, é plenamente perceptível que as diferenças sociais são
uma constante e, de acordo com o respectivo período, recebem classificações que para os menos
cuidadosos pode parecer tratar-se de uma nova expressão. Ou seja, “O processo de exclusão parece, pois,
arrastar por difusão diferentes categorias de população para a franja da exclusão”. (XIBERRAS, 1993,
pg.16) Em realidade, com o passar do tempo, juntamente com as transformações que ocorrem sob os mais
diferentes aspectos, as relações produtivas tomam outros contornos e processos de organização. São
dessas mudanças, no que refere as diferenças sociais, que surgem novas expressões. Em paralelo existe a
reprodução de antigas que, por receberem outra nomenclatura, dão a impressão de serem novas.
A partir de uma sistematização temporal no contexto da lógica de reprodução e acumulação capitalista,
ainda que de forma sintética, é possível dividir a evolução da base produtiva em três grandes momentos
de transformação produtiva: primeiro em 1760, segundo em 1870 e terceiro em 1980. Esses momentos de
transformação, guardadas as devidas proporções, ao imporem significativas mudanças nos processos
produtivos também resultam em alteração, não menos significativas, nos processos de gestão da mão-de-
obra. Via de regra, a literatura principalmente a das ciências sociais, destaca no campo da produção de
bens e serviços, o fortalecimento do embate entre o capital e o trabalho e, mostra como resultante o
recrudescimento de problemas sociais. Esses, por sua vez, são vistos a partir da criação de categorias que
orientam as análises qualitativas e quantitativas (Quadro 1).
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Quadro 1 Categorias que dão visibilidade as expressões de exclusão social
segundo os períodos de transformação produtiva Períodos Categorias
1ª Transformação (1760) Pobreza, velhice, deficiência e inadaptação social (isolados, suicidários, drogados e alcoólicos entre outros).
2ª Transformação (1870)
Pobreza, indigência, mendicância, subnutrição, (minorias sociais: idosos, deficientes, mulheres, negros, índios entre outros).
3ª Transformação (1980)
Pobreza, indigência, mendicância, subnutrição, (minorias sociais: idosos, deficientes, mulheres, negros, imigrantes, índios entre outros) e desemprego estrutural (excluídos do mercado de consumo de bens e serviços, do mercado formal de trabalho, da terra, da segurança e dos direitos humanos).
Fonte: Sistematização do autor. As informações contidas no Quadro 1 permitem constatar que, independente do período de
transformação produtiva, as diferenças sociais existem. Algumas são produtos da respectiva
transformação produtiva e outras trocam de nomenclatura e, ainda, como produto da nova relação
societária, aumentam de forma significativa sua intensidade.
Nessa mesma linha de raciocínio é fundamental destacar a existência, independente do período de
transformação produtiva, de categorias que possibilitam a visibilidade (Quadro 1) e, portanto,
possibilitam a quantificação da exclusão em seu todo ou em parte específica. Por outro lado, também é
importante chamar atenção para as formas invisíveis de exclusão, tais como preconceito, discriminação
racial etc. Estas são apenas perceptíveis, por que não excluem materialmente. Provavelmente a pista de
investigação para a compreensão dessa invisibilidade esteja nas diferentes peculiaridades regionais onde a
ocorrência de exclusão social se apresenta.
Existem, pois, formas de exclusão que não se vêem, mas que, se sentem, outras que se
vêem, mas que ninguém fala e, por fim, formas de exclusão completamente
invisibilizadas, dado que nós nem sonhamos com a sua existência nem possuímos a
fortiori nenhum vocábulo para designá-las”. (XIBERRAS, 1993, pg 20).
Seguramente que esses dois ângulos de observação, visibilidade e invisibilidade, já seriam suficientes
para comprovar a presença de componente multidimensional que se embute no significado de exclusão
social e, portanto, a complexidade que dificulta sua compreensão. Conforme referência anterior, o
objetivo desta reflexão é definir um significado e com apoio do referencial de análise de ciências
econômicas reunir categorias que permitam detectar o fenômeno e se possível dimensioná-lo.
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Nesta perspectiva, boa parte da literatura das Ciências Sociais tem alertado para a significativa
complexidade que envolve o termo exclusão social. Autores como Rodger (1994) e Dupas (1999), dentre
outros, apontam a existência de uma grande dificuldade para se chegar a uma definição geral,
principalmente pela compreensão do seu significado nas diferentes regiões onde o fenômeno ocorre.
Assim sendo, para que se obtenha uma melhor compreensão do significado de exclusão social, é
importante reunir um grupo de categorias, pelo menos as mais tradicionais, que de alguma forma são,
também, as principais na composição do fenômeno.
Sem dúvida, do conjunto de categorias que expressam a exclusão social, a mendicância e a pobreza2
destacam-se como as formas mais antigas de indicação para as desigualdades extremas entre os
indivíduos. Tendo como referência a pobreza é possível afirmar que ela sempre foi, e ainda é, uma
situação presente nas sociedades, independentemente do modo de produção adotado. Tendo como
referência apenas a definição dessa categoria em razão dos diferentes matizes teóricos de interpretação, já
se percebe um certo grau de complexidade. Por exemplo, na Sociologia clássica, tem-se uma definição
com maior amplitude do que a apresentada pela Economia clássica, que se restringe a mensurar a pobreza
principalmente a partir da renda individual.
No período recente, é possível destacar que, mesmo antes da reestruturação produtiva dos anos 80, era
notória e expressiva a existência de indivíduos privados de condições materiais, tais como, emprego,
moradia, saúde, educação e alimentação, dentre outras. Em realidade, trata-se de uma situação que há
muito faz parte da sociedade em geral e que, nos últimos tempos, atingia, via de regra, apenas as camadas
populares, especialmente nos países em desenvolvimento.
De forma mais precisa, o fenômeno da exclusão social começa a fazer parte das agendas de fóruns
governamentais e acadêmicos e, portanto, a mobilizar o contexto mundial a partir dos anos 80, quando um
conjunto de mudanças econômicas e sociais se materializou. Dentre os principais fatos que compõem
essas mudanças, têm destaque a reestruturação produtiva e a reforma dos sistemas de proteção social.
Como um dos resultantes dessas ações tem-se o desemprego estrutural em trajetória crescente e, com isso,
o fortalecimento do aumento das desigualdades sociais que se apresentam como o surgimento da chamada
“nova pobreza”.
Essa categoria de análise deve ser compreendida a partir das características dos sujeitos sociais nela
inseridos, levando em conta as peculiaridades da respectiva região de ocorrência. Via de regra, são
sujeitos sociais que, no passado recente, tinham pleno acesso aos bens e serviços necessários à
2 “Pobreza – estado de carência em que vivem indivíduos ou grupos populacionais, impossibilitados, por insuficiência de rendas ou inexistência de bens de consumo, de satisfazer suas necessidades básicas de alimentação, moradia, vestuário, saúde e educação. O problema está ligado à capacidade produtiva da sociedade, embora atinja até mesmo camadas sociais marginalizadas de países altamente desenvolvidos. A pobreza manifesta-se mais intensamente nos países subdesenvolvidos” (Sandroni, 1999, p. 274).
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manutenção e à reprodução de um bom padrão de vida. Como conseqüência da perda do emprego e da
diminuição crescente da proteção social, esses trabalhadores ficaram sem condições para usufruir o pleno
acesso aos costumeiros bens e serviços e, nesse sentido, passaram da condição de incluídos à de excluídos
das relações econômicas e de um conjunto de direitos sociais conquistados, enquanto incluídos. Portanto,
definir o termo exclusão social torna-se uma tarefa das mais complexas, pois são várias as questões
interligadas, já que o excluído, no período atual, não é somente aquele que no passado vivia em condições
de pobreza.
Com o auxílio das informações sistematizadas no Quadro 2, onde se busca agrupar as categorias em dois
grandes conjuntos denominados de: velhas e novas formas de exclusão. Tenta-se, desta maneira, listar
expressões que permitam a visualização dessas velhas e novas formas de exclusão social e, assim,
detectar os sujeitos que compõe o conjunto de situações que formam o universo em análise. A análise das
informações contidas no Quadro 2 permite uma noção da essência “multidimensional” que compõe o
fenômeno. Como instrumento para essa compreensão é fundamental considerar idéia de falta de acesso
não somente a bens e serviços, mas também à segurança, à justiça e à cidadania (Rodger, 1994). Nessa
mesma direção, é preciso destacar que, pelo fato de essa essência apresentar várias dimensões em termos
individuais ou mesmo coletivas, sendo possível estar excluído em algumas categorias e não em outras. Ou
seja, um indivíduo pode estar excluído do mercado de trabalho formal, mas não da possibilidade de
garantir a sobrevivência, pelo fato de existirem transferências relacionadas a um sistema de previdência
(Dupas, 1999), ou pela alternativa do mercado de trabalho informal.
Em realidade, todas essas sistematizações são elaboradas para que se consiga uma idéia, pelo menos
aproximada do significado de exclusão social. Assim, a partir dessa linha de raciocínio entende-se a
exclusão manifestando-se crescentemente tanto no contexto internacional como no nacional.
“... como um fenômeno transdiciplinar que diz respeito tanto ao não acesso a bens básicos
como à existência de segmentos sociais sobrantes de estratégias restritas de
desenvolvimento sócio-econômico, passando pela exclusão dos direitos humanos, as
seguridade e segurança pública, da terra, do trabalho e da renda suficiente”.(CAMPOS,
2003, pg. 33).
Essa visão contempla diferentes expressões de diferenças sociais que na síntese são denominadas de
exclusão social. A intenção com as informações contidas no Quadro 2 é pontuar, ainda que de forma
bastante ampla, dois grandes grupos de categorias: a velha exclusão social e a nova exclusão social. Na
primeira, incluem-se as tradicionais categorias que indicam as diferenças sociais, que, via de regra, desde
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há muitos anos são variáveis comuns nos países em desenvolvimento, ou, como a literatura consagrou
indicar, “problemas de Terceiro Mundo”. Por sua vez, a segunda grande categoria – nova exclusão social
– deve ser vista sob duas perspectivas: (a) para os países em desenvolvimento, ela contém o estoque da
velha exclusão social e o fluxo de novas variáveis que se estabelecem a partir, principalmente, do
desemprego estrutural; (b) para os países desenvolvidos, a nova exclusão, ou a “nova pobreza”, significa,
principalmente, a classificação de trabalhadores que se inserem nas categorias que se estabelecem a partir
do desemprego estrutural, também entendido como desemprego de longo prazo.
Quadro 2 Expressões que permitem a visualização das velhas e das novas formas de exclusão social
segundo o sujeito em situação de vulnerabilidade social
VELHAS FORMAS DE
EXCLUSÃO SOCIAL
NOVAS FORMAS DE EXCLUSÃO SOCIAL
Países em Desenvolvimento Países Desenvolvidos Países em Desenvolvimento
Expressões tradicionais
Pobreza
Miséria Mendicância Indigência Subnutrição
Pobreza Mendicância
Pobreza
Miséria Mendicância Indigência Subnutrição
Sujeito em situação de vulnerabilidade social
Pobre Morador de rua Minorias sociais Idosos Deficientes Mulheres Negros Índios
Pobre Morador de rua Minorias sociais Mulheres Negros Índios Imigrantes
Pobre Morador de rua Minorias sociais Idosos Deficientes Mulheres Negros Índios
Desemprego estrutural Expressões hodiernas
-
Exclusão de bens e
serviço
Exclusão do mercado
de trabalho formal
Exclusão da terra
Exclusão da segurança
Exclusão dos direitos Humanos
Exclusão de bens e serviços
Exclusão do mercado de
trabalho formal
Exclusão da terra
Exclusão da segurança
Exclusão dos direitos humanos
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Nota: Sistematização do autor. Em realidade, nos países desenvolvidos, o número de expressões identificadas a partir de sujeitos
em situação de vulnerabilidade social, tais como: morador de rua, mulheres, negros, índios imigrantes
etc., de acordo com seus respectivos processos sociais, vinha se reduzindo, e isso como produto de
conquistas nos âmbitos político, econômico e social. Entretanto o contexto do final dos anos 80 aponta
uma inflexão nessa trajetória, e o resultado encontra-se no aumento progressivo desse tipo de sujeitos
sociais, evidenciando situações problemáticas até então muito comuns nos países em desenvolvimento.
Acrescentou-se a esse movimento os novos excluídos, ou seja, os sujeitos que, por estarem inseridos na
categoria desemprego estrutural, acabam perdendo as condições de acesso aos bens e serviços, ao
mercado formal de trabalho, a terra, a segurança e, por conseguinte, aos direitos humanos.
Por seu turno, os países em desenvolvimento, que já detinham um significativo número de excluídos
sociais, ao absorverem os resultados das reformas econômicas e sociais, viram ampliados os seus
problemas, pois o número absoluto de pobres, miseráveis, mendigos, indigentes, subnutridos, moradores
de rua e minorias sociais passou a ostentar uma trajetória crescente. A esse contingente acrescentam-se os
novos excluídos oriundos do desemprego estrutural, que, assim como nos países desenvolvidos também
ficam fora do acesso a bens e serviços, do mercado formal de trabalho, da terra, da segurança e, por
conseguinte, dos direitos humanos.
Alguns trabalhadores, mesmo os inseridos no mercado formal, estão sujeitos a atividades inseguras e de
baixa remuneração, o que representa uma forma disfarçada de exclusão. Na sua maioria, esses excluídos
do mercado de trabalho formal se assemelham no que tange a sexo, raça e nacionalidade, sendo esta uma
situação que atinge o mercado mundial (Rodger, 1994).
Os indivíduos componentes da categoria velha exclusão social, que sempre estiveram presentes na
sociedade, independentemente do período analisado, nunca tiveram tanta expressão como os da nova
exclusão social, pois esta, via de regra, se origina de estratos da população que já experimentaram
consideráveis padrões de vida e, portanto, tem pleno conhecimento de seus direitos e deveres sociais, o
que lhes concede melhores condições para reivindicar.
Pois bem, se do ponto de vista dos fundamentos teóricos é evidente a dificuldade para a compreensão do
significado de exclusão social não menos difícil é a sua quantificação, pois além da impossibilidade de
dispor de séries estatísticas confiáveis existe, também, a complexidade dos modelos econométricos que ao
contemplarem um múltiplo número de variáveis, via de regra, impõem-se ajustes que resultam em índices
que, em partes, podem não corresponder a concretude da realidade. De qualquer forma, as tentativas são
muitas e, entre elas, destaca-se, no Brasil, o trabalho de equipe liderada por Márcio Pochmann que vem
estudando, analisando e editando uma série de publicações a respeito do tema. As informações contidas
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na Tabela 1 possibilitam se ter uma noção, a partir deste referencial analítico, da dimensão da exclusão
social no contexto mundial.
Sendo a preocupação desse texto com as populações excluídas deixa-se de fazer comentários
aprofundados sobre as incluídas, apenas se faz referência que de “... 28 países com melhor índice de
exclusão social representam 14,4% da população mundial e participam com 52,1% da renda gerada
anualmente”. (POCHAMNN et. al., 2004, pg. 127). Isto é um forte indicativo do perfil da desigualdade
mundial e, por fim, a maioria desses países se localiza na Europa, berço histórico do processo de
expansão da lógica de reprodução capitalista, e soma-se a eles o Japão, Estados Unidos e Canadá.
Retornando ao objetivo deste texto segue a análise contemplando as regiões com maior índice de exclusão
social.(Tabela 1)
Tabela 1
Distribuição das regiões do mundo por número de países
com índice de Exclusão Social menor do que 0,63 1995-2000
Região
Nº países
analisados
Nº países
com pior
IES (1)
% dos países
com pior IES
por região
População
mundial (2)
População
mundial nos
países com
pior IES
% Pop. dos
países com
pior IES por
região
África 51 41 80,4 800,6 643,9 80,4
América 35 6 17,1 841,5 61,8 7,3
Ásia 45 10 22,2 3.802,8 1.433,3 37,7
Europa 37 0 0,0 572,7 0 0,0
Oceania 7 3 42,9 30,4 5,9 19,4
Total 175 60 34,3 6.048,0 2.144,9 35,5
Fonte: Pochmann, 2004.
(1) IES=Índice de Exclusão Social.
(2) Em milhões.
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Os países com acentuada exclusão social. “São 60 países que detêm 35,5% da população mundial, se
apropriam de 11,1% da renda produzida no mundo...”( POCHMANN et al., 2004, pg. 128) Chama-se
atenção para países africanos, pois dos 51 observados 41 encontram-se em extrema situação de exclusão,
ou seja, 80,4% da população (Tabela 1). Na seqüência vem Ásia, América e Oceania. A situação da
Oceania é peculiar, pois dos 7 países observados 3, ou seja, 42,9%, apresentam situações de extrema
exclusão social. Não menos alarmante é a situação da Ásia que mesmo com um percentual de 22,2% dos
países observados em situação de extrema exclusão isto equivale, em números absolutos, a 1.433,3
indivíduos(Tabela 1). Por fim, os dados constantes na referida Tabela permitem concluir que 1/3 da
população mundial se encontra em extrema situação de exclusão social.
Seguramente que se trata de uma situação de altíssima gravidade. E, não é por acaso que instituições do
porte do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, desde meados dos anos de 1990,
passaram a produzir relatórios técnicos que concluem nesta mesma perspectiva. Ou seja, independente de
algumas localidades apresentarem maiores ou menores sinais de exclusão social, o fundamental é ter a
clareza de que se trata de um problema mundial.
As informações contidas na Tabela 2, tendo como referência o índice de pobreza, em linhas gerais,
ratificam todas as afirmações feitas anteriormente. Ou seja, mesmo tendo como ponto de observação um
índice estritamente da área de economia, é possível ratificar que as manchas de extrema pobreza no
mundo encontram-se na África, Ásia e Oceania.
Tabela 2
Distribuição das regiões do mundo por número de países
com manchas de extrema pobreza 1995-2000
Região
Nº países analisados
Nº países com pior
IP (1)
% dos países com pior IP por região
População mundial (2)
População mundial nos países com pior IP (2)
% Pop. dos países com pior IP por região
África 51 35 68,6 800,6 561,8 70,2
América 35 4 11,4 841,5 31,6 3,8
Ásia 45 11 24,4 3.802,8 1.650,0 43,4
3 Para conhecimento e aprofundamento metodológico de como se calcula o IES ver a série Atlas da Exclusão Social elaborado pela equipe liderada por Márcio Pochmann e editado pela Cortez Editora.
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Europa 37 0 0,0 572,7 0,0 0,0
Oceania 7 3 42,9 30,4 6,2 20,3
Total 175 53 30,3 6.048,0 2.249,6 37,2
Fonte: Pochmann, 2004.
(1) IP=Índice de Pobreza
(2) Em milhões.
Com referência a realidade dos países integrantes do Mercosul a equipe liderada por Pochmann (2004),
utilizando-se da mesma metodologia, calculou um conjunto de índices que mostram a evolução de
diferentes situações sociais nos respectivos países da região tendo como referência temporal o período
1995 a 2000.(Tabela 3)
Tabela 3
Índices que caracterizam exclusão social nos
países do Mercosul - 1995-2000
Índices (1)
Países Pobreza Desemprego Desigualdade Alfabetização Ensino Superior Exclusão
Argentina 0,902 0,255 0,990 0,941 0,080 0,758
Brasil 0,740 0,651 0,314 0,745 0,130 0,562
Chile 0,780 0,726 0,587 0,921 0,410 0,701
Paraguai 0,568 0,774 0,010 0,872 0,131 0,404
Uruguai 0,939 0,217 0,847 0,955 0,055 0,749
Fonte: Pochmann, 2004.
(1) Todos os índices variam entre zero e um de forma que permitem comparações entre os países. Aqueles que
possuem condições aceitáveis (valor um) e os que apresentam condições inaceitáveis (valor zero).
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A partir do aporte metodológico4 utilizado pela equipe de Pochmann, o índice de pobreza, no conjunto
dos países do Mercosul no período 1995 – 2000, apresentava condições aceitáveis. A exceção
encontrava-se no Paraguai com índice de 0,5 bem distante dos demais. Ressalva-se que essa leitura não
significa que a pobreza seja uma questão resolvida nesses países. Para efeitos desta reflexão, de todos os
índices constantes na Tabela 3 o mais importante é o de desemprego porque a partir dele é possível
perceber manifestações das velhas e novas formas de exclusão social. Nessa perspectiva, destaca-se que
esse é um problema crescente nos principais países da região: Argentina, Brasil e Uruguai. Com índices
de 0,2, 0,6 e 02 respectivamente esses países apresentavam condições inaceitáveis de desemprego.
Considerando o conjunto de reformas estruturais implantadas na região, com fortes alterações nas
respectivas bases produtivas é possível que o comportamento desses índices tenha acentuado o grau de
dificuldade, o que futuramente estará refletido no índice de exclusão social.
É nesse contexto que os movimentos de organizações solidárias vêm ganhando espaço como uma
alternativa popular de contraposição aos problemas sociais já existentes e mais os gerados no
estabelecimento mundial da terceira onde de transformação produtiva que revigorou a lógica da
acumulação capitalista. A bem da verdade, esses movimentos não podem ser encarados como nenhuma
novidade, pois a literatura registra sua existência em todas as ondas de transformação produtiva
precedentes (REIS e AGUIAR, 2003). O que a atualidade vem evidenciando como novidade é a maneira
como essas alternativas se mesclam e, respeitando as peculiaridades culturais locais, se organizam como
alternativa de inclusão social.
2 ECONOMIA SOLIDÁRIA E INCLUSÃO SOCIAL
No item anterior buscou-se desenvolver os meandros do significado de exclusão social e, de certa forma,
detectar sua dimensão. Na seqüência cumpre apresentar as diferentes formas alternativas de organizações
solidárias para poder especular o seu potencial de inclusão social.
2.1 Definições e diferentes formas de organizações solidárias
Os desdobramentos do pensamento econômico geraram diferentes concepções que repercutem na
atualidade como alternativas de enfrentamento aos problemas socioeconômicos, mas que não são
fenômenos novos, estando inscritos na história desde o século XIX. Nesse sentido, a aproximação dessas
definições é de suma importância, pois é no processo constitutivo de cada forma de organização
4 A leitura dos índices segundo a metodologia utilizada indica que situações onde a escala vai de 0.88 a 0.99 se destacam por melhores padrões de qualidade de vida, enquanto que os que apresentam escala variando de 0 a 0.6 compõe o grupo que apresenta os piores padrões de condição de vida.
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econômica que a percepção da efetividade como alternativa ou da simples adequação de conflitos poderá
ser apreendido.
Visando a uma forma de organização econômica onde o homem, em união com outros, pudesse
minimizar os problemas produzidos por um sistema de relações comerciais, dito liberal, as primeiras
formulações de uma concepção desse tipo estão vinculadas à expressão Economia Social. Essa economia
surgiu a partir do momento em que estudiosos começaram a aplicar seus conhecimentos teóricos na busca
da identificação dos problemas sociais e da influência do comportamento econômico sobre as condições
sociais, ocasionando, dessa forma, um processo de ruptura com as visões individualistas difundidas pela
Economia Clássica5 (HAGENBUCH, 1961). Daí foram gestadas ações práticas na tentativa de amenizar
as dificuldades econômico-sociais, organizando-se estruturas para o desenvolvimento de uma economia
que utilizasse o capital como meio, a fim de atingir o bem coletivo generalizadamente.
A Economia Social assumiu importância no mundo inteiro, nas mais diferentes formas, sendo o
cooperativismo6 o seu maior expoente. Essas estruturas econômico-associativas são resultantes da
organização dos trabalhadores, que nelas investem suas economias para, através da autogestão, promover
o progresso social e a ampla participação na produção e nos frutos da atividade econômica. É uma forma
de economia empresarial de natureza associativa, que cria atividades autônomas, com objetivos baseados
na solidariedade e na democracia, dando primazia aos indivíduos e ao trabalho sobre o capital na
distribuição dos benefícios. Nessa linha de raciocínio, a Economia Social pode ser definida como:
Conjunto de empresas privadas que atuam no mercado com a finalidade de produzir bens
e serviços, segurar e financiar, e nas quais a distribuição dos benefícios e as tomadas de
decisões não estão ligadas diretamente ao capital de cada sócio. [...]. [Tem] a finalidade
de serviços aos membros e ao meio social (ambiente social), autonomia de gestão, os
processos de decisão democráticos e a primazia das pessoas e do trabalho sobre o capital
na repartição dos resultados (BAREA apud IRION, 1997, p. 25).
Aprofundando um pouco mais a reflexão sobre a Economia Social, percebe-se que esta se apresenta como
uma forma de economia que possui idéias próprias, mas que utiliza algumas características da forma
capitalista, como a livre iniciativa de organização, a competição no mercado e a propriedade privada dos
meios de produção (entendidos como sendo privativos de uma coletividade), e, também, da economia
estatal, por não se caracterizar pelo lucro, onde o bem-estar coletivo é sua força motriz, e os meios de
5 Ciência econômica surgida na Inglaterra com Adam Smith, em 1776, que expressa um conjunto de preceitos teóricos e doutrinários na busca de estabelecer leis naturais explicativas aos fenômenos econômicos, fundamentados pela liberdade econômica. Ver HUGON (1980) e CARNOY (2000).
15
produção são públicos (do coletivo dos participantes). Nessa união de características, a Economia Social
fundamenta-se, sobretudo, em valores como o humanismo7 e a solidariedade, agregados à participação, à
responsabilidade e à eficácia empresarial (IRION, 1997).
Portanto, as estruturas econômicas gestionadas pela Economia Social são formadas por cidadãos livres,
com espíritos solidários, organizados através de empreendimentos com objetivos econômicos e sociais, os
quais distribuem os resultados entre as pessoas e na sociedade onde se inserem, para construírem novos
projetos e, assim, darem respostas as necessidades sociais que surgem a cada momento. Ao mesmo
tempo, organizam-se para poder ter acesso ao mercado, compreendendo a produção, as distribuições e/ou
o consumo de bens e serviços.
As empresas, no âmbito da Economia Social, diferem nos estatutos e nas formas de organização
estrutural, mas têm em comum a solidariedade entre as pessoas e com outros empreendimentos de
mesmo ideal, a cooperação, a autogestão democrática a cargo de seus integrantes, a eliminação do
intermediário e a sujeição do capital à finalidade social. Surgem da iniciativa coletiva para resolver
problemas sociais que a ação do governo e das empresas públicas não são capazes de solucionar, como
geração de emprego, moradia, consumo, crédito, saúde, educação, empobrecimento, dentre outros. Assim,
a Economia Social busca resultados tanto para o quadro social individual como para o quadro social
coletivo e para a sociedade onde as empresas se inserem, almejando o ideário preconizado por Owen
(REIS; AGUIAR, 2003) de uma transformação do meio ambiente social em um processo lento e pacífico.
Assim, a compreensão de seu significado está em entender-se,
[...] por Economia Social aquela que se fundamenta na organização dos trabalhadores em
empresas que tenham por base a pessoa e não o capital, a democracia, a autogestão, o
livre acesso e a solidariedade entre os atuais participantes e a solidariedade para os que
virão no futuro depois dos primeiros associados. Empreendimentos deste tipo se
caracterizam por individualizar o capital de cada sócio e por gerarem fundos indivisíveis
entre os sócios, como solidariedade futura (IRION, 1997, p. 39).
Nesse contexto, a Economia Social compreende dois focos de atenção: primeiro, as cooperativas, que
permitem a organização dos recursos dos trabalhadores para garantir a sobrevivência presente; e, segundo
as mutualidades, que atuam diretamente na organização de fundos de sobrevivência futura. Assim, a
Economia Social é observada como um instrumento poderoso de distribuição de renda e de justiça social
6 A respeito da evolução do Cooperativismo ver REIS e AGUIAR (2003). 7 Humanismo é entendido como o ato de dar primazia às pessoas e ao trabalho sobre o capital (IRION, 1997).
16
(IRION, 1997) e apresenta na sua proposta de organização diretriz mais ampla, aglutinando um
expressivo número de trabalhadores.
Entretanto as constantes transformações na estrutura do mercado de trabalho nas últimas décadas
provocaram dificuldades econômico-sociais que atingiram não somente os trabalhadores, mas todos os
segmentos da sociedade, principalmente os setores populares, nos quais se encontram os marginalizados
dos sistemas convencionais de geração e distribuição de recursos e que não possuem os requisitos
necessários para serem incluídos no mercado de trabalho formal8.
Nessa perspectiva, buscando atender a esses setores populares, a Economia Social desdobrou-se em
outras formas econômicas, ou seja, a Economia Popular e a Economia Solidária, que, juntas em um dado
processo de amadurecimento propositivo, vão constituir a Economia Popular Solidária. Essas formas
econômicas apresentam no seu conjunto determinadas características que vão fundamentar suas ações.
Sendo assim, a seguir será comentada cada forma econômica, suas concepções e, principalmente, os elos
de aproximação. Para tanto, visando a uma melhor compreensão, essa abordagem apoiar-se-á nas
informações contidas na Figura 1 da página 18.
Na busca de estratégias de sobrevivência e subsistência, a população passou a depender, cada vez mais,
de atividades assentadas no trabalho realizado de forma individual, familiar ou associativa, resultando em
inúmeros empreendimentos de caráter semifamiliar ou grupal, sob forma de microempresas, pequenas
oficinas e sociedades informais, funcionando de maneira permanente, temporária ou mesmo ocasional.
Os elementos constitutivos dessas estratégias estão relacionados ao que se convencionou chamar de
Economia Popular ou economia de setores populares (KRAYCHETE, 2000), que já eram debatidos em
círculos franceses no século XIX como alternativa de enfrentamento às dificuldades da época.
Economía Popular el conjunto de actividades económicas (en el sentido de producir
bienes y servicios o de requerir recursos escasos) realizadas por agentes individuales o
colectivos que dependen para su reproducción de la continuada realización de su fondo de
trabajo propio. (CORAGIO, 1992, p.7).
Atualmente, essas estratégias ressurgem com as mesmas intenções, como conseqüência de processos
estruturais que marcam a evolução do capitalismo, principalmente na América Latina, a partir da década
de 70, onde sua formulação se orienta “[...] para cada fim com significância coletiva, seja ela maior ou
8 Para uma compreensão detalhada sobre o mundo do trabalho ver POCHAMANN(1996); (1998); (2001) e ANTUNES (1999).
17
menor, perene ou circunstancial, para todos ou para uns poucos, utilitário ou gratuito, cabe em princípio
uma associação” (FERNANDES, 1994, p. 16).
A racionalidade dessas estratégias está ancorada na geração de renda destinada a prover e as repor os
meios de vida tanto em nível de sobrevivência como em nível de subsistência e na utilização dos recursos
humanos próprios, englobando unidades de trabalho. Em nível de sobrevivência, as estratégias permitem
apenas a satisfação das necessidades básicas fisiológicas. No que se refere ao nível de subsistência, essas
estratégias visam assegurar a satisfação das necessidades básicas, manifestando uma certa estabilidade e
duração no tempo, embora dificilmente seja assumida como opção permanente.
Assim, a Economia Popular apresenta-se aos setores populares como uma forma econômica alternativa às
exigências do setor moderno da produção e do próprio mercado – que, junto ao processo de reestruturação
produtiva, proporcionou uma acentuada diminuição da absorção da força de trabalho –, como também ao
Estado, que, após crises fiscais e administrativas, se viu obrigado a reduzir recursos e serviços através das
políticas sociais. Assim,
A Economia Popular é, com efeito, o resultado das diferentes atividades, iniciativas e
experiências que os setores populares, marginalizados crescentemente [por] dois grandes
sistemas formais de destinação e distribuição de recursos (o mercado e o Estado), vêm
tendo que enfrentar com o objetivo de assegurar sua subsistência e perseguir a satisfação
de suas necessidades econômicas (RAZETO apud GADOTTI; GUTIÉRREZ, 1999, p. 35
- 36).
Esse movimento dos setores populares tem por meta a inserção no mercado e, de alguma forma, substituir
a ineficácia da ação das políticas publicas estatais. Procurando organizar uma síntese para a compreensão
desse fenômeno destaca-se que a Economia Popular apresenta, nos conteúdos e nas formas, cinco
características principais9: 1º) microempresas, pequenas oficinas e negócios de caráter familiar,
individual, ou de dois ou três sócios; 2º) organizações econômicas populares que visam ao enfrentamento
dos problemas econômicos, sociais e culturais mais imediatos; 3º) iniciativas individuais não
estabelecidas e informais; 4º) atividades ilegais e com pequenos delitos, ou seja, todas atividades
realizadas à margem da lei e das normas culturais socialmente aceitam; 5º) soluções assistenciais e
inserção em sistemas de beneficência pública ou privada. Esse conjunto de características demonstra
a heterogeneidade das atividades sem apresentar os diferentes valores e práticas que lhes são
9 Cabe ressaltar que alguns grupos do setor popular desenvolvem atividades produtivas por meio de uma economia informal, ou seja, em meio à ilegalidade, sem terem assegurado seus direitos trabalhista, dentre outros aspectos, mas esse fato não
18
concernentes, mas estas geram interações com o meio econômico-social, por se relacionarem com os
mercados e o setor produtivo dominante através do consumo e da comercialização dos bens e produtos
gerados por eles (RAZETO apud GADOTTI; GUTIÉRREZ, 1999).
Assim, Economia Popular são formas de organizações econômicas de caráter mais imediato,
preconizando soluções emergenciais e de subsistência, que “[...] el conjunto de recursos, prácticas y
relaciones econômicas propias de los agentes econômicos populares de una sociedad” (CORAGGIO,
1991, p. 19). Na sua grande maioria, por não apresentarem propostas sociais mais amplas, estão
condicionadas a fatores de acomodação à ordem vigente, abandonando, assim, as lutas populares que
deveriam ser o meio de enfrentamento à exclusão social e não o fim.
Apesar dessa limitação, alguns segmentos da Economia Popular dão sinais de possibilidades de mudanças
de mentalidade, como as organizações econômicas populares que se unem em pequenos grupos para
buscar em conjunto e solidariamente formas de encarar os problemas econômicos, sociais e culturais mais
imediatos. Esse tipo de atitude se relaciona com a Economia Solidária, que, antes de tudo, “[...] é um
modo especial de fazer economia” (RAZETO apud GADOTTI; GUTIÉRREZ, 1999, p. 39). É um
pensamento econômico que apresenta um conjunto de características próprias que se contrapõem aos
modos econômicos capitalistas e estadistas predominantes. Assim sendo, Economia Solidária expressa:
[...] una orientación fuertemente crítica y decididamente transformadora respecto de las
grandes estructuras y los modos de organización y de acción que caracterizan la economía
contemporánea (RAZETO, 1997, p. 17).
Nessa perspectiva, a Economia Solidária como uma formulação teórica de nível científico, elaborada a
partir de e para dar conta de conjuntos significativos de experiência econômicas no campo da produção,
do comércio, do financiamento de serviços, dentre outros, compartilha alguns traços constitutivos e
essenciais de solidariedade, mutualismo, cooperação e autogestão comunitária, que definem um
pensamento diferente de outras racionalidades econômicas.
Trata-se de um modo de fazer economia que implica comportamentos sociais e pessoais
novos, tanto no plano da organização da produção e das empresas, como nos sistemas de
destinação de recursos e distribuição dos bens e serviços produzidos, e nos procedimentos
necessariamente determina o todo da Economia Popular, sendo que outros segmentos desse mesmo grupo se apresentam legalmente constituídos.
19
e mecanismos de consumo e acumulação. (RAZETO apud GADOTTI; GUTIÉRREZ,
1999, p. 40).
Assim sendo, a racionalidade dessa forma de economia está “[...] que la solidariedad sea tanta que llegue
a transformar desde dentro y estructuralmente a la economía, generando nuevos y verdaderos equilibrios”
(RAZETO, 1997, p. 14). Nesse sentido, os diferentes aspectos da produção, da distribuição e do consumo
na Economia Solidária devem ser entendidos como a expressão teórica de comportamentos e, na
manifestação concreta, não se expressam cabalmente, mas existem e operam efetivamente enquanto
potencialidades parcialmente realizadas, como racionalidades que presidem e orientam os
comportamentos, como tendências que apontam para identidades em formação. Ou seja, a Economia
Solidária como empreendimento econômico prático se apresenta como um projeto que deve ser
constituído e apreendido a partir do pressuposto teórico comportamental que é a solidariedade entre os
seres humanos.
O conceito, como toda abstração, enfatiza alguns traços da realidade, entre outros que se
poderia registrar. Assim fazendo, cumpre uma função heurística para a análise dos fatos,
na medida em que pauta determinadas questões em termos de compreensão da realidade e
da percepção das tendências e impasses a ela subjacentes. Ele evoca, ademais, no seu uso
corrente, uma possibilidade histórica, um direcionamento desejável pelo qual empenha-se
ardorosamente uma gama variada de lideranças e agentes. (GAIGER apud SINGER;
SOUZA, 2000a, p. 269).
Aprofundando um pouco mais, a Economia Solidária é uma visão teórica de um processo em andamento,
ou seja, na perspectiva da construção de empreendimentos econômicos e solidários que conjuguem
princípios de cooperação e democracia, que combinem autogestão e, assim, promovam resultados
econômicos, estes são ideários perseguidos que servem como metas a serem alcançadas. Logo, a
concepção de Economia Solidária conjugando esses princípios funcionaria como uma ferramenta analítica
para identificação e promoção dessa corrente (GAIGER, 2000).
Essas atividades reativaram os olhares dos estudiosos para valores de sociabilidade praticados por grupos
pauperizados, que apoiados na solidariedade, enfrentam as dificuldades impostas pelo sistema capitalista,
pois, ao executarem “[...] as atividades de sobrevivência dos mais pobres reinventam relações
comunitárias abrindo espaço para a solidariedade” (LISBOA, 1997, p. 672). Assim, na perspectiva do
ideal preconizado em confronto com a prática existente, o distanciamento é perceptível, mas é na busca
da concretização de uma sociedade mais justa e igualitária que a solidariedade deve ser promovida e
incorporada como o agente de transformação.
20
A Economia Solidária como expressão de realidade microeconômica é assumida como uma alternativa na
medida em que tem potencialidades de expansão, a ponto de chegar a constituir, globalmente, um setor da
economia que opera junto aos outros setores da economia privada individual e da economia pública e
estatal, mas ela não se constitui em um modelo macroeconômico de reorganização da economia global.
Por outro lado, os grupos que desenvolvem iniciativas de organização econômica e popular, nas várias
manifestações e formas, reconhecem que é na solidariedade, na união, na ajuda mútua e não no
isolamento e na apartação social em virtude do tamanho dos empreendimentos econômicos que
enfrentarão as dificuldades econômico-sociais. Assim, os grupos começaram a idealizar uma economia
que agrupasse tanto os elementos positivos da economia popular como os valores esboçados na economia
solidária.
Do lugar mais fundo e da marginalidade, há o começo de um processo surpreendente: o
lento descobrimento do homem e da mulher que existe em cada um, mesmo empobrecido
e excluído da sociedade, e com ele, a valorização das forças e das próprias capacidades
para ser e fazer, de trabalhar e de empreender. (RAZETO apud GAIGER, 1999b, p. 2).
A esse processo de descobrimento do ser humano enquanto agentes populares e principalmente solidários
na busca por alternativas de sustentabilidade agregam-se propostas mais abrangentes, que possibilitam
ações mais amplas. Esses empreendimentos se desenvolvem como Economia Popular Solidária (EPS),
assim entendida:
Conjunto concreto das experiências, atividades e organizações econômicas que se
encontram na intersecção entre economia popular e a economia solidária, ou seja,
economia popular solidária é à parte da economia popular que manifesta alguns traços
especiais que permitem identificá-la também como economia de solidariedade, ou, pelo
contrário, é aquela parte da economia de solidariedade que se manifesta no contexto da
que identificamos como economia popular (RAZETO apud GADOTTI; GUTIÉRREZ,
1999, p. 46).
Tendo como parte integrante à forma de economia popular e de economia solidária, a EPS surge no
contexto atual como um projeto social, abarcando, no seu conjunto, uma grande variedade de experiências
cooperativas, comunitárias, comunais, tradicionais e novas, existentes nos meios rurais e urbanos.
Num período em que as forças políticas da sociedade se polarizam em torno da disputa
pela ascensão ao poder, pela democratização e/ou por um novo pacto social, as
21
experiências comunitárias eram vistas como ações assistencialistas, subsidiárias e
desagregadoras, ou eram tratadas com grande desconfiança política. (GAIGER apud
CUT, 1999, p. 19).
Desse modo, as experiências comunitárias transcendem essa concepção exatamente quando deixam de ser
instrumentos nas mãos de quem detém o poder para se tornarem “novas formas de produção, de
organização do trabalho, do mercado ou mesmo de uma economia alternativa” (TODESCHINI;
MAGALHÃES apud CUT, 1999) e ao desenvolverem questionamentos críticos aos sistemas econômicos
tradicionais. Pois as organizações econômicas idealizadas pela EPS são “[...] portadoras de una
racionalidad económica especial, de una lógica interna sustenta en un tipo de comportamientos y de
prácticas sociales en que la solidariedad ocupa un lugar y una función central” (RAZETO, 1997, p. 37).
Nessa compreensão, as práticas populares e/ou comunitárias estão inseridas num fenômeno, mais amplo
da economia solidária ou alternativa (GAIGER, 2000), onde, ao abarcarem vários segmentos sociais,
agentes e instituições, produzem um movimento dialético crítico ao sistema econômico capitalista,
visando ao desenvolvimento humano integral através das diferentes experiências. Portanto, os
empreendimentos econômicos, que, por serem populares e solidários, se constituem a partir das
iniciativas associativas, organizadas nos objetivos, na estrutura, na tomada de decisões, programando as
atividades, distribuindo tarefas e movimentando recursos, enfrentam carências e necessidades econômicas
concretas e buscam superá-las mediante esforços próprios e com a utilização dos recursos acumulados.
Para tanto, estabelecem relações de ajuda mútua, cooperação e solidariedade, como algo inerente à
maneira de enfrentar os problemas, satisfazer as necessidades ou desenvolver as atividades próprias da
organização.
Assim, a EPS é constituída por organizações autônomas que visam à participação, à democracia e à
autogestão como atos de garantia do direito de tomada de decisão que resulta do esforço e do trabalho que
cada um e o grupo realizam. Combina no seu conjunto atividades econômicas, sociais, educativas, de
desenvolvimento pessoal e grupal, de solidariedade e de ação política e pastoral, ou seja, busca satisfazer
as necessidades e as aspirações humanas.
Suas iniciativas pretendem ser diferentes e alternativas com respeito ao sistema imperante e chegar,
assim, ainda que seja em pequeníssima escala, a uma mudança social, na esperança de uma sociedade
melhor e mais justa. A relação que se estabelece entre estabelecer uma forma de economia alternativa10 e
uma intenção transformadora é digna de ser ressaltada.
10 A EPS é considerada como uma economia alternativa na medida em que, ao priorizar valores como solidariedade, democracia, autogestão e a autonomia sobre os valores individualistas combinadas com a eficiência econômica, coloca tais experiências na condição de coexistência com o mercado capitalista ao mesmo tempo em que o questiona (GAIGER, 1998).
22
Na abordagem desses empreendimentos associativos, bem como em outras organizações que integram a
EPS, identifica-se esta como um fenômeno com características específicas, que compreendem atividades
que expressam princípios de socialização e autogestão extraída de experiências dos setores populares,
como as economias familiares. A base de sustentação desses empreendimentos está na cooperação, no
desempenho e na qualificação dos agentes, que, ao se preocuparem com a eficiência e com a realização
dos benefícios, garantem a viabilidade financeira. Almejam ascender do nível da subsistência apoiado por
estratégias de crescimento (GAIGER, 2000a).
São experiências que tendem a se coordenar com outras, formando redes horizontais baseadas na troca de
informações11 e na busca de ações conjuntas. Nesse sentido, tendem a expandir a cooperação nas relações
com outros grupos e a não estabelecer relações competitivas. Por outro lado, a necessidade de
colaboração e de apoio dos grupos leva-os a procurarem e a manterem relações com diferentes
instituições que realizam atividades de promoção, capacitação, assessoria, doação de recursos materiais. É
de suma importância evitar o isolamento em todo sentido, fomentando relações e mudanças sociais dos
mais variados tipos.
Com efeito, nas formulações dialéticas da história e das mudanças sociais, não se tem revelado
suficientemente a necessidade de ser coerente no próprio modo de se organizar. As experiências
formuladas no entorno de um sistema capitalista excludente promovem a luta por um projeto de sociedade
ancorado pela solidariedade, pela cooperação, pela democracia e pela autonomia. Nas diferentes
estratégias e desdobramentos do pensamento econômico, resguardado as proporções, a solidariedade
constituiu a base fundamental na formação dessas iniciativas.
Assim, do ponto de vista teórico, as atividades econômicas e seus diferentes desdobramentos possuem
elos de aproximação, ou seja, são gestadas no interior do sistema capitalista como forma de
enfrentamento das dificuldades, apoiando-se na solidariedade entre os indivíduos para a superação das
mesmas. Com a evolução dos processos produtivos e, portanto, com a evolução dos problemas sociais e
econômicos, as formas produtivas foram se adequando às realidades nas quais estavam inseridas. Todavia
a Economia Social surgiu como uma estratégia de enfrentamento dos problemas sociais gerados por uma
economia individualista, apoiada na cooperação entre os trabalhadores. Por sua vez, com o agravamento
da questão social12 e tendo esta uma abrangência maior, a Economia Popular se constituiu como
estratégia de sobrevivência e subsistência. Dessa forma de organização econômica parte uma parcela
significativa de iniciativas que, apoiadas na solidariedade, construíram um processo que culminou em
outra forma de organização, ou seja, a Economia Popular Solidária. Nessa perspectiva, as diferentes
11 As redes comportam também experiências internacionais, que podem ser melhor apreendidas vendo MANCE (1999). 12Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. (IAMAMOTO, 1999, p. 27).
23
formas produtivas no conjunto de suas atividades apresentam-se como alternativas adequadas às
expressões socioeconômicas de cada época. Na Figura 1, a sistematização permite observar esse
desdobramento.
Figura 1 – Ponto de vista teórico da Economia Social e seus desdobramentos
24
Assim, no entorno do sistema capitalista, como forma de superação das desigualdades sociais, algumas
alternativas foram sendo gestionadas. Nesse processo histórico e como apontam algumas literaturas, em
primeiro lugar surgiu a Economia Social, com o propósito de emancipar o operário. Com o passar do
tempo e com o agravamento do contexto sócio-econômico dos setores e por meio das exigências do
próprio mercado de trabalho, outra forma de organização econômica se configurou, ou seja, a Economia
Popular, com ações voltadas para a sobrevivência e subsistência, sem processar uma estratégia de luta
mais ampla. Uma parcela significativa da Economia Popular, junto com um ideário de solidariedade
fundou-se as condições necessárias para a formação da Economia Popular Solidária, que se apresenta com
inovações nas relações de trabalho e produção diferenciando-se das relações produzidas pelo mercado
capitalista, sendo que a realização dessa produção vai se dar nesse mesmo mercado com todas as suas
contradições peculiares a um sistema excludente. Mas a forma como se desenvolve essa produção é a
riqueza dessa organização, pois se fundamentam na solidariedade.
Desse modo, a solidariedade está vinculada aos mais diferentes projetos, tornando-se um fenômeno
contemporâneo e emergente. Nesse contexto, a identificação do princípio ‘solidariedade’ é necessária,
pois é à base de fundamentação dessas formas de organizações econômicas. A palavra solidário deriva do
latim solidus, significando algo forte, que dificilmente se deixa destruir por uma força externa. O
conceito de solidariedade foi transposto para a filosofia social, no século XIX, da linguagem jurídica
como referência de responsabilidade comum e, no século XX, foi amplamente desenvolvido com
significado de relação moralmente qualificada, essencial e ativa do indivíduo com a comunidade e vice-
versa.
A palavra solidariedade possui um sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos
interesses e às responsabilidades de um grupo social, de uma nação ou da própria
humanidade. Ela indica uma relação de responsabilidade entre as pessoas unidas por
interesses comuns, de maneira tal que cada elemento do grupo se sinta na obrigação
moral de apoiar os demais. (MANCE, 1999, p. 17).
A solidariedade é um princípio da prática social que necessita de permanente lembrança e realização, que
não pode ser forçada, mas afirmada como exigência moral, como um princípio político, uma exortação à
ação comunitária. Nessa perspectiva, a solidariedade vinculada à economia produz uma reação no mínimo
espantosa.
La idea de solidaridad se inserta habitualmente en el llamado ético y cultural al amor y la
fraternidad humana, o hace referencia a la ayuda mutua para enfrentar problemas
25
compartidos, a la benevolencia, o generosidad para com los pobres y necesitados de
ayuda, a la participación en comunidad integradas por vínculos de amistad y reciprocidad.
(RAZETO, 1997, p. 10).
Portanto, ao formular a Economia Popular Solidária nos parâmetros econômicos e solidários apresentam-
se diferentes manifestações dessa atividade econômica, constituindo-se em várias formas de observação
do mesmo processo. Os valores constitutivos dessa economia são preconizados pelos diferentes agentes,
que acreditam que é através da Economia Popular Solidária que os excluídos e os marginalizados,
organizados e incorporando nos seus empreendimentos os princípios da economia como eficiência e
eficácia e o princípio de solidariedade, poderão inserir-se no mercado, reproduzindo relações sociais
igualitárias.
Dessa forma, a Economia Popular Solidária assume diferentes valores na constituição dos seus projetos,
os quais são concebidos por agentes promotores que, imbuídos por um ideal de sociedade justa, partem do
princípio da solidariedade. Na prática o processo histórico de constituições das relações sociais no campo
da manutenção e reprodução social tem resultado, por um lado, em exclusão social e, por outro, em
formulação e implantação de alternativas que venham dar condições de contraposição à exclusão. A
indagação que essa reflexão tenta responder é: em que medida as alternativas solidárias são instrumentos
de inclusão social?
2.2 Alternativa de inclusão social?
Ao longo dessa reflexão, buscou-se desenvolver alguns argumentos que auxiliassem a compreensão e o
significado de exclusão social na contemporaneidade e, na seqüência, se desenhou uma sistematização
das definições e diferentes formas de economia solidária. Ambas são uma realidade: a exclusão social é
um fenômeno mundial e as formas solidárias se multiplicam. Num primeiro momento tem-se a idéia de
que uma é conseqüência da outra. Ou seja, na medida em que a exclusão, em suas diferentes expressões
se apresenta de forma expressiva, considerando uma ineficácia da ação do Estado ou ideologicamente sua
mudança de atuação, o contraponto é dado pela solidariedade, também em suas diferentes formas. Em
partes e, principalmente no período dos últimos 15 anos, essa maneira de pensar é verdadeira. No entanto,
não só respeitando o princípio das liberdades individuais e coletivas, mas também o das iniciativas
originadas em princípios ideológicos, a concepção de solidariedade no campo da produção e dos negócios
vem de meados do século XVI.
26
A proposta de uma organização econômica centrada no indivíduo surgiu em meados do
século XVI, com a prática do associativismo e com o aparecimento do cooperativismo,
embora o associativismo coletivista estivesse presente em outras épocas, nas idéias de
auxílio mútuo nas relações de trabalho e na associação coletiva de pessoas, apresentando
seus indícios nas construções de armazéns, fábricas, empresas rurais e até mesmo na
constituição das repúblicas (REBONATTO, 1985 apud REIS E AGUIAR, 2003).
O importante a reter é que, tanto a exclusão social como os movimentos de solidariedade, podem
ocorrer em paralelo, mas não necessariamente. O fato é que ao longo do processo histórico de evolução
do modo de produção capitalista a exclusão é uma realidade e se decompõe em diferentes matizes, tanto
do lado da oferta como no da demanda. Ou seja, a exclusão no contexto da lógica de reprodução do
capital não é uma prerrogativa única do trabalhador.
Pois bem, o motor dessa lógica de reprodução é, sem dúvida a competição com todos seus
predicados e malefícios. Não obstante os predicados “a competição na economia tem sido criticada por
causa de seus efeitos sociais. A apologia da competição chama a atenção apenas para os vencedores, a
sina dos perdedores fica na penumbra”. (SINGER, 2002, p. 8) E são, exatamente, os perdedores que
compõe 1/3 da população mundial que se encontram em extrema situação de exclusão social.
No outro extremo da reprodução capitalista, compondo forma de refúgio, ou mesmo saída
alternativa, tem-se os perdedores que buscam organizar-se a partir de formas solidárias. Em síntese, desde
o século XVI do associativismo, cooperativismo, economia social, economia popular à economia popular
solidária resumem-se num esforço de composição de organização. Ambas, independente da época, sejam
sob a lógica da produção ou do consumo, tem esbarrado em um mesmo obstáculo a competição no
mercado. Como produzir solidariamente se o lócus da realização é o mercado? E, ainda, como evitar a
competição entre os constituintes da própria organização? A resposta não é simples, no entanto é possível
percebê-la.
“Para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os
seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva. Isto
significa que os participantes na atividade econômica deveriam cooperar entre si em vez
de competir”.(SINGER, 2002, p. 9)
Seguramente que este é o grande desafio não só dos que precisam ou mesmo dos que acreditam nas
formas solidárias, mas, principalmente, da humanidade. A forma solidária tem demonstrado capacidade
de ser uma consistente alternativa à exclusão social, no entanto seus avanços tem sido tímidos
27
provavelmente em razão da vigorosa restrição imposta dentro, entre e, principalmente, fora das
organizações solidárias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dessa reflexão, buscou-se desenvolver alguns argumentos que auxiliassem a
compreensão e o significado de exclusão social na contemporaneidade e, na seqüência, se desenhou uma
sistematização das definições e diferentes formas alternativas de economia solidária. Ambas são uma
realidade: a exclusão social é um fenômeno mundial e as formas solidárias se multiplicam. Ainda que não
se deva simplificar existe uma forte inclinação para reter uma noção de causa e efeito. Ou seja, na medida
em que aumenta a exclusão também aumentam as alternativas solidárias. Esta constatação é verdadeira,
porém não é consistente para dar conta dos movimentos desses dois fenômenos que podem provocar
mudanças sociais consideráveis.
No que diz respeito a exclusão social foi fundamental a constatação de existência de sua existência e,
partir daí, a sinalização de suas diferentes expressões utilizando para tanto o agrupamento em duas
grandes categorias: velhas formas e novas formas de exclusão social. Esta é uma maneira peculiar de
agrupamento que permite uma visualização mais atual do fenômeno. Desenvolvido a compreensão e o
significado buscou-se uma noção aproximada da dimensão da exclusão em nível mundial e na região do
Mercosul. Constatou-se que o problema é expressivo e que para o seu enfrentamento são necessárias
ações fortes e determinadas.
Por outro lado, tendo como referências as desigualdades sociais, principalmente as provenientes da
evolução do desemprego da força de trabalho, nos diferentes momentos de transformação produtiva, e as
expressões daí resultantes uma série de alternativas tem sido postas a prova. Dentre elas destaca-se: a
economia social, economia popular, economia solidária e economia popular solidária. Ambas tem como
característica comporem estratégias de enfrentamento de problemas sociais gerados por um sistema
econômico de corte individualista.
A forma economia social tem como fundamento básico a cooperação entre os trabalhadores ao passo que
a forma economia popular se constitui como estratégia de sobrevivência e subsistência. A semelhança
está no fato de ambas formas tem como núcleo referencial a solidariedade entre o indivíduos
participantes. Daí o surgimento das condições para o estabelecimento da forma economia popular
solidária que se apresenta com inovações nas relações de trabalho e produção, diferenciando-se das
normatizações ditadas pelo mercado capitalista, ainda que a realização da produção venha ocorrer neste
mesmo mercado.
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Desse contexto depreende-se que as formas solidárias são inequivocamente um potente instrumento para
promover a inclusão social. No entanto, para sua efetiva potencialização é necessário muito mais do que
movimentos ou ações isoladas, é preciso que a sociedade entenda a forma solidária como outro modo de
produção cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada ao capital e o direito à
liberdade individual. Que se tenha como objetivo comum a solidariedade em lugar da competição entre os
agentes produtivos.
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