economia e sociedade Últimos achados sobre a … · de max weber antônio flávio pierucci habent...

12
ECONOMIA E SOCIEDADE: ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A “GRANDE OBRA” DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III. Economia e Sociedade ou A ética protestante? Desde sua edição como obra póstuma em 1922, Economia e sociedade (ES) tem sido considerada a “obra principal”, o magnum opus de Max Weber. A mais lida, porém, é A ética protestante e o “espírito” do capitalismo (EP). Evidente que entre o público de maior escolaridade, muitos dos que conhecem sua importância não se animam a lê-la por inteiro, ape- sar do tamanho “P” do seu texto principal. De- pendendo da edição e da língua, não passa de cento e poucas páginas. 1 No entanto, mesmo sem ser lida pela maior parte de quantos a sabem famosa e importante, mesmo assim a EP se mantém a mais lida das obras de Weber. No ano 2000, em lista- gens de livros que mostravam “os 10 mais lidos” do século XX, lá estava A ética protestante, obra sempre muito bem colocada em ranques do gêne- ro. Sua popularidade editorial é tamanha e tão está- vel, que mesmo na mente de um universitário que curse ciências sociais ela pode muito bem se re- presentar como a obra “mais importante” do mais importante sociólogo alemão, mas na opinião da maioria dos sociólogos não é. Numa pesquisa de opinião feita em 1998 pela ISA, solicitando a seus membros que apontassem qual a obra de Socio- logia mais importante e influente do século XX, Economia e sociedade saiu vencedora por ampla margem. 2 No conjunto das obras de Weber, a EP é a mais conhecida, a mais gostosa de ler e, de longe, a mais bem acabada, sobretudo em sua segunda RBCS Vol. 23 n. o 68 outubro/2008 Artigo recebido em julho/2008 Aprovado em agosto/2008

Upload: others

Post on 06-Aug-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

ECONOMIA E SOCIEDADE:ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A “GRANDE OBRA”DE MAX WEBER

Antônio Flávio Pierucci

Habent sua fata libelli.[Os livros têm lá os seus fados.]

Verso latino do século III.

Economia e Sociedadeou A ética protestante?

Desde sua edição como obra póstuma em1922, Economia e sociedade (ES) tem sido consideradaa “obra principal”, o magnum opus de Max Weber.A mais lida, porém, é A ética protestante e o “espírito”do capitalismo (EP). Evidente que entre o público demaior escolaridade, muitos dos que conhecem suaimportância não se animam a lê-la por inteiro, ape-sar do tamanho “P” do seu texto principal. De-pendendo da edição e da língua, não passa de centoe poucas páginas.1 No entanto, mesmo sem ser

lida pela maior parte de quantos a sabem famosa eimportante, mesmo assim a EP se mantém a maislida das obras de Weber. No ano 2000, em lista-gens de livros que mostravam “os 10 mais lidos”do século XX, lá estava A ética protestante, obrasempre muito bem colocada em ranques do gêne-ro. Sua popularidade editorial é tamanha e tão está-vel, que mesmo na mente de um universitário quecurse ciências sociais ela pode muito bem se re-presentar como a obra “mais importante” do maisimportante sociólogo alemão, mas na opinião damaioria dos sociólogos não é. Numa pesquisa deopinião feita em 1998 pela ISA, solicitando a seusmembros que apontassem qual a obra de Socio-logia mais importante e influente do século XX,Economia e sociedade saiu vencedora por amplamargem.2

No conjunto das obras de Weber, a EP é amais conhecida, a mais gostosa de ler e, de longe,a mais bem acabada, sobretudo em sua segunda

RBCS Vol. 23 n.o 68 outubro/2008

Artigo recebido em julho/2008Aprovado em agosto/2008

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5441

Page 2: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 23 No. 6842

edição, revista e ampliada pelo autor em 1919-1920.3 Se, além do mais, aceitarmos o óbvio deque um livro só pode ser considerado lido quandolido por inteiro, mesmo no círculo menor dos es-pecialistas em sociologia ou ciência política, direitoou economia, história ou filosofia, psicanálise oupsicologia, ou seja, entre os diplomados nas áreasde humanidades, também nesse público específicoa mais lida das obras de Weber é a EP.

Já de saída a EP se mostrou dotada do con-dão de chamar a atenção e provocar polêmica.Desinteligências mil acerca do seu acerto. Contro-vertida “pela própria natureza”, permanece objetode críticas e anticríticas até agora, o que retroalimentao vigor da celebridade de que goza entre o públicointelectualizado. Pessoalmente considero a EP umaobra-prima – ein Meisterwerk –, mas nem por issovou sair por aí dizendo que ela é “a obra principal”[das Hauptwerk] de Weber. Obra-prima eu sei queela é, mas se é “a obra principal” de Weber, dissonão tenho certeza e me pergunto por quê. Talvezporque seja mais fácil sentir o que seja uma obra-prima do que ranquear uma obra principal.

Seja como for, o interesse aqui é contar, sim-plesmente contar, como foi o processo de forma-ção-edição de Economia e sociedade.

Trajetória editorialde Economia e sociedade

Max Weber morreu em junho de 1920 aos56 anos de idade. No ano seguinte à sua morte, emoutubro de 1921, sua viúva já estava redigindo oprefácio à primeira edição de Economia e sociedade –calhamaço de um volume só que ela acabara deorganizar4 e que sairia no ano seguinte com o lon-go título Grundriss der Sozialökonomik. III Abteilung.Wirtschaft und Gesellschaft (Elementos de economia social.Seção III. Economia e sociedade). Num texto de poucaslinhas ela dizia, com a maior naturalidade do mun-do como se estivesse falando que o céu é azul, queaquela era a “obra principal do autor”: “diesesnachgelassenen Hauptwerkes des Verfassers” (WuG, p.xxxii; EeS I:, p. xxxix). Obra principal ainda quepóstuma.

Em uma única enunciação – “esta obra prin-cipal póstuma” – Marianne Weber transferia a umjuízo interpretativo seu, inteiramente subjetivo, acercada “principalidade” de ES no conjunto da obra

“do autor”, o mesmo teor de facticidade objetivapertencente ao fato de ser publicação póstuma.Quem de nós, desde os tempos de estudante deCiências Sociais ou coisa parecida, não terá lido umcomentarista ou escutado um professor ensinandojustamente isto, que a obra principal de Weber éEconomia e sociedade? E quantas vezes. . . A meu verisso se explica pela razão, entre outras, de que já naprimeira edição, por força do conciso atestado dedistinção suprema emitido por Frau Weber naque-le primeiro prefácio, ES passou a ser automatica-mente recebida como a “obra principal” de Weber.E tudo o que Marianne escreveu ali foi simples-mente isto: “A publicação desta obra principal pós-tuma do autor [dieses nachgelassenen Hauptwerkes desVerfassers] apresentou naturalmente muitas dificul-dades” (WuG, p. xxxii; EeS I, p. xxxix).

Com a mesma naturalidade que Marianneincutiu à sua frase aparentemente despretensiosa, aosleitores sempre pareceu óbvio que fosse aquilomesmo. Soava de tal forma natural, que ninguémduvidou disso até o dia em que, no ano de 1975,meio século depois de publicado o prefácio deMarianne Weber, apareceu na revista Kölner Zeitschriftfür Soziologie und Sozialpsychologie um artigo para lá decorajoso e muito bem fundamentado, faiscante aomesmo tempo que judicioso, precipitando nosarraiais weberianos uma espécie de ebulição pre-nunciada. O nome do artigo – “Das Werk MaxWebers” [“A obra de Max Weber”] – não soavanada modesto, e nem podia, assinado que erapelo grande especialista não só nos escritos, mastambém na escrita de Weber, Friedrich Tenbruck(1975), que, sendo quem era, um acadêmico de altocoturno e respeito intelectual, com sua acreditadavoz discordante introduzia salgadíssima azeitonanaquela empada consensual cinco décadas ama-nhecida, dizendo simplesmente algo como Será queES é mesmo a obra principal de Weber? Assim ése lhe parece, só que a coisa não é assim tão ga-rantida como parece. “O que significa obra prin-cipal?”, perguntava o artigo, “O que é uma obraprincipal?”.

Talvez esse termo ambíguo haja prejudicado a tal pon-to a interpretação, que um olhar imparcial sobre asobras [de Weber] é quase impossível de conseguir. Étempo de retornar às fontes e ler os textos com hones-tidade, na esperança de que isso possa lançar nova luzsobre cada obra individualmente e sobre sua colocaçãono conjunto da obra (Tenbruck, 1975, p. 679).

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5442

Page 3: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

ECONOMIA E SOCIEDADE: ÚLTIMOS ACHADOS. . . 43

Dois anos depois, em 1977, Tenbruck (1977,pp. 715ss) voltaria à carga em outro artigo, que notítulo já vinha vestido para matar: “Abschied von‘Wirtschaft und Gesellschaft’” [“Adeus a ‘Economia esociedade’”]. A extrema franqueza ostentada num tí-tulo que ecoava outras tantas despedidas que os in-telectuais estavam sendo obrigados a encarar nasúltimas décadas do século XX funcionou como si-nalização clara, inédita mas bem-vinda, de que es-tava irremediavelmente aberta a discussão dos in-convenientes intelectuais de uma tradição comoaquela, acriticamente apoiada na vigência inercial deuma “idéia recebida” acerca do valor (tido por)inconteste de uma obra individual no conjunto daobra de um autor que se mostrou prolífico até de-pois de morto.

De fato. Por morrer prematuramente Weberdeixou, sem publicar, um vasto material escrito re-sultante de suas batalhas intelectuais em vários frontes.A esse material inédito seus biógrafos, comentaris-tas e editores afixaram a designação Nachlass [espó-lio].5 Uma quantidade enorme e desordenada detextos entre datilografados e manuscritos, algunsdos quais já no processo de revisão para publica-ção, outros apenas esboçados, outros semiprontosà espera de tempo disponível para serem refor-matados ou reformados ou mesmo reescritos. Al-guns deles já postos de lado, superados concei-tualmente pelo avanço teórico do autor. Sua viúvaMarianne, enquanto viveu, fez bom proveito desseNachlass, comenta Klaus Lichtblau (2003, p. 233),seja como biógrafa do marido, seja como orga-nizadora editorial de seus escritos póstumos, semjamais perder a chance, claro, de emitir sua respei-tada opinião de intelectual, intelectual que era, a pro-pósito dessa ou daquela obra individual, conformeexemplificado no prefácio à primeira edição de EShá pouco citado.

Depois dos retumbantes artigos de FriedrichTenbruck nos anos de 1970, demorou um poucopara que outro perito alemão em estudos weberia-nos saísse a campo atirando na mesma direção, masisso devia ocorrer mais cedo ou mais tarde. Foi jáno bojo da formidável empreitada editorial de con-fecção da edição completa dos escritos de Weber –Max Weber-Gesamtausgabe (MWG),6 iniciada nos anosde 1980 – que a certa altura dos trabalhos se fezouvir a voz autorizada de Wolfgang Schluchter,participante ativo na direção do projeto. Com vis-tas a subsidiar o preparo da nova edição crítica de

Economia e sociedade, Schluchter fez circular em 1985-1986 um paper cujo título punha na mesa, de umavez só, um par de coisas nada fáceis de dizer: queexistia um mito chamado Economia e sociedade, e queesse mito estava chegando ao fim. Título do artigo:“Wirtschaft und Gesellschaft: Das Ende eines Mythos”[“Economia e sociedade: o fim de um mito”].7 E por-tanto, o fim de uma era de meio século em que ESmanteve a reputação de ser a obra de Weber maisdecisiva para a formação, o desenvolvimento e aconsolidação de um status de ciência específico daSociologia. Obra, portanto, fun-da-men-tal. Queainda hoje é amplamente recomendada como amais relevante para análises sociológicas que quei-ram dar conta, sem reducionismos nem soluçõesfáceis, da multimodal concatenação “agente-estru-tura” na fase tardia do capitalismo.

Quando veio a público em 1922, com umtexto derramado e de estilo irregular, alguns capí-tulos inacabados e um título abstrato e bifronte,esse extenso tratado de Sociologia explícita – “mi-nha Sociologia” [G1], Weber passou a identificá-lona correspondência que manteve com seu editor eamigo Paul Siebeck no ano de 1913 (cf. Mommsen,2000, notas 32 a 35) – chegava com a promessa,assim presumiu Marianne, de conjuminar Sociolo-gia sistemática cum Sociologia histórica. Aos olhosdela, que a montou, ES era uma obra unitária compos-ta de duas partes,8 “uma Primeira Parte de ‘Sociolo-gia abstrata’ e uma Segunda Parte de ‘Sociologiaconcreta’” (EeS I, p. xxxix). Resultado do trabalhoexaustivo de muitos anos de seu prolífico autor,sem calcular todo o tempo que ela reverentementeacabara de lhe devotar.

As duas primeiras edições alemãs de ES, a de1922 em volume único, e a de 1925, revista e re-partida em dois volumes, aconteceram sob o co-mando de Marianne Weber. A terceira edição, de1947, também é dela, posto que reimpressão dasegunda, portanto inalterada.9

Marianne morreu em 1954. Dois anos depoissaía a quarta edição de ES, apresentando-se na capacomo “nova”. Organizada por Johannes Winckel-mann,10 trazia mudanças significativas resultantes dasintervenções mais ousadas do novo organizador –e primeiro promoter, como logo se perceberá – nacomposição e organização do texto. A modifica-ção mais visível: no enunciado do título. Em vezdo velho título principal Grundriss der Sozialökonomik[Elementos de economia social] que se fazia seguir do

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5443

Page 4: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 23 No. 6844

subtítulo III Abteilung. Wirtschaft und Gesellschaft. [SeçãoIII: Economia e sociedade], o livro surgia agora com otítulo principal trocado para Wirtschaft und Gesellschaft[Economia e sociedade] e, surpresa maior, com umsubtítulo inédito: Grundriss der verstehenden Soziologie[Elementos da sociologia compreensiva], verdadeiro atoconsumado de entronização do sintagma “So-ciologia compreensiva” como parte integrante dotítulo completo da reverenciada “obra principal”de Weber.

No prefácio que escreveu para a quarta edi-ção alemã de 195611 o novo organizador JohannesWinckelmann explica circunstanciadamente as mu-danças que decidira fazer tanto no formato da obracomo em seu elenco de matérias. Não é este o lu-gar para examinar essa peça, que continua a ser deleitura indispensável aos que se interessam pela obrade Weber. Em tempo: o formato assumido porES na quarta edição tornou-se referência para as tra-duções e reedições feitas a partir de 1956. A versãobrasileira, de 1991, é tradução da quinta edição, de1972, também organizada por Winckelmann, quefez um novo prefácio, ainda mais minucioso emesclarecimentos e argumentadas justificativas. Aoescrever seus dois prefácios, Winckelmann fez ques-tão de pontuá-los com a mesma distinção cravadapor Marianne no prefácio de 1921 – Hauptwerk,obra principal. Tome-se o prefácio à quarta edição.Veja-se a primeira frase e, em seguida, a última.Exatamente nas duas extremidades de sua apresen-tação, simetria essa que só pode ter sido intencio-nal, o organizador saúda ES com o status de obraprincipal:

[Primeira frase]: A obra principal de Max Weber, obrapóstuma, apresenta-se aqui de forma modificada e des-prendida do contexto da obra coletiva Grundriss derSozialökonomik (GdS), da qual constituía até agora aseção III (EeS I, p. xxxi).[Última frase]: Então teria sido alcançado o objetivoque orientou o organizador do texto: abrir a uma com-preensão ampliada a obra principal de Max Weber me-diante a maior facilidade de leitura e o acesso mais fácila seu curso de pensamento – em benefício da pesquisa,do ensino e da cultura intelectual (Idem).

Ao leitor atento, essa simetria nas duas pontasde um texto cujo miolo chega até ele amarradopelo (hoje criticado) wishful thinking de fazer deleuma obra una, um todo coerente, é um indicadorde que Winckelmann estava de fato disposto a avan-çar nessa direção, intervindo mais ativamente do

que a viúva havia feito, assumindo mais à risca a idéiasegundo a qual uma grande obra, para ser a princi-pal, tem que ser una. Daí a repetição, em seus pre-fácios, do mantra acionado por Marianne, obraprincipal, obra principal. Mas não ficou só aí. Foialém. Cunhou seu próprio elogio. E foi assim que,além da insígnia de “obra principal” que receberada primeira organizadora, ES receberia do segun-do a medalha de “grande Sociologia”: “Max Webersgrosse Soziologie” (cf. WuG, p. xxv; EeS I, p. xxxi):

A primeira parte da grande Sociologia de Max Weber,que contém a teoria dos conceitos, foi escrita após aprimeira Guerra Mundial, nos anos de 1918 a 1920.[. . .] a contribuição de Max Weber que continha suagrande Sociologia para o conjunto do Grundriss derSozialökonomik.[. . .] Todos os esforços dedicados à estruturação e con-formação do texto de Economia e Sociedade não podemdesfazer o fato de que, ao morrer, Max Weber deixousua grande Sociologia sem levá-la a cabo (pp. xxxi,xxxi, xxxvii).

Em 2000 a expressão voltou a circular. Foino título de um dos últimos artigos de Wolfgang J.Mommsen (2000), artigo-referência para todos osque se interessam em saber do estado da arte dasnovas discussões acadêmicas em torno da confec-ção e da estruturação de ES, discussões que nãoparam de recomeçar, suscitadas pelas constantesdescobertas dos pesquisadores pari passu à progres-são da garimpagem no espólio de Weber no con-texto da MWG. No título desse artigo de Mommsenpublicado em inglês no ano 2000, chama a atençãoo aceno (irônico, parece-me) à apologia cunhadapor Winckelmann.

É que o texto da “grande Sociologia” resultade uma história editorial no mínimo irregular, paranão dizer atabalhoada. Até a quinta edição, de 1972,cada edição decorria o mais das vezes de decisõesquase inteiramente pessoais, tomadas sem maioresdiscussões mesmo em âmbito privado, que dirápúblicas. Pouco ou nada discutidas na origem, como correr do tempo as edições clássicas foram fi-cando cada vez mais discutíveis. Era inevitável.

Retomando. A primeira edição (1922), a cargode Marianne Weber, resultou de várias conjeturas ealgumas precipitações, mas raras intervenções dire-tas nos textos. Já para a segunda, de 1926, reimpressaem 1947, Marianne fez modificações formais ape-nas superficiais, tais como a divisão em dois volu-

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5444

Page 5: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

ECONOMIA E SOCIEDADE: ÚLTIMOS ACHADOS. . . 45

mes para facilitar o manuseio do leitor, e a juntadado ensaio de “Sociologia da música” à guisa deanexo. Quase nada diferentes uma da outra, pade-cem ambas da mesma suposição segundo a qual setrataria de uma obra una; fragmentária e incompleta,porém dotada de coerência entre as partes. As edi-ções seguintes (1956 e 1972) ficaram a cargo de J.Winckelmann, muito mais afoito do que ela na es-tratégia editorial de transformar o texto lacunar eobviamente descontínuo numa obra unitária semfalhas evidentes de continuidade. Por isso talvez Win-ckelmann tenha entendido como dever seu apre-sentar ao público leitor um texto com muito menosvazios do que o das edições transadas por Marianne.Certo da validez dessa estratégia editorial, o novoorganizador não hesitou em cobrir as lacunas comtextos que ele mesmo compôs, recortando e co-landotrechos de outras obras de Weber, escritas comoutros objetivos e outros dispositivos conceituais.12

Foi confusa mesmo a trajetória editorial deES. Cheia de idas e vindas, de pega e larga, puxa eestica, recorta e cola. Muitas suposições enviesadas,hesitações várias e imprudências não raras. Altera-ções maiores ou menores a depender de acrésci-mos ou deslocamentos quando julgados cabíveispelos curadores da obra (e da hora).

História da redaçãode Economia e sociedade

Também a redação de ES teve que encararuma trajetória cheia de obstáculos, turbulências,guinadas, interrupções, atrasos e prazos dilatados,desistências, recomeços, retomadas parciais nova-mente interrompidas. E, por fim, a morte prema-tura do autor. Do final do século passado para cá,foi justamente desta parte da “história da obra” –seu processo de escrita – que ficamos sabendomuito mais coisas do que antes, e as vamos saben-do cada vez com mais detalhes. Escarafunchar umaWerkgeschichte [história da obra] é para isso mesmo,e é principalmente por isso que pensei em escrevereste artigo, menos reflexivo ou interpretativo do queeu gostaria que fosse, apenas informativo. De qual-quer modo, se me permitem os colegas, só queroaqui prestar serviço. Aos familiarizados com as ques-tões que se levantam quando se ajusta mais o focona obra de Weber, mas também àqueles que even-tualmente quiserem se deixar levar pela curiosidade

inespecífica por um primeiro encontro com os pro-blemas de redimensionamento e reinterpretação quesão recolocados a uma grande obra, seja ela qualfor, pela descoberta de novas datas e datações emsuas origens e formação.

Origens, vamos lá. A coisa começou em 1909.Com 44 anos, Weber participou em janeiro de 1909da fundação da Sociedade Alemã de Sociologia[Deutsche Gesellschaft für Soziologie] em Berlim, elegen-do-se membro da primeira diretoria ao lado de Fer-dinand Tönnies, Georg Simmel, Heinrich Herkner eWerner Sombart. Segundo o biógrafo Dirk Käsler(1988, p. 15), foi nesse período que ele se definiupela primeira vez como “sociólogo”. Afastado daslides docentes havia seis anos, foi também no ano de1909 que Weber achou de aceitar o convite de PaulSiebeck para assumir como editor principal umprojeto editorial de grande envergadura e execu-ção complexa.

A idéia que presidia ao projeto do editor PaulSiebeck era a de ocupar com algo similar, tão volu-moso quanto, porém melhor e mais atual, o lugarocupado desde 1882 pelo Handbuch der politischenÖkonomie [Manual de economia política], obra em cincovolumes muito usada para fins pedagógicos, porémbastante desgastada já. O nome inicialmente pensa-do para a nova coletânea era o mesmo da anterior,Handbuch der politischen Ökonomie, logo mudado paraGrundriss der Sozialökonomik [Elementos de economia so-cial] por sugestão do próprio Weber. A ele caberiadirigir como editor principal a organização da novacoletânea, igualmente gigantesca, pensada para cincovolumes tal como a antiga, divididos em seções com-postas de capítulos cada um redigido por um co-autor escolhido a critério do editor principal. Weberficaria com pelo menos um dos capítulos.

Quando Weber embarca na ousadia dessaaventura editorial, já estava pronto na editora umplano geral dos temas a abordar. O que ele faz?Espera alguns meses e, em maio de 1910, aparececom um plano inteiramente novo para a totalida-de da coletânea (doravante referida aqui comoGrundriss). Importante: o conteúdo desse primeirosumário esboçado por Weber e denominadoStoffverteilungsplan [Plano de distribuição das maté-rias] só foi divulgado recentemente, em 1986, noúltimo livro escrito por Johannes Winckelmann(1986, pp. 150-155).

No primeiro sumário de Weber constava umtítulo, “Wirtschaft und Gesellschaft” [“Economia e

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5445

Page 6: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 23 No. 6846

Sociedade”], por enquanto apenas como título decapítulo: o Capítulo IV da Seção III do Livro Pri-meiro, justamente aquele que o próprio Weber de-cidira que seria a sua contribuição para o Grundriss.Considero importante destacar aqui todos os lan-ces relativos à questão do nome “Economia e socie-dade”, questão sobre a qual Gabriel Cohn, na apre-sentação da edição brasileira de EeS, escreveu o se-guinte em 1991:

Uma única referência já poderá indicar quão vasta é amatéria para debate, no caso. É que seu próprio títuloestá sujeito a dúvidas bastante plausíveis, que remetemà primeira das mencionadas dificuldades de tradução.Ocorre que o termo “sociedade” [Gesellschaft] não ex-prime conceito central na terminologia weberiana, naqual é substituído nos momentos decisivos por umaexpressão que designa mais propriamente as relaçõesinterindividuais constitutivas da sociedade do que estacomo rede de relações já dada (cf. EeS I, p. xiii).

Pessoalmente quero crer que as dúvidas queem 2008 ainda possam pairar sobre a justeza ounão, de índole teórica ou não, de cunho biográficoou não, deste que se tornou por decisão deWinckelmann em 1956 o nome principal da “gran-de Sociologia” de Weber, elas não podem maisincidir, como antes incidiam, sobre a facticidade bio-gráfica de sua autoria por Weber. O que não impe-de, longe disso, que a controvérsia possa e mereçaprosseguir quando o que estiver em jogo for o sig-nificado genuinamente weberiano (e não mais a auto-ria efetivamente weberiana) de um título como esse,posto sob suspeita sempre que se focaliza o fatode seu enunciado, tal como está, aventar a relaçãoentre duas entidades abstratas, expressas por doistermos tão sociologicamente gerais como “econo-mia” e “sociedade”. O fato novo trazido pelas des-cobertas feitas pela recente “arqueologia” das obrasde Weber acionada no âmbito do megaprojetoMWG, encerra assim uma parte importante da dis-cussão: a formulação duplamente abstrata do títu-lo do Capítulo IV da Seção III veio mesmo dapena de Weber. Ela consta do primeiro sumárioque ele esboçou para o Grundriss em 1910.

E tem mais. Conforme se verá logo a seguir,a autoria do enunciado desse abstrato binômio épelo menos duas vezes de Max Weber. De título de ca-pítulo que havia sido no sumário de 1910, em 1914passou a ser, com a anuência de Weber, o título detoda a Seção C do segundo sumário. Isso explica

por que vai figurar postumamente na capa das edi-ções organizadas por Marianne como título da Se-ção III, isto é, da contribuição assinada por Weberao Grundriss der Sozialökonomik, designação esta quese preservou na capa como título principal (verabaixo reprodução da capa). Somente na quartaedição de 1956 Economia e sociedade entrará comotítulo principal da “obra principal” de Max Weber.

Passemos agora uma vista de olhos pelo su-mário de 1910, parcialmente transcrito a seguir:

Sumário de 1910

Livro Primeiro. Economia e ciência econômica[Wirtschaft und Wirtschaftswissenschaft]Seção III. Economia, natureza e sociedade [Wirtschaft,Natur und Gesellschaft][. . .]Cap. 4º. Economia e sociedade [Wirtschaft und Gesell-schaft] – Max Webera) Economia e direito [Wirtschaft und Recht]

1. Relação de princípio [prinzipielles Verhältnis]2. Épocas no desenvolvimento da situação hodierna[Epochen der Entwicklung des heutigen Zustands]

b) A economia e os grupos sociais: grupo familiar ecomuna; estamentos e classes; Estado [Wirtschaft undsoziale Gruppen: Familien- und Gemeindeverband; Ständeund Klassen; Staat]c) Economia e cultura (crítica do materialismo histó-rico) [Wirtschaft und Kultur (Kritik des historischesMaterialismus)]

Dá para ver claramente que o primeiro su-mário tem dicção econômica. Não esquecer, apropósito, que o nome escolhido para a coletâneapropunha precisamente ensinar “Elementos de Eco-nomia Social”. No esquema que concebeu, Weberparece querer frisar em grossas pinceladas que aproposta era mesmo a de mostrar com quantasrelações não-econômicas se faz uma “economia social”.Não haverá de ser por nada que o conteúdo alocadosob o intertítulo “Economia e sociedade” aparecedividido em três grandes conjuntos temáticos pon-do em relação a economia com outras ordens devida não-econômicas: a) Economia e direito; b) Eco-nomia e os grupos sociais; c) Economia e cultura.

Ocorre que o início da publicação do Grundrissacabou sendo adiado, e isso aconteceria mais de umavez devido a uma série de circunstâncias: atrasoscrônicos na confecção dos textos (inclusive da par-te de Weber), expansão do conteúdo de algumascontribuições (incluídas aí as do próprio Weber) etc.

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5446

Page 7: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

ECONOMIA E SOCIEDADE: ÚLTIMOS ACHADOS. . . 47

A confecção da grande coletânea com base no pri-meiro esquema ia ficando cada vez mais problemá-tica. Diante de tantos e repetidos atrasos, ao invésde desistir do Grundriss de uma vez, Weber e o edi-tor Siebeck depois de algum tempo concordaramem partir para um novo plano geral de conteúdos.

Em março de 1914 Siebeck apresentou-lheum novo sumário com a distribuição de temas eautores. Para fins de comparação imediata, aindaque não sinóptica, confira-se abaixo o novo sumáriode 1914 com as especificações temáticas da SeçãoC, a qual, como se sabe, tocava a Weber redigir:

Sumário de 1914

Seção C: Economia e Sociedade [Wirtschaft undGesellschaft]

I. A economia e as ordens e poderes sociais [DieWirtschaft und die gesellschaftlichen Ordnungen und Mächte]– Max Weber1. Categorias das ordens sociais [Kategorien der gesell-schaftlichen Ordnungen] – Economia e direito em sua rela-ção de princípio [Wirtschaft und Recht in ihrer prinzipiellenBeziehung] – Relações econômicas dos agrupamentosem geral [Wirtschaftlichen Beziehungen der Verbände imallgemeinen]2. Comunidade doméstica, oikos e empresa [Haus-gemeinschaft, Oikos und Betrieb]3. Associação de vizinhança, clã, comunidade local[Nachbarschaftsverband, Sippe, Gemeinde]4. Relações comunitárias étnicas [Ethnische Gemein-schaftsbeziehungen]5. Comunidades religiosas [Religiöse Gemeinschaften] –Condicionantes de classe das religiões [Klassenbedingheitder Religionen] – Grandes religiões e disposição econô-mica [Kulturreligionen und Wirtschaftsgesinnung]6. A comunitarização de mercado [Die Markt-vergemeinschaftung]7. A associação política [Der politische Verband] – Ascondições do desenvolvimento do direito. Grupos destatus, classes, partidos. A nação [Die Entwick-lungsbedingungen des Rechts. Stände, Klassen, Parteien. DieNation]8. A dominação [Die Herrschaft] –

(a) Os três tipos de dominação legítima [Die dreiTypen der legitimen Herrschaft](b) Dominação política e hierocrática [Politische undhierokratische Herrschaft](c) A dominação não-legítima: Tipologia das cida-des [Die nichtlegitime Herrschaft: Typologie der Städte](d) O desenvolvimento do Estado moderno [DieEntwicklung des modernen Staates](e) Os partidos políticos modernos [Die modernenpolitischen Parteien]

(GdS I, pp. x-xi).

Visivelmente, o novo plano de trabalho pro-posto por Siebeck foi todo calcado nos conceitosque Weber desenvolvera durante os três anos ante-riores. Evidência de que o período transcorridoentre 1910 e o final de 1913 representou na vida deWeber uma fase ultrafecunda de produção científi-ca – sobretudo no tocante à elaboração de novosdispositivos conceituais,13 os quais, além de já semostrarem afilados e apurados, parece que eramtambém convincentes, impressivos e virtualmentedisseminantes. Tudo indica que Weber deve ter gos-tado muito do novo plano. Mexeu nele só umpouquinho, aqui e ali.

E já que o trabalho começou a engrenar erender, o lançamento de estréia da coletâneaGrundriss pôde ser marcado para o verão de 1914,meados do ano. Foi quando veio à luz a edição doprimeiro dos volumes previstos,14 finalmente.

Mas aí, em pleno verão, explodiu a guerra, aGrande Guerra. E não saiu nem sairia mais nenhumvolume da coletânea. Em compensação, seu títuloGrundriss der Sozialökonomik ganharia anos depoisinesperada sobrevida estampado como título prin-cipal da primeira edição, póstuma, da alegada “obraprincipal” de Weber. Para se constatar o status aindarelativamente secundário do título Economia e socie-dade nas edições organizadas por Marianne, vale apena conferir a capa da terceira edição, de 1947(reimpressão da segunda, de 1925):

GRUNDRISSDERSOZIALÖKONOMIK

III. AbteilungWirtschaft und GesellschaftvonMAX WEBER

Dritte AuflageUnveränderter Nachdruck der zweiten, vermerhrtenAuflage

TÜBINGEN 1947VERLAG VON J.B.C. MOHR (PAUL SIEBECK)

Chamo a atenção para o aporte de outra no-vidade importante no sumário de 1914. Logo abai-xo do título da Seção C (“Economia e sociedade”)aparece, assinalada pelo algarismo romano I, umaespecificação de subtítulo, cuja designação se apre-

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5447

Page 8: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 23 No. 6848

senta em roupagem vocabular sociologicamentemenos genérica do que o binômio de feitio abstra-to que nomeia a Seção. O subtítulo de conteúdosociológico mais explícito e específico diz: “A eco-nomia e as ordens e poderes sociais” [“Die Wirtschaftund die gesellschaftlichen Ordnungen und Mächte”]. Se bemo interpreto, eu o traduziria assim: “A economiaem suas relações com as ordens societais e os pode-res sociais”.15 Deve ser por causa dessa sua formu-lação mais especificamente sociológica que, desde1998, Wolfgang Schluchter (1998) passou a defen-der a proposta de que esse subtítulo entrasse nanova edição crítica de ES no lugar do título agoratradicional.

Não custa lembrar, por fim, que nas ediçõescorrentes a que temos tido acesso em várias lín-guas, calcadas todas no padrão fixado por Winckel-mann em 1956, a atual Segunda Parte de Economia esociedade intitula-se “A economia e as ordens e po-deres sociais” (EeS I, p. 207). Exceção notória é aedição norte-americana, de 1978, em que a Segun-da Parte surge denominada de uma forma que eudiria instigantemente reelaborada: “The economyand the arena of normative and de facto powers”(cf. E&S I, p. xi). Hoje, após a publicação do pri-meiro subvolume da nova versão de ES na MWG,pode-se constatar que o enunciado presumidamente“mais weberiano” que Schluchter lançou como can-didato a título geral da novíssima edição alemã nãochegou lá. O comitê editorial mudou muita coisana organização interna e na seqüência dos textos deES, mas lhe manteve o nome usual (como adiantese verá no item 4).

Jean-Pierre Grossein é um dos novos nomesde peritos em Weber na França atual. Para ele, nãoresta dúvida de que o segundo sumário representauma nítida inflexão teórica na busca de Weber porum teor sociológico mais intenso e mais consistentepara o seu trabalho (Grossein, 2005, pp. 690ss).Aspecto que, segundo ele, aflora de modo ainda maispronunciado quando o conteúdo do sumário de1914 se deixa iluminar pelos termos da carta queWeber escreveu ao seu editor em 30 de dezembrode 1913, declarando nada menos do que isto:

[. . .] elaborei uma teoria e uma apresentação sociológi-cas que formam um todo abrangente e põem em rela-ção todas as principais formas de comunidade com aeconomia: desde a família e a comunidade domésticaaté a “empresa”, o clã, a comunidade étnica, a religião(abrangendo todas as grandes religiões do mundo: uma

Sociologia das doutrinas de salvação e das várias éticasreligiosas – semelhante ao que Troeltsch fez, só quedesta vez para todas as religiões, e de forma bem maisconcisa); por fim, uma teoria sociológica geral do Esta-do e da dominação. Estou no direito de afirmar quenão existe ainda nada de equivalente, nem sequer al-gum “modelo” (Carta de Max Weber ao editor PaulSiebeck, 30.12.1913).16

O comentário que Schluchter faz do sumáriode 1914 à luz dessa carta iluminadora focaliza aí apresença de um duplo interesse de conhecimentono Weber dessa fase mais intensamente sociológi-ca: interesse pelas formas universais e pelas formas emdesenvolvimento dos grupos sociais, o que convergepara definir de modo mais assumido seu interessemaior pelo processo de racionalização da vida so-cial, que envolve a “societarização” [Vergesellschaftung]das “relações comunitárias” [Gemeinschaftsbeziehungen](cf. Schluchter, 1988).

Meses depois da carta de 30 de dezembro de1913 que, hoje como nunca antes, impressiona aquantos descobrem seus termos, Weber escreverianovamente ao editor em 21 de abril de 1914, comu-nicando-lhe que seu texto para o Grundriss aindairia demorar uns cinco meses para ficar pronto.“Meu manuscrito vai estar pronto em 15 de setem-bro, para podermos dar início à composição tipográ-fica.” Quando sobreveio a Grande Guerra em agostode 1914, era compreensível que o primeiro manus-crito, aí prometido para setembro, não estivessepronto. O prazo não havia expirado ainda, mas. . .

O certo é que a coisa estacionou de vez.Durante a Guerra Mundial de 1914-1918, Weberparou de trabalhar em sua contribuição para oGrundriss.17 Só foi retomá-la em 1919 e, mesmoassim, recomeçando tudo surpreendentemente deum novo começo. Partiu para a composição de umtexto puramente categorial de Sociologia, muitomais formal e sistemático do que histórico-subs-tantivo, bem o contrário do que havia feito noprimeiro manuscrito interrompido em 1914, con-siderado “mais sociológico”. Ele parecia de talmodo decidido a uma reformulação radical doaparato conceitual que empregara nas etapas ante-riores de sua produção, de tal forma determinadoa colocar numa formulação rigorosamente siste-mática um novo dispositivo de conceitos socioló-gicos, que, já no ano seguinte, estava pronto o novotrabalho. Foi ele mesmo que o entregou para im-pressão, chegando a corrigir-lhe as provas antes que

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5448

Page 9: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

ECONOMIA E SOCIEDADE: ÚLTIMOS ACHADOS. . . 49

uma morte prematura inesperadamente o apanhas-se em junho de 1920.

A contribuição de Weber para o Grundriss tinhaagora, na primavera de 1920, um conteúdo e umaforma totalmente outros, que não estavam previs-tos em nenhum dos planos editoriais anteriores.Agora já se tinha na gráfica um original pronto, deconteúdo novo, antes, novíssimo, cada capítulo cen-trado exclusivamente na definição e na explanaçãodos “conceitos sociológicos básicos” (Cap. I), das“categorias sociológicas básicas da atividade eco-nômica” (Cap. II), dos “tipos de dominação” (Cap.III), dos “estamentos e classes” (Cap. IV). Em qua-tro capítulos, um verdadeiro tratado compacto de“Sociologia abstrata”, teria comentado sua mulher.

Esse novíssimo trabalho de Sociologia siste-mática, escrito em 1919-1920, será a Primeira Partede Economia e sociedade nas edições póstumas que aviúva organizou e nas posteriores edições prepara-das por Winckelmann. Para acompanhar essa “Pri-meira Parte”, Marianne houve por bem juntar-lheuma “Segunda Parte”, que ela mesma terminou demontar reunindo os primeiros manuscritos redigidospelo marido entre 1909 e 1914 e mais outros que lhepareceram condizentes à contribuição de Weber aoprojeto Grundriss. Um todo unitário em duas par-tes era a resultante que se pretendia. Para esse “todoem duas partes” manteve-se o título do Grundrisscom a indicação explícita de que o conjunto consti-tuía sua III Seção, chamada Economia e sociedade.

Foi assim que apareceu em 1922 a “primeiraedição” de Wirtschaft und Gesellschaft. Comentáriotranchã de Jean-Pierre Grossein:

Marianne fez a hipótese de que os manuscritos póstumosdestinados ao Grundriss representavam análises socio-lógicas específicas que aplicavam – miraculosamenteavant la lettre, eu acrescentaria – o aparato teórico ela-borado por Weber em 1919-1920, ou seja, sua “Pri-meira Parte”. J. Winckelmann, em suas edições de 1956e 1972, [. . .] manteve o principal parti-pris editorial deMarianne. Acontece que essa hipótese estava errada: osdispositivos conceituais não são de modo algum os mes-mos nas duas “partes” (Grossein, 2005, pp. 692-693).

Não há mais espaço para esticar essa discus-são. Só cabe, no máximo, mais este comentário deMommsen, que vale a pena ler, e é forte:

Para serem entendidas corretamente, as edições alemãsdisponíveis, as duas de Marianne Weber e as duas de J.Winckelmann e também a edição inglesa organizada

por Guenther Roth (que de certo modo é a melhordelas) têm que ser lidas de trás para frente, feito umlivro chinês. Os quatro primeiros capítulos, que trazemos chamados “conceitos sociológicos básicos”, foramescritos em 1919-1920 e entregues para publicação pelopróprio Weber pouco antes de sua morte prematura.Os outros segmentos, escritos na maior parte entre 1909e 1914, foram publicados postumamente por MarianneWeber com base nos manuscritos que ela encontrou naescrivaninha dele. [. . .] É óbvio que Marianne Weberestava errada em sua suposição de que a antiga Seçãochamada de Economia e Sociedade, que ela montou a partirdos textos de Weber, fosse parte integrante de um únicoprojeto inclusivo (Mommsen, 2000, pp. 364-365).

Novíssima edição alemã: o megaprojeto MWG

Mommsen passou seus últimos anos de vidacomo membro da comissão de peritos responsá-vel pela organização da nova edição completa dosescritos de Weber, o megaprojeto editorial deno-minado Max Weber-Gesamtausgabe (MWG) [MaxWeber-Edição completa] (cf. Poggi, 1986). Juntocom ele, participaram do primeiro comitê editorialdesse ambicioso projeto ainda hoje in progress, figu-rões da academia alemã do porte de WolfgangSchluchter, Horst Baier, M. Rainer Lepsius, GangolfHübinger e Johannes Winckelmann, este último tam-bém já falecido. Peritos em Weber todos eles.

Quando Mommsen publicou em 2000 o arti-go supracitado em que aponta o “erro” de Marian-ne, havia terminado de organizar um dos subvo-lumes da nova edição crítica de Economia e sociedade,o subvolume 1, que sairia no ano seguinte comosubdivisão do volume I/22 (ver listagem abaixo).Cumprira sua tarefa convencido de que a estratégiaeditorial principal adotada por Marianne Weberpara as edições que ela organizou padecia de um“erro” estrutural e estruturante.

Para os que acompanham tanto a progressãoregular da publicação de volumes produzidos nobojo dessa magnífica aventura editorial patrocina-da pela Academia de Ciências da Baviera, como osdebates públicos que costumam anteceder a cadanovo lançamento, era de esperar que a nova ediçãode Economia e sociedade, prevista para começar a sairno ano 2000, incorporasse na organização da edi-ção a única conclusão prática que se impunha semdiscordâncias: corrigir o erro.

Dito e feito. Na atual edição crítica alemã, ESsurge literalmente decomposta em dois volumes.

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5449

Page 10: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 23 No. 6850

Dois volumes não apenas separados (MWGI/22 e I/23), mas também heterogêneos, destituídosda antiga “unidade ilusória” (Chazel, 2005, p. 642)e realinhados na ordem cronológica de redação dosoriginais. Inverte-se com isso aquele arranjo de “li-vro chinês” que lhe dera Marianne, inversão queWinckelmann só fez reproduzir. Da heterogeneidadede seus conteúdos e de suas datas, os subtítulos quese seguem dão conta ao grande título comumWirtschaft und Gesellschaft. O volume I/22, que reú-ne os manuscritos redigidos entre 1909 e 1914,intitula-se Wirtschaft und Gesellschaft. Die Wirtschaft unddie gesellschaftlichen Ordungen und Mächte. Nachlass [Eco-nomia e sociedade. A economia e as ordens e poderes sociais.Espólio]. O tomo I/23 chama-se Wirtschaft undGesellschaft. Soziologie. Unvollendet 1919-1920 [Econo-mia e sociedade. Sociologia. Inacabado 1919-1920]. Con-fira-se a lista dos volumes e subvolumes a seguir.

Volumes e subvolumes da MWG contendo Econo-mia e sociedade

Volume I/22: Wirtschaft und Gesellschaft. DieWirtschaft und die gesellschaftlichen Ordnungen undMächte. Nachlass [Economia e sociedade: a economia e asordens e poderes sociais. Espólio]

Subvolume 1: Gemeinschaften [Comunidades] 2001Subvolume 2: Religiöse Gemeinschaften [Comunidadesreligiosas] 2005Subvolume 3: Recht [Direito] 2006Subvolume 4: Herrschaft [Dominação] 2005Subvolume 5: Die Stadt [A cidade] 2000Subvolume 6: Materialien und Register [Materiais e ano-tações]

Volume I/23: Wirtschaft und Gesellschaft. Soziologie.Unvollendet 1919-1920 [Economia e sociedade. Sociolo-gia. Inacabado 1919-1920]

Os organizadores da MWG, ao que parece,enfrentaram muita fadiga para deslindar tamanhocruzamento de quebra-cabeças. Os resultados a quechegaram nos textos já publicados de Economia esociedade em nova edição alemã (começando em 2000com o subvolume 5 sobre A cidade) mostram quemuitas das eternas questões relativas à obra deWeber ficam mais fáceis de responder satisfatoria-mente quando se pode fazer com maior segurançadocumental uma análise da história dos seus textos,vale dizer, uma arqueologia de cada obra individual-mente. E isso a MWG vem tornando possível acada novo lançamento.

Notas

Excluindo-se, claro, o aparato de notas de rodapé,que praticamente duplica o número de páginas doconteúdo principal.Cf. Camic et al. (2005, pp. 1 e 24), onde apareceindicado o site da Internet com os resultados dosurvey: http://www.ucm.es/info/isa/books. Vertambém Mommsen (2000, p. 364).Ver a nova edição brasileira pela Companhia dasLetras, 2004, comemorativa do centenário da pri-meira edição em 1904-1905 (Weber, 2004).Com a assistência de Melchior Palyi, antigo alunode Weber.Palavra que por sinal aparece, é só reparar, no subtí-tulo de um dos volumes da nova edição de ES pelaMWG, o vol. I/22 (Cf. adiante item 4).O assunto será retomado no item 4 deste artigo.O artigo de Schluchter, revisado depois de discuti-do no âmbito do projeto MWG, está publicado emSchluchter (1988).Adiante veremos que, em sua novíssima edição ale-mã deste início de século, ES aparece, não compostade duas partes, mas decomposta em duas partes.Possuo um exemplar da 3ª edição, herança do Prof.Cândido Procopio Ferreira de Camargo.Johannes Winckelmann (1919-1985), sociólogo ejurista, foi professor da Universidade de Munique.Era um weberiano de coração. Sentia orgulho, cos-tumava dizer, em se ver als Schüler (“como um dis-cípulo”) de Weber. Tendo já se destacado comoorganizador de uma nova edição, em 1951, da cole-tânea dos escritos de Weber sobre metodologia cien-tífica – Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre(cf. WL) – a partir daí acabou dedicando o resto deseus dias ao trabalho de curador, divulgador epromoter da obra do venerado mestre.Foi só a partir de 1964, data da segunda ediçãomexicana de Economía y sociedad (EyS) – a primeiraedição é de 1944, pioneira entre todas as traduções –, que o texto desse prefácio de Winckelmann ficoumais acessível aos leitores brasileiros em espanhol.Em português, só em 1991, na tradução brasileirada Editora Universidade de Brasília.O caso mais flagrante de recorta-e-cola é o da “Soci-ologia do Estado” [Staatssoziologie], quecorresponde à Seção 8 do Cap. IX (“Sociologia dadominação”) da Segunda Parte de Economia e socie-

1

2

3

4

5

6 7

8

9

10

11

12

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5450

Page 11: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

ECONOMIA E SOCIEDADE: ÚLTIMOS ACHADOS. . . 51

dade no formato padrão produzido porWinckelmann (cf. EeS II, pp. 517-580; WuG, pp.815-868).Haja vista o ensaio “Uber einige Kategorien derverstehenden Soziologie” [“Sobre algumas catego-rias da Sociologia compreensiva”], publicado em1913 na revista Logos (em WL, pp. 427-474).Abaixo do título Grundriss der Sozialökonomik, tra-zia o nome de Max Weber como organizador (cf.GdS, 1914).Como se pode ver, dificuldades e divergências natradução sempre haverá.Em MWG II/8, pp. 449-450.Abandonou-o para se dedicar a outro projeto, igual-mente vasto, de Sociologia da Religião, denomina-do “A ética econômica das religiões mundiais”.

BIBLIOGRAFIA

CAMIC, Charles; GORSKI, Philip S. & TRUBEK,David M. (2005), Max Weber’s Economy andsociety: a critical companion. Stanford, StanfordUniversity Press.

CHAZEL, François & GROSSEIN, Jean-Pierre.(2005), “Présentation: lire Max Weber”. RevueFrançaise de Sociologie, 46 (4): 641-652, , octobre-décembre.

[E&S] WEBER, Max. (1968), Economy and society:an outline of interpretive sociology. Nova York,Bedminster Press, 2 vols.

[EeS] _________. (1991), Economia e sociedade: fun-damentos da sociologia compreensiva. Brasília, Edi-tora Universidade de Brasília, vol. I.

[EyS] _________. ([1944] 1964), Economía y sociedad:esbozo de sociología comprensiva. México, Fondode Cultura Económica, 2 vols.

[GdS]_________. (org.), (1914), Grundriss der Sozial-ökonomik. Tübingen, Mohr [Siebeck], vol. I.

GROSSEIN, Jean-Pierre (2005). De l’interprétationde quelques concepts wébériens. Revue Françaisede Sociologie, 46-4, octobre-décembre: pp. 685-721.

KÄSLER, Dirk. (1988), Max Weber : an introductionto his life and work. Chicago, The University ofChicago Press.

LICHTBLAU, Klaus. (2003), “Die beidenSoziologien von Max Weber”. Max WeberStudies, 3 (2): 233-238.

13

14

15

1617

MOMMSEN, Wolfgang J. (2000), “Max Weber’s‘grand sociology’: the origins and compositionof ‘Wirtschaft und Gesellschaft. Soziologie’”.History and Theory, 39 (3): 364-383 [reprodu-zido em Charles Camic, Philip S. Gorski eDavid M. Truber (orgs.). (2005), Max Weber’sEconomy and society: a critical companion,Stanford, Stanford University Press, pp. 70-97.

PIERUCCI, Antônio Flávio. (2003), O desencanta-mento do mundo: todos os passos do conceito em MaxWeber. São Paulo, Editora 34.

POGGI, Gianfranco. (1986), “Max Weber: a mo-numental edition in the making”. British Journalof Sociology, 37 (2): 297-303, June.

SCHLUCHTER, Wolfgang. (1988), “‘Wirtschaftund Gesellschaft’: Das Ende eines Mythos”,in _________, Religion und Lebensführung, Frank-furt, Suhrkamp, vol. 2, pp. 597-634 [trad. ingl.:“‘Economy and society’: the end of a myth”,Rationalism, religion, and domination: a Weberianperspective, Berkeley, University of CaliforniaPress, pp. 433-463, 1989].

_________. (1998), “Max Webers Beitrag zum‘Grundriss der Sozialökonomik’: Editions-probleme und Editionsstrategien”. Kölner Zeit-schrift für Soziologie und Sozialpsychologie, 50 (2):pp. 327-343.

TENBRUCK, Friedrich H. (1975), “Das Werk MaxWebers”. Kölner Zeitschrift für Soziologie undSozialpsychologie, 27 (4): 663-702, Dec. [Trad.ingl.: “The problem of thematic unity in thework of Max Weber”. British Journal ofSociology, 31 (3): 313-351, Sept., 1980].

TENBRUCK, Friedrich H. (1977), “Abschied vonWirtschaft und Gesellschaft”. Zeitschrift für diegesamte Staatswissenschaft, 133: 703-736.

[WL] WEBER, Max. ([1922] 1988), GesammelteAufsätze zur Wissenschaftslehre. Tübingen, Mohr[Siebeck].

[WuG] _________. ([1922] 1985), Wirtschaft undGesellschaft: Grundriss der verstehenden Soziologie(Reimpressão da 5 ed. revista por JohannesWinckelmann). Tübingen, Mohr [Siebeck].

WINCKELMANN, Johannes. (1986), Max Webershinterlassenes Hauptwerk: Entstehung undgedanklicher Aufbau. Tübingen, Mohr [Siebeck].

04 rbcs 68 pierucci.p65 10/10/2008, 16:5451

Page 12: ECONOMIA E SOCIEDADE ÚLTIMOS ACHADOS SOBRE A … · DE MAX WEBER Antônio Flávio Pierucci Habent sua fata libelli. [Os livros têm lá os seus fados.] Verso latino do século III

RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS 191

RBCS Vol. 23 n.o 68 outubro/2008

ECONOMIA E SOCIEDADE:ÚLTIMOS ACHADOS SOBREA “GRANDE OBRA”DE MAX WEBER

Antônio Flávio Pierucci

Palavras-chave: Max Weber; Obraprincipal; Economia e Sociedade; Novacomposição

Com a nova edição de Economia e socieda-de no quadro da Max Weber-Gesamtausgabe(MWG), repuseram-se algumas questõesobjetivas que remontam aos inícios deuma longa história de controvérsias. Aprincipal delas é se os textos juntadosdebaixo desse título formam de fato umaobra unitária, melhor dizendo, coerente-mente unitária. Como corolário inevitáveldessa dúvida crítica, recolocou-se tam-bém a questão de saber se uma obra comtal composição de textos, à base de origi-nais com datas tão diferentes e espaçadasumas das outras, pode continuar a servista como “a obra principal” de Weber.

ECONOMY AND SOCIETY:THE LAST FINDINGS ABOUTTHE “GREAT WORK”OF MAX WEBER

Antônio Flávio Pierucci

Keywords: Max Weber; Major work;Economy and Society; New composition

With the new issue of Economy and societyin the listings of Max Weber-Gesamt-ausgabe (MWG), some objective questionsdating back to its controversial begin-nings have arisen, the principal one beingwhether the essays gathered under thistitle form in fact a unitary work, that is,a coherently unitary one. As an inevitablecorollary of such critical uncertainty, ithas been equally questioned if a workwith this composition of texts, based onsuch differently dated and spacedoriginals, can still be seen as “the mainwork” of Weber.

ÉCONOMIE ET SOCIETÉ:DERNIÈRES DÉCOUVERTESSUR LA “GRANDE ŒUVRE”DE MAX WEBER

Antônio Flávio Pierucci

Mots-clés: Max Weber; Oeuvre capitale;Économie et société; Nouvelle com-position

Avec la nouvelle édition de Économie etsociété dans le cadre de la Max Weber-Gesamtausgabe (MWG), certaines ques-tions objectives, qui remontent aux dé-buts d’une longue histoire de controverses,se sont à nouveau posées. La principaled’entre elles consiste à savoir si les textesréunis sous ce titre forment, de fait, uneœuvre unitaire, ou mieux encore, uneœuvre d’une cohérence unitaire. Commecorollaire inévitable à ce doute critique,la question s’est également posée de sa-voir si une œuvre avec une telle compo-sition de textes, à base d’originaux dontles dates sont aussi différentes qu’espa-cées les unes des autres, peut continuer àêtre considéré comme “l’œuvre princi-pale” de Weber.