eco-mobilidade para o brasil – uma construção conjunta · de transporte e a promoção da...

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Divisão 44 Água, Energia, Transporte Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

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  • Divisão 44 Água, Energia, Transporte

    Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

  • i

    Autores: Adalberto Maluf Carlosfelipe Pardo Giselle Noceti Ammon Xavier Jonas Hagen Jonathan Gomez Juliana de Campos Silva Manfred Breithaupt Maria Ermelina Brosch Malatesta-Meli Telmo Terramoto Ton Daggers Vera Lucia Goncalves da Silva

    Editor: Deutsche Gesellschaft fürInternationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbHP. O. Box 518065726 Eschborn, Alemanhahttp://www.giz.dehttp://www.sutp.org

    Divisão 44 – Água, Energia, TransporteProjeto setorial “Assessoramento da Política de Transportes”

    Em nome de:Federal Ministry for Economic Cooperation and Development (BMZ)Division 313 – Water, Energy, Urban DevelopmentP. O. Box 12 03 2253045 Bonn, Germany

    Friedrich-Ebert-Allee 4053113 Bonn, Germanyhttp://www.bmz.de

    Gerente: Manfred Breithaupt

    Editores: Manfred Breithaupt, Carlosfelipe Pardo

    Foto da capa: Carlosfelipe Pardo

    Tradução: João Guilherme Lacerda. Revisão de Português: Iris Gallagher O GIZ não pode ser responsabilizado por esta tra-dução ou por quaisquer erros, omissões ou danos que surgirem de seu uso.

    Layout: Klaus Neumann, SDS, G.C.

    Eschborn, novembro de 2011

    Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

    Direitos autoraisEsta publicação pode ser reproduzida no todo ou em parte em qualquer formato para pro-pósitos educacionais ou não lucrativos sem a permissão especial do detentor dos direitos autorais, desde que seja citada a fonte. O GIZ gostaria de receber uma cópia de qualquer publicação que usa esta publicação como fonte. Esta publicação não pode ser utilizada para revenda ou para qualquer outro uso comercial.

    Aviso legal

    As análises, interpretações e conclusões expres-sas neste documento são baseadas em infor-mações recolhidas por GIZ e seus consultores, parceiros e colaboradores de fontes confiáveis. No entanto, o GIZ não garante a exatidão ou plenitude das informações neste documento, e não pode ser responsável por quaisquer erros, omissões ou danos que surgirem de seu uso.

    http://www.giz.dehttp://www.sutp.orghttp://www.bmz.de

  • Adalberto Maluf é Diretor Adalberto Maluf é Diretor da Clinton Climate Initiative (parte da Fundação Clinton) e da rede de Cidades C40 (Cities Climate Leadership Group) em São Paulo. Bacharel em Relações Internacionais e mestrando pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP), Adalberto trabalha com temas e projetos relacionados à mitigação das mudanças climáticas e políticas públicas no nível subnacional, com foco em energia, sustentabilidade e mobilidade urbana.

    Carlosfelipe Pardo é colombiano, psicólogo, com um MSc em Urbanismo Contemporâneo da London School of Economics. Ele trabalha em questões de transporte do ponto de vista organizacional, legal e político, em diversos projetos em seu país e em outros. Entre 2005-2009, ele coordenou o Projeto de Transporte Urbano Sustentável do GTZ e foi, depois, diretor do ITDP na Colômbia. Ele fez parte do desenvolvimento de documentos e tópicos dos cursos de Transporte Urbano Sustentável na Ásia, América Latina e África. Escreveu artigos e editou vários documentos sobre transporte urbano e um manual para desenvolvimento de políticas inclusivas de bicicletas.

    Giselle Noceti Ammon Xavier é medica, Doutora em Ciencias Humanas, professora da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, onde desenvolve o grupo CICLOBRASIL www.udesc.br/ciclo – Extensão e Pesquisa sobre a Mobilidade por bicicleta. Fundadora e diretora da VIACICLO – Associacao dos Ciclousuarios da Grande Florianopolis www.viaciclo.org.br. Ex-representante brasileira dos programas coordenados pela Interface for Cycling Expertise www.cycling.nl.

    Jonas Hagen é formado em urbanismo pelo Hunter College da Universidade da Cidade de Nova York, e desde 2003 trabalha em projetos de transporte e urbanismo sustentável, com experiências em Bogotá, Montevideo, Nova York, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, e outras cidades brasileiras. De 2007 a 2011, ele trabalhou com o ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento) no Brasil, e hoje ele trabalha como consultor independente.

    Jonathan Gomez tem MA em Economia de Transporte pelo Institute for Transport Studies (ITS), Universidade de Leeds, RU. Ele trabalha como consultor júnior em política de transporte para o German International Cooperation (GIZ), onde está envolvido em vários projetos de transporte sustentável. Ele fala fluentemente espanhol, inglês, alemão e italiano.

    SOBRE OS AUTORES

    ii

    http://www.udesc.br/ciclohttp://www.viaciclo.org.brhttp://www.cycling.nl

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    Juliana de Campos Silva é designer e ciclista residente em São Paulo, Brasil. As cidades e a mobilidade urbana são os principais temas de suas pesquisas e projetos autorais. Atualmente trabalha como designer gráfica, assistente de arte e coordenadora de projetos de publicações.

    Manfred Breithaupt concluiu seu mestrado em Economia em 1975. Depois de trabalhar como economista na área de transporte para uma empresa de consultoria alemã na Europa, África e Ásia, ele se juntou ao GTZ em 1981 onde, desde então, presta serviços como consultor sênior em Transporte. Sua experiência abrange planejamento de transporte política e reestruturação do setor de transporte, assistência técnica em modos específicos (incluindo transporte urbano) e privatização e comercialização. Ele também trabalha como professor assistente de planejamento e política de transporte.

    Maria Ermelina Brosch Malatesta-Meli Nascia em São Paulo, em 21 de janeiro de 1954; Graduada em arquitetura e urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestra em Transporte a Pé pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; Doutoranda em Transporte Não Motorizado pela Faculdade de Arquitetura e Urba-nismo da Universidade de São Paulo; Trabalha há 31 anos na Companhia de Engenharia de Tráfego da Secretaria Municipal de Transportes da Cidade de São Paulo, se especializando em Transporte a Pé e Transporte por Bicicleta – coordenou o Departamento de Estudos de Pedestres por 12 anos e atualmente coordena o Departamento de Planejamento Cicloviário.

    Telmo Terramoto é Diretor Presidente da associação sem fins lucrativos Organização ACESSO, que trabalha com desenvolvimento social e cidadania através de projetos que envolvam transporte não motorizado. Graduação em Engenharia Mecânica pela UNICAMP e Mestrado em Engenharia Urbana pela UFSCar com tema de pesquisa Planejamento de Transporte Cicloviário Urbano. Visitas técnicas, para aprimoramento de planejamento cicloviário, ao Canadá, Colômbia, EUA e Japão. Extensa experiência com o uso da bicicleta como modo de transporte, assim como do transporte coletivo, desde 1982, em diversas cidades da América do Sul e do Norte por onde residiu.

    Ton Daggers trabalha, há mais de 20 anos como consultor independente. Ele atua, através de sua própria empresa, em todo o mundo, promovendo a bicicleta como meio de transporte. Ele também é membro da diretoria da MOVILIZATION, uma rede mundial de cidades e amigos. Atualmente, ele está envolvido em projetos de promoção de bicicletas de carga nas cidades (Cyclelogistics) e na promoção de bicicletas elétricas (GoPedelec). Como parceiro, ele está envolvido em um programa para cidades da Europa Oriental para treinar decisores municipais a incluir a bicicleta em suas políticas de trânsito e transporte.

    Vera Lucia Goncalves da Silva é Arquiteta, Diretora de Planejamento do Instituto de Planejamento Urbano de Florianopolis http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/ipuf – Prefeitura Municipal de Florianopolis. Responsavel pelo planejamento cicloviario da cidade. Participa da Fundação Movilization www.movilization.org.

    http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/ipufhttp://www.movilization.org

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    Conteúdo

    SOBRE OS AUTORES ii

    1. Prefácio: A mobilidade urbana e a eco-mobilidade no Brasil 1

    2. Prefácio GIZ: A importância da eco-mobilidade no Brasil 2

    3. Introdução: Transporte urbano e o potencial para a eco-mobilidade no Brasil 33.1 Dados sobre o transporte 33.2 Intensidade de carbono do setor de transportes, instituições

    relacionadas ao transporte, demandas e recursos 63.3 Quadro político do transporte urbano 83.4 Organizações internacionais que atuam

    no Brasil em questões relacionadas ao transporte 14

    4. Eco-mobilidade: Conceitos principais 164.1 Questões dos pedestres 164.2 Infra-estruturas viárias para tráfego de bicicletas 224.3 Planejar pela bicicleta no Brasil 294.4 Transporte público no Brasil 404.5 Integração – A Importância dos Bicicletários:

    ASCOBIKE um exemplo que deu certo 514.6 Gerenciamento da demanda

    de transporte e a promoção da ecomobilidade 56

    5. Melhores práticas no mundo 645.1 Europa – o caso do Groningen na Holanda 645.2 Ásia – Seul,

    uma transformação de espaços públicos e de ecomobilidade 695.3 A experiência de Bogotá na promoção da eco-mobilidade 735.4 Um exemplo de eco-mobilidade no Brasil:

    vA inclusão da bicicleta em Florianópolis 805.5 Um exemplo da ação das organizações da sociedade civil:

    Sustran LAC 86

    6. Conclusões: O futuro da eco-mobilidade no Brasil 89

    7. Referências 90

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    Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

    A mobilidade urbana e a eco-mobilidade no Brasil

    O Governo Brasileiro, por intermédio do Ministério das Cidades, está investindo no desenvolvimento do urbanismo sustentável.Como conseqüência natural, objetivamos a melhoria da mobilidade urbana e da acessibilidade nos nossos 5.565 municípios, contribuindo, assim, para a melhoria da qualidade de vida dos nossos munícipes, apoiando investimentos ambientalmente defensáveis, que permitam a melhoria da eficiência dos nossos sistemas de transporte, integrando os diversos modais e reduzindo os tempos de viagens.A Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana – SeMOB, braço técnico estratégico do Ministério das Cidades, foi instituída com o objetivo de formular e implementar a política de mobilidade urbana sus-tentável, entendida como “a reunião das políticas de transporte e de circu-lação, integrada com a política de desenvolvimento urbano, com a finalidade de proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, priorizando os modos de transporte coletivo e os não-motorizados, de forma segura, social-mente inclusiva e sustentável”.Parte desses esforços foi descrita neste documento, o qual eu estou feliz em apresentar como um instrumento que irá contribuir para o entendi-mento do porque precisamos da eco-mobilidade, seus componentes chave e alguns exemplos de como ela pode ser implementada – não só no Brasil mas no mundo todo. Este trabalho será, certamente, uma referência útil para os brasileiros que buscam entender não só as questões relacionadas ao transporte público, mas também ao transporte a pé e por bicicleta. Eu o recomendo e espero que possa contribuir para o planejamento dos nossos municípios e como referência acadêmica.

    Luiz Carlos Bueno de LimaSecretário Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana – Ministério das Cidades

    1Prefácio

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    Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

    A importância da eco-mobilidade no Brasil

    As emissões do setor de transporte aumentam rapidamente no Brasil, em especial nas cidades, conseqüência da maior motorização e dos con-gestionamentos. No ano de 2008, os transportes foram responsáveis por aproximadamente metade das emissões de dióxido de carbono (CO2) relacionado à energia. (Fonte: National Energy Balance – BEN, 2008).O transporte rodoviário é responsável por mais de 90% das emissões de todo o setor de transportes. O transporte urbano, que representa 58% do total, é quase que exclusivamente rodoviário (automóveis e ônibus). A crescente taxa de motorização em cidades já congestionadas acaba contri-buindo para a deterioração generalizada do sistema de transporte e toda sua infra-estrutura. O aumento dos congestionamentos implica maior perda de eficiência, mais consumo de combustíveis, piora da qualidade do ar e aumento das emissões de gases estufa. Por conta disso, prevê-se um aumento significativo das emissões do setor dos transportes nas pró-ximas décadas.O Brasil tem, portanto, um grande potencial, ainda inexplorado, para redirecionar as políticas públicas rumo a um transporte urbano mais sustentável. Com a adoção de novos conceitos de mobilidade e a implan-tação de novas diretrizes e projetos.O GIZ, com vários projetos no Brasil, tem trabalhado diversas iniciativas em relação às emissões através do seu programa de energia. Essas contri-buições têm sido reconhecidas como de grande valor para a melhoria das políticas públicas e dos projetos energéticos brasileiros.Esse documento visa prover os elementos necessários para qualificar a discussão acerca da eco-mobilidade no Brasil. Com base em exemplos de cidades nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, abordar diversos tópicos, a começar com uma introdução sobre a situação brasileira em relação ao transporte urbano.Escrito por pessoas-chave relacionadas à eco-mobilidade no Brasil e em outros países, cada um dos envolvidos deu sua valorosa contribuição em um processo que começou no final de 2008 e que tem sido parte do esforço fundamental para promover a eco-mobilidade no país.

    Manfred BreithauptConsultor Sênior para Transporte – GIZ

    2 Prefácio GIZ[*]

    [*] Ao longo de mais de 8 anos, o GIZ desenvolve seu Projeto de Transporte Urbano Sustentável (SUTP), já tendo produzido diversos documentos relacionados ao tema (intimamente ligados ao transporte de baixa emissão de carbono), realizado 80 cursos com mais de 3.500 participantes em diversos países em desen-volvimento (no Brasil inclusive), e além disso tem prestado auxílio a cidades na África, América Latina e Ásia sobre o tema do transporte sustentável.

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    Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

    Transporte urbano e o potencial para a eco-mobilidade no Brasil(Carlosfelipe Pardo, Manfred Breithaupt, GIZ)

    Este capítulo irá abordar a situação atual dos transportes no Brasil. Sobretudo, as instituições e iniciativas que promovem a eco-mobilidade no país e as medidas a serem implementadas. Também serão descritos alguns dos obstáculos possíveis na implementação de medidas em favor da eco-mobilidade, uma forma de iniciar o debate que será apresentado ao longo deste documento. As informações apresentadas a seguir são resultado de uma série de visitas ao Brasil por especialistas do GIZ, além de fontes bibliográficas mencionadas ao longo deste capítulo.

    3.1 Dados sobre o transporte

    Os dados sobre o transporte no Brasil não são tão completos e confiáveis quanto os obtidos em países desenvolvidos. Ainda assim, diversas insti-tuições colaboraram na compilação de uma série de indicadores consi-derados fundamentais para o entendimento da mobilidade no país. O levantamento mais completo foi feito pela Associação Nacional de Trans-portes Públicos (ANTP) e contém um conjunto de dados sobre diversos meios de transporte (não só o transporte público) e uma compilação de informações de diversas fontes. Houve outras fontes de referência, a maioria relacionada aos indicadores de cidades específicas, que comple-mentam o que foi apresentado aqui. Uma dessas fontes foi a Corporación Andina de Fomento (CAF), que tem um observatório sobre mobilidade urbana para a América Latina e incluiu São Paulo na lista de cidades estudadas, além de terem planos para a inclusão de outras cidades brasi-leiras no futuro (para mais informações, visite: http://omu.caf.com).Em relação especificamente ao tópico da eco-moblidade e o tema corre-lato do “transporte de baixa emissão de carbono”, um estudo do Banco Mundial feito em 2010 fornece informações preciosas sobre as medidas específicas para a adoção de parâmetros de “baixo carbono” ou de “eco-mobilidade” no transporte urbano.Alguns dos indicadores fundamentais sobre o transporte no Brasil estão nos gráficos e tabelas a seguir, adaptados ou copiados diretamente da ANTP (2009) [1].

    [1] Veja os dados completos em sua formatação original em: http://portal1.antp.net/site/simob/Lists/rltgrl09/rltgrlc.aspx?AspXPage=g%5FCF212D41810E4828AC7403CA5F0658A2:%2540%255Fx0069%255Fd1%3D2

    3 Introdução

    http://omu.caf.comhttp://portal1.antp.net/site/simob/Lists/rltgrl09/rltgrlc.aspx?AspXPage=g%5FCF212D41810E4828AC7403CA5F0658A2:%2540%255Fx0069%255Fd1%3D2http://portal1.antp.net/site/simob/Lists/rltgrl09/rltgrlc.aspx?AspXPage=g%5FCF212D41810E4828AC7403CA5F0658A2:%2540%255Fx0069%255Fd1%3D2http://portal1.antp.net/site/simob/Lists/rltgrl09/rltgrlc.aspx?AspXPage=g%5FCF212D41810E4828AC7403CA5F0658A2:%2540%255Fx0069%255Fd1%3D2

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    Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

    A Tabela 1 apresenta diferentes modos, viagens (em milhões) e o percentual de viagens que são feitas em cidades com mais de 60 mil habitantes. A Figura 1 apresenta os mesmos dados em forma de gráfico.

    Figura 1Viagens por ano, por

    modo principal (no detalhe a distribuição percentual dos modos

    de cada categoria).Adaptado de ANTP (2009), Relatório

    Tabela 1: Sistema, Viagens e Porcentagem de viagens em relação ao total. Adaptado de ANTP (2009), Relatório

    Sistema Viagens (milhões) Porcentagem

    Ônibus municipal 12.204 21,1%

    Ônibus metropolitano 2.755 4,8%

    Trilhos 2.065 3,6%

    Transporte Coletivo – Total 17.024 29,4%

    Auto 15.592 26,9%

    Moto 1.743 3,0%

    Transporte Individual – Total 17.335 30,0%

    Bicicleta 1.786 3,1%

    A pé 21.732 37,5%

    Não motorizado – Total 23.518 40,6%

    Total 57.877 100,0%

    Transporte Coletivo-Total

    17.024

    Transporte Individual-Total

    17.335

    Não Motorizado-Total

    23.518

    Viagens por ano,

    por modo principal (milhões)

    72%

    16%

    12%

    Transporte Coletivo-Total

    Ônibus municipal Ônibus metropolitano Trilhos

    90%

    10%

    Transporte Individual-Total

    Auto Moto

    8%

    92%

    Não Motorizado-Total

    Bicicleta A pé

    Nota-se que os transportes não-motorizados representam a maior fatia, com mais de 20 bilhões de viagens por ano. Uma realidade comum à maioria das cidades do mundo, já que a caminhada é o método usado em inúmeros deslocamentos. Esse número é fundamental para definir políti-cas públicas, como veremos no capítulo sobre pedestres.

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    Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

    Também é importante notar que o total de viagens motorizadas em transporte público e indi-vidual é praticamente idêntico. Por conta do crescimento econômico e da industrialização no Brasil, essa distribuição de viagens não é inesperada, mas é importante garantir que no futuro a fatia do transporte público continue a mesma ou aumente. A redução do uso do transporte público em cidades com índice de motorização crescente é um desafio a ser enfrentado o quanto antes.Um indicador relacionado, o índice de mobilidade (quantidade de viagens feitas por pessoa, por dia), está apresentado na Figura 2.

    Figura 2Índice de mobilidade em viagens por habitante, por dia (no detalhe a distribuição percentual dos modos de cada categoria).Adaptado de ANTP (2009), Relatório

    Transporte Coletivo-Total 0,47

    Transporte Individual-Total

    0,48

    Não Motorizado-Total 0,65

    Indice de mobilidade

    (viag/hab/dia)

    71%

    17%

    13%

    Transporte Coletivo-Total

    Ônibus municipal Ônibus metropolitano Trilhos

    90%

    10%

    Transporte Individual-Total

    Auto Moto

    8%

    92%

    Não Motorizado-Total

    Bicicleta A pé

    Total 1,59

    O gráfico mostra, mais uma vez, que os modos não motorizados representam a maioria das viagens. O índice geral de mobilidade é de 1,59 viagens por habitante por dia. Esse também é um fenômeno comum a muitas cidades de países em desenvolvimento, onde a mobilidade não é tão alta como, por exemplo, cidades européias ou norte-americanas, onde esse índice é maior do que 2. Muitas são as causas para esse número, uma delas é o fato de que muitas pessoas não saem de casa ou não realizam muitas viagens pendulares (casa, trabalho, casa, por exemplo), e sim viagens em seqüência que são contadas como uma única. Outro fator é a falta de acesso aos meios de transporte, e as dificuldades de mobilidade daí advindas, uma realidade nas cidades em desenvolvimento (e conseqüência da grande desigualdade). Já os cidadãos em regiões desen-volvidas economicamente têm mais acesso ao transporte público e privado, seja pela existência de políticas públicas de transporte adequadas, seja pelo maior poder de compra que implica na maior facilidade de acessar diversos meios de transporte, inclusive os particulares (automóveis e motocicletas, por exemplo).

    Em relação às emissões, o estudo do Banco Mundial de 2010 mostra que o setor de transporte “é pouco intensivo em carbono em comparação a outros países por conta do uso muito difun-dido do etanol como combustível veicular. Contudo, o setor de transportes representa mais da metade do consumo de combustíveis fósseis no país. Em 2008, as emissões do setor foram de 149 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, o que representa 12% das emis-sões brasileiras”, ou aproximadamente “51% das emissões diretas do setor em 2008”. Para o

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    Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

    Banco Mundial, os pontos chave a lidar são a motorização crescente, os congestionamentos e a falta da implantação de projetos de transporte de massa. Os problemas fundamentais a serem solucionados para a resolução desses problemas são a implantação de políticas públicas, a devida coordenação entre os diferentes atores chave e o financiamento para os sistemas de transporte de massa. Caso isto seja feito, o Banco Mundial estima que BRTs e outros projetos de transporte de massa possam reduzir as emissões em aproximadamente 26% até 2030 (World Bank, 2010, p. xxiv). De maneira geral, três medidas específicas sugeridas pelo estudo são fundamentais para a redução de emissões no setor de transporte urbano: sistemas de transporte de alta capacidade, implantação de um sistema de “gerenciamento da demanda de transporte” (em inglês, travel--demand management – TDM) e incentivos para o uso de meios de transporte não motorizados. Alguns exemplos serão apresentados nos próximos capítulos com cidades em regiões desenvolvi-das ou em desenvolvimento.

    A Figura 3 mostra uma projeção para o potencial de redução de emissões do setor de transporte de acordo com o estudo do Banco Mundial.

    Figura 3Potencial de redução

    de emissões do setor de transportes até 2030

    de acordo com o Banco Mundial (2010) (p. 92).

    140

    195

    250

    2008

    2009

    2010

    2011

    2012

    2013

    2014

    2015

    2016

    2017

    2018

    2019

    2020

    2021

    2022

    2023

    2024

    2025

    2026

    2027

    2028

    2029

    2030

    MtC

    O2e

    /yea

    r

    Low CarbonBicycleMetroRailways Passengers

    Increase of Ethanol compared to Reference ScenarioDemand Side ManagementBRTRailways freight

    3.2 Intensidade de carbono do setor de transportes, instituições relacionadas ao transporte, demandas e recursos

    O setor de transportes no Brasil é pouco intensivo em carbono em comparação a outros países graças ao uso disseminado do etanol como combustível veicular. Ainda assim, o setor de transportes é responsável por mais da metade do consumo brasileiro de combustíveis fósseis. Como mencionado no prefácio, as emissões brasileiras no setor de transportes estão crescendo rapidamente, especialmente no meio urbano, graças ao aumento da taxa de motorização e dos

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    Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

    congestionamentos. Em 2008 o setor de transportes foi responsável por mais da metade das emissões de dióxido de carbono relacionadas à energia.Reiterando uma idéia anterior, o transporte rodoviário é responsável por mais de 90% das emis-sões do setor de transportes. O transporte urbano, responsável por 58%, é quase exclusivamente rodoviário (automóvel ou ônibus). A acelerada motorização em cidades já congestionadas acaba por deteriorar ainda mais os sistemas de transporte e a infra-estrutura. São Paulo, por exemplo, sofre com o aumento anual de sua frota na ordem de 7,5% ao ano, com quase mil novos veículos emplacados a cada dia. Em 2008, a média de congestionamento no horário de pico na cidade ficou acima de 190 km. Congestionamentos tão intensos i causam grande perda de produtivi-dade, maior consumo de combustível, além do aumento da poluição atmosférica e das emissões de GEE. Por conta disso, espera-se um aumento das emissões advindas do setor de transportes para as próximas décadas. (BM, 2010).O Brasil tem diversos ministérios que estão direta ou indiretamente relacionados aos temas de transportes, desenvolvimento econômico de baixo carbono e o financiamento de infra-estrutura. Dependendo da região e do tipo de projeto a ser desenvolvido, uma instituição pode ser mais relevante do que outra na definição de políticas, projetos e métodos de implantação. O papel do governo federal em geral é o de definir políticas e prover financiamento (adicional) para projetos de larga escala.Desde 1998 (data de implementação do novo código de trânsito brasileiro), cabe ao departa-mento estadual ou municipal de transportes decidir as questões relativas ao transporte. O Con-selho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) definiu com preci-são a organização institucional brasileira no que diz respeito a setor de transportes:

    A responsabilidade institucional no setor de transportes no Brasil está espalhada entre as três esferas de governo – federal, estadual e municipal – de acordo com a infra--estrutura e o meio de transporte. O governo federal é responsável pelos aeroportos e portos, o sistema federal de ferrovias e rodovias (ainda que em parte esses sistemas tenham sido ou serão transferidos para governos estaduais); ele também é responsável pelo sistema de trens e ônibus interestaduais. Os governos estaduais são responsáveis pelas rodovias e ferrovias estaduais, ônibus intermunicipais e todo o transporte inter-municipal. Já a administração municipal controla o sistema de transporte público e o trânsito dentro do limite geográfico das cidades. (WBCSD, 2009, p. 27)

    Em relação aos ministérios responsáveis pelas políticas de desenvolvimento relacionadas ao transporte, foi criado em 2002 o Ministério das Cidades (em resposta a pressão de várias organi-zações não governamentais brasileiras). Uma vez mais o WBCSD resumiu a questão:

    O Ministério das Cidades foi criado para unir tudo o que diz respeito ao transporte público, trânsito, habitação e desenvolvimento urbano. O ministério recém formado criou a Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana e transferiu o Depar-tamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) do Ministério da Justiça para o Ministério das Cidades. (WBCSD, 2009, p. 28)

    É importante ressaltar que o Ministério das Cidades tem um papel definidor nas políticas públicas, mas não tem força suficiente para efetivamente implementar as suas políticas de trans-porte nas cidades. Como dito por um conselheiro no Ministério das Cidades, deve haver uma mudança significativa quando for promulgada a Lei da Mobilidade Urbana (PL 1687/2007), que especifica que as cidades devem redigir um plano de mobilidade urbana a ser aprovado pelo Ministério. Para que a legislação possa realmente ser eficaz, seria necessário adequar o texto da lei aos sistemas de financiamento federais, incentivando as cidades que optarem pelo transporte urbano sustentável, seja transporte de massa, melhorias no sistema de ônibus, transporte não motorizado, integração do transporte público, ou gestão da mobilidade (TDM). Esse é o cami-nho bem sucedido em muitos outros caminhos, inclusive na Índia. Lá foi criado um grande

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    Eco-Mobilidade para o Brasil – Uma Construção Conjunta

    sistema de financiamento dando apoio às cidades que elaborassem planos de mobilidade urbana sustentável de baixo carbono.

    No que se refere ao desenvolvimento de baixa intensidade em carbono, o Governo Federal defi-niu que as políticas públicas sobre o tema estão a cargo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT), que deverá liderar o caminho para as mudanças. Além disso, o MCT é o encarregado de produzir e enviar os dados necessários à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (em inglês, UNFCCC). Há ainda a Comissão Interministerial para a Mudança Global do Clima (http://www.mct.gov.br/clima) onde o Ministério das Cidades também tem um assento.

    3.3 Quadro político do transporte urbano

    3.3.1 Políticas de transporte urbano na esfera federal

    As responsabilidades e papéis dos principais atores nas três esferas de governo foram descritas no capítulo anterior. Quanto às políticas específicas adotadas, elas costumam variar de acordo com a cidade. Nessa seção iremos analisar as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, as maiores do país e onde mais dados se encontram disponíveis. Na esfera federal, o Ministério das Cidades tem grande interesse em promover o transporte público, especificamente através do incentivo aos ônibus movidos a gás natural e outras tecnologias (etanol, biodiesel, híbrido) nos sistemas de transporte público brasileiros. Há ainda o interesse no desenvolvimento de projetos para não motorizados (especificamente em favor da bicicleta), como foi dito por um dos funcionários que trabalha diretamente ligado ao tema.

    De maneira geral, o Ministério das Cidades definiu políticas e metas abrangentes que estão disponíveis na página oficial do Ministério (http://www.cidades.gov.br). Os três eixos princi-pais são: Promover a cidadania e a inclusão social por meio da universalização do acesso aos serviços públicos de transporte coletivo e do aumento da mobilidade urbana; Promover o aperfeiçoamento institucional, regulatório e da gestão no setor; e Coordenar ações para a integração das políticas da mobilidade e destas com as demais políti-cas de desenvolvimento urbano e de proteção ao meio ambiente.

    Figura 4Um estacionamento em Brasília, DF.Foto por Carlosfelipe Pardo

    http://www.mct.gov.br/climahttp://www.cidades.gov.br

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    O Ministério também tem interesse em promover a “Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável”, que unificaria os projetos dos governos estaduais e municipais. Veja também o documento chamado “Livro Plano Mobilidade” da Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana – SeMob. A ênfase principal é no desenvolvimento sustentável e na priori-dade ao transporte público e não motorizado.As políticas públicas aparentam estar no rumo certo, mas faltam as ferramentas apropriadas para sua implementação. Um aspecto consensual entre os diversos grupos em favor da eco-mobili-dade, é que existem enormes pressões do setor petrolífero e da indústria automotiva na definição de políticas públicas relacionadas ao transporte urbano. É fato que o Brasil tem um sistema rodoviarista de transporte, algo fácil de ser constatado em qualquer grande cidade brasileira. A realidade é que, como acontece em outros países, o Ministério das Cidades tem claramente defi-nido o que deve ser feito no setor de transportes, mas falta o apoio efetivo de outros setores do governo para a implementação adequada das políticas públicas.

    Assim, muitas iniciativas bem sucedidas foram aplicadas em diversas cidades brasileiras no que se refere aos transportes públicos e a outros meios de transporte de baixo carbono. Curitiba é um exemplo conhecido nesse sentido, mas infelizmente mais famosa no exterior do que no Brasil, e existem algumas outras poucas cidades que vêm implementando estratégias em favor de meios de transporte de baixo carbono.Existem algumas organizações não governamentais que promovem iniciativas de transporte de com baixa emissão de carbono em todo o Brasil, a mais reconhecida é a ANTP (http://www.antp.org.br), que é uma associação focada principalmente no transporte público, mas que também inclui outros modos, como os não motorizados. Eles compilam de maneira autônoma uma quantidade razoável de dados sobre transporte. Uma iniciativa que tem sido muito provei-tosa em um país que, paradoxalmente, sofre com a falta de dados reais e confiáveis sobre o setor de transportes (dados da ANTP foram apresentados na seção anterior).

    Figura 5Vários modos de transporte não motorizados são usados no Brasil, a segunda maior fabricante de bicicletas do mundo.Foto por Manfred Breithaupt

    http://www.antp.org.brhttp://www.antp.org.br

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    3.3.2 Políticas de transporte urbano em São Paulo

    Figura 6Foto por Manfred Breithaupt

    São Paulo foi a primeira cidade brasileira a ter tarifa integrada no sistema de transporte público (o Bilhete Único). A cidade tem investido pesadamente na rede metroviária, além de melhora-mentos na frota de trens e ônibus e na implementação de corredores exclusivos para os ônibus. E em ambos os sistemas o bilhete único é aceito.Mesmo com um sistema de transporte que está acima da média do país e da região, o custo para o usuário é alto, em valores absolutos e relativos (Rio de Janeiro e São Paulo tem as tarifas mais altas da América Latina), essa situação faz com que os usuários de menor poder aquisitivo

    Figura 7Após a privatização do

    sistema, o Metrô Rio desenvolveu o “metrô

    na superfície” para extender a área de

    atuação da rede.Foto por Carlosfelipe Pardo

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    gastem uma quantia considerável dos seus rendimentos com transporte. Principalmente os que não dispõem do benefício do Vale-Transporte pago pelo empregador.Há interesse por parte da administração municipal para reverter essa situação, seja através do subsídio para as empresas de ônibus, ou o zoneamento urbano de interesse social. De qualquer maneira, há uma luta em busca de financiamento extra para a redução de tarifas. Dinheiro que vem de formas alternativas de financiamento, uma maneira que pode não ser necessariamente a melhor forma de baratear os custos do transporte público.No que se refere ao transporte não motorizado, existem alguns projetos em curso em São Paulo. Em sua maioria iniciativas na implementação de vias para ciclistas, tanto com propósito de lazer, quanto de transporte. O governo local parece interessado em promover projetos piloto em prol da bicicleta que podem vir a ser extendidos no futuro.De qualquer maneira, São Paulo continua a ser um dos principais modelos para o resto do país. O que implica a visibilidade dos projetos adotados pela cidade, que costumam ser replicados pelo Brasil afora. A visibilidade nacional da cidade a faz ser vitrine nacional.Estão instaladas na cidade de São Paulo diversas organizações que atuam em diferentes níveis na promoção da mobilidade sustentável e no transporte de baixa intensidade de carbono. Os cicloativistas da cidade são bastante ativos, sendo exemplos a Ciclocidade, CicloBR, Pedalinas, Escola da Bicicleta, além de diversos outros grupos de menor atuação política que se unem apenas para pedalar.Existem também outros grupos formais de atuação relacionada à bicicleta, um exemplo é a Green Mobility que atua no sentido de influenciar políticas públicas, mas que também organiza tours guiados e dialoga com instituições similares no Brasil e no exterior.Outra iniciativa local surgida nos últimos anos é o Instituto Parado Vital, que em parceria com o poder público opera estacionamentos gratutitos para bicicleta, um sistema de aluguel de bici-cletas. Atuando de maneira direta na promoção ao uso da bicicleta na cidade.

    Figura 8Passeio de bicicleta promovido por cicloativistas no centro de São Paulo.Foto por Carlosfelipe Pardo

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    O Rio de Janeiro tem uma situação parecida com São Paulo no que se refere ao sistema de transportes e projetos, ainda que tenha uma política mais clara em relação aos não moto-rizados. A seguir, uma descrição geral dessas políticas.O transporte público tem uma qualidade rela-tivamente boa, mas a exemplo de São Paulo com um custo elevado para o usuário. Ainda assim a ineficiência da rede de ônibus, com sobreposição de linhas, capacidade excedente e outros problemas tenham sido esquecidos ao longo das últimas décadas. Uma das razões é o sistema de concessão das linhas de ônibus, que deixou a cargo das empresas a integração do sistema. Como contrapartida, as empresas ficaram responsáveis por definir tarifas e a dis-tribuição das linhas.O Rio de Janeiro tem ainda uma rede de metrô relativamente extensa, que está em fase de expansão em direção a Barra da Tijuca, uma

    área da cidade que enfrenta grandes dificuldades em relação ao transporte público, os ônibus percorrem trajetos longos até acessar outras regiões, os custos são altos e o sistema é difícil de ser administrado. A alta taxa de motorização da cidade faz com que a pressão dos moradores seja vol-tada para a expansão do sistema viário em detrimento do transporte público.

    3.3.3 Políticas de transporte urbano no Rio de Janeiro

    Figura 9O Rio tem grande confiança nos seus preparativos para

    os Jogos Olímpicos, e vem fazendo esforços

    consideráveis para melhorar suas políticas

    urbanas, incluindo o transporte.

    Foto por Manfred Breithaupt

    Figura 10O Metrô do Rio é um sistema bem sucedido,

    embora tenha um custo relativamente alto.

    Foto por Manfred Breithaupt

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    A agenda para o transporte não motorizado no Rio de Janeiro está mais definida do que São Paulo. Com a segunda maior malha cicloviária da América Latina (atrás de Bogotá, que tem 354 km, o Rio conta com mais de 160 km), a cidade desenvolveu um sistema de bicicletas públi-cas que tem contribuído para a melhora das condições de circulação para os ciclistas bem como uma maior disponibilidade de bicicletas para os cariocas. Ainda assim, muitas rotas cicloviá-rias ainda não estão devidamente conectadas, mas o Rio ainda é a metrópole brasileira com as melhores políticas públicas e infra-estrutura a favor da bicicleta. Os planos são para a expansão da rede para um total de 300 km no curto prazo.É preciso fazer uma pequena observação quanto à política de estacionamento. No centro da cidade não existe definição para o mínimo de vagas para carros de acordo com a área constru-ída, uma iniciativa que deveria ser mais valorizada e usada de maneira complementar a outras políticas. Infelizmente fora da região central, outras áreas da cidade têm regras em relação ao espaço de estacionamento que estão aquém do padrão internacional (uma vaga para cada 25 m2).No que diz respeito ao relatório de emissões, a cidade do Rio fez seu próprio inventário, o que irá permitir um melhor monitoramento, inclusive das emissões do setor de transportes.Atuam na cidade algumas organizações da sociedade civil de peso, com destaque para a Trans-porte Ativo, parceria do ITDP (que será descrita oportunamente), e que já participou de ativida-des promovidas pela GIZ no Brasil.

    Figura 11O Rio de Janeiro é reconhecido internacionalmente por sua malha cicloviária.Foto por Carlosfelipe Pardo

    Figura 12O Rio também tem os dias de domingo livres de carro ao longo de grande extensão da praia.Foto por Manfred Breithaupt

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    3.4 Organizações internacionais que atuam no Brasil em questões relacionadas ao transporte

    Existem diversas organizações internacionais envolvidas com o transporte urbano no Brasil. Embora o país tenha se definido como “um país que não precisa de assistencialismo”, há um consenso de que o apoio internacional deve ser dado para a capacitação e na cooperação para o desenvolvimento sustentável, e também no transporte urbano sustentável. Os projetos na área de transporte são financiados principalmente através do orçamento público, ainda que o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tenham financiado alguns projetos e estudos recentes em algumas cidades brasileiras. Como, por exemplo, os estudos do BM mencionados anteriormente, além de pesquisas financiadas pelo BID em novas tecnologias de propulsão e combustíveis para ônibus.Cinco organizações internacionais estão entre as grandes apoiadoras do transporte urbano no Brasil e o trabalho delas está descrito a seguir.

    3.4.1 Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH

    O GIZ (anteriormente GTZ) tem cooperado em diversas questões relativas ao transporte no Brasil. Uma das primeiras parcerias foi no apoio a um mapa ciclável em São Paulo, o Plano Ciclista. Uma iniciativa feita em parceria com organizações locais e a prefeitura no ano de 1994. Esse trabalho ainda está para ser implementado, mas a força das organizações locais levam a crer que esse plano possa ser “re-inaugurado”.

    Figura 13Um curso de transporte

    não motorizado que aconteceu no Rio de

    Janeiro em 2007.

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    Recentemente o GIZ tem atuado de três maneiras distintas para promover o transporte susten-tável e de baixo carbono no Brasil. Primeiro através de cursos de treinamento, em segundo lugar através de traduções de textos relevantes e por fim colaborando para a construção de documen-tos conjuntos.Acerca do primeiro tema, o GIZ/SUTP desenvolveu diversos cursos de treinamento para não motorizados ao redor do mundo, já tendo ministrado dois deles no Brasil (um para diversas cidades, realizado em Guarulhos em 2006, outro no Rio de Janeiro em 2007) além de mais dois dados em São Paulo em 2011 (na época da redação desse manual, outros cursos estão planejados para 2011 e 2012).O segundo tema de trabalho envolve a tradução de documentos do GIZ/SUTP do inglês para o português e a divulgação desses documentos em diversos grupos de discussão na internet. Já foram traduzidos o manual de gerenciamento de demanda no setor de transportes, um livro de referência em demanda de estacionamento e, por fim, um texto sobre financiamento para o transporte urbano.

    3.4.2 Clinton Climate Initiative (CCI)

    A CCI (http://www.clintonfoundation.org/what-we-do/clinton-climate-initiative) tem dado apoio ao desenvolvimento de propostas de melhorias em sistemas de transportes públicos urbanos e transporte não-motorizado no Brasil, além de coordenar programa de testes com ônibus híbri-dos e combustíveis renováveis nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, em coopera-ção com o Banco Interamericano (BID).

    3.4.3 Institute for Transportation and Development Policy

    O ITDP é uma organização sediada em Nova Iorque que atua na América Latina com foco prin-cipalmente no Brasil (http://www.itdp.org/index.php/our_work/detail/brazil). Com uma equipe de quatro pessoas trabalhando em tempo integral em projetos voltados em BRT e não motoriza-dos. A meta central é reduzir as emissões no setor de transportes, já que o maior financiador é a Fundação Climate Works, focada na mitigação das mudanças climáticas através da atuação em diversas frentes. O ITDP atua nas cidades de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.

    3.4.4 EMBARQ Brasil

    A EMBARQ Brasil (chamada anteriormente de CTS-Brasil) é uma organização criada pela WRI-Embarq (http://www.embarq.org) para incentivar medidas favoráveis ao transporte susten-tável. Sediados em Porto Alegre e com uma equipe de quatro pessoas, eles atuam no desenvolvi-mento de projetos que visam melhoria na integração e no financiamento na rede de transportes porto alegrense. Eles também desenvolvem outros projetos menores nas cidades de Curitiba, Recife, Guarulhos e Rio de Janeiro.

    3.4.5 Clean Air Institute for Latin American Cities (CAI LAC)

    O CAI LAC (http://www.cleanairinstitute.org) é uma organização sediada em Washington que presta assistência técnica para as cidades de Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo. Dentro de um escopo de um projeto financiando pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF em inglês) do Banco Mundial. O foco dos programas é em gerenciamento da demanda de transporte, transporte e uso do solo, transporte não motorizado e transporte público.

    http://www.clintonfoundation.org/what-we-do/clinton-climate-initiativehttp://www.itdp.org/index.php/our_work/detail/brazilhttp://www.embarq.orghttp://www.cleanairinstitute.org

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    Conceitos principais

    4.1 Questões dos pedestres

    Autoria: Maria Ermelina Brosch Malatesta [1]

    4.1.1 Considerações iniciais

    Andar a pé é um ato inerente à natureza humana tal como respirar, olhar, comer e como eles, necessário às nossas vidas. Entretanto, sua importân-cia pode ser destacada por ser a ação que efetivamente contribuiu para a bem sucedida trajetória da raça humana no planeta, ao permitir a realiza-ção de outras atividades concomitantes à caminhada, como por exemplo, caçar, arar, colher. Mas apesar de sua importância, o caráter extrema-mente trivial da caminhada acaba impedindo a atenção merecida, tanto por nós todos que a executamos diariamente como pelos responsáveis em planejar, projetar, administrar o ato em si os espaços onde ocorre.Este descuido inicia-se pelo seu instrumento básico, o calçado: um cal-çado da época da civilização greco-romana pouco evoluiu em relação aos calçados atuais – ainda não inventaram a famosa “bota de sete léguas” das histórias de Perrault. Se comparados às evoluções tecnológicas que ocorreram com os demais meios de transporte, continuamos a nos deslo-car a pé da mesma forma como faziam nossos ancestrais.Da mesma forma, os espaços de caminhada receberam pouca atenção se comparados aos espaços públicos de circulação, exceção de cidades européias à época da reurbanização pós napoleônica, quando passear a pé pelos boulevards, malls, praças e parques era um hábito valorizado pela burguesia urbana de então. Entretanto a demanda gerada pelo transporte sobre rodas, desde a época anterior à tração motorizada, acabou priori-zando a utilização dos preciosos espaços urbanos para acomodar a circu-lação dos veículos em detrimento aos que viajam sem motor.No caso das cidades brasileiras, cuja cultura carrega o ranço da época escravagista de desvalorização do trabalho físico, o deslocamento coti-diano a pé sempre foi considerado mobilidade de segunda categoria e supérfluas as intervenções voltadas à melhoria das áreas de circulação a pé (calçadas e travessias). É muito comum ver prefeituras canalizando altos investimentos em viadutos, pontes, alargamentos de pistas e rodovias,

    [1] Arquiteta e Mestra em Transporte a Pé pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo.

    4Eco-mobilidade

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    ignorando assim calçadas estreitas, esburacadas e sem pavimentação, em vergonhoso contraste que não constrange os responsáveis pela mobilidade da população.

    Dessa forma, o automóvel, o grande devorador de espaços urbanos, desenha cidades de viadu-tos e elevados que fragmentam praças, espaços de convivência, engolidos pelo concreto e pelo asfalto. O resultado é o comprometimento da qualidade da vida urbana, obrigando os cidadãos a conviverem em ambientes urbanos desconfigurados, que primam pela falta de referenciais paisagísticos.Em meio a isso tudo, a população das cidades brasileiras continua exercendo a forma mais primordial de transporte, caminhando em cenários altamente desfavoráveis, que ignoram sua presença e necessidades, obrigando-os a praticarem cotidianamente o velho instinto de sobre-vivência, na contramão do conforto e conveniência contemporâneos encontrados em várias cidades no mundo.A partir dos anos setenta, quando se deu o início da adoção das tecnologias e soluções de plane-jamento de tráfego e transporte, tornou-se mais clara a contraposição entre o pedestre e sua inte-ração com a infra-estrutura urbana oferecida pelas cidades. Essa interação que expõe o pedestre a toda sorte de agruras, é enfrentada cotidianamente por expressiva parcela da população que elege seus pés, certamente por faltar melhor opção, como principal forma para se transportar, sem contar com infra-estrutura suficiente para que suas caminhadas ocorram com condições mínimas de exercício de cidadania.A contraposição entre o grau de proporcionalidade disponível pelos quilômetros de avenidas, ruas, viadutos, pontes, e praças das cidades em relação aos expressivos números diários de via-gens a pé palmilhados meio a toda sorte de descontinuidades, desinformação, rampas, buracos, desníveis, intermináveis esperas, sustos e medos, é o que se pretende expor, destacado também que, nos perversos esquemas de circulação conveniados na divisão de uso do tempo e dos espa-ços da cidade, não resta aos que andam, alternativa outra que as sobras do banquete oferecido aos motores, sempre expressado em travessias corridas, em meio a estresse e medo.

    Figura 14Londres no início do séc. XIX: a conflituosa convivência entre pedestres, carruagens e o comércio de rua.Caricatura de Thomas Rowlandson

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    Entretanto, em resposta ao irreversível processo de redução da mobilidade imposto pela intensa dependência aos modos individuais motorizados que estão esgotando a infra-estrutura viária das cidades, ousa-se prever o início de sua reversão, através de um processo espontâneo de intensificação de viagens não motorizadas a pé e por bicicleta, que se utilizam cada vez mais do arcabouço humano como fonte energética. Esse fenômeno ressalta a importância de se rever paradigmas do desenho urbano, direcionando-os para seu caráter ambiental e de valorização da paisagem através da qualificação dos espaços e da infra-estrutura da caminhada, concebendo-a como um ecossistema próprio ao abrigar a forma mais orgânica de transporte.

    4.1.2 Andar a pé é transporte!

    Andar a pé é uma ação espontânea para todos os que têm condições físicas de praticá-la. Assim, os princípios básicos que regem o caminhar não são sequer percebidos, conscientizados. Numa sociedade onde tempo é dinheiro, meta é sempre alcançar um destino buscando instintivamente o melhor caminho, ou seja, o que envolva menor dispêndio de tempo, de energia e evidente-mente, o mais seguro.A intensidade de fruição da riqueza sensorial proporcionada pelos inúmeros e variados estímulos contidos no ecossistema urbano envolvidos numa caminhada, irá depender principalmente: Do seu objetivo – trabalho, lazer, fuga, viagem, compras; Do grau de conhecimento do local percorrido – a repetição dos estímulos poderá provocar a insensibilidade a eles; e Da situação psicológica de quem o pratica – ansiedade, pressa, alegria, cansaço, tristeza, medo, sentimentos que alteram completamente o tipo de percepção do meio ambiente; Das características do ambiente urbano – presença ou não do transporte motorizado e suas características, aspectos paisagísticos; De qualquer forma, caminhar é um modo de se deslocar, e apesar de não ser conscientizado como tal, é de fato um modo de transporte: “Andar a pé constitui a forma mais direta de provimento individual dos meios de transporte.” (Vasconcellos); “O deslocamento a pé é um dos mais importantes modos de transporte urbano. É o modo mais utilizado para percorrer pequenas distâncias, incluindo a complementação das viagens realiza-das por outros modos de transporte.” (Ferraz & Espinosa); “Estes andarilhos renitentes são também viajantes no sistema urbano e o planejamento deve reconhecer que andar é, e permanecerá uma forma perfeitamente válida de transporte para a maioria das pessoas.” (Tolley & Torton).

    Sob o ponto de vista urbanístico cabe acrescentar que andar a pé é o modo de transporte onde ocorre o maior nível de contato com o ambiente urbano e proporciona a mais intensa troca social entre seus agentes. Por esse motivo produz a maior interação com a vida da cidade, pro-movendo com ela uma relação orgânica:

    Ao caminhar pela cidade, cruzam-se fronteiras, atravessam-se territórios interpenetra-dos. O trajeto efetivamente percorrido (com afetividade) no chão é diverso daquele que se percebe num sobrevôo ou que se pode varrer com o olhar estrategicamente colo-cado, quando se mira do alto de algum ponto seguro. Os passos do caminhante atento não costuram simplesmente, uns aos outros, pontos desconexos e aleatórios da pai-sagem. Ele se arrisca, cruzando umbrais, e, assim fazendo, ordena diferenças, constrói sentidos, posiciona-se. (Arantes)

    A primordialidade da caminhada, que de tão repetida e automatizada é pouco refletida como ato em si, pode ser responsabilizada pela reduzida importância que lhe é dada no tratamento do espaço urbano, tanto no planejamento do sistema de circulação, como no seu rebatimento espa-cial. Desta forma o deslocamento a pé, modo de transporte mais humano, e quem o pratica, são

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    sistematicamente relegados pela tecnologia urbana a um plano secundário, como as calçadas e travessias tratadas adequadamente fossem uma espécie de privilégio, de luxo urbano.Não seria necessário muito esforço para se chegar a esta desoladora conclusão: uma volta no quarteirão da própria casa ou uma esticada até a avenida ou praça mais próxima, com olhos atentos e pés firmes, é suficiente para se constatar de forma constrangedora, o descaso no trato desses espaços: desde irregularidades no piso dos passeios, seu péssimo estado de conservação, à indigna invasão das rampas de automóveis, mobiliário urbano, comércio ambulante. A calçada parece ser território de ninguém. Se por ventura, há algum tipo de tratamento, a estética predo-mina e sempre em detrimento da funcionalidade: belas superfícies de calçadas de pedras escor-regadias ou extremamente corrugadas, jardins externos ou mobiliários urbanos tomando o lugar que seria da caminhada. Nas travessias de ruas e avenidas, a situação tão pouco se modifica:Faltam rebaixamentos de calçadas e quando há dispositivos de apoio como faixa e semáforo para pedestres, geralmente o tempo de espera é penoso e o de travessia insuficiente, caracterizando a vez do pedestre como o resultado de uma injusta divisão do espaço-tempo da cidade.Esta situação nem sempre foi assim, passou a acontecer a partir do instante em que o homem deixou de utilizar seus próprios meios de locomoção e passou a recorrer ao transporte sobre rodas, movido primeiramente à tração animal e posteriormente à motora que, pela diferença de características intrínsecas, passou a exigir cada vez mais a separação do uso dos espaços da cidade, sendo imediata a prioridade dada ao transporte motorizado. Hoje em dia a total depen-dência humana das máquinas de transportar pressiona os planejadores e os designers urbanos a atenderem seu desenfreado apetite por valiosos espaços das cidades, tornando-as inóspitas e desumanas. Este cenário induz a uma reflexão: não seria hora de rever paradigmas? Por que não revalorizar a caminhada, o mais essencial dos modos de transporte?Ela dispõe do corpo humano como suporte, é auto-sustentável, não necessita de fonte energé-tica exógena ao que é consumido normalmente pelo ser humano, não polui o ambiente e pouco requer no que se refere à infra-estrutura urbana: somente espaços para circulação (calçadas, praças) e transposição (faixas de travessia, passarelas) adequados, confortáveis e seguros, possibi-litando o resgate e a preservação de valiosos espaços urbanos à escala humana.Não seria a substituição da viagem a pé pela motorizada de forma geral, mas sim o estímulo à adoção da caminhada para viagens de curta distância – até meia hora (extensão média de dois quilômetros aproximadamente) e preparar a cidade para a retomada de espaços perdidos para o automóvel. A qualificação urbana recuperada seria seguida também pelo aumento da qualidade de vida da população trazido pela prática de exercícios físicos e pela prática da cidadania propi-ciada pela convivência resultante do contato direto entre pessoas.

    O homem é pedestre por natureza, sendo desta categoria a maior parte da cidade de São Paulo, para não falar no Brasil como um todo. Na era da redescoberta do corpo e da necessidade de se andar, chegamos à contradição de ter de dirigir um auto até um parque para poder fazê-lo. Tudo isso remete à necessidade de reconhecê-la como uma das primazias do urbano. Ela é igualmente indispensável no trabalho, na habita-ção e no lazer, com todo o amplíssimo universo que isso implica. Sem organização da circulação não há sequer segurança física dos corpos; sua negligência é a legiti-mização do caos. Não faltam autores que ironizam algumas políticas reduzidas a uma questão de circulação – o que admito quando se tem em conta apenas os automóveis: o movimento de pedestres é gigantesco nas áreas centrais de São Paulo. Obstá-la é condenar o cidadão à prisão, mesmo que seja de luxo… Ela é o sangue da cidade que alimenta toda sua vida, incluindo a economia. (Yazigi)

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    4.1.3 Andar a pé na cidade de São Paulo

    São Paulo, a cidade que passou em menos de dois séculos de situação de vilarejo de taipa-de--pilão a uma das maiores metrópoles do planeta, é regida pelo domínio do movimento e da pressa, tendo seu formato de mobilidade moldado ao atendimento dessa imperiosa demanda, que terminou por eleger o automóvel como o grande arquiteto da cidade, preterindo o homem e suas necessidades.Já na primeira metade do séc. XX, o tráfego motorizado competia com os consideráveis fluxos de pedestres na utilização do espaço viário: tanto pistas como calçadas nem sempre apresenta-vam dimensionamento suficiente para acomodar os transeuntes e os automóveis com segurança e conforto. Como resposta a esse problema, as primeiras ruas são fechadas ao tráfego moto-rizado. São Paulo vivencia esse tipo de experiência desde o início dos anos 30 quando a Rua Direita foi destinada para o tráfego de pedestres durante o dia, sendo seguida logo depois pela Rua São Bento; mas tratava-se de fechamento operacional, sem envolvimento de intervenções de reurbanização, que só vieram mais tarde, nos anos setenta, influenciada pelas tendências de reur-banização surgidas na Alemanha do pós guerra e adotada em outras cidades.A pedestrianização dos centros urbanos mostrava-se eficaz na valorização dos seus espaços esvaziados pelo processo de implantação dos Shoppings Centers, tendo sido implantado pela Prefeitura de São Paulo um amplo programa de calçadões a partir de 1975, principalmente na Área Central da cidade. Em 1975 com a Ação Centro, São Paulo passou a contar com uma área exclusiva de pedestres superior a duzentos mil metros quadrados, divididos entre o centro velho e o novo. Tratava-se de uma tentativa de recuperar o Centro, em franco processo de decadência.Entretanto, muitas áreas de calçadão do Centro de São Paulo foram gradativamente reabertas ao tráfego uma vez que surgiu e intensificou-se o conceito que a presença do tráfego veicular seria a única forma capaz de reverter o esvaziamento e a degradação da Área Central. Entretanto os resultados se mostraram ineficazes para reverter o processo, tendo contribuído ainda mais para intensificá-lo, uma vez que não se tratou de intervenção pensada sob a ótica da caminhada.Mesmo as intervenções voltadas para a melhoria das condições do transporte a pé implantadas na cidade não recebem a mesma preocupação de atendimento como ocorre com os demais tipos de intervenções viárias em função do pouco valor atribuído a este modo de transporte. Exem-plo claro dessa observação pode ser constatado na Rua 7 de Abril, onde circulam no horário de maior movimento (horário do almoço) mais de sete mil pedestres por hora. O alargamento da calçada implantado no local teve uma fase preliminar em que prismas de concreto, conce-bidos para serem utilizados para o tráfego motorizado, foram instalados à guisa de calçada, dificultando sobremaneira a circulação ao longo e as travessias. A conclusão da obra do alarga-mento presenteou o pedestre local com calçada de declividade transversal acima da permitida, proporcionando desconforto na caminhada, porque não foi refeito o perfil transversal da pista veicular. Para completar o desastroso cenário, esses alargamentos têm sido paulatinamente ocu-pados pela expansão irregular do comércio ali existente, sem que haja fiscalização por parte da prefeitura, reduzindo o espaço da circulação a pé para condições piores do que as anteriores do alargamento.Além do Centro, muitas ruas da cidade têm fluxos a pé que superam em volume os fluxos moto-rizados, mas mesmo assim a divisão da utilização do espaço e do tempo não tem se mostrado proporcional, dedicando muito mais espaço e tempo para o tráfego motorizado. Exemplos claros dessa injusta desproporção podem ser vivenciados cotidianamente numa das mais famosas vias de São Paulo, a Avenida Paulista. Diariamente 1,2 milhões de pedestres circulam em suas cal-çadas, número este muito superior ao de veículos motorizados, que não chegam nem à metade desde valor. Entretanto cabe aos que circulam a pé, em número muitíssimo maior, sacrificarem seu percurso: o recuo das faixas de travessia das esquinas em trinta metros significa um acrés-cimo de sessenta metros (mais da metade de uma quadra). O mesmo sacrifício ocorre com o seu

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    tempo, aguardando pelo menos dois minutos sua vez para atravessar. A razão de todo esse sacri-fício é o não prejuízo ao tráfego motorizado, cujo número não deve chegar nem à metade, mas é suficiente para gerar congestionamentos poluição do meio ambiente.

    4.1.4 Considerações finais

    A capacidade de caminhar, mesmo sendo uma das maiores conquistas da espécie humana não tem recebido na grande maioria das cidades brasileiras o cuidado merecido, apesar de ser a modalidade de transporte que inclui a maioria das viagens realizadas. Esse descaso percorre um caminho inverso ao atendimento das necessidades que as cidades vêm enfrentando, incluindo--se aí os que se referem ao meio ambiente, pois andar a pé é, além de tudo, o modo de se trans-portar que mais se identifica aos princípios da Sustentabilidade, basta para existir a presença do ser humano na sua forma mais despojada, sem precisar para seu exercício, de qualquer tipo de recurso que consuma fontes naturais. Não compromete a qualidade do meio ambiente e prin-cipalmente promove a melhoria das condições física de quem o pratica ao combater o sedenta-rismo e os problemas de saúde dele decorrentes.Muitas metrópoles, principalmente as de países em desenvolvimento, já sensibilizadas para a seriedade da questão ambiental, estão incorporando os princípios do desenho ambiental e assim proporcionarem estímulo a modos não motorizados, não só pela questão da qualidade do ar, mas também como uma forma de proporcionar melhoria da qualidade de vida da população através da inclusão social e da saúde pública. Entretanto, na maioria das cidades, o automóvel ainda continua ocupando papel de definidor do traçado, gerando espaços urbanos e formas de administrá-los totalmente agressivos e inadequados à circulação a pé.As cidades voltadas para o futuro dos recursos energéticos do planeta, já vêm preparando seus ecossistemas urbanos com visas à priorização dos modos não motorizados – bicicleta e a pé – que harmoniosamente convivem em excelentes soluções de desenho urbano, como Bogotá e Seul.A esses usuários renitentes da forma mais primordial de se transportar, deve ser garantido o direito de efetivamente ocupar seu papel na sociedade como agentes do modo de transporte de maior sustentabilidade do planeta. Eles devem ser retribuídos por isso através da implementa-ção de ecossistemas de caminhada que sejam efetivamente dignos, devendo para tanto serem conscientizados da sua importância no futuro do mundo, se organizando e se articulando para exigirem do poder público e da sociedade o retorno do benefício ambiental do qual detêm res-ponsabilidade, através da instituição de programas e políticas públicas que garantam aos espaços da caminhada a importância que eles merecem.

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    4.2 Infra-estruturas viárias para tráfego de bicicletasTelmo Terumi Teramoto [2]; Suely da Penha Sanches [3]

    4.2.1 Introdução

    O objetivo deste artigo é descrever e analisar algumas das formas de organizar o espaço de circulação da bicicleta nas vias urbanas. Apesar do aumento da discussão sobre o uso da bici-cleta como modo de transporte no Brasil, é possível perceber que as ciclovias ainda são vistas por muitos, independente das condições, como a melhor (se não a única) forma de organizar o espaço de circulação da bicicleta.Dentro do contexto de busca da melhoria das condições do uso da bicicleta como modo de transporte, esse artigo apresenta algumas alternativas de infra-estrutura para circulação e discute suas principais características. São analisados: as Ciclovias, as Ciclofaixas, as Ciclofaixas Não Obrigatórias e as Vias de Uso Compartilhado.

    4.2.2 Diagnóstico, proposições e resultados

    4.2.2.1 Ciclovias

    As ciclovias são vias separadas fisicamente do tráfego de veículos motorizados, de tráfego exclu-sivo de bicicletas.A ciclovia é uma forma de organizar o espaço de circulação da bicicleta que, pelo fato de ser separada fisicamente, deve ser projetada e implantada com muito cuidado, pois pode resultar em inadequações às necessidades dos condutores de bicicleta (problemas de segurança, aumento das distâncias percorridas, dificuldade de acesso a determinados destinos, etc.).As seguintes considerações sobre implantação de ciclovias foram encontradas na bibliografia consultada (DRD (2000); TfL (2007)): As ciclovias podem diminuir os acidentes nas áreas intermediárias às interseções, mas podem aumentar os problemas de segurança nas áreas de interseções; Devem ser preferencialmente construídas adjacentes à pista. No caso de ser adotada a cons-trução da calçada entre a ciclovia e a pista, é provável que os pedestres prefiram usar a ciclovia em vez da calçada; Na região onde está sendo considerada a construção de uma ciclovia, mas há um número significativo de vias transversais, pode ser factível fechar o acesso a algumas delas ou mesmo convertê-las em vias de sentido único, de modo a permitir que a ciclovia seja implantada com menos interrupções. Caso essas medidas não sejam apropriadas, deve ser questionada a esco-lha da ciclovia como opção mais adequada.

    A alternativa de estabelecer a ciclovia no canteiro central de determinadas vias deve ser avaliada com extrema cautela. A possibilidade desse tipo de ciclovia ser adequada encontra maiores chan-ces em regiões onde as quadras são grandes, o número de acessos a destinos é menor e o volume e a velocidade de veículos motorizados são altos (por exemplo, áreas industriais). É importante lembrar que esse tipo de ciclovia exige que os condutores de bicicletas tenham que atravessar a via tanto para entrar na ciclovia como para sair dela – esses pontos de entrada e saída são, em geral, problemáticos.

    [2] Organização ACESSO, rua Carolina Germano Kokol, 313, Campinas, SP, (19) 3381-0467, [email protected].

    [3] Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Engenharia Civil, Rodovia Washington Luís (SP-310), km 235, São Carlos, SP, (16) 3351-9677, [email protected].

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]

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    É importante providenciar conexões com todas as vias transversais à via onde esteja situada essa ciclovia, mesmo nas que originalmente não resultem em interseção com a ciclovia em si (interse-ção em “T”).As ciclovias, em especial as situadas em canteiros centrais, podem acrescentar tempos de viagem, distâncias percorridas, assim como incômodos tais que podem fazer com que determinados ciclistas não considerem que as vantagens por elas fornecidas sejam suficientes.Quanto à implantação de ciclovias bidirecionais, vários trabalhos revisados apresentam restri-ções a esse tipo de construção. TfL (2007), DRD (2000) e Dijkstra et al (1998) fazem menção ao aumento do risco de acidentes nas interseções das ciclovias bidirecionais. Foran (2002) afirma que há registros de aumentos de até 10 vezes no número de acidentes envolvendo bicicletas e veí-culos motorizados.Dijkstra et al., (1998) apresentam algumas características das ciclovias bidirecionais: Ciclistas com origem e destino em apenas um lado da via não necessitam cruzar a via; No caso de via com várias interseções do tipo “T”, em um dos lados dessa via (onde está ins-talada a ciclovia) os ciclistas não têm que cruzar as vias transversais; A construção de uma ciclovia bidirecional em um dos lados da via necessita de menos espaço do que duas ciclovias unidirecionais, uma em cada lado da via;Melhor fluxo de veículos motorizados; Problemas nas interseções visto que os motoristas nem sempre esperam ciclistas nos dois sentidos; Riscos de choques frontais entre ciclistas; Ciclistas se vêem obrigados a passar por muitas interseções caso a ciclovia não seja bem conec-tada com as demais vias de uso dos ciclistas; Aumento da velocidade dos veículos motorizados;Maiores chances de acidentes ou conflitos envolvendo bicicletas e veículos motorizados.

    A ciclovia bidirecional adjacente ao tráfego de veículos motorizados é, de modo geral, desaconse-lhável, sendo sua construção considerada aceitável nas seguintes condições (Vélo Québec, 2003): Em vias sem interseções ou sem acessos em um dos seus lados, como por exemplo, ao longo de um rio ou de linha de férrea; Em vias de tráfego motorizado de sentido único com um limitado número de interseções e acessos (ideal – menos de um a cada 300 m) e preferencialmente com apenas uma faixa de tráfego de veículos motorizados; Em vias de tráfego de veículos motorizados nos dois sentidos onde sejam proibidas conversões à esquerda e com um limitado número de interseções e acessos (ideal – menos de um a cada 300 m).

    A volta dos ciclistas, que estão no sentido contrário ao dos veículos motorizados, para o tráfego no sentido principal (dos motorizados), em geral, é problemática. Avaliar se essa transição pode ser realizada adequadamente é um dos fatores que deve ser levado em conta na decisão da cons-trução de uma ciclovia bidirecional.

    4.2.2.2 Ciclofaixas

    As ciclofaixas são faixas de tráfego específicas para de bicicletas, definidas, normalmente, por uma linha delimitadora contínua pintada no pavimento. Em geral, não é permitido o estacio-namento ou parada de veículos motorizados sobre as ciclofaixas, mas em determinados países é permitido que táxis parem de modo a possibilitar o embarque ou desembarque de passageiros.As seguintes recomendações sobre implantação de ciclofaixas foram encontradas na bibliografia consultada (DRD, 2000; Dijkstra et al, 1998; TfL (2007)): As ciclofaixas são recomendadas em vias urbanas sem comércio e com poucas interseções; Elas não resolvem os problemas de segurança criados por estacionamento de veículos na via;

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    As ciclofaixas podem diminuir os acidentes nas áreas intermediárias às interseções, mas podem aumentar os problemas de segurança nas áreas de interseções; A implantação de uma ciclofaixa pode aumentar a velocidade de veículos motorizados, espe-cialmente em vias onde o limite é superior a 50 km/h; As ciclofaixas podem ser utilizadas também como elemento de moderação de tráfego, obser-vando-se as condições de segurança dos usuários do sistema viário; Ciclofaixas (ou ciclovias) não devem ser introduzidas onde elas resultem em desvantagens para condutores de bicicleta, tais como perda de prioridade e acréscimos de tempo de viagem. Tais estruturas não são utilizadas e o investimento é desperdiçado. Caso essas estruturas tenham sido escolhidas devido aos volumes e velocidades do tráfego motorizado, a primeira opção deve ser tentar reduzi-los a níveis que permitam o tráfego compartilhado.

    Sobre as determinações para a sinalização de ciclofaixas sugeridas pelo Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito (Brasil, 2007), podem ser feitas algumas observações: O Manual de Sinalização de Trânsito recomenda que toda a superfície da ciclofaixa deva ser vermelha. No entanto Foran (2002) afirma que implantar ciclofaixas com toda a superfície colorida pode “diluir” seu impacto e reduzir seus efeitos benéficos em interseções. A utilização de uma linha contínua para a marcação da ciclofaixa pode acarretar problemas no comportamento dos ciclistas, porque a linha contínua branca é utilizada para indicar proibição de transposição de faixas. A fim de proibir o tráfego de veículos motorizados sobre a ciclofaixa, mas permitir que os condutores de bicicleta possam transpor a faixa para a área de tráfego compartilhado existe uma sugestão de alteração na forma de delimitação das ciclo-faixas (Herman et al.,1993 apud Hiles,1996). A proposta é utilizar (no lado da ciclofaixa que se encontra adjacente à faixa de veículos motorizados) duas linhas paralelas para delimitar a ciclofaixa, sendo a linha mais próxima do lado do tráfego motorizado, uma linha contínua e a do lado do tráfego de bicicletas, uma linha seccionada. Essa proposta é mostrada esquemati-camente na Figura 15.

    A linha contínua sugerida para delimitar a borda da ciclovia também pode causar problemas em trechos de guias rebaixadas. Sugere-se, nesses trechos, que seja aplicado algum tipo de sinalização horizontal diferenciada, que alerte ciclistas e motoristas para a existência desse tipo de acesso.

    Outra observação que pode ser feita sobre as orientações do manual do Contran (Brasil, 2007) refere-se à adoção de ciclofaixas bidirecionais, que encontra restrições nas orientações de alguns trabalhos.

    Figura 15Sugestão de marcação

    de ciclofaixa.Fonte: A partir de imagens

    de Brasil (2007)

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    Vélo Quebec (2003) desaconselha afirmando que a separação através de pintura no pavimento não garante a segurança suficiente aos ciclistas trafegando no sentido contrário ao do fluxo de veículos motorizados. Explica que, como estão em sentidos opostos, o impacto é potencialmente muito mais perigoso (em virtude da velocidade relativa ser maior do que no caso dos veículos estarem trafegando no mesmo sentido). Os ciclistas (trafegando no sentido contrário) podem ser expostos a uma situação perigosa caso algum ciclista, trafegando no sentido dos veículos motorizados, realize uma manobra de ultrapassagem sobre outro ciclista. O ciclista no sentido contrário ao dos veículos motorizados pode, para evitar o choque com os outros ciclistas, entrar na área de veículos motorizados e sofrer um acidente grave. Geipot (2001) também salienta que, por motivos de segurança, as ciclofaixas devam ser sempre unidirecionais.Segundo Oregon-DOT (1995), as ciclofaixas bidirecionais apresentam vários problemas: Criam uma condição perigosa para os ciclistas; Estimulam o tráfego ilegal de bicicletas no sentido contrário ao do determinado; Fazem com que os ciclistas trafegando no sentido contrário tenham que encarar tráfego con-trário tanto do seu lado esquerdo (bicicletas) como do seu lado direito (veículos motorizados); A transição, no final da ciclofaixa bidirecional, põe os ciclistas que estavam trafegando no sentido contrário, em geral, em situações desconfortáveis.

    Outra possibilidade para permitir, em vias de sentido único, o tráfego de bicicletas no sentido contrário ao dos veículos motorizados é implantar uma ciclofaixa no lado esquerdo da via. O Código de Trânsito Brasileiro (Brasil, 1997), no artigo 58, parágrafo único, determina que o tráfego de bicicletas no sentido contrário ao dos veículos motorizados, caso ocorra, deve ser rea-lizado através de ciclofaixa. A Figura 16 apresenta um exemplo de via com ciclofaixa no sentido contrário ao dos veículos motorizados.

    Figura 16Ciclofaixa no sentido contrário ao do tráfego de veículos motorizados.Fonte: Dijkstra et al., (1998)

    Oregon-DOT (1995) afirma que ciclofaixas no sentido contrário do tráfego de veículos moto-rizados não são usualmente recomendadas, mas que sob determinadas condições, podem ser vantajosas: Caso a ciclofaixa no sentido contrário crie reduções significativas de distâncias percorridas; Caso a ciclofaixa permita acesso direto a locais de grande circulação; Caso aumente a segurança devido à redução de conflitos em relação à rota mais longa; Onde existam poucas vias e acessos a garagens no lado da ciclofaixa no sentido contrário; Caso um número substancial de ciclistas já esteja trafegando no sentido contrário nesta via; Caso a via possua largura suficiente para acomodar a ciclofaixa.

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    Oregon-DOT (1995) dá as seguintes orientações para a implantação de ciclofaixa no sentido contrário: A ciclofaixa deve ser posicionada à esquerda dos veículos motorizados e delimitada por linha dupla amarela; Implantar sinalização indicando o tráfego de bicicletas nos dois sentidos, em cada interseção e nos principais acessos a imóveis e estabelecimentos comerciais; Semáforos existentes devem ser adaptados com focos específicos para bicicletas (com detector de presença ou botão de acionamento); Nunca implantar ciclofaixas no sentido contrário ao dos veículos motorizados em vias onde esses veículos trafeguem nos dois sentidos.

    De acordo com Dijkstra et al., (1998), em vias com grandes volumes de tráfego motorizado e/ou velocidades altas é recomendável a implementação de ciclovias em vez de ciclofaixas no sentido contrário. Recomenda também providenciar que a superfície desse tipo de ciclofaixa seja colo-rida (vermelha) assim como a repetição freqüente do símbolo de bicicleta, de modo alertar moto-ristas e pedestres do tráfego de bicicletas no sentido contrário. O autor afirma que na Bélgica, a introdução de ciclofaixa no sentido contrário exige que a faixa de veículos motorizados tenha no mínimo 3,5 metros caso seja esperado tráfego de caminhões e 3,0 metros caso o volume de auto-móveis seja baixo e quase nenhum tráfego de caminhões seja esperado.A introdução de tráfego bidirecional de bicicletas, em vias de tráfego de veículos motorizados em sentido único, geralmente diminui a velocidade média dos automóveis. Essa diminuição aumenta a segurança de todos os usuários da via. No entanto, o uso bidirecional de bicicletas neste tipo de via pode criar uma insegurança aos pedestres, visto que condutores de bicicleta podem vir de locais não esperados (Dijkstra et al., 1998).

    4.2.2.3 Ciclofaixas preferenciais

    As ciclofaixas preferenciais são faixas criadas, em geral, com o objetivo de aumentar a segu-rança dos ciclistas, alertando os motoristas para o tráfego de bicicletas. Motoristas são aconse-lhados, mas não obrigados, a trafegar fora dela, podendo conforme a necessidade utilizar esse trecho da via, tendo, no entanto, que dar a preferência aos condutores de bicicleta que porven-tura estejam trafegando nessa faixa.De acordo com as orientações de TfL (2007), a implantação de ciclofaixa preferencial pode ser avaliada no caso da largura da pista não ser suficiente para acomodar uma ciclofaixa e o tráfego de veículos motorizados. Orienta a largura mínima de 1,5 m. Nas vias onde a faixa de tráfego de veículos motorizados tenha largura menor ou igual a 3,0 m e onde o estacionamento na via não seja permitido, a ciclofaixa deve ser do tipo “preferencial”, para permitir o uso ocasional por veículos de grande porte. Neste caso não devem ser estabelecidas ciclofaixas tradicionais, de uso exclusivo de ciclistas.De acordo com os trabalhos revisados, a maneira de delimitar as ciclofaixas preferenciais varia muito conforme o país em que ela é implantada. Nos Países Baixos, as ciclofaixas preferenciais são delimitadas por uma linha seccionada, sem símbolos do tipo “bicicleta” no pavimento (Dijkstra et al.,1998). Segundo este mesmo autor, na Bélgica as ciclofaixas preferenciais, em geral, possuem apenas tipo de pavimento diferente ou superfície na cor vermelha. TfL (2007) ressalta que além da linha delimitadora seccionada pode ser acrescentada a coloração verde no pavimento e/ou símbolos do tipo “bicicleta”, caso seja avaliado que devido às condições seja importante realçar a ciclofaixa preferencial.

    4.2.2.4 Vias de uso compartilhado

    As vias de uso compartilhado são aquelas em que a bicicleta utiliza o espaço de circulação junto com os demais modos, sendo que em alguns casos existe sinalização específica e em outros

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    não. O tráfego compartilhado das bicicletas com os demais tipos de veículos ocorre basicamente na pista. Nas calçadas as bicicletas compartilham o espaço com os pedestres.Nesse artigo, as expressões “tráfego compartilhado”, “pista compartilhada” e “uso comparti-lhado” referem-se à circulação compartilhada da pista, entre bicicletas e demais tipos de veícu-los. O tráfego compartilhado de bicicletas e pedestres, na calçada, ou é desaconselhado, pelos trabalhos que foram revisados, ou citado como medida extrema de último recurso. As sugestões, em geral, propõem que primeiro se avalie a implantação de medidas de redução de velocidade e volume de tráfego de veículos motorizados, de modo que os condutores de bicicleta possam compartilhar a pista com os condutores de automóvel. Depois disso e antes do compartilha-mento da calçada, a sugestão é segregar o tipo ciclovia ou ciclofaixa.O tráfego segregado de bicicletas é considerado por muitos não condutores de bicicleta (e mesmo por vários condutores de bicicletas) como a melhor forma de organizar o espaço cicloviário. No entanto, o tráfego compartilhado apresenta determinadas características que, dependendo das condições locais, podem fazer com que essa seja a melhor forma de organizar o espaço cicloviá-rio. As vias de uso compartilhado não devem se restringir a serem cogitadas apenas quando não houver condições de implantar ciclofaixas ou ciclovias.Segregar o tráfego de bicicletas pode gerar acréscimos de distâncias e passagem por interseções, tão incômodos para certos condutores de bicicletas, que estes podem optar por não utilizar determinados trechos segregados. O tráfego compartilhado é, em geral, a forma que permite o acesso mais direto aos diversos pontos de uma cidade, assim como a que exige as menores intervenções. Existe, por exemplo, a situação em que o ciclista deseja ir a um ponto no meio da quadra, do lado esquerdo de uma via de sentido único, com ciclovia no lado direito. O ciclista é obrigado então a seguir até a próxima interseção, atravessar o cruzamento empurrando a bici-cleta, assim como em todo o restante do trajeto até o local desejado.A segregação pode, também, aumentar o risco de acidentes em interseções. Acostumados com a falta de interação com outros tipos de veículos devido aos trechos segregados, determinados motoristas e condutores de bicicletas podem ser surpreendidos, nas interseções, por veículos sur-gindo de locais diferentes daqueles que estes consideram como os mais prováveis.Certos condutores de bicicleta argumentam que a segregação elimina a interação e o decorrente aprendizado da direção compartilhada da via, defendendo que a solução para os problemas de segurança deveria seguir uma linha que buscasse o tráfego compartilhado seguro. Essa corrente de pensamento alega que a instalação de estruturas segregantes reforça a falsa idéia de que os únicos lugares seguro para os ciclistas são as áreas segregadas. Deste modo, aqueles ciclistas que optam por utilizar outras vias são criticados ou mesmo desrespeitados, por motoristas que não entendem o motivo desses ciclistas trafegarem fora das áreas que aparentemente são as mais ade-quadas e seguras (Hiles, 1996).Embora alguns condutores de bicicleta prefiram o tráfego compartilhado ao tráfego segregado, outros se sentem mais seguros com as vias exclusivas para bicicletas. Esta preferência, segundo Hiles (1996), está associada ao nível de tolerância que as pessoas têm com relação às situações impostas pelo tráfego. Os ciclistas do segundo grupo preferem as vias exclusivas que lhes permi-tem trafegar de forma mais confortável, independente das desvantagens inerentes à separação.Dentre os que defendem a segregação, existe o argumento de que a separação aumenta a segu-rança, por diminuir os acidentes causados por veículos motorizados ultrapassando ciclistas. A despeito de que a separação efetivamente reduza esse tipo de acidente, o fato de que a separação propicia a determinados condutores de bicicleta uma sensação de segurança parece ser um argu-mento importante na defesa desse tipo de organização do espaço cicloviário (Hiles, 1996).Verifica-se, portanto, a dificuldade de se contemplar as diferentes necessidades dos condutores de bicicletas, que aparentemente são antagônicas (tráfego segregado e tráfego compartilhado). Uma

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    alternativa a ser estudada seria a implantação de medidas de redução de velocidade e/ou de volume de tráfego motorizado, com intuito de permitir o tráfego compartilhado e, ao mesmo tempo, aumentar a sensação de segu-rança dos ciclistas.A Fig