gangaji 5.1

109
TU ÉS AQUILO I

Upload: manu-jasen

Post on 20-Jun-2015

232 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I

Page 2: Gangaji 5.1

“Tu já és livre. És consciência pura e contínua. De alguma forma, na ‘brincadeira’ d’Aquilo que és, da própria consciência, véus têm encoberto a inerente verdade da liberdade. A consciência, de alguma forma, esconde-se de si mesma e finge-se perdida. Num certo momento da ‘brincadeira’, nasce o desejo de terminar com o jogo de esconde-esconde e ser eternamente encontrada. O desejo de ser encontrada é o desejo de acordar no sonho.“Há um determinado condicionamento da mente que é um enorme obstáculo à verdade que somos. Esse condicionamento afirma que a realização é algo que aconteceu a alguém ou algo que poderá acontecer-te em algum momento futuro. Se desistires do passado e do futuro como separados do agora, verás o que é possível neste momento.”

- Gangaji

Em 1990, Antoinette Roberson Varner encontrou o seu amado mestre H.W.L. Poonja, nas margens do sagrado rio Ganges, na Índia. Nesse encontro, a verdadeira realização que ela havia buscado durante a sua vida foi–lhe revelada.Confirmando a sua realização do verdadeiro eu Poonjaji deu-lhe o nome de Gangaji e indicou-a a continuar a sua transmissão pelo Ocidente.Hoje Gangaji realiza Satsang pelos Estados Unidos e fora.

2

Page 3: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Índice

Bem-vindo a Satsang 4

O Único Verdadeiro Desejo 5

A Relação com o Mestre 11

Meditação e Prática 18

Permanência e Impermanência 23

A Natureza da Mente 27

O Coração da Relação 35

Desejando o Amado 43

A Profundidade da Simplicidade 48

Acordando no Sonho 51

Enfrentando o Medo da Morte 62

O Verdadeiro Significado de Vigilância 70

Tu és Aquilo! 74

3

Page 4: Gangaji 5.1

Bem-vindo a Satsang

Aquilo que desejas, Aquilo de que sentes fome, é Aquilo que está sempre presente. Aquilo é o que tu realmente és.Quando eu digo “tu”, não me estou a referir ao teu corpo. O teu corpo está naquilo. Eu não me estou a referir aos teus pensamentos. Os teus pensamentos estão naquilo. Não me estou a referir às tuas emoções. As tuas emoções aparecem e desaparecem naquilo. Não estou a falar de circunstâncias. As circunstâncias, também, aparecem e desaparecem naquilo.Corpos, pensamentos, emoções e circunstâncias mudam. Elas aparecem e desaparecem. Eles podem ser bons ou maus. Eles podem ser agradáveis ou desagradáveis. A verdade que és é permanente e imóvel. A maravilhosa, boa notícia é que apesar de te imaginares, podes reconhecer quem realmente és. Independentemente da tua experiência enquanto corpo ou como o pensamento, eu sou este corpo, podes receber a transmissão directa da verdade pelo teu verdadeiro eu. A transmissão é satsang. Satsang confirma a tua verdadeira identidade como consciência pura, livre de qualquer condicionamento.Quando esta boa notícia é ouvida, realmente ouvida, há uma abertura imensa. Ninguém alguma vez reportou o fim da realização do seu verdadeiro Eu. O que termina é a preocupação em imaginar-se como uma entidade particular separada da consciência ilimitada.Eu não tenho nada a ensinar-vos. Auto-conhecimento não é aprendizagem. Auto-conhecimento não é algo que possa ser contido em palavras. Embora palavras possam ser usadas, nenhuma palavra que alguém alguma vez possa ter dito tocou a glória do Ser. Estou aqui para apontar Aquilo, para celebrar Aquilo e rir de qualquer argumento que diga que algo pode eventualmente obstruir Aquilo.Não estou a pedir-vos para se lembrarem de alguma coisa. Não estou a pedir-vos para fazerem alguma coisa ou para terem alguma coisa. Nada é necessário. Estou a pedir-vos para verem que já são aquilo que querem. E estou simplesmente a sugerir, assim como o meu mestre me sugeriu, e como o seu mestre lhe sugeriu, que vocês tomem um instante, um milésimo de segundo, e permitam a actividade da mente parar. Nesse milésimo de segundo, que descoberta é feita! Nesse milésimo de segundo, recebes o convite para te renderes ao que é revelado quando não há qualquer atenção no corpo, pensamento, emoção ou circunstância.É um único momento! Nesse instante o corpo desaparece. Nesse instante de perfeito silêncio tu descobres o que está permanentemente aqui, aquilo que sempre tem estado, aquilo que és tu permanentemente. Este instante de silêncio é o convite ao verdadeiro refúgio, ao verdadeiro retiro, verdadeira paz, independentemente das vindas e idas.Que instante este! Neste instante não há fixação no passado, não há especulação no futuro, e não há a análise do presente com relação ao passado ou ao futuro. Neste instante não há preocupação mental. Não há existência condicionada. Há apenas a consciência pura e incorrompida. Neste instante estás em Satsang.De alguma forma, por qualquer golpe de sorte, a tua consciência individual, foi chamada a Satsang. Ouviste as palavras de que és a própria Verdade. Agora és livre para te descobrires como Verdade. És livre para repousar nessa Verdade. És livre para ser feliz, independentemente de quaisquer corpo, pensamentos, emoções ou circunstâncias. És livre para seres quem realmente és.Bem-vindo a Satsang.

4

Page 5: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

O Único Verdadeiro Desejo

O verdadeiro desejo é a reunião com Deus, desejo pela verdade, desejo pelo fim do sofrimento. Este verdadeiro desejo é o centro de todos os outros desejos distorcidos e mal colocados.Se a paixão pela verdade não for reconhecida, então todas as imitações distorcidas da verdadeira paixão, todas as outras usuais paixões pela ganância, ódio e inveja nascem e levam ao sofrimento.Sê honesto contigo mesmo. Friamente honesto. Pergunta-te a ti mesmo, O que quero?Queres ser livre?Queres realmente realizar a Verdade?Se apenas queres ter uma agradável experiência espiritual de vez em quando, podes tê-la, claro. Isso é como se colocasses o teu dedo no oceano. Sabe muito bem e o oceano não se importa que coloques o teu dedo nele. No entanto, existe a possibilidade de mergulhar no oceano da verdade, totalmente, sem qualquer esperança de re-emergir. Mergulha e vê.

Ouvi você dizer para colocar todos os desejos num único desejo pela liberdade.

Sim, está correcto. Liberdade é o verdadeiro desejo.

Bom, o que faço com isso?

O que “fazes” com isso?

Faço algo com isso, ou quê?

Se colocares todos os teus desejos neste único desejo, ele faz contigo, totalmente. Liberdade é imensa. É impossível para ti fazeres algo com isso.Quem tu te imaginas ser é aniquilado pela revelação de liberdade. Tu, como te tens conhecido, já não é. Tu, como te tens imaginado ser, revela-se inexistente. Permanece apenas a inimaginável verdade do que és.

Não imagines que irás fazer alguma coisa com a liberdade. Essa ideia é a arrogância da mente egocêntrica. Tu serás envolvido de tal forma que não restará pensamento de ti. Liberdade não é nada que se possa ‘fazer com’. Fazer com tem a ver com tudo o resto. O poder da mente pode aparecer para fazer alguma coisa com algo. No entanto, na verdadeira realização, todo o poder da mente é consumido pela fonte da mente.A consumação divina é o banquete do divino.Rende-te! Deixa-te ser consumido por Deus, conforme a sua vontade.

Por vezes sinto que esse desejo nasce dentro e eu quero trazê-lo para a realidade do dia a dia.

Desiste da ideia de que a tua sede insaciável e busca pela verdade estão separados da realidade do dia a dia. A realidade relativa surge na realidade absoluta.Não existe dia a dia sem verdade. Não existe a ocorrência de qualquer fenómeno sem verdade. Tudo pertence à verdade.

5

Page 6: Gangaji 5.1

Se tens o desejo de realizar a chama da verdade e imaginas que de alguma forma podes colocar a chama de parte até que seja conveniente para a tua vida, estás a enganar-te com adiamentos, a enganar-te mantendo a ilusão de uma separação activa.

Eu ando pra frente e pra trás entre a busca exterior e o centro. Sinto que preciso algo fora de mim.

Eu também sentia necessidade de algo fora de mim. Eu não era capaz de o fazer por mim. Eu entendia intelectualmente que estava tudo dentro mas não estava a experienciá-lo. Então eu conheci o meu mestre. Ele parecia estar fora de mim enquanto dizia, “Eu estou em ti!” Esta ocorrência aconteceu no meu dia a dia. Entendes a importância disto?Se tu tiveres uma insaciável sede pela verdade, finalmente tu irás descobrir que a distinção entre dentro e fora não é correcta. Não existe fora separado de dentro. Estes limites são limites mentais. Eles parecem reais e são pensados como reais, mas na verdade, não são reais.Eu estou no aparente fora apontando para aquilo que está tanto aqui em mim como aí em ti, que está a todo o momento na tua vida. Tu não irás encontrar verdade em algum outro lugar e trazê-la para a tua vida. Já está presente.Se realmente tens sede, irás ver a verdade em todo o lugar porque é tudo por que irás procurar.

Eu quero ser destruído pelo teu poder. Por favor destrói-me.

Os teus conceitos estão a ser destruídos.Morre para tudo aquilo que sempre conheceste sobre quem és. Morre para o hábito de seguires qualquer pensamento que defina quem és.Se não seguires o pensamento, este não pode colar-se a nada, não pode continuar. Percebe o que fica quando não há qualquer pensamento. Isto que fica não tem qualquer necessidade de pensamento para ser. É antes e depois de qualquer pensamento e não se adequa aos termos “dentro” e “fora”.Eu não uso magia especial aqui. Se eu usasse, então satsang seria apenas uma troca de estados de transe. Talvez te sentisses bem e talvez existisse uma agradável energia movendo-se pelo corpo, mas a identificação pessoal continuaria intacta. A realidade é muito mais simples. Não há necessidade de magia especial se aquilo por que procuras é a permanente e eterna verdade que está em todo o lugar, em tudo, sem possibilidade de ser excluído do dia-a-dia.A verdade é que ninguém pode destruir-te. Podes ser convidado à aniquilação, ou a mergulhar no oceano, ou a satsang. Aceitando esse convite, tu descobres que estás além da aniquilação. Apenas ideias de quem és podem ser aniquiladas. Ao aceitar o convite, tu vês que és Aquele que convida.

É tempo para aceitar o teu verdadeiro Eu?Tens livre escolha. És livre para continuar o teu transe pessoal, és livre para sofrer e és livre para colocar o sofrimento para trás.Este é um momento de interrogação. Não vejas este momento de forma casual ou trivial. Reconhece que por qualquer razão tu estás ciente da possibilidade de realizar a verdade de seres consciência ilimitada. Esta possibilidade penetrou de alguma forma a tua existência pessoal condicionada. Que sorte!

O hábito de pensar é muito forte. A dor e sofrimento são tão fortes que nada parece penetrar.

Pergunta a ti próprio, O que eu quero? O que eu realmente quero?

6

Page 7: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Ainda existe muito o querer que as coisas dêem certo.

Quando dizes, “Eu quero o fim do sofrimento, e eu sei como o sofrimento poderia acabar… ele acabará se determinadas coisas acontecerem de determinada maneira”, então o hábito da mente será alimentado. Esta frase assegura o hábito de pensar e discutir.Quando eu digo “pensar”, não me refiro aos insights recentes. Estou a falar dos mesmos velhos pensamentos que são pensados e repensados vezes sem conta e que são agitação mental desnecessária.Quem tu és é sabedoria por si só, e sabedoria não é encontrada no pensamento obsessivo. Tu és inteligência por si só. És clareza por si só. Relaxa e permite que isso se revele por si. Permite que a clareza surpreendentemente se revele por si, sem qualquer pensamento sobre como isso se deveria revelar a si mesmo, ou como a revelação será quando se revelar a si mesmo.Obviamente és livre de continuar com o hábito de comentário. És livre para discutir para sempre. O poder da mente é um brinquedo e tu és livre para continuar com ele ou para o colocar de lado. Colocando o hábito de lado, vê aquilo com que ainda não se brincou, aquilo que ainda não foi tocado, que nunca se moveu.És sempre livre que pegar na mente e começar a brincar outra vez. Se por um momento observares aquilo que é antes, durante e depois de toda a actividade da mente, o sofrimento desnecessário termina.

Poderá haver enorme dor na vida de qualquer indivíduo. Dor faz parte da vida. Quando a dor é vista como é, simplesmente dor, pode ser uma bela experiência. Não precisa ser algo diferente. Quando é rejeitada e algo “não doloroso” é procurado, a dor é experienciada como sofrimento.A verdadeira busca espiritual não é necessariamente confortável. Muitas pessoas começam a busca espiritual procurando por conforto. Não obstante tu a inicies, o que finalmente é revelado é a profundidade que deixa todas as noções de conforto e desconforto para trás.A verdadeira alegria inclui tanto a alegria como a tristeza. Reconhece isso e não serás mais limitado pelo desejo ávido por prazer e pela rejeição de dor. A verdadeira alegria envolve todas as polaridades, toda a acção e toda a inacção.Chegou a altura de examinar a nossa vida com uma honestidade não piedosa. Já a verdade, o verdadeiro desejo foi alguma vez tocado pela acumulação de qualquer objecto físico, mental ou emocional? Ao falar-se a verdade está a possibilitar-se o reconhecimento de que a verdadeira realização não tem nada a ver com as circunstâncias. Na aceitação de que as circunstâncias são como são, nesse momento de quietude, existe um grande reconhecimento daquilo que é intocável por qualquer circunstância.Nesse momento de humildade, a arrogância, ‘Eu sei do que preciso para ser feliz”, é desmascarada. Arrogância desmascarada não tem poder. Reconhece o que sempre tem estado presente, à espera de ser visto.O que eu estou a dizer é muito simples. Eu estou a dizer que tu já és livre. Quem tu és tem estado sempre acordado. Apenas tens estado a jogar um jogo contigo mesmo, e sendo tu quem és, este jogo é bastante intenso. Por um momento, coloca o jogo de lado.Não estou a pedir-te para te lembrares de quem és. Estou a pedir-te para colocares tudo de lado e descobrires aquilo que nunca foi esquecido. Vê aquilo que sempre tem estado presente. Então este caso de amor, este verdadeiro amor, pode revelar-se.Amor-próprio não é gostar do corpo ou da personalidade. Não estou a falar do corpo ou da personalidade. O corpo pode ser belo ou feio; isso não importa. No verdadeiro amor-próprio, o que é amor é o que não é afectado pelas avaliações de beleza, feiura ou personalidade.

7

Page 8: Gangaji 5.1

Eu estou a falar sobre descobrir quem realmente és. Nesta descoberta, tu descobres que estás apaixonado por isso.

Você nunca deseja coisas para o futuro, ou é uma questão de seguir na onda do momento?

Aquilo que eu desejo neste momento e no futuro é o vosso despertar. Por favor, satisfaçam esse desejo. (risos)Depois deixo-vos em paz.Eu desejo isto no passado, no presente e no futuro. Sim, este desejo faz-me reincarnar. Escolhi reincarnar neste momento apenas para satisfazer este desejo. Agora, o que vocês desejam?

Eu desejo expressar-me.

Não podes expressar-te verdadeiramente antes de primeiro descobrires quem és. Antes dessa descoberta estás apenas a expressar uma ideia de ti mesmo. Geralmente, na nossa cultura, expressarmo-nos significa dizer o que se pensa e sente. É a expressão de pensamentos e sentimentos. Descobre quem és e expressão é isso.

É ganância ou sabedoria querer estar na tua presença?

Talvez seja ganância por sabedoria.Não há nada de errado em querer estar na minha presença. Através deste desejo, podes vir a descobrir quem eu sou. Se descobrires quem eu sou terás necessariamente nesse instante de descobrires quem tu és. É para isso que serve a tua ganância, para que serve a ansiedade.

Na existência condicionada, a fome divina é afunilada em paixões distorcidas. Isso é então chamado de ganância e tem uma conotação pejorativa porque paixões distorcidas sempre levaram ao sofrimento. Na fome de realizar o verdadeiro eu é encontrada a própria sabedoria. Então paixões não são tentações. Elas são aborrecidas por comparação. Alimentar o desejo pela verdade revela preenchimento. Paixões menores nunca são satisfeitas.Dou as boas vindas à tua fome pelo auto-conhecimento. A verdade foi invocada em ti. Essa invocação deve vir de mim para ti. Na realidade aquilo que chama por si mesmo é o que se está a invocar. Segue a tua ansiedade até à fonte. Não quero afastar a tua fome. Quero alimentá-la. Faz da tua fome um absoluto desejo de conheceres o teu verdadeiro eu, de viver isso, de falar isso, de desistir de qualquer hipótese que o possa negar.Recebo-te na minha presença. Reconheço-te. Eu sei que és o meu verdadeiro eu. Eu vejo isso, eu confirmo isso, e eu aponto para a sua eterna revelação, na saúde e na doença, na dor e no prazer.

É por graça divina que o satsang chegou até à tua consciência. O convite é estendido a nunca abandonar satsang. Abandona toda a negação de satsang. Deixa pra trás toda a negação da verdade por que sentes fome.

Você tem sugestões para cultivar mais o desejo por liberdade?

8

Page 9: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Honra-o. Respeita-o. Não o tornes numa coisa trivial. Não faças disso apenas mais um tema de conversa. Reconhecer a verdade de quem tu és é a coisa mais sagrada, o mais precioso, o mais inimaginável presente.Que presente desta vida, nestes tempos, em que o verdadeiro desejo pela verdade é revelado. A oportunidade é para nutrir o verdadeiro desejo, deixá-lo viver a tua vida, deixá-lo revelar a sua realização. Que nascimento de sorte. Não desperdices o tesouro deste nascimento.

Estou a sentir algum apreço pela afirmação que ouvi você fazer, “Não precises de nada e depois vê o que acontece.” Pude sentir partes de mim que resistiram à ideia de não necessitar de nada. Depois ouvi algo que vinha do centro. Você não disse “tem” nada. Você disse “precisa” de nada.

Bom, agora digo “tem” nada. Tem nada, precisa de nada, sê nada. Aquilo que tem sido mais temido – ser nada, ser ninguém, não ter absolutamente nada – ser aquilo, e depois vê se aquilo que mais temes não contém a mais bela pedra preciosa.

Você poderia falar sobre a contradição entre ter desejo pelo Ser, e o sentido de que existe um ego aqui, particularmente no que respeita a trabalho e relações?

Tu és o Ser. Tudo é isso.Se não existe desejo de reconhecer o eu verdadeiro há a preocupação com o ego, o ‘meu’ trabalho, as ‘minhas’ relações, a ‘minha’ comida, o ‘meu’ sono, as ‘minhas’ aquisições, as ‘minhas’ perdas, as minhas ‘conquistas’ e as ‘minhas’ derrotas. Tudo isso é “ego e as suas histórias”. O sofrimento é condição central da ‘minha’ história.Numa muito rara altura da vida nasce o desejo pelo reconhecimento do verdadeiro eu. Quando este desejo divino surge, satsang surge. Satsang revela que nunca, nem mesmo por um momento, foste algo que não o teu verdadeiro eu.Satsang não é um convite a aumentar o ego. Há muitas oportunidades no mundo para isso. Satsang é sobre acabar com a preocupação com os ‘eus’.Misteriosamente, com o fim da história pessoal, completude e realização são vividos.Se não existe desejo pelo verdadeiro eu, então não é a altura para realizares quem realmente és. O desejo pelo teu verdadeiro eu nasce – misteriosamente e de forma espontânea. Quem pode explicar porquê? Não tem nada a ver com o passado, família, cultura, raça ou conhecimento anterior. Nasce por si.

Todos conhecemos o inferno de sermos atormentados pelos desejos pessoais. Talvez agora reconheças o requintado tormento do verdadeiro desejo pela verdade que te chama para o centro, que te chama para o silêncio, que te chama para a rendição de todo falso e distorcido desejo.Tu conheces o desejo por mais – mais saúde, mais comida, mais abrigo, mais experiência. Tu sabes que nunca há uma satisfação final desses objectos de desejo. Pode haver satisfação momentânea e por esse momento não existe desejo. Que paz! Que glória!Devido a uma identificação enganada, esta paz é geralmente atribuída à aquisição de alguma coisa. Finalmente, há o reconhecimento que o desejo nunca é satisfeito através da aquisição e acumulação de objectos. Este reconhecimento é maturidade. Agora podes finalmente perguntar-te, O que eu realmente quero? O que eu verdadeiramente quero?

9

Page 10: Gangaji 5.1

Acreditaste que querias mais coisas e tiveste mais coisas. Então há um leve entendimento de que coisas não te dão aquilo por que anseias, que as coisas são secundárias.Acreditaste que querias mais poder. Então querias mais sinais de poder. Adquiriste mais sinais de poder, mas o poder também não te trouxe a satisfação final. Nenhuma acumulação de objectos te libertou do sofrimento provocado pelo desejar.O que é que queres, realmente, finalmente, que depois do teu último suspiro possas honestamente dizer, “Recebi o que queria.”Peço-te para que vejas bem quem tu realmente és. Prometo-te que se isso for visto, profundamente, a tua vida não será desperdiçada. A tua vida não será vivida em vãs prossecuções de falsos e mal direccionados desejos. Será vivida como uma celebração e um convite. Não será uma vida de arrependimento. Será uma vida de inspiração. Será uma vida que é um farol.Ao compreender a profundidade da resposta à pergunta, Quem sou eu? o fogo da verdadeira identidade se espalhará. Espalhou-se até ti.Deixa que se revele a ti. Deixa que se espalhe por ti.

10

Page 11: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

A Relação com o Mestre

Você é um mestre pra nós?

Eu sou o vosso verdadeiro ser. Eu sou percebida de acordo com o que quer que vocês projectem em mim. Posso ser vossa irmã ou mãe ou amiga ou mestre. Alguém um dia me disse que eu era como um enorme camião de comida. Uma carta em satsang ontem chamou-me a assassina do falso eu, e, claro, há quem me veja como inimiga.O que quer que seja projectado em mim, eu sei que sou apenas uma projecção. Eu estou firmemente no presente sabendo que eu sou o vosso verdadeiro eu.Projectem o que quiserem desde que ouçam o que eu estou a dizer. Se tiverem de me chamar mestre para poderem ouvir o que tenho a dizer, tudo bem. Então ouçam. O mestre diz, “Eu sou o teu eu verdadeiro. Não sou separada.”Isto foi o que o meu mestre me disse. Eu precisava ouvir o meu mestre dizê-lo. Alguns serão capazes de ouvir a verdade pela irmã, mãe, amigo, ou inimigo.

Já tentei fazê-lo por mim e falhei. Mas parece que há algo que com você estabilizou. Pergunto se isso acontece por ter tido a ajuda de outra pessoa.

Antes de ter conhecido o meu mestre, tinha tentado tudo o que eu sabia socialmente, politicamente e espiritualmente. Em todos os casos eu encontrei o mesmo nó feito de ganância e insegurança, medo e ódio. Eu não estava satisfeita e nessa insatisfação eu pedi ajuda.

O que aconteceu relação entre você e o seu mestre?

Primeiro, eu vi algo nele que nunca tinha visto antes, algo imenso e profundo, num acolhimento, terra-a-terra, sob a forma humana. Nesse encontro com ele, eu reconheci algo distinto do que a minha anterior experiência, desejos, agenda e planos tinham revelado.Eu reconheci que o nosso encontro tinha misteriosamente vindo do meu pedido de ajuda. Quando eu rezei por ajuda, eu sabia que não sabia se iluminação é real. Talvez fosse só uma história contada para dar esperança e assim pudéssemos ser um pouco felizes. Não sendo real, eu queria sabê-lo também. Eu queria saber o que era verdade.Eu reconheci que o encontro com o meu mestre manifestou, de alguma forma, essa prece e então eu prestei muita atenção.Ele literalmente agarrou-me, abanou-me e disse, “Não percas esta oportunidade!” Foi um choque, como um estalo (tapa) e um abraço ao mesmo tempo. Num requintado abraço, aquilo que nunca tinha sido experienciado antes é experienciado e uma diferente dimensão de possibilidades fica consciente.Papaji disse, “Pára! Põe de parte qualquer estratégia. Põe de parte tudo o que alguma vez aprendeste. Esquece todas as técnicas. Fica absolutamente silenciosa.”Eu escutei-o.Não posso de facto dizer o que experienciei naquele momento. Eu já tentei muitas vezes. O que quer que eu diga continua a não ser aquilo que eu experienciei. Tudo aquilo que eu digo cria uma imagem limitada. Posso somente chamar-lhe graça.Escrevi-lhe hoje uma carta dizendo:

“Primeiro a tua graça revela entendimento.Depois a tua graça revela experiência.Depois a tua graça revela realização.Na realização, a experiência e o entendimento podem vir e ir.

11

Page 12: Gangaji 5.1

Realização é ver aquilo que sempre tem estado.”

Na realização, aquilo que é realizado é aquilo que sempre esteve estável. Então sim, isso é estabilidade.Por fim eu disse:

“Finalmente, a tua graça revela-se como a totalidade da vida.”

Totalidade da vida, nada sendo excluído. Não apenas a boa parte da vida, mas a sua totalidade.

Você diz que o verdadeiro mestre irá apontar para o teu verdadeiro eu. Você quer dizer em qualquer tradição, quer esta seja hindu, cristã, budista, etc?

Sim. A base de todas as religiões é algo de misterioso, inconhecível, união estática com o divino. O que resulta dessa base é uma estrutura de tradição, um caminho, uma forma para chegar lá.Existem pessoas em todas as tradições que foram ostracizadas ou mesmo queimadas ou decapitadas porque quebraram a estrutura para alcançar a união. Quando a tradição se torna uma barreira, deve ser quebrada, independentemente das consequências.

Então, o veículo não é tão importante quanto chegar a essa realização?

O veículo, se é a verdade viva, é chegar a essa realização. É o reconhecimento do verdadeiro eu.Cristo disse, “Eu e o meu Pai somos um”. Este reconhecimento é que o veículo, o mestre, o Pai, a Mãe, não é mais do que o teu Ser – não metaforicamente, mas verdadeira e literalmente. Tudo é o teu Ser, aparecendo em diferentes formas, mas realizado como Ser.Há inúmeros mestres conhecidos e desconhecidos, humanos e não-humanos, físicos, mentais, emocionais e astrais. No entanto, o satguru, o verdadeiro mestre, é o mestre que aponta para o fim absoluto do sofrimento da separação. O satguru aponta tão claramente e com tanta força que isso é realizado como sendo o teu Ser, apontando para si mesmo.

Como posso saber se um determinado mestre é realmente esse mestre de que falas?

Tu sabes.Esse saber não tem nada a ver com o que alguém possa dizer.Tens muita sorte se reconheceres o teu mestre de imediato, mas o reconhecimento imediato não é necessário.Não há nada de errado com a dúvida inicial e demorar algum tempo para surgir uma atracção. Por fim, tu sabes. E então o desafio é renderes-te. O desafio é honrar aquilo que sabes para além do saber e aceitar o saber para além de qualquer tentativa para o provar mentalmente.Por fim, tu tens de confiar em ti. Algumas pessoas têm medo de confiar e pensam, Sim, já cometi esse erro. Confiei em mim e acabei perdendo todo o meu dinheiro ou emprego ou posição social. Confiar realmente em si significa não contabilizar aquilo que pode ser perdido quando se confia. Eu estou a levar-vos a confiarem no mais fundo saber intuitivo que há dentro de vocês, independentemente do desconforto.Podes começar com confiança relativa, mas se honrares a confiança que tens, vais segui-la e se estiveres disposto a estar desconfortável e aberto, então a confiança relativa torna-se confiança absoluta.

12

Page 13: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

As pessoas poderão dizer que querem um mestre, mas muitas vezes o que elas querem é alguém poderoso para fazer o que elas querem feito. Quando essas pessoas rezam a Deus para que a Sua vontade seja feita, o que querem realmente dizer é que a minha vontade seja feita.Quando entras em relação com o teu verdadeiro eu, enquanto mestre, é normalmente bastante impiedoso. Não há qualquer possibilidade de ter, de controlar ou de dirigir.Muita gente vai a Lucknow, Índia, para conhecer Papaji a maior parte vê o quanto é impressionante aquele homem ser só amor. Ele não quer nada de ninguém excepto a sua própria felicidade e seja qual for o nível de felicidade desejado, ele irá consegui-lo. Ele quer que sejas feliz. Como poderia ser de outra forma? Ele é o teu Ser.As pessoas que olham mais fundo podem experienciar a infindável profundidade de um tigre raivoso que irá destruir o teu sofrimento de forma sagrada e impiedosa. Ele é inteiramente amoroso. Sem querer nada de ti, ele irá procurar a última gota de identificação com o ego e arrancá-la com o coração.Isto é o que eu chamo de mestre. Qualquer outra coisa será apenas uma brincadeira de crianças . . . brincando que estão acordados, enquanto sempre tentam manter controlo.

Não há o perigo de ficar apegado ao mestre?

O perigo é ficar desapegado ao mestre. Haverão muitas tentações tentando que te desapegues do teu Ser. Apegar-se é a sorte.Esta questão coloca-se sobretudo para os ocidentais. No Ocidente temos uma ideia de independência muito forte. No Oriente a ideia predominante é a da dependência. Ambas são apenas conceitos, ainda nos limites da mente.Se conheceste um verdadeiro mestre, vais ver que é impossível adoptar qualquer um dos dois. Não te consegues imaginar como dependente nem como independente.O verdadeiro mestre é encontrado, primeiro, no teu centro. Este é o satguru. O verdadeiro mestre existe apenas no centro de todo o ser. No centro do teu Ser há algo mais forte e profundo que qualquer pensamento ou emoção e é algo a ser seguido.É essencial reconhecer o mestre que vive em ti. Nada é possível antes disso. Sem esse reconhecimento tu permaneces nos caprichos da sociedade, cultura, família e outros agentes condicionadores. Se o encontro com o mestre em ti for um forte e verdadeiro encontro, existe o reconhecimento de que, independentemente do que possa acontecer, tu deves seguir isso. Quando uma manifestação física desse encontro interno é necessária, acontece. Se reconheceres o teu satguru numa forma exterior, tens muita sorte. A tua sorte é a medida da tua rendição ao mestre dentro de ti. Então a mais desafiadora entrega, a entrega do coração, tem início.Nunca tinha pensado em ter um mestre. Como poderia eu imaginar tal sorte? Não poderia. Eu vinha de uma determinada cultura e eu imaginava o meu mestre como um anjo da guarda. Eu queria que o meu anjo me segurasse nos braços e embalasse. Claro, quando eu conheci o meu mestre ele realmente me segurou nos braços e embalou num abraço da Verdade.Esse abraço e embalo é o primeiro encontro. Depois o mestre revela-se não estar separado da própria vida. A vida nem sempre te pega nos braços e embala. A vida atira-te contra a parede. A vida dá-te tudo e depois a vida leva tudo de volta. Um verdadeiro mestre é tão duro quanto a própria vida. Na relação com a vida, com um mestre, ficas tentado a fugir. Não fujas. Não caias na tentação de te desapegares.No abraço inicial reconhece aquilo que nunca poderá ser retirado.Um dia o Papaji disse-me, “Se Deus descer e te disser, ‘Não és livre, não és realizado’, vira-lhe as costas.”

13

Page 14: Gangaji 5.1

Deus pode descer e dizer, “Não, não tu,” e na tua entrega para o satguru tu percebes que isto, também, é apenas o movimento da mente condicionada.Quando eu falo em entregares-te ao satguru, não estou a sugerir que aceites todas as opiniões ou crenças ou preferências que possam surgir na mente do mestre. Entregar-se ao mestre é, de forma imediata, render-se à verdade que o verdadeiro mestre revela. A forma particular através da qual ela se faz tão intensamente conhecida para ti (no meu caso Papaji) deve ser guardada como um tesouro e honrada assim como a manifestação através daquele corpo.Estar apegado em amor, assim como estás eternamente apegado à realidade.

Quando alguém descreveu o que tinha experienciado depois de você ter-se retirado ontem à noite, você disse, “Bem, não me deixem ir”. Isso teve um impacto em mim porque eu, também, tinha deixado você ir; e eu percebi que se eu a deixar ir embora, eu deixo-me ir embora. É a mesma coisa.

Tu imaginaste que eu fui embora. É apenas imaginação. Eu ir embora, tu ires embora – é tudo imaginação.

. . .

Então devo ter estado consciente do que imagino em vez de estar consciente do que sou.

Sim, não é essa a condição? Acredita-se que o que é visto com os olhos é realidade. A convicção é de que aquilo que é percebido pelos sentidos é a realidade. Como sabes, aquilo que vês e sentes muda. Tudo isso muda em ti. Tu és aquilo que é constante. Quer seja uma consciência limitada ou ilimitada, a consciência está sempre presente, e consciência é quem tu és.

Não te deixarei partir mais.

Nunca poderia ir a parte alguma.Que alivio, não é? Estamos fortemente condicionados pela crença de que a aparência é a realidade. Sofrimento nasce da crença de uma aparente separação e aparentes idas e vindas. Tão fundo é o condicionamento que a ida tem um papel importante no verdadeiro entendimento espiritual.Depois de ter estado com Papaji, quando chegou a altura de voltar aos Estados Unidos, eu fui a sua casa às 7 da manhã e disse, “não consigo ir. Não há qualquer forma de me ir embora.”Ele disse, “Estás certa. Não há qualquer forma possível de te ires embora.”Eu sabia que não havia mais nada que eu lhe pudesse dizer naquele momento e sabia também que iria com certeza entrar no avião mais tarde. Era muito claro que aquilo para que ele estava apontando não era eu ficar em vez de ir.Depois de ter regressado aos EUA, experienciei um desejo intenso juntamente com uma forte tendência para fugir desse desejar. Senti que tinha que voltar à Índia onde ele estava.Por graça parei todas as minhas tentativas para regressar a algum lugar e em vez disso mergulhei directamente no desejar. Nessa experiência directa do desejar eu percebi, Eu nunca fui! O meu mestre está aqui! A verdade do ser do meu mestre e a verdade do meu ser são os mesmos. O mesmo Ser!

14

Page 15: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Qual é a magia química de estar com alguém que é teu mestre? Há uma energia tão especial.

Sim, absolutamente especial. Estás com alguém que não acredita, sequer por um momento, que estejamos separados, independentemente da aparência, de sentimentos, de pensamentos, de atracção ou de repulsão. Isto é néctar. Isto é o que vocês sabem no coração dos vosso corações ser verdade. Estar com alguém nesta forma especial é satsang.

Vai saltar de você para mim ou vou ter de trabalhar para isso?

É contagioso! Não tens que trabalhar para isso. Tudo aquilo que tens de fazer é escutar e isso não significa que escutes enquanto estás em satsang formal e depois pares de escutar quando passas aquela porta. Escuta vinte e quatro horas por dia, e a partir daí, o verdadeiro ouvir acontece naturalmente.

Poderia comentar sobre a sua experiência ou conhecimento relativo à relação entre mestre masculino e discípula feminina, especialmente quando é sexual?

Qualquer que seja a combinação de género, é semelhante à relação de pai e filho. Na relação íntima de discípula e mestre, é possível reconhecer o teu pai espiritual e receber um verdadeiro parentesco que nunca tinha sido oferecido antes.Se os nossos pais tivessem sido iluminados, a relação de mestre e discípulo não seria necessária. Não tivemos pais iluminados. Tivemos pais que nos passaram o que lhes foi passado, miséria e sofrimento. Aspirações falsas baseadas em obter, defender o obtido, e lutar por aquilo que não foi obtido tem sido o nosso legado.A oportunidade para receber a transmissão da verdade é a promessa da relação entre o mestre e discípulo. É uma preciosa, rara, secreta e subtil relação e, como numa relação de pais e filhos, é muitas vezes mal usada. Mesmo que o mestre tenha realizado, emane shakti e fale sabiamente, se existir um resquício de resíduo de miséria e abuso que tenha sido passado para o mestre pelos seus pais – ou mestre – então o legado de abuso continuará.

Os tomates foram em tempos considerados venenosos até que uma alma corajosa publicitária comeu um. Então a mentira foi exposta. Tenho lhe pedido orientação e ajuda, no entanto não sou capaz de confiar totalmente em si. A questão central na minha vida inteira sobre confiança e incapacidade de discriminar veio à superfície, acenando a sua maléfica bandeirola. Onde e como a confiança tola e cega encontra a discriminação? Não consigo ultrapassar o mecanismo de segurança denominado bom-senso, então pergunto-lhe como mostrar-me um tomate ou algum caminho através de tudo isto.

Já te mostrei um tomate. Ofereci-te um tomate. Eu abri um tomate. Eu engoli um tomate. Eu empurrei um tomate para dentro da tua boca. Eu vi-te através do teu medo de envenenamento por este tomate.Agora, eu não estou a pedir-te para confiares em mim. Investiga o que eu digo. O que eu te ofereço é veneno ou néctar da verdade?Eu não estou a pedir-te para me seguires. Eu não estou a pedir-te para me obedeceres. Não estou a pedir-te para pensares que eu sou a maior. Apenas investiga o que eu digo. Como podes saber sem investigares?

15

Page 16: Gangaji 5.1

Estou a pedir-te para confiares naquilo que se revela por si em ti quando abandonas todas as ideias sobre ti mesmo. Deixa todas as ideias partirem. Se deixares todas as ideias partirem, nesse instante tu irás ver que a tua ideia da Gangaji também não está aqui. Deixa as ideias sobre a Gangaji partirem. Deixa as ideias sobre ti partirem. Dispõe-te a ser nada por um instante e vê aquilo que fica.Desconfia um pouco da tua eterna desconfiança. E então vê por ti. Ninguém te pode carregar para isso. Tu já és isso. Se esperas que eu te carregue ou outra pessoa que se pareça mais com aquilo que tu achas que o carregador se deve parecer, ficarás à espera para sempre.Adiamento é um truque da mente. Eu lembro-me de há muitos anos ver a fotografia do Ramana em livrarias de espiritualidade. Primeiro fiquei presa pela beleza do seu olhar. Depois eu vi a sua postura física e pensei, Bem, uma postura torta daquele jeito não seria o correcto por isso não vou ler o que ele diz. De forma chocante, eu pensei que a sua postura significava alguma coisa, porque naquela altura estava muito interessada no corpo e perseguia a perfeição do corpo. Encontrei algo aparentemente imperfeito na postura de um santo homem e usei isso para adiar a realização da verdade que tão claramente irradiou dos seus olhos.Cuidado com estes truques da mente. Eles são o veneno do mito da forma perfeita. Tu já provaste deste veneno e ele ainda te está a sufocar. Cospe-o. E então verás a perfeição independentemente de forma. Verás através da forma. Não terás qualquer problema com a forma.Consegues perceber como este veneno é tão prevalente na tua vida? As pessoas chegam ao Colorado e ficam aborrecidos porque é seco. As pessoas vão para ao Maui e ficam aborrecidas porque é húmido. Este aborrecimento é o resultado do veneno. Ao seres envenenado deixas escapar o mana, o darshan, as emanações de graça que são dadas onde quer que se esteja. Não percas aquilo que erradia em todo o lugar. Não continues envenenado pelo veneno mortal. Olha mais fundo do que isso e não te escapará a resplandecência. Não confies em mim. Nem mesmo confies no que é um mim. Vai até ao fim com desconfiança e então a desconfiança irá ajudar-te. Não confies no que vês. Não confies no que experiencias. Coloca tudo isso de parte.O que fica? O que é completamente intocável pela tua confiança ou desconfiança?Estou muito feliz por dar as boas-vindas a isso, aqui.

Tenho um sentimento de medo ou desconfiança a nascer em mim mas não é em relação a ti.

Medo ou desconfiança nascem. Confias na tua história acerca do medo e da desconfiança que nascem? Se sim, é confiança mal usada.

Não confio em nada.

Se não confias em nada, o que fica?

O desconhecido. E estou cansado que me digam para saltar para o desconhecido. Já o fiz antes e dei-me mal.

Estás a mentir. Nunca fizeste isto antes. Não pode ser feito. Talvez tenhas pensado sobre o desconhecido antes. Talvez tenhas imaginado o desconhecido.Sim, esses pensamentos não são de confiança. Desiste de tudo, incluindo confiança e desconfiança. Desiste de ambas as polaridades, da moeda toda, de todo o pacote.Eu estou a falar aquilo que nunca, jamais, foi conhecido. Eu estou a falar do que é inconhecível. Não desconhecido até que o conheças, mas inconhecível.

16

Page 17: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Estou a rir porque apesar de todas as vezes que confiei as coisas terem acabado por me magoar, aqui estou eu com aquilo que é provavelmente a única coisa que poderia alguma vez confiar e é cómico o que acontece.

Em que confiaste e te magoou? Uma pessoa? Uma ideia que essa pessoa te possa ter dado?

Tem acontecido a muitos níveis, mesmo ao nível de teorias e ensinamentos.

Especialmente teorias e ensinamentos! Esses são palavras. Esses são conceitos. Mesmo se as palavras são não corrompidas e são precisas, elas geralmente são ouvidas através dos filtros de uma mente condicionada. Então tu confias como uma criança confia numa história da catequese ao Domingo, de que Deus está no Céu e virá cá abaixo buscá-la. Há uma grande sensação de traição quando a criança percebe que Deus não vem do Céu salvá-la.Joga estas histórias fora. É tempo para crescer e parar de desperdiçar a tua vida colando as tuas esperanças a uma história. Tens sempre vindo a ser deitado abaixo. Essa traição é chamada de samsara ou neurose e, em estados extremos, psicoses.Aqui está a oportunidade para colocar todo o conceito de parte, ainda que elevado, ainda que sublime, ainda que verdadeiro. Nessa nudez, nessa verdadeira nudez, não existe espera por uma nova teoria, ou filosofia, ou imagem para vir resgatar. Fica totalmente nu e fala a partir daí.Há aquilo que está totalmente, permanentemente, presente e que tem sido sempre assim. Ninguém pode tê-lo. Tu és isso.Não quero alimentar a tua esperança de que eu, Gangaji, irei dá-lo a ti. Que piada! Como é que eu te posso dar aquilo que tu és? Se imaginares que eu te irei dar isso, então tu irás ter medo de que eu to possa tirar.

Mas você pode conseguir parar-me.

Isso seria maravilhoso. Eu teria então feito o meu trabalho, mas fazer o meu trabalho não cabe a mim.

Cabe a mim?

Sim! Cabe-te a ti. Estou à tua espera para fazer o meu trabalho. Podes apanhar este fogo. Apanhar o fogo é possível porque o fogo já queima dentro de ti. Quer seja uma pequena pedra de carvão fumegante ou incandescente, podes reconhecê-lo queimar. Reconhece o fogo e alimenta-o para que ele queime tudo – todas as coberturas, todos os disfarces, todas as máscaras - e serás deixado numa belíssima nudez.Existe medo da nudez, medo da exposição. Tu estás ciente das vestimentas da vergonha, da não importância, do inadequado. Partes do princípio que eles são a tua nudez. Quando digo nu, eu quero dizer despido de qualquer conceito de quem tu sejas.Remove o conceito de que tu és o teu corpo. Remove-o verdadeira, profunda, seriamente, alerta e em entrega, perguntando, Quem sou eu verdadeiramente? Não quem te ensinaram que eras, não quem tu acreditaste ser. Quem és tu realmente, em verdade?Ninguém pode perguntar ou responder esta pergunta por ti. Não podes confiar em ninguém para fazer esta pergunta por ti. Ninguém pode respondê-la por ti; ninguém pode viver por ti. Tu tens de o descobrir por ti. Tens de viver por ti. É tão simples assim.

Apenas por um momento, não penses em quem és. Não penses no que precisas, ou o que não conseguiste, ou o que deverias ter.Neste instante de não pensamento, a verdade é evidente.

17

Page 18: Gangaji 5.1

O verdadeiro ensinamento está em todo o lugar. Apenas pára de esperar por isso, de olhar em determinada direcção, de esperar que isso fale ou aja de determinada maneira, e tu irás ouvi-lo. Está em todo o lugar. Está em qualquer agulha de pinheiro.

Você acabou de dizer que está em qualquer agulha de pinheiro e neste lindíssimo cenário é muito fácil percebê-lo. Mas e nas cidades grandes? Parece ser muito mais difícil senti-lo.

Quando estive a primeira vez com Papaji, nós estávamos numa divisão humilde nas margens do rio Ganges na Índia. As paredes tinham bolor e mesmo assim eu fiquei presa pela beleza. Tudo brilhava. O sossego e a presença espalhavam-se. Eu pensei para mim o quão irónico era que no ocidente se tenham visões de Deus sentado num trono de ouro no Céu. Ali eu estava num quartinho humilde com cheiros estranhos e sons vindos da rua e percebi, Deus está aqui. Aqui está Deus! Isto é o Céu. Eu estou no Céu e quem o havia de esperar em lugar tão pobre?

No dia seguinte ele levou-nos a dar um passeio pelo mercado. Que sons! Que cheiros! Tanto pegar e gritar! De todo esteticamente agradável e eu questionei por que ele nos teria ali levado. Estava tão perfeito naquele lindo quartinho. Olhei para ele e silenciosamente disse, Aqui também. Nesse instante, todo o barulho foi penetrado pelo eterno, permanente silêncio. A beleza foi vista. Até o pedinte cujo corpo havia sido devorado pela lepra foi visto na sua beleza.Talvez tu percebas a graça de um momento de beleza. Para seres verdadeiro a essa graça deves explorá-la. Ver se ela verdadeiramente termina. Ela termina quando colocas o pé na baixa de Denver ou Manhattan? Se a verdadeira beleza parece desaparecer, dispõe-te a retirares-te por um momento, um milésimo de segundo, e tu verás que a verdadeira beleza está em todo o lugar, emanando de tudo.Entendo que deva ser difícil ver beleza em edifícios rectangulares e em pessoas com ar ameaçador, agressivas, correndo. Mas se parares no meio de tudo isso, apenas por um segundo, verás que esses edifícios e a agitação não podem verdadeiramente cobrir a beleza. Pode parecer que sim, mas não podem verdadeiramente escondê-la.Honra o instante em que na tua vida reconheces a beleza de seres a verdade. Honra a revelação tirando um milésimo de segundo para investigar quando achas que foi perdido.É muito comum honrar os pensamentos, as emoções e os sentimentos. Sê incomum e honra aquilo que é mais profundo do que qualquer pensamento, sentimento ou emoção. Deixa que a tua vida seja uma vida incomum de realização, independentemente das circunstâncias, independentemente dos humores, independentemente do desconforto.As pessoas não percebem a beleza eterna porque desejam algo diferente; imaginam circunstâncias melhores. Pára onde estás e investiga. Investiga para além dos limites físicos, para além dos limites da mente, para além dos limites emocionais. Então tu estás aberto a receber darsham em todas as formas, agradáveis ou desagradáveis. Então o satguru fala para ti, sempre.Satguru é o verdadeiro mestre, o mestre real. O verdadeiro mestre chega em todas as formas e usa todas as formas. Satguru é o teu verdadeiro Eu – como mestre, como discípulo, como dador, como receptor.

Meditação e prática

Pode dizer o que você considera ser verdadeira meditação?

18

Page 19: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

O propósito da meditação é aquietar a mente. Numa mente quieta, respostas condicionadas são expostas e destruídas. Meditação permite a mente soltar-se da fixação nos objectos e descansar na fonte.A mente quieta revela aquilo que está sempre silencioso, de onde tanto a actividade como a inactividade provêm e retornam, de onde a experiência de ignorância e a experiência de iluminação provêm e retornam.Isso é o teu Ser.Muitas vezes o que é chamado de meditação é prática de concentração. Como a terapia, exercícios respiratórios e outros yogas, a concentração pode ser útil. Tem o seu lugar. Agora, descobre o que está além da concentração. Descobre o que não é objecto de concentração mas é consciência silenciosa em si.Não sou contra a meditação e sua prática. Sou contra a separação da prática meditativa da vida. Quando a separação entre a prática e a vida é reconhecida como ilusória, toda a tua vida é meditação. Vida é consciência silenciosa e todos os eventos da vida aparecem e desaparecem nesse silêncio. Tu és esse silêncio.

Você acha que práticas formalizadas de meditação não são de todo úteis nesta descoberta?

A prática meditativa pode ser muito útil para acalmar a mente e, assim, experienciar mais paz, relativamente. No entanto, com o tempo a prática meditativa torna-se normalmente um obstáculo porque então existem duas imagens, a de “meditação” e a da “minha vida”, assim como imagens de um “meditador” fazendo “meditação”. Estas imagens são armadilhas da mente.Tudo pode ser útil como pode ser um impedimento. Aquilo que pode ter sido um impedimento pode tornar-se útil. Não me cabe a mim determinar isso a alguém. Descobre por ti.

A oportunidade, neste momento, é veres por ti se o que eu digo é verdade, ao invés de ser apenas mais uma teoria com que concordas ou discordas. A oportunidade é permitir que a tua mente se aquiete por um instante e então falar a partir da experiência de quietude.No aquietar da mente, há o reconhecimento do infinito. Há, por um instante, o reconhecimento do que sempre tem sido.O incomensurável não se torna ou subitamente se transforma em infinito. Ele é. Sempre é, quer exista uma mente activa ou inactiva. O propósito de desactivar a mente é ver isso.

É útil fazer coisas como visualização ou bodywork para ajudar a mover a energia que parece estagnada ou presa?

Por fim tu és convidado a entrar no oceano. Nessa altura a única coisa útil é livrares-te de tudo. Toda a ideia preconcebida de que algo te irá levar a algures1 é baseada no princípio, por ti assumido, de que ainda não estás lá. Já lá estás. Já lá estás.Para imediatamente descobrires a verdade, livra-te de qualquer técnica para conseguires a verdade. Quer desejes paz de espírito, quer desejes a inteira e total realização da verdade do teu ser, coloca de parte todo o conceito que vai no sentido de não seres a verdade. Coloca de parte qualquer conceito de que tens que fazer alguma coisa para teres a verdade, para realizares a verdade. Coloca de parte qualquer conceito de quem tu és, ponto final, e vê.

Querer ver-se livre da energia estagnada é o problema?

1 Algures = algum lugar19

Page 20: Gangaji 5.1

O problema não está na energia estagnada. O problema é criado quando tu negas algo ou te deténs nesse algo.Apenas por um instante, percebe quem tu és.Agora, que energia bloqueada toca aquilo?Energia bloqueada é como um impacto na Terra. Faz parte do terreno físico. Na tua vontade de seres quem és, mesmo que apenas por um segundo, verás que tanto há tanto de físico como de não físico. Impactos podem ser suavizados ou não. Não importa.No passado, eu segui diferentes disciplinas, tradicional e nova era. Embora os picos, os momentos de êxtase, tivessem sido certamente agradáveis, eu queria algo que nenhuma fórmula tinha sido capaz de revelar. Passei muito do meu tempo à volta de professores e workshps e permanecia insatisfeita. Nessa insatisfação eu rezei pela entrega. Rezei pela realização da verdade. Eu queria a verdade mais do que eu queria conforto ou experiências agradáveis. Eu queria a verdade para além do que a mente podia dar.Essa prece revelou-se no encontro com o meu mestre e as suas palavras para mim foram, “Desiste de qualquer conceito imediatamente, instantaneamente.”Eu escutei-o. De alguma forma, eu tive o bom senso suficiente para escutá-lo e não entrar numa discussão interna sobre porquê’s, mas, e se’s.Eu simplesmente ouvi o que ele disse e o que foi revelado é a ilimitada verdade do Ser. Não o meu, mas o Ser, a totalidade de ser. O eu é perdido naquilo. É insignificante, um bloqueio de energia mínimo, um impacto na Terra.

Como podemos conhecer o Ser sem estudar?

O que exactamente queres dizer quando te referes ao “Ser”?

Inicialmente o ser pequeno, e depois fundir-se com o Ser maior.

O que é o pequeno ser?

A forma que escolho para encarnar.

Queres dizer o teu corpo?

O meu corpo, personalidade, ego.

O corpo pode ser estudado. A personalidade pode ser estudada. O que queres dizer quando falas em ego?

Hábitos, impressões.

Hábitos e impressões podem ser estudados e o estudo pode ser útil. Se há uma identificação com todos esses hábitos e impressões como sendo o que és, então o estudo é uma obstrução.Falaste em fundir com o Ser maior. O que é o Ser maior com que te fundes?

O que é infinito. Eu fundo-me com o que está em todo o lado.

Se está em todo o lado, não estás já fundido nisso?

Talvez. Oh! Sim… claro!

20

Page 21: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Entender algo mentalmente é objectivá-lo, particularizá-lo, categorizá-lo e notar as suas características armazenando-as na memória. Qualquer “coisa” pode ser estudada. Qualquer coisa que tu objectives e acredites ser separada pode ser estudada como se estivesse separada. A totalidade de ser não pode ser estudada.O que está separado da totalidade que pode ser estudado totalmente?Talvez tu possas entender a personalidade e as funções do corpo e as leis naturais. O Ser é totalidade. Totalidade é coisa nenhuma (no-thing), nada em particular, e a crença de que, para realizar nada, temos de estudar é um grande erro e uma desnecessária perda de tempo.Se acreditas que para reconheceres a verdade tens de estudar algum sistema sobre a verdade, estás a adiar a realização da verdade neste momento.Tu és a totalidade. Isto que és é muito mais vasto do que qualquer sequência mental pode entender. A tentativa fútil de caracterizar Deus, o nada, ou a verdade, é uma diminuição subtil pela mente da totalidade de ser, com resultados vulgares.Peço-te que consideres, Quem está estudando?

O objectivo seria conhecer de uma forma que isso fosse derretido e com o qual não houvesse identificação.

O que derrete em quê? Primeiro, neste momento, quer tenhas estudado ou não, faz-te esta questão, Quem sou eu?Presta muita atenção. Vê se consegues descobrir alguma “coisa” que possa ser estudada, quer tu a chames de grande ou pequena. Esse “eu” que estuda o Ser. Diz-me, onde está esse “eu”?

Em todo o lugar.

Se está em todo o lugar, como pode ser estudado? O que está separado dele para estudá-lo?Podes estudar algo que queiras guardar na memória. Podes estudar para ser médico ou advogado ou mecânico ou cantor. Podes estudar para aprenderes a ler e escrever. Não há nada de errado em estudar. É uma grande faculdade da mente.Quando o desejo de realizares quem realmente és nasce, o hábito de estudo deve ser colocado de lado pelo menos por um momento. O hábito de te procurares em categorias e particularizações deve ser colocado de lado.Qualquer estudo espiritual que mereça atenção aponta para o facto de que aquilo que tu és não pode ser estudado. Os verdadeiros ensinamentos apontam para aquilo que és como sendo aquilo que não pode ser objectivado e, por conseguinte, não pode ser aprendido.Esquecimento de si próprio é um aparente véu que dá início à actividade mental de busca. A experiência de Auto-esquecimento é a fonte de toda a miséria e há um grande stress na tentativa de te lembrares de quem realmente és. Como nos lembrarmos ou conhecermos o Ser? A verdade é que tu não te podes lembrar do Ser. A boa notícia dessa verdade é que tu também não podes verdadeiramente esquecer o Ser. Pára de procurar na tua memória e reconhece o que tem estado aqui desde sempre.No instante em que a tua busca termina, todos os estudos são libertados, como tudo é libertado toda a noite quando mergulhas em sono profundo. No sono profundo há um sublime contentamento. Não há nem lembrança nem esquecimento. A oportunidade enquanto acordado não é para lembrar nem esquecer e sim ver o que aqui está quando paras de procurar.Faz um retiro. Um retiro de todos os estudos, todos os ensinamentos, todos os condicionamentos, mundanos ou espirituais. Faz um retiro do teu nome, das tuas relações, do teu passado, do teu futuro e do teu presente. Vê que todas as relações, todos os nomes, todas as formas, todo o passado e todo o futuro nascem n’Aquilo. Todos vêm e vão de/para Aquilo. Aquilo é permanente, eterno e está presente Aqui e Agora.

21

Page 22: Gangaji 5.1

O retiro é um portão aberto. Caminha por entre o portão aberto e reconhece o verdadeiro eu.

Qual a sua experiência no desenvolvimento do bodhicitta, o “coração desperto”?

Bodhicitta não é desenvolvido. É revelado cada vez mais e mais profundamente. Não há em nenhum instante qualquer separação. Tu, eu, aquilo, eles, bodhi, acordado, ignorante, ego, mente, ser, ilusão – nenhuma separação. Isso é a absoluta verdade.

No budismo o bodhicitta é despoletado por nós. Uma forma de despoletar bodhicitta é o acto de oferecer.

O antídoto para a experiência de sofrimento gerada pela avareza é o acto de oferecer. Um remédio muito útil. No entanto, este remédio também tem efeitos tóxicos colaterais. Se há uma identificação com o oferecer, há um ego ou desilusão espiritual.Para descobrir e viver bodhicitta, descobre quem realmente és. Um oceano sem fim de bodhicitta é descoberto como sendo a tua verdadeira natureza.A essência dos ensinamentos de Buda é que tu não estás separado do Buda. O que veio depois de Buda foram formas de descobrir como chegar lá, mas esta tentativa para chegar lá pressupõe que tu ainda não sejas isso.Eu entendo o dilema. Obviamente, a experiência é que tu não és Aquilo. Esta experiência de que tu estejas separado de Buda, de Deus, da Verdade, é uma experiência de sofrimento. Parece real e acredita-se ser real. Então, todos os tipos de tarefas, caminhos e práticas são desempenhados para ultrapassar a ilusão e chegar ao verdadeiro ser.

Parece que a revelação seria mais uma experiência de recepção e a geração mais activa, ambas esperando atingir o estado de ser.

Se estiveres realmente receptivo, não precisas de nada. Não precisando de nada, a revelação revela-se por si. Não como algo que era ou está para vir, mas como ela mesma, agora e sempre. O que chamas de “geração” parte de um ligeiro desentendimento.Bodhicitta ou Mente Buda ou Verdade é infindavelmente revelada, não gerada. Geração é, pelo seu significado, “originar”. Não estava cá e agora está.A verdade ou bodhicitta está eternamente aqui. É subtil mas essencialmente diferente de algo que foi gerado.Gerar requer concentração e esforço; revelação requer receptividade. Na receptividade não há espera. O instante é pura receptividade, há bodhicitta transbordando.Poder criativo é óbvio, mas aquilo de onde o poder criativo vem e onde o poder criativo descansa, é a revelação. Pode ser denominado Eternidade ou pode ser denominado Buda. A sua denominação é secundária em relação à verdade que está sempre inteiramente presente.Entendes? Este é um ponto muito importante. Bodhicitta, como compaixão ou sabedoria, é revelado através da realização do que está eternamente presente.Religiões do Ocidente e Oriente têm tentado ensinar compaixão. Muitas vezes o resultado é a supressão da imagem de quem te julgas ser, má e maléfica, sobreposta a outras imagens de quem achas que deverias ser - bom, justo e carinhoso. Isso leva a um enorme esforço psíquico para manter o lado negro ou o lado maléfico ou mente negativa, reprimido.A possibilidade é ver que existe antes de bom e mau, e que nisso nada é reprimido. Nisso, ambos bom e mau ardem. Não te vês como sendo a pessoa maléfica nem a pessoa bondosa.Quando não estás numa batalha entre a generosidade e o egoísmo, estás calmo. Não te estás a definir como generoso nem como egoísta. Quando não te estás a definir a ti próprio, a liberdade é reconhecida. Quando não há atenção colocada na acção ou na repressão de

22

Page 23: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

determinados aspectos, ironicamente, a generosidade é revelada como sendo o teu natural atributo.Deixa-me sublinhar, eu não estou, de forma alguma, a sancionar a explosão da negatividade. Ao estares disposto a ter experiência directa sobre aquilo que receias como sendo a tua natureza maléfica, sem reprimir e sem lhe dar força, a negatividade não pode sobreviver.

Geração, ou focagem, ou realização envolve força de vontade.

Sim, está certo. Vontade de ver o que já é.O que não precisa de força de vontade? O que não precisa de criação? O que não precisa de intenção?

É necessário sentar, meditar e reflectir.

Se o que queres dizer com meditar é imediatamente morrer para todas as formas e todos os pensamentos, então eu concordo. É essencial.Qualquer que seja a prática – chamem-lhe meditação, trabalhar numa loja, ou ser pai – levou-te a um ponto de reconhecimento, Aha! Aqui estou eu neste dilema outra vez. Nesta altura tens a possibilidade de ser absolutamente quieto, sem pensamentos de Buda, Cristo, bodhicitta, meditação, bondade, maldade – um instante de não-mente. Descobre aquilo que não precisa de prática para ser.Há uma experiência essencial que deve ocorrer e eu acredito que é aquilo a que te referes quando dizes que é necessário sentar. Esta experiência essencial vem, inesperadamente, da vontade de morrer. Vem da vontade de não conhecer o que as tuas relações sejam, o que a tua história seja, ou o que a tua forma seja, muito menos qualquer alteração a esse conhecimento.Quero dizer para atentamente não conheceres nada, para conscientemente não saberes nada.Na atenção alerta a tua mente pode tornar-se tão calma que a ideia de tu ou mente simplesmente não existe.

Quando Buda se sentou na árvore de bodhi ele já havia tentado muitas práticas e ele deixou-as todas para trás. Apesar do que aparecia tentando-o a ir para a frente ou para trás no tempo, ele ficou quieto.Ele morreu para qualquer ideia do que ele era. A sua realização não é separada da tua realização.

Permanência e Impermanência

Ao distinguir a sabedoria há o reconhecimento da tolice que é a perseguição de coisas impermanentes em busca da permanência. Quer seja dinheiro, comida, amantes ou grandes estados de espírito, é tolo procurar algo permanente em algo que é inerentemente impermanente.Distinguir sabedoria é essencial. Sem este discernimento, não há possibilidade do final reconhecimento daquilo que está permanentemente aqui.Reconhecer a impermanência é como um relâmpago abrindo a mente. Não uma crença, não uma esperança, não uma teoria – mas ver que toda a vossa ambição tem sido em vão. Toda a vossa rejeição tem sido em vão. Toda a actividade da mente tentando segurar, guardar ou negar tem sido em vão.

23

Page 24: Gangaji 5.1

Se vocês fizerem a ligação da realização com uma determinada experiência então, na vossa mente, a realização é uma coisa. Nenhuma coisa é permanente.

Tive algumas experiências de iluminação e bem-aventurança que duraram cerca de duas semanas. Mas como render-se ou abrir-se a esse estado permanentemente?

Primeiro, faz uma clara distinção entre o que é permanente e o que é impermanente.Pensamentos são impermanentes. Eles aparecem e desaparecem. No mínimo sabes que eles desaparecem todas as noites quando mergulhas em sono profundo.Todas as formas aparecem e desaparecem. Mesmo as mais sublimes experiências são forma subtil e, como forma, elas vêm e vão.Maturidade é o reconhecimento de que todas as coisas vêm e vão. Isto é a verdade. No início pode parecer uma verdade terrível. Não há nenhuma coisa que fique. Rende-te perante este terror e reconhece a impossibilidade de te segurares a alguma coisa. Não te podes segurar ao teu próprio corpo. Não te podes segurar ao estado mais desejável. Quando reconheces a impossibilidade de te segurares a alguma coisa, a entrega é possível. Na entrega, a presença permanente do ser é revelada.Como dizes, foi um vislumbre. A experiência de boa-aventurança que continuou por algum tempo é o resultado desse vislumbre. A forte tendência é tentar ficar preso a este sublime resultado. Não sabes bem como é? Ao sentires a doce experiência diminuir ou desaparecer, pode haver pânico ou agitação da actividade mental na tentativa de conservá-la. Claro, enquanto te agitas para conservá-la a doçura afasta-se muito mais rápido.Há um reconhecimento essencial que deve ocorrer para a mente reconhecer a sua fonte. Se tentas colar-te ao resultado desse reconhecimento, deixas escapar o reconhecimento do Ser agora.Se tentas colar-te a um estado de êxtase, embora sublime, deixas escapar o que é mais profundo do que a experiência extática. E uma vez que nenhum estado pode ser agarrado, desilusão é experienciada várias vezes.Por que não ficar agarrado ao que está sempre aqui? A isto podes colar-te. Isto é a eternidade, fora do tempo, embora incluindo o tempo. Eternidade não vem e vai. Não é uma coisa. É aquilo em que todas as coisas, incluindo todos os estados, nascem. Contentamento e não contentamento, extraordinário e muito ordinário, conforto e desconforto, aparecem aqui, na eternidade. Eternidade é o teu refúgio. Reconhece a eternidade em ti.Independentemente do estado que esteja ocorrendo, há aquilo que emana quietude, abertura, paz e claridade. Isso não é uma “coisa”.Primeiro reconhece o que é impermanente. Eu digo que todas as coisas são impermanentes, mas tu deves descobri-lo por ti. Quando realmente descobres que tudo é impermanente, tu imediatamente paras de procurar a permanência, tu vais imediatamente parar de procurar a permanência nas coisas, mas também nas coisas muito subtis como ideias, estados e experiências.A perpetuação do ciclo do sofrimento é conseguida quando se continua a tentar espremer permanência de algo que é inerentemente impermanente.

Estou confuso quanto à diferença entre a experiência daquilo que é permanente e a permanência em si.

Uma experiência é impermanente. Houve uma altura em que a experiência não existia. Em dada altura apareceu e noutra altura irá desaparecer. Um instante de reconhecimento daquilo

24

Page 25: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

que está além da experiência, uma experiência de iluminação, é um instante de não-experiência consciente. Há muitos momentos de não-experiência na vida ou mesmo num dia. Porque a tua atenção está normalmente fixada em objectos experienciados, a consciência onde a experiência de objectos ocorre é normalmente despercebida. A consciência passa despercebida a ela mesma.Encontra consciência e encontras permanência. Como tu encontras a consciência? Desistindo de procurar consciência como sendo uma coisa, um objecto.Pergunta a ti mesmo, Quem está consciente?

Acho que entendo o nó na minha cabeça, porque o que eu estou a tentar fazer é criar um conceito daquilo que é permanente para poder “ter isso”.

Agora, encontra o eu que está a tentar.

No momento que você diz isso, é destruído.

É destruído ou é revelado como de facto sendo imaginário?

Foi-se. Era imaginário.

Então o que precisa segurar-se a algo? Quem pode segurar-se a alguma coisa?

Neste instante, nada, ninguém.

Excelente! Isto é a verdade.

Mas eu quero encontrar uma forma de isso me ser apontado quando não estou aqui em satsang.

Se em algum momento tu imaginas que estás separado dessa presença permanente, vê se consegues descobrir quem está separado.Quando o nó é reconhecido como sendo uma impermanente invenção ou imaginação aparecendo ou desaparecendo na consciência permanente, não resta qualquer nó para ser desfeito.

Você diz que coisas e experiências vêm e vão e por isso são impermanentes. O meu ser no estado de abertura também vem e vai.

O estado de estar aberto, significando sentir-se aberto e pensar, Estou aberto, vem e vai. Em que é que este sentimento e este pensamento vêm e vão?Aquilo em que todos os impermanentes sentimentos e pensamentos vêm e vão é mais aberto do que um sentimento de abertura.Consciência não é limitada a nenhum estado particular. A verdadeira abertura é tão aberta que inclui estados de não abertura. Não é, Eu sinto-me aberto, e por isso eu sou aberto, mas antes, Eu é abertura e por isso tudo é experienciado.

Por isso, por definição, se alguém tem aquele vislumbre, não deveria estar sempre lá?

25

Page 26: Gangaji 5.1

Tu estás sempre lá.

Mas se fosse assim, nós seríamos todos conscientes.

Conscientemente, reconhece onde tu sempre estás. Reconhecimento não é atingir um novo estado, embora o reconhecimento provoque estados requintados e sublimes.Há tradições que te ensinam formas de atingir estados – grandes, poderosos, estados yoguicos. Aquilo para o que eu aponto é quem tu sempre és.Nada conseguido estava cá antes de se conseguir. Aquilo que é permanente não pode ser conseguido e não pode ser perdido.Sabes que as aparências não são confiáveis. As sombras não são confiáveis. As imagens não são confiáveis. Aquilo que tomaste como sólido e real não pode ser confiado como sólido e real. Qualquer coisa que venha e vá, mude ou desapareça, não é passível de confiança, a não ser confiar que irá vir e ir, mudar e desaparecer.Se procuras por aquilo que é absoluto, por aquilo que é permanente, então deves parar de procurar naquilo que é relativo e impermanente. Parar a busca revela o Ser como não-lugar e como não-corpo.Se apenas ouvires as palavras, podes ver alguma coisa em particular. Se perceberes o que é a substância das palavras e que as próprias palavras vêm e vão, então vês que as próprias palavras não são de confiança. No entanto, de onde estas palavras surgem, para onde elas apontam, onde elas existem e para onde elas retornam é em si permanente – verdade, presença inesgotável – aqui, agora e sempre.

Estou sempre com medo de o perder por isso devo estar em outro estado.

A experiência condicionada alega estares em estados. Na verdade, estados e experiências estão em ti.Tu dizes, “sempre com medo”, mas isto é uma mentira.Podes honestamente dizer-me que durante toda a tua vida não houve um instante em que o medo estivesse ausente?

Isso é verdade. Já existiram muitas alturas em que eu não senti medo.

Notas que quando dizes, “sempre com medo” negas a verdade? Podes impiedosamente dizer a verdade e reconhecer que ao negares mesmo que um instante de ausência de medo há a perpetuação do ciclo de identificação incorrecta e o sofrimento? Reconheces que o medo é impermanente?

Sim.

Ainda bem. Agora reconhece o que é sempre o mesmo na experiência de “medo” e na experiência de “não-medo”. Vê aquilo que é permanente.

A própria experiência vem da permanência, existe pela graça da permanência, retorna à permanência e por isso nunca é separada da permanência. Nenhum pensamento ou experiência ou sensação ou imagem que tenhas alguma vez tido de ti mesmo esteve separado da verdade de quem tu és.Ao libertares o teu esforço de te definires em objectos impermanentes é revelado o sublime segredo.

26

Page 27: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Ao desistires de todas as definições, o Ser encontra-se a si mesmo até numa definição! Nunca perdido, nunca obscuro. Buda em compaixão, Buda em fúria. Cristo em afirmação, Cristo em negação. Então os conceitos como permanente e impermanente são irrelevantes. Estes conceitos, também, são apenas jogos da mente.Que segredo! Nenhuma mente pode compreender este segredo.

A Natureza da Mente

A mente tem de continuar girando para aguentar a tua visão da realidade unida.Uma vez que a realidade pessoal é uma criação da mente, pode ser uma realidade tanto negativa como positiva. Podes ver o mundo como inimigo assim como podes ver o mundo como amigo.Claro, uma realidade positiva é muito mais agradável do que uma realidade negativa. É de facto através de uma realidade positiva que tu tens vislumbres do que está além da realidade criada pela mente, aquilo em que toda a criação surge.A prontidão para descobrires o que está antes da tua realidade pessoal, o que não está contido na tua realidade pessoal, o que já é e não necessita de prática, ou apoio, ou crença, é maturidade espiritual.Maturidade espiritual permite satsang aparecer na tua mente. Na tua mente ouves o chamado, Acorda! Acorda!Rende-te a esse chamado. Rendição mental é reflexão, descansar da mente ou não pensar. Reflectir significa desistir de todas as considerações, todos os registos, todas as medições e apenas ficar quieto. Uma mente reflexiva é alerta mas em descanso. Uma mente reflexiva é aberta. Então, naturalmente, inesperadamente e misteriosamente, surge aquilo que está reflectido.Encorajo-te a reflectires sobre a verdade, a reflectires sobre a liberdade, a reflectires sobre quem realmente és. Reflecte profundamente e ainda mais profundamente. Insight e revelação surgem muito naturalmente na reflexão. Sabedoria e claridade são produtos da reflexão, de não criar e não seguir a actividade da mente.Tudo o que eu sempre digo, independentemente de quaisquer palavras usadas, é para seres silencioso. Deixa todos os conceitos descansarem e dissolverem-se.Sê silencioso, tranquilo, e a glória e paz revelada são infinitas. Esta foi a mensagem do mestre do meu mestre, Ramana Maharshi, e esta é a mensagem do meu mestre, Papaji, e esta é a mensagem desta vida, Gangaji.Silêncio é uma abertura na qual a avaliação sobre eventos passados e a especulação sobre eventos futuros pára. Quando deixas toda a actividade mental parar, deixas a tua mente disponível para o desconhecido, para o teu Ser, o teu verdadeiro eu, o teu permanente eu, o teu eterno eu.Se imaginas que há algo entre ti e o teu verdadeiro eu, por favor, vamos expô-lo e ver qual a sua realidade. É imaginário ou é real?

É a minha mente.

Onde está a tua mente? Encontra-a agora. Se a mente é o obstáculo para te conheceres a ti mesmo, então temos de ver se a mente é real ou imaginada.

Não consigo encontrá-la agora. Para onde foi?

Sim, para onde foi? Para onde a mente vai no momento de investigação?

Não existe.

27

Page 28: Gangaji 5.1

Se algo não existe num momento e noutro momento parece existir, quão confiável pode ser?

Não é confiável.

Não é nem mesmo um obstáculo confiável, é?

Apenas continuo a acreditar nela. Continuo a alimentá-la.

Como?

Mantendo-a a funcionar.

O que é que manténs a funcionar?

A minha mente, escutando-a.

Onde está a mente? Encontra-a.

Em substância, não consigo.

Quando paras de ver a mente como uma substância sólida, o que é?

São os meus pensamentos.

Quando olhas para este pensamento, São os meus pensamentos, o que há aí? O que há quando tu de facto diriges a consciência directamente para o pensamento?

Nada.

Se o pensamento é insubstancial e não está lá, o que está?

Sentimento, emoção.

Encontra o sentimento, a emoção, e diz-me, o que está lá?

É imaginado.

Agora o que está lá?

Nada.

E este nada?As pessoas têm ouvido a palavra “nada” e talvez tenham toda a espécie de ideias sobre o que nada significa, como por exemplo o conceito de vazio. Eu quero saber, é isto nada ou é consciência, inteligência viva?

Às vezes é inteligência.

Se é inteligência apenas às vezes, não é uma inteligência confiável.

Sim, porque muitas vezes está nebuloso.

28

Page 29: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Isto que está consciente das nuvens e consciente de uma espécie de inteligência que vai e vem, o que é isto?

O que eu sou.

Sim!O que me estás a dizer é que quem tu és é aquilo que está consciente da existência de nuvens e que está consciente quando estas desaparecem. Estou a entender-te correctamente?

Sim, e eu julgo as nuvens.

É a consciência que julga as nuvens ou é esse julgamento que aparece na consciência como outra nuvem?

O julgamento aparece. Eu não gosto dele e então eu julgo.

Não gostar, aversão, desprazer aparecem. Nisto, a consciência do que acabaste de dizer é quem tu és? Ou estes estados são simples fenómenos aparecendo sob a forma de nuvens?

É outra forma de nuvem. Não é quem eu sou.

Estás a falar a verdade. Agora por um momento, aquieta-te neste insight.Esta coisa chamada mente que tu percebes como um obstáculo, não é apenas outro fenómeno?

Não é quem eu sou.

Se te ouvi claramente, acabaste de dizer que aquilo que tu és está sempre presente – a consciência de julgamento, a consciência da mente, a consciência de nuvem – consciência, ponto final.

Sim.

Consciência está sempre presente. Tudo o resto vem e vai na consciência.

Eu fico com raiva que os fenómenos venham e vão.

A raiva surge e mais uma vez temos uma camada de nuvens. Na tradição hindu estas camadas são chamadas de véus de Maya, porque a mente, esta nuvem, tem a capacidade de parecer partir-se em infinitas partículas.

Sou muito bom nisso.

Isso é um siddhi, um poder. A mente é o maior siddhi. A mente pode imaginar que algo é de determinada forma e então muito claramente reconhecer não ser assim. Não é um enorme poder? Este é o poder de Maya, o poder da ilusão, o poder do transe.

Sim, eu vejo o transe, cada vez mais. Eu vejo o hipnotismo.

Agora vê Aquele que vê.

O que é que ela faz para se sentir tão sozinha?

29

Page 30: Gangaji 5.1

Ela? “Ela” deve ser algum objecto que estás a ver. É “ela” uma identificação com algum fenómeno que surgiu na consciência ou é “ela” consciência?

Um fenómeno.

A consciência tem género?

Não.

Correcto. Sem género. A existência tem olhos?

Não.

A consciência tem ouvidos?

Não.

A consciência tem forma?

Não.

A verdade viva é revelada quando tu vês o que verdadeiramente está lá. Nada! Ninguém! Há algum momento em que isto que não tem olhos, ouvidos, género, não esteja totalmente presente?

Não. Está sempre presente!

Aquilo que está sempre presente é quem tu realmente és. Identifica-te correctamente como consciência presente e refugia-te Nisso.

Na minha mente eu sei que estas formulações, este corpo, todas estas coisas que eu faço, não são a verdade de quem eu sou. Porquê?

Saber isso intelectualmente não é suficiente.

Sim, eu sei!

Pára de saber qualquer coisa! Pára com a busca pelo entendimento intelectual. Pára de perguntar porquê. Cada vez que o porquê surge, apenas te leva mais fundo no intelecto. A única resposta para o porquê é por que não?Estás a ser chamado para o que está para além do conhecimento mental. Estás a ser chamado para a experiência directa. Estás faminto pela experiência directa e experiência directa não pode ser encontrada em nenhuma formulação do intelecto.Fica silencioso e depois mais silencioso e depois ainda mais silencioso.Fica silencioso para além da crença. Então aquilo que não pode ser conhecido revela-se a si mesmo, novo e antigo, para além de qualquer polaridade de conhecer ou não conhecer.O que é necessário no silêncio?O que sobrevive no silêncio?Fica aqui. Deixa que o silêncio dissolva a crença na substancialidade de uma existência independente.

30

Page 31: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Então não há forma de realmente saber, porque quando sabes, a tua mente está a interpretar o que a consciência é.

Há o puro ser, onde o ser individual obtém o seu poder. Há pura consciência que é, quando limitada, onde a consciência individual obtém o seu poder. O conhecimento puro não é conhecido, nem armazenável, porque é maior do que aquilo que pode ser conhecido através de memórias passadas ou categorias. É imaculado. Não deixa pistas. É onde o espaço está, então é ainda mais subtil do que o espaço.

E os insights? Não são eles apenas pensamentos?

Um pensamento insight, revelador, que seja original e puro, vindo directamente do teu vazio, não é mediado pela tua mente condicionada. Insight é o filho sagrado da união da consciência da mente com a sua fonte. Dessa união nascem sutras e escrituras.

Então essas revelações devem ser alvo de atenção?

Sim, são belas, reflectem a verdade.Fala-as. Escreve-as. Vive-as. Isto é o que a poesia é. Isto é o que a arte é. Isto é o que uma vida humana de verdade é.Em toda a glória dos insights, há sempre aquilo que é mais glorioso – a fonte em si. Presta atenção a isso.

Estou um pouco confuso com esta ideia de que o todo é Aquilo. Há pensamento e há não-pensamento. Há pensamentos que são apenas ruído e no entanto eu continuo a pensar que até esses são Aquilo.

Sim, completamente.

Então não é necessariamente um dilema?

Não é necessariamente um dilema.O dilema nasce quando segues pensamentos como se eles fossem o limite da realidade. Eles não são. Eles são ondas no oceano da consciência. O nosso condicionamento leva-nos a focar nas ondas como realidade. Sofrimento é então experienciado quando uma onda termina ou quando uma onda é maior ou quando uma onde é algo que outra onda não é. Nesse sofrimento, aquilo de onde essas ondas ou pensamentos surgem, aquilo de que são compostos, passa despercebido.O ensinamento que vem de Ramana e Papaji é permitir os pensamentos pararem. Fica quieto. No silêncio, a vastidão daquilo que existe antes do pensamento, antes da onda, assim como depois de todo o pensamento, depois de todas as ondas, reconhece-se na sua imensidão.Experienciamos limitação apenas devido à atenção que damos a estes pensamentos que são pensados e repensados e considerados como realidade. Os pensamentos em si não são mais do que impulsos eléctricos, ondas, realidade limitada. No entanto estes impulsos eléctricos, estas ondas, esta realidade limitada, são finalmente um com a ilimitada realidade absoluta.Consciência individual é sempre uma com a consciência pura ilimitada. Tira a atenção da onda e o oceano é visto. Retira a atenção da onda e diz-me, o oceano foi a algum lugar? Não está o

31

Page 32: Gangaji 5.1

oceano sempre presente, com ou sem onda? Não está a consciência sempre presente com ou sem objecto (pensamento)?

Então, mesmo a experiência de limitação é um pensamento, mas ainda é consciência ilimitada?

Sim! A experiência de limitação não é de facto limitação. O pensamento de limitação leva à experiência de sofrimento apenas porque existe a crença de que isso é real.Ao ser silencioso, ninguém pode encontrar-se limitado ou livre de amarras. Há apenas infindável, ilimitada consciência na qual todas as definições de limite ou liberação nascem e morrem.

Parece que sem pensamento o corpo não existe.

Excelente! Está certo. A experiência do corpo é o resultado de muitos pensamentos passados. Há um movimento para estes pensamentos do passado que irá levar o corpo até à sua morte natural. Não precisas de continuar a pensar em manter o corpo a funcionar. O corpo tem o seu próprio movimento.O corpo, como tu o descobriste, é apenas um corpo pensado. É um corpo-desejo nascendo de desejos passados. Deixa estes desejos irem embora e o seu poder para criar corpos futuros termina.

Na filosofia oriental, auto-realização é vista como sendo o fim do renascimento. O ciclo do renascimento é experienciado a cada momento. Simplesmente observa que tudo o que nasce, morre, e reconhece-te como aquele que observa. O corpo vem, o corpo vai. Uma emoção vem, uma emoção vai. Fenómenos estranhos vêm, fenómenos estranhos vão. Observa tudo vir e ir naquilo. Observa o que não precisa de qualquer movimento ou pensamento para ser. O ego é simplesmente um pensamento baseado na ideia de que tu és um corpo particular e isto é uma mentira. Todas as ideias que seguem esta ideia inicial, errónea são, por conseguinte, mentiras.Deixa de tentar segurar o corpo, de pensar a tua realidade. Isto é o princípio. O que é então revelado é tão secreto que não pode ser falado. Se for falado, já é uma distorção da verdade.Primeiro deixa cair tudo – apenas por um instante – e vê se alguma coisa foi perdida. E aí fala a partir da experiência directa.As pessoas muitas vezes têm medo de deixar cair tudo porque pensam que se isso acontecer perderão a capacidade de funcionar no mundo. Porém, no geral, acuidade do intelecto e da memória resultam desta libertação. Quando a mente não está constantemente perseguindo imagens e pensamentos do passado, há uma grande potencialidade para que a pura inteligência se expresse facilmente.Independentemente do que quer que eu diga, tu nunca irás saber antes de o descobrires por ti mesmo, certo? Tu nunca saberás o quão deliciosa é a sobremesa antes de a provares. Podes lê-la no menu. Podes olhar para os rostos dos teus amigos que a provaram. Podes ouvir as suas descrições. Mas é tudo em segunda mão.A sobremesa é o teu próprio ser. Está à espera de ser comido. Quando eu digo deixa cair todos os conceitos, o que eu realmente estou a dizer é para não apanhares nenhum conceito. Nem tens de passar pelo esforço de deixar cair alguma coisa. Simplesmente não apanhes nenhum conceito e faz um banquete com isso que és.

32

Page 33: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Há uma frase: “ A mente é como um macaco incansável – para ultrapassá-lo, recita sutras.” Eu não entendo se há algum sutra que consiga ultrapassar a natureza da mente.

Um sutra vivo pode. Um sutra vivo aparece em satsang e satsang está a ocorrer nas profundezas do teu ser.A origem dos sutras vivos é silêncio. Se te rendes ao silêncio, a tua mente será domada. O silêncio usa a mente para se expressar no sutra.A verdade viva, quer venha do Buda histórico quer venha do pedinte na rua, é verdadeira nutrição. Bebe-a, digere-a e então a mente é de bom agrado subserviente.Ouvi um dia que a religião é os carris em que algo vivo um dia passou. Nos carris pode haver uma enorme emanação de poder e verdade. Se os carris podem servir para inspirar-te a virares-te para a verdade, então devem ser honrados. Segue os carris até à sua fonte.Quando criança eu costumava recitar uma oração cristã e encontrava conforto nessa oração porque imaginava um anjo a meu lado e Jesus no Céu. Tudo estava bem e eu iria ser cuidada. Em determinada altura esse conforto não era suficiente. Eu precisava entrar no Céu.Aquela prece era uma forma de domar a mente de uma criança. Quando a infância termina, preces da infância não são suficientes. Finalmente, aquele que reza deve ser descoberto.Sutras surgem da revelação. Realiza-te e irás reconhecer que o Buda não é alguém separado de ti. As palavras de Buda, as palavras de Cristo, as palavras de um santo, são todas tuas palavras, a tua celebração, a tua devoção à verdade do Ser eterno.

Há alguma diferença entre liberação e realização?

Nos aparentes níveis da mente múltiplas diferenças, hierarquias, círculos internos, círculos externos e níveis de despertar surgem. Mas quando se acorda para aquilo que sempre tem estado acordado, que diferenças podem existir?Não há necessidade de negar a experiência da diferença, é a realidade da diferença que deve ser investigada.Onde existem as categorias e níveis? O que é necessário à manutenção dessas categorias?Onde existem os termos “liberalização” e “realização”?Se a tua atenção for direccionada para a categorização, tu deixas escapar aquilo que não é possível categorizar. Se imaginas diferenças como reais ao invés de aparências na realidade, sofres desnecessariamente. Descobrir a realidade liberta-te do limite das diferenças.

Eu quero entender, deixar-me ir e encontrar Deus.

Já leste muitas palavras e talvez tenhas estudado metafísica ou praticado técnicas e disciplinas de acordo com diferentes mandamentos religiosos. Agora tens de descobri-lo directamente por ti mesmo.Coloca todas as interpretações acerca da realidade, todas as especulações sobre a realidade, todas as conclusões acerca da realidade, de lado por um momento. Deixa que aquilo que existe antes de qualquer interpretação ou conclusão se revele. Deixa que aquilo que é intocado por qualquer categorização se revele.Apenas por outro momento, como experiência, resiste à tentação de defini-lo, filosofá-lo, ou conhecê-lo. Apenas por um momento descansa nisso e vê se o teu entendimento pode ir além das definições.

Então, ser é realmente uma dissolução?

33

Page 34: Gangaji 5.1

Sim. Uma dissolução de todos os pensamentos, de todos os conceitos. Uma dissolução de todas as ideias de quem tu sejas ou de que possas ser um dia ou de quem deverias ser ou quem tu esperas poder ser.

Você poderia explicar o que é o silêncio?

Não há forma de explicar o silêncio. Tu vives o silêncio.Não é algo que a que te dirijas e consigas ter. Se fores para a natureza ou para o teu quarto ou fechares os teus olhos, pode sentir-te mais calmo. Na natureza, ou num lugar sossegado, não estás distraído pelas tuas usuais preocupações. Essa paz de não-distração aponta-te o silêncio.Em silêncio tu reconheces que qualquer esforço nasce do silêncio e está, na verdade, procurando esse silêncio.Se disseres a verdade e estiveres atento ao silêncio, uma profunda descoberta é revelada. Estás em casa.Muitas pessoas param no sossego relativo, no prazer relativo, no conforto relativo, na felicidade relativa. Talvez não tenhas televisão em casa ou não vás a lugares barulhentos, mas o sossego relativo é condicional. Se por qualquer hipótese a vida te atirar para o meio do centro de Nova Iorque, onde está o sossego? É relativo, foi-se. Outra coisa relativa substituiu-o. A descoberta final da verdade é silêncio absoluto, incondicional. Então, onde quer que estejas, tu sabes que és o próprio silêncio, de forma absoluta.

O que eu vejo no silêncio é uma profunda solidão.

Sim, total solidão. Solidão é a verdade. Se vês isso, então não há razão para acreditar num aparente “eu” ou “outro”. “Eu” e “outro” poderão aparecer. Eles são apenas aparências no campo de solidão total.Verdadeira solidão é tudo.

A definição mental ou imagem de “sozinho” indica algo isolado, assustado, carente – algo em perigo. Essa não é a experiência directa de solidão. A verdade vista através da experiência directa de solidão reflecte paz profunda e amor.

Ontem depois do satsang fiquei silencioso. Eu disse, “Eu vou seguir o que a Gangaji diz e ficar silencioso.” Eu realmente saboreei essa quietude. Ao mesmo tempo, talvez por a ter saboreado, eu estava mais ciente do que nunca da minha actividade mental. Não há nada que eu goste mais do que essa espécie de quietude total de que você fala.

Mas eu não disse para conseguires o silêncio ou ficares silencioso. Eu não disse para fazeres silêncio. Eu disse sê o silêncio.

Eu estava a fazer os primeiros três.

As pessoas muitas vezes imaginam o silêncio como ausência de barulho e por isso há uma tentativa de suprimir qualquer coisa que pareça interromper o sossego. Silêncio é, e ser silencioso é reconhecer o que está sempre silencioso, independentemente de acontecimentos ou comentários sobre acontecimentos. Mesmo aquilo que parecer ser barulhento aparece no silêncio. Regressa a isso. Sê isso.

34

Page 35: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Que surpresa, este silêncio. No meio da turbulência, no meio de toda a actividade da mente, há silêncio. No intervalo entre pensamentos há silêncio. Antes do pensamento, há silêncio. Há silêncio depois do pensamento. Nenhum pensamento existe separado do silêncio.Sê silencioso. Saboreia o silêncio. Sê quem tu és.O desafio é então reconhecer que o silêncio está sempre presente. Investiga, trazendo o foco mente para dentro em vez de seguires o seu fluxo para fora. Relaxa, em vez de te esforçares em parar o fluxo da mente para fora. Descansa a tua mente.Não sou anti-intelecto, mas estou a sugerir que dês descanso ao intelecto ou à actividade do pensamento. Deixa a mente descansar na sua fonte. Este descanso é nutrição. O intelecto está faminto por nutrição verdadeira.Em descanso, a consciência individual expande-se e conhece-se a si mesma como não separada do mar universal da consciência. No silêncio não há separação entre “minha mente” e consciência. A separação é experienciada apenas quando o pensamento, “minha mente”, é aceite como realidade. Sê silencioso e vê.Está disponível para o desconhecido, para o teu ser, o teu verdadeiro ser, o eterno ser.Abre a tua mente. Fica disponível para o que é inconcebível, inimaginável, inesperado, inominável. A abertura imediata da mente produz maravilhosos subprodutos, mas não sigas os subprodutos. Seguir os objectos da experiência é uma grande tentação da mente.

Nunca ninguém mediu a profundidade do Silêncio. Tenta.Tenta que a tua mente meça a profundidade do Silêncio. O Silêncio está presente aqui e agora. Mede-o. Que agradável actividade para a mente.

O Coração da Relação

Eu estou a enfrentar aquilo que parece ser tentação como envolvimento emocional numa relação. Esta tentação parece desaparecer por longos períodos de tempo e de repente aparece em toda a parte.

O que queres dizer com envolvimento emocional?

Bom, atracção. Quando a atracção acontece de uma forma natural, quando não é procurada e quando há uma espécie de ressonância.

Algum problema com esta espécie de ressonância?

Não, não inicialmente.

O problema não é a atracção ou a ressonância ou apaixonares-te ou mesmo o envolvimento numa relação. O problema é o que a tua mente faz com tudo isso. Como podes tu não te sentires atraído? Não há necessidade de resistir à beleza.

Por um lado eu vejo a mesma beleza em todos os rostos à minha volta. Mas algumas vezes há também uma tendência para pensar que esta atracção pode ser usada como uma espécie de veículo. Talvez como um veículo para o prazer pessoal.

É importante ver a actividade da mente. Aquilo de que te estás a tornar consciente são as habituais estratégias da mente. Vigilância é a abertura para ver tudo aquilo que surge, ainda

35

Page 36: Gangaji 5.1

que não atractivo, incluindo a forma como a mente pega naquilo que é belo e fresco e distorce em algo velho e podre. Predispõe-te a sentir a dor dos resultados dessa distorção. De forma não sentimental, experiencia-o.Não sigas a tendência para pegar na beleza, castidade e pureza que são livremente oferecidas e distorcê-las em algo que pode ser usado. Se as usares, elas serão exploradas. Sê silencioso e deixa que a distorção arda.O karma nunca pode arder se não estiveres disposto a experienciar directamente o que quer que surja.A vigilância deve estar presente vinte e quatro horas por dia. A vigilância não é dura e rígida. Não é uma espécie de cuidado. A vigilância não está separada da consciência. Vê o que surge na tua vida momento a momento. E então experiencia o que está por trás.

O medo surge quando a mente muda e se torna focada ou apegada a outra forma física.

O que é que na verdade te atrai numa forma física, não importa quão bela ela aparente ser? Se disseres a verdade, tu vês que a real beleza não é a forma. A forma pode ser bela e muitas formas diferentes são belas de diferentes maneiras, mas o que é que realmente amas? O que é que realmente te atrai?

O ser?

É o Ser que brilha na forma e sem o Ser nenhuma forma tem animação ou mesmo existência. Reconhece o Ser como aquilo que amas e então a tua atenção nunca será desviada disso. Aprecia as formas infinitas que o Ser toma.Obviamente haverão algumas formas por que tu te sentirás mais atraído do que outras. Olha mais fundo até à fonte da atracção e verás. Mesmo quando uma forma particular muda, porque todas as formas mudam, e mesmo se desaparecer, porque um dia todas as formas desaparecem, não ficarás perdido. Não te sentirás perdido porque a tua atenção não se afastou do Ser, a verdadeira imutável beleza.Muita gente tentou afastar-se das atracções indo para grutas ou mosteiros ou para o topo de montanhas ou apenas encontrando disfarces. A atracção está presente no dia-a-dia como fazendo parte da forma – como homem e mulher, homem e homem, mulher e mulher, velho e novo, velho e velho, borboleta e luz, abelha e flor – toda a natureza é uma dança de atracção do Ser. Vê a verdade e a tentação de seguir qualquer hábito de posse ou rejeição irá arder nessa verdade.Se sentes medo de alguma coisa, há uma tendência para desviar a tua atenção do que te provoca medo. Confronta a tentação temida da atracção pela forma. Vê o que está na sua raiz. Se na sua raiz encontrares desejo pela posse ou controlo, experiencia a futilidade e o sofrimento desse desejo. Experiencia a falta de controlo, experiencia a perda, experiencia não teres o que desejas. Na experiência directa, firme, tu verás, claramente, que o que realmente amas e desejas é o Ser. O Ser sempre brilha a partir do teu centro.

Eu de facto vejo um pouco isso. Eu também vejo as tendências latentes da mente que surgem à volta do medo de envelhecer sozinho.

Deita-te e experiencia envelhecer sozinho, sofrer e ficar sem um centavo. Não desperdices nem mais um momento. Deita-te e experiencia este medo.Envelhecer é a morte da esperança na eterna juventude. Confronta a tua morte. Se conseguires experienciar a morte num corpo jovem, que maravilha. Pensa quanto tempo desperdiçado em corpos jovens na esperança de nunca envelhecer.Experiencia esse medo. Então a restante vida do teu corpo - quer seja por uma hora, por trinta dias ou por cem anos – será vivida livremente.

36

Page 37: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

A tendência latente que te persegue também te serve. Ela serve porque revela o medo de uma coisa não experienciada. O convite é para a experienciares directamente o que tem sido rejeitado. Numa experiência directa, a falsa identificação arde.

Quando estou sozinha eu experiencio facilmente muita da paz que é falada em satsang, mas quando estou numa relação próxima com um homem, subitamente há muito mais drama, muito mais estória, muito mais dificuldade com aquilo que experiencio como verdade.

Dizes que a paz é óbvia quando estás sozinha. Depois “estás com algo”. Este “estar com algo” é a relação sujeito/objecto.A relação com objectos é a base do drama. No drama, o objecto é tido como separado de ti, o sujeito. Dar o nome ao objecto como “homem” dá início à caracterização do objecto. De seguida, na tua mente, as categorias chegam: “eu” ou “não eu”, “ele” ou “não ele”, “íntimo” ou “não íntimo”, “suficiente” ou “não suficiente”. Este é só um esboço básico. O drama familiar que advém de uma relação comum é bem novelesco. Quem está a ganhar, o sujeito ou o objecto? Como conseguir mais do objecto? Como ordenhá-lo? Como espremê-lo? Como impedir que o objecto desapareça? Como fazer com que o objecto desapareça? E por aí adiante…A relação sujeito/objecto é a eterna frustração porque o que tu realmente desejas não é o objecto. O que é realmente desejado é o que dá vida a todos os objectos – o ilimitado Ser. O objecto em si é simplesmente um objecto de percepção. Sendo a percepção limitada, não pode perceber o ilimitado.Reconhece a peça como divina tragicomédia. A tua frustração na tentativa de objectivar a verdade pode ser vista como a última comédia. Terás boas gargalhadas. Numa boa gargalhada, onde está o homem e onde está a mulher? Num instante de verdadeira gargalhada, beleza sem objecto é revelada.Não estou a querer dizer que agora tu deves ver tudo o que parece um homem como “não homem”. Primeiro vê por ti e depois diz-me, quando isto que verdadeiramente és for reconhecido, é isto homem ou mulher? É isto humano ou planta ou rocha ou árvore ou animal? Está isto limitado por alguma definição que nele surja?A crença em “mim” ou no “outro” reflecte condicionamento profundo. Nos momentos em que nenhum aparente outro está por perto, foste agraciado com o reconhecimento da paz expansiva. Agora é importante que a aparência de outros surja. Agora tens a oportunidade de descobrir a verdadeira profundidade da graça inicialmente reconhecida na não aparência do outro.Se a graça está limitada à não aparência do outro, é uma graça condicional. Sê verdadeiro à graça revelada vendo se a aparência do outro realmente cobre tudo de nuvens. Sê vigilante. Experiencia como as nuvens de conceitos apenas parecem cobrir a paz pura e perfeita. Vê a partir do centro do teu ser e pacificamente verás através de todas as nuvens.É tempo de desceres do topo da montanha e reconhecer satsang no mercado, na rua e no quarto, assim como para além do espaço e do tempo. De outro modo, isto que experienciaste enquanto isolada é limitado.Quando tu descobres o que é ilimitado, tu descobres o que está para além da experiência de outro ou não-outro.Isto é a realização. Seja qual for a experiência, a realização não pode mudar de lugar.

Embora fisicamente me possam deixar, a sua consciência não pode deixar-me porque a sua consciência e a minha consciência são a mesma, certo?

37

Page 38: Gangaji 5.1

Se isto for memorizado para te ajudar nos momentos em que experiencias o abandono, deveria ser intitulado, Confiar na Filosofia em Momentos de Necessidade. O que dizes é verdade, mas e aí? Se não for de facto realizado é apenas algo que queres que seja verdade, ou que esperas ser verdade, ou talvez tentes mesmo fazer verdade de uma afirmação como, Não estou separada; talvez eles me possam deixar em forma, mas a sua consciência é a mesma que a minha. Podes obter conforto com essa afirmação, mas não estou a falar de conforto. Vê quem tu és esquecendo todas as relações. Acorda para a tua verdadeira natureza. Experienciando dor e perda, encontra a dor e a perda inteira e completamente e descobre que no centro da dor, ali estás, sem dor. No centro da perda, ali estás, encontrado. O encontro deve ser total. De outro modo é um exercício. Não estou a dar-te exercícios. Estou a jogar os teus exercícios fora.A verdade deve ser vista em primeira mão. Informação em segunda mão pode servir como uma ponte mas, por fim, tu não estás satisfeito em apenas ficar em cima da ponte e recitar o que ouviste dizer sobre o outro lado. Finalmente tu deves conhecê-lo por ti mesmo. Obviamente, uma grande determinação é necessária. Determinado, rende-te. Uma grande determinação é necessária porque o condicionamento passado nega ou distorce o verdadeiro desejo. Mesmo o condicionamento espiritual atrasa a tua travessia com contos sobre o que está do outro lado.Experiência directa, encontro directo, é o fim radical da busca – nenhuma desculpa é aceite, nada é excluído.

Com a pessoa que amo eu tenho a tendência a abrir-me e depois retrair-me.

Então pára.

Já parei com muito disso.

Para com tudo. Consegues encontrar alguma boa razão para continuar?

Não.

Bom, então pára com isso. O que poderia ser mais simples?

Eu paro mas depois parece que volto e retomo.

Não retomes. Vai fundo no parar, fundo no abrir. Abre para além do corpo, para além das emoções. A verdadeira intimidade está para além do sentido de eu e meu amante.A mente aberta revela o eterno centro aberto. O centro não fecha. O centro não vai para trás e para a frente. A projecção e os véus da mente criam experiências de abertura e fecho. Estas experiências não afectam o puro, a consciência imutável que é o teu verdadeiro eu.Abre-te de forma não-sentimental, de forma impiedosa e corajosa. Com a abertura não há discussão sobre porquê de não de te conseguires abrir ou o que está a bloquear a abertura. Põe fim à discussão. Não tens de olhar para trás. Se o impulso para te retraíres surgir, deixa que o impulso seja o sinal para uma não discussão, apenas abertura. Poderás sentir desconforto e dor pelos “fechos2” passados. Abertura é também abertura a todos os “fechos” passados.Experiencia a dor directamente e acaba. Põe fim ao drama karmico de abrir e fechar. Quer fiques com o teu amante quer o deixes, permanece aberta. Abertura não é sobre ficar ou ir. A acção certa segue a verdadeira abertura.

2 assuntos terminados, finalizados.38

Page 39: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Se há um sentido de poder no “fecho”, oferece este poder de “fecho” à abertura. Poderá surgir o pensamento, Bem, mas e se eu quiser fechar? Desiste da possibilidade de fechar e então até o impulso de fechar é o veículo para uma abertura mais profunda. A mente aberta reflecte a abertura ilimitada do centro do ser.

O que eu percebo é que quando me apaixono isso ultrapassa-me.

Sim, medo do amor é o mesmo que medo da morte. No render-se ao amor há morte. É a morte da objectivação. Deixa-te apanhar pelo amor e não haverá retorno.

É esse o motivo porque mesmo o amor é doloroso?

A dor verdadeira do amor é dor divina. É a dor do preenchimento. Esta dor requintada é a explosão da consumação de Deus e da alma.

Por favor, fale sobre tomar a decisão de terminar uma relação com alguém que se ama.

Se ainda não a terminaste é porque estás confuso sobre o seu fim.O que realmente queres?Se queres a verdade mais do que a relação, então a claridade naturalmente se revela.Quando a verdade é essencial, fica óbvio quando uma relação é para ser continuada ou terminada. Se colocas a relação acima da verdade, então nunca haverá claridade. Quando a relação é o mais importante, estás a pedir que a relação te dê algo que não tem capacidade para dar.Pára tudo. Aquilo em que a relação ocorre é de longe maior do que a relação. É aquilo que amas numa relação e em tudo o resto. É aquilo que é a fonte de toda a claridade.Há experiências profundamente dolorosas e há experiências profundamente alegres. A verdade é maior do que todas as experiências. Tu és a própria verdade. Sê verdadeiro para ti mesmo e então tudo fica claro. Se há algo que é abusivo ou doente ou distorcido numa relação, não pode permanecer escondido sob a luz da verdade.

Quando estou com alguém numa relação, parece que consigo aperceber-me3 de coisas que se passam com eles e eu não sei se é uma projecção da minha mente ou se é algo que de facto vem deles.

Em último caso não importa porque vem tudo da mesma fonte. Retorna à fonte. O teu regresso ao silêncio é a purificação de toda a actividade da mente.

Não sei bem qual é qual.

Não importa qual é qual. Apenas sê silencioso e tudo é libertado. Quer seja algo originado na tua mente ou nas suas mentes, em último caso é a mesma mente, a mesma fonte. Retorna à mente aberta. Reconhece que a presença revelada na mente aberta é contínua. O teu reconhecimento muda a vibração do mundo e convida o mundo inteiro à abertura. Nesse

3 Aperceber = notar, perceber com todos os sentidos, um perceber intuitivo39

Page 40: Gangaji 5.1

convite, se existir algo ainda por queimar, é revelado. Sê vigilante quanto ao que ainda está por queimar e o incêndio continuará queimando.Tu experiencias o sofrimento do mundo como “outro”. Independentemente da experiência, tudo continua a ser o nosso próprio ser. Se estás disposto a regressar à presença do silêncio mais do que te envolveres na história de quem é a culpa, então o sofrimento é liberado. A claridade da acção naturalmente se segue a este instante de liberação.Primeiro descobre a presença contínua em ti. Aquilo que está sempre presente deve ser descoberto. Isto é essencial. Quando a presença contínua for descoberta aqui, onde tu estás, toda a tua vida é um veículo a descobrires em todo o lugar.

O que eu entendo é que um verdadeiro encontro só pode ocorrer no presente. No momento parece existir algumas dificuldades entre a minha namorada e eu; ela pede-me para resolver tudo. Resolver, para ela, parece querer dizer ir directo ao passado. Eu vejo que apenas num novo encontro a cada momento as coisas se podem soltar e resolver.

Cuidado para não usares o conceito de verdade como uma arma filosófica. Se o passado está a confrontar-te, não negues esse passado. A mestria4 está em não o negar, não o reprimir e não o seguir. Então irás vê-lo como sendo inexistente. Não como uma crença da sua inexistência, esperança da sua inexistência, pensamento da sua inexistência, mas a descoberta da sua inexistência.Muitas vezes, o que acontece depois de uma experiência do passado como inexistente ou depois de ter ouvido alguém dizer que o passado é inexistente, é a formulação de inexistência num conceito. O que se segue à conceitualização é uma muito subtil – ou não tão subtil – negação do que surge. Enquanto tudo parecer existir, confronta-o e descobre que apenas a Verdade, que é eterna, realmente existe. Quando estás disposto a encontrar, inteiramente, tudo o que surge, tu descobres a própria eternidade – no centro do passado, presente ou futuro.Se resolver tudo significa alguma espécie de análise sem fim de quem disse ou fez o quê e por que razão, resolver tudo acaba por ser inútil. A análise sem fim é útil apenas para, em última instância, provar a sua inutilidade. Que enorme alívio nisso.Enquanto o teu mecanismo corpo-mente aparecer, há alguma aparição do passado. Quando a fome surge e tu sentes desejo de comer, este desejo vem da lembrança da saciedade da fome através do alimento. Reconheceste por te teres primeiramente identificado como forma, desde o protoplasma até ao ser humano, que satisfazer a fome dá continuidade ao organismo. Não há qualquer problema em dar continuidade ao organismo a menos que te julgues erroneamente limitado a esse organismo. Este é um erro antigo. Talvez o pecado original. Se te identificas com o corpo, experiencias desejo como uma real necessidade à sobrevivência do ser. Claro, o teu corpo deve ser alimentado para sobreviver, mas tu não és o teu corpo. Tu sobrevives a todos os corpos. Não estás limitado ao passado, não estás limitado ao presente e não estás limitado ao futuro.Deixa cair toda a identificação com a limitação e vê o que fica. Então, se experiências de limitação reaparecerem elas serão vividas como a grande peça de Leela, o teatro de Deus. Nesse instante descobres o segredo que liberta da identificação, quer como vítima quer como agressor. Esta é uma fronteira tão ténue e esse é o seu requinte.Foi dito que depois do despertar o corpo pode ser descartado imediatamente. Se isso acontecer, óptimo. Se não acontecer, então participa na requintada peça de Leela. Poderão existir momentos difíceis, relações difíceis e experiências difíceis. No centro da pior dificuldade, do pior horror, do pior sofrimento, no absoluto centro de tudo, a Verdade é descoberta, descobrindo-se a si mesma.

4 A arte, o segredo, o truque40

Page 41: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Renuncia à indulgência de seguires os sentidos como mestre e renuncia a rejeição do surgimento da experiência sensual. Em algumas disciplinas há um esforço para negar a experiência sensorial. Noutros sistemas de crenças existe a prática de glorificar os sentidos por estes satisfazerem o desejo final. Ambos são becos sem saída.Não sigas nem negues. Este é o segredo. Tu tentaste ambos os caminhos. Tanto a tensão dos impulsos sensoriais da negação, como a distração em seguir estes impulsos, causa sofrimento desnecessário. O desafio é ficar quieto, não reprimir e não ir atrás. Então qualquer encontro é satsang e satsang é o encontro com a verdade. O passado é sempre bem-vindo a satsang.Não há nada que te afaste da realização da tua inerente, permanente, presente liberdade excepto a tua imaginação de que alguém ou algo está a afastar-te disso. Quer esse alguém seja chamado de “eu e a minha personalidade” ou “eles e o que eles me fizeram” ou “o que eles me possam vir a fazer” ou “o que eles me estão a fazer”, é tudo estorinha. Um infindável comentário baseado em nada.Em satsang alguém um dia disse, “A iluminação é retroactiva”. É verdade. Tu verás que todo o teu passado é tanto perfeito como inexistente. Quando reconheceres a verdade inerente e permanente no centro de todas as experiências, tu verás que a verdade sempre esteve presente e que a vida se resumiu sempre a isso. Por vezes apareceu de forma distorcida, feia, ignorante, mas mesmo assim, toda a tua vida se resumiu a isso.Este é o nascimento divino que está em todo o lado e em toda a gente. Não um especial nascimento divino, mas aquele que nunca pode ser separado do divino. Nascimento, morte, relações, vazio, preenchimento, existência e inexistência tudo vem do divino, tudo existe pela divina graça e regressa, por fim, ao divino.

Já pedi ao meu marido de 24 anos para me acompanhar nesta viagem espiritual. O que eu quero dele é uma espécie de campo ressonante que venha do coração. A sua brilhante cabeça está tantas vezes afastada do coração.

O problema pode estar na palavra “coração”. Muitas vezes o uso da palavra “coração” refere-se ao centro emocional. Quando eu uso a palavra coração, estou a falar do centro do ser. A verdadeira presença do ser revelada quando tudo o resto é afastado. A vida sendo. Tudo provém desse centro. O verdadeiro coração é o centro do ser.A jornada até ao centro não é sobre conhecimento passado. O Buda não é sobre o passado. Cristo não é sobre o passado. O que está para além do passado, presente e futuro? O que está mais presente do que o presente?Sê quem és. Isto foi o que o mestre do meu mestre disse. Para seres quem és tens primeiro de descobrir quem és. Então, a questão essencial é, “Quem sou eu?” Sabes o que te disseram seres. Sabes quem tu acreditaste ser, e tudo isso é mutável.Ser quem tu és significa ser real, finalmente. A realidade é imutável. Ser real significa ser imóvel naquilo que é imutável. Então o teu marido não tem de te encontrar em determinado lugar que só tu experienciaste. Ele pode mesmo nunca falar de um campo ressonante. Ele pode mesmo nunca falar do coração. Descobre o teu verdadeiro eu nele, redescobre numa formulação diferente.

Sendo eu própria?

Sim, sendo verdadeira para quem tu és. Se fores totalmente verdadeira para quem és, reconheces que ele é o teu próprio ser.

41

Page 42: Gangaji 5.1

Que enorme, infinita, maravilha isso é.Claro, queres convidá-lo, ao teu próprio ser, para o potencial total. Seres verdadeira com a verdade é o convite mais atractivo.

A outra revelação que eu tive é este sentimento de amor imenso.

Sim, é o verdadeiro amor. As emoções que emanam da realização da verdade são emoções verdadeiras, não emoções sentimentais girando à volta de um imaginário tu e tuas necessidades. O verdadeiro amor nunca foi medido. O amor imenso, ilimitado, é o verdadeiro amor.

Daqui a cinco semanas eu vou casar-me. Nunca me considerei do tipo casadoiro5. Gosto da liberdade que tenho de ir onde sinto vontade. Tem trazido muito desconforto.

A peça teatral do casamento para alguém em particular é a peça divina, um símbolo e uma celebração da verdade, daquilo que já é.Muita gente tem a ideia de que a verdadeira liberdade é a liberdade que o corpo tem de fazer apenas o que deseja. Já experienciaste essa liberdade relativa e reconheceste que seguir os desejos pessoais é limitado, que a verdadeira liberdade é algo mais. Há uma liberdade mais profunda do que ir atrás de desejos. Pensar que és livre porque consegues fazer o que queres é uma ideia infantil de liberdade. A verdadeira liberdade não tem nada a ver com qualquer desejo.O compromisso com o casamento é uma espécie de morte, não é? A morte das ideias de eu e minha liberdade.Eu celebro o verdadeiro casamento. Quando reconheces que aquilo que és é em primeiro lugar ilimitado, os limites do casamento são expressões paradoxais dessa liberdade e beleza. O verdadeiro casamento é uma reflexão da ligação inseparável com a totalidade da vida. Sê fiel a esse abraço independentemente de qualquer desconforto, independentemente da pressão do desejo.Muitos casamentos são meras instituições de servidão e propriedade. O verdadeiro casamento é a celebração da liberdade. É sangha, o apoio uns aos outros na devoção pela verdade. Isto é o casamento do Ser com o Ser.

É um problema a minha mulher não partilhar da mesma fome pela verdade?

A tua companheira irá apanhá-la de ti ou o casamento terminará. É simples.Quando conheci o meu marido e antes de termos casado, tudo o que eu queria era um marido. Achava que casar iria trazer-me total preenchimento.Eu apanhei a fome da verdade dele. Toda a sua vida girava à volta da verdade. Que sorte o destino ter-me trazido até um homem que amava mais a verdade do que me amava a mim. Ele servia a verdade mais do que me servia a mim. Ele era casado com a verdade mais do que ele era casado comigo. Para o nosso casamento acontecer eu também tive de encontrar a verdade. Uma vez encontrada a verdade, não podemos evitar apaixonar-nos.Deixa que o teu casamento fique ao serviço daquilo; e então, independentemente dos problemas, dos desconfortos, e das provas, será um verdadeiro casamento. Se o casamento estiver ao serviço do ego de cada um, o que normalmente acontece, é um casamento falso.Serve a verdade, que nunca está separada do amor.

5 casadoiro = que casa.42

Page 43: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Desejando o Amado

O desejo pelo verdadeiro Amado não está contido nem mesmo no último momento de realização. O abraço do Amado deve ser sempre fresco, sempre vivo, sempre novo.Sempre que o desejo surge poderá provocar as respostas habituais de satisfação do desejo através de alguns objectos, algumas experiências ou qualquer outra coisa que não ele mesmo. Estas respostas são tendências latentes da mente. Estas tendências reflectem a forma como fomos ensinados a lidar com o desejo.O desejo divino é para realização profunda da totalidade do ser. É muito útil. Não o afastes. Não movas o foco para a agitação mental à sua volta. Ele expõe até a mais leve identificação errónea de ti como separado do Amado.Este desejo é um enorme presente. É um presente de Deus. É o desejo da alma e irá continuar até que não tenhas nenhuma sombra de dúvida de que estás submerso no Amado.

Você quer dizer para não confundir desejar com a dúvida?

A dúvida provém da actividade da mente. O desejo é mais profundo do que a actividade mental. Ao invés de mergulhar directamente no desejar e experienciá-lo, há muitas vezes o impulso para passar a uma relação mental com ele: O que significa? Significa que sou má? Significa que o consegui? Significa que nunca o conseguirei?

O desejo é uma chamada. Um lembrete6 de que a atenção foi desviada para algum objecto.O desejo é o teu grande aliado. É o teu anjo da guarda gritando, “Volta. Volta.” Não o afastes. Não o tentes encher com ideias ou expectativas ou conversa ou dúvida. Cai directamente nele. É um veículo em espera.

Você quer dizer para me abrir totalmente a ele?

Sim, abre-te totalmente.Há muitas vezes mal entendidos à volta do nascimento do desejo. Para corrigir o mal entendido, pára de tentar alimentá-lo na esperança de que se vá embora. Graças a Deus as tentativas para nos livrarmos do verdadeiro desejo não funcionam. O verdadeiro desejo é um amante persistente. Não se afasta por insignificâncias. Não se afastará depois de uma experiência comum. O verdadeiro desejo afastar-se-á apenas com a sua consumação.A abertura é possível apenas se parares todos os pensamentos sobre ele. Coloca todos os pensamentos de parte e permite-te estar desejoso. Não faças separação entre ti e o desejo. Quando confrontado directamente, desejar revela aquilo que é desejado.

É o eu que deseja e o desejar a mesma coisa? São ambos apenas uma experiência sensorial?

O eu deseja por ele mesmo. O desejar é reconhecido através da experiência sensorial, mas a fonte do desejo é mais profunda do que os sentidos. Cai através dos sentidos. Atravessa os sentidos no teu caminho até à fonte.Se entenderes a linguagem do desejo, conhecerás um idioma secreto. Não pode ser traduzido. Os Sufis tentaram traduzi-lo. Os Hindus tentaram traduzi-lo. Os místicos cristãos tentaram traduzi-lo. Agora tu queres traduzi-lo, sim?

Está no sim! (risos)

Sim! E está no riso.

6 Lembrete = apontamento para ajudar a memória, para lembrar43

Page 44: Gangaji 5.1

Não retraias nada. Mesmo que não ouças nada do que eu digo, ouve isto: O desejo é o chamado da tua própria alma. Estás em satsang, então eu parto do princípio de que estás aqui porque o desejo te chamou.Escuta.Dá ao desejo a totalidade do teu ser.

Quando descobrimos quem somos, a ansiedade e o desejo cessam?

Descobre e então diz-me. Coloca a opinião dos outros de lado. Nenhuma opinião de outrem irá satisfazer-te. Eu poderia partilhar contigo a minha experiência, mas e então? É mais valioso se eu puder apontar-te a experiência directa. Então tu falarás a partir da tua própria experiência. Não a partir de alguma crença ou esperança, mas a partir da tua experiência directa.Estás pronto para descobrires por ti mesmo a verdade do ansiar e do desejar?

Sim.

Então vai direito a isso.Sê absolutamente7 consciente disso.Põe fim à distracção de imaginar o que poderá vir a ser ou o que poderá ter sido. Entrega tudo ao puro desejar. Neste momento, entrega qualquer sensação, qualquer pensamento, qualquer emoção ao desejar. Atira tudo o que tens neste fogo.Há uma linda estória de um mestre Zen que, no seu regresso a casa vindo do mercado, viu os seus vizinhos correndo em direcção a sua casa com baldes de água.“O que está a acontecer?” ele disse.“A tua casa está a arder,” eles responderam.Eles corriam atirando baldes de água na casa e retiravam os seus pertences para fora, em segurança. Ele imediatamente começou a atirar os seus pertences de volta para dentro da casa que ardia. Ele começou a acender archotes8 para juntar ao fogo.

Jogar tudo no fogo é necessário quando ouvimos o chamado do Amado.Se algum conceito do que pode satisfazer o teu desejo começar a escapar ou algum vizinho afável começar a puxar as coisas para fora, pega-lhes e atira-as novamente no fogo. Deixa que o fogo fique enorme e se os teus vizinhos forem sensatos eles trarão archotes para incendiarem as suas casas.Quando um incêndio é atiçado num determinado grau de loucura, ele espalha-se. Deixa que o fogo do desejo se enfureça. Joga nele todos os conceitos que tens sobre ti. Deixa que tudo arda. Então tu irás ver directamente o que é este desejo. Nessa visão, tu verás aquilo que não pode arder. Tu verás o teu verdadeiro eu.Este é um fogo sagrado. Este é um fogo extático. Só é doloroso se colocares o teu pé dentro e o tirares pra fora, voltares a colocar o pé dentro e o tirares. Joga-te para dentro do fogo!Não desperdices um momento. Não penses mais nisto. Joga-te.

É a ansiedade ganância?

7 Absolutamente em português de Portugal tem sentido positivo = totalmente, independentemente de qualquer condição. 8 Archote = tocha, facho

44

Page 45: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Ganância por mais objectos é uma distorção da verdadeira ansiedade. Ganância por mais experiência sensorial tem a ver com o corpo, com alimentar os sentidos evitando o chamado deste mais profundo anseio. O mais profundo anseio é o desejo pela Verdade.Reconhece que a ganância mal colocada apenas tem levado ao sofrimento e mesmo assim o desejo não foi satisfeito por nenhum objecto, nenhum prazer sensual ou conquista. Este reconhecimento é maturidade.O hábito comum relacionado com a ansiedade é virar a atenção para a actividade da mente. Podes esconder-te na fantasia de voltar para o teu primeiro amor ou fantasias de novos amores. Podes imaginar que regressar ao útero da tua mãe ou ao Jardim do Éden põe fim ao teu anseio. Todas estas esperanças fantasiosas de que o desejo cesse são tentativas de escapar ao chamado.O preenchimento do desejar não é encontrado lá atrás no útero da tua mãe. Não é encontrado em lugar nenhum lá atrás. Não olhes para trás. Também não é encontrado lá à frente. Não olhes em frente. Entrega-te ao próprio anseio, agora. Esta entrega revela o Amado.O teu anseio é pelo verdadeiro romance. O verdadeiro romance nunca pode ser satisfeito através de mera paixoneta9 ou resposta bioquímica. O verdadeiro romance é o amor da alma por Deus. É o chamamento da alma por Deus. É o chamado que Deus dirige à alma. Satsang aponta de volta para a fonte por que a alma anseia.Antes do anseio surgir pela primeira vez, existe uma prostração espiritual. De alguma forma, no curso da evolução, o desejo surge por aquilo que é desconhecido. O impulso habitual é preencher os espaços do desconhecido com aquilo que é conhecido. O impulso fixa-se no desejo pelo amante, desejo pela mãe, desejo pelo pai, desejo por algum objecto que prometa preenchimento. Esquece o anseio por alguma coisa e sê o anseio. Descobre que és aquilo por que anseias.Ao referir-me a ti, não estou a referir-me a alguma imagem de ti, a alguma sensação de ti, alguma memória de ti, a algum conceito de ti. Eu refiro-me a ti como realmente és. Não como te imaginas ou sentes ou acreditas ser. Aquilo que realmente és é o desconhecido por que anseias.

Estás pronto? Já experimentaste a ganância? Já experimentaste a luxúria?Já experimentaste tudo, mas não experimentaste coisa nenhuma (no-thing)?

Sê coisa nenhuma (no-thing). Achas que sabes o que ser coisa nenhuma significa?Qualquer suposição sobre o significado de “nada” é baseada na falsa suposição de que és alguma coisa.Ao acreditares ser alguma coisa, tens trabalhado muito para melhorar essa ‘alguma coisa’ e manter essa ‘alguma coisa’ na falsa esperança de encontrar o preenchimento em alguma coisa.O teu desejo é um poderoso e austero lembrete do teu falhanço.Confronta o teu falhanço. Confronta o desejo que tens procurado fortemente ignorar ou alimentar com alguma coisa.Quando verdadeiramente confrontas o desejar e te rendes ao seu chamado, o nada revela-se por si.Coisa nenhuma não é um espaço morto de abismo.O verdadeiro nada é a infindável face radiante do teu próprio Ser.

9 Paixoneta = paixão ligeira ou ridícula45

Page 46: Gangaji 5.1

Eu sinto que este desejo é uma ferida profunda dentro de mim. Não importa se a minha vida é boa, esta sensação nunca muda. Já olhei para isto psicologicamente e já pensei que talvez eu simplesmente não consiga ser feliz.

As circunstâncias podem ser perfeitas relativamente a desejos passados mas tu nunca serás realmente feliz até descobrires a verdade que tu és.É bom que essa ferida de que te apercebeste, este desejar, não te deixe em paz. Ele não te deixará assentar numa ideia de felicidade.Conheces a estória da princesa e da ervilha? Apesar dos muitos cobertores colocados por baixo desta tão sensível princesa, ela continuava a sentir a ervilha.Finalmente o colchão deve ser desviado para que se descubra o que está a chamar a atenção para si mesmo. Segue o chamado até ao centro.Mergulha no chamamento e vê o que não te deixa em paz até ser descoberto.

Faz-me sentir inquieta.

Sim, é uma inquietude. Sem essa inquietude talvez te sentisses contente em viver o estilo de vida que estava pré-programado para ti. Talvez te sentisses contente com o teu sucesso, ou com o teu compromisso, mas de facto tu não estás contente. É descontentamento divino. Inquietude ou descontentamento contêm em si, no seu centro, a verdade do preenchimento.Já viste que as circunstâncias nada têm a ver com a real e permanente felicidade. Felizmente a acumulação de mais coisas boas não cobriram a inquietude, a ervilha. Agora mergulha directamente na inquietude e vê o que está realmente lá.A história de Buda é uma história de inquietude não resolvida pelas circunstâncias, riqueza, honra ou fama. Buda era um príncipe. Ele tinha tudo e no entanto algo o puxou para fora do palácio para enfrentar sofrimento e descontentamento. Ele foi puxado para descobrir o centro do sofrimento. Ele não foi puxado para encontrar mais isolamento conveniente ou protecção do sofrimento, mas para confrontar o sofrimento directamente.A actividade mental é uma tentativa para nos isolarmos do sofrimento. Com o isolamento persiste ainda um subtil descontentamento. Descontentamento é a dica do desejar. Descobre onde o desejar tem origem. Segue-o para dentro ao invés de seguires as comuns tentativas inúteis para o satisfazer no exterior.

O desejar existe sem a mente?

Não, mas ele surge daquele aspecto da mente que está a chamar e a puxar a mente de volta à sua fonte.

É aí que a solidão entra?

Se a solidão for encontrada inteira e completamente, a solidão revela preenchimento. Este é o grande segredo. A ansiedade divina será apenas satisfeita quando for encontrada inteira e completamente. Uma enorme boca de solidão poderá ser vista. Se caíres dentro dessa boca, a fundo até ao centro, és devorada por aquilo que desejas.Não estou a sugerir que dramatizes ou te arrastes na solidão. Para caíres no centro da solidão tu deves abandonar todas as posturas de solidão.Todo o mundo procura libertar-se da experiência de separação. A procura mundial está em alcançar mais, conseguir e acumular. Finalmente, por graça, a tua busca apontou-te para à própria solidão, de volta à experiência de solidão, de volta àquilo de que o mundo inteiro procura escapar, de volta àquilo tido como o monstro.

46

Page 47: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

A verdade é que tu és absolutamente sozinho e neste reconhecimento são revelados a satisfação e o preenchimento mais profundos. No encontro directo com aquilo que é mais temido está a realização do que seja Casa.

A timidez tem sido uma luta diária para mim. Uma enorme timidez aliada ao desejo de ser reconhecida.

Eu adoro a timidez. Há uma verdadeira beleza na timidez. Não temos timidez suficiente no mundo. Temos sido todos excessivamente treinados para a assertividade e para a agressividade.Em muitas culturas a tua timidez poderia ser vista como modéstia mas na nossa cultura a timidez é vista como algo a ultrapassar.Mais exactamente, existe timidez no rosto daquela divindade que não pode ser capturada pela mente, que não pode ser agarrada pelo intelecto.Para onde quer que olhe eu vejo o grito pelo auto-reconhecimento e não importa quanto assertiva a personalidade seja, eu sempre vejo timidez no rosto desse reconhecimento.Coloca a tua personalidade de lado. Quer seja uma “boa” ou “má” personalidade, quer a personalidade seja agradável ou desagradável, coloca-a de parte e vê o que natural e inerentemente brilha.

Lembro-me de me forçar a ser chefe de claque10 no colégio, apresentando tremendos feitos perante multidões de pessoas de forma a satisfazer este desejo pelo reconhecimento. Ainda assim o vazio permaneceu.

Sem o verdadeiro auto-reconhecimento, as apresentações a multidões não são suficientes. Somos treinados na nossa sociedade a acreditar que se agradarmos suficientemente os outros ficaremos satisfeitos. Ao agradar os outros a fome pelo auto-reconhecimento permanece. Quase toda a gente sente fome em ser realmente visto, em ser realmente conhecido. Não importa quanto o mundo te conheça permanecerás insatisfeito até reconheceres o teu verdadeiro eu.Quantas estradas percorremos todos para obter reconhecimento?As celebridades muitas vezes falam em desejar quando referem que a fama não é suficiente. Dez mil pessoas vêm ao espectáculo e ainda assim não é suficiente. Por fim, há o reconhecimento de que o verdadeiro desejo nunca é satisfeito através de referências externas. Então tu estás preparado para realmente perguntares a ti próprio, para finalmente perguntares a ti próprio, O que é este desejar? Quem deseja?

Fui consumido pela solidão e quanto mais eu mergulho fundo nesta solidão, mais eu vejo que isto, também, é uma estória. As minhas lágrimas transformam-se em lágrimas de alegria aliadas a uma incontrolável gargalhada.

Sim… oh sim!

10 Claque = torcida. O texto é americano, a interveniente está a referir-se às torcidas que existem no futebol americano, formadas por meninas e que têm sempre a líder – cheerleader. 47

Page 48: Gangaji 5.1

A Profundidade da Simplicidade

A realidade não é o que pensas ser, não é o que imaginas ser, e não é o que te disseram ser. Não é o que acreditas, não é o que tu esperas, não é o que temes – mas apenas é. O que é, está além do que pode ser pensado.Para veres o que é é necessário uma investigação afincada11 sobre o que é transitório e o que é imóvel. Quando digo afincada, não quero dizer com luta ou esforço. O verdadeiro afinco é sem esforço. Tem de ser sem esforço. Disciplina que é relaxada e com afinco é possível a cada instante.

Desejo esse tipo de disciplina.

Mesmo desejar é demasiado esforço. O desejo é um pensamento, uma complicação e um adiamento.

Muita gente diz que a iluminação é difícil.

O grande debate, É acordar difícil ou fácil? é semelhante ao debate, É a iluminação gradual ou súbita?Em todas as eras há um grande debate e as pessoas que estão a debater estão muito ocupadas. Ao estarem muito ocupadas, em vez de apenas estarem Aqui e Agora, a iluminação é adiada.Esquece dificuldade e esquece facilidade. Quem tu és não é tocado por nada. Se não for difícil nem fácil descobrires quem és, se a iluminação for mais perto do que dificuldade ou facilidade, o que acontece?Aquilo que és é sem medida. Eu muitas vezes aponto para a facilidade do despertar porque eu falo para muitas pessoas que aderiram à ideia de que é difícil. Se eu encontrar alguém que tenha aderido à ideia de facilidade –

Você diz que é difícil.

Talvez, porque a solução é revelada quando o laço a qualquer ideia é quebrado. Quando a discussão interna pára, a mente aquieta-se. No silêncio, onde está a dificuldade, onde está a facilidade?

Você falou sobre dificuldade como a não vontade de directamente experienciar o que quer que surja.

Sim, eu disse que o que faz tudo difícil é não estares disposto a, inteiramente, experienciá-lo. O que torna tudo fácil é a tua disponibilidade de inteiramente experienciar tudo.Aquilo para que eu aponto é incomensuravelmente12 simples. É mais imediato do que a memória e mais próximo de ti do que a tua própria respiração. Pára de respirar e Aquilo ainda está presente. Respira e Aquilo está presente. Esquece tudo e Aquilo está presente. Boas experiências… presente. Más experiências… presente. Negação… presente. Afirmação… presente. Discussão sublime… presente. Discussão mundana… presente. Todos os sentimentos, todas as sensações, todos os pensamentos, todas as emoções… presente. Nenhum sentimento, nenhuma sensação, nenhum pensamento, nenhuma emoção… presente.

11 Afincada = com grande empenho12 Incomensurável = imensurável

48

Page 49: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Vês como é simples? Não estás separado do verdadeiro eu. Fala-me de alguma experiência que tenhas tido em que a consciência não tenha estado presente. Apenas este simples reconhecimento pode pôr fim à habitual busca por ti mesmo em algum outro lugar.Quando a busca termina, a revelação do que sempre tem estado presente é auto-evidente. Não se torna presente ou cresce em presença, mas simplesmente está sempre presente.

É demasiado simples para a minha mente apanhar.

Pára de procurar preenchimento na tua mente. Quando a tua mente começa a sua usual agitação, trata a agitação como um sino de dharma e relaxa. Não te vais encontrar na tua mente. A tua mente está em ti.A iluminação é experienciada como complicada apenas porque acreditas que a profundidade é revelada na complexidade. Quando tu estás pronto para ser simples, podes colocar as tuas ideias de lado. Pararás de cozinhar complicação.Se tens tido uma vida complicada, começa bem no centro dessa complicação, o verdadeiro centro, onde nada se passa. Se gostares do que é descoberto no centro, se te sentires atraído para o que é revelado, então traz todas as complicações para o centro. Enormes complicações poderão surgir mas quando as complicações encontram a simplicidade, não há correspondência. As complicações dissolvem-se. A complicação não pode vencer a verdadeira simplicidade. A simplicidade é demasiado profunda. Ela engole tudo. As complicações apenas surgem como sub-produtos da actividade da mente. Simplicidade é a emanação da verdade.Eu sei que muitas pessoas têm medo da simplicidade. Elas têm uma ideia ou uma imagem da simplicidade que está relacionada com a estupidez.Simplicidade não é estupidez. É a mais profunda sabedoria.Eu entendo o medo de simplicidade mas o medo apenas continua se for alimentado com mais complicação. Tudo o que é necessário é a vontade de ser silencioso, para seres quem és no centro. Não quem te imaginas ser, não quem te disseram seres. Qualquer nome é demasiado complicado. Até a palavra “simples” é demasiado complicada porque podes ter uma ideia do que simplicidade signifique e qualquer ideia é demasiado complicada.Reconhece a complicação de pegar num nome, de pegar num passado, de pegar num futuro. Agora, coloca todos os nomes de parte. Coloca-me de parte. Coloca-te de parte. Coloca o tempo de parte. Coloca a complicação de parte. Coloca o simples de parte.

Poderia dizer algo sobre como viver em simplicidade?

O que tu realmente queres? Não aquilo que te ensinaram a querer e não aquilo que tu achas que deverias querer, mas o que realmente queres?

Quero ser capaz de relaxar.

Maravilhoso. Então relaxa.

(risos)

Sim, assim mesmo! Fácil e imediatamente. O riso é o melhor método de relaxamento. Nunca ninguém te ensinou a rir.

(mais risos)

49

Page 50: Gangaji 5.1

Perfeito! É o perfeito, o imediato yoga do relaxamento. Neste relaxamento, o que percebes?

Eu sinto uma abertura. Eu volto a isto a cada vez que o perco?

A imagem ou pensamento de perda é uma tensão da mente. Obviamente, a tensão da mente é um forte hábito que tem sido apoiado pela família e pelos professores e cultura durante bastante tempo.Quando este hábito surgir, relaxa. Na abertura não há limites. Tudo aquilo por que se procura através do esforço da mente é revelado na abertura da mente.Este é um grande segredo, uma grande ironia. Toda a busca, toda a luta, todo o esforço para encontrar o teu verdadeiro eu é naturalmente revelado numa simplicidade aberta e relaxada. Continua a rir. Não há tempo para assuntos complicados quando te ris.Relaxamento físico é muito agradável e, obviamente, se estiveres fisicamente relaxado há também relaxamento mental. Para maior relaxamento mental, reconhece que seguir algum pensamento requer esforço e atenção.Não entres no transe ou adormeças. Reconhece onde o sono profundo e o absoluto despertar se encontram.Normalmente enquanto despertos temos a tendência para seguir os pensamentos: É hora de acordar, tempo para me lembrar de “mim” e da “minha história”; o que devo fazer; o que não fiz; e o que deveria fazer melhor.Este diálogo é normalmente chamado de estado desperto. No estado de sono profundo, toda essa conversação termina. Não há nenhum “eu”. Não existe nenhuma relação. Reunindo a pura presença do sono profundo com o absoluto despertar permite-se à mente descansar enquanto permanece alerta. Revela-te a ti mesmo como não necessitando de qualquer pensamento para seres, qualquer nome para seres, qualquer forma para seres.Eu aponto para o potencial total da inteligência, acorda para isso. Quando a atenção é livre e aberta, a mente não pode encobrir a Fonte.

Ontem durante a meditação um pequeno click aconteceu e o “meu”, o “eu” e o “mim” desapareceram.

Um pequeno click? Este click é o fim do mundo!

Há apenas uma calma acontecendo – nenhum fogo, nenhuma explosão.

No centro do fogo, há um centro claro e vazio. Isso é paz. Isso é o Eu do fogo.

Parece tão simples.

Sim. O que pode ser mais simples do que o claro centro do fogo? É tão simples e, no entanto, as cores que dele surgem não têm fim. Não há chama, não há queimadura, não há manifestação de fogo, não há forma de vida sem aquilo que permanece no centro de todas as coisas – a pura e simples presença do eterno ser.

Acordando no Sonho

Tu és pura, contínua consciência, inteira e livre.De alguma forma na tua própria brincadeira, da própria consciência, há um véu que cobre a verdade inerente da liberdade. A consciência de alguma forma esconde-se de si mesma e finge

50

Page 51: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

estar perdida. A certa altura surge o desejo de parar o jogo de esconde-esconde e ser eternamente encontrado. O desejo de ser encontrado é o desejo de acordar no sonho.Não estou aqui para vos ensinar estados alterados ou poderes yoguicos, ou mesmo para ensinar técnicas para ultrapassar o medo e o desespero. Estou simplesmente aqui, como o vosso próprio ser, para apontar para aquilo que é encontrado no centro de todo o ser.

É um mundo tão auto-destrutivo, violento, ganancioso este em que vivemos. A minha questão é, Como você vive neste mundo e não se sente separada dele? Como você mantém um equilibro interior, uma paz interior?

A única forma possível é acordar para aquilo que é intocado pelo mundo.

Estou a tentar, mas é difícil.

Se estiveres demasiado preocupado com o mundo e a sua loucura “lá fora”, a loucura, a violência, o sofrimento, a separação e o absurdo na tua mente passam-te despercebidos. É fácil colocar o foco no “mundo” e os seus defeitos e as suas loucuras. Julgar o “mundo” como separado da tua mente, é uma negação massiva.Onde está o horror em ti? A vontade de parar de olhar para fora é a vontade para acordar no meio de um pesadelo. Não te dissocies do pesadelo; acorda nele. Já tiveste a experiência, enquanto adormecido, de acordar num sonho, num pesadelo?

Sim.

Excelente. Sabes a resposta. Acordado no pesadelo em que falas a ti próprio sobre um mundo que está a fazer-te algo, um mundo que está a perturbar a tua paz.

Uma vez acordado, qual o passo seguinte?

Acorda e diz-me. O que de bom me traz dizer-te qual o próximo passo?A tua preocupação é com o pesadelo e como escapar dele. Eu estou a pedir-te para colocares todas as tentativas de escapar do pesadelo de parte e acorda nele agora. Aquilo para que acordas, é aquilo que nunca esteve adormecido.Estás exausto das tuas tentativas para fugir do mundo. A tua exaustão é o sinal de que é tempo de acordar. Acorda neste pesadelo de demónios que parecem perseguir-te. Deixa que os demónios saiam em liberdade.Se tiveres a coragem de virar o rosto aos demónios que parecem estar prestes a apanhar-te, que revelação! Quando tu finalmente enfrentas o rosto dos teus demónios, descobres quem eles são, quem tu és.

Tem havido muito debate nestes dias sobre a mudança da Terra, ascensão planetária, e coisas desse género. Há alguma coisa que você gostasse de dizer sobre isso?

Neste tempo de enorme mudança, uma enorme oportunidade está disponível. Já viajei pelo mundo inteiro falando para pessoas em muitos países e em todos os lugares eu tenho visto a chama do desejo em ver a verdade.Eu não pretendo conhecer o desfecho da humanidade mas posso dizer-te que é uma enorme transformação e tu não estás separado dessa transformação.Há um determinado condicionamento da mente que é um enorme obstáculo à realização da verdade. Esse condicionamento afirma que a realização é algo que aconteceu a alguém ou algo

51

Page 52: Gangaji 5.1

que poderá acontecer-te em algum momento futuro. Se desistires do passado e do futuro como separados do agora, verás o que é possível neste momento.Não estou a apontar para o entendimento conceptual13. O que está disponível é mais profundo do que o conhecimento intelectual e é teu por nascimento. É teu porque és chamado a isso e esse chamado convidou satsang à tua consciência. Não percas esta oportunidade. Que sorte! Na tua vida, neste ano, neste momento, tu tens o potencial absoluto e a capacidade absoluta para veres quem és.Não percas tempo. Vai às questões centrais. Expõe todas as crenças latentes de separação entre ti e Deus, entre ti e a Verdade.Tens um enorme papel a representar. É tempo de representares o teu papel e parares de ensaiar. Pára de imaginar o que as falas14 são. Pára de esperar algo do futuro. O futuro é Aqui e Agora. Esta é a tua deixa. Estás no ar.

Estou a teus pés hoje porque preciso da tua ajuda. Estou disposto a deixar este fogo consumir-me por inteiro.

O fogo espiritual é o teu verdadeiro eu, consumindo a ilusão de eu como algo separado de qualquer outra coisa. Apenas sê como és. Ser como és não tem fim. A sua profundidade não tem fim, a sua revelação não tem fim. Simples, ser por inteiro não é aprendido ou adquirido. Todos ensinamentos e aquisições vêm da revelação do que somos.

O belo é que este processo de revelação acontece quer eu me considere adormecido ou acordado.

Então, não te consideres nenhum. Não te consideres nada. Enquanto te considerares adormecido ou acordado estás a brincar superficialmente nas fronteiras da mente.Extremamente superficial é, Eu estou adormecido. Então aí podes cair num limite mais profundo em que se dá a revelação, Eu estou acordado, mas depressa tu vês o limite de qualquer designação de Eu.É importante ter a experiência de Eu estou acordado, mas conforme vem, deixa-a ir. Esta experiência é apenas a prancha de salto em altura. Eu estou acordado é apenas o outro lado de Eu estou adormecido, Eu sou ignorante.Quem está acordado? Quem está adormecido?Esta questão atira-te para as profundezas do ser onde acordado e adormecido são deixados para trás. Não brinques apenas à superfície. A profundidade do ser chama-te.Sri Ramana disse, “Não é o Ser que se torna realizado. O Ser sempre esteve realizado.” Realiza que o Ser é realizado e então a auto-investigação começa.Para alguém que confiou no trabalho do intelecto, ver além do intelecto pode ser um grande desafio. Muitos medos podem surgir: o medo de ser estúpido; o medo de ficar em branco; o medo de ser nada; o medo de não existir.Sim, não existas. Eu recomendo, mesmo que por apenas um instante, desiste de qualquer esforço para existires.

Acho isso realmente difícil porque parece existir um plano de jogo para sobrevivermos e se eu quiser sobreviver, eu preciso jogar. Encontrar o tempo e o sossego para realmente ser capaz de fazer o trabalho interno em mim mesmo é difícil.

13 Conceptual = baseado em conceitos14 Falas do guião de uma peça.

52

Page 53: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Faz um retiro de tudo por cinco segundos. Fecha os olhos por cinco segundos. Deixa cair tudo e apenas relaxa. Sê apenas. Simplesmente sê.Não tentes ter nada ou livrar-te de algo. Não tentes concretizar nada.Apenas sê imensa simplicidade.Se te sentires atraído por esta simplicidade, se a simplicidade revelar algo por que tens procurado tanto no ter como no conseguir, então dá o passo seguinte.Descobre para onde – em que momento –, isto que foi revelado nos cinco segundos, vai. Quais são os seus limites? Quais as suas fronteiras?

Não são nenhumas.

Excelente!

De alguma forma não é seguro.

Não é seguro? Tu achas que há segurança em fazer o que a tua cultura diz que deves fazer ou em revoltares-te contra normas culturais? Há segurança apenas na verdade ilimitada de ser porque aqui não há necessidade de segurança. Sabemos que no passado se alguns seres realizados gritassem a verdade seriam abatidos a tiro ou queimados vivos. Sim, isto pode acontecer. E aí? Tu tens tentado manter-te afastado da verdade ou negar a verdade e com o que ficaste? Podes até ter memórias de ser abatido a tiro ou queimado vivo por te atreveres a falar a verdade, mas olha, ainda aqui estás. Ainda aqui estás! A verdade permanece! Os corpos podem ser alvejados ou queimados. A verdade prevalece.Apenas o teu corpo necessita de segurança, e, claro, não há qualquer segurança para nenhum corpo. Eventualmente todo o corpo irá terminar. Antes que o teu corpo termine, reconhece a verdade que és. Então não haverá a necessidade de segurança.Quem tu és não tem necessidade de nada. És o preenchimento de todas as necessidades. Não a imagem que tens de ti ou qualquer ideia que tens de ti. Esses são objectos na mente. Tu és a consciência em que esses objectos mentais aparecem.

Como é que você descobriu isso?

Descobri-o olhando nos olhos do meu mestre. Eu fui atraída pela verdade e reconheci que tinha feito tudo o que era possível fazer com as minhas ideias para encontrar a verdade. Olhei nos seus olhos e, nesse encontro, todo o cosmos foi revelado.Ele parou-me e isso é o seu presente para ti. Ele deu-me este nome inspirado no rio Ganges porque o nosso encontro aconteceu nas margens do rio sagrado de Ganges. Quando ele me deu o nome ele disse, “O Ganges deve fluir no Ocidente.” Agora o seu corpo está demasiado velho para viajar o tanto quanto ele gostaria, então ele usa a Ganga para inundar o Ocidente.

Estou muito emocionado. Sinto que quero estar em satsang toda as noites.

Sim. Muito bom. Mas não apenas todas as noites – todo o momento! Nunca deixes satsang. Satsang é a verdade do teu ser. Está sempre contigo.Tu estás a dizer, “Não quero mais ser separado de quem eu sou.” Tu não estás separado de quem tu és.

No primeiro satsang você perguntou-me por que eu estava aqui. Eu pensei, Isto é real. Isto não é apenas mais uma aventura. Isto é real.

53

Page 54: Gangaji 5.1

Nesse primeiro satsang tu ouviste do fundo do ser. Ouvir ocorre quando todo o diálogo interior simplesmente pára. Ao pararem todos os comentários e simplesmente estando aqui, tu ouves o que nunca foi ouvido antes, não importa quantas vezes determinadas palavras tenham sido ditas.Estás a ouvir? Se estiveres, tu ouves o coração a falar para si mesmo pura e simplesmente; penetrando todas as supostas barreiras com a sua vontade.Se estiver alguma coisa em jogo, algum medo, ou alguma crença a manter, tu estarás demasiado ocupado cuidando desse medo ou crença para ouvir. Demasiado ocupado para reconhecer o que está para além de medos ou crenças. Demasiado ocupado para realizar aquilo que não necessita de manutenção para ser.

Você deve ter dito algo importante porque o bater do meu coração está fortíssimo agora.

Está no que ouviste.

Sim, mas não sei o quê.

Não pode ser capturado.

Sinto-me a retrair um pouco.

Reconhece onde não existe retracção. Deixa mesmo que o corpo fique mais tenso e no meio da tensão reconhece o que é intocado pela tensão.Esta abertura não é física, embora possa existir libertação física como sub-produto. Reconhece o que está sempre aberto.

É riso e choro e… tudo.

Sim. É finalmente descoberto em tudo. Está no riso, no choro, na alegria, no desgosto, no êxtase, na tristeza, no vazio, no preenchimento, em ti, em mim, nisto e naquilo. Está até mesmo no passado, presente e futuro.Há uma enorme libertação física, emocional e mental quando aquilo que nunca foi contraído é reconhecido. Se existir a tentativa de te colares aos aspectos físico, emocional, mental, aquilo que está sempre aberto passa despercebido.No modo comum de identificação condicionada, pensamentos, sentimentos e experiências são tidos como referência para auto-definição. Estas são armadilhas.Tu és a fonte indefinível de todo o sentimento, de todo o pensamento e de toda a experiência.Sim, o coração bate muito rápido nesta revelação.

Do que você está a falar agora eu já ouvi e já li muitas vezes. Mas enquanto você estava a falar eu senti como se o meu corpo queimasse.

Que bom! Até que pegues fogo, não ouviste realmente. Tu pensas que estás a ouvir se ouves as palavras. Podes intelectualmente ouvir, mas quando tu realmente ouves, a tua mente incendeia-se. O verdadeiro ouvir penetra no centro.

54

Page 55: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Gangaji, eu quero mesmo acordar e eu vou para dentro e para fora conforme o meu desejo. Por vezes a minha prece é total e então eu fico com medo do que eu acho que tenho que fazer para acordar.

O que tu achas que precisas fazer para acordar?

Não sei bem. Sei que tenho muitas ideias do que eu acho que tenho que fazer.

Não precisas fazer nada para acordar. Nada! Isto é o que tu menos esperas! Nunca pensaste nesta ideia!Buscadores por toda a parte estão empenhados em fazer alguma coisa para acordar. Os buscadores lêem, esforçam-se, praticam para acordar. Se é assim tão complicado sendo mesmo necessário fazer alguma coisa, daqui resulta que tu estás separado daquilo que está acordado, que está eternamente acordado.Não faças nada. Nem mesmo faças não fazer nada. Sê absolutamente silencioso. Deixa que a actividade da mente faça um retiro até ao centro do silêncio. Ao seres absolutamente silencioso, reconhece aquilo que é absolutamente silencioso.No silêncio não há movimento da mente. No não movimento da mente, não há mente. Há apenas Aquilo que somos.Quando não há movimento da mente, não há truque possível.

Eu sei que não posso continuar desta forma, que é uma tolice. A minha barreira parece ser o medo que ultimamente sinto de desistir do “eu”.

Sentes!

Eu sei, e a minha pergunta é, Simplesmente aceito isso?

Vai directo ao eu de que tens de desistir. Encontra-o. Rapidamente. Onde está?

Na minha cabeça.

Onde está a tua cabeça? Em que parte da tua cabeça ele se esconde? Reporta daí imediatamente.Consegues encontrá-lo? Este eu de que tens de desistir, está aí?

Rápido!

Não sei. É um conjunto de pensamentos. (risos)

Esta é a piada! Se tudo o que consegues encontrar é o pensamento de eu, onde está o eu de que tens de desistir?

Não sei. Formulei-o. Eu –

Neste instante, não permitas que nenhuma dessas formulações regresse ao seu lugar de origem.O que foi perdido?

Nada foi perdido.

55

Page 56: Gangaji 5.1

Quando uma formulação surge, o que é ganho?

Nada.

Excelente.

Eu sei isso, e a mente continua a tentar formular quem eu sou.

A formulação “eu sei” surgiu. Aquele que sabe surgiu com a formulação. Permite que a formulação “Eu sei” se dissolva e regresse ao seu estado não formulado. Com o fim da formulação de “Eu sei”, onde está aquele que sabe?

Não existe.

Alguma coisa foi perdida com a dissolução do pensamento de “aquele que sabe”?

Nada foi perdido.

Nada há a perder. Onde está o medo agora?

Agora, nada.

Então, sê silencioso. Sê tranquilo. Sempre que uma formulação surgir, mesmo o conceito de que te tens de livrar da última formulação, reconhece-a como actividade da mente, como barulho. Ao invés de elaborares a partir da última formulação, deixa que a actividade mental cesse.A vida através da formulação não funciona, funciona? Já tentaste inúmeras fórmulas e finalmente atingiste um ponto em que percebeste que nada há a ganhar com qualquer fórmula de quem tu és. Nesse ponto, há um aquietar natural da tendência para entender da mente. A mente pode abrir-se, a mente pode descansar.A mente aberta não é diferente da pura consciência. No instante de abertura, a verdade da consciência ilimitada não está encoberta pela formulação mental.O que é revelado?

Alegria! Paz.

Eu sinto o silêncio mas ainda sinto a tensão e não me sinto acordado.

Para onde olhas para ver se estás acordado?

Você conhece algum lugar? Oh, isso seria maravilhoso!

Posso dizer-te para onde estás a olhar. Estás a olhar para as impressões sensoriais. Estás a olhar para pensamentos baseados em conclusões passadas. Estás a olhar para aquilo que muda na tentativa de encontrar aquilo que nunca muda.Tu és o silêncio que está eternamente acordado. O Silêncio é cheio, vivo, ilimitado, o verdadeiro vazio, pura inteligência.Estás a descrever um sentido de separação disso. Tu existes e existe o silêncio. Mergulha nesse silêncio e diz-me, onde estás tu e onde está o silêncio?

56

Page 57: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Sem dúvida, sinto-me separado. Eu sinto que há a mente e que há o coração.

Sim, tu sentes.Vamos examinar a tua ideia de mente e a realidade do teu sentir.Quando dizes “mente”, o que queres dizer?

Como se fosse tensão.

Se te parece tensão, relaxa. Agora, onde está a mente? Está aí ou foi embora? Há mente aí até que digas que há?

Não sinto que consiga conscientemente deixar-me ir. É como se tivesse que acontecer por acidente.

O que podes conscientemente fazer é notar como te estás a segurar. Relaxa então. Solta a tua mente. Se estás à espera de um acidente, então, sim, irás relaxar quando o teu corpo morrer. A prospectiva empolgante é que tu podes relaxar agora. Não tens de adiá-lo. Não tens de esperar pelo grande acidente.O pensamento, Eu sinto isto ou aquilo e por isso isto ou aquilo significam… não é realidade. Se não seguires esse pensamento como se fosse realidade, onde está o poder desse pensamento? Por “mente” eu quero dizer toda a experiência sensorial que acaba em interpretações e conclusões.

Parece que existem duas coisas agora. A mente quer entender e eu sinto no meu ser que a mente nunca conseguirá entender.

Quando souberes, no teu ser, que não há forma de a mente entender, estás de frente para o portão da entrega. Nesse portão podes parar de seguir o impulso para entender com a mente. Se desistires da luta, chegou mesmo ao fim.

Parece que há uma energia em tensão.

Relaxa. Mentalmente relaxa. A tensão chega na tentativa de te colares a essa energia como se a energia fosse quem tu és.

Estou a sentir o relaxamento. A tensão que eu tinha quando começamos desapareceu.

Sim, mas tu foste a algum lado? Estás consciente da consciência do sentir?A consciência do sentir é alterada por alguma espécie de sentir?A tensão vem e vai. A consciência é permanente. O reconhecimento de permanência cura o sofrimento da identificação errónea.Quem tu realmente és nunca se move. Por isso, não pode ser perdido. Não podes perder-te. Podes experienciar a perda de ti mesmo se te conceptualizares como “alguém”. Independentemente da experiência do sentir, tu estás aqui sempre. Pára de olhar para um “alguém”. Pára de tentares encontrar-te num sentimento específico e vê o que nunca se moveu.Vê que quem tu te imaginas muda; vem e vai. O que tu és é permanente.Que alívio! Quando este alívio se dá, o teu intelecto, a tua memória, a tua inteligência individual são utilizados pela verdade de formas desconhecidas e inesperadas.

57

Page 58: Gangaji 5.1

O que é iluminação? É estar consciente da consciência a todo o momento?

Iluminação é uma palavra que aponta para o reconhecimento da totalidade como ser. Infelizmente a palavra iluminação foi conceptualizada como sendo a o produto experiencial que resulta desse reconhecimento. A verdadeira iluminação não está limitada a nenhum estado da mente.A verdadeira iluminação reconhece o que está presente antes, durante e depois de qualquer noção de iluminação. Aquilo que não é afectado por nenhum estado de iluminação ou estado de não iluminação.

Acordar é uma espécie de aprofundamento gradual e regresso a esse lugar?

Tem sido gradual, não tem? Quantos momentos de despertar existiram na tua vida? Tantos momentos preciosos em tantas circunstâncias.Há um instante que é como um relâmpago, quando aquilo que é realizado é realizado como tendo estado sempre presente. Este raio de luz, esta realização do que é e do que sempre tem sido, revela o que não passa.Êxtase e riso e lágrimas são subprodutos dessa realização. Se tentares colar-te a algum subproduto, tu irás mais uma vez experienciar o ciclo de perda e então procurar a libertação. No entanto, independentemente da experiência, o que está sempre presente, está sempre presente.

Essa realização está com você a toda a hora?

Sim. É o que sou. Como poderia não estar comigo?

Aos seus olhos foi um despertar gradual?

No momento em que a verdade se revela, eu realizei que Aquilo sempre havia sido.Se a realização fosse de uma coisa nova, então estaria sujeita a envelhecer. Alguma coisa que não esteja aqui num momento está sujeito a não estar aqui em outro momento.Eu vi que procurando pelo verdadeiro eu, o verdadeiro eu me tinha passado despercebido. Dessa realização algumas experiências ocorreram. Experiências que eu nunca tinha tido antes. Mas a realização é mais profunda do que qualquer experiência. Realização é o que é e o que tem sido.Há experiências de tristeza; experiências de felicidade, experiências de ignorância e experiências de iluminação. Estas experiências são todas secundárias à verdade que tu és. Por entre estas experiências corre a permanente verdade.No teu apego em guardar determinadas experiências e livrares-te de outras, tu tens simplesmente ignorado a presença permanente. Ao ignorares a verdade, há sofrimento. Há enorme prazer na vida e há enorme sofrimento na vida. Ao focares no prazer ou no sofrimento, ignoras aquilo que é intocado tanto pelo prazer como pelo sofrimento.Podes estar feliz e podes estar triste. Podes estar certo e podes estar errado. Mas sem o ser, nada disto pode existir. Primeiro, antes de tudo, há o ser – antes do ser humano, antes do ser animal, antes do ser planta, antes do ser mineral, antes do cósmico ser – o ser nunca saiu daqui.Reconhece-te como consciência que permeia tudo enquanto ser. Que tesouro é revelado!Neste reconhecimento não há avareza. O que poderia ser alvo dessa avareza? Tu flúis. Tu sempre fluíste enquanto verdade universal Ser.Podes ver o que se parece com pessoas, o que se parece como árvores, o que se parece como flores, o que se parece com insectos ou o que se parece com demónios mas, no auto-

58

Page 59: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

reconhecimento, é visto que aquilo que está no centro de todas estas aparências é o teu verdadeiro ser. Que encontro este! Ser com ser.

Ouvi você falar de “demónios” que podem surgir quando se começa a acordar. Você pode explicar o que quer dizer com isso?

Quando começamos a acordar do profundo transe da identificação errónea, a entrega àquilo que antecede todos os pensamentos, sentimentos, emoções e comportamentos é possível. Ao abrires o portão da entrega, crenças no subconsciente que foram suprimidas, os demónios que foram negados, muitas vezes aparecem.O ego é formulado por pensamentos passados. A sua existência é declarada pelo passado. Quando começas a acordar e a relaxar e a entregares-te à verdade do Agora, não tendo nada a ver com o passado, pensamentos subconscientes podem aparecer.O meu mestre, Sri Poonjaji, falando em termos Hindus, diz que quando tu começas a acordar, todos os deuses e demónios do teu passado vêm para reclamar-te. Se reconheceres estes deuses e demónios como sendo uma criação da mente, que poder eles têm? Deixa-os vir. Tendências latentes surgem para arderem no fogo da verdade.

Eu noto que estas tendências são estabelecidas a partir de infância. Vale a pena fazer terapia para realmente olhar o porquê destas feridas?

Porquês são resolvidos através de insight quando te rendes àquilo que não tem tendências.Modalidades terapêuticas podem ser úteis trazendo a mente ao portão da entrega se o terapeuta já experienciou a entrega directamente. O surgimento de experiências ou estados anteriormente negados ou suprimidos é a oportunidade de abertura para a grande profundidade do ser. Insights como quando ou como ou porquê naturalmente seguem a verdadeira abertura.Quando estás diposto a directamente experienciar os ferimentos, sem qualquer ideia do porquê ou quando ou como, miraculosamente tu irás descobrir que ninguém está ferido.

Se a experiência da existência de ferimentos surge, há que mergulhar nesta ferida?

Sim! Mergulha. Não na estória da ferida, mas na experiência da existência de ferimentos. Deixa a estória de parte. A estória é o que te mantém ligado através de experiências de estar ferido.

Eu fico muito curioso acerca da estória porque parece que encontro insights nela. É essa a armadilha?

A experiência directa traz enormes insights. Permite que os insights cheguem.O segredo é não colar-se a nenhum estado. Deixa que todos os estados passem por ti. Estados que tens temido e estados que tens desejado passarão por ti. Não sigas a tentação de te colares ou rejeitares algum estado e, nisso, directamente descobre através do que eles passam.

Então é certo que os insights virão?

Os insights vêm com a libertação. Virão insights dentro de insights.Tudo está na tua imaginação!Não é isso um alívio?

59

Page 60: Gangaji 5.1

Por que continuo esperando pelo momento certo, a circunstância certa?

O momento certo é este momento, onde quer que se revele. Neste momento, agora, reconhece o eu sem apegos, sem predicados, sem qualificação, sem medida e sem localização específica.

Eu vejo a minha determinação subir e descer, recuar e fluir, e eu pergunto se a determinação realmente importa uma vez que está relacionada com o despertar.

Aqui está uma história que o Papaji contou:Uma princesa indiana queria muito acordar e todas as noites ela fugia para visitar o seu mestre na cabana dele e ouvir os seus divinos ensinamentos. Depois ela tinha que voltar sorrateiramente para o palácio porque não era permitido às mulheres saírem à noite, muito menos para se encontrarem com um guru com o objectivo de acordarem. Causaria grandes problemas.Um dia alguém se dirigiu ao irmão da princesa e disse: “Devo dizer-te que a tua irmã está a desonrar a família. Ela está tendo um caso amoroso e todas as noites ela se escapa do palácio e vai encontrar o seu amante.”O irmão da princesa ficou furioso. Então, nessa noite, ele pegou no seu arco e flecha e seguiu-a. Ele ia matá-la e ao seu amante.Quando ele olhou pela janela da cabana do guru, o guru estava a dizer à princesa: “Vem para bem perto de mim. Vou sussurrar-te a única palavra que irá finalmente dissipar toda a ilusão.”Ela foi para muito perto do guru. O irmão puxou o arco para trás e apontou cuidadosamente. Nesse momento, o guru disse a palavra e o irmão acordou.

Ele não foi determinado a acordar. A sua determinação era mesmo negativa e destrutiva. Ele teve muita sorte em estar no lugar certo à hora certa, mesmo que pelas razões erradas.Neste momento tu estás no lugar certo à hora certa. Foca a tua atenção, independentemente das razões que te trouxeram aqui. Estar determinado é muito mais confiável do que estar no lugar certo à hora certa. Se realmente estás totalmente decidido, todos os lugares são o lugar certo. Todas as palavras te apontam para a palavra secreta, a todo o tempo.Pergunta a ti mesmo, O que eu quero? O que eu realmente quero? Reconhece o que é querido, quando tudo é dito e feito. Sê verdadeiro. Quando te fizeres esta pergunta, não caias na mentira, nem um pouco.Se o que queres é apenas alguma outra relação ou mais dinheiro ou melhorar qualquer outra coisa, então pergunta-te, O que isso irá dar-me? Quando tiveres a resposta, pergunta de novo, E o que isso irá dar-me? Se esse auto-questionamento revelar que o que tu realmente queres é a verdade, ou paz, ou liberdade, então dirige todos os teus desejos a esse desejo único. Encerra todas as tuas outras contas. Coloca tudo em cima da mesa pela verdade, incluindo o teu corpo, a tua história e todos os relacionamentos.Isto é determinação. Qualquer coisa menos que isto e estarás, de alguma forma, a esconder-te. É importante ver se te estás a esconder. Agora, vê o que realmente queres e o que estás disposto a entregar por isso. Eu sugiro que entregues tudo. Em qualquer caso, tudo pertence àquilo que tu por fim queres.Desiste de qualquer conceito de posse – a tua casa, o teu companheiro, os teus filhos, o teu corpo, a tua mente, os teus medos, a tua coragem, a tua vida. Coloca tudo em cima da mesa e vê. Noutras palavras, torna-te irresistível.É importante ver se existe falta de determinação. É importante ver se existe mesmo uma ponta de cinismo niilista ou um desapaixonar-se pela verdade. Reconhece tudo o que está a ser retido. Tudo o que possa ser dado, dá. Entrega tudo e então serás deixado nu. Na nudez tu não existes.

60

Page 61: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Eu acho que essa determinação desaparece no medo do desconhecido.

Não é o desconhecido que temes. O teu medo surge do que tu imaginas que seja o desconhecido.Não há coisa nenhuma lá. É desconhecido. O desconhecido não é conceitualizavel, não existe. A verdade é desconhecida, invisível e não localizável.Desiste da mentira de que podes conceptualizar este momento. Que fardo desnecessário é esta mentira. Um dia o corpo está acabado. Nessa altura, onde está a tua acumulação de conceitos?Quando reconheces o desconhecido como estando aqui e agora, reconheces puro potencial. Antes desse reconhecimento, há especulação sobre o que deves fazer ou o que poderás fazer e há um mastigar obsessivo daquilo que fizeste. Coloca tudo em cima da mesa, pelo menos por um instante. Então o desconhecido revela-se.

Tem sido um grande confronto olhar honestamente e avaliar onde eu estou.

Sim, onde estás tu? Esta é a questão. Quando realmente olhas, o que encontras?

Bem, eu sinto-me estando em ti e neste grupo de pessoas.

Sim, não estás limitado ao teu corpo. Excelente.Agora diz-me, neste instante, na tua experiência consegues encontrar um lugar em que não estejas?

(hesitação) Não…

Por que hesitas gritar aquilo que é verdade e auto-evidente? O que ganhas em manter esta declaração escondida?Vê que és aquilo que está em todo o lugar e verás que qualquer limite que pareça separar-te de qualquer outra coisa é ilusório. Um sentimento ou um pensamento de separação é ilusão. Enquanto ilusão, pensamentos e sentimentos surgem e desaparecem. Tu és aquilo que não surge e que não desaparece. Estás presente independentemente de pensamentos e sentimentos.Mesmo quando tens o sentido de separação, este sentido não pode ser percebido sem a tua presença. Eventualmente este sentido irá desaparecer e outro virá tomar o seu lugar. Então esse outro sentido irá também desaparecer e por aí adiante. Tu és aquilo que está presente quando os sentidos surgem e o que está presente quando todos os sentidos desaparecem.

Eu sinto que o sei, mas não acho que seja capaz de o viver.

És absolutamente capaz do o viver. Tu és isso. Pode significar algum desconforto, mas e daí? Pode significar nem sempre sentires de determinada forma, mas e daí? O que tu queres? O que realmente queres?

Eu diria que quero um contínuo estado de graça e amor para todos os meus irmãos e irmãs.

Nenhum estado é contínuo. Se é algo que não está aqui agora, por si só já não é contínuo. Se procuras algo que seja contínuo, tens de ver o que tem sempre estado omnipresente – omni, eterna presença.

61

Page 62: Gangaji 5.1

Eu dou as boas vindas a isso.

“Boas vindas” significa entra, a porta está a aberta. Não feches a porta se um vento soprar e tu não gostares.Quando a claridade é revelada, quando a essência do ser é revelada como ninguém em particular mas como aquilo que é eterno e omnipresente, então não existem mais desculpas para perseguir a cauda da ilusão.Quando te descobres como sendo aquilo que não pode estar limitado a algo ou separado de algo, a paz irradia para todos esses “algo”.

Isto está disponível. O que anima este fenómeno que te fala não é diferente do que anima o fenómeno chamado tu. O meu nascimento não foi particularmente nobre e certamente não foi um crescimento particularmente nobre.Embora eu seja exactamente como tu, tu ainda podes, claro, imaginar que eu sou diferente, que eu sou mais sortuda, que eu tenho um melhor karma. Eu tive um terrível karma, assim como tu. No entanto eu também tive um maravilhoso karma por satsang ter surgido na minha consciência, assim como tu.Não apresentes mais desculpas esfarrapadas ou adies o despertar para algum momento em que as coisas estejam melhores. É Aqui. É Agora. És tu.

Enfrentando o Medo da Morte

A forma como a morte e o medo da morte são usualmente vistos na nossa cultura é uma clara indicação do profundo desalinhamento com a verdade. Devido ao nosso condicionamento a morte física é vista como um problema. Na verdade, enfrentando a realidade da morte da identidade pessoal é uma oportunidade imensa para encontrar directamente a eterna, imortal presença.Há uma forte crença condicionada de que somos uma entidade fisiológica localizada num corpo. Na verdade, não há nenhuma entidade fisiológica real excepto enquanto imagem ou pensamento a par de uma sensação física.Quando o medo da morte é directamente investigado é descoberto que apenas a forma nasce e morre. A consciência é livre da forma, livre do nascimento, livre da morte.

Eu tenho a experiência de um contínuo pânico da morte que paira em cima de mim como uma nuvem.

Se convidares a nuvem chamada morte para mais perto, podes experienciá-lo directamente. Nesta experiência extraordinária, o que morre e o que permanece é descoberto.

Como eu descubro isso?

Sendo silencioso. Não reprimindo ou seguindo quaisquer pensamentos que surjam. Não movendo a mente em nenhuma direcção. Cessando todas as tentativas de fuga. E aí, onde está esta coisa chamada morte?

Está a agitar-se em mim neste momento.

62

Page 63: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Encontra-a. Vai dentro dela com a tua consciência. O que descobres?

Uma sensação.

Encontra-te com a sensação directamente. O que está no centro desta sensação?

Parece tristeza.

Encontra-te com o centro da tristeza.Fica atento para veres se o teu encontro é distorcido por uma discussão mental sobre tristeza.

Parece-se com um profundo, velho desgosto.Sem qualificar, avaliar ou medir, continua no centro. Experiencia directamente isso que está no centro.O que estás a experienciar?

É como algo longo, tipo um poste no cemitério.

Uma imagem é o resultado da separação entre ti e a sensação. Com qualquer imagem tem de haver alguém sentindo e algo sentido. Estou a falar de estar mesmo dentro da sensação. Deixa as fronteiras de separação entre ti a sensação para trás. Solta todas as imagens e mergulha no centro da sensação.

Eu sinto-me a ir em direcção a ela, depois dá-se o contacto e eu recuo.

Estás a descrever uma imagem mental, outra estratégia usada para evitar a experiência directa. Quando a imagem de contacto surge, continua a relaxar. Cai no centro do desgosto que temes e evitas. Outras imagens e nomes poderão surgir, mas por agora, mais do que especular sobre o desgosto ou analisá-lo ou ultrapassá-lo, descobre o que está presente no centro.Num encontro aberto, a natureza de todos os fenómenos subtis ou não, é descoberta directamente. Qualquer fenómeno pode ser encontrado directamente, quer seja a emoção de tristeza, o pensamento de “eu” ou a própria morte.Esta é uma grande descoberta. Estou simplesmente a dizer para colocares tudo de parte e descobrires aquilo que permeia a natureza de tudo.A estratégia comum é um afastamento mental da experiência directa e um movimento em direcção a uma técnica para ultrapassar, escapar, mudar, negar reprimir, fugir ou descartar. Este hábito da mente é ego. Se este hábito é reconhecido e libertado, onde está o ego? Quando não estás preocupado e distraído com pensamentos de escapar ou agarrar, ver é claro. Ver claramente é a natureza inerente da consciência.Hábitos egóicos da mente têm sido transmitidos de geração em geração desde há milhões de anos. Estratégias de fuga ou de defesa alimentam o movimento da existência condicionada. Na vontade de experienciar aquilo que não foi experienciado, o centro de todo o fenómeno interno e externo é revelado e o movimento do condicionamento pára.Expõe e solta a mentira do ego. Todas as nossas vidas são condicionadas para a complexidade, porém soltar-se é absolutamente simples.Todas a emoções, sensações ou energia encarada de forma pura e simples revelam o eterno Ser.

Estou preocupado porque os médicos dizem que preciso cooperar com eles ou morrerei.

63

Page 64: Gangaji 5.1

Estás preparado para morrer?

Acho que talvez não seja tão mau quanto aguentar os médicos à minha volta.

Não tenho nada contra os procedimentos médicos ou medicina. Aquilo de que eu sou a favor é enfrentares a tua morte. Não apenas porque alguém agora te falou da possibilidade de morte mas porque todo o corpo um dia morrerá.Não há claridade duradoura antes do confronto com a morte. Antes deste encontro com a morte, inúmeras horas são gastas ignorando, temendo, perseguindo ou fugindo desta coisa que chamamos de morte. Toda a decisão e toda a escolha são baseadas numa espécie de relação mental com a morte. Quando a mente é mantida ocupada fugindo, preocupando-se, pensando ou negando pensamentos sobre a morte, aquilo que é eterno é despercebido. Rende a tua relação com a mente e encontra-te com a morte.Deixa-me sublinhar que render-se não tem nada a ver com cuidar do corpo ou não cuidar dele. Depois do encontro com a morte, a decisão de cuidar do corpo não é enlameada por necessidades, esperanças e expectativas.Quando Ramana tinha 16 anos ele experienciou medo da morte. Em vez de correr para a sua mãe ou para os médicos, ele deitou-se no chão e olhou a morte de frente, inteiramente – não apenas intelectualmente – mas inteira e completamente. Ele permitiu-se experienciar directamente aquilo que realmente morre. De um verdadeiro encontro o grande despertar ocorre. Encarando por fim a morte inteira e completamente, há o reconhecimento da Vida. A Vida que não é nascida; e por isso, não está sujeita a morrer.A maior parte das pessoas passa a sua vida ignorando a realidade da morte do corpo e ficam muito surpreendidos quando chega a vez do seu corpo. Pessoas de 90 anos continuam a surpreender-se. A nossa cultura pressupõe a morte como separada da vida. Na nossa cultura a morte normalmente acontece nas traseiras. Traz o espectro da morte para a parte da frente. Dá as boas vindas à morte em satsang.O prognóstico de morte é um presente. O mais temido evento é anunciado. Esse anúncio é o teu convite à experiência directa.Todos os corpos têm um prognóstico de morte. Que chamada de atenção! É uma forma de trazer a atenção para aquilo que não morre.

Quando eu conheci você a primeira vez eu fiquei tão tocado pelo que você disse. Depois, em casa, eu senti como se tudo estivesse quebrando-se e queimando.

Maravilhoso.

Sim, mas é assustador.

Sim, não é casual. Não é trivial. Todo o castelo de cartas mental é sacudido.

Depois tentei aceitá-lo, encontrá-lo, e isso foi muito difícil porque é tão assustador.

Agora pára de tentar alguma coisa. Deixa que seja assustador.

Mas depois o medo surge e eu não consigo gerir a minha vida.

Sim, conheço esse medo. Tens medo de não ser capaz de gerir a tua vida ou sobreviver. Esses medos são sempre medo de algo – medo da morte, medo de ficar sem casa, medo da irresponsabilidade. O medo de continua, continua. Aproxima-te do medo em si. Enquanto

64

Page 65: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

mantiveres o medo de algo, estás a flutuar sobre o perímetro. Descobre, na verdade, o que o medo é.Estás consciente deste medo agora?

Sim.

Deixando todas as especulações para trás, relata do seu centro.

É difícil.

No centro do medo, onde está a dificuldade?Onde está o medo?

É algo que eu aprendi.

Bem, isso é verdade, mas eu quero que o teu relato seja mais profundo do que uma análise. No centro disto que tu aprendeste a chamar de medo, o que é encontrado?

É um medo de não existir.

Sim! O medo primário é a possibilidade de inexistência. Sem esforço cai e sê o medo de inexistência.Qualquer esforço é o movimento para tentar escapar da inexistência.Liberta qualquer esforço para rejeitar o medo. Solta toda a luta para não ser tocado pelo medo e encontra-te com a inexistência.Estou ciente que este é um medo colossal. Na tua vontade de conhecer este colosso directamente, a verdade é descoberta.Nota se te estás a contar uma estória ou mesmo falando pra ti próprio sem um sentido. Se isso acontece, pára. Permite que a mente esteja aberta.

Agora sinto muitas sensações no corpo.

Deixa-as estar. Elas não significam nada. Deixa as sensações, energia, fenómenos de toda a espécie.Vês como é fácil?Agora, onde está o medo?

Em lugar nenhum!

Sim. Agora tu sabes a verdade da facilidade e a verdade da dificuldade. A dificuldade surge quando tu tentas fugir da experiência de alguma coisa. A facilidade está presente quando estás disposto a parar e encontrar o que quer que te esteja assombrando.Quando finalmente, completamente, enfrentas o próprio medo, ele não se encontra em lugar nenhum. O medo não pode sobreviver ao encontro total com a consciência consciente.

Quanto mais se aproxima a hora do parto, de dar à luz, mais eu temo a morte.

Abre-te para o medo da morte hoje, agora. Não continues com a habitual tendência para contrair a mente. Agora é a altura.

65

Page 66: Gangaji 5.1

O medo da morte está fundo na psique. Quando vem à superfície há normalmente o impulso para passar por cima ou para livrar-se dele. Agora ouves a sugestão para te abrires. Para esta abertura todas as estórias sobre a morte deverão fechar. Abre-te para o medo da morte.

Não parece assustador se me abro para isso.

Está certo.Certamente a morte é um evento extremamente poderoso, assim como o nascimento. O que quer que pareça nascer, morre. O que quer que apareça, desaparece. Quer seja carne, ideia, pensamento, emoção ou estado.O que não nasce, não pode morrer. A morte não é o fim da vida. A morte não é o oposto de vida. A vida é a presença em que, tanto o nascimento como a morte, surgem.Está disposta a morrer antes que a carne morra. Desiste de qualquer luta contra o medo da morte. Quando tu encaras o medo da morte, tu descobres que ele é um guardião inexistente dos portões da realização. Não precisas ultrapassar aquilo que é inexistente.Normalmente o medo é transmitido através do útero, assim como a angústia, o desejo, a esperança, o fracasso e o sucesso. Quando estás disposta a encarar o medo da morte, a realização do que é verdade é transmitido de ser para ser. Tu terás transmitido um extraordinário segredo da vida através do útero.

Tenho passado por muitas perdas ultimamente. Hoje eu pensei que ia perder a minha vida. O medo da morte apareceu e eu gostaria de saber como lidar com esse medo.

Convida o medo a regressar. Agora, enquanto aqui estás, convida-o a mostrar a sua face sob a luz de satsang.

Não consigo fazê-lo regressar.

Sim, este é o segredo.O medo é poderoso apenas quando estás a tentar escapar dele. Dirige-te ao medo e diz, “Sim, vem agora. Estou pronta.” Verás como o medo é medroso. Ele não é encontrado.Durante gerações os teus antepassados fugiram do medo. Finalmente, um de vocês acorda e diz, “Ok, estou pronto para ver. Onde estás tu, medo?” A experiência directa vai contra o movimento da existência condicionada.Olha para o medo e diz-me, o que está presente? Chama por ele com mais força. Se o medo da morte aparecer em satsang, está pronto para ser libertado. Se não estiver pronto para ser libertado, ele correrá de ti o mais que pode.Dá a todos boas vindas a santsang. Este encontro chamado satsang não é diferente da simples vontade de ser. Apenas sê.Agora tu conheces o segredo do medo, porque passaste muito tempo a fugir dele e, mais importante, porque paraste para encará-lo. Agora o medo é um veículo útil para descobrir o segredo divino.Mantém o convite em aberto. No minuto em que começares a fechar a tua mente, algum medo antigo poderá aparecer para te perseguir. Abre a porta e onde ele pode ser encontrado?

Não sei bem o que fazer quanto ao medo da morte em relação aos meus filhos. O meu filho escreveu-me, ele está num lugar muito perigoso.

66

Page 67: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

O teu medo não é em relação à morte dos teus filhos. É em relação à tua própria morte. Até que a natureza da tua própria morte seja reconhecida, tu irás projectar o teu medo nos outros.Todo o corpo está num lugar perigoso a todo o momento. O corpo é uma bomba relógio. A qualquer momento ele pode cessar a sua existência. O teu corpo e o dos teus filhos um dia deixarão de existir. Envolveres-te na morte dos teus filhos antes de enfrentares a tua morte é uma distracção que serve apenas a continuidade do medo.Eu entendo a pressão, mas enfrentar a tua própria morte é tudo o que podes fazer. E, na verdade, é suficiente. Se o teu filho provocou este medo da morte, muito bem. Agradece-lhe. Provocar aquilo que não foi enfrentado é um dos grandes atributos dos filhos.É impossível saber se o filho irá viver depois do seu nascimento. Se te distraíres com esses pensamentos tu não verás o encontro provocado. Pára de usar os teus pensamentos para adiar o encontro de qualquer emoção que apareça. Tira 5 segundos para parar e encarar aquilo de que tens fugido.Os teus filhos serão muito mais felizes se enfrentares a tua própria morte. Irás transmitir-lhes a vontade de encontrar a morte inteiramente. E quando tu lhes falares de qualquer coisa, tu falarás a partir dessa realização.

Ele também se preocupa com a morte.

Ele aprendeu essa preocupação contigo. Da mesma forma que ele aprendeu o seu nome ou a sua primeira palavra. O medo da morte é contagioso. Deves parar esse contágio. Enfrentar a morte é o remédio para curar esta doença. Se a doença for exposta ao remédio, a doença não pode sobreviver.

Mas ele pode ser esfaqueado. Pode ser surrado.

Sim, claro. Sempre. A diferença que o encontro com a morte provoca é na qualidade e na experiência de vida. Estás a imaginar um potencial esfaqueamento enquanto fantasias sobre a solidão? Esta é a forma como as pessoas passam as suas vidas, não é?

Ele diz que ouve tiros no seu bairro e isso não é imaginação.

A morte está em todos os bairros. Tu achas que a morte está localizada em bairros específicos apenas porque ali é óbvio? A morte está em todas as casas.Não estou a falar das circunstâncias periféricas da vida dele. Estou a falar das circunstâncias interiores da tua vida. A tua vida agora. A tua própria morte.Aprendeste o horror da morte. Viste fotografias e leste livros sobre isso. Pensaste sobre isso e agora estás a imaginar o teu filho nesse horror. Isto é um pesadelo. Acorda neste pesadelo.Não podes controlar a morte. Podes mudar-te para a maior casa com a maior cerca de segurança e mesmo assim não poderás controlar a morte. Basta apenas ler os jornais para saber que é assim. A violência é o subproduto de uma sociedade medrosa e violenta. Não existe ajuda para uma sociedade que foge do medo.Fugir do medo leva ao isolamento e à separação. A tentativa desesperada para controlar o enorme medo da morte acolhe mais medo, mais isolamento e mais violência.Tem de começar contigo. O mundo inteiro está à tua espera.Estou a falar a sério. Estou a falar para todos. Não vale esperar que outro acorde para que então todos sejam cuidados. É de ti que o mundo está à espera. Não apenas pelos teus filhos, mas por todas as crianças, todos os bairros em todo o lado. Depende de ti. Tu deves acordar e descobrir directamente o que nunca nasce e por isso nunca pode morrer. Esta é a real herança a deixar aos filhos. Qualquer outra coisa será transmitir mais condicionamento baseado no medo.

67

Page 68: Gangaji 5.1

Tenho uma pergunta sobre a mente e o corpo. Muitas vezes sinto um cansaço que me afecta durante o dia e gostaria de saber sobre o poder da mente para curar.

O poder da mente é enorme e pode ser usado para apoiar tanto a doença como a saúde. Eu sugiro que tu aceites apenas a verdadeira cura, o único verdadeiro refúgio. Tudo o resto é estar a brincar com sentimentos do poder pessoal.Muita gente recorre ao poder pessoal porque há uma promessa de segurança. Mas um dia o corpo morre. Eu sugiro que tu descubras o que está para além da cura do corpo.Cuida do teu corpo; ama o teu corpo. Alimenta-o correctamente, exercita-o correctamente e dá-lhe o descanso adequado. Se ele estiver doente, dá-lhe remédios, mas não penses que é isso que tu és. Se pensares que tu és o corpo, ele nunca te satisfará. A identificação errónea e a insatisfação que se lhe segue são as maiores doenças.Geralmente quando eu falo de doença, estou a falar da doença psicológica. Eu defino doença psicológica como aquela ideia de que estás separado da fonte de preenchimento ou que precisas de algo mais para te fazer feliz. Esta doença é epidémica.Se acreditas, Eu estou doente, então há sofrimento e a tentativa para escapar do sofrimento. Pára todas as tentativas para escapar e pergunta-te, Quem está doente?Dispõe-te a descobrir a verdade por trás da tua sensação de não preenchimento. Dispõe-te a receber a revelação daquilo que é sempre inteiro – o teu ser.Uma das experiências esclarecedoras de um corpo envelhecido é o reconhecimento de que a morte da forma de facto acontece. Não é abstracto. O corpo realmente regressa ao pó.Alguns corpos têm mais doenças do que outros. Algumas plantas crescem mais fortes do que outras. Esta é simplesmente a natureza da forma. Se cessares de procurar preenchimento através do corpo, não haverá problema. Poderá haver desconforto físico mas o desconforto não diz nada quanto à fonte de preenchimento. A verdade que tu verdadeiramente e sempre és já é completa.Confronta aquilo que tu imaginas que esteja a separar-te do preenchimento ao invés de continuamente tentares ultrapassar alguma doença física ou psicológica.Primeiro enfrenta a mentira psicológica de que és incompleto, de que não és suficientemente bom. Confronta isto directamente ao invés de te tentares completar ou tornares-te iluminado ou mereceres algo. Enfrenta a incompletude directamente e descobre imediatamente o que é verdade.Extraordinariamente, a boa notícia é revelada no centro de todos os medos assim como no centro que qualquer outra emoção. Ironicamente, quando deixas de esperar que o corpo e a sua condição te levem ao preenchimento, vês claramente o que o teu corpo particular de facto precisa e isso é-lhe dado.

Recentemente estive numa máquina de MRI. Não conseguia mexer-me e tive um ataque de pânico. Pensei que iria morrer e houve uma perda de controlo que não consegui abandonar. Pode ajudar-me?

Poderá haver um enorme medo de perder controlo mas na verdade, todas as noites antes de mergulhares no sono profundo tens de perder todo o controlo. É impossível adormecer profundamente sem perder controlo. Se continuas a tentar controlar alguma coisa, não conseguirás adormecer ou o teu sono será muito leve e cheio de sonhos.Quando desistes do controlo, a definição de quem tu és é libertada. Com a morte da definição, todos os pensamentos do que podes e não podes naturalmente também morrem. Não existindo qualquer pensamento de ti, não há pensamentos do que pode ou não nascer, o que

68

Page 69: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

pode ou não ser feito. Os pensamentos do que devia ter sido ou do que poderá vir a ser terminam, todos terminam com a simples desistência do controlo ilusório.Eu entendo o enorme medo de largar mão do controlo, podes vir a tornar-te como um vegetal ou um louco, ou algo horrível. Mas tu és como um louco ao tentares manter controlo sobre algo que não pode ser controlado.Num determinado estádio de maturidade tu reconheces que não tens controlo sobre a vida. A vida é o verdadeiro mestre. Embora o possas tentar, nunca serás capaz de controlar um verdadeiro mestre – a Vida. Quando reconheces a Vida, o verdadeiro mestre, como um mestre incontrolável, o conceito de controlo é reduzido ao seu lugar. Nesta humildade, a vida vive então a sua forma viva com preenchimento.Não estou a sugerir que abras mão do controlo para alguém em particular. Estou a dizer para entregares a tua ideia de quem tu és e todas as definições de quem tu és. Estas ideias são apenas tentativas fúteis para controlar a Vida.

Se este corpo, esta forma, é ilusão e não o verdadeiro ser, quase parece uma piada cósmica. Por que não somos simplesmente a fonte?

Tu és.O ilimitado não tem qualquer problema com a forma. Por que limitar o verdadeiro eu à existência de forma ou à sua inexistência? Achas que deveríamos estar limitados a nenhuma piada? Achas que Deus não é brincalhão?

Bem, acho que não tenho nada contra piadas desde que não sejam comigo!

A melhor piada é aquela que é connosco. Essa piada destrói qualquer ideia de auto-importância.Se tu tivesses dois ou três ou mesmo dez anos, talvez eu não falasse desta forma contigo, mas já estás maduro por isso aceita a piada. Diverte-te com a piada. A própria piada destrói o nó de identificação. A auto-rectidão e a auto-importância são ego-rectidão e ego-importância. Reconhecer a piada é o medicamento para a doença da importância egóica.É uma linda piada, uma piada com incontáveis níveis e transformações, lágrimas e gargalhadas, desejo e beleza e silêncio. É uma piada divina, não uma piada corriqueira que podemos ler num livro. É a piada mais misteriosa, abrangente e interminável. É a piada de Leela.

Assim é, embora o meu corpo esteja fisicamente lutando contra isto. O meu coração está a bater muito, muito rápido. O medo cresce e eu abro-me ao medo. Vejo que é realmente o medo de perder este corpo.

A identificação primária, a luta primária, o medo primário é que sem o teu corpo tu não existes. Tu achas que o teu corpo é onde tu existes e a prova da tua existência. Este medo precisa ser encontrado. É este o fundamento de satsang.Relaxa e permite o medo ser. Poderá haver grande tremor. Poderá haver suor. Poderá haver lágrimas. Poderá haver o impulso para te retirares, o impulso para cobrir o rosto. Tudo isso é normal dado o profundo condicionamento de identificação com o corpo.Relaxa. O medo é um bom sinal. Se as pessoas me dizem que nunca tiveram medo, eu vejo que elas talvez nunca tenham tocado este medo primário.O presente do Ramana é a instrução para deitar-se e ver, Quem morre?

69

Page 70: Gangaji 5.1

Este questionamento não é um questionar intelectual. É do mais profundo que há. É a grande sorte desta encarnação humana em ter a capacidade de fazer uma pergunta com tamanha profundidade, de realmente questionar a própria morte.Tu és a fonte, intocável pelo nascimento ou pela morte. Tu és consciência pura, ilimitada e não nascida – dá à luz todos os corpos e reclama todos os corpos na morte. Não tens nada a temer! Pára um momento para morrer e poderás ver, de forma clara e óbvia, o que morre e o que é o eterno ser. Então o teu corpo, enquanto existir, não será problema. Embora possa ter problemas, ele não é problema.

O Verdadeiro Significado de Vigilância

É necessário manter a vigilância? Pode dar-nos algumas orientações?

A vigilância é essencial. O problema com a palavra vigilância é ser mal entendida significando uma imposição de zelosa disciplina. Vigilância é disciplina mas é a disciplina da entrega.Se existir o menor desvio de atenção daquilo que é livre, daquilo que é ilimitado e infinito, o sofrimento é experienciado. Quando o sofrimento é experienciado, a habitual tendência da mente é para negar a verdade. Estando vigilante, a capacidade do pensamento negar a verdade é reconhecida e ultrapassada.Se o esforço é usado na manutenção da vigilância, mais cedo ou mais tarde há exaustão. No entanto, se tu relaxares a tua mente, a tua mente individual fica naturalmente alinhada com o oceano da pura consciência. Então, estar alerta, estar vigilante, entregar-se e disciplina são sem esforço.A quietude revela a consciência não-identificada que é inteligência auto-consciente. Se o impulso do esforço surgir, e isso poderá acontecer porque é fazer esforço é uma forte tendência, reconhece que este esforço está a partir do princípio de que tu não és essa consciência. Investiga, a pura consciência moveu-se? Há alguma separação entre ti e a consciência pura?Auto-investigação é vigilância. Se em algum momento tu te sentes atraído para a identificação com o sofrimento, pergunta-te, Quem está a sofrer?A crença, Eu não sou Aquilo e o sofrimento daí resultante, devem ser encarados. A experiência directa é auto-investigação. Quem não é Aquilo? Quem está a sofrer? Na auto-investigação, descobre-se a auto-negação através da fabricação do pensamento. A crença no pensamento fabricado leva ao sofrimento. No momento em que se experiencia directamente a fabricação, a mentira é exposta e aniquilada.

O que fazer se for totalmente apanhado no drama que se desenrola no momento?

Deixa cair a estória nesse instante. Nesse instante! Para seres apanhado tens de alimentar a estória com mais comentários ou procurando libertares-te através de outra estória. O drama poderá aparecer devido a ter sido alimentado no passado, mas não pode continuar se não for alimentado no presente.Fica ciente de como manténs o passado, o presente e o futuro. A vigilância quebra os laços imaginários chamados “eu e o meu drama”.

Temos sempre a escolha, em qualquer momento, de não continuar a alimentar o drama que está a acontecer?

Sim, tens sempre a escolha.A minha sugestão é que dirijas todo o poder da escolha em direcção ao reconhecimento da verdade que és em todos os momentos. Entrega o poder de escolha de negar a verdade.

70

Page 71: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Desiste dele. Declara que não irás mais escolher acreditar que és separado da própria verdade, mesmo no sofrimento, no drama, no desgosto, nas adversas circunstâncias de todo o tipo.A escolha comum é não ver a pura, radiante consciência. Entrega essa escolha no altar da verdade. Podes posto à prova, mas se realmente desististe da escolha de negar a verdade, não cairás em tentação.Declara-te casado com a verdade e sê-lhe fiel mesmo que antigos amantes venham e te convidem a brincar. Declara teres escolhido a verdade e que nada poderá separar-te disso. Antigos amantes poderão aparecer. Deixa-os aparecerem. Se não lhes deres atenção, desaparecem.Poucas pessoas têm coragem para este casamento divino porque se pensa que o prazer está relacionado com os velhos hábitos. Brincar é normal em determinado estádio de imaturidade. Na maturidade percebe-se que já chega de brincar. Já chega de andar desta coisa para aquela coisa.No silêncio o verdadeiro Amado revela-se. Há então a possibilidade de escolher o Amado e desistir de todas as outras escolhas – todos os outros.Este é o potencial. Satsang é o convite de casamento. Reconhece que o Amado está aqui. Independentemente de quão ocupado estejas, independentemente da dor, independentemente do prazer, ele está aqui. Tem esperado pacientemente, amorosamente, que tu termines de brincar.O amor pela verdade é amor maduro mas se estiveres fixado em fantasias de adolescentes, pode ser aterrador. Teme-se que no amor maduro algo seja perdido. Sim. E nessa perda ganha-se a realização.Escolher a verdade exige abrir mão de paquerar a arrogância egocêntrica e a auto-negação egocêntrica. Está disposto a abrir mão tanto do prazer egocêntrico como da dor egocêntrica pelo Amado e então diz-me de que abriste mão.

Consigo descobrir liberdade no silêncio mas descobri-la na acção é difícil.

A distinção que fazes entre silêncio e acção é artificial. O silêncio não vai a lugar nenhum quando a acção surge. Não há nenhuma acção separada do silêncio.Já encontraste a fronteira do silêncio?

A fronteira é que sempre que me encontro em actividade e com pensamentos e a mente, fico perdido.

O que “fico perdido” significa?

Dias ou semanas passam até eu perceber o silêncio outra vez.

Nesses dias e semanas a consciência foi a algum lugar?

A consciência não estava consciente de si mesma.

Mas estava consciente?

Existia consciência em todos os momentos.

É a consciência separada do silêncio?

Nunca olhei para isso.

71

Page 72: Gangaji 5.1

Então olha. Há sempre mais para ver.Eventos acontecem na consciência. A tua mente individual pode estar conscientemente consciente de um evento ou subconscientemente consciente de um evento. Neste momento, foca a tua mente individual no oceano de consciência que está consciente da tua mente individual enquanto um evento.Consciência consciente e subconsciente dissolvem-se no oceano de pura consciência. Eventos recordados e eventos esquecidos dissolvem-se aqui. Aqui tu és – puramente Eu.Eu perdi-me. Eu encontrei-me. Eu estou em meditação. Eu estou no trabalho. Eu estou a ter um bom momento. Eu estou a ter um mau momento. Eu sou ignorante. Eu sou iluminado. Ainda sou Eu, apenas Eu. O verdadeiro Eu não vai a lugar nenhum.

Então, focar no Eu sempre?

Foca no Eu agora e diz, o que encontras?

Só há consciência.

Obrigada. Vês?

Sim!

É maravilhoso que reconheças isto num instante durante satsang. Já é meio caminha andado. Para completar a tua caminhada, começa a explorar se a consciência vai a algum lugar. É verdade que alguma vez me tenha perdido?Quando pensas, Fiquei perdido, investiga. Quem ficou? A consciência foi a algum lugar? A experiência de estar perdido apareceu na consciência, mas a consciência foi afectada?Reconhece directamente o que está sempre presente. E então pára de procurar por estados específicos que o confirmem.Uma vez experienciada esta confirmação directamente, todo o estado é uma reconfirmação. Experiências de perda, alegria, tristeza, bons eventos, maus eventos, todos são reconhecidos como aparecendo na consciência. Por fim, a totalidade da experiência é a reconfirmação, Eu sou Aquilo. Antes e depois de qualquer pensamento do que eu sou ou como eu sou ou onde eu estou, EU SOU.

Depois de um instante de realização da pura consciência silenciosa, há uma avalanche de muitos efeitos psicológicos e emocionais. A tendência é ficar preso a esses subprodutos. Quando os subprodutos terminam ou mudam ou se transformam, o pensamento pode surgir, Oh, perdi-me. Consegues ver o absurdo deste pensamento? Onde podes ir? Apenas pensamentos sobre ti vão.Eventos vêm e vão. Pensamentos vêm e vão. Humores vêm e vão. Bons momentos vêm e vão. Maus momentos vêm e vão. A Consciência está sempre presente. Tu és Consciência. A consciência, o teu verdadeiro Eu, é imensamente vasta. A consciência não tem qualquer problema com nada que apareça ou desapareça nela. Tudo está incluído.O que quer que pareça puxar-te para fora do silêncio, quando experienciado directamente, também é descoberto como sendo uma confirmação da presença eterna, silenciosa, da consciência.Sem consciência, como poderia a imaginação do passado aparecer?Vê por ti mesmo.

72

Page 73: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Em todos os momentos?

Sim, em todos os momentos. Agora estamos a falar de vigilância!

Tive uma imagem em que subia uma escada e parecia que cada som da escada era uma realização ou uma conquista. Então, de repente a escada tornou-se um poste gordurento. No início parecia que eu estava a cair de costas. Agora não há qualquer direcção e apenas uma deliciosa viagem.

O primeiro passo é abrir mão das tuas derrotas. Desiste do teu inferno, da tua insanidade, do teu samsara pessoal. Depois, abre mão das tuas vitórias, as tuas conquistas, a tua auto-importância. Cai mesmo. Cai em queda livre.Abre mão da velha escada de conquistas. O que quer que seja conquistado tem de ser defendido. Esta defesa usa de forma fraudulenta o nome de vigilância. Defesa não é vigilância. Vigilância é a vontade de cair em queda livre através de toda a ilusão.No momento em que a identificação Eu sou alguém, surge, investiga directamente a sua realidade. Então cair não é cair. Na auto-investigação directa, elevar-se e cair não são separados. A verdade e tu não são separados. A vida e tu não são separados.

Eu vejo que quando a minha mente está calma, é muito fácil estar ciente de mim, ver o que surge e não mexer nisso. Mas durante o dia eu esqueço e eu tenho que me fazer voltar à vigilância. Para mim a vigilância requer esforço.

O esforço segue o mal entendido de que a vigilância significa capturar um estado particular. Pára qualquer tentativa de captura. Não faças da vigilância um exercício. Sê vigilante entregando todo o esforço para te definires de acordo com estados mentais ou emocionais.O esforço não é necessário para ser. Se confias no ser e começas a explorar o ser como sendo, consegues encontrar alguma actividade separada de ti?Vigilância é atenção. A atenção recebe a atenção da pura consciência, que é quem tu és. A auto-definição apenas te mantém fixado nas ondas embora desejoso de encontrar a profundidade. O oceano não tem qualquer problema com as ondas. Nem por um momento o oceano imagina as ondas como separadas de si. Nem por um momento o oceano imagina a profundidade como separada de si. Nem por um momento o oceano imagina existir separação entre onda e profundidade.Sê o oceano. Isto é vigilância.

73

Page 74: Gangaji 5.1

Tu és Aquilo!

Nunca estarás satisfeito até veres quem és. Agora é o momento.

Eu estava a conversar com um homem que supostamente sabe muito e ele disse, “Assim como as nuvens que ficam em frente do sol têm de ser removidas…” Como eu removo as nuvens que não me deixam ver?

As nuvens que se colocam em frente do sol devem ser removidas apenas se tu imaginas que não és o sol. Se tu fores o sol, que importa se as nuvens passam por ele? Elas bloqueiam a tua luz de ti mesmo? Se achas que estás separado da luz então qualquer coisa que apareça tem o potencial de se colocar entre ti e a luz. Reconhece que o centro do ser erradia luz. O que pode separar-te disso?Tu és mesmo mais do que o sol. Tu és o céu. Como céu não estou a querer dizer a camada de atmosfera superior do nosso planeta. Estou a falar da infinita, ilimitada, ampla consciência. O poder que dá origem às nuvens e o poder que dá origem à dissipação das nuvens está no céu. Este poder não pode ser imaginado. É demasiado grande para ser pensado. O céu de consciência inclui tudo, não é bloqueado por nada.

O que são as nuvens e o que é o sol na consciência?

Imagens percebidas. Tu és o céu. O sol é uma imagem que surge em ti. A imagem da luz existe no céu da consciência. O céu é infinitamente maior do que qualquer imagem.Na tua mente podes imaginar que a consciência ou Deus ou a Verdade ou o céu está por aí algures15. Mas na verdade, onde ele começa? Onde ele acaba? Quando é que ele está ausente? Mesmo se tu te fechares num armário, está o céu da consciência ausente? Não, nunca está ausente.As nuvens nascem em ti e morrem em ti. Se tu começares a identificar-te com fenómenos como as nuvens, haverá sofrimento desnecessário. Se te identificas com a nuvem chamada corpo, há a experiência da separação do eterno céu de consciência.O verdadeiro céu é infinito. Está sempre além e também está imediatamente presente. É para sempre. Está sempre aqui. Diferentes territórios, diferentes universos e diferentes sistemas solares, sim, mas tudo existe dentro do céu de consciência. Na verdadeira identificação tu reconheces-te como sendo isso. Reconhece-te verdadeiramente e não haverá problemas com nenhuma nuvem, ou pôr-do-sol ou mesmo eclipse. Eventos climatéricos diferentes são apenas fenómenos. O tempo16 atmosférico, o tempo emocional e o tempo mental não afectam o céu de consciência.A astronomia mais antiga imaginava que o sol e os planetas giravam à volta da Terra. Este tipo de pensamento primitivo ainda está na nossa psique. A identificação errónea deve ser vista como pensamento velho que é inútil e deve ser descartado.

Esta filosofia do céu enquanto Ser é fácil de falar mas é difícil de ver.

Estás parcialmente correcto. É fácil de falar, mas é ainda mais fácil de ver. A tranquilidade é o segredo. Livros e professores e pais e amigos e inimigos disseram-te, “É complicado, é difícil”. Agora a nuvem, É difícil, tornou-se parte do teu sistema primitivo de crenças. E pões-te a pensar, Acordar é difícil, a realização é difícil.

15 Algures = em algum lugar16 Aqui é ‘tempo’ enquanto condições meteorológicas

74

Page 75: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Com o pensamento de dificuldade, acordar é experienciado como complicado; a realização é experienciada como difícil. Eu estou a dizer-te que acordar é inerentemente fácil. Tu já és aquilo que procuras no acordar. Coloca de lado qualquer comentário e vê.

É fácil ficar nesse estado de mente todo o tempo?

Nenhum estado de mente está presente todo o tempo. Estados de mente são como nuvens, aparecem e desaparecem.

E as sensações agradáveis que podem surgir?

As sensações vêm e vão. Tu és o céu em que as sensações e estados vêm e vão. Tu és Aquilo!Não tem a ver com se sentes que és aquilo, tu és aquilo. Tu és Aquilo, independentemente da sensação.

E sobre a vida?

A vida é aquilo! Tu és vida!

Então, tudo é auto-realização?

Tudo é o verdadeiro eu. Não há separação alguma.O sofrimento vem por te imaginares separado do ser. O medo surge em redor do que achas que está separado de ti. Tu perguntas-te, É meu inimigo ou meu amigo?O medo com base no relacionamento é muito antigo. Cães e porcos e até mesmo o protoplasma em placas de petri17 relacionam-se de forma proteccionista, com base no medo. De alguma forma, com o nascimento humano há uma saída através desse medo.A saída é o chamado e a promessa de todos aqueles que despertaram. Esta é a boa notícia de Buda, a boa notícia de Cristo, a boa notícia de Mohammed – A Consciencia é uma, Deus e eu somos um, Alla é um. Quem acorda declara a possibilidade de realização, Tu És Essa Unidade.

Aquilo que você está a dizer é-me muito familiar.

Eu estou a dizer-te aquilo que tu já sabes.Agora, confia no que sabes para além do que te foi dito. Confia mais profundamente do aquilo que foi lido ou acreditado ou seguido.

Eu levo isto muito a sério e isso faz-me cair no desespero.

Por que não cair na seriedade?

Sinto-o como sendo tão importante.

E é importante. É da maior importância e tu deves ser absolutamente sério. No entanto, se por sério queres dizer rígido, então a tua seriedade é absurda.

Eu acho que a rigidez é o problema.

17 Placas de petri = placas de vidro, tipo dois pratinhos que encaixam um no outro, onde são semeadas as colheitas para análise bacteriológica, entre outras.75

Page 76: Gangaji 5.1

A verdadeira seriedade é determinação. A verdadeira determinação deve ser inamovível18. A determinação é séria por vezes, e leve e alegre outras. A determinação usa todas as faces.O laço do condicionamento, da tentação e da auto-dúvida é muito grande, não é?

Oh, sim!

Sem séria determinação, satsang seria apenas uma outra experiência no teu conjunto mental de experiências. Eu aplaudo a tua determinação. Eu faço vénias à tua determinação.Deves colar-te a esta determinação, a esta árvore de bodhi, a este pico de montanha, a esta gruta e não te moveres.Existirão testes à tua determinação. Os testes revelam a profundidade da tua determinação. Deixa que todo o mundo venha e tente mover-te, incluindo o próprio Deus. Sê inamovível.

Sempre que vejo que a minha determinação não é suficientemente forte, eu fico com raiva de mim mesmo e quero ver-me livre dessa raiva.

Não tens que ver-te livre dessa raiva. Apenas mantém toda a atenção na verdade que és. A raiva poderá surgir. Todas as emoções e estados surgem e passam. Se fixares a atenção na estória de raiva, então voltas à velha sórdida relação com ela e a atenção é retirada da verdade de quem és.Muitas tendências surgem para serem queimadas. Na determinação, não importa se tens uma tendência que restou ou trinta e cinco milhões de tendências porque não é aí que a tua atenção está.Deixa que o que possa surgir, surja. Deixando-o surgir, estás a deixá-lo ir. É apenas quando retiras a tua atenção da verdade de quem és que tu entras na estória do que deveria ou não deveria surgir.Está preparado para tudo surgir. Está preparado para nada surgir. É o mesmo, a sério, e isto é o grande segredo.Enormes sentimentos de sofrimento poderão surgir. No momento em que estás disposto a que tudo surja ao mesmo tempo que a tua atenção está firmemente, com determinação, fixada naquilo em que tudo surge, o sofrimento não pode continuar.Se tu chamas algum estado ou emoção de sofrimento, chama-o de sofrimento consciente e, enquanto consciência, encontra-te com o sofrimento. Fugir do sofrimento é samsara. Na tua vontade de directamente experienciar o que quer que surja, o sofrimento deixa de ser sofrimento. Samsara não é samsara.Conta-se que Jesus terá dito, “Se souberes como sofrer, não sofres.”Como sofrer? Perguntando voluntária, completa e friamente, Quem está a sofrer?

Esta semana na escola de massagens quando me faziam massagem, eu tive a sensação de ter ido parar a um lugar em que eu realmente era feliz e alegre, mas não havia nada lá.

Sim!

O meu professor tentava trazer-me de volta.

Trazer-te de volta à realidade conhecida é o ensinamento comum. Por sorte tu não és um estudante comum.

18 Inamovível = impossível de mover76

Page 77: Gangaji 5.1

TU ÉS AQUILO I - Gangaji

Eu olhei em volta para o que me rodeava e senti como uma enorme felicidadde.. Então deparei-me com a confusão em que me perguntava por que sou eu um corpo. Por que não posso simplesmente estar naquele lugar todo o tempo?

Tu estás. O teu corpo está nisso todo o tempo. O teu corpo nunca esteve separado disso.

Mas está.

Não, não está.

São ambos reais?

Há Aquilo que é permanentemente real e há experiências nAquilo que parecem reais, são sentidas como reais mas têm duração limitada. O teu corpo é um exemplo de experiência limitada e impermanente. Em satsang, a palavra “real” refere-se aquilo que está permanentemente presente, não aquilo que aparece como real e depois desaparece.As pessoas por vezes não querem que o corpo continue. As pessoas por vezes querem que o corpo continue para sempre. Ambos reflectem a mesma identificação errónea. Alguns têm a ideia de se livrarem do corpo para regressar à verdade final. Deves reconhecer que a verdade está aqui e agora. É a força que anima todos os corpos e existe independentemente de qualquer corpo. Apenas é um problema se o corpo é adorado ou mal tratado. Tanto na adoração como no mau trato, a fonte ilimitada não é vista.

Então, por que os corpos se sentem tão separados uns dos outros?

Eles sentem-se separados porque eles aparentam estar separados e nós somos treinados a aceitar as nossas percepções como sendo a realidade. Há um condicionamento muito forte de que és um corpo particular. Por um instante há um vislumbre de liberdade sem o corpo presente. Este vislumbre é a quebra do nó da identificação errónea.Experiencia directamente o corpo e tu verás. No seu centro, no centro de cada célula, no centro de cada fenómeno está o ilimitado que não está preso por nenhum corpo.

Você poderia falar mais de uma palavra que foi referida em outros satsangs, “não-nascido”?

Quando não tens nada – não tens corpo, não tens nome, não tens história, não tens medo, não tens coragem, não tens conclusões – então reconheces-te como aquilo que será sempre não-nascido. Ainda mais profundo do que não-nascido – aquilo que sempre será não-concebido.No momento que essa concepção surgir, pára. O que estava antes disso? Pureza antes e para além de toda a concepção é a verdade de quem tu és. Esta pureza não vai embora durante a concepção ou depois da concepção. É inamovível. É intocada por qualquer coisa concebida.O que é não-nascido e não-concebido não tem para onde ir. Neste momento, descobre em ti essa paz que não tem para onde ir. É para sempre não-nascido e no entanto tudo o que nasce, nasce disso.

Satsang não está limitado a algo lido ou escutado. Satsang é o contexto potencial para todos momentos de toda a tua vida.Não estás separado de qualquer despertar que tenha ocorrido. Não estás separado do despertar de Buda, do despertar de Cristo, do despertar de Ramana, do despertar de Poonjaji

77

Page 78: Gangaji 5.1

ou de qualquer outro. É o mesmo despertar, o mesmo despertar do ser para si mesmo, atravessando todas as linhas de religião e cultura, fronteiras e horizontes; atravessando todas as linhas de diferenças percebidas e separação; reconhecendo-se a si mesmo totalmente e sem limite. Cada um tem algum papel especialmente belo a representar, um desconhecido, misterioso papel. A possibilidade em satsang é de ser inspirado a representar esse papel plenamente. Para representares um papel plenamente, reconhece que qualquer papel é apenas um papel e que aquilo que verdadeiramente és está além de todos os papéis.

Se colocares fim ao foco da mente nos problemas pessoais, o despertar da consciência para si mesma tem lugar. A tua vida é então naturalmente usada para facilitar o despertar de todos os seres. Estar ao serviço do despertar é descoberto como a mais profunda felicidade.

Agora é tempo de reconheceres o centro de paz que existe em ti. Tu és Aquilo!Sim, agora é o momento.

SOBRE GANGAJI

Gangaji, nascida Toni Roberson, cresceu no Mississipi. Como muitos dos seus contemporâneos procurou o preenchimento através de relações, carreira, maternidade, experiências de sub-cultura, activismo político e prática espiritual.

A sua busca terminou em 1990, quando se encontrou com Sri Poonjaji, um discípulo de Sri Ramana Maharshi, nas margens do rio Ganges. Nesse encontro com o seu mestre, amorosamente conhecido como Papaji, os portões do auto-reconhecimento abriram-se. O verdadeiro preenchimento que havia buscado por toda a sua vida foi-lhe revelado.

Todos os anos, em encontros públicos, fins-de-semana intensivos e longos retiros na América e por todo o mundo, Gangaji fala para centenas de pessoas de todas as proveniências. Em cada encontro, assim como nos seus livros, ela oferece o convite recebido do seu mestre: reconhecer por inteiro aquilo que sempre está e sempre esteve aqui – a verdade do ser que é completamente e permanentemente inteiro, livre e em paz.

Gangaji é autora de: The Diamond in Your Pocker: Discovering Your Tru Radiance; You Are THAT!, volumes I e II; e Freedom and Resolve: The Living Edge of Surrender.

78