ecletica 34 incivilidades

27
Revista dos alunos de Comunicação Social da PUC- RIO Ano 17 Nº 34• Janeiro/Junho de 2012 • issn 1413-5965

Upload: affonso-araujo

Post on 10-Mar-2016

218 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

revista de várias abordagens em torno de um tema

TRANSCRIPT

Page 1: Ecletica 34 Incivilidades

Revista dos alunos de Comunicação Social da PUC- RIO Ano 17 • Nº 34• Janeiro/Junho de 2012 • issn 1413-5965

Page 2: Ecletica 34 Incivilidades
Page 3: Ecletica 34 Incivilidades

1Incivilidades

Primeiras Palavras

Sumário

Janeiro/Junho 2012

Revista dos alunos de Comunicação Social da PUC- RIO

Ano 17 • Nº 34• Janeiro/Junho de 2012 • issn 1413-5965

Eclética é uma Revista semestRal dos alunos do depaRtamento de ComuniCação soCial da puC-Rio, esse

númeRo foi pRoduzido pela tuRma de 2012.1 do CuRso de ComuniCação soCial, habilitação em JoRnalismo, da

disCiplina de edição em JoRnalismo impResso.

diRetoRa do depaRtamento deComuniCação soCial

pRof. CesaR RomeRo

CoRdenação editoRialpRof. feRnando sá

pRoGRamação visualpRof. affonso aRaúJo

alunas editoRasbabi Costa e luisa paCiullo

Redação e administRaçãodepaRtamento de ComuniCação soCial

Rua maRquês de s. viCente, 225 – ala Kennedy

6º andaR – Gávea – Rio de JaneiRo – RJCep: 22453-900 – tel.: (21) 3527-1603

não me toque!

a falta de banheiRos públiCos e o exCesso de inCivilidade

pRofessoRes são alvos de bullying e desCaso nos ColéGios

piChação destRói patRimônio públiCo

lixo nas Ruas

o homem é o lobo do homem

2

6

11

14

18

23

BaBi Costa e Luisa PaCiuLLo

O que é incivilidade? Dizem por aí que os

brasileiros são extremamente mal educa-

dos em comparação com europeus, ame-

ricanos e asiáticos. Será que isso é verdade? Vivemos

reclamando do péssimo estado dos bens públicos,

da má vontade das pessoas que nos atendem e da

falta de educação nas ruas, mas ninguém nunca é

responsável por isso. Todo mundo conhece alguém

que pratica algum tipo de incivilidade, mas as pes-

soas não param para olhar o próprio umbigo e para

repensar as suas atitudes.

A edição 34 da Revista Eclética trata justamente da

incivilidade com o outro e com o bem público. Mostra

as diferentes formas de agir, pensar e se impor diante

dessas situações. Do uso dos banheiros públicos às si-

tuações extremas, como o ser humano tem diferentes

formas de reagir a este mal. Até nos ambientes onde

há apenas pessoas educadas, como nas salas de aula,

algumas situações surpreendem até quem já está acos-

tumado a conviver em coletividade.

A revista faz um passeio de ônibus pelo patrimô-

nio público da cidade maravilhosa, aponta a visão

de especialistas sobre o comportamento humano, e

mostra como nos livramos do nosso lixo. Além disso,

relembra casos famosos do nosso passado recente e

a evolução (ou não) das boas maneiras da espécie

humana.

Boa leitura!

Page 4: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 22

Quem frequenta cinema com certeza já passou por essa situação: as luzes apagadas, a trama no clímax e, de re-

pente, ele toca. Por mais rápido que o sujeito do assento vizinho desligue o aparelho, já era. Um precioso instante de concentração se perdeu e é difícil recuperá-lo. O mau uso do telefone celular já é tão corriqueiro que, por muitas vezes, a inci-vilidade não é notada, mas o aparelho atrapalha a vida de muita gente.

Uma pesquisa realizada pela empresa ameri-cana de eletrônicos Intel apontou que 91% dos adultos norte-americanos já observaram pessoas fazendo uso inadequado do telefone celular. Seja pelo hábito de trocar mensagens durante um jan-tar, telefonar em banheiros públicos ou usar o aparelho ao dirigir. O mesmo estudo mostra que 87% dos dois mil americanos entrevistados que têm um telefone móvel já o usaram inadequada-mente e que 65% deles sentem vergonha quando o celular toca em locais impróprios ou em mo-mentos inoportunos.

O ator e apresentador de TV Bruno Seixas, de 27 anos, sabe bem o que é ser interrompido por um toque de celular. Ele conta que, no teatro, o telefo-ne quebra o ritmo de quem está em cena e que é preciso estar muito concentrado para não perder o rumo. “O celular já atrapalha quando estamos ensaiando. Imagine só quando estamos na peça”, diz ele. Bruno, que também participa de espetácu-los humorísticos de improviso, conta que já apro-veitou o toque de um telefone para fazer piada.

“Certa vez, durante um show de stand-up comedy, o celular de uma menina da primeira fila tocou e eu atendi. Era o namorado dela, perguntando onde ela estava e eu disse que se ele não sabia era melhor deixar para lá”, conta o ator.

Mas não são todos os atores que têm a mesma reação que Bruno ao serem interrompidos por um celular tocando. Ele conta que já viu colegas de trabalho saírem de cena por causa dos toques in-convenientes. “O telefone tocou e o dono ainda atendeu a ligação, no meio da peça. Aí o ator fez questão de parar a cena, aguardar o fim da liga-ção e, aí sim, começou tudo de novo.”, narra ele.

Não me toque!Pouco mais de 20 anos após a chegada do celular ao Brasil, o mau uso do aparelho ainda causa muitos problemas

Breno BoeChat e GuiLherme GonçaLves

Deixar tocar o celular no teatro ou no cinema é muita falta de respeito

Page 5: Ecletica 34 Incivilidades

3Incivilidades

O número de aparelhos celu-lares no Brasil já é maior que o número de cidadãos brasileiros. De acordo com o último levan-tamento da Agência Nacional de Comunicações (Anatel), em 2011, havia 210,5 milhões de telefones móveis no país. Só no mês de março do ano passado, foram 2,9 milhões de novas ha-bilitações registradas. A Anatel informou que, com o aumento no número de celulares, de 2007 para 2011 foi registrada uma queda de 40% no uso de tele-fones públicos, os conhecidos “orelhões”.

Governo dos EUA calcula que mais de 5 mil pessoas morreram por usar o telefone ao volante

Números de

celulares

Aparelhos

pré-pagos

Crescimento

por mês

Crescimento

por ano

Março/11* Dez/11* Fev/12** Mar/12**

210.509.562 242.231.503 247.618.048 250.826.371

2.943.350 6.147.888 2.439.008 3.208.323

7.565.529 39.287.470 5.386.545 8.594.868

82,18% 81,81% 81,89% 81,83%

1.4% 2,6% 1,0% 1,3%

3.7% 19,4% 2,2% 3,5%

*Última pesquisa da Anatel, em Março/2011**Projeções a partir da pesquisa da Anatel, em Março/2011

Page 6: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 4

A pesquisa da Anatel mostra ainda que mais de 10 milhões de pessoas têm mais de um apare-lho móvel. No Distrito Federal, para cada cem ci-dadãos, há 180 telefones. A explicação, segundo o órgão, é que como Brasília é um centro político e econômico, há muitos executivos que precisam ter mais de um aparelho – um para a família e outro para os assuntos profissionais.

O celular no mundo empresarial

O empresário Renato Nascimento, de 50 anos não mora em Brasília, mas também tem dois ce-lulares. Segundo ele, que trabalha como repre-sentante de um fundo de investimentos, o tele-fone portátil o faz ganhar tempo. “Eu moro na Barra da Tijuca e trabalho na Zona Sul. Às vezes, levo uma hora e meia no percurso por causa do

engarrafamento. Se eu não me comunicar com os investidores, é como se eu perdesse 90 minutos do meu dia, ou seja, dinheiro perdido”, explica o empresário.

Renato admite que, por muitas vezes, o celular atrapalha o seu ritmo de vida. “É horrível quando você tem o seu momento de lazer, mas fica pen-durado no telefone, que não para de tocar”, desa-bafa ele, nostálgico. “Antigamente era melhor. Se você quisesse sumir, ninguém te achava”.

O empresário conta ainda que não dorme sem antes checar os celulares, que lhe permitem aces-sar as contas de e-mail, o Facebook e os pregões das bolsas de valores de todo o mundo. “Tem ve-zes que já vi tudo, mas pego o celular para con-ferir. E também para ter certeza de que ele está ligado, caso haja alguma emergência durante a madrugada”. Renato faz parte dos 20% dos en-

O empresário Renato Nascimento checa o telefone antes de dormir

O ator Bruno Seixas já viveu situações engraçadas em cena por causa do celular

GuilheRme Gonçalves GuilheRme Gonçalves

Page 7: Ecletica 34 Incivilidades

5Incivilidades

divulGação

trevistados pela Intel, que conferem o telefone antes de dormir.

No Brasil, uma das maiores incivilidades quan-do se fala do uso do celular é quando isso é feito ao volante. Desde a elaboração do novo Código Brasileiro de Trânsito, em 1997, quando a telefo-nia ainda engatinhava no país, é proibido o uso do telefone móvel enquanto se dirige. Em caso de infração, o motorista é multado em R$ 85,13 e perde quatro pontos na carteira de habilitação.

A dificuldade de fiscalização atrapalha a medi-ção da quantidade de acidentes causados pelo uso do celular. Ainda assim, o Departamento de Trânsito dos Estados Unidos realizou uma pesqui-sa que apontou: 77% dos motoristas admitiram já ter utilizado o celular ao volante. O governo americano estima que 5.870 pessoas morreram e mais de 500 mil ficaram feridas em acidentes que, segundo relatos, envolveram distrações de-vido ao uso do telefone.

CeletiquetaPara solucionar muitos problemas desse tipo de incivilidade, convocamos a professora

de etiqueta Fátima Ziegler, que dá aulas de comportamento há mais de 20 anos. Fátima vai responder a perguntas feitas pelas personagens da reportagem

O que é melhor: a ligação ou a mensagem de texto?

Mabel Telles, estudante

Existe algum lugar em que não é recomendável atender o telefone – fora os locais proibidos?

Renato Nascimento, empresário

Quando o celular toca e eu não posso atender, é melhor recusar a chamada ou deixar chamar até cair? Bruno Seixas, ator

Depende. Às vezes, para não chamar muita atenção, é melhor mandar uma mensagem. Porém, é preciso tomar cuidado. Se estiver com outra pessoa, resolva tudo com uma ligação para evitar que a cabeça fique olhando apenas para o celular. Fátima Ziegler

Lugares onde as pessoas estão muito próximas a você e que possam ouvir suas conversas. Por exemplo: banheiros públicos, vestiários, restaurantes luxuosos. Nesses locais, por mais baixo que você fale, alguém vai ouvir. E isso é bem desagradável.

Fátima Ziegler

É melhor recusar e gravar uma mensagem educada na caixa postal. Dessa forma você é elegante e evita que a pessoa continue te ligando.

Fátima Ziegler

Page 8: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 6

eduaRdo nadaaR/o Globo

1066

Uma coisa que tira a pa-ciência de todo mundo é querer fazer as suas neces-

sidades fisiológicas e não conse-

guir. Usar os banheiros públicos das cidades brasileiras está cada vez mais complicado: eles são raros e quando os encontramos nos deparamos, na maioria das vezes, com níveis baixos de hi-

giene e limpeza. Esse problema preocupa todos os dias inúmeras pessoas que não têm outra alter-nativa na hora em que a vonta-de aperta. Esse é o caso de José Raimundo Oliveira que trabalha

A falta de banheiros públicos e o excesso de incivilidadeUm panorama sobre o uso e abuso dos sanitários coletivos

BaBi Costa e rafaeL DaLtro

Foliões urinando nas ruas do Rio.

Page 9: Ecletica 34 Incivilidades

7Incivilidades 7

Globo.Com

7

como motorista de ônibus há 10 anos. Zé, como gosta de ser cha-mado, enfrenta diariamente a dificuldade de viver numa cida-de na qual não há boas opções. “Isso, às vezes, é um problema para mim, pois tenho que pedir para usar o banheiro de algum restaurante ou loja porque os públicos não existem na maior parte da cidade. O pior é que se fizermos na rua ainda podemos ser presos, aí fica complicado”, contou ele com bom humor.

O aperto no carnaval carioca

Um assunto que chamou a atenção no último carnaval foi

o número de pessoas detidas acusadas de urinarem em locais públicos. De 5,3 milhões que participaram da festa, 1.014 pessoas foram encaminhadas à delegacia.

As principais reclamações dos foliões foram as enormes filas que se formavam para a utiliza-ção dos banheiros químicos ins-talados pela Prefeitura especial-mente para o evento. Algumas pessoas reclamaram ainda da distância dos banheiros e do nú-mero, que segundo elas, não era o suficiente para suportar tanta gente. Segundo um balanço di-vulgado pela Riotur, empresa de turismo do município do Rio

de Janeiro, foram instalados 15 mil banheiros em toda a cidade para atender à demanda duran-te os dias da folia.

Antonio Pedro Figueira de Mello, secretário Especial de Turismo e presidente da Riotur, avaliou que os maiores proble-mas que a cidade enfrentou com a festa foram acúmulo de lixo nas ruas e os mijões, apesar do número de apreensões ter sido menor que no ano anterior. Se-gundo ele, graças à quantidade de banheiros químicos, que au-mentou.

Segundo pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisas da ESPM-RJ durante o período de

Filas enormes nos banheiros químicos da Zona Sul carioca durante o carnaval.

Page 10: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 8

carnaval, 470 pessoas foram entrevistadas nos blocos de rua e questionadas sobre a organi-zação do evento. A limpeza dos banheiros químicos teve a me-nor nota registrada, (4,0) numa escala que vai de 0 a 10. Segui-da da limpeza do trajeto (5,1), a quantidade de banheiros (5,5), a segurança (7,8) e o acesso aos blocos (8).

Que banheiro eu devo usar?

O que para muitos é um ato fácil, como escolher entre o sa-nitário feminino ou masculi-no, traz sérios problemas para a transexual Kayla Fernandes. Desde que começou a se sen-tir como mulher, quando tinha apenas 15 anos, passou a usar roupas femininas e se compor-

tar como uma garota, até que aos 30 anos finalmente conse-guiu realizar o seu sonho: fazer a cirurgia de mudança de sexo. A manicure, de 32 anos, que tra-balha há mais de oito anos em um salão de beleza na Barra da Tijuca já sofreu constrangimen-tos ao tentar entrar em banhei-ros femininos de shoppings cen-ters, rodoviárias e festas. Kayla conta que mais de uma vez já deixou de frequentar os banhei-ros por medo e vergonha de ser reprimida por outros usuários. O problema é que essa repressão não fica só em olhares tortos e piadas maldosas. Apenas por tentar usar o banheiro feminino a manicure quase foi agredida e já foi humilhada por um grupo de jovens estudantes. “Eu estava num grande shopping aqui da

Barra com a minha prima e nós entramos no banheiro das mu-lheres normalmente. Logo que entrei já ouvi piadinhas precon-ceituosas, mas não saí, porque eu sou fisicamente e me sinto uma mulher como qualquer ou-tra. Mas as garotas falaram que quem tem barba e gogó não de-veria estar ali e tinha que levar uma surra para aprender a se colocar no seu devido lugar. Me senti muito mal, e fui embora”, contou ela.

Kayla disse ainda que casos como estes são comuns entre suas amigas transexuais e tra-vestis, e que a maioria da po-pulação não respeita esse grupo de pessoas. Para ela, as pessoas só mudarão de postura quando uma punição severa for aplica-da aos casos específicos. “Algu-ma coisa precisa ser feita. Nós, como todas as pessoas, também precisamos usar esses locais e não podemos sofrer preconceito por isso. É um direito, mas ser uma minoria e lutar por isso é muito difícil. Por isso, já deixei de ir ao banheiro em locais pú-blicos mais de uma vez”, expli-cou a manicure.

Tá limpinho por aí?

O que parece não preocupar nem um pouco a maioria das pessoas tira o sono de uma mi-noria. Como é o caso da funcio-nária da Sodexo Maria de Jesus, que trabalha na limpeza dos ba-nheiros da PUC-Rio há três anos. Maria conta que já presenciou situações absurdas e que jamais pensou que iria ver numa insti-tuição particular. “Muita gente joga papel, absorventes e até folhas de caderno no vaso sani-

Homem urinando na rua e desrespeitando o aviso

bloG esse tal de meio ambiente

Page 11: Ecletica 34 Incivilidades

9Incivilidades

tário”, disse ela. A funcionária acredita que esse tipo de ação não é repetida dentro de casa.

A aluna de Arquitetura e Ur-banismo Júlia Tavares relata que já passou por situações no mínimo curiosas. A estudante já presenciou uma briga entre duas garotas no banheiro do Edifício Cardeal Leme, na universidade. “Uma delas entrou no banheiro e a garota que tinha acabado de sair deixou um absorvente no vaso sanitário e tudo sujo de menstruação, estava muito nojento. A que estava entrando chamou a outra de porca e as duas começaram a bater boca, foi uma situação horrível, fiquei sem saber o que fazer“, contou Júlia.

A aluna acredita que, se as pessoas tivessem mais cuida-do e bom senso ao usar o bem coletivo, muitas confusões e si-tuações de alto estresse seriam reduzidas. Ela aponta ainda que as situações de incivilidade vão muito além dos banheiros, pas-sando pelos transportes urbanos e chegando até aos cinemas e lo-cais de públicos de classes eleva-das. “A pior situação que eu já passei foi numa festa no morro da Urca. O local quase não ti-nha banheiros e como as pesso-as estavam bebendo a fila ficou enorme. Uma garota resolveu furar a fila e as outras pessoas ficaram revoltadas e começa-ram a agredi-la com palavras e empurrões. Nunca achei que ia ver aquilo numa festa que cus-tou tão caro”, relatou ela.

Na Rodoviária Novo Rio, no bairro do Santo Cristo, não é di-ferente. O terminal é o segundo maior no número de passageiros

da América do Sul com uma mé-dia de circulação de um milhão e meio de pessoas por mês. A ro-doviária passou por uma refor-ma, que ficou pronta em 2009, e trouxe melhorias para o local. Os passageiros parecem ter gos-tado das mudanças, mas acham que ainda há o que melhorar. O vendedor Cláudio Limeira, que frequenta a rodoviária há mais de 20 anos, observou essas mu-danças, mas sinaliza que mais ainda pode ser feito. “Muita gente passa por aqui, tem mui-ta rotatividade. Com a expan-são da rodoviária o número de banheiros aumentou, mas eu ainda acho pouco. Já aconteceu de eu estar atrasado pra pegar o ônibus e ter que ficar na fila, isso gera muita tensão”, disse ele. A estudante de Comunicação So-cial Caroline Lucas pega o ôni-bus na rodoviária para visitar a família, que mora no interior, quase toda semana. Ela acha que a limpeza dos sanitários podia ser feita de maneira mais assídua, para que o local resista à grande demanda de usuários. E reclama de ter que pagar uma taxa de uso e não ficar satisfeita com o serviço. “Querer mais ba-nheiros nós sempre queremos, mas eu acho que falta limpeza e conservação. O problema é que além de tudo o banheiro é pago, devia ter o mínimo de higiene. Como passa muita gente por lá é muito difícil encontrar banhei-ros limpos, na verdade é uma raridade”, desabafou.

O que pensam as pessoas

Várias pessoas culpam os pró-prios usuários pela falta de as-

seio e pelo estado de conservação dos banheiros públicos. Muitos apontam a falta de compromis-so com o bem público como fator decisivo e alegam que há outra conduta no uso do bem parti-cular. A psicóloga e professora do departamento de Psicologia da PUC-Rio, Helene Shinohara, explica que a forma de agir das pessoas está altamente relacio-nada ao que elas pensam sobre a consequência que os seus atos irão gerar. Além disso, a profes-sora explica que as atitudes das pessoas mudam se há a vigilân-cia de terceiros. “Há coisas que as pessoas fazem ou deixam de fazer quando estão na presen-ça dos pais, por exemplo. No caso dos banheiros públicos não existe essa observação de outras pessoas. O que influi diretamen-te na forma de agir das pessoas são as consequências dos seus próprios atos. Elas pensam que como aquilo não tem um dono não prejudicam ninguém, e que sempre haverá alguém para limpar ou fazer a manutenção”, explicou a professora.

A psicóloga HeleneShinohara explica o comportamento das pessoas.

Rafael daltRo

Page 12: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 10

Os cinco melhores e mais estilosos

10 Janeiro/Junho 2012 10

Nem todos os banheiros coletivos são motivos para dor de cabeça na hora de sua utilização. Como é o caso de um banheiro que fica num bar de Londres na Inglaterra

que se chama The Exhibit. O lugar tem mictórios com telas digitais que simulam um jogo de videogame quando utilizado. Os usuários inclusive acumulam pontos dependendo de suas performances. O jogo é dividido em três diferentes níveis de

dificuldade: fácil (sóbrio), normal (embriagado) e difícil (bêbado).

Hundertwasser Public Toilets, Nova ZelândiaO banheiro foi construído em 1997 pelo arquiteto Hundertwasser Freidensreich, daí a razão de seu nome. E todo o material utilizado em sua construção foi reciclado, como garrafas e restos de azulejos.

Charmin Restroom, Times Square, Nova YorkEsse é um banheiro mais sofisticado, que conta com dois andares e um ambiente aconchegante voltado ao público infantil. As instalações contêm inclusive videogame e televisão para o entretenimento de seus usuários.

Daimaru Department Store,TóquioPor mais incrível que possa parecer, esse banheiro fica dentro de uma loja de departamentos no Japão chamada Daimaru. Seus banheiros são projetados pensando no espaço de fora. Por exemplo, a paisagem dos prédios ao fundo não é uma janela, e sim uma imagem de como seria a vista se aquela parte da parede fosse feita de vidro.

Urilift Pop-Up Toilet, EuropaEsse banheiro de rua é uma cabine fechada que permite ao usuário total conforto e privacidade, pois o banheiro funciona como um elevador. Quando o usuário entra, ele desce para debaixo da terra, exatamente! Além de ter um sistema que torna praticamente impossível errar o local de urinar. Mas se isso ocorrer, o piso conta com um sistema de drenagem que limpa o local imediatamente após a utilização.

JC Decaux Public Toilets, ParisO “sanissete” como é chamado, tem acesso fácil para pessoas com deficiência, um vidro para iluminação natural durante o dia, e fora do banheiro, uma fonte feita de madrepérola.

imaGens da inteRnet

Page 13: Ecletica 34 Incivilidades

11Incivilidades 1111

Professores são alvos de bullying e descaso nos colégiosUm dos profissionais mais importantes para o desenvolvimento social do país está cada dia mais desvalorizado

Professores não conseguem substituir os pais na educação das crianças

Page 14: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 12

Desvalorização social

Foi-se o tempo em que a palmatória era comum nas escolas brasileiras. Mais tarde percebeu-se que essa forma de

agressão não resultava em melhoras no compor-tamento dos alunos e, por isso, foi proibida. Hoje, por outro lado, são os alunos que parecem ter o controle do ambiente nas salas de aula.

Não há dúvidas que atualmente o professor é tratado com muito menos respeito por seus alu-nos do que há décadas atrás. Hoje, vê-se em sa-las de aula do ensino fundamental, do ensino médio e até do ensino superior, estudantes que menosprezam seu mestre assim como o apren-dizado. E como se não bastasse, não são apenas seus alunos que desvalorizam o importante ofí-cio do educador, mas o próprio governo, que des-tina salários baixíssimos, de aproximadamente mil reais, para professores da rede pública. Sen-do assim, é muito difícil que o papel do mestre seja bem visto pela sociedade, menos ainda por jovens alunos.

Parece que ninguém percebe que, com a des-valorização do personagem mais importante na formação do caráter e dos valores da socieda-de, o futuro da educação do país é uma dúvida quanto à qualidade. Não há nada pior que uma população mal educada, sem poder de crítica e inovação. Mas, apesar de todos os fatores contra, que desencorajam o progresso na profissão, há um grupo de professores fiéis aos seus princípios como a ex-professora de geografia Valéria To-bias, de 63 anos. “Tem que gostar muito mesmo de dar aula. Só sendo apaixonado por ensinar para aturar má criação e xingamento de alunos todos os dias”, afirmou.

Contra os professores, os pais defendem os filhos

“Antigamente quando se aplicava uma ad-vertência ou suspensão num aluno, marcava-se uma reunião com os pais para conversar sobre o comportamento do filho. E os pais se interes-savam em saber o que estava acontecendo na escola para repreendê-lo de alguma forma. Mas

hoje em dia se vê muito o contrário. Os alunos inventam mentiras para os pais antes da conver-sa com o professor. E os pais estão protegendo a postura do filho, dando razão às suas más atitu-des e, dessa forma, se voltando contra os profes-sores,” revela Valéria.

A falta de bons modos com o professor vem se tornando cada vez mais comum. Segundo Va-léria, o menosprezo vem de dentro do lar, fruto de diálogo com os pais. Ela se impressiona com a diferença da educação dos alunos de décadas atrás em relação à atual. “Antigamente os alunos tinham mais respeito com os professores. Sempre tiveram aqueles indisciplinados, mas, atualmen-te, os alunos estão mais ríspidos com os professo-res. Hoje eles sabem quanto é o salário do profes-sor e fazem comentários de deboche, fazendo até comparações com a renda familiar”, disse.

Quem acredita que é na rede pública que se en-contra os alunos mais mal educados se engana. Muitos estudantes de escolas particulares, por te-rem uma renda familiar mais alta, se sentem no direito de fazer o que bem entenderem. Atender o celular em classe, conversar sem parar durante a explicação, dormir e reclamar de repreensões são clichês. “Os alunos de escola particular en-tendem que quem paga o salário dos professores são seus pais e por isso eles se sentem no direito de fazer qualquer coisa em sala de aula, sem pu-dor algum”, conta Valéria. Esse tipo de pensa-mento imaturo e egoísta é cada vez mais comum nas escolas.

A professora de um curso inglês para crianças, Isabela Sued, tem apenas 22 anos e já percebe di-ferenças no comportamento de seus jovens alu-nos em relação à sua época. Na opinião dela, os alunos carecem de educação provida pelos pais dentro de casa e isso acaba refletindo no modo como eles tratam seus professores. “Eu acho que seria muito difícil para um professor assumir todo o papel da educação de uma criança. Ela não vem com todos os pensamentos neutros para uma sala de aula, já está sofrendo influências e absorvendo atitudes dentro da sua própria casa. As crianças estão mais mimadas, mas menos ingênuas. En-tão, acho que um professor não conseguiria edu-car um aluno sem uma ajuda mínima dos pais”, conta Isabela.

DioGo oLiveira

Page 15: Ecletica 34 Incivilidades

13Incivilidades

Ca

mila G

Rinsz

teJn

Cada vez mais cedo as crianças recebem um celular de presente dos pais. É o que explica a professora de história e pedagoga Margarida Octália, que coordena o ensino fundamental de uma escola de classe média, na Zona Sul do Rio. “Há uns cinco anos, só tinham telefones os mais velhos, de uma faixa etária entre 13 e 18. Mas, de repente, tudo mudou. Hoje em dia, tem criança de 6 anos com um telefone”, relata Margarida.

A chegada dos telefones às escolas, aliás, remexeu a vida dentro de sala de aula. Os professores, que antes se preocupavam apenas em evitar as conversas paralelas, têm agora que fiscalizar as mãos de seus alunos, que são atraídas pelos aparelhos que a cada dia trazem mais opções de entretenimento. “Tem de tudo. Jogos, Facebook, Twitter, câmera, mensagem. Tudo que for possível para tirar a atenção do aluno de dentro da sala de aula”, diz a professora Margarida.Na escola, por sinal, foi difícil encontrar um aluno sem celular. Depois de longa procura, apareceu Mabel Telles, de 12 anos, que cursa o 6° ano no Colégio Andrews. Mabel não tem celular e diz que não vê necessidade. “Eu prefiro brincar com outras coisas a jogar no telefone”, conta ela, que revela outra função do telefone na sala de aula: “Muita gente usa o celular para colar na prova. É mais discreto do que o papel, que faz muito barulho”.

A professora Margarida admite que é difícil fiscalizar quem usa e quem não usa o telefone durante a aula e que as escolas e os professores têm que encontrar maneiras de deixar a aula mais interessante. “Se o conteúdo das aulas for suficientemente interessante, aluno nenhum vai precisar dos passatempos do celular”, diz ela.

A questão dos celulares na sala de aula é tão complexa que foi parar na justiça em Pittsburgh, no estado da Pensilvânia, no Estados Unidos. Um professor de informática da universidade da cidade instalou um sistema que bloqueia o sinal dos celulares dentro de sala. Poucos dias depois, a mãe de um dos seus alunos sofreu um acidente e tentou entrar em contato com o filho, mas não conseguiu, já que não havia sinal no telefone dele. Ao sair da aula, o rapaz viu as mensagens em seu celular e correu para encontrar a mãe. O aluno, então, decidiu processar o professor, por ter dificultado o socorro à sua mãe. O caso foi parar no tribunal.

O novo inimigo dos professores

Um professor consegue dar aulas tão criativas que competem com os atrativos dos celulares?

Page 16: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 14141414

site RioComela.Com.bR

Estampada em muros, igrejas, prédios e outros lugares, a pichação é

algo comum na paisagem das grandes cidades brasileiras. É uma prática que tem letras, ideias e formas diferentes que podem significar protestos, xingamentos ou a simples vontade de sujar o espaço público, ou seja, um tipo de incivilidade. Mas para quem pensa que é uma característica contemporânea, tais registros foram vistos em paredes das antigas civilizações. Destruída pelo vulcão Vesúvio em 79 d.C., a cidade de Pompeia, na Itália, tinha muros pichados com diver-sas escritas, não só como forma de protestar, mas com poesias e anúncios também.

No Brasil, na década de 1960, em plena ditadura militar, mui-tas pessoas saíam à noite para expressar sua revolta nos muros das cidades. Nessa época, falar mal do governo poderia resul-tar em prisão ou até em morte. Muito tempo passou, a ditadura acabou, e ainda assim as mar-cas de tinta continuam fazen-do parte dos muros e fachadas espalhados pelo país. O motivo disso, que também é atual, é ex-pressar a liberdade, a rebeldia e

Pichação destroi o patrimonio público

faBiana maCaBu e tainá Proença

A artista plástica Joana Cesar deixa sua marca num muro carioca

14

Page 17: Ecletica 34 Incivilidades

15Incivilidades 15

affonso aRaúJo

as ideias daqueles que praticam as pichações.

Segundo a doutora em Psico-logia e professora da PUC-Rio Lídia Levy, 65 anos, não é pos-sível avaliar o comportamento de todos os pichadores de um modo geral. Cada um picha por um motivo diferente. “Tem os adolescentes que fazem disso uma tribo, não pela degradação do ambiente, mas para se auto afirmarem. É um modo de iden-tificação. Existem os que fazem isso para destruir e aqueles que querem ser vistos e reconhecidos. É um meio de mostrar força, po-der e chamar atenção”, diz.

Lei prende pichadores e absolve os grafiteiros

A lei n° 9.605, de 12 de feverei-ro de 1998, impõe pena de de-tenção de três meses a um ano e multa para os pichadores que deixarem marcas em prédios ou monumentos urbanos. Mas se a pichação for feita em patrimô-nio histórico, arqueológico ou em algo tombado de valor artís-tico, a pena é de seis meses a um ano de prisão e multa.

Geralmente, os grafiteiros pe-dem autorização aos donos dos muros para poderem pintar. O que não acontece no caso da pichação. Os artistas do grafi-

te sempre buscam aprimorar e revolucionar os desenhos com novas técnicas. O grafite é con-siderado uma arte por muitas pessoas, profissionais, pesqui-sadores, e até mesmo pelas au-toridades. Mas, mesmo assim, apesar dessa ação ser aceita por muitos como uma arte, ela ain-da é vista com preconceito por grande parte da população.

Devido a isso, a presidente Dil-ma Rousseff sancionou a lei nº 12.408, de 25 de maio de 2011, que determina a diferenciação en-tre o grafite e a pichação. Quando tem o objetivo de valorizar o patri-mônio público ou privado através

Pichadores deixam códigos em muros

Page 18: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 16

de manifestação artística não é considerado crime. Isto desde que seja autorizado pelo proprietário ou órgão governamental.

Essa determinação também proíbe a comercialização de tin-tas, em embalagens do tipo ae-rossol para menores de 18 anos no Brasil. Aos maiores de idade, a venda está liberada diante da apresentação do documento de identidade. Além disso, na nota fiscal deve conter a identificação do comprador. Mesmo com essas regras, os sprays deverão conter a frase: Pichação é crime. Proibida a venda aos menores de 18 anos,

sendo escrito de forma destacada e legível.

Ex-grafiteiro não vê o grafite como uma arte

O ex-grafiteiro e designer Giu-liano Ferreira, 20 anos, começou a pintar muros com 12 anos, se apaixonou pela arte e parou aos 19. Ele acredita que não tem mui-ta diferença entre o grafite e a pichação. “O grafite é uma arte, mas a pichação bem ou mal faz parte disso. Essa técnica surgiu dos pichamentos, do desejo de gravar o nome em lugares im-

possíveis e que todos vejam. Mas ficou vulgarizado”.

O ex-grafiteiro ainda afirma que o grafite não é uma arte. “Até podem ser encontradas obras de arte com técnicas de spray, mas não é o grafite. O grafite não é o ato de usar o spray. Ele é o todo, o estilo, a forma como se sai de casa com uma mochila cheia de lata, para ainda ter que pegar uma escada, pular dois muros, e enfrentar a polícia. Simplesmen-te para marcar uma proposta de ideia em um muro. Grafite é um movimento, uma forma de ex-pressão”.

Pichador age durante a noite e escala parede para pichar

site luz, CâmaRa, piChação

Page 19: Ecletica 34 Incivilidades

17Incivilidades

Arte e grafiteJoana Cesar é uma artista plástica responsável por indecifráveis escritas grafitadas em muros dos bairros cariocas Humaitá, Jardim Botânico, Gávea e Barra da Tijuca. Ela é muito conhecida pelos desenhos e já teve exposição do seu trabalho.

Curso de grafite

Existem algumas ONGs que atuam em comunidades carentes através do grafite. A Associação Cultural e Educacional Fazendo o Bem, em São Bernardo do Campo, São Paulo, é uma que oferece oficinas e cursos para jovens e adultos.

Luz, câmera, pichaçãoO documentário dirigido por Gustavo Coelho, Marcelo Guerra e Bruno Caetano, exibido no Festival do Rio 2011 mostra a realidade de pichação na cidade do Rio de Janeiro a partir de relatos de pichadores – suas histórias de vida, suas missões, suas grafias. O longa-metragem produzido em sua maior parte durante a madrugada, acompanha personagens como o Dark, que ficou conhecido por pichar o túmulo do cantor Cazuza. O documentário surgiu através de uma pesquisa do diretor Gustavo Coelho, “piXação: arte e pedagogia como crime”, para sua tese de mestrado em Educação apresentada à Uerj.

Grafite e pichação dividem o mesmo espaço

site tJ 04 fotoJoRnalismo

Page 20: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 1818

Toneladas de lixo são jogadas no chão em apenas um dia útil nas ruas da Gá-vea, bairro nobre da zona sul da cidade.

Quem pensa que esses são dados utópicos está muito enganado. A quantidade de pessoas que tornaram um hábito jogar lixo no chão cresce a cada dia. Atirar na rua o plástico que envolve o maço de cigarros, por exemplo, já é costume mais do que aderido por muitos. Tampas de garrafas,

anéis de latinhas, guimbas de cigarro e muitos outros são os objetos que, na palma de uma mão sequer pesam, mas que reunidos, entupindo um bueiro de uma rua fazem um grande estrago.

Falta de lixeiras: a culpa de todos os problemas?

Muitas pessoas culpam a longa distância entre uma lixeira e outra para justificar o lixo no chão. No entanto, na maioria dos bairros da zona sul e muitos da zona norte, a distância, em metros, entre uma lixeira e outra não ultrapassa 80 me-

Lixo nas ruasQuando vamos parar (de jogar)?

riCarDo aBreu e fáBio De aLmeiDa

Coluna zeRo

Toneladas de lixo são recolhidas diariamente nas ruas do Rio de Janeiro

Page 21: Ecletica 34 Incivilidades

19Incivilidades 19

tros. Porém, há de se levar em conta a falta delas nas áreas mais carentes. Na Cidade de Deus, por exemplo, a doméstica Zuleica Reis de Santana diz ter que caminhar mais de 15 minutos para en-contrar um lugar para jogar seu lixo fora. “Eu sei que não está certo, mas na falta de lugar, jogo sempre no canto do riacho que corta minha rua. É onde todos jogam”, explica Zuleica. Segundo a assessoria de imprensa da Comlurb (Companhia de Limpeza Urbana) a falta de lixeiras em deter-minadas áreas se deve por conta do vandalismo. A prefeitura, segundo a assessoria, instala lixeiras em todas as ruas, mas vândalos as destroem. O jogo de argumentos não tem fim assim como o grande problema vindo do excesso de lixo acu-

mulado. “Quando chove, entope tudo aqui. A água chega no joelho e vive aparecendo rato. Sem contar no foco da dengue que é forte, né”, diz Antônio Moraes, chefe de obras e marido de Zuleica.

Não é preciso sair do ambien-te universitário na zona sul para perceber ações que fazem toda a diferença nas ruas. Ao sair da PUC-Rio, é enorme a quantidade de papéis jogados no chão, desde embalagens de canudos até panfletos. Estes, sem-pre distribuídos ininterruptamente nos portões da universidade para promover algum evento. “É horrível. Às vezes, não dá nem para jogar no

“O carioca precisa ser menos porco” Eduardo Paes, prefeito do Rio

Samba e porcaria

CoRReio de ubeRlândia

Page 22: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 20

lixo, porque eles te entopem de papel e todas as latas já estão lotadas”, se explica Rafael Dice-lio, estudante de Desenho Indus-trial, que logo à frente, depois de ser entrevistado, largou seu panfleto em um dos bancos da universidade.

Nas areias das praias, o jogo de empurra

Chega ao fim mais um dia de sol. Quando o relógio se apro-xima das 16h, é hora dos garis entrarem em ação. E as areias cariocas são o lugar com maior concentração de lixo deixado

por banhistas. É comum tro-peçar em um coco ou pisar pe-rigosamente em um palito de queijo. Os cariocas reclamam da Prefeitura, mas basta observar o trabalho dos 200 homens da Comlurb para observar que não é baixo o número de toneladas (chega a 180) de lixo recolhido nas praias. A psicóloga Cléa dos Reis explica que a comodidade faz a ação ser tomada pela pes-soa que joga o seu lixo no chão. “O indivíduo pensa logo no que é mais fácil. Mas na verdade, se você observar o comporta-mento destas pessoas, você nota que elas tentam enganar a elas

mesmas quando jogam algo no chão. Pode-se notar que é algo disfarçado, no caso dos que ti-veram educação. Infelizmente, há também os que não ligam para aquilo e jogam até achan-do graça. Creio que parta mes-mo da educação que cada um recebe em casa”, comenta Cléa. Para o prefeito Eduardo Paes esse é o grande ponto. No início de seu mandato, Paes afirmou que “o carioca precisa ser me-nos porco”. O prefeito mandou instalar em regiões administra-tivas da cidade do Rio de Janeiro aparelhos batizados como “Li-xômetros”, que contabilizam a

CoRReio do bRasil

A Comlurb não consegue dar conta do recolhimento do lixo atirado nas ruas

Page 23: Ecletica 34 Incivilidades

21Incivilidades

quantidade de lixo produzido e jogado nas ruas pelo carioca.

Blocos de lixoO carnaval carioca é um dos

mais famosos do mundo. Mas, ao longo dos anos, esse é um período alarmante no que diz respeito à quantidade de lixo jogado na rua. É o período do ano onde as ruas ficam mais su-jas. Em 2011 foram produzidas mais de 1.300 toneladas de lixo durante o período carnavalesco, a maior parte dele concentrado nos bairros de Ipanema e Le-blon, onde a quantidade de blo-cos aumenta a cada ano.

Apesar disso, o carioca pode renovar suas esperanças. O ba-lanço de 2012 foi positivo. Se-gundo a Comlurb, o volume de lixo recolhido caiu 23%, totali-zando um número aproximado de 1.000 t. Esse dado é ainda mais positivo se for levado em conta a quantidade recorde de foliões nas ruas do Rio de Janei-ro. Nada mais, nada menos que 5,3 milhões de pessoas curtiram o carnaval da Cidade Maravi-lhosa.

A redução da sujeira no car-naval desse ano não é à toa. Para o secretário de Conserva-ção Pública do Rio de Janeiro, Carlos Roberto Osório, além da conscientização da população, o diferencial deste ano foi a quan-tidade de lixeiras móveis, que dobrou, passando para 1,2 mil. “Pela primeira vez na história do Carnaval se registra menos lixo diante do aumento de pú-blico”, completou.

Segundo a Comlurb, outro fa-tor determinante para a redução do lixo deste ano, foi uma par-

ceria da Prefeitura do Rio com cooperativas de catadores de latinhas de alumínio, que com-põem boa parte do volume de lixo do carnaval.

Dados que dão esperança, e que ao mesmo tempo mostram que a conscientização de cada um é o passo mais importante.

Lixo causa enchentesEntra ano e sai ano e uma

das grandes preocupações da população é a chuva de verão. Todos os anos, centenas de pes-soas morrem devido a desaba-mentos, enchentes e a outros desastres naturais. O lixo é um problema que agrava signifi-cativamente a situação. Boa parte da sujeira das ruas acaba indo para os bueiros, entupin-do essas saídas de água e ala-gando as ruas da cidade.

As enchentes são tragédias naturais, mas que podem ser evitadas ou minimizadas. Elas provocam doenças, perdas

materiais e morte. O lixo não coletado ou jogado na rua, terrenos baldios, nas margens dos rios e nos valões é um dos grandes vilões que contribuem muito para o agravamento das enchentes.

O gari Antônio Machado da Silveira trabalha há quatro anos no Rio de Janeiro e afir-ma que cada dia que passa tem mais trabalho. Silveira diz que o povo suja mais do que anti-gamente. “Às vezes o cidadão joga lixo na rua mesmo com uma lixeira ao lado, ele não se importa, só quer se livrar do in-cômodo”.

Além da preocupação natural com a sujeira, Silveira concen-tra seu trabalho em desobstruir os bueiros e saídas de água das ruas do Rio. “Tem ruas que alagam a cada chuvinha, e os bueiros não podem ficar entu-pidos com lixo senão a situa-ção fica bem problemática”.

Mas se engana quem pensa

andRezza duaRte

Flagrante de um porcalhão livrando-se do seu lixo

Page 24: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 22

que somente os que jogam lixo na rua contribuem para alaga-mentos. Quando se joga lixo nos rios, estamos também co-laborando para a ocorrência de enchentes, pois além de assorea-mentos dos rios, o lixo pode ficar preso nas estruturas de pontes e passarelas, formando verdadei-ras barragens para a passagem da água.

Produção de lixo cresce seis vezes mais que população

Um estudo divulgado pela Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Públi-ca e Resíduos Especiais Sólidos no Brasil, referente ao ano de 2010, trouxe más notícias aos brasileiros. A pesquisa apon-tou para um dado preocupan-te: a produção de lixo no país cresceu seis vezes mais do que a população. A cada ano em média é produzido um volume de 61 milhões de toneladas de lixo no Brasil. Cada brasileiro produz em média 378 kg de lixo.

Apesar disso, há também boas notícias. O estudo apontou re-sultados positivos. O volume de lixo coletado pelos serviços pú-blicos de limpeza no país cres-ceu 7,7%, com relação a 2009. Além disso, também cresceu a quantidade de iniciativas de co-leta seletiva. Atualmente, 57% dos municípios brasileiros pos-suem projetos de coleta seletiva, embora os percentuais regio-nais ainda sejam bastante desi-guais: cerca de 80% das cidades do Sudeste possuem tais inicia-tivas, contra menos de 30% no centro-oeste.

Valores altos que poderiam fazer a diferença em outros setores

Segundo dados da Comlurb (Companhia de Limpeza Urbana) de 2010, a cidade do Rio de Janeiro gasta, em média, R$ 400 milhões por ano para remover cerca de 1,2 milhão de toneladas de lixo atiradas nas ruas. Com todo esse dinheiro, seria possível construir 20 escolas, 10 hospitais e manter 9 mil policiais militares por ano.

Varre, vassourinhaVocê sabia que a Avenida Rio Branco, uma das principais vias de passagem dos cariocas, é varrida seis vezes ao dia e, ainda assim, sempre aparenta estar coberta de lixo?

Gari Antônio Machado da Silva.

fabio almeida

Page 25: Ecletica 34 Incivilidades

23Incivilidades 23

O comportamento dos homens é um tema que gera muito debate em todos os campos das ciências humanas e bio-

lógicas. O cérebro é um órgão muito complexo

que dita todos os nossos atos, armazena informa-ções e sentimentos e, até hoje, surpreende os cien-tistas. Quando o indivíduo é submetido a situa-ções extremas e precisa recorrer à qualquer opção para sobreviver, o corpo funciona para suprir essa necessidade. Os valores morais e a ética que fo-

Até que ponto as condutas morais influenciam nas atitudes dos indivíduos? Matar, roubar, mentir para sobreviver é certo ou errado?

O homem é o lobo do homem

Luisa PaCiuLLo e LeanDro GarriDo

Campo de concentração de Buchenwald

Page 26: Ecletica 34 Incivilidades

Janeiro/Junho 2012 24

ram incutidos pela sociedade e cultura, muitas vezes são transgredidos.

O filósofo político Thomas Hobbes disse, em seu livro, O Leviatã, que o “homem é o lobo do homem”. Hobbes acredita que só haverá paz entre os homens quando esses se submeterem ao poder do soberano. Para ele, sem o contrato social e as regras impos-tas pela sociedade, o homem volta ao seu estado de natureza, no qual irá lutar a todo custo para sobre-viver. Não importa o próximo nem os sentimentos. Hobbes diz que o homem não nasceu com o instinto moral e social. Todos nasceram iguais, com os mes-mos desejos naturais. E é essa igualdade que traz a infelicidade do homem no estado de natureza.

Segundo o escritor e soldado soviético Gustav Herling, “um homem não pode ser humano quan-do vive em condições inumanas e que não existe maior absurdo do que o de julgá-lo pelas ações que ele comete nessas condições”.

Situações reais e extremasA história da humanidade já teve inúmeras ocor-

rências em que situações extremas põem em che-que as condutas morais dos indivíduos. No texto “Situações extremas”, de Tzvetan Todorov, o autor analisa o comportamento dos grupos que viveram em campos de concentração nazistas ou de outros regimes totalitários. Segundo relatos, a vida moral dos detentos era reduzida a zero. Um sobrevivente disse que o direito natural do ser humano não exis-tia. Outro, afirmou que era uma constante guerra de todos contra todos. Para o autor, analisando essa situação sem levar em conta a condição sub-huma-na que eles viviam, o egoísmo reinava: cada um lutando pelo seu pedaço de comida. Essa imagem, segundo Todorov, comprova que o ser humano não nasce com a dimensão moral e sim se conforma

com as regras convencionadas pela sociedade. Com a ausência dessas regras, o que resta é um animal lutando pela própria sobrevivência. O autor mostra que tudo muda diante da situação extrema: ma-tar poderia ser um ato moral, o falso testemunho, se fosse para salvar vidas, seria uma ação virtuo-sa e amar ao próximo era uma exigência excessi-va para as condições mostradas. Os guardiões dos campos de concentração também estão submeti-dos às ações amorais na sociedade em momentos de normalidade. Esses, que torturavam e matavam o inimigo, deixavam-no morrendo de fome, esta-vam convencidos de estarem cumprindo seu dever, portanto, seus atos seriam considerados morais por muitas pessoas.

Outra questão que é considerada incivilizada por muitas sociedades atualmente, mas que já foi ritual sagrado, é a antropofagia. Com o crescimento do cristianismo na história e a constante ocidentali-zação do mundo, o canibalismo foi, com o tempo, sendo reprimido e acabou se tornando algo des-prezado, que fere os direitos humanos além de ser criminoso. No entanto, nos deparamos novamente com as situações extremas. Muitas vezes essa é a única opção para quem quer sobreviver.

Um exemplo foi o episódio em 1972 do avião uru-guaio que caiu em uma remota região dos Andes. A bordo estavam 45 pessoas, dentre elas um time de rugbi que viajava de Montevidéu para Santia-go. Dezesseis pessoas morreram na hora e, das 29 que sobreviveram 13 foram morrendo aos poucos ao longo dos 72 dias que ficaram isolados no frio extremo. O restante conseguiu sobreviver ao comer a carne dos companheiros que estavam mortos. A única regra era não ingerir carne de parentes. Na época, a maneira de sobrevivência encontrada por eles foi muito discutida por psicólogos, religiosos e pela mídia.

Em entrevista concedida em janeiro de 1973 e for-necida pelo site dos sobreviventes dos Andes, Alfredo Delgado, um dos sobreviventes conta que a fome, o frio e o medo eram tão presentes que a possibilida-de de comer a carne dos mortos era cada vez mais provável. Ele diz que a força consumida pelo frio era tanta, que era quase uma obrigação optar pela ingestão da carne humana para poder sobreviver.

Outro caso de canibalismo famoso foi durante a Segunda Guerra Mundial. Na cidade de Leningra-

Os sobreviventes dos Andes

Page 27: Ecletica 34 Incivilidades

25Incivilidades

O extremo no cinema

do, na Rússia, a fome era tanta, que, para sobrevi-ver, os habitantes foram forçados a praticar o ca-nibalismo. As propagandas soviéticas mostravam que a falta de alimentos era tão grande que os pais não deixavam as crianças saírem nas ruas sozinhas com medo de que pudessem ser sequestradas por quadrilhas que vendiam carne humana.

O antropólogo e professor do departamento de Comunicação Social na PUC-Rio, José Carlos Souza Rodrigues diz que nenhum ser humano nasceu com valores: “Os valores morais são sempre aprendidos e variam de cultura para cultura e de tempo para tempo. Não há nenhum valor geneticamente pro-gramado”.

O antropólogo acredita que às vezes são nas si-tuações quase extremas que as marcas da cultura se tornam mais evidentes. Ele deu o exemplo dos soldados japoneses, sociedade que tem a cultura bastante presente nos indivíduos. Segundo ele, os soldados, na época da guerra, eram famosos por nunca se entregarem ao inimigo. Eles preferiam o suicídio. No entanto, Rodrigues diz que, quando eles eram capturados, não restando mais opção, a conduta era outra: eles perdiam o senso de digni-dade e não tinham mais razão para manterem-se leais. Portanto, entregavam todas as informações que sabiam.

A batalha de Leningrado

Outro filme que aborda essa questão é a adaptação do livro de José Saramago, Ensaio sobre a cegueira, do brasileiro Fernando Meirelles. Nele, uma epidemia de cegueira branca e nunca antes vista atinge todos os seres humanos, rapidamente. Apenas uma mulher, interpretada pela atriz Julianne Moore, não fica cega. No início, a situação é amedrontadora, mas, as autoridades e muitas outras pessoas (que ainda não estão cegas), criam uma espécie de hospital para que os cegos possam ficar em quarentena, (pois não se sabe se é infecciosa) com comida, água e conforto dada pelos que veem. A situação se agrava na medida em que a doença se espalha. A visão para o ser humano é muito importante e é um apoio para garantir segurança e confiança. Quando ela é perdida e não há ninguém para ajudar, pois todos estão doentes, o caos se espalha e a imagem que o filme passa é assustadora. Não há mais regras sociais e, o dinheiro, o lazer e as atividades como cozinhar, trabalhar, viajar não existem mais diante da situação. As regras mudam e, roubar e matar por comida, por exemplo, é um ato que parece simples e normal no meio do filme. Os homens agem apenas para garantir a sobrevivência.

Existem muitos filmes que abordam o comportamento do ser humano diante de situações extremas. O senhor das moscas, de Peter Brook (1963), é uma reflexão sobre a civilidade e a formação do indivíduo. Após um acidente de avião, um grupo de crianças se veem presas em uma ilha deserta no meio do Oceano Pacífico. É possível ver, ao longo do filme, o instinto de sobrevivência se sobrepor às “regras” da sociedade, à educação e aos pensamentos de solidariedade e compaixão. O estado de natureza descrito por Hobbes é onde eles vivem o tempo todo. Percebe-se que, com o passar do tempo, atitudes como matar alguém, pensar apenas em si próprio são normais para a situação em que eles estão e impensáveis em uma sociedade regida por regras sociais.