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EAD MPB – uma breve história Introdução Bem-vindos ao curso EAD: “MPB- uma breve história” Esse curso tem como objetivo dar um panorama da história da nossa MPB, o que em outras palavras nos remete à “música urbana do Brasil”, sobretudo aquela que se deu (ou foi amplamente divulgada) na antiga capital do país - Rio de Janeiro – onde se consolidou a indústria fonográfica e a principal mídia do Brasil, começando pela Rádio Nacional e pelas principais gravadoras e TVs do país. A principal intenção é tirá-lo um pouco da zona de conforto, buscando expandir, questionar e aprofundar seus conhecimentos sobre a música brasileira, conhecendo suas fusões, atritos, construções e manipulações feitas pela indústria fonográfica ao longo de todo século XX. E ainda,queremos aqui propor um grande desafio: levar esse incrível universo para dentro de sala de aula. O ambiente escolar pode ser um dos poucos locais onde seja possível que a criança entre em contato com essa diversidade de estilos, ritmos, instrumentos, artistas, histórias, diálogos e manifestações que retratam nossa cultura, sem estar apenas como “vítima ou refém” da mídia de massas ou restritos apenas ao que está na “moda” atualmente. A partir dos textos, histórias e vídeos propostos pelo professor Fabio Bergamini, você entrará em contato com a riqueza e com a complexidade contida em nossa música popular, podendo criar diversos caminhos para aplicar esses conteúdos em suas aulas. Partimos de cinco eixos básicos para a aplicação desses conteúdos com os alunos: 1. Apreciação e percepção musical (escuta ativa), 2. A música no corpo (canto, percussão corporal, jogos, brincadeiras de roda e danças), 3. Instrumentos musicais (conhecer, ouvir, construir, explorar, brincar de tocar), 4. Cultura musical (gêneros, estilos, ritmos, instrumentos e artistas do Brasil), 5. Criação musical (buscar vários jeitos de tocar e cantar, construir instrumentos e brincadeiras, criar composições, arranjos ou letras em cima dos gêneros, produzir apresentações, e tudo o mais que surgir ao longo do caminho). Nos três módulos que se seguem, iniciaremos com a formação da MPB e os primeiros gêneros urbanos do Brasil (módulo 1),em seguida estudaremos o desenrolar dessa história que vai do samba ao rock (módulo 2), até chegar no surgimento da sigla que dá nome ao curso: a MPB (nos idos dos anos 60).

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EAD MPB – uma breve história Introdução Bem-vindos ao curso EAD: “MPB- uma breve história”

Esse curso tem como objetivo dar um panorama da história da nossa MPB, o que em

outras palavras nos remete à “música urbana do Brasil”, sobretudo aquela que se deu

(ou foi amplamente divulgada) na antiga capital do país - Rio de Janeiro – onde se

consolidou a indústria fonográfica e a principal mídia do Brasil, começando pela Rádio

Nacional e pelas principais gravadoras e TVs do país.

A principal intenção é tirá-lo um pouco da zona de conforto, buscando expandir,

questionar e aprofundar seus conhecimentos sobre a música brasileira, conhecendo

suas fusões, atritos, construções e manipulações feitas pela indústria fonográfica ao

longo de todo século XX. E ainda,queremos aqui propor um grande desafio: levar esse

incrível universo para dentro de sala de aula. O ambiente escolar pode ser um dos

poucos locais onde seja possível que a criança entre em contato com essa diversidade

de estilos, ritmos, instrumentos, artistas, histórias, diálogos e manifestações que

retratam nossa cultura, sem estar apenas como “vítima ou refém” da mídia de massas

ou restritos apenas ao que está na “moda” atualmente.

A partir dos textos, histórias e vídeos propostos pelo professor Fabio Bergamini, você entrará em contato com a riqueza e com a complexidade contida em nossa música popular, podendo criar diversos caminhos para aplicar esses conteúdos em suas aulas. Partimos de cinco eixos básicos para a aplicação desses conteúdos com os alunos: 1. Apreciação e percepção musical (escuta ativa), 2. A música no corpo (canto, percussão corporal, jogos, brincadeiras de roda e danças), 3. Instrumentos musicais (conhecer, ouvir, construir, explorar, brincar de tocar), 4. Cultura musical (gêneros, estilos, ritmos, instrumentos e artistas do Brasil), 5. Criação musical (buscar vários jeitos de tocar e cantar, construir instrumentos e brincadeiras, criar composições, arranjos ou letras em cima dos gêneros, produzir apresentações, e tudo o mais que surgir ao longo do caminho). Nos três módulos que se seguem, iniciaremos com a formação da MPB e os primeiros gêneros urbanos do Brasil (módulo 1),em seguida estudaremos o desenrolar dessa história que vai do samba ao rock (módulo 2), até chegar no surgimento da sigla que dá nome ao curso: a MPB (nos idos dos anos 60).

A complexidade na música e o “método de investigação musical”

Consideramos a música como uma das atividades mais “complexas” do ser humano, não

no sentido de complicada ou difícil, mas sim, no sentido de conter em si uma riqueza

sem fim de elementos e significados, que permitem múltiplos caminhos e olhares sobre

seu universo e que transcendem apenas o aprendizado de sua linguagem específica,

assim como, pode gerar benefícios em várias áreas do desenvolvimento humano, dentre

eles: cognitivos, emocionais, sociais e culturais.

Baseado nessa ideia, podemos pensar que, a partir de uma simples escuta musical podemos desenvolver inúmeros saberes, tanto da linguagem específica da música, como também estabelecendo uma série de inter-relações com outras áreas do conhecimento, como por exemplo: 1. De onde vem essa música? (fazendo relações entre a música e geografia), 2. De quando é? (obtendo uma visão histórica da música), 3. Quem fez? (analisando os aspectos sociais dos compositores, intérpretes, arranjadores), 4. O que diz a letra da canção (se houver)? (estabelecendo inter-relações com a área da linguagem), 5. Existe uma dança característica? (vamos dançar?) 6. Quais as inter-relações com as artes visuais, teatro ou o cinema? Isso tudo sem fugir da linguagem musical propriamente dita, que sempre será o foco principal de nossas ações, na qual podemos nos aprofundar num caminho interminável, em que você coloca o limite até onde quer chegar, trabalhando em questões como: 7. Qual é o gênero e estilo? 8. Quais são os instrumentos presentes? 9. Como é o arranjo, a harmonia, a forma? 10. Como é o ritmo? 11. Como é o ritmo da melodia? 12.Como é relação dos intervalos contidos na melodia (fazendo inter-relações com a harmonia, o arranjo e a letra da canção)? 13. Vamos cantar? 14. O que faz cada instrumento? 15. Vamos tocar? 16. Vamos criar novas formas de tocar e de cantar (arranjo, composição, improvisação, interpretação)? Dentre muitos outros caminhos de investigação que você pode criar de acordo com sua área de interesse. Esse approachou “método de investigação” para com o objeto de estudo é utilizado em inúmeras abordagens da filosofia, psicologia e pedagogia, assim como em escolas espalhadas pelo mundo que se utilizam do “inquirybased learning” (aprendizagem baseada no questionamento), sobretudo as chamadas IB InternationalSchools. Para quem se interessar há diversos sites (a maioria em inglês) que se aprofundam mais no assunto, dentre eles https://www.ibo.org/about-the-ib/ . Entretanto, não entraremos

mais a fundo na questão específica dessa metodologia, mas podemos utilizar como base para o desenvolvimento dos projetos musicais na escola.

Módulo 1 - As origens

O que é MPB? MPB, Música Popular Brasileira; uma abreviatura, uma marca indelével na formação cultural do país, mas essa sigla significa realmente o que seu nome propõe mesmo atualmente no Brasil? Música feita no Brasil com apelo popular? Hoje em dia seria então aquele tipo de canção massificada para consumo da maioria da população? Ou seria a musicalidade de João Gilberto interpretando Tom Jobim em seu estilo Bossa Nova? A rigor nem uma nem outra, e ainda ambas! Confuso? Talvez, mas explicamos: Oficialmente, a sigla MPB surgiu em 1966 como uma fusão ideológica cultural de diversas frentes musicais aparentemente antagônicas, como por exemplo: os representantes da sofisticação da Bossa Nova e da “nova” música brasileira da época (como Tom, Nara, Roberto Menescal e o novato Chico Buarque por exemplo), os representantes das músicas ditas folclóricas (sobretudo do nordeste brasileiro) ou de engajamento político dos Centros Populares de Cultura da UNE (como Geraldo Vandré, Edu Lobo, o Quarteto Novo de Hermeto Pascoal) e ainda, grupos que defendiam as inovações trazidas pela música norte americana, mais especificamente o rock´n´roll e assim faziam suas fusões com a música brasileira (como a Tropicália de Caetano e Gil). Essas inúmeras forças se uniram na sigla MPB em meados dos anos 60 como uma frente ampla cultural, sobretudo para fazer frente ao regime militar, após o golpe de 1964. Antes do surgimento da sigla MPB, encontrávamos as diversas manifestações musicais brasileiras em âmbitos distintos: “era samba pra cá, rock pra lá, o forró ainda marginalizado, a bossa para a elite, a jovem guarda prestando um papel de rebeldia, mas sem ameaças ao regime militar, as músicas regionais, etc. Entretanto, nos idos dos anos 60 houve então essa grande confluência para a grande miscelânea contida no caldeirão da MPB. Dentro desse panorama, surgiram também vários programas de rádio e TV que apresentavam múltiplos gêneros musicais, como o “Fino da Bossa”, “Jovem Guarda”, “Tropicália”, etc. Como resultado mediático, a rede Record de TV passou a realizar Festivais da Canção, os quais se transformaram nos Festivais de MPB, (de onde então surge comercialmente a sigla MPB), dos quais participavam os novos compositores e intérpretes com suas proposições estético-ideológicas sobre os caminhos que a música brasileira trilharia então. Nesse esteio despontaram Edu Lobo, Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes (Rita Lee), Jair Rodrigues, Chico Buarque, Milton

Nascimento, entre tantos outros, definindo assim um novo gênero musical altamente rico e plural conceitualmente, que até nos dias de hoje denota um rigor e uma qualidade estética à canção brasileira. Então a formação do termo MPB se dá a partir dessa demanda de meados dos anos 60 e se estabilizou como um gênero musical profícuo e variado, que açambarca inúmeras tendências e expressões do nosso cancioneiro popular. Para iniciar nosso curso iremos assistir o documentário “Uma noite em 67”, que nos mostra o que foi talvez o mais importante festival da história da música brasileira, em que estavam presentes as inúmeras correntes artísticas e os principais nomes de nossa MPB. Você não precisa assisti-lo de uma vez, mas pode ir pesquisando e curtindo esse documentário ao longo de todo o curso, vamos lá? Assista: Uma noite em 67: https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=SpmGHew8DBk Leitura sugerida: Livro “A Era dos Festivais de Zuza Homem de Melo Consulta rápida: https://pt.wikipedia.org/wiki/Festival_de_M%C3%BAsica_Popular_Brasileira

Como surgem os gêneros, estilos e ritmos no Brasil? Antes de entrarmos na história da MPB propriamente dita, faremos uma breve abordagem sobre as diferenças conceituais entre ritmo, gênero e estilo musical, direcionando o estudo para o campo da música popular brasileira, em suas múltiplas manifestações. Esses conceitos muitas vezes se confundem e se inter-relacionam, tornando-se muitas vezes um assunto complexo e polêmico, havendo margem à diferentes interpretações. Entretanto, o objetivo principal desse texto é ir além de simplesmente dar as definições e explanações exatas sobre esses conceitos musicais, mas sim aproveitar para falarmos um pouco de música, mais especificamente da música popular brasileira. Como sabemos, o Brasil é um incrível manancial de manifestações musicais nas quais estão presentes muitos instrumentos, ritmos, danças, estilos e gêneros que fazem parte de nossa cultura e de nossa história e refletem num sentido profundo o que somos e de onde viemos.

Como dissemos na introdução do curso, quando ouvimos uma música, encontramos uma complexa teia de elementos sobre os quais podemos colocar o foco da nossa atenção, e que também nos permitem direcionar o trabalho com as crianças em sala de aula, dentre eles: quais são os instrumentos que estão presentes, como é o arranjo,

como é a melodia (vamos cantar?), o que diz a letra (se houver), como é o ritmo, como é a dança, de onde vem essa música, que grupo representa ou pertence, qual o estilo, como é a interpretação, como são os acordes, de quando é essa música, dentre muitos outros aspectos que podemos refletir a respeito de determinada música. Tudo isso irá determinar qual gênero musical estamos a nos referir. Portanto, o Ritmo é apenas UM, dos inúmeros elementos que compõe essa complexa teia que é a música, o que não o torna menos importante, entretanto, não é o único elemento determinante para compreendermos um gênero ou estilo musical como muitas vezes ocorre em certos textos ou abordagens. Para começarmos a entender a música brasileira em toda sua complexidade, devemos dar alguns passos atrás e darmos uma olhada em suas origens e suas mais diversas influências, diálogos, atritos, miscigenações, transformações e fusões. Como um bom ponto de partida, podemos iniciar falando um pouco de nossa herança Africana, presente em praticamente todas manifestações musicais do Brasil, num primeiro nível no que diz respeito à percussão, à riqueza rítmica e às danças – mas não ficando restrito a isso, como o senso comum nos mostra, trazendo inúmeros instrumentos melódicos, o modo de cantar e as belíssimas melodias dos inúmeros povos que cá vieram parar. Algumas dessas manifestações musicais “afro-brasileiras”- como o jongo, o ijexá, os maracatus, congadas, o samba de roda, o tambor de crioula, entre muitos outros - antecedem os chamados “gêneros populares urbanos” como o samba, as marchinhas, o baião, o samba-canção, a bossa nova e muitos outros, que estiveram desde seu início, ligados à radio e à indústria fonográfica. Podemos desde já fazer uma distinção entre os gêneros mais “autênticos” da música brasileira, mais ligados ao folclore e às manifestações mais genuínas e primordiais em nossa cultura, das outras manifestações mais urbanas que já nascem num contexto da cidade, da miscigenação, da industrialização e dos atritos sociais presentes na sociedade brasileira a partir do início do século XX, as quais sofrem certa influência ou,em outras palavras, são “manipuladas” pela indústria fonográfica e pela mídia. Podemos encontrar essas primeiras, muito presentes ainda hoje em praticamente todas as regiões do Brasil, nas festas tradicionais, rituais, blocos de rua, nos grupos regionais, e que mantém acesa a chama de nossas tradições musicais mais antigas nascidas em solo brasileiro. Um primeiro problema a ser levantado quando falamos em “gêneros” do folclore ou de tradições musicais afro-brasileiras ou mesmo da música indígena no Brasil, é cair no senso comum e na falsa generalização provinda de um conceito euro-centrista e pouco aprofundado. Apesar de já ser extremamente discutido atualmente, vale ressaltar a diversidade de etnias africanas que vieram a desembarcar em nosso país, as quais foram jogadas em solo brasileiro e tratados muito erroneamente como se fossem um único

povo, uma única cultura. O mesmo se deu com a cultura indígena. Vale enaltecer, ainda que tardiamente, a riqueza e diversidade presente na cultura indígena, a qual tão pouco conhecemos. Eram 5 milhões e hoje não passam de 800 mil. De 1200 povos para 230 (mesmo assim são faladas mais de 150 línguas no Brasil hoje). Ainda para ilustrar, podemos citar o livro “Os Sons dos Negros no Brasil”, no qual o historiador José Ramos Tinhorão retrata perfeitamente a ignorância e preconceito por parte dos portugueses ao se referir às diversas tradições presentes no Brasil apenas pelo conceito de batuque:

“já na terceira década dos anos seiscentos, os escravos africanos conseguiam, em certas ocasiões, exercitar seus ritmos e danças (e, quase certamente, embora de forma dissimulada, também seus rituais religiosos), através de manifestações à base de ruidosa percussão, que os portugueses definiam genericamente sob o nome de batuque”(Tinhorão, 2008, p.36).

A partir dessa discussão, um primeiro cuidado ao se ter em usar o termo “gênero” musical, é não cair em uma superficial generalização e pasteurização de certa manifestação musical. Por outro lado, podemos sim nos aprofundar na riqueza e complexidade contida em tal gênero, já que esse termo pode englobar e conter em si uma infinidade de nuances e características que podem ser exploradas por nós.

Vamos tomar como exemplo o Samba. O Samba é um gênero musical que possui uma história tão rica e fascinante que, se jogarmos toda sua complexidade em uma mesma gaveta, estaremos perdendo muito de suas inúmeras correntes e facetas. Entretanto, para começarmos a separar e aprofundar nosso conhecimento sobre esse grande ‘guarda-chuva’ que é o samba, podemos dividir ou definir cada ‘faceta’ dessas através do conceito de “estilo”, o qual necessariamente nos leva a buscar maiores especificidades e talvez um maior aprofundamento em seus detalhes e nuances. Podemos citar como exemplo de estilos dentro do gênero samba: o samba de roda (samba chula ou chula raiada), o samba de kabula (ou samba de Angola), o samba choro, o samba-coco, o samba “de morro”, o samba de bumbo e o samba lenço do interior de São Paulo, o samba de breque, o samba enredo das Escolas de Samba, o samba canção, o samba de gafieira, a bossa nova, o samba jazz, o samba rock, o partido alto, samba-reggae, entre muitos outros. Cada um desses retrata diferentes períodos, regiões, grupos sociais e uma série de elementos que transcendem apenas a análise musical. Portanto, para que possamos caracterizar uma manifestação musical como gênero, evitando a ‘generalização’ no sentido negativo de ‘superficialidade’, e ainda, determinar os variados estilos dentro desse gênero, não podemos nos basear apenas no ritmo, ou

apenas nos fatores que dizem respeito à linguagem musical, mas temos que considerar os fatores históricos, geográficos, sociais, étnicos, econômicos e culturais para que possamos ter uma visão mais profunda e ampla sobre cada gênero e estilo musical. Portanto, quando falamos “Samba” estamos falando de um termo que generaliza uma infinidade de diferentes nuances, particularidades, épocas, grupos, jeitos de tocar, instrumentações, regiões, jeitos de compor, de se expressar, de dançar, e de se comunicar. Vamos falar mais sobre o samba no Módulo 2. Emprestando alguns aspectos dentro do campo da linguística, a autora Helena Hathsue Nagamine Brandão discute as essas relações entre gênero e estilo dizendo:

“Onde há estilo há gênero. O vínculo entre estilo e gênero é indissolúvel, orgânico. E isso se percebe claramente quando se analisa a questão sob a ótica da funcionalidade do gênero em que cada esfera da atividade e da comunicação humana tem seu estilo peculiar. Cada esfera conhece seus gêneros, apropriados à sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos (BRANDÂO, 1997).

Enquanto o gênero se mostra relativamente “estável” e amplo, o estilo se mostra peculiar, característico, idiossincrático. Apelando ao The New Groove- dictionary of music, encontramos a seguinte definição de estilo:

“Estilo é um termo que denota a maneira do discurso; modo de expressão; mais particularmente a maneira em que cada trabalho de arte é executado. Nas discussões em música o termo ganhou especiais dificuldades; ele pode ser usado para denotar as características de um compositor individualmente, de um período, de uma área geográfica ou centro, ou de uma sociedade ou função social”1.

Podemos também analisar o surgimento dos novos gêneros ou estilos pela ótica das rupturas ocorridas ao longo da trajetória da música. Como cita Fabbri:“um novo gênero se forma a partir de transgressões nas regras de um ou mais gêneros anteriores (FABBRI, 1981, p.61). Para ficar mais claro podemos citar como exemplo algumas dessas

1 “Stile: a term denoting manner of discourse; mode of expression; more particulary the manner in a work of art is executed. In the discussion of music the term raises special difficulties; it may be used to denote music characteristic of an individual composer, of a period, of a geographical area or centre, or a society or social function. (The New Groove Dictionary, p. 638, vol.24, second edition)

transgressões e rupturas ocorridas na história da música nos mais diversos âmbitos. Dentro da chamada “música erudita européia” por exemplo, o romantismo transgride as progressões harmônicas do período clássico, expandindo suas fronteiras; por sua vez o do decafonismo rompe com o estilo romântico, construindo uma outra maneira da manifestação musical. O mesmo se passa no jazz, quando Charlie Parker e Dizzie Gillespie rasgam os limites do swing com o novo “Be Bop”, por conseguinte, Miles Davis grava o Birth of the Cool contrariando a corrente virtuosística do próprio Be Bop. Já na música popular brasileira, podemos citar por exemplo a mudança do padrão rítmico do samba feita pelos “bambas” do Estácio no final da década de 30 (sobretudo Ismael Silva), diferenciando-se do “samba-maxixe” do inicio do século. Outro exemplo: a gravação do disco Chega de Saudade em 1956, na qual João Gilberto registra as inovações no modo de cantar e de tocar violão trazidas pela bossa-nova, rompendo com o samba-canção em voga nos anos 50. Ou na música sertaneja, com a apropriação do country norte-americano feita pelas duplas dos anos 80 e 90 (como Chitãozinho e Xororó, João Paulo e Daniel, Leandro e Leonardo) rompendo com as raízes da moda de viola. E hoje em dia, o chamado ‘sertanejo universitário’ com seus novos ritmos, letras e roupagens que rompem com o sertanejo romântico da geração anterior. Portanto, são as rupturas, as contradições e os diálogos internos que geram novos gêneros e novos estilos. Citando novamente Bakhtin:

Embora cada gênero tenha suas características específicas, um gênero não é,necessariamente, uma “fôrma” que se impõe ao falante/escritor (no nosso caso “o compositor”). Enquanto conjunto de traços marcados pela regularidade, pela repetibilidade, o gênero é relativamente "estável",mas essa estabilidade é constantemente ameaçada por forças que atuam sobre asrestrições genéricas, forças de caráter social, cultural e individual (estilísticas) que determinam ou mudanças num gênero, ou seu apagamento, ou sua revivescência. Essa tensão entre estabilidade x variabilidade se faz marcar de maneira específica nos diferentes gêneros, criando assim novos estilos. (BAKHTIN, 1992).

Voltando então à música popular brasileira, podemos aplicar a afirmação de Bakhtin refletindo sobre como “as forças de caráter social, cultural e individual”, geraram os novos estilos na trajetória de nossa música. Alguns “marcos” na história da MPB podem dar pistas deste comportamento (social, cultural e individual). Como por exemplo: as composições da “revolucionária” Chiquinha Gonzaga no início do século XX; a gravação do “primeiro” samba Pelo Telefone em 1917 por Donga; a produção da extensa obra de

Noel Rosa da Vila Isabel que morreu aos 26 anos de idade; o sucesso de Carmen Miranda nos Estados Unidos; o boom da rádio Nacional nos anos 30 e 40; o baião de Luiz Gonzaga; a gravação do disco Chega de Saudade em 1956; a chegada do rock no Brasil, os Festivais da Canção na década de 60; a Tropicália; o Clube da Esquina; o Rock dos 80´; o pop dos 90´ e todas as tendências mercadológicas que emplacaram nos últimos anos gerando imenso lucro às gravadoras como o sertanejo, o pagode, o axé, o “forró e o sertanejo universitário” e hoje em dia o funk carioca. Permeando toda esta trajetória da música popular, podemos pelo menos citar dois fatores determinantes para o entendimento desta história: a intermediação da indústria fonográfica na consolidação dos inúmeros gêneros e estilos; e a “canção” como linha mestra que perpassa quase todos os gêneros populares da música brasileira. No livro “O século da Canção”, o autor Luiz Tatit cita logo na introdução:

“Nossa canção incorporou ao longo desse período (o séc. XX) uma grande variedade de fisionomias que, embora não trouxesse qualquer obstáculo para o pronto reconhecimento da maioria das ouvintes, tornou-se trabalhosa sua definição artística e, acima de tudo, sua apreciação crítica. Comportou-se como um organismo mutante que ludibriava os observadores por jamais se apresentar com o mesmo aspecto. Onde o comentarista procurava coerência melódica, encontrava fragmentos entoativos independentes. Onde procurava soluções poéticas, deparava-se com a fala crua. Quando examinava o ritmo de fundo, a informação estava na melodia de frente. Quando focalizava o arranjo, este era apenas um recurso a serviço do canto. Quando se esperava maior complexidade harmônica, reentravam em cena os três acordes básicos e nem por isso a canção perdia seu encanto. Se o julgamento recaía sobre o conteúdo da letra, vingavam as músicas para dançar. Enfim, sem contar com um mínimo de consenso sobre o que a define como expressão artística, a canção brasileira converteu-se em um território livre, muito frequentado por artistas híbridos que não se consideravam nem músicos, nem poetas, nem cantores, mas um pouco de tudo isso e mais alguma coisa (TATIT, 2004).

Para finalizar esse texto, podemos relacionar também a criação dos novos gêneros e estilos à problemática da categorização dos estilos musicais nas “prateleiras” das lojas

de discos. A cada ano surgem inúmeros estilos musicais que necessitam serem “enquadrados” em uma categoria de venda. Muito interessante se torna os novos termos utilizados pela indústria, como por exemplo, o “sertanejo universitário”. O termo “universitário” tenta dar legitimidade e status a um “estilo” que antes poderia ser caracterizado como piegas ou “brega”. Contudo, necessitaríamos uma análise mais profunda sobre as manipulações e categorizações feitas pela indústria fonográfica para que conseguíssemos um maior entendimento sobre o surgimento desses novos gêneros. A intenção deste texto foi refletir, discutir e dar uma visão geral sobre as questões envolvidas neste tema “gêneros e estilos”, buscando abordar o assunto sob uma perspectiva da música popular como manifestação do homem em seus vários contextos sócio históricos, assim como, rever o vínculo inevitável da música popular brasileira com a indústria fonográfica. Entraremos a seguir na história da música brasileira propriamente dita, mas esse primeiro texto servirá como base para dar continuidade às discussões e ao aprofundamento histórico sobre os gêneros e estilos de nossa música.

As origens: gêneros que precederam a MPB

As manifestações musicais que precedem a música urbana no Sudeste. Sabemos que a música brasileira é formada por um grande encontro de culturas e etnias que aqui se esbarraram, trocaram farpas, se entrelaçaram, se expandiram e se misturaram. Entretanto, podemos fazer algumas categorizações ou distinções apenas para organizarmos nossos estudos. A primeira delas é entre a música urbana (sempre ligada aos centros urbanos e à indústria fonográfica) e as manifestações mais “folclóricas”, que nascem de forma mais ‘espontânea’ em nossa sociedade. Outro fator importante, é a distinção entre as músicas produzidas mais no litoral e no eixo Rio-São Paulo, das inúmeras músicas produzidas no interior do Brasil. Há por todo Brasil um incontável número de manifestações musicais que surge muito antes da música urbana do Brasil. Seria impossível aqui falar a fundo sobre todas as manifestações musicais

presentes em nosso país. Se falarmos apenas do Maranhão por exemplo, podemos listar logo de cara mais de 15 tradições musicais e danças típicas, como o bumba meu boi (e seus cinco sotaques básicos), o tambor de crioula, o tambor de mina, o bloco tradicional, tribo de índio, cacuriá, baralho, dança do lelê (ou péla porco), caroço, coco, festas do divino espírito santo (e as caixeiras do divino), além do famoso reggae do Maranhão. Se isso ocorre em apenas um estado, imagine em todos os 9 estados. Imagine em Pernambuco, o frevo, o maracatu, o caboclinho, o cavalo marinho e a ciranda. A Bahia e seus inúmeros ritmos e “blocos afro”, e tradições africanas tão vívidas em suas ruas. Estamos falando apenas sobre alguns lugares do Nordeste, imagina se falarmos de todo interior brasileiro, suas violas, sanfonas e percussões, seus diálogos com os países vizinhos (como a polca paraguaia ou o chamamé argentino), suas miscigenações culturais, como as congadas, os bois, os fandangos, as festas do divino, os maracatus, cocos, catiras, sambas, pagodes, festas, cantos e danças, vindos de inúmeros cantos do planeta e que aqui tomaram novas cores e formas e que retratam tão profundamente a história e cultura do Brasil. Dito tudo isso,não seria possível neste curso abordarmos todas essas manifestações espalhadas pelo nosso território nacional, portanto colocaremos um foco no sudeste brasileiro, principalmente pelos seguintes motivos: estavam aqui localizadas a Rádio Nacional, as TVs mais importantes e a principal indústria fonográfica do país, além de ter o Rio de Janeiro sido a capital do país até meados do século anterior. Segundo José Ramos Tinhorão, podemos dividir a música brasileira em duas principais correntes: as de tradição africana, mais rítmicas e sensuais, como o lundu, o jongo, o samba de roda, (que são “pais ou avós” do que se tornou o samba mais tarde), e as de tradição europeia, mais ligadas à melodia, ao canto, à melancolia e à canção (o que mais tarde viria a ser a música sertaneja, grosso modo). Veremos agora algumas tabelas que resumem as “matrizes de nossa MPB” e a seguir apenas alguns exemplos de gêneros “rurais” que estão diretamente ligados à formação da música urbana do Brasil, tanto as de tradição afro, quanto as de origem mais europeias:

Raízes da MPB

Diálogos com os EUA

Pixinguinha e os Oito Batutas (e o jazz de New Orleans)

As orquestras da Rádio (e as Big Bands)

A Bossa Nova e o Cool Jazz

O Rock no Brasil (de Celly ao Heavy Metal)

O Funk (Tim Maia)

Diálogos com América Latina hispânica

A guarânia e a polca do MT e MS

O samba canção e o bolero

A música gaúcha e a Argentina

A guitarrada do Pará e o calipso

O axé (o merengue e o reggae)

O Reggae do Maranhão

Jongo (Sudeste/ RJ e Vale do Paraíba)

Breve histórico: O Jongo é mais um dos gêneros que fazem parte das manifestações afro-brasileiras que vem muito antes da música urbana. Muito encontrado até hoje no Rio de Janeiro, no Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, e em Minas Gerais (onde é chamado de Caxambu), o jongo também tem três principais tambores chamados: caxambu (ou tambu), candongueiro e ngoma-puíta (que é uma espécie de cuíca bem grave). De origem bantu, o jongo é considerado um dos ritmos que mais influenciou o nascimento do samba. Com suas danças em roda, suas palmas e suas “umbigadas”, o jongo também tem muita improvisação nos versos em suas metáforas e adivinhas contidas nos textos dos jongueiros. Um dos jongos mais tradicionais do Brasil ainda é o “Jongo da Serrinha” do Mestre Darcy, situado no Morro da Serrinha no Rio de Janeiro ligado à escola de samba Império Serrano.

Curiosidades- Os ritmos Afro-brasileiros: Os portugueses chamavam todos esses ritmos afro brasileiros pelo nome genérico de BATUQUE. Entretanto, os ritmos e estilos, como o maracatu, o jongo, o tambor de crioula, o ijexá, (entre muitos outros), tem suas peculiaridades e idiossincrasias, devendo ser estudados separadamente, para que entendamos seus símbolos, ritmos, danças, significados e mensagens. Além disso, existem também os ritmos usados dentro do ritual do candomblé e que fazem parte de nossa cultura, como: o barra vento, o congo de ouro, o kabula (ou samba de Angola), o ilu, oagueré de oxossi, entre tantos

outros. Cada nação africana tem também suas peculiaridades. As principais nações (dentre muitas outras) são a Ketu, mais ligada à cultura yorubá do noroeste da África e a nação Angola, mais ligada à cultura bantu, da região sudoeste africana. No candomblé Ketu são usadas baquetas (chamadas de Aquidavi) enquanto na nação Angola, os atabaques são tocados com as mãos. Encontramos hoje em dia o ritmo Congo de Ouro (que é utilizado no Maculelê da capoeira), sendo usado no ‘Funk Carioca’. Seu ritmo é contagiante e quente, o que faz o “funk” ser tão atrativo e tão parte de nossa cultura. Entretanto, podemos questionar suas letras, timbres e sua excessiva comercialização, que muitas vezes banalizam a cultura negra e “da favela”, assim como muitas vezes retratam o machismo e a banalização do sexo e da mulher. Falaremos mais sobre esse polêmico assunto um pouco mais para frente. Links relacionados

• Jongo da Serrinha https://www.youtube.com/watch?v=pLO6KWgmPB0

• Jongo de Guaratinguetá https://www.youtube.com/watch?v=a_1uj0e3bD8

• Jongo com Antonio Nobrega: https://www.youtube.com/watch?v=jXbEhFrNXMM

Samba de Partido Alto

O partido alto é originalmente o samba improvisado, ou o samba de palma de mão. Ligado diretamente ao samba de roda (ou chula raiada), o samba partido alto é o samba mais africano, que tem suas origens na Bahia, mas que se desenvolveu e se transformou no Rio de Janeiro, sobretudo na chamada “Pequena África” onde ficavam as casas das “tias” baianas (*pesquisar Casa da Tia Ciata) em que ocorriam as festas (ou pagodes) em que se tocava o samba de partido alto até altas horas da madrugada. Um dos

instrumentos típicos desse partido alto mais ‘antigo’ é o “prato e faca”, tocado pelo partideiro que improvisa os versos. Atualmente o samba de partido alto ganhou uma nova roupagem a partir do “pagode” da década de 80 e 90. Um dos mais representativos grupos do partido alto moderno é o grupo Fundo de Quintal, que criou uma nova instrumentação para o estilo, incluindo o banjo, o tantã, o repique de mão e o repique de anel. Entretanto, vários outros grupos e cantores tem influência direta desse samba de partido alto feito no Cacique de Ramos a partir dos anos 70, dentre eles: Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Arlindo Cruz, Nei Lopes e Diogo Nogueira. https://www.youtube.com/watch?v=Uax_rK7zC3M https://www.youtube.com/watch?v=02me7YeOCYM https://www.youtube.com/watch?v=BdgXb2luAZI

O “interior do Brasil” Batuque de Umbigada- SP (Tietê, Piracicaba e Capivari)

Há uma série de gêneros brasileiros ligados à umbigada. Podemos citar o Semba angolano (cultura Bantu), como uma das origens das umbigadas no Brasil. Tradições como o jongo, o tambor de crioula, o coco de umbigada, o samba de roda, entre tantos outros, tem em sua dança a ‘Umbigada’. No interior de São Paulo encontramos o Batuque de Umbigada, encontrado sobretudo na região de Tietê, Piracicaba e Capivari. Vejamos abaixo um texto retirado do livro “Batuque de Umbigada” da Associação Cultural Cachuera: “O batuque de umbigada veio da caiumba, dançada em locais afastados das fazendas como meio de os negros escravizados poderem manter viva sua cultura. Desde a época do escravismo até a atualidade, as modas do batuque discursam contra a opressão, o preconceito e a discriminação que atingem os negros da região, e também relatam o dia-a-dia dos batuqueiros, seus amores e sonhos. Em algumas modas, o forte uso de metáforas e a linguagem simbólica permite manter discrição sobre o que está sendo cantado, e para quem. Da mesma forma que a capoeira ludibriava os capitães do mato, despertando olhares para a dança ao mesmo tempo que se fortalecia como luta e autodefesa, o batuque, considerado simples diversão entre os negros na visão dos donos de fazendas, também funcionava como forma de articulação por meio das

cantorias. O tambu, o quinjengue, a matraca e o guaiá são os instrumentos de percussão que acompanham as modas. A dança do batuque tem formação em duas fileiras confrontantes, de homens e de mulheres, e tem como principal característica a umbigada trocada pelos casais dançantes. Fonte: O Batuque de Umbigada de Tietê, Piracicaba e Capivari - SP (2015) Realizadores: Associação Cultural Cachuera!, comunidade do Batuque de Umbigada de Tietê, Piracicaba e Capivari. Umbigada https://www.youtube.com/watch?v=ezODCnOxuJs Batuque Paulista https://www.youtube.com/watch?v=HR3giW-CkfI Samba de bumbo de SP (Pirapora) https://www.youtube.com/watch?v=MB4HDE-zIMc As Matriarcas do Samba de bumbo https://www.youtube.com/watch?v=goa3UAWjAlg Samba Paulista https://www.youtube.com/watch?v=KD1gx9xxVD8 Observação: a umbigada, as batidas de palmas e o canto responsorial (com o coro respondendo) são algumas das principais características da cultura africana em nossa música. Vejamos agora um pouco da herança portuguesa em nossa música:

A modinha portuguesa e música caipira (Sudeste e Centro-oeste)

Não podemos deixar de citar a música “sertaneja” e as modas de viola tão presentes no

interior de São Paulo e em toda cultura do interior (Goiás, Paraná, MT, MS e MG) e que

também precederam a chamada MPB. Consta em inúmeros livros que a viola e a sanfona

estavam presentes em território nacional desde o primeiro século da colonização

portuguesa (meados de 1500).Portanto, a maior herança que nossos antepassados

portugueses poderiam nos deixar, além da própria língua, foram esses dois

instrumentos , além de outros como o triângulo, o adufe (pandeiro), e a alfaia, que tanto

retratam nossa história de lutas e desafios.

Obs: Vale a pena assistir a série documental “Milagre de Santa Luzia” em o músico

Dominguinhos viaja pelo Brasil pesquisando os diversos “sotaques” da sanfona em

nosso país.

https://www.youtube.com/watch?v=-0DQ7rTGZIk

A moda de viola

Provindas de Portugal, as “modas” de viola são a essência da música sertaneja e caipira. Entretanto, mais uma vez vale diferenciar a viola tocada nas diversas regiões do Brasil. Anterior ao violão, a viola portuguesa, que se transformou em nossa viola caipira, está presente em todo interior de nosso país, de norte a sul, tocada de diferentes formas em diversas manifestações específicas. O termo “sertanejo” por exemplo,nos remete diretamente aos violeiros do Nordeste. Suas emboladas e repentes, seus aboios, cocos e martelo-agalopados, suas histórias cantadas e toda a tradição da viola nordestina reflete a história de lutas e conquistas do povo nordestino em seus acordes e sonoridade tão característica. Luiz Gonzaga traz muitos elementos dessa tradição posteriormente em seu baião (veremos esse assunto no módulo 2). Diferente da música do sertão nordestino, é a música caipira do interior de São Paulo, Paraná, Minas e sobretudo da região Centro Oeste do Brasil, com seus siriris e cururus, suas violas de cocho e as querumanas, suas guarânias, chamamés e polcas, suas catiras, pagodes e toadas que tanto contam a história desse povo que se adentrou pelo Brasil. Contudo, a indústria fonográfica novamente “generaliza” toda essa diversidade e coloca tudo sob o mesmo “guarda-chuva”, classificando-os como “sertanejo de raiz”, (já que atualmente existem inúmeros estilos de “sertanejo”, como o sertanejo romântico e o sertanejo universitário).

Podemos citar alguns artistas do “sertanejo raiz” ligados à cultura caipira, mas que já fizeram parte do cenário fonográfico do Brasil, dentre eles: Alvarenga e Ranchinho, Tonico e Tinoco, Pena Branca e Xavantinho, Tião Carreiro e Pardinho, Inezita Barroso, as Irmãs Galvão. A viola ainda está arraigada em nossa cultura nos mais diversos cantos do Brasil. Há uma nova geração de violeiros (como Ivan Vilela, João Paulo Amaral, Paulo Freire, entre tantos outros) que mantém viva a tradição da música caipira e ainda expandem o universo da viola tocando também outros gêneros. Já na década de 80, a chamada “música sertaneja” fugiu muito de sua essência, sofrendo influências do country norte americano, da música pop e da música romântica. Sua instrumentação mudou, incluindo o uso de guitarra, bateria, teclados, e as letras não mais se relacionam com a essência da música caipira ou sertaneja. (*Ver country norte Americano). Hoje, as novas duplas do chamado “sertanejo universitário” tocam ritmos como o “arrocha”, axé music e até funk carioca, falando sobre temas, como bebida, balada, traição, dinheiro, relacionamentos conflituosos, entre outros. Esses gêneros, criados pela indústria fonográfica, fazem um apelo aos elementos mais presentes no imaginário popular (sobretudo da juventude), criando um pastiche com um ritmo ‘contagiante’, uma letra que ‘pega’, e um produto que lhes é muito rentável. Curiosidade 1: Os violeiros gostam de contar “causos” interessantes e engraçados sobre os caboclos, caipiras, e sobre o povo que vive no interior desse “Brasilzão”. Geralmente sentam em volta de uma fogueira e passam a noite cantando e contando histórias muito interessantes sobre a vida no campo. Pesquise e mostre para seus alunos essa riqueza e essa belíssima atmosfera dos contadores de causo e violeiros do Brasil. https://www.youtube.com/watch?v=ujQuYTXPHvQ A viola caipira

A viola caipira chegou ao Brasil trazida pelos portugueses desde o início da colonização. O violão por exemplo veio muitos anos mais tarde trazido pela influência hispânica em

solo brasileiro. As origens da viola e do violão são muito antigas, vinda dos instrumentos árabes como uds e alaudes. A viola brasileira provem da viola campanisa de Portugal e tem dez cordas dispostas em cinco pares. O “ponteio” (jeito de tocar) usa muito as cordas soltas fazendo seu lindo timbre soar ao vento. Existem muitas lendas em torno da viola. Uma delas é sobre um jeito de afinar a viola que eles chamam de Cebolão. Dizem que esse nome vem por causa das “muié”, que só de ouvir o violeiro afinando a viola já choram de emoção, igual quando cortam a cebola. Curiosidade 2. Tem um ritmo da viola que se chama “PAGODE” e que não tem nada a ver o samba, e é um ritmo muito usado nas modas e nas rodas dos violeiros. Outros dois ritmos que tem o mesmo nome, mas que são bem diferentes são: o XOTE do Nordeste, mais ligado ao forró, e o XOTE gaúcho, que é uma música típica do Rio Grande do Sul mais ligada às danças europeias, havendo muitas peculiaridades e estilos como o “xote carreirinho” e o “xote duas damas”, em que o cavalheiro dança com duas mulheres ao mesmo tempo.

Links relacionados (vídeos complementares) Modas de viola https://www.youtube.com/watch?v=nSAN5W91t1s

Tião Carreira e Almir Sater https://www.youtube.com/watch?v=Z56slU5fIIE

Jongo da Serrinha https://www.youtube.com/watch?v=pLO6KWgmPB0 Jongo de Guaratinguetá https://www.youtube.com/watch?v=a_1uj0e3bD8

Jongo com Antonio Nobrega: https://www.youtube.com/watch?v=jXbEhFrNXMM Umbigada https://www.youtube.com/watch?v=ezODCnOxuJs Batuque Paulista https://www.youtube.com/watch?v=HR3giW-CkfI Samba de bumbo de SP (Pirapora) https://www.youtube.com/watch?v=MB4HDE-zIMc As Matriarcas do Samba de bumbo https://www.youtube.com/watch?v=goa3UAWjAlg Samba Paulista https://www.youtube.com/watch?v=KD1gx9xxVD8

Segue abaixo uma tabela com um resumo de alguns dos principais gêneros musicais do Brasil em cada região:

Nordeste Norte Sudeste Centro-Oeste

Sul

Xote, xaxado, coco, embolada, aboio, repente, baião

Carimbó, Lambada, Guitarrada e Brega do Pará

Jongo, batuque de umbigada, samba lenço, cavalhadas, samba de bumbo, catira e congadas

Catira ou Cateretê, Bate pé ou Fandango Chamamé

Tango e Milonga

Ijexá, samba de roda e blocos afros da Bahia

Boi de Parintins

Choro, maxixe, samba

Guarânia e Polca (Paraguai)

Xote e chula gaúcha Fandango, pau de fitas, bugio

Maracatu, frevo, ciranda, cavalo marinho, caboclinho do Recife

Marabaixo do Amapá, Gambá de Mauês

Bossa nova MPB (festivais da canção) Jovem guarda, Clube da

Moda de Viola Cururu, siriri

Vaneira e chamamé

MPB e os primeiros gêneros urbanos do Brasil (marcha, choro e maxixe) A partir do final do século XIX, com o fim da escravidão e o começo da urbanização e da modernização das cidades brasileiras, surgem, em meio as mais diversas inovações tecnológicas (dentre elas a Rádio Nacional), os mais diversos gêneros musicais urbanos no Brasil. Vejamos agora alguns dos principais: Curiosidade: Ver link Samba paulista e o ‘progresso’ da cidade de São Paulo

https://www.youtube.com/watch?v=c1lNz8Y9dhs

Choro

O Choro é um dos primeiros gêneros musicais urbanos tipicamente brasileiros. Segundo

diversos historiadores, ele surge da apropriação dos gêneros europeus pelos músicos

populares do Rio de Janeiro, no final do século XIX, tendo características muito próximas

às músicas de salão da época do império, principalmente pelos contrapontos e pela

riqueza melódica de suas composições. No início, seus principais instrumentos eram de

sopros e posteriormente surge a formação: flauta, cavaco e violão. Entretanto, ao longo

do século XX foram introduzidos muitos outros instrumentos, como: o pandeiro, o

clarinete, o bandolim, o sax, o piano e até o acordeom.

*Movimento Armorial

Esquina, Tropicália

Bumba meu boi, tambor de crioula, festa do divino, cacuriá do Maranhão

Músicas indígenas

Rock, Heavy metal, funk e música eletrônica

Música sertaneja (caipira), sertanejo universitário (urbano)

Congada da Lapa (PR) Boi de mamão (SC)

Podemos citar como precursores do Choro, os compositores Joaquim Calado, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e a compositora Chiquinha Gonzaga. Entretanto, ele se consolidou na primeira metade do século XX através de nomes como Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo, entre muitos outros. O Chorinho é ainda hoje muito presente em todo o Brasil, com seus regionais e suas formações mais inusitadas. Podemos destacar o bairro da Lapa no Rio de Janeiro como principal reduto do Choro, e também outros locais do Brasil, como São Paulo, Brasília, Goiânia e Vitória.

Curiosidades: Uma das principais características do Choro são as melodias rápidas e exigentes para os músicos, com seus contrapontos, improvisações e sobreposições de vozes. Vamos ouvir algumas interpretações do grupo Época de Ouro, que é uma das principais referências do Chorinho em toda sua história.

PIXINGUINHA FOI UM DOS GRANDES MESTRES DA

MÚSICA BRASILEIRA E COMPÔS MUITOS CHOROS E

SAMBAS MARAVILHOSOS, COMO CARINHOSO ,

LAMENTO E 1 a 0.

Links relacionados ao Choro:

• Época de Ouro https://www.youtube.com/watch?v=X5FrC3YQOlI

https://www.youtube.com/watch?v=2U6kkbgY27o&list=PLFB3DD82A9499917A

• Pixinguinha https://www.youtube.com/watch?v=98gYhQixXwo

• Choro atual https://www.youtube.com/watch?v=46M-Eor8D08

As marchas carnavalescas, o tango brasileiro e o maxixe Podemos considerar as marchas carnavalescas, o choro e o maxixe (anteriormente chamado de tango brasileiro, ou até de corta-jaca) como os primeiros gêneros musicais urbanos genuinamente brasileiros. Até então fazia-se ainda uma separação - ainda que ilusória, devido as miscigenações anteriores a chegada dos povos no Brasil, entre as diversas etnias de povos africanos e também europeus - entre a música de procedência portuguesa ou europeia, da música provinda da África e suas diversas nações e etnias. Uma das precursoras da música brasileira, símbolo de luta feminista e da busca dos sonhos e dos direitos da mulher foi a maestrina Chiquinha Gonzaga, uma das primeiras a valorizar a “mistura” de culturas contida no Brasil, o que fez o amálgama sonoro de nossa música desde seu início até os dias de hoje. CHIQUINHA GONZAGA (1847- 1935) Se voltarmos por volta de cento e cinquenta anos atrás, vamos encontrar uma mulher que revolucionou a história da música brasileira. Francisca Edwiges Neves Gonzaga, mais conhecida como Chiquinha Gonzaga, foi a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, além de ser, mesmo sem saber, uma das primeiras “feministas” a lutar pela igualdade direitos entre homens e mulheres, sendo também uma das primeiras mulheres a se divorciar no brasil. Chiquinha compôs músicas nos vários estilos musicais que surgiam no Brasil daquela época, dentre eles: as modinhas, o lundu, o tango brasileiro, os maxixes, choros, valsas, polcas e marchas. Ela também foi a criadora da primeira marchinha de carnaval a ficar bem conhecida. Era a “ô abre alas”, tocada até hoje em alguns salões do brasil.

ERNESTO NAZARETH 1863 – 1934 ERNESTO NAZARETH É VERDADEIRO SÍMBOLO DA CULTURA BRASILEIRA. ELE ESTUDOU PIANO E CONHECIA MUITO BEM A CULTURA EUROPEIA. POR OUTRO LADO TRAZIA EM SUAS MÚSICAS A AFRICANIDADE E AS TRADIÇÕES DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. UMA DE SUAS MÚSICAS MAIS CONHECIDAS FOI ODEON. VAMOS OUVIR?

• Época de Ouro https://www.youtube.com/watch?v=X5FrC3YQOlI

https://www.youtube.com/watch?v=2U6kkbgY27o&list=PLFB3DD82A9499917A

• Pixinguinha https://www.youtube.com/watch?v=98gYhQixXwo

• Choro atual https://www.youtube.com/watch?v=46M-Eor8D08

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BAKHTIN, M. “Gêneros do discurso”. In: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, l992. TATIT, Luiz. O Século da Canção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004.

FABBRI, F. A theory of musical genres - two applications.In: First International Conference on Popular Music Studies, Popular Music Perspectives (ed. D. Horn and P. Tagg; 1982, Göteborg and Exeter: International Association for the Study of Popular Music). Amsterdam, 1981. BRAIT, B. (Org.)(2005) “Estilo” In: Bakhtin: Conceitos-chave. São Paulo: Contexto. . DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. "Gêneros e progressão em expressão oral e escrita". In: Gêneros orais e escritos na escola (Trad. e org. Roxane H. R. Rojo e Glaís S. Cordeiro). Campinas: Mercado de Letras. 2004. BRANDÃO, HHN. Estilo, Gêneros do discurso e implicações didática. In: Língua Portuguesa: Pesquisa e ensino. São Paulo: Educ/Fapesp, 2007.