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Equidade e Acesso aos Cuidados de Saúde Cláudia Furtado João Pereira Escola Nacional de Saúde Pública Universidade Nova de Lisboa Lisboa Julho de 2010

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  • Equidade e Acesso aos Cuidados de Sade

    Cludia Furtado Joo Pereira

    Escola Nacional de Sade Pblica Universidade Nova de Lisboa

    Lisboa Julho de 2010

  • 2

    ndice

    1. Introduo ....................................................................................................................... 4

    2. Enquadramento da anlise .............................................................................................. 6

    2.1. Modelo conceptual ......................................................................................................... 6

    2.2. Equidade e acesso na poltica de sade em Portugal ...................................................... 8

    3. Anlise da evidncia nacional ...................................................................................... 10

    3.1. Desigualdades na Sade ............................................................................................... 10

    3.2. Acesso e pagamento dos cuidados de sade ................................................................. 15

    3.3. Acesso prestao de cuidados de sade ..................................................................... 18

    3.3.1. Cuidados de Sade Primrios ............................................................................... 19

    3.3.2. Cuidados de Sade Secundrios ........................................................................... 22

    3.3.3. Medicamentos e Meios Complementares de Diagnstico e Teraputica ............. 25

    3.4. Discusso ...................................................................................................................... 26

    3.5. Iniciativas ..................................................................................................................... 29

    4. Estratgias de reduo das desigualdades em sade alguns exemplos europeus ...... 32

    5. Recomendaes ............................................................................................................ 38

    6. Referncias Bibliogrficas ............................................................................................ 49

  • 3

    Lista de Abreviaturas

    ACES Agrupamentos de Centros de Sade

    ACS Alto Comissariado da Sade

    ARS Administrao Regional de Sade

    DGS Direco Geral de Sade

    DCV Doenas Cardiovasculares

    ERS Entidade Reguladora da Sade

    INE Instituto Nacional de Estatstica

    INS Inqurito Nacional de Sade

    MCDT Meios Complementares de Diagnstico e Teraputica

    MNSRM Medicamentos No Sujeitos a Receita Mdica

    OCDE - Organizao de Cooperao e de Desenvolvimento Econmico

    OMS Organizao Mundial de Sade

    PNS Plano Nacional de Sade

    SNS Servio Nacional de Sade

    UE Unio Europeia

    USF Unidades de Sade Familiar

  • 4

    1. Introduo

    O conceito de acesso aos cuidados de sade um pilar fundamental das polticas de sade. No

    entanto, ao contrrio do que se poderia pensar, trata-se de uma ideia complexa e multi-facetada.

    Ao nvel mais bsico, o acesso depende apenas da oferta de cuidados, isto da sua

    disponibilidade. Havendo oferta adequada a populao tem oportunidade de utilizar os servios

    e poder-se- dizer que tem acesso aos cuidados de sade. No entanto, o acesso efectivo aos

    cuidados de sade depender tambm de eventuais barreiras utilizao apropriada de

    cuidados de sade, sejam elas econmicas, sociais, organizacionais ou culturais. A utilizao

    apropriada , por sua vez, instrumental manuteno, garantia e melhoria do estado de sade

    de cada um. Nesse sentido, o acesso aos cuidados de sade essencialmente uma questo de

    permitir o acesso das pessoas ao seu potencial de sade e por consequncia, deve ser analisado

    luz das necessidades em sade e dos contextos econmicos e culturais dos diferentes grupos

    da sociedade. Em suma, a questo de acesso aos cuidados de sade indissocivel da questo

    de equidade do sistema de sade. Ter porventura outras dimenses, como por exemplo a

    adequao tcnica da prestao, mas o elemento mais importante na realizao do direito de

    acesso aos cuidados de sade ser a questo de justia distributiva no sistema.

    A equidade dos mais importantes objectivos seguidos pelos sistemas de sade modernos.

    Existem vrios princpios de equidade em sade, cada um fazendo apelo a noes de justia na

    distribuio1,2,3. Para a Organizao Mundial da Sade (OMS), todas as pessoas devem poder

    atingir o seu potencial mximo de sade, sem que as circunstncias econmicas e sociais de

    cada um determinem a consecuo desse objectivo4. Assim, a equidade em sade pode ser

    definida como a ausncia de diferenas sistemticas, e potencialmente evitveis, em um ou

    mais aspectos da sade, entre grupos populacionais caracterizados social, geogrfica ou

    demograficamente. Neste contexto, um aspecto fundamental o acesso a cuidados de sade de

    qualidade em funo das necessidades clnicas dos cidados.

    Embora a temtica da garantia de equidade na sade e no acesso aos cuidados de sade esteja

    presente nos principais documentos de poltica de sade em Portugal no se desenvolveu ainda

  • 5

    uma estratgia coordenada destinada a promover a sua consecuo. No mbito da elaborao

    do Plano Nacional de Sade 2010-2016 foi solicitada, numa perspectiva de melhoria da

    equidade em sade, uma anlise das desigualdades no acesso aos cuidados de sade.

    De acordo com o desafio que nos foi lanado pretendemos, com este trabalho, sistematizar

    sumariamente a evidncia existente no contexto nacional sobre as desigualdades em sade e no

    acesso aos cuidados de sade; identificar reas prioritrias de aco que se reflictam em ganhos

    em sade assim como intervenes ou estratgias que se tenham revelado efectivas na

    promoo do acesso; e por fim, elaborar recomendaes que possam contribuir, no futuro

    prximo, para a melhoria da equidade e acesso aos cuidados de sade em Portugal. Esta anlise

    pretende focar nos pontos principais no constituindo uma reviso exaustiva da literatura

    existente.

    A metodologia seguida na elaborao do trabalho baseou-se, em primeiro lugar, numa pesquisa

    documental abrangente, embora no-sistemtica, centrada nas seguintes fontes:

    Bases de dados electrnicas (Medline e outras); Relatrios da Comisso Europeia, OCDE e Organizao Mundial de Sade; ECuity Project, PAHO-Equidad e outras redes sobre equidade e determinantes sociais

    em sade;

    Relatrios e outros documentos do Ministrio da Sade e de outras entidades nacionais; Relatrios de investigao de instituies acadmicas, incluindo dissertaes; Bases de dados dos autores.

    De seguida procedeu-se reviso crtica da evidncia existente nestas fontes de informao e

    aferio da sua pertinncia para o caso portugus, nomeadamente com vista ao seu potencial de

    apoiar a preparao do PNS 2011-16. Finalmente, a anlise foi complementada atravs de

    entrevistas a interlocutores chave no sistema de sade portugus. A seleco e anlise de dados

    e outros tipos informao so da responsabilidade dos autores.

    O documento est estruturado do seguinte modo: na segunda parte definido um

    enquadramento conceptual do tema, na terceira parte efectua-se uma reviso da evidncia ao

    nvel das desigualdades em sade, da equidade no financiamento do sistema e no acesso aos

    cuidados de sade com base no enquadramento conceptual, na quarta parte efectua-se uma

  • 6

    anlise dos programas e boas prticas ao nvel internacional e por ltimo com base na evidncia

    existente efectuam-se algumas recomendaes.

    2. Enquadramento da anlise

    2.1. Modelo conceptual

    O enquadramento conceptual que se prope pretende clarificar os factores que influenciam as

    desigualdades em sade, em particular a relao entre determinantes sociais, acesso aos

    cuidados de sade e estado de sade.

    O enquadramento baseia-se nos modelos conceptuais das determinantes sociais em sade5,

    modelos de acesso aos servios de sade6,7,8,9,10 e o modelo de utilizao de cuidados de sade

    proposto por Andersen11.

    De acordo com o modelo proposto na Figura 1, as iniquidades em sade tm origem nos

    determinantes sociais da sade, como por exemplo a educao ou o trabalho, mas tambm nos

    estilos de vida da populao e, crucialmente, no seu acesso aos cuidados de sade. Nestes

    termos, o estado de sade das populaes deve ser encarado em funo dos servios de sade,

    mas tambm em funo das condies em que as pessoas nascem, crescem, habitam e

    trabalham. A diminuio das desigualdades em sade obtm-se actuando nos factores

    determinantes, entre os quais o acesso aos cuidados de sade. Ou seja, a equidade no acesso

    aos cuidados de sade apenas um dos factores que promove a equidade no estado de sade.

    Figura 1 Modelo conceptual Fonte: Adaptao de modelos conceptuais dos determinantes em sade e da utilizao de cuidados de sade.

  • 7

    As desigualdades no modo como os indivduos nascem e se desenvolvem, e que se repercutem

    na educao, ocupao ou habitao, tm origem ao nvel macro, nomeadamente nas polticas

    pblicas, sociais e macroeconmicas, nos valores da sociedade e no contexto sociopoltico5.

    As caractersticas socioeconmicas do indivduo condicionam a exposio a situaes que

    podem comprometer o estado de sade, afectam os estilos de vida e tm tambm influncia no

    acesso aos cuidados de sade.

    Dentro das caractersticas dos indivduos que podem afectar a utilizao dos cuidados de sade

    podemos distinguir os factores de predisposio e os factores capacitantes11. Nos factores de

    predisposio insere-se o nvel educacional e cultural, a ocupao, a etnia, e as redes sociais e

    familiares. Por sua vez estes factores influenciam as convices em sade (atitudes e valores

    perante a sade e cuidados de sade) as quais podem condicionar a subsequente percepo de

    necessidade e utilizao de servios de sade. Ou seja, determinam o empowerment do

    indivduo para utilizar os cuidados de sade disponveis.

    Quanto ao grupo de factores de capacitao salientam-se os meios necessrios para o indivduo

    aceder aos servios de sade, e assim efectivar a utilizao dos mesmos, como o rendimento ou

    capacidade de pagar e o local de residncia. As caractersticas dos indivduos juntamente com

    as caractersticas do sistema de prestao vo condicionar a utilizao dos cuidados de sade.

    Ao nvel do sistema de prestao de cuidados e com base nos modelos conceptuais j

    existentes6,7,8,9 identificam-se cinco dimenses que podem afectar o acesso: disponibilidade,

    proximidade, custos, qualidade e aceitao.

    Disponibilidade relaciona-se com a existncia de uma oferta adequada de servios que possibilite a oportunidade de utilizar os cuidados de sade. A disponibilidade pode tambm

    depender do tipo de cuidados cobertos pela rede pblica de servios de sade

    Proximidade reflecte a acessibilidade fsica ou geogrfica dos cuidados e est associada dimenso anterior.

    Custos esta dimenso refere-se aos custos incorridos no consumo de servios de sade os quais podem incluir os encargos directos de aquisio dos cuidados, como a parte no

  • 8

    comparticipada de um medicamento, mas tambm os custos do transporte para aceder aos

    cuidados de sade, os custos de espera para o atendimento, etc. Os custos podem estar

    condicionados pela posse de seguros de sade ou subsistemas pblicos.

    Qualidade esta caracterstica dos cuidados est relacionada no s com a qualidade dos servios prestados mas tambm com a organizao dos mesmos, em termos de horrios de

    funcionamento, marcao de consultas, integrao de cuidados, etc.

    Aceitao esta dimenso avalia se a prestao de cuidados de sade corresponde s necessidades e expectativas dos utentes. Os servios devem estar adequados s

    caractersticas dos diferentes grupos populacionais os quais podem percepcionar de modo

    diferente os benefcios que podem adquirir da obteno de cuidados de sade.

    De acordo com o enquadramento proposto na Figura 1 o acesso aos cuidados de sade apenas

    um dos determinantes da sade. Est interligado de um modo dinmico com os determinantes

    sociais, com a literacia, com as atitudes perante os servios de sade e estado de sade. Estes

    factores assim como as caractersticas do sistema de prestao de cuidados influenciam a

    utilizao dos cuidados de sade. A explicitao dos diferentes factores que afectam o acesso

    permite compreender que as melhorias nas desigualdades no acesso envolvem no s o sistema

    de sade, mas tambm os factores macro que determinam as condies socioeconmicas das

    populaes. Embora os servios de sade no tenham influncia ou aco directa nos outros

    factores podem ser os promotores de aces coordenadas entre os diferentes ministrios e na

    sensibilizao da sociedade para a problemtica das desigualdades em sade.

    Deve-se notar ainda que, de acordo com o modelo proposto, as polticas ou estratgias

    destinadas a promover o acesso aos cuidados de sade devem ser avaliadas no s pelo nvel de

    servios que esto disponveis para a populao, mas tambm pela capacitao dos indivduos

    para fazer uso desses servios e beneficiar da sua utilizao.

    2.2. Equidade e acesso na poltica de sade em Portugal

    De acordo com a Constituio Portuguesa12 todos tm direito proteco da sade e o dever

    de a defender e promover. Adicionalmente, incumbe prioritariamente ao Estado garantir o

    acesso de todos os cidados, independentemente da sua condio econmica, aos cuidados da

  • 9

    medicina preventiva, curativa e de reabilitao garantir uma racional e eficiente cobertura de

    todo o pas em recursos humanos e unidades de sade (e) orientar a sua aco para a

    socializao dos custos dos cuidados mdicos e medicamentosos (artigo 64). Noutros artigos

    da Constituio, existem referncias ao acesso equitativo a bens e servios promotores de sade,

    como o alojamento adequado, o saneamento bsico, as condies de segurana no trabalho e a

    educao. Se forem tomadas em conjunto com o artigo 64 parece haver boas razes para

    interpretar o objectivo constitucional de equidade em sade num sentido amplo. Isto , em

    termos de oportunidade de maximizao do potencial de sade de cada um atravs de acesso

    aos bens que promovem a sade e no simplesmente a um desses bens, os cuidados de sade 13.

    A Lei do Servio Nacional de Sade de 1979 (Lei n. 56/79)14, todavia, colocou a nfase nos

    servios de sade pblicos. Os objectivos de equidade do SNS esto consagrados nas suas

    prprias caractersticas: universal (destinado a todos os cidados, sem discriminao), geral

    (preveno, tratamento e reabilitao) e tendencialmente gratuito (financiado pelo Estado e

    com escasso recurso ao pagamento directo dos utentes). O artigo 4 explicita que o acesso ao

    SNS garantido a todos os cidados, independentemente da sua condio econmica e social.

    Em 1990, um novo quadro legal do sistema de sade foi aprovado, a Lei de Bases da Sade. De

    acordo com este documento, objectivo fundamental obter igualdade dos cidados no acesso

    aos cuidados de sade, seja qual for a sua condio econmica e onde quer que vivam, bem

    como garantir a equidade na distribuio de recursos e na utilizao de servios (Base II, 1-

    b)15. Adicionalmente, na caracterizao do Servio Nacional de Sade o documento refere que

    este deve () garantir a equidade no acesso dos utentes, com o objectivo de atenuar os

    efeitos das desigualdades econmicas, geogrficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados

    (Base XXIV, d).

    A Lei de Bases especifica os dois atributos populacionais em relao aos quais no deve existir

    discriminao no acesso - a situao econmica dos cidados e o local onde vivem - deixando

    no entanto espao para outras caractersticas que possam dificultar o acesso dos cidados. Para

    alm da questo primordial de igualdade de acesso, a Lei de Bases apela tambm equidade na

    distribuio de recursos e na utilizao de servios. Este pluralismo de conceitos prprio da

    complexidade que o tema da equidade e acesso em sade acarreta. No entanto, em termos

    prticos com vista sua monitorizao, os princpios inscritos na Lei de Bases tm sido

  • 10

    interpretados em termos de igualdade de utilizao (acesso realizado) para iguais

    necessidades16.

    Embora a equidade seja um alicerce fundamental na legislao do sistema de sade portugus,

    tem havido pouca preocupao no passado em concretizar, promover e monitorizar este

    objectivo. Recentemente, a OMS avaliou o PNS que vigorou entre 2004 e 2010, identificando

    as suas potencialidades, limitaes e lacunas17. Segundo este relatrio, o PNS prestou muito

    pouca ateno ao tema da equidade em sade, nomeadamente em termos de estratgias e

    programas para combater as desigualdades em sade. Noutro documento, destinado a avaliar o

    desempenho do sistema de sade portugus a OMS apontou para melhorias assinalveis no

    sistema de sade, no deixando, todavia, de assinalar que ainda persistem diferenas

    significativas no estado de sade dos portugueses de acordo com o gnero, regio geogrfica e

    nvel socioeconmico (por nvel educacional ou de rendimento)18. De acordo com os autores, o

    sistema de sade portugus tem como desafio para a consolidao e melhoria do estado de

    sade dos cidados, a diminuio dos nveis de desigualdade entre grupos e a adequao de

    resposta s expectativas dos portugueses.

    Os documentos programticos nacionais mais recentes, todavia, parecem retomar a centralidade

    da equidade e acesso no sistema de sade, recolocando Portugal na rbita de outros pases

    europeus que do grande relevncia a este tema. No Programa do XVIII Governo

    Constitucional, aponta-se para a necessidade de reforo do sistema de sade aprimorando a

    qualidade dos resultados e corrigindo as desigualdades ainda existentes. No que respeita ao

    sector do medicamento, o partido do governo pretende promover uma reviso global do

    sistema de comparticipao () no sentido de obter melhor equidade e mais valor para todos

    os cidados. Finalmente, quanto ao PNS afirma-se expressamente que um enfoque primordial

    do prximo PNS ser o combate s desigualdades em sade19.

    3. Anlise da evidncia nacional

    3.1. Desigualdades na Sade

    Nas ltimas dcadas tem ocorrido uma evoluo positiva na maioria dos indicadores de

    morbilidade e mortalidade em Portugal e uma aproximao aos valores mdios dos pases da

  • 11

    Unio Europeia.20,21 Os valores mais recentes reportados no Atlas do Plano Nacional de Sade

    evidenciam esta evoluo, nomeadamente no que concerne a indicadores como a taxa de

    mortalidade evitvel por cuidados de sade e esperana de vida nascena, a qual aumentou

    quase 5 anos entre 1990/92 e 2006/08. No entanto, pouco se sabe sobre a existncia de

    desigualdades socioeconmicas ou geogrficas subjacentes a estes indicadores.

    Mortalidade

    Nesta anlise vamos incidir essencialmente na mortalidade evitvel face disponibilidade de

    cuidados de sade, a qual constitui uma importante parte do total da mortalidade observada22,23.

    A comparao das taxas de mortalidade evitvel entre regies e entre pases pode reflectir

    potenciais diferenas no acesso e utilizao dos cuidados de sade, as quais devem ser

    analisadas*.

    Embora a taxa de mortalidade evitvel apresente uma evoluo favorvel, comparativamente

    aos outros pases da Unio Europeia (UE -15), Portugal apresenta ainda valores elevados de

    mortalidade evitvel nos homens 24 . Deste modo existe ainda um potencial elevado para

    interveno com o consequente aumento dos ganhos em sade.

    As desigualdades geogrficas na mortalidade evitvel esto tambm evidenciadas20 verificando-

    se que a taxa de mortalidade evitvel por cuidados de sade menor na Regio Norte e

    apresenta valores superiores no Alentejo e Algarve.

    Analisando algumas patologias especficas verificou-se num estudo de Mackenbach et al, com

    dados de 1980-82, que a mortalidade por doena cerebrovascular superior nos grupos de nvel

    ocupacional inferior. O inverso ocorre na taxa de mortalidade por doena isqumica25. Neste

    ltimo indicador embora Portugal apresente actualmente uma taxa de mortalidade padronizada

    por doena isqumica cardaca antes dos 65 anos inferior mdia da Unio Europeia, as

    variaes ao nvel geogrfico so muito elevadas, variando entre 5,4 (Regio Centro) e 19,0

    (Algarve)21. * O conceito de mortalidade evitvel inclui as causas de bitos cuja ocorrncia podia ter sido prevenida ou tratada atravs da prestao de cuidados de sade. Embora a lista de doenas includas na mortalidade por causas tratveis no seja consensual inclui patologias como o cancro (ex. mama, pele, testicular), doenas cerebrovasculares, doenas respiratrias, etc.

  • 12

    Ao nvel da taxa mortalidade perinatal, apesar do decrscimo observado, tambm se verificam

    variaes elevadas ao nvel geogrfico.

    O cancro da mama antes dos 65 anos outra patologia includa na mortalidade evitvel por

    cuidados de sade que apresentou evoluo favorvel mas que apresenta variaes no territrio

    continental.21 Por outro lado as taxas de mortalidade por cancro do colo do tero e cancro do

    clon e recto antes dos 65 anos para alm de no terem diminudo de forma consistente nos

    ltimos anos apresentam variaes geogrficas acentuadas. Nos trs tipos de neoplasias

    analisados a regio do Algarve a que apresenta as taxas mais elevadas de mortalidade

    padronizada.

    Os dados relativos taxa de mortalidade evitvel por cuidados de sade permitem identificar

    reas geogrficas ou grupos socioeconmicos que podero beneficiar de uma interveno do

    sistema de prestao de cuidados de sade.

    importante ainda referir a evoluo das desigualdades na mortalidade infantil, uma rea

    frequentemente apontada como exemplo de sucesso. Estudos que recorreram metodologia das

    curvas de concentrao demonstraram que a desigualdade scio-econmica a favor dos distritos

    mais ricos do pas ainda se mantinha na primeira dcada do sculo XXI 26,27. No entanto, o

    nvel de desigualdade era bastante inferior quando comparado aos nveis detectados no

    princpio da dcada de 1970. Adicionalmente, os estudos demonstraram diferenas importantes

    na evoluo das componentes da mortalidade infantil, com a mortalidade ps-neonatal

    inicialmente a revelar maiores ganhos de equidade na dcada de 1970, que no entanto se

    reverteram ligeiramente no final do perodo. Finalmente, muito embora o grau de desigualdade

    tenha diminudo, os estudos apontaram ainda para sinais de que a posio relativa dos distritos

    mais pobres no tenha melhorado significativamente.

    Morbilidade

    Embora as desigualdades no estado de sade em funo do rendimento existam na maioria dos

    pases europeus a desigualdade mais marcante em Portugal28. Van Doorslaer e Koolman

    efectuaram uma decomposio das desigualdades observadas tendo verificado que a

  • 13

    desigualdade no rendimento parece ser o factor que mais contribui para este padro em

    Portugal (Figura 2).

    Mackenback et al29 verificaram que a prevalncia de uma m auto-percepo do estado de

    sade superior nos grupos socioeconmicos mais desfavorecidos em todos os pases europeus

    estudados. Mas, mais uma vez, Portugal comparativamente aos outros pases apresenta nveis

    elevados de desigualdades em funo da educao. No entanto, neste estudo os valores no so

    to marcantes no que respeita ao rendimento.

    Figura 2 Desigualdades na sade em funo do rendimento. Fonte - Van Doorslaer e Koolman X. Health Economics 2004; 13: 609628

    Estudos de mbito nacional efectuados por Pereira16, Pereira e Pedro30 e Veiga31, com base no

    Inqurito Nacional de Sade, evidenciam tambm desigualdades na doena em funo do nvel

    socioeconmico, utilizando quer indicadores relacionados com o nvel de educao quer com o

    rendimento.

    Dados relativos distribuio socioeconmica das doenas crnicas na populao em 1998/99

    e 2005/06 revelam que a doena se concentra nos grupos de rendimento inferior em ambos os

    perodos (Quadro 1). evidente tambm que houve um decrscimo no nvel de desigualdade

    econmica em sade entre 1989/99 e 2005/06, se bem que as diferenas podero no ser

    estatisticamente significativas.

  • 14

    Quadro 1 - Distribuio das doenas crnicas e incapacidade temporria em funo do rendimento da populao portuguesa

    Indicador de Doena ndice de Concentrao*

    1998/99 2005/06

    Diabetes -0,101 -0,068

    Hipertenso -0,062 -0,025

    Dias de incapacidade temporria -0,143 -0,084

    Dias de acamamento -0,224 -0,150

    Fonte: elaborao dos autores; Dados INS 1998/99 e 2005/06 *Medio dos ndices de concentrao da doena com padronizao para o sexo e idade. Valores negativos (positivos) indicam que a doena se concentra nos grupos de menor (maior) rendimento

    No caso especfico da obesidade, que constitui um importante factor de risco nas doenas do

    aparelho cardiovascular, Portugal para alm de apresentar taxas de prevalncia muito elevadas

    comparativamente aos outros pases europeus23, apresenta desigualdades significativas entre as

    pessoas com o maior e menor nvel de educao. Estas desigualdades so particularmente

    elevadas nas mulheres23,29.

    Ribeiro, num estudo recente, analisou as desigualdades socioeconmicas nas doenas

    cardiovasculares (DCV), recorrendo para tal a uma sub-amostra de 21 807 adultos do INS

    2005/06 32. A autora concluiu que as DCV, incluindo o acidente vascular cerebral e a doena

    cardaca isqumica, a hipertenso arterial, a diabetes tipo 2 e a obesidade esto associadas aos

    grupos de rendimento familiar mais baixos; enquanto o tabagismo est associado aos grupos de

    rendimento mais elevados; e o sedentarismo e o stress psicolgico no apresentam qualquer

    associao com o rendimento.

    Ao nvel da populao migrante, Machado et al33 num estudo cuja populao-alvo incluiu os

    nados-vivos que nasceram no Hospital Fernando da Fonseca, verificaram que os descendentes

    de imigrantes registaram maior mortalidade fetal e neonatal e as mes sofreram maior nmero

    de patologias durante a gravidez, nomeadamente doenas infecciosas. Neste estudo verificou-se

    que o nmero de consultas pr-natal foi inferior nos migrantes, facto que segundo os autores

    pode justificar-se por um incio mais tardio das consultas pr-natais.

  • 15

    Outro estudo recente, recorrendo ao INS 2005/06, analisou as diferenas entre adultos

    portugueses e imigrantes nos seus nveis de sade34. Os resultados apontam para um melhor

    nvel de sade entre a populao imigrante. Nas doenas crnicas analisadas (diabetes, asma e

    dor crnica), a populao imigrante apenas apresenta piores resultados relativamente

    populao portuguesa na asma diagnosticada profissionalmente. Os resultados podero estar

    relacionados com o facto da populao imigrante ser uma populao sobretudo jovem e activa.

    Relativamente s diferenas com origem no gnero Bambra et al 35 examinaram o estado de

    sade auto-reportado em 13 pases europeus e verificaram que o risco de reportar um mau

    estado de sade pelas mulheres apresenta valores elevados em Portugal (odds ratio 2,01). Um

    resultado interessante deste estudo foi que em Portugal, Itlia e Sucia o mau estado de sade

    foi reportado com maior frequncia no grupo das mulheres com melhor nvel de educao. As

    diferenas entre gneros nos nveis de morbilidade em Portugal foram tambm evidenciadas no

    estudo de Fernandes et al36. Os dados existentes sobre diferenas do gnero no estado de sade

    revelam que se por um lado a esperana de vida inferior nos homens o nvel de morbilidade

    superior nas mulheres.

    Resumindo, os estudos revistos continuam a evidenciar um gradiente social favorecendo os

    grupos socioeconmicos superiores para os vrios indicadores de mortalidade e morbilidade.

    Algumas destas desigualdades so explicadas pelos factores de risco como a obesidade outras

    podem ser explicadas por dificuldades no acesso aos meios de preveno e tratamento. Se se

    conseguir reduzir algumas das taxas mais elevadas, quer de morbilidade quer de mortalidade,

    em grupos caracterizados scio-econmica ou geograficamente poder-se-o aumentar os

    ganhos em sade na populao portuguesa. Este objectivo pode ser obtido atravs de uma

    estratgia coordenada que actue na distribuio do rendimento, nas oportunidades na educao,

    nos comportamentos em sade e acesso aos cuidados de sade.

    3.2. Acesso e pagamento dos cuidados de sade

    importante compreender em que medida o sistema de financiamento e prestao de cuidados

    portugus pode ter contribudo para atenuar ou aumentar algumas das diferenas observadas no

    ponto anterior. Concentramo-nos primeiro na evidncia sobre a equidade dos pagamentos que

  • 16

    os portugueses fazem para aceder aos cuidados de sade, passando de seguida, e de uma forma

    mais aprofundada evidncia sobre o que efectivamente recebem.

    Os portugueses pagam a sade por quatro vias principais. Maioritariamente, atravs de

    impostos directos e indirectos, como o IRS, IRC e IVA. Uma segunda forma de financiamento

    atravs de seguros sociais, onde os cidados abrangidos fazem contribuies obrigatrias para

    subsistemas pblicos, tipicamente em funo do rendimento (ex. ADSE). Em terceiro lugar,

    alguns cidados pagam, de forma voluntria, prmios de seguros privados, sendo as

    contribuies calculadas de acordo com o risco (individual ou de grupo). Finalmente,

    praticamente todas as famlias portuguesas contribuem para o financiamento do sistema de

    sade atravs de pagamentos directos, efectuados no momento de consumo e directamente

    relacionados com a utilizao de cuidados. Os pagamentos directos so constitudos por um

    leque diversificado de despesas, como por exemplo, as taxas moderadoras pagas pelos utentes

    no mbito do SNS ou as despesas no comparticipadas com produtos farmacuticos.

    O estudo internacional mais recente que compara a equidade no financiamento foi elaborado

    por Wagstaff et al37. O Quadro 2 apresenta os ndices de progressividade calculados neste

    estudo, por fonte de financiamento e para a totalidade do sistema de sade. Em termos globais

    verifica-se em Portugal uma situao de regressividade do financiamento da sade (ie. as

    famlias dedicam fatias menores do seu rendimento s despesas de sade medida que o seu

    rendimento aumenta). Esta situao contrasta com outros pases cujos sistemas so

    maioritariamente financiados por impostos (e.x Dinamarca, Finlndia, Espanha, Sucia e Reino

    Unido). A regressividade em Portugal apenas ultrapassada pela Sua e EUA, pases

    maioritariamente com financiamento privado, e pela Alemanha e Holanda, pases com sistemas

    de financiamento da sade muito diferente do portugus, mas que apresentam nveis de

    regressividade no muito diferente.

    A razo principal para a regressividade global do sistema de sade portugus prende-se com o

    elevado peso dos pagamentos directos, que por sua vez so altamente regressivos. A proporo

    de despesas provenientes de impostos indirectos (tambm das mais elevadas entre os pases

    includos neste estudo), que so tendencialmente regressivos, outra causa de regressividade

    no sistema. Adicionalmente, h que considerar a generosidade das dedues fiscais para

    despesas de sade, um elemento no considerado no estudo de Wagstaff et al, mas que foi

  • 17

    objecto de anlise no relatrio da Comisso para a Sustentabilidade do Financiamento do SNS38

    e que demonstrou que o seu impacto na regressividade do sistema de sade considervel,

    sobretudo porque cerca de 44% das famlias com rendimento insuficiente para pagar IRS no

    chegam a beneficiar das dedues.

    Quadro 2 - Equidade no financiamento da sade - ndices de progressividade

    ndices de progressividade de Kakwani

    Global Impostos Seguros sociais

    Seguros privados

    Pagamentos directos

    Alemanha (89) -0.0452 0.1100 -0.0977 0.1219 -0.0963 Dinamarca (87) -0.0047 0.0372 0.0313 -0.2654 E.U.A. (87) -0.1303 0.1325 0.0125 -0.2586 -0.4603 Espanha (90) 0.0004 0.0483 0.0502 -0.0123 -0.2121 Finlndia (90) 0.0181 0.0555 0.0937 0.0000 -0.2419 Frana (89) 0.0012 0.1112 -0.1956 -0.3396 Holanda (92) -0.0703 0.0714 -0.1286 0.0833 -0.0377 Itlia (91) 0.0413 0.0343 0.1072 0.1705 -0.0807 Portugal (90) -0.0445 0.0601 0.1845 0.1371 -0.2424 Reino Unido (93) 0.0510 0.0456 0.1867 0.0766 -0.2229 Sucia (90) -0.0158 0.0371 0.0100 0.0000 -0.2402 Sua (92) -0.1402 0.1590 0.0551 -0.2548 -0.3619

    Fonte: elaborao Wagstaff et al

    37

    * Valores positivos do ndice indicam progressividade e valores negativos indicam regressividade

    A questo da regressividade dos pagamentos directos em Portugal foi objecto de anlise

    exaustiva em Simes, Barros e Pereira38. Com base em inquritos aos oramentos familiares

    realizados pelo INE nas dcadas de 1980, 1990 e 2000 demonstrou-se que as despesas com

    medicamentos so efectivamente muito regressivas, com ndices de progressividade inferiores a

    -0,3 em todos os perodos, indicando que, em termos relativos, sejam os agregados mais pobres

    que suportam os maiores encargos (Quadro 3). As despesas com aparelhos e material

    teraputico bem como as despesas com servios mdicos, de enfermagem, paramdicos e

    outros aumentaram significativamente o seu nvel de regressividade entre 1980 e 2000. As

    despesas com cuidados hospitalares tambm evoluram no mesmo sentido, para valores

    prximos da proporcionalidade. Apenas as despesas com os seguros de doena so altamente

    progressivas em todos os perodos, sugerindo que sero pagas essencialmente pelos agregados

    com rendimentos mais elevados.

  • 18

    Quadro 3 - Progressividade dos pagamentos directos por tipo de consumo, 1980, 1990, 2000

    Despesas de sade ndices de progressividade de Kakwani 1980 1990 2000 Medicamentos -0,332 -0,322 -0,328 Aparelhos e material teraputico -0,030 -0,063 -0,163

    Servios mdicos, enfermagem, paramdicos e outros

    -0,028 -0,040 -0,135

    Cuidados hospitalares 0,199 0,164 -0,016 Seguros de acidente e doena 0,131 0,197 0,147

    Total pagamentos directos -0,201 -0,166 -0,222

    Fonte: Simes, Barros e Pereira38

    Em relao ao total das despesas directas em sade verifica-se que tambm so particularmente

    regressivas. Parece claro, portanto, que tal como noutros pases, as despesas directas tendem a

    onerar desproporcionalmente as famlias mais pobres. Esta situao deve-se, em primeiro lugar,

    ao facto de as famlias de menores rendimentos suportarem uma maior carga de doena, o que

    as leva a ser consumidores mais intensivos de cuidados. Contudo, a regressividade poder

    tambm ser resultado de mecanismos relativamente fracos de proteco das despesas dos

    grupos mais pobres. Como se ver mais adiante tm sido feitos alguns esforos para corrigir

    esta situao.

    3.3. Acesso prestao de cuidados de sade

    A maior parte das anlises que abordam o sistema de prestao de cuidados em Portugal

    verifica que existem factores para alm da necessidade clnica que influenciam a utilizao de

    cuidados de sade, nomeadamente de consultas mdicas, evidenciando a existncia de

    iniquidades favorecendo os grupos de rendimento mais elevado16, 39 , 40 . Este padro

    corroborado pelo estudo realizado pela OCDE41, o qual permite contextualizar o desempenho

    de Portugal comparativamente aos 21 pases em anlise. Os resultados obtidos revelaram que

    em Portugal a probabilidade de ter uma consulta mdica apresenta um dos ndices de

    iniquidade mais elevados, sendo apenas ultrapassado pelos EUA, Mxico e Finlndia.

  • 19

    De seguida vai focar-se para cada sector - cuidados primrios, cuidados secundrios e meios

    complementares de diagnstico e teraputica - a evidncia existente ao nvel das iniquidades

    socioeconmicas e geogrficas no acesso aos cuidados de sade. No mbito deste trabalho

    considera-se que nos cuidados secundrios esto includos os episdios de internamento e as

    consultas de especialidade, podendo estas serem prestadas ao nvel hospitalar ou no.

    3.3.1. Cuidados de Sade Primrios

    Consultas mdicas

    Os mdicos de clnica geral so responsveis no SNS pelo acompanhamento do utente ao nvel

    dos cuidados primrios e pela sua referenciao para os cuidados especializados ou para a

    realizao de meios complementares de diagnstico e teraputica. Por este motivo

    particularmente importante analisar o acesso a estes cuidados no s porque uma melhor

    organizao e adequao dos cuidados pode ter um impacto positivo na sade das populaes,

    mas tambm porque desigualdades a este nvel repercutem-se nos restantes nveis de cuidados

    de sade.

    Analisando a influncia do nvel socioeconmico, Van Doorslaer et al42 verificaram, com base

    em dados de 1996, que o ndice de iniquidade na probabilidade de ter uma consulta de clnica

    geral favorecia os indivduos de maior rendimento (0,009; p>0,05) mas no era estatisticamente

    significativo. O estudo realizado no mbito da OCDE41 relativo ao ano 2000 verificou que em

    Portugal a probabilidade de ter uma consulta de clnica geral continuava a apresentar um ndice

    de iniquidade na prestao positivo mas agora estatisticamente significativo (0,021; p

  • 20

    Figura 3 ndice de Iniquidade na probabilidade de ter uma consulta de clnica geral

    Fonte: OCDE 200441

    Um estudo mais recente de Bago dUva43 efectuou uma anlise longitudinal (1995-2001) da

    equidade na prestao de cuidados de sade. Durante este perodo Portugal apresentou ndices

    de iniquidade favorecendo os grupos de maior rendimento para o nmero total de visitas aos

    mdicos de clnica geral. Este padro foi tambm observado na ustria e Finlndia. Os

    restantes pases (Espanha, Irlanda, Blgica, Itlia, Grcia, Dinamarca e Holanda) apresentaram

    no perodo em estudo ndices de iniquidade na prestao que favorecem os grupos de

    rendimento inferior.

    Estes resultados diferem dos obtidos por Pereira e Lopes40 que, tambm analisando as consultas

    de clnica geral mas recorrendo ao INS 1998/99, obtiveram um valor que favorecia os

    indivduos de nvel socioeconmico inferior independentemente do indicador de morbilidade.

    Um aspecto importante a ressaltar neste estudo foi de que a dimenso de iniquidade no acesso

    aos cuidados de sade maior quando se utiliza um indicador de sade de tipo subjectivo, tal

    como tem vindo a ser usado na maior parte dos estudos internacionais.

    A influncia da educao na utilizao dos cuidados de sade primrios foi tambm analisada

    ao nvel europeu 44 . Os dados relativos a Portugal aps padronizao para a necessidade,

    factores demogrficos e local de residncia, revelaram uma iniquidade a favor dos indivduos

    com nvel educacional mais elevado. Este padro tambm se verifica na Frana, Hungria e

    Estnia, enquanto o padro inverso se observa em Inglaterra, Alemanha, Noruega e Itlia. Para

  • 21

    os restantes pases (Blgica, Dinamarca, Irlanda, Letnia e Holanda) a educao no parece ter

    um efeito estatisticamente significativo na utilizao dos cuidados.

    Relativamente localizao geogrfica, os dados existentes 45 revelam que o nmero de

    consultas com mdicos de Medicina Geral e Familiar por habitante/ano apresentam diferenas

    entre Agrupamentos de Centros de Sade (ACES).

    Cuidados Preventivos

    Um estudo do ONSA46 analisou a utilizao de cuidados preventivos num grupo de mulheres,

    nomeadamente a realizao de mamografias para a preveno do cancro da mama e de

    citologias para a preveno do cancro do colo do tero (Quadro 4).

    Relativamente realizao de mamografia h dois ou menos anos, nas mulheres entre os 40 e

    os 69 anos de idade, verificou-se que 80,1% realizou uma mamografia h dois ou menos anos.

    Identificaram-se diferenas regionais com o Algarve e Alentejo a apresentarem as taxas mais

    baixas.

    Quadro 4 - Rastreio do Cancro

    Mamografia * Citologia**

    n % N %

    Norte 99 84,8 179 65,9

    Centro 90 78,9 150 58,0

    Lisboa e Vale do Tejo 88 80,7 166 55,4

    Alentejo 111 71,2 179 29,6

    Algarve 103 58,3 152 44,1

    Total 491 80,1 843 57,8

    Fonte: ONSA, Instituto Nacional de Sade Dr. Ricardo Jorge46

    *Mulheres entre os 40 e 69 anos que realizaram mamografia h 2 ou menos anos

    ** Mulheres com 18 anos ou mais que realizaram uma citologia cervical h 3 ou menos anos

    No que se refere realizao de citologias considerou-se nesse estudo, com fundamento no que

    est definido no Plano Oncolgico Nacional, que a mulher estava adequadamente vigiada se

    tivesse feito a citologia no mximo h trs anos. A anlise da distribuio por regio de sade

    tambm revelou diferenas regionais com significado estatstico, apresentando o sul do pas as

    menores percentagens de citologias na populao feminina com mais de 18 anos.

  • 22

    Neste mesmo estudo verificou-se que foram as mulheres com nveis de instruo mais elevado

    que referiram em maior percentagem ter realizado a citologia no intervalo esperado.

    Relativamente ao nvel ocupacional foram as mulheres com vida profissional activa (72,0%)

    que referiram essa prtica em maior proporo.

    Os dados mais recentes relativos aos programas de rastreio21 reflectem que a cobertura

    geogrfica do rastreio do cancro da mama abrange a quase totalidade do pas, o rastreio do

    cancro do colo do tero apresenta ainda lacunas e o do cancro do clon e recto ainda tem uma

    implementao reduzida. No entanto, embora os rastreios possam estar implementados, em

    termos programticos a sua taxa de execuo pode ser reduzida47. Nos cuidados preventivos os

    comportamentos em sade e a literacia em sade so factores com uma influncia

    preponderante. Neste sentido grupos socioeconmicos mais desfavorecidos podem no

    percepcionar o benefcio decorrente da utilizao dos cuidados preventivos.

    3.3.2. Cuidados de Sade Secundrios

    Consultas de especialidade

    A referenciao para as consultas de especialidade efectuada pelos mdicos de clnica geral

    no mbito do SNS, ou por iniciativa do indivduo no mbito dos cuidados privados de sade.

    De acordo com o nvel socioeconmico verifica-se que para idnticos nveis de necessidade

    clnica a utilizao de consultas de especialidade favorece claramente os grupos de maior

    rendimento. Estes resultados esto evidenciados nos estudos de Van Doorslaer et al42 referente

    ao ano de 1996, de Pereira e Lopes40 para o ano 1998, da OCDE41 relativo ao ano 2000 e na

    anlise longitudinal de Bago dUva et al43 relativa ao perodo 19952001. Embora a maioria

    dos pases da Unio Europeia e da OCDE tambm apresentem iniquidades favorecendo os

    grupos de maior rendimento, os valores so particularmente elevados em Portugal (Figura 4).

    No estudo da OCDE o nvel de iniquidade no nmero total de visitas superior ao da

    probabilidade de ter pelo menos uma visita, o que sugere que os padres de iniquidade se

    agravam com a intensidade de utilizao.

  • 23

    Figura 4 ndice de Iniquidade na probabilidade de ter uma consulta de especialidade

    Fonte: OCDE 200441

    Quando se analisam casos particulares como as consultas de estomatologia, cuja prestao em

    Portugal essencialmente privada, observam-se ndices de iniquidade com valores muito

    elevados. De acordo com o estudo da OCDE41 a probabilidade de ter uma consulta nesta

    especialidade apresentou um ndice de iniquidade de 0,200 (p

  • 24

    Relativamente aos factores explicativos da iniquidade na utilizao de consultas de

    especialidade verificou-se que a desigualdade no rendimento parece ser o principal factor, e

    tem em Portugal uma contribuio mais elevada comparativamente aos outros pases

    europeus41. Ou seja as desigualdades existentes na distribuio do rendimento em Portugal

    condicionam a distribuio da utilizao de cuidados especializados, o que se deve

    provavelmente possibilidade que os indivduos de maior rendimento tm de ultrapassar

    algumas das barreiras existentes e utilizar os cuidados privados.

    De acordo com outro estudo da OCDE49, em que a utilizao foi padronizada pela necessidade,

    regio e posse de seguro de sade, verificou-se que as iniquidades na utilizao dos cuidados

    especializados em Portugal variavam em funo da existncia de seguros ou da desigual

    distribuio geogrfica dos cuidados especializados, mas estes no so, segundo os autores do

    estudo, os nicos factores responsveis pelas variaes observadas (Figura 6).

    Figura 6 Contribuio do rendimento e educao para a iniquidade na probabilidade de ter consulta de especialidade

    Fonte: European Observatory on the Social Situation, 200523

    Internamento Hospitalar

    Masseria50 efectuou uma anlise longitudinal da admisso aos cuidados hospitalares na Unio

    Europeia entre 1994 e 1998. Neste estudo verificou-se que em Portugal o rendimento tem um

    efeito positivo e estatisticamente significativo na probabilidade de ser admitido ao hospital,

  • 25

    efeito este que se manteve ao longo do perodo analisado. Apesar de existirem outros pases

    com ndices de iniquidade favorecendo os indivduos de maior rendimento (ex. Itlia, Grcia,

    ustria, Dinamarca e Irlanda), Portugal o pas em que essa iniquidade superior. Dados

    relativos a 2000 analisados no estudo da OCDE41 indiciam um agravamento das iniquidades

    neste nvel, pois a probabilidade de admisso hospitalar apresentou um ndice mais elevado

    favorecendo os grupos de maior rendimento. O valor da intensidade da utilizao representado

    pelo nmero total de dias de internamento hospitalar apresentou um ndice de iniquidade na

    prestao inferior. O facto do nmero de dias de internamento apresentar um ndice de

    iniquidade inferior ao da probabilidade de admisso em meio hospitalar parece sugerir que a

    maior barreira ocorre no acesso.

    3.3.3. Medicamentos e Meios Complementares de Diagnstico e Teraputica

    A disponibilidade de novos medicamentos e a sua utilizao em Portugal tem aumentado

    significativamente nos ltimos anos, o que indicia uma maior acessibilidade a este meio

    teraputico 51 . No entanto, verificam-se algumas desigualdades regionais na utilizao de

    medicamentos que no parecem ser totalmente atribuveis a diferenas nos padres de

    morbilidade52,53,54,55. As diferenas quer nos nveis de utilizao quer nos padres de prescrio

    mdica foram observadas em determinadas classes teraputicas, como os anti-hipertensores,

    estatinas ou medicamentos para a osteoporose. Pela anlise dos dados disponveis no Atlas do

    Plano Nacional de Sade21 verifica-se tambm uma elevada heterogeneidade regional na

    percentagem de medicamentos genricos no total de medicamentos prescritos, o que sugere a

    existncia de diferenas no acesso a este tipo de medicamentos.

    Estas variaes podem dever-se quer a diferenas na prescrio de medicamentos entre

    instituies ou prticas mdicas quer a diferenas na aquisio devido a factores econmicos,

    educacionais ou culturais, as quais podem traduzir-se em iniquidades no acesso aos

    medicamentos em Portugal. Os encargos dos utentes com os medicamentos podem tambm

    influenciar a deciso de aquisio/seleco dos frmacos prescritos e consequentemente afectar

    a adeso teraputica e os resultados em sade.

  • 26

    Apenas determinadas teraputicas consideradas imprescindveis para a vida, como a insulina, e

    doentes com patologias especficas esto isentos de qualquer co-pagamento. Os indivduos com

    rendimento anual inferior a 14 salrios mnimos, apesar de terem uma comparticipao

    acrescida por parte do Estado (15%) no esto isentos de co-pagamento. excepo destes

    regimes especiais no existem medidas que atenuem o efeito regressivo dos elevados co-

    pagamentos nos doentes com baixos rendimentos.

    No entanto, num estudo recente sobre utilizao de medicamentos genricos a maioria dos

    respondentes (91,6%, IC95%: 88,8%-93,7%) ter referido que, em 2008, no deixou de comprar

    medicamentos prescritos, por razes econmicas56.

    Relativamente aos meios de diagnstico, Lopes57 e Pereira e Lopes40 analisaram, com base no

    INS, a equidade na prestao de meios complementares de diagnstico nomeadamente a

    utilizao de anlises clnicas, radiografias e electrocardiograma. Os ndices de iniquidade

    favoreciam os grupos de rendimento superior para os meios de diagnstico analisados, sendo

    essa iniquidade mais marcante no uso de electrocardiogramas, independentemente do indicador

    de morbilidade utilizado neste estudo. Os ndices de equidade espelham os resultados

    encontrados para consultas de especialidade.

    No se encontraram na literatura resultados robustos quanto ao acesso a meios complementares

    de teraputica de acordo com categorias socioeconmicas. No entanto, Perelman et al58, numa

    anlise recente, que focou as diferenas de utilizao no acesso a meios de teraputica para

    doenas cardiovasculares entre homens e mulheres, concluiu que os homens tm acesso mais

    fcil perante situaes de necessidade idntica.

    3.4. Discusso

    O tema das desigualdades em sade e cuidados de sade no tem sido uma prioridade em

    Portugal como se pode observar pela pouca evidncia existente ao nvel da medio e

    explicao sobre os determinantes das desigualdades.

  • 27

    o A anlise dos indicadores de sade tem sido efectuada maioritariamente atravs de medidas globais que apenas reflectem a tendncia de evoluo. No tem existido de um

    modo consistente uma anlise padronizada das desigualdades socioeconmicas ou

    geogrficas subjacentes a esses indicadores, embora para alguns casos tal seja possvel.

    o Relativamente aos cuidados de sade a maioria dos resultados foram obtidos atravs de estudos acadmicos e no resultaram em sugestes de melhoria ao nvel do sistema de

    sade. Ao nvel institucional a maioria dos indicadores produzidos apenas transmitem o

    nvel de oferta de cuidados o que no reflecte o acesso e utilizao dos mesmos, nem a

    qualidade dos cuidados oferecidos e prestados populao.

    o Devido disponibilidade de informao h reas mais analisadas quer ao nvel dos

    cuidados de sade (consultas de clnica geral e de especialidade) quer ao nvel das

    caractersticas socioeconmicas (rendimento e educao). Neste sentido o facto de no se

    apresentar evidncia de iniquidades no significa que estas no estejam presentes.

    o No existem estudos que analisem de um modo integrado as diferentes causas das desigualdades em sade e no acesso aos cuidados. No entanto, existe evidncia de

    iniquidades na utilizao de cuidados de sade, o que indicia a existncia de barreiras no

    acesso aos cuidados de sade.

    o Algumas das potenciais barreiras no acesso aos cuidados de sade em Portugal encontram-se identificadas no Quadro 5, e encontram-se agrupadas de acordo com as

    dimenses do sistema de prestao de cuidados identificadas no enquadramento

    conceptual (disponibilidade, proximidade, qualidade, custo e aceitao).

    o As barreiras no acesso aos cuidados de sade em Portugal ocorrem em diferentes fases do

    processo de prestao de cuidados e esto relacionadas quer com caractersticas

    estruturais, como a oferta e proximidade dos cuidados, quer com caractersticas

    organizacionais, como as dificuldades na marcao de consultas, tempos de espera ou

    referenciao. As barreiras podem tambm surgir devido s atitudes e conhecimentos dos

    potenciais utilizadores e no adequao dos servios s caractersticas da populao.

    Esta anlise encontra-se mais detalhada no Anexo I.

  • Quadro 5 Potenciais barreiras no acesso aos cuidados de sade em Portugal

    Dimenses Cuidados de Sade Primrios Cuidados de Sade Secundrios Medicamentos e MCDT

    Disponibilidade - Utentes dos Centros de Sade sem mdico de famlia;

    - Oferta reduzida de determinadas especialidades mdicas (ex. estomatologia, psiquiatria ou dermatologia) na rede pblica de cuidados de sade;

    - Baixa densidade de farmcias por habitante, comparativamente aos restantes pases da Unio Europeia;

    Proximidade - Utentes geograficamente mais isolados com dificuldades em deslocarem-se aos centros de sade;

    - Utentes das zonas rurais que so simultaneamente os mais desfavorecidos socioeconomicamente so os que se encontram mais longe dos centros de cuidados especializados;

    - Nas zonas rurais com menor densidade populacional o acesso farmcia pode exigir um maior esforo de deslocao para os utentes que esto mais isolados geograficamente. - Distribuio desigual de recursos fsicos e humanos no territrio;

    - Pouca divulgao dos mecanismos (e critrios) para ultrapassar a barreira da distncia, nomeadamente os reembolsos do custo associado deslocao.

    Qualidade - Dificuldades no processo de marcao das consultas em determinados centros de sade; - Tempo de espera para consulta dos cuidados primrios ainda elevado em alguns casos; - Horrios de atendimento no esto ajustados s necessidades dos grupos que se encontram profissionalmente activos.

    - Elevados tempos de espera no sector pblico para consultas de especialidade e cirurgias

    - No existem implementadas normas de orientao clnica que assegurem a equidade na prescrio de medicamentos.

    -Variabilidade no processo de referenciao do utente dos cuidados primrios para os cuidados especializados no hospital de referncia; - Dificuldade na orientao do utente dentro do sistema; - No integrao dos cuidados.

    Custos - Pagamento no acto da consulta de uma taxa moderadora fixa. No entanto, existe iseno de pagamento para um conjunto de situaes dos quais se destacam as grvidas, crianas at aos 12 anos, pensionistas ou determinados doentes crnicos, que so os utilizadores mais frequentes; - Custos indirectos inerentes deslocao ou falta ao trabalho que podem afectar as populaes mais desfavorecidas. - Custos elevados associados s consultas prestadas pelo sector privado so suportados pelo utente, excepto quando este est abrangido por subsistemas pblicos ou seguros de sade privados.

    - Medicamentos com co-pagamentos elevados; Isenes de pagamentos aplicam-se a poucas situaes (ex. determinadas teraputicas consideradas imprescindveis para a vida) embora exista uma comparticipao acrescida por parte do Estado (15%) para os indivduos com rendimento anual inferior a 14 salrios mnimos. - As taxas moderadoras dos MCDT atingem em determinados actos valores que podem constituir um esforo financeiro elevado.

    Aceitao - Inexistncia de aces orientadas para a incluso no sistema dos grupos populacionais mais vulnerveis como os sem-abrigo, toxicodependentes, imigrantes, etc. - Dificuldades na comunicao com determinados grupos por parte dos profissionais de sade e profissionais que prestam atendimento administrativo.

    - Dificuldades na orientao entre os diferentes nveis de cuidados e especialidades por parte dos indviduos com menor escolaridade e mais idosos.

  • 3.5. Iniciativas

    Nos ltimos anos tem-se assistido a um conjunto de intervenes com o objectivo de melhorar

    o acesso aos cuidados de sade. Como podemos observar no Quadro 6 houve intervenes de

    mbito nacional, como a implementao da Linha Sade 24 ou os programas de reduo dos

    tempos de espera para cirurgia, e houve tambm intervenes de mbito regional, da

    responsabilidade das Administraes Regionais de Sade como a utilizao de unidades mveis

    de sade ou a da telemedicina. Foram igualmente introduzidas algumas medidas com o

    objectivo de reduzir o esforo financeiro na aquisio de bens de sade por parte dos grupos

    socioeconomicamente mais desfavorecidos. Uma descrio mais detalhada das principais

    intervenes apresentada no Anexo II.

    Destaca-se neste quadro a ausncia de avaliao das medidas implementadas. Neste sentido

    difcil identificar de um modo rigoroso as mudanas organizacionais ou prticas introduzidas

    que se traduziram em ganhos de sade.

    o Medidas como o cheque-dentista e os benefcios adicionais do Complemento Solidrio do

    Idoso destinadas a grupos mais socioeconmicos mais vulnerveis tm um potencial para

    reduo das desigualdades. No entanto, no existe uma base cientfica que suporte esta

    afirmao.

    o Medidas que no tm em considerao a dimenso social podem ter melhorado a

    acessibilidade em termos de indicadores de processo mas ter exacerbado desigualdades

    previamente existentes (ex. Projectos em que a literacia em sade condiciona a utilizao

    como o caso da Linha Sade 24 ou projectos como os locais de venda livre de

    medicamentos e cedncia pela internet que s esto disponveis nos grandes centros

    urbanos).

    o No existe uma avaliao da implementao da reforma dos cuidados primrios ao nvel

    da diminuio das desigualdades no acesso de acordo com as necessidades da populao.

    Foi efectuada uma avaliao satisfao dos utentes das USF59 mas apesar dos resultados

    positivos no se pode inferir qualquer concluso sobre a melhoria da satisfao ou do

    acesso aos cuidados de sade primrios.

  • Quadro 6 Medidas introduzidas com o objectivo de melhorar o acesso

    Interveno rea de actuao Objectivo Descrio Avaliao

    Linha Sade 24 Aco ao nvel da organizao do sistema de prestao de cuidados. Interveno de mbito nacional.

    Melhorar o acesso aos cuidados de sade atravs da triagem e aconselhamento dos utentes

    Esta linha de atendimento telefnico presta para alm de triagem, aconselhamento e encaminhamento, informao geral de sade.

    Tem sido avaliado o nmero de atendimentos, tempo de espera e tipo de servios solicitado. Verifica-se que a Linha sade 24 utilizada maioritariamente para triagem, aconselhamento e encaminhamento. No existe avaliao na reduo das desigualdades no acesso.

    Unidades Mveis de Sade

    Cuidados de Sade Primrios. Aco de nvel local ou regional.

    Melhorar a proximidade e adequao dos cuidados de sade primrios.

    Prestao de cuidados de sade primrios, como consultas de enfermagem, cuidados preventivos, ou o encaminhamento para estruturas do servio nacional de sade de indivduos que tm mais dificuldade em aceder ao sistema de sade.

    No existe avaliao na reduo das desigualdades no acesso.

    Telemedicina Acesso a cuidados especializados. Aco de nvel local ou regional.

    Melhorar o acesso/proximidade a cuidados especializados e assegurar a eficincia e qualidade na prestao.

    Permite que os doentes sejam observados mais perto do seu local de residncia e que os cuidados sejam prestados com os nveis de qualidade exigidos;

    No existe avaliao na reduo das desigualdades no acesso.

    Consulta a tempo e horas

    Interveno de mbito nacional. Reduo dos tempos de espera para consultas hospitalares; garantir prazos mximos de resposta de acordo com a prioridade clnica da situao

    Consiste num sistema integrado de referenciao e gesto do acesso primeira consulta de especialidade hospitalar. Estabeleceu nveis aceitveis de tempo de espera (conforme a prioridade do caso) e permite que quando os tempos de resposta sejam superiores aos definidos o mdico possa referenciar o pedido para outra instituio hospitalar.

    No existe avaliao na reduo das desigualdades no acesso.

  • 31

    Interveno rea de actuao Objectivo Descrio Avaliao

    Sistema Integrado de Gesto de Inscritos para Cirurgias (SIGIC)

    Interveno de mbito nacional.

    Reduo dos tempos de espera para cirurgias

    Estabeleceu tempos mximos de espera a partir do qual os utentes podem receber um cheque para efectuar a operao no sector privado.

    Diminuio do n de utentes inscritos e da mediana do tempo de espera da lista de inscritos em cirurgia (meses). No existe avaliao na reduo das desigualdades no acesso.

    Cheque dentista (Programa Nacional de Promoo da Sade Oral)

    Cuidados especializados - Sade Oral. Interveno de mbito nacional.

    Acesso dos grupos mais vulnerveis (crianas, jovens, grvidas, idosos com CSI) aos cuidados de sade oral.

    Emisso nos centros de sade do 1 cheque para prestao de cuidados no sector privado, aps confirmao da elegibilidade do utente no PNPSO. Em funo das necessidades do utente tambm assegurada a emisso do 2/3 cheques-dentista, no consultrio privado.

    Aumento do nmero de utentes abrangidos pelo programa. No existe avaliao na reduo das desigualdades no acesso. No existe avaliao na reduo das desigualdades no acesso.

    Programa de Interveno em Oftalmologia (PIO)

    Cuidados especializados - oftalmologia Interveno de mbito nacional mas limitada no tempo

    Reduzir o tempo de acesso a consultas de oftalmologia; Garantir o acesso cirurgia da catarata em tempo adequado.

    Contratualizao de cirurgias e consultas adicionais, estimulando o aumento da produo hospitalar.

    Aumento do n de primeiras consultas em oftalmologia; Reduo da Mdia do tempo de espera para 1 consulta;Reduo da Mediana do tempo de espera para cirurgia

    Benefcios adicionais do Complemento Solidrio do Idoso

    Financiamento de cuidados de Sade. Interveno de mbito nacional.

    Atribuio de benefcios adicionais na aquisio de medicamentos, culos e prteses dentrias aos idosos com rendimentos reduzidos

    Os benefcios adicionais incluem a participao financeira no preo dos medicamentos, na aquisio de culos e lentes e na aquisio e reparao de prteses dentrias removveis.

    No existe avaliao na reduo das desigualdades no acesso.

    Comparticipao total dos medicamentos genricos para os pensionistas

    Financiamento de cuidados de Sade. Interveno de mbito nacional.

    Reduzir os encargos com medicamentos nos grupos populacionais mais desfavorecidos.

    No existe avaliao na reduo das desigualdades no acesso.

  • o No existe uma avaliao da implementao da reforma dos cuidados primrios ao nvel da diminuio das desigualdades no acesso de acordo com as necessidades da populao.

    Foi efectuada uma avaliao satisfao dos utentes das USF60 mas apesar dos resultados

    positivos no se pode inferir qualquer concluso sobre a melhoria da satisfao ou do

    acesso aos cuidados de sade primrios.

    o As mudanas na organizao dos cuidados tm que comear a ser delineadas e avaliadas

    com metodologia cientfica para que se possa compreender quais as medidas que

    efectivamente se traduzem em ganhos em sade. Deste modo necessrio saber o estado

    de sade das populaes e as iniquidades antes e depois das intervenes.

    A ausncia de evidncia quer das desigualdades existentes quer da efectividade de algumas

    aces implementadas com o objectivo de melhorar o acesso de algum modo resultado da

    pouca preocupao que a temtica das desigualdades tem suscitado. A no existncia de uma

    estratgia para a diminuio das desigualdades em sade em Portugal est tambm reflectida na

    escassa colaborao intersectorial, excepo feita a aces como o Complemento Solidrio do

    Idoso, e na pouca articulao oficial entre o sector da sade e o sector social.

    No entanto, a pouca evidncia cientfica de desigualdades na sade e iniquidades na prestao

    de cuidados no deve de algum modo conduzir inrcia das autoridades. Portugal pode

    aproveitar o conhecimento que outros pases europeus j adquiriram quer na definio de metas

    quer na implementao de boas prticas4.

    4. Estratgias de reduo das desigualdades em sade alguns exemplos europeus

    Existem mltiplas abordagens de reduo das desigualdades em sade nos pases europeus.

    Dahlgren e Whitehead4 esquematizaram esta experincia num diagrama aqui adaptado como

    Figura 7. Num extremo, existem pases onde as desigualdades em sade nem sequer so

    medidas ou monitorizadas. Outros pases tm sistemas de informao e monitorizao

    sofisticados que detectam diferenas em sade, mas estas, ou no so reconhecidas como um

    problema, ou ento h lugar a negao ou indiferena. Outros pases, ainda, revelam

    preocupao com as iniquidades identificadas, mas perante a complexidade do problema

    revelam um gnero de bloqueio mental onde se apela ao aprofundamento da investigao mas

  • 33

    no se procede aco que permita reduzir as desigualdades. Existem, no entanto, vrios pases

    que adoptaram iniciativas e aces de reduo das iniquidades, havendo mesmo alguns que

    caminharam para estratgias nacionais de atenuao do problema61 61.

    Figura 7 - Campo de aco na abordagem da iniquidade em sade

    Fonte: Adaptado de Dahlgren e Whitehead, 20064

    No grupo de pases que procuraram implementar aces ao nvel nacional destacam-se o Reino

    Unido, Holanda, Irlanda, Sucia, Finlndia ou Frana. Estes pases adoptaram diferentes

    estratgias, o Reino Unido 62 , e a Finlndia 63 , por exemplo, criaram um plano de aco

    especfico para a reduo das desigualdades enquanto outros, como a Sucia64, Frana65 ou

    Irlanda66 inseriram as aces numa estratgia mais ampla de sade pblica. Em todos os casos,

    no entanto, os pases adoptaram estratgias integradas a nvel nacional.

    A maioria dos pases estudados definiram metas para a reduo das desigualdades e definiram

    os horizontes temporais para as atingir. No Reino Unido62 as metas incidiram na reduo das

    desigualdades (em pelo menos 10% at 2010) nos resultados em sade medidos pela

    mortalidade infantil e esperana de vida. A Holanda69 tambm adoptou a reduo das

    desigualdades na esperana de vida e modificou a meta da OMS estabelecendo para 2020 a

    reduo da diferena na esperana de vida entre os grupos com menor e maior nvel

  • 34

    socioeconmico de 12 para 9 anos. Na Finlndia embora o documento de referncia no

    mencione metas quantitativas, o plano de aco faz parte do programa nacional "Health 2015"

    que tem como objectivo reduzir em um quinto as diferenas na mortalidade. Na Irlanda66 a

    diferena na mortalidade prematura nas doenas cardiovascular, neoplasias e acidentes, entre os

    grupos de menor e maior rendimento devia ser reduzida em pelo menos 10% at ano 2007.

    importante tambm fazer referncia ao papel pioneiro da Organizao Mundial de Sade no

    estabelecimento de metas sobre desigualdades em sade. Na regio europeia tais metas foram

    primeiro criadas em 1980 com o programa Sade para Todos67. Mais tarde, essas metas foram

    desenvolvidas, tendo-se estabelecido em 1998 a actual meta de reduzir, at 2020, em 25% as

    diferenas nos nveis de sade entre grupos socioeconmicos, actuando na sade dos grupos

    mais desfavorecidos.68

    No caso francs, a Lei de Sade Pblica publicada em 2004 contemplava a reduo dos

    obstculos financeiros no acesso aos cuidados de sade e reduo das desigualdades na

    morbilidade e mortalidade por aumento da esperana de vida dos grupos sociais mais

    desfavorecidos, sem definio de metas quantitativas. No entanto, a avaliao da lei de sade

    pblica65 evidenciou as limitaes inerentes ausncia de uma meta quantificvel na reduo

    das desigualdades em sade para efeitos de monitorizao de resultados.

    A Sucia optou por no quantificar metas para a reduo das desigualdades devido a uma

    abordagem mais centrada nos determinantes das desigualdades. Neste caso a estratgia esteve

    desde o incio focada na reduo das desigualdades nos prprios determinantes. A estratgia de

    sade pblica foi elaborada entre polticos e comunidade cientfica, processo este que teve

    como objectivo que partidos polticos e sectores governamentais encarassem a melhoria da

    sade pblica como um objectivo prprio e se comprometessem na sua execuo. O objectivo

    principal foi reduzir as desigualdades atravs da aco em todas as reas com influncia na

    sade como a pobreza, o emprego, a educao as condies de vida das crianas e idosos. A

    seleco dos determinantes sociais com maior potencial para a reduo das desigualdades foi

    efectuada com base na evidncia cientfica existente.

    Alguns pases, como a Holanda ou o Reino Unido, definiram tambm metas intermdias. A

    Holanda estabeleceu metas nas reas consideradas como ponto de entrada das desigualdades

  • 35

    em sade (ex. incluso social ou a acessibilidade e qualidade dos cuidados de sade). No Reino

    Unido para o Spearhead Group, constitudo pelos locais que apresentavam os piores resultados

    em sade, foi definida a meta para 2010 de reduzir em pelo menos 10% a diferena na

    esperana de vida entre este grupo e a populao em geral.

    Na maioria destes pases a abordagem teve um carcter intersectorial decorrente do

    reconhecimento que este problema ultrapassa o sector da sade e tem tambm origem nas

    desigualdades socioeconmicas em que os indivduos nascem e se desenvolvem. No geral, as

    principais linhas de aco dos programas so comuns e incidem nas seguintes vertentes:

    1) Aco conjunta entre os diferentes ministrios na poltica social atravs da melhoria da

    segurana econmica e educao, reduo do desemprego e das ms condies habitacionais;

    2) Aco nos factores de risco, nas condies de trabalho e na adopo de estilos de vida

    saudveis com especial enfoque nos grupos mais desfavorecidos. Na maioria destes programas

    existe tambm um enfoque especial na aco ao nvel da infncia essencialmente no apoio s

    famlias, mes e crianas;

    3) Melhoria da disponibilidade e qualidade dos servios de prestao de cuidados de sade;

    4) Melhoria da informao sobre o estado de sade e desigualdades.

    Ao nvel do sector da sade houve tambm o delinear de aces especficas no sentido de

    adequ-lo s necessidades das populaes. Por serem comuns maioria dos programas

    salientam-se as seguintes linhas de aco:

    - Reforo da importncia dos cuidados de sade primrios e da colaborao entre servios de

    sade e servios sociais.

    - Adequao dos servios de sade e servios sociais s necessidades das populaes mais

    desfavorecidas. Nesta rea esto includas aces como a avaliao e planeamento das

    necessidades de transporte quando os servios no podem ser prestados localmente; avaliao

    da acessibilidade dos servios por parte dos idosos e indivduos com deficincias; facilitao do

    processo de marcao de consultas e dos horrios de atendimento de modo a permitir uma

  • 36

    maior flexibilidade na utilizao dos servios; reduo dos tempos de espera para atendimento

    e melhoria dos locais de espera nos servios de sade.

    - Incentivo aco de mbito local, de modo a que as actividades sejam delineadas de acordo

    com as necessidades e caractersticas especficas da populao, permitindo que a aco incida

    em reas que representam elevados ganhos em sade. Por exemplo, no Reino Unido as

    parcerias entre o Servio Nacional de Sade e as autoridades locais parecem ter sido uma

    estratgia efectiva na compreenso das necessidades das populaes e no modo como se deve

    intervir para combater as desigualdades existentes. Na Holanda, em alguns distritos vo ser

    introduzidas abordagens integradas focando nas condies de vida, estilos de vida saudveis e

    na prestao de cuidados primrios assentes na preveno primria.

    - Responsabilizao das instituies de sade e dos seus profissionais na sade das populaes

    atravs do processo de contratualizao e alocao de recursos em funo da necessidade das

    populaes. Na Holanda foi efectuado um reforo dos cuidados primrios pela afectao de

    outros profissionais de sade s reas mais desfavorecidas. Foi efectuada a avaliao da

    distribuio de profissionais de enfermagem para implementao de programas de preveno e

    programas de controlo das doenas crnicas e os resultados indiciaram uma mudana positiva

    nos locais onde a medida foi implementada.

    - Formao dos profissionais de sade sobre os determinantes sociais da sade e informao

    aos utentes sobre os seus direitos, com especial enfoque nos grupos mais vulnerveis.

    - Aco em grupos especficos da populao com o objectivo de os ajudar a ultrapassar as

    barreiras existentes:

    - Investimento na reabilitao mdica das pessoas em idade trabalhadora;

    - Desenvolvimento e reforo dos cuidados de sade mental;

    - Melhoria da equidade de tratamento dos mais idosos;

    - Desenvolvimento e reforo dos servios para os imigrantes.

    Em todos os programas foi tambm reconhecida a importncia da implementao de um

    sistema de monitorizao de modo a que as desigualdades sociais em sade estejam

    identificadas, sejam reconhecidas pelos decisores e os servios possam ser ajustados s

  • 37

    necessidades da populao. A informao deve tambm permitir avaliar os efeitos das decises

    polticas e o desenvolvimento de investigao sobre os determinantes sociais da sade.

    Actualmente, na Sucia, a produo e disseminao de indicadores considerado como o

    principal instrumento de sade pblica, pois a opinio pblica sensvel s desigualdades o que

    conduz aco por parte das autoridades locais.

    O Reino Unido talvez o pas que tem implementado o mais amplo servio de informao e de

    instrumentos que permitem uma monitorizao prtica dos indicadores de desigualdade. Na

    Holanda houve tambm uma preocupao na avaliao do impacto de estratgias de reduo

    das desigualdades e na promoo de investigao nas desigualdades atravs do financiamento

    de investigao.69,70

    Pelo acima exposto, verifica-se que os programas incidiram a sua aco nos determinantes

    sociais (educao, ocupao, condies habitacionais, etc.) mas tambm reconheceram a

    contribuio dos cuidados de sade na diminuio ou gerao de desigualdades em sade. Pela

    anlise dos programas implementados, pode-se concluir que uma estratgia de reduo das

    desigualdades em sade deve assentar em trs eixos fundamentais71:

    - reduo das desigualdades nas condies socioeconmicas das populaes atravs de

    colaborao intersectorial;

    - melhoria dos comportamentos em sade (estilos de vida, literacia em sade, cidadania, etc.)

    com vista maximizao do potencial de sade da populao;

    - observao de que o sistema de sade garante a prestao de cuidados com qualidade a toda a

    populao em funo das suas necessidades.

    Veja-se, por exemplo, The local basket of indicators (www.lho.org.uk), Community health profiles (www.communityhealthprofiles.info), Health Inequalities Intervention Tool (www.lho.org.uk/ health_inequalities /health_inequalities_tool.aspx).

  • 38

    5. Recomendaes

    As estratgias de reduo da iniquidade e melhoria do acesso devem ser integradas em polticas

    e programas de desenvolvimento da sade da populao. A dimenso social destas polticas

    deve ser sempre considerada, tal como hoje acontece com a idade e o gnero que so elementos

    fundamentais na definio de planos e estratgias de sade. Os preceitos gerais usados na

    transformao de planos de sade em aco devem tambm ser aplicados no desenvolvimento,

    implementao e avaliao de estratgias de reduo da iniquidade em sade. Em geral, como

    ponto de partida, devem estar asseguradas as seguintes condies4:

    Existncia de informao rigorosa e actualizada sobre a dimenso e evoluo temporal das iniquidades;

    Definio de objectivos e metas explicitamente dirigidos equidade e acesso, e com ligao directa s polticas, aces e recursos necessrios sua consecuo;

    Apreciao realista das oportunidades e ameaas, com especial referncia s polticas e aces que geram iniquidades em sade;

    Capacidade de gesto adequada para a implementao, incluindo mecanismos de colaborao intersectorial e de coordenao nacional e regional.

    Por questes de espao no nos possvel abordar aqui as implicaes destes requisitos para a

    poltica de sade nacional. No que se segue, todavia, delineamos algumas recomendaes que

    podero servir como base a uma estratgia de reduo da iniquidade em sade e melhoria do

    acesso da populao aos servios de sade.

    Objectivos estratgicos

    Com base na evidncia existente recomendamos que sejam definidos como objectivos

    estratgicos:

    Reduzir as desigualdades socioeconmicas na morbilidade e mortalidade; Reduzir as desigualdades no acesso aos cuidados de sade Melhorar a informao e conhecimento

  • 39

    A. Reduzir as desigualdades socioeconmicas na morbilidade e mortalidade

    A reduo das desigualdades importante por uma questo de justia social e de ganhos em

    sade. Adicionalmente, verifica-se que as implicaes econmicas das desigualdades em sade

    na Unio Europeia so elevadas devido aos encargos do sistema de prestao de cuidados,

    segurana social, e tambm pela perda de produtividade dos indivduos72.

    A evidncia existente ao nvel nacional no permite inferir sobre a origem das desigualdades

    em sade observadas. No entanto, de acordo com a literatura internacional identificam-se

    alguns elementos estratgicos que podero atenuar as desigualdades verificadas.

    i. Definio de metas de diminuio das desigualdades em sade

    Deve ser considerado o estabelecimento de metas quantitativas de diminuio das

    desigualdades em sade (reduo das desigualdades em sade em x%), tal como no anterior

    PNS foram estabelecidas metas relativas a ganhos em sade. Estas metas poder-se-o

    concentrar em indicadores de mortalidade ou de morbilidade, de acordo com a regio e

    indicadores scio-econmicos (rendimento familiar, nvel de instruo e profisso). No caso da

    mortalidade as estatsticas do INE apresentam-se como bvios candidatos monitorizao

    enquanto no caso da morbilidade o INS sem dvida a base de dados mais apropriada. Em

    todas as situaes ser fundamental aperfeioar continuamente a codificao de variveis scio-

    econmicas.

    A ttulo de exemplo, poder-se-ia considerar a seguinte meta relativa mortalidade: at 2016 as

    diferenas nas taxas de mortalidade evitvel entre grupos profissionais sero reduzidas em

    10%, actuando na sade dos grupos mais desfavorecidos.

    J no que se refere morbilidade, poder-se-ia considerar a seguinte meta: at 2016 as

    diferenas nas taxas de doena crnica limitativa entre grupos de rendimento familiar sero

    reduzidas em pelo menos 5%, actuando na sade e determinantes da sade dos grupos de

    menor rendimento.

  • 40

    ii. Aco prioritria nas patologias que podero contribuir de um modo mais efectivo para

    esta reduo

    Tendo em considerao o padro de desigualdades na morbilidade e mortalidade existente deve

    ser dada prioridade ao investimento na reduo das desigualdades na doena cujos ganhos em

    sade podem ser maiores.

    Ao nvel nacional foram j identificadas reas que requerem aco prioritria e para as quais se

    estabeleceram programas nacionais de preveno e controlo destas patologias. no entanto

    essencial introduzir a dimenso social no Plano Nacional de Preveno e Controlo das Doenas

    Cardiovasculares, Doenas Oncolgicas, Infeco VIH/sida e Plano Nacional de Sade Mental.

    A reduo das desigualdades na preveno, controlo e tratamento destas patologias tem um

    elevado potencial de reduo de desigualdades na esperana de vida.

    A concentrao em determinadas patologias, embora no isenta de riscos, tem a vantagem de

    motivar os profissionais de sade de determinadas especialidades para os objectivos de

    equidade do sistema e em ltima anlise, de facilitar a mobilizao de aco junto do pblico

    em geral.

    B. Melhorar o acesso ao sistema de prestao de cuidados de sade

    Para assegurar as metas de reduo das desigualdades em sade definidas o sistema de

    prestao de cuidados de sade tem que se organizar e adoptar medidas que permitam melhorar

    o acesso em particular aos grupos populacionais mais desfavorecidos.

    Recomendam-se que sejam definidos como elementos estratgicos a reduo das desigualdades

    no acesso aos cuidados primrios no descurando os cuidados secundrios, a identificao dos

    grupos em que a desigualdade na sade superior e a afectao de recursos em funo das

    necessidades.

    i. Aco ao nvel dos cuidados primrios

    Os programas de reduo das desigualdades, passados em revista no ponto anterior, consideram

    os cuidados de sade primrios como a estrutura base de promoo da equidade de acesso aos

  • 41

    cuidados de sade. As reas de aco no pretendem ser exaustivas, identificam-se apenas

    alguns elementos que podero representar ganhos significativos.

    Aco Local

    Efectuar ao nvel local a anlise da situao e identificao das aces adequadas s populaes.

    Tendo em considerao que a problemtica das desigualdades em sade e no acesso a cuidados

    de sade ultrapassam os cuidados prestados nos centros de sade deve haver uma colaborao

    local entre todos os intervenientes (instituies de sade, profissionais de sade, poder local e

    sector social). Estas entidades devem coordenar-se de modo a estabelecer prioridades, definir

    objectivos e implementar polticas intersectoriais de reduo das desigualdades. Os Conselhos

    da Comunidade existentes nos ACES podem constituir um motor para esta articulao.

    Embora a aco seja local devem existir mecanismos de acompanhamento ao nvel regional e

    nacional para assegurar o cumprimento das metas definidas localmente.

    Proximidade geogrfica

    Salvaguardados os requisitos tcnicos que garantem a efectividade das prestaes, devem ser

    prestados cuidados perto do local de residncia das populaes diminuindo deste modo os

    custos inerentes deslocao e tempo dispendido. Algumas localidades geogrficas pela sua

    interioridade e isolamento devem ter abordagens dirigidas. Iniciativas como as Unidades

    Mveis de Sade reduzem as distncias e no diminuem a qualidade dos cuidados prestados.

    Relativamente aos custos de deslocao, sempre que um indivduo tiver que se deslocar mais de

    que uma determinada distncia ao local de prestao de cuidados, e caso pertena a um grupo

    socioeconmico desfavorecido, ele deve ser reembolsado de parte das despesas.

    Adequao s necessidades das populaes

    Ao nvel dos cuidados de sade primrios essencial que o utente tenha acesso atempado (num

    perodo de 24 horas) a um profissional de sade sempre que necessite. Os servios devem

    organizar-se para conseguirem atingir este objectivo, quer atravs da capacidade instalada quer

    em articulao com outros centros de sade ou USF. Os horrios de funcionamento devem

    tambm estar adaptados ao tipo de populao que servem (ex. populao activa, idosos, etc.).

  • 42

    Podem ser introduzidas iniciativas nos centros de sade e USF que adoptem algumas das

    prticas desenvolvidas nos walk-in centres no Reino Unido.

    Aco nos grupos mais vulnerveis

    Determinados grupos que se encontram mais distantes do sistema de sade, como os sem-

    abrigo, os toxicodependentes ou os imigrantes, necessitam de abordagens diferenciadas.

    Deve-se investir na formao dos profissionais de sade para melhorar a comunicao com

    todos os utilizadores e compreender as suas necessidades.

    Adicionalmente, deve-se investir nas parcerias com o sector social. importante promover a

    articulao do SNS com o sector social nos grupos em que a rede pblica tem mais dificuldades

    em chegar, aproveitando algumas vantagens do sector social como a proximidade, a adequao,

    aceitabilidade e gratuitidade que podem promover o acesso aos cuidados de sade. Alguns

    exemplos de prticas que podem ser adoptadas so a utilizao de mediadores culturais,

    servios de traduo que facilitem a entrada dos imigrantes no sistema de sade. As actividades

    do sector social tm que estar coordenadas com os servios de sade locais.

    Devem ser adaptados alguns instrumentos j existentes como a linha de atendimento telefnico

    Sade 24 e adequ-los s necessidades dos grupos mais vulnerveis como imigrantes ou

    minorias tnicas. Isto pode passar pela existncia de profissionais nos centros de atendimento

    telefnico que consigam estabelecer comunicao com determinados grupos. Estes servios de

    traduo esto presentes em algumas iniciativas para imigrantes j prestadas em Portugal.

    mbito de aco dos cuidados primrios

    Ao nvel dos cuidados primrios deve ser prioridade investir nos cuidados preventivos. Os

    cuidados preventivos podem contrabalanar a propenso para a doena presente nas

    comunidades mais desfavorecidas.

    Com base nos indicadores dos ACES referentes aos programas prioritrios (ex. doenas

    cardiovasculares, doenas oncolgicas) devem ser identificados os agrupamentos que

    apresentam os piores valores. Deve ser objectivo no s melhorar a evoluo global mas

    tambm reduzir as variaes entre ACES.

  • 43

    Deve-se assegurar que os programas de rastreio esto implementados em todos os locais, mas

    mais importante, garantir que a divulgao est adequada s necessidades da populao. Por

    vezes, populaes-alvo com caractersticas demogrficas idnticas podem diferir na percepo

    do benefcio dos cuidados preventivos devido a factores culturais, redes sociais ou literacia em

    sade. Deste modo as abordagens devem ser delineadas de acordo com as necessidades e

    caractersticas especficas da populao.

    Finalmente, importante que seja assegurada a integrao dos cuidados, isto deve ser

    melhorada a ligao entre cuidados primrios e secundrios.

    ii. Aco ao nvel dos cuidados secundrios

    Acesso atempado aos cuidados de sade

    Em todos os nveis de cuidados o tempo de espera deve ser reduzido aos tempos mximos

    definidos, para que se possam obter os melhores resultados de sade. Em determinadas reas de

    prestao os tempos mximos de espera j foram definidos (ex. projecto consulta a tempo de

    horas). , no entanto, necessrio assegurar que estes so cumpridos e que as instituies sejam

    responsabilizadas pelos resultados obtidos. Neste sentido a divulgao de indicadores sobre

    acesso aos cuidados so medidas que podem ser adoptadas.

    Cuidados prestados prximo do local de residncia

    Quando a eficincia tcnica no permite a disponibilizao de determinados cuidados perto do

    local de residncia devem utilizar-se as tecnologias de informao. Recomenda-se a utilizao

    de prticas que asseguram simultaneamente a qualidade dos cuidados prestados e a

    proximidade na prestao como a Telemedecina.