É possível perder a salvação

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É possível perder a salvação, se ela nos foi concedida pela graça de Deus? O livro de Romanos é sempre evocado pelos predestinalistas quando se veem diante de questões que não conseguem responder, como a clara possibilidade de o salvo — se não tiver cuidado — perder a sua salvação (1 Co 15.1,2; Hb 6.4-6; 2 Pe 2.1,20-22). Por isso, responderei a alguns questionamentos que tenho recebido acerca da aludida epístola, começando pelo capítulo 9 . Depois, se Deus quiser, analisarei outros capítulos. Creio que alguns predestinalistas continuarão desdenhando desta série, dizendo: “Pobre pentecostal, assembleiano, arminiano e semi- pelagiano”. Mas não tenho dúvidas do quanto o texto em apreço tem sofrido na mão dos predestinalistas, que o adaptam às suas teorias extrabíblicas. Como se sabe, os predestinalistas não aceitam que o Senhor Jesus tenha morrido por toda a humanidade, tampouco admitem que a aceitação da graça se dá mediante o livre-arbítrio, opondo-se ao texto áureo da Bíblia (Jo 3.16). Para eles, somente os eleitos antes da fundação do mundo estão, por decreto, definitivamente salvos, haja o que houver. E eles pensam ter toda a Bíblia a seu favor. É como se Deus fosse calvinista! Como é perigoso apegar-se a passagens isoladas, que, fora do contexto, podem sugerir que Deus tenha eleito uns para a perdição e outros para a salvação, farei a partir de agora uma análise de Romanos 9 à luz do seu contexto imediato (toda Epístola de Romanos) e do seu contexto geral ou remoto (toda a Bíblia). E começarei pelo versículo 16 , haja vista a sua aparente sugestão de que não existe o livre-arbítrio: “Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadesse”. Observemos que o mencionado versículo não se refere ao meio pelo qual se recebe a salvação, e sim à fonte da salvação. A ênfase de que a salvação não depende do que quer, mas do compassivo Deus, não deve ser usada fora de contexto, com a finalidade de descartar a livre-vontade humana, necessária para o recebimento da salvação e sua manutenção, segundo a Bíblia (Jo 1.12; 3.16; Rm 10.9,10; Ef 2.8-10; 1 Co 15.1,2; Ap 20.12).

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possvel perder a salvao, se ela nos foi concedida pela graa de Deus?

O livro de Romanos sempre evocado pelos predestinalistas quando se veem diante de questes que no conseguem responder, como a clara possibilidade de o salvo se no tiver cuidado perder a sua salvao (1 Co 15.1,2; Hb 6.4-6; 2 Pe 2.1,20-22). Por isso, responderei a alguns questionamentos que tenho recebido acerca da aludida epstola, comeando pelocaptulo 9. Depois, se Deus quiser, analisarei outros captulos.

Creio que alguns predestinalistas continuaro desdenhando desta srie, dizendo: Pobre pentecostal, assembleiano, arminiano e semi-pelagiano. Mas no tenho dvidas do quanto o texto em apreo tem sofrido na mo dos predestinalistas, que o adaptam s suas teorias extrabblicas.

Como se sabe, os predestinalistas no aceitam que o Senhor Jesus tenha morrido por toda a humanidade, tampouco admitem que a aceitao da graa se d mediante o livre-arbtrio, opondo-se ao texto ureo da Bblia (Jo 3.16). Para eles, somente os eleitos antes da fundao do mundo esto, por decreto, definitivamente salvos, haja o que houver. E eles pensam ter toda a Bblia a seu favor. como se Deus fosse calvinista!

Como perigoso apegar-se a passagens isoladas, que, fora do contexto, podem sugerir que Deus tenha eleito uns para a perdio e outros para a salvao, farei a partir de agora uma anlise deRomanos 9 luz do seu contexto imediato (toda Epstola de Romanos) e do seu contexto geral ou remoto (toda a Bblia). E comearei peloversculo 16, haja vista a sua aparente sugesto de que no existe o livre-arbtrio: Assim, pois, isto no depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadesse.

Observemos que o mencionado versculo no se refere ao meio pelo qual se recebe a salvao, e sim fonte da salvao. A nfase de que a salvao no depende do que quer, mas do compassivo Deus, no deve ser usada fora de contexto, com a finalidade de descartar a livre-vontade humana, necessria para o recebimento da salvao e sua manuteno, segundo a Bblia (Jo 1.12; 3.16; Rm 10.9,10; Ef 2.8-10; 1 Co 15.1,2; Ap 20.12).

Se tomarmos como base outros textos neotestamentrios, veremos que, conquanto a graa de Deus seja a fonte da salvao, o ser humano pode rejeitar essa ddiva divina, antes ou depois de ter sido salvo (2 Pe 3.9; At 7.51; Rm 9.22; Hb 6.6; 2 Pe 2.20). Mas, e osversculos 21 e 22de Romanos 9, pelos quais se mencionam os vasos da ira, preparados pelo Oleiro para a perdio?

Bem, quando a Palavra de Deus emprega a analogia dos vasos, a nfase para o fato de que, de acordo com a nossa resposta moral a Deus (cf. 2 Tm 2.20,21), o vaso poder ser moldado ou desfeito nas mos do Oleiro (Os 8.8, ARC). Quem l atentamente Jeremias 18 sabe que o Senhor no ignora o livre-arbtrio. Ele mesmo disse, depois de ter apresentado a Jeremias uma analogia sobre um vaso que se quebrou na mo do oleiro: Se a tal nao, contra a qual falar, se converter da sua maldade, tambm eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe (v.8).

luz do contexto geral da Bblia, vasos da ira so os pecadores que recebem a ira de Deus por escolherem permanecer no pecado. Da mesma forma, os vasos de misericrdia so os pecadores que recebem a misericrdia de Deus (Rm 9.23), ao crerem no evangelho de Cristo (Rm 1.16).

Os vasos da ira so objetos da ira divina porque se recusam a se arrepender. Da o fato de Deus suport-los com longanimidade (Rm 9.22), isto , esperar pacientemente por seu arrependimento (2 Pe 3.9).

claro que o argumento acima no convence uma mente predestinalista. Por qu? Porque, como est escrito noversculo 22que os tais vasos da ira foram preparados para a destruio (ou perdio), acredita-se ignorando-se o contexto que a tal preparao para a perdio se deu antes da fundao do mundo. E, para advogar essa ideia, toma-se o prprio captulo em apreo, pelo qual se afirma (segundo se pensa) que Jac e Esa j nasceram preparados para o que fariam no mundo.

Osversculos 11 a 13de Romanos 9 parecem mesmo apoiar o fatalismo predestinalista, pelo qual se propaga a eleio arbitrria de indivduos para salvao e perdio, antes da fundao do mundo. Afinal, o texto diz que Deus amou Jac e aborreceu (odiou, rejeitou) Esa. Parece mesmo no haver dvidas de que o Senhor somente ama os eleitos e odeia os no-eleitos. Parece... Mas no !

preciso observar que a Palavra de Deus, atravs de Paulo, no est falando de indivduos! Jac (Israel) e Esa (Edom) representam duas naes! Basta lermos com ateno Gnesis 25.23 para chegarmos a essa concluso. No h, pois, apoio a uma eleio individual, e sim a uma eleio de povos e naes: Israel e Edom. O que houve antes de os gmeos nascerem foi uma eleio corporativa, e no individual. A passagem em anlise no diz que Deus odiou a pessoa de Esa antes que ela tivesse nascido, nem que Ele amou a pessoa de Jac antes de este ter vindo ao mundo! Prova disso que o apstolo Paulo no citou Gnesis 25.23, diretamente, e sim Malaquias 1.2,3, que alude aos povos israelita e edomita.

Segue-se que a frase aborreci Esa no uma meno rejeio do homem Esa, e sim rejeio do povo edomita, em razo de seus terrveis pecados, como se l em Nmeros 20 e Obadias. Mas isso no significa que todos os edomitas estejam, de antemo, condenados em razo de pertecerem nao de Edom (cf. Am 9.12). A Palavra de Deus afirma que os indivduos de cada nao podem ser salvos (Ap 7.9). No era Rute uma moabita, pertencente a um povo rejeitado por Deus?

um erro, por conseguinte, acreditar que o texto de Romanos 9 alude eleio de indivduos que uma vez salvos, salvos para sempre. Paulo se refere eleio do povo de Israel (cf. Rm 10.1). O que a Palavra de Deus ensina em Romanos (toda a epstola) o que se v em toda a Bblia. Deus elegeu um povo como nao sacerdotal, Israel (x 19.5,6), mas cada indivduo tem de aceitar a graa de Deus pela f, a fim de que seja salvo (Rm 11.20). E isso tambm se aplica Igreja (1 Pe 2.9,10; Jo 8.24).

Outrossim, o dio de Deus a Esa (Edom) precisa ser entendido de acordo com o sentido original da palavra usada para odiei (ou rejeitei). No hebraico, significa amar menos e o mesmo termo aplicado ao sentimento de Jac por Lia, o qual era inferior ao que ele nutria por Raquel (Gn 29.30,31). O seu sentimento por Lia no era de dio, como que querendo v-la sofrer. Na verdade, ele at teve filhos com ela! Mas Raquel era a sua preferida.

No Novo Testamento o aludido hebrasmo tambm ocorre em Lucas 14.26, texto pelo qual aprendemos que, para seguirmos ao Senhor Jesus, amando-o acima de tudo, devemos amar menos (ou aborrecer) a nossa famlia (Mt 10.37).

Nosversculos 14 e 15do captulo em apreo est escrito: Que diremos, pois? Que h injustia da parte de Deus? De maneira nenhuma! Pois diz a Moiss: Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericrdia de quem eu tiver misericrdia. A citao de Paulo refere-se ao endurecimento de Fara (x 7.3,4). Mas importante enfatizar que no foi Deus quem primeiro endureceu o corao de Fara (x 7.13,14,22).

Fara se obstinou em seu corao (x 8.15), o qual permaneceu endurecido e obstinado, mesmo diante das pragas enviadas por Deus (x 8.19,32; 9.7,34,35). O Senhor apenas confirmou o que o prprio Fara desejava fazer (x 9.12; 10.1,20,27). Isso se conforma ao que est escrito em Romanos 1.21-28 acerca da depravao dos gentios, os quais, depois terem se endurecido, ao rejeitarem a Deus, foram entregues pelo prprio Senhor a um sentimento perverso.

Fica claro que o endurecimento de Fara se deu em razo de ele ter se firmado cada vez mais em seu pecado, a cada praga enviada ao Egito (cf. Pv 29.1). Ademais, o termo hebraico usado para endurecer denota fortalecer; isto , Deus apenas fortaleceu o desejo que estava no corao de Fara. Este foi abandonado s suas paixes infames e entregue a um sentimento perverso (x 8.15), posto que no se importou em ter conhecimento de Deus (Jo 12.37-50). Ainda em Romanos, o apstolo Paulo discorre sobre essa dureza ocasionada pelo prprio pecador, e no por Deus (2.5).

Portanto, o texto de Romanos 9 de maneira alguma avaliza a predestinao incondicional de certas pessoas ao Inferno eterno, parte do prprio livre-arbtrio delas. E, consequentemente, no abona o clich antibblico Uma vez salvo, salvo para sempre.

O ser humano, por si mesmo, nada pode fazer para salvar-se. Mas inegvel o fato de o Senhor ter dotado o homem de intelecto, sentimento e vontade, a fim de que ele receba ou no, pelo livre-arbtrio, a salvao, ou a rejeite, mesmo depois de t-la recebido.

Como escaparemos ns, se no atentarmos para uma to grande salvao...? (Hb 2.3).

Ciro Sanches Zibordi