e h , p .d (1901 - 1994) -...

24
“P ROSSIGAMOS PARA A PERFEIÇÃO”: O ENSINO BÍBLICO SOBRE SANTIFICAÇÃO E PERFEIÇÃO EDWARD HEPPENSTALL, PH.D (1901 - 1994) Ex-professor de Teologia Sistemática no La Sierra College (atual La Sierra Uni- versity), na Andrews University e na Loma Linda University RESUMO: O autor apresenta de forma construtiva, antes que apologética, a doutrina bíblica da perfeição cristã como maturidade espiritual e genuíno amor a Deus e ao próximo. Ele ar- gumenta que as Escrituras jamais equiparam “perfeição” à condição humana sem pecado. Sendo que o ser humano é, por natureza, pecador e incapaz de obedecer, a santificação bíblica é obra da graça divina. O ar- tigo conclui que o objetivo supremo da vida cristã não é o de viver uma perfeição sem pecado, mas refletir cada vez mais o caráter de amor de Cristo. ABSTRACT: The author presents in a constructive, rather than apologetic, way the biblical doctrine of Christian perfection as spiritual maturity and genuine love to God and to the fellow man. He argues that Scriptures never equates “perfection” with sinless human condition. Since human being is, by na- ture, sinner and unable of obey, biblical sanctification through the work of divine grace. The article concludes that the su- preme aim of Christian life is not to live a sinless perfection, but to reflect more and more the loving character of Christ. INTRODUÇÃO “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5:48). 1 Essa declaração de nos- so Senhor põe diante dos cristãos uma norma excessivamente elevada, nada menos que perfeição, da mesma forma que Deus é perfeito. Deve-se admitir que o ideal de perfeição sem pecado tem produzido e inspirado muitos belos e maravilhosos caracte- res cristãos. Ao mesmo tempo, onde a menor falha e o mais leve defeito são considerados com aflição, onde a insistência em uma rígida e severa moralidade quase faz alguém tremer, muitas pessoas sinceras têm posto so- bre si mesmas o mais irritante jugo, adquirem uma obsessão pessoal no esforço de alcançar a impecabilidade. Elas se transformam em uma máqui- na de moralidade, sem paz e sem se- gurança diante de Deus. A controvérsia sobre perfeição cristã tem sido muitas vezes um even- to muito indesejável na teologia cris- tã. Diversas interpretações teológicas e pietistas dos usos bíblicos da pala- vra “perfeito” têm levado à transigên-

Upload: dotram

Post on 14-Feb-2018

228 views

Category:

Documents


12 download

TRANSCRIPT

Page 1: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 23

“Prossigamos Para a Perfeição”: o ensino bíblico sobre santificação e Perfeição

edward HePPenstall, PH.d (1901 - 1994)Ex-professor de Teologia Sistemática no La Sierra College (atual La Sierra Uni-versity), na Andrews University e na Loma Linda University

resumo: O autor apresenta de forma construtiva, antes que apologética, a doutrina bíblica da perfeição cristã como maturidade espiritual e genuíno amor a Deus e ao próximo. Ele ar-gumenta que as Escrituras jamais equiparam “perfeição” à condição humana sem pecado. Sendo que o ser humano é, por natureza, pecador e incapaz de obedecer, a santificação bíblica é obra da graça divina. O ar-tigo conclui que o objetivo supremo da vida cristã não é o de viver uma perfeição sem pecado, mas refletir cada vez mais o caráter de amor de Cristo.

abstract: The author presents in a constructive, rather than apologetic, way the biblical doctrine of Christian perfection as spiritual maturity and genuine love to God and to the fellow man. He argues that Scriptures never equates “perfection” with sinless human condition. Since human being is, by na-ture, sinner and unable of obey, biblical sanctification through the work of divine grace. The article concludes that the su-preme aim of Christian life is not to live a sinless perfection, but to reflect more and more the loving character of Christ.

introdução

“Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5:48).1 Essa declaração de nos-so Senhor põe diante dos cristãos uma norma excessivamente elevada, nada menos que perfeição, da mesma forma que Deus é perfeito. Deve-se admitir que o ideal de perfeição sem pecado tem produzido e inspirado muitos belos e maravilhosos caracte-res cristãos. Ao mesmo tempo, onde a menor falha e o mais leve defeito são considerados com aflição, onde a insistência em uma rígida e severa moralidade quase faz alguém tremer, muitas pessoas sinceras têm posto so-bre si mesmas o mais irritante jugo, adquirem uma obsessão pessoal no esforço de alcançar a impecabilidade. Elas se transformam em uma máqui-na de moralidade, sem paz e sem se-gurança diante de Deus.

A controvérsia sobre perfeição cristã tem sido muitas vezes um even-to muito indesejável na teologia cris-tã. Diversas interpretações teológicas e pietistas dos usos bíblicos da pala-vra “perfeito” têm levado à transigên-

Page 2: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

24 / Parousia - 2º semestre de 2008

cia com a lei de Deus, e mesmo com o próprio plano da salvação. Muito do nevoeiro que obscurece esse assunto deve-se à falta de compreensão do que é ou não pecaminoso e da falta de entendimento sobre o que Deus real-mente requer de seus seguidores.

Perfeição. Seria um erro tentar alcançá-la? Depende do que quere-mos dizer com isso, como e quando esperamos obtê-la. Se perfeição cris-tã significa restauração aqui e agora à condição impecável de Adão (antes da queda) e completa harmonia com Deus, de sorte que o homem não pre-cise mais ser classificado como pe-cador, então a Bíblia não indica nada nessa direção. O único homem impe-cável que já viveu é Jesus Cristo.

A verdade acerca de perfeição na doutrina e experiência cristã é aquela que faz justiça ao significado e uso bíblico dessa palavra. Sendo que a Bíblia exorta reiteradamente o cren-te em todas as eras a ser perfeito, en-tão obviamente a experiência que ela defende não é algo que está além da experiência daqueles a quem a pala-vra é dirigida. Ela deve ser possível dentro da estrutura da vida cristã aqui na Terra, de outra forma não existiria nenhum propósito no fato de os escri-tores bíblicos encorajarem os crentes à perfeição. O significado válido para as palavras perfeito e perfeição deve ser aquele dado unicamente pela Bíblia.

o significado de Perfeição

Ter em mente qual o emprego e o significado bíblico da palavra perfei-ção nem sempre é fácil. Perfeito ou perfeição é a tradução, na verdade,

de nove palavras hebraicas e seis gre-gas. Obviamente, uma única palavra em português não poderia fazer juz a todas essas palavras hebraicas e gre-gas. Contudo, há duas palavras gregas muito freqüentemente usadas no Novo Testamento e na tradução Septuaginta do Antigo Testamento as quais trans-mitem peso considerável no entendi-mento da doutrina de perfeição. Nas próximas páginas me esforço para mostrar a partir da Bíblia como essas duas palavras são utilizadas.

Quase todos os modernos ensinos sobre perfeição se baseiam na tradução em português e uso da palavra. Con-seqüentemente, a interpretação bási-ca é a de uma condição ideal onde o pecado não mais existe e tudo está em completa harmonia com Deus. Perfec-cionismo é o ensino de que é possível ao homem atingir e manter a perfeição moral e espiritual nessa vida.

Todavia, no transcurso do desen-volvimento teológico dessa idéia, dois termos qualificativos têm sur-gido para assinalar a distinção entre a perfeição divina e a do cristão. A perfeição de Deus é absoluta; isto é, o que Deus é em toda a sua pessoa e ca-ráter e aquilo que faz, Ele é completo em todos os sentidos, moral e espi-ritualmente, onde nada é deficiente. Nele está a presença e o fundamento de todos os valores do caráter, além do qual não existe nada mais.

Deve ser notado que Deus criou Adão e Eva perfeitos. Para Deus não é possível criar algo falho ou deficiente. Adão e Eva foram criados em comple-ta harmonia com Deus, exatamente o que Deus designava que eles fossem,

Page 3: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 25

física, moral e espiritualmente. Eles permaneceram neste estado até que caíram em pecado. Se não fosse essa queda, eles teriam continuado a se de-senvolver em conhecimento e caráter, sendo que eles foram criados adultos. Tal desenvolvimento não deve ser considerado como o passar de um es-tado de imperfeição para a perfeição, e sim como o desenvolvimento normal dentro de um estado perfeito, mas tal discussão não é para essa seção.

A perfeição também é conside-rada como um termo relativo usado para descrever o desenvolvimento e crescimento do cristão do pecado para a justiça. O cristão está cami-nhando para a perfeição sem peca-do, para a condição original em que Deus o criou. A perfeição é relativa à capacidade e habilidade do homem, relativa à sua consciência e seu co-nhecimento, relativa à condição em que ele nasceu. No máximo das fa-culdades do cristão, deve haver uma sincera lealdade e harmonia com a vontade de Deus. A Bíblia nunca iguala perfeição com impecabilidade quando se refere ao cristão.

Não há diferentes tipos de perfei-ção, apenas graus dela, tanto quanto diz respeito ao ser humano. É o uso em português da palavra perfeição que tem ajudado na errônea interpre-tação, não o grego ou o hebraico. O problema deve ser resolvido e com-preendido somente através da Palavra de Deus, não por especulações huma-nas. Neste artigo a expressão “perfei-ção sem pecado” se refere à restaura-ção do homem à condição original em que Deus o criou, completa harmonia

com Deus e o cumprimento do desíg-nio divino para o homem. A discussão prosseguirá não da definição humana, mas a partir do uso bíblico do termo.

O pecado envolve um estado ou condição de vida e age contrariamen-te à vontade de Deus. A condição pecaminosa do ser humano, em que todos os homens são nascidos, consis-te em egocentrismo e a conseqüente obstinação como resultado de nossa separação de Deus. Dessa condição procedem todos os pensamentos, pro-pensões, paixões e ações pecaminosas. A salvação começa quando aceitamos a Cristo, em lugar do próprio eu, como o centro de nossa vida, quando o reco-nhecemos como nosso Salvador e Se-nhor. Perfeição sem pecado é o ideal de Deus para seus filhos. Pelo poder do Espírito Santo devemos compro-meter-nos com o ideal moral e espiri-tual em Cristo, mesmo avançando em sua direção. Isto será atingido com o retorno de Cristo, não antes.

Unicamente sob a condição de completa harmonia moral e espiritu-al com Deus é possível a impecabi-lidade. Onde o homem está separado da presença e realidade de Deus em qualquer sentido e no menor grau, ali existe o pecado de alguma forma. Toda justiça e impecabilidade nascem da harmonia com Deus. Todo pecado brota da separação de Deus.

Jesus Cristo viveu na Terra em com-pleta unidade com seu Pai. Sua condi-ção e vida impecável era a expressão dessa absoluta harmonia. A vontade de Cristo correspondia à vontade do Pai com exatidão invariável. Não havia a mais leve deturpação de sua vontade

Page 4: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

26 / Parousia - 2º semestre de 2008

em qualquer ponto. Isto aponta para uma harmonia moral e espiritual e elevação de caráter desconhecidas em nossa experiência humana. Os fatos de que o próprio Cristo era Deus em sua encarnação e nasceu do Espírito Santo nega que Ele estava em qualquer parte fora de harmonia com o Pai. Somente Cristo possuía tais características. To-dos os homens nascem em estado de separação de Deus. Essa é a condição em que todos nós nascemos. Essa con-dição só é revertida quando acontece o novo nascimento. Esse é o fundamento básico do evangelho.

Nós defendemos a doutrina bíblica de perfeição devidamente compreen-dida como o aperfeiçoamento de uma relação correta com Deus, entrega completa, uma madura e inabalável fidelidade a Jesus Cristo. A Bíblia de-signa tais homens como servindo ao Senhor com “um coração perfeito”, não dividido em sua lealdade, resolu-to em sua devoção, não se desviando do caminho do Senhor. Sobre o rei Asa a Bíblia relata: “O coração de Asa foi, todos os seus dias, totalmente do Senhor” (1Re 15:14). O rei Ezequias disse em oração: “Lembra-te, Senhor, peço-te, de que andei diante de Ti com fidelidade, com inteireza de coração” (2Re 20:3). Acerca de Noé é dito: “Noé era homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus” (Gn 6:9; ver também Hb 11:7). Sobre Jó, o Senhor declarou: “Observaste o meu servo Jó? ... Ho-mem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal. Ele conserva a sua integridade” (Jó 2:3). A respeito da sua completa confiança e fidelida-

de, declara o relato: “Embora Ele me mate, ainda assim esperarei nele” (Jó 13:15, NVI). Jó jamais concebeu isso como significando impecabilidade (ver Jó 9:20; 42:5, 6). Nem qualquer dos homens acima citados. Portanto a palavra “perfeito” não traz consigo a idéia de impecabilidade.

O rei Salomão foi um homem de lealdade dividida. Portanto as Escritu-ras registram que “o seu coração não era de todo fiel para com o Senhor, seu Deus, como fora o de Davi, seu pai. Salomão seguiu a Astarote, deusa dos sidônios” (1Re 11:4, 5).

O Novo Testamento é igualmente claro sobre este ponto. Ter um coração perfeito é amar ao Senhor e ao seme-lhante de todo o coração. “Acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição” (Cl 3:14). “Aquele que teme não é aperfeiçoado no amor” (1Jo 4:18).

A palavra mais importante traduzi-da por “perfeito” no Novo Testamento é a palavra grega teleios. Esta palavra é derivada do substantivo telos, geral-mente traduzido por “objetivo”, “pro-pósito”, ou “fim”. A palavra significa um estágio definido de desenvolvimen-to espiritual para os cristãos e crentes de todas as épocas, para aqueles que viveram nos tempos bíblicos bem como para os que vivem hoje. Quase invariavelmente a palavra descreve a obtenção de maturidade espiritual, es-tabelecida e inamovível na fé.

O apóstolo Paulo usa essa palavra muito freqüentemente quando designa cristãos perfeitos ou maduros em con-traste com aqueles que permanecem bebês espirituais.

Page 5: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 27

Irmãos, não sejais meninos no juízo; na malícia, sim, sede crianças; quanto ao juízo, sede homens amadurecidos [teleioi] (1Co 14:20).“Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decor-rido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido. Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inex-periente na palavra da justiça, porque é criança. Mas o alimento sólido é para os adultos [teleion, maduros], para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para dis-cernir não somente o bem, mas tam-bém o mal” (Hb 5:12-14).“Por isso, pondo de parte os princípios elementares da doutrina de Cristo, dei-xemo-nos levar para o que é perfeito [teleiotēta], não lançando, de novo, a base do arrependimento de obras mor-tas e da fé em Deus, ... Isso faremos, se Deus permitir” (Hb 6:1-3).

O escritor da Epístola aos Hebreus reconhece que há um início para a vida cristã. O cristão deve começar com o ABC da fé cristã. Como bebê recém-nascido ele recebe seu alimento espiri-tual de outros cristãos maduros. A essa altura, porém, o autor mostra séria pre-ocupação porque muitos desses cristãos ainda estão usando as vestes espirituais da infância. Não estão crescendo em Cristo. Em um tempo em que eles de-veriam ser maduros (teleioi, perfeitos) o suficiente para instruir e conduzir ou-tros à fé, eles ainda têm de ser tratados como crianças.

Paulo também sentiu isso acerca de alguns dos membros da igreja de

Corinto. Ele escreveu: “Falamos sa-bedoria entre os perfeitos [teleiois, adultos]” (1Co 2:6, ARC), mas poste-riormente ele acrescenta:

Eu, porém, irmãos, não vos pude fa-lar como a espirituais e sim como a carnais, como a crianças em Cristo. Leite vos dei de beber, não vos dei alimento sólido; porque ainda não podíeis suportá-lo. Nem ainda ago-ra podeis, porque ainda sois carnais. Porquanto, havendo entre vós ciúmes e contendas, não é assim que sois carnais e andais segundo o homem? (1Co 3:1-3).

Paulo contrasta os bebês espiri-tuais da igreja com aqueles que ele designa como plenamente crescidos. Os espiritualmente imaturos da igre-ja de Corinto se mostravam, por suas divisões e lealdade dividida, incapa-citados para compreender as coisas profundas de Deus.

Paulo também declara que todo ministro cristão desde seus dias até os nossos deve ter por objetivo le-var o rebanho à perfeição, isto é, à plena maturidade do caráter cristão, sendo que Deus proveu esses dons para atingir esse estágio maduro e desenvolvimento na vida.

E Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, ou-tros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, té que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade [teleiōn,

Page 6: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

28 / Parousia - 2º semestre de 2008

maduro], à medida da estatura da ple-nitude de Cristo (Ef 4:11-13).

Em sua Epístola aos Filipenses ele se classifica entre os perfeitos ou espi-ritualmente maduros e firmes. Ele fala sobre sabedoria entre os perfeitos.

Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: es-quecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Todos, pois, que somos perfeitos [teleioi], tenha-mos este sentimento” (Fp 3:13-15).

O objetivo de seu ministério apos-tólico é apresentar “todo homem per-feito [teleiōn, plenamente crescido] em Cristo” (Cl 1:28). Ele se refere ao seu colaborador, Epafras, como agonizando em oração para que os cristãos colossenses pudessem ser conservados “perfeitos [teleioi] e ple-namente convictos em toda a vontade de Deus” (Cl 4:12).

No grego clássico essa mesma palavra teleios é freqüentemente usada para pessoas que alcançaram a idade adulta, para animais plena-mente crescidos, para o fruto que está plenamente maduro. Para o cristão significa que ele deve crescer até a maturidade espiritual e desenvolver uma estatura espiritual semelhante à de Cristo. Os homens mais santos mencionados na Bíblia declararam sua constante necessidade de cresci-mento em direção a Cristo, enquan-to afirmavam a pecaminosidade de sua própria natureza. O processo de

aperfeiçoamento e amadurecimento continua durante toda a vida.

Em nenhum lugar na Bíblia encon-tramos crentes afirmando ter alcan-çado a perfeição sem pecado embora eles sejam designados como perfeitos (maduros), porque tal alegação está re-pleta de perigos: um dos quais é uma cegueira espiritual que impede alguém de ser honesto consigo mesmo.

Vemos na Palavra de Deus que o que é possível nesta vida é maturidade e estabilidade espiritual, não perfei-ção sem pecado. Além disso, os textos bíblicos em que os crentes são decla-rados perfeitos no momento em que é atingido um simples degrau na direção do ideal mostram que o emprego bíbli-co da palavra teleios, “perfeito”, não significa perfeição sem pecado. “Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão” (Tg 3:2). “Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficien-tes” (Tg 1:4). O homem perfeito ou maduro é descrito como alguém que tem completo controle de sua língua, ou que suporta a prova de sua fé sem vacilar. O crente que se qualifica em qualquer dessas características é de-signado nas Escrituras como um cris-tão perfeito ou maduro. Tal controle e estabilidade é prova suficiente de que ele é um cristão maduro e estável. A realização não é a mesma em todos os cristãos. Em alguns essa perfeição é assinalada pelo amor aos inimigos (Mt 5:43-48); em outros é manifesta em completa lealdade a Deus diante de dificuldades.

Em direção a esse alvo o Espírito Santo continua nos dirigindo ao longo

Page 7: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 29

de toda a nossa vida, mas a busca pela perfeição não finalizará nesta vida. Cada passo na direção ascendente re-vela alturas espirituais a serem atingi-das. O privilégio do cristão é experi-mentar aqui e agora o que tem sido o privilégio dos crentes de todas as épo-cas – o poder do Espírito Santo para contínuo crescimento e constante le-aldade a Deus. Juntamente com esse contínuo crescimento, encontramos descanso em meio a labutas e confli-tos enquanto afligimos nesse corpo de pecado e morte até o glorioso apareci-mento de nosso Senhor Jesus Cristo.

Ora, o Deus de paz, que tornou a tra-zer dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o grande pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança, vos aperfeiçoe em todo o bem, para cum-prirdes a sua vontade, operando em vós o que é agradável diante dEle, por Jesus Cristo, a quem seja dada a glória para todo o sempre” (Hb 13:20, 21).

Nessa passagem, a palavra grega para perfeito (katartisai) provém de katartizō. Seu significado é o de ser plenamente equipado e adaptado para o serviço na obra da igreja e na causa de Deus. A preocupação do escritor é que Deus possa equipar inteiramente os crentes em cada boa coisa a fim de fazerem a obra e a vontade dEle.

Esta palavra poderia ser muito bem usada para homens de quase todas as profissões com a idéia de que os ho-mens devem ser bem treinados para o trabalho que fazem, tornando possível a perfeita interpretação de um músico, a perfeita juntura de ossos quebrados por

um médico, a habilidade do oleiro em moldar a argila formando um belo vaso. Em cada caso o indivíduo foi adaptado para fazer o trabalho pretendido.

Quando um pescador lançava sua rede na praia depois da pesca de um dia, ele continuava o seu trabalho a fim de consertá-la onde ela tinha sido rompida. Usava essa mesma palavra grega para descrever o que ele tinha feito. Tinha tornado a rede apta para apanhar peixe novamente. “Pouco mais adiante, viu Tiago, filho de Ze-bedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco consertando [katartizontas] as redes” (Mc 1:19).

Os escritores da Bíblia usavam essa palavra e seus cognatos ao fala-rem aos seus ouvintes em relação à sua aptidão e responsabilidade como cristãos na obra do evangelho e em viver a vida cristã.

E Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, ou-tros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento [pleno equipamen-to ou habilitação] dos santos para o desempenho do Seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4:11, 12). “O Deus de toda a graça, ... depois de terdes sofrido por um pouco, Ele mesmo vos há de aperfei-çoar [equipar-vos], firmar, fortificar e fundamentar” (1Pe 5:10). “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a edificação na jus-tiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito [plenamente equipado] e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3:16, 17).

Page 8: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

30 / Parousia - 2º semestre de 2008

Quão importantes são essas pa-lavras quando convidam o cristão a obedecer e servir ao Senhor, a ter tal coração e mente que possa suportar o desgaste do viver diário para Cristo, para estar plenamente habilitado a fa-zer a sua vontade em toda boa coisa, espiritualmente realizado para tra-balhar como corresponde do plano e propósito divino para nossa vida!

Uma mente e coração que estão incapacitados para servir a Deus são um coração dividido, uma mente en-fraquecida e sua eficiência é destruída pelo pecado prevalecente. Um coração capacitado para o serviço de Deus é um que foi libertado do poder e da escra-vidão do pecado. O pecado não reina, mas ele permanece. Continuamente permitimos que Cristo complete e ca-pacite nossa vida com aquelas atitudes e qualidades que tornam a utilidade e o serviço eficientes. O cristão não é sem pecado; mas ele é levado àquela plena e eficiente adequação por meio da qual Deus pode usá-lo em seu serviço para a glória de Deus, preparado e capacita-do para cada situação e cada responsa-bilidade em viver a vida cristã.

Ao se falar, portanto, de perfei-ção bíblica, é importante evitar uma rígida interpretação legalista, um ato de seguir como um escravo à letra da lei ou obediência a uma lista de itens exigidos. Nosso alvo supremo é en-contrado no evangelho da salvação, na justificação pela fé. Isso se centraliza em Jesus Cristo, não em uma concep-ção mecânica e exterior de semelhan-ça com Cristo. A doutrina da perfeição não deve ser derivada de uma análise de homens, mas do caráter de Deus e da pessoa de Jesus Cristo.

A perfeição bíblica não deve ser atingida por um comportamento di-rigido que busca conformidade com exigências externas. Esta abordagem despoja a perfeição ou maturidade es-piritual do seu significado bíblico. A resposta à pergunta: “Qual é a obri-gação do cristão para com Deus?” depende de quais valores são supre-mos à vista de Deus e também de qual é o plano e o propósito divinos para salvar e transformar o homem por intermédio da justiça de Cristo. Isto envolve nossa reconciliação com Deus, vivendo em sintonia com Ele, e respondendo em amor a Deus e ao homem. A perfeição que emerge do nosso relacionamento é maturidade moral e espiritual.

a caPacidade e incaPacidade Humanas

Para que condição a queda de Adão levou a raça humana? “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pe-caram” (Rm 5:12). Não conseguimos saber quão gravemente o pecado tem incapacitado o homem em todos os seus aspectos. Não sabemos como o pecado atua sobre o sistema nervoso e afeta suas reações nem até onde ele obscure a mente. “O salário do pecado é a morte” (Rm 6:23). Não sabemos de que maneira a morte pode reagir na existência do ser humano e ainda as-sim fazer parte das funções humanas.

Apesar da queda, o intelecto, a vontade, a mente e as afeições hu-manas ainda funcionam. Mas estas

Page 9: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 31

se acham tão mudadas e reduzidas em poder e capacidade que não mais funcionam como Deus pretendia que funcionassem. O homem está conta-minado em todos os seus caminhos, alienado de Deus. É incapaz de en-contrar o caminho de volta para Deus ou retornar a seu estado primitivo.

A morte continua. As artérias en-rijecem. O sistema nervoso não reage como na Criação. Em lugar algum o homem reflete a perfeição de Deus em cuja imagem ele foi criado. Supor que com a conversão e santificação o Espírito Santo restaura o homem à perfeição sem pecado é também afir-mar que todas as devastações da mor-te foram erradicadas. Toda a evidên-cia prova o contrário. Somente depois da ressurreição estará o homem ple-namente restaurado e liberto dos es-tragos da morte. “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Co 15:26).

Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angús-tias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é espe-rança; pois o que alguém vê, como o espera? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos. Também o Espírito, semelhantemen-te, nos assiste em nossa fraqueza (Rm 8:22-26).

Essa passagem fala da profunda inquietude na vida do cristão devido às presentes imperfeições e incapa-cidade de atingir o ideal divino. Se

pudéssemos chegar à perfeição sem pecado nesta vida, os gemidos que provêm das profundezas do nosso coração cessariam. Não haveria nada dentro de nós ou de fora que des-truísse nossa harmonia e satisfação pessoal. Estaríamos em perpétua paz com Deus e o ser humano, não fal-tando fé, amor ou justiça.

Esse anelo aponta para o fato de que deixamos de atingir o ideal do plano divino para nossa vida. Por nossa inquietude interior confessa-mos continuamente que deixamos de alcançar a verdade, a beleza, a bonda-de e a justiça, que eram desígnios de Deus quando Ele nos criou.

Além disso, essa mesma condi-ção fala do nosso anseio pela com-pleta restauração à imagem de Deus. O profundo desejo por perfeição sem pecado e incorruptibilidade não tem fim. Não fomos criados para viver em pecado ou para possuir uma natureza pecaminosa. Nossa sede por restau-ração ao nosso estado original, nosso anseio por sermos libertos do pecado e de seus efeitos, aponta para um co-nhecimento do que Deus finalmente fará por nós no retorno de Cristo.

Eis aqui vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, num momento, num abrir e fechar d’olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortali-dade. E, quando este corpo corruptível se revestir da incorruptibilidade, e o

Page 10: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

32 / Parousia - 2º semestre de 2008

que é mortal se revestir da imortalida-de, então, se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória. ... Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Se-nhor Jesus Cristo” (1Co 15:51-57).

Assim, o desejo de realização e restauração deve ser compreendido em termos de nossa salvação e reden-ção final em Cristo. Concedendo-nos o Espírito Santo para viver em nós, Deus desperta e desenvolve o desejo de im-pecabilidade, de libertação do pecado em todas as suas formas. Nesta vida ansiamos por uma condição do ser que ainda não temos. Estamos insatisfeitos com as limitações da mente e da carne, aguardando o dia em que Cristo nos transformará e restaurará à nossa con-dição original impecável.

O ideal em direção ao qual luta-mos é Jesus Cristo. Tudo no tocante a Ele é perfeito. O cristão tem con-tinuamente fome e sede de justiça. Há uma sincera e ousada busca de santidade espiritual.

O fato de que o crescimento é exigido na vida cristã aponta para a contínua necessidade de desenvol-vimento rumo à perfeição. Não há situação nesta vida na qual podemos dizer que temos atingimos o objeti-vo final. Como cristãos testemunha-mos o fato de que continuamente esperamos no Senhor e renovamos nossas forças. Subimos com asas como águias. Corremos e não fica-mos cansados. Caminhamos e não nos fatigamos (ver Is 40:31).

Concordamos com Paulo quan-do ele diz:

Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, po-rém não desamparados; abatidos, porém não destruídos; levando sem-pre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifes-te em nosso corpo. Porque nós, que vivemos, somos sempre entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal... Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se cor-rompa, contudo, o nosso homem in-terior se renova de dia em dia” (2Co 4:8-11, 16).

Estamos certos de que Deus conti-nuará a obra de justiça em nossa vida até o dia em que estaremos diante dele, quando a inquietude da mente e do co-ração será finalmente dissipada em seu aparecimento. “Para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comu-nhão dos seus sofrimentos, conforman-do-me com Ele na sua morte; para, de algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos. Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a per-feição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquis-tado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avan-çando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3:10-14).

Quando consideramos a inerente incapacidade e deficiência humana, a Bíblia rejeita toda possibilidade de alcançarmos perfeição sem pecado

Page 11: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 33

nesta vida. O problema é se o Espírito Santo faz ou pode aqui e agora restau-rar o homem à plena posse de todas as faculdades que Adão possuía antes da queda. Cremos na habitação interior do Espírito Santo; mas não sabemos o grau de controle do Espírito. O pro-blema do homem é sua falta de uma perfeita disposição para ser capaz de cooperar com o Espírito.

Podemos discernir perfeitamente o que é correto como podia Adão no Jardim do Éden? Se não, então nos falta a capacidade de obter a com-preensão de nós mesmos e de nossa pecaminosidade. Sem isso não somos capazes de reagir tão perfeitamente e fazer uma entrega tão completa a Deus como o podia fazer um ser não caído. Essa mesma falta prova que ainda existe uma condição de peca-do. A luz do sol pode ser obscurecida pelas manchas sobre ele ou pelas nu-vens diante dele. O poder do sol para emitir luz ainda existe, embora seja impedido de realizar perfeitamente suas funções. Assim é com o pecador em relação a Deus. O poder de pensa-mento e visão não está destruído, mas a mente está incapacitada e ofuscada pelo ego e pelo pecado.

Não conhecemos a extensão da verdade da passagem: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” (Jr 17:9). Até ao ponto em que o homem tem uma compre-ensão obscurecida, seja isso sempre tão insignificante, uma vontade ainda mais minuciosamente pervertida em sua operação, uma consciência des-provida do mais leve grau de discer-

nimento para compreender a situação crítica onde o certo passa por errado, até ao ponto em que o homem não pode cooperar perfeitamente com o Espírito Santo. Ele não pode reivindi-car impecabilidade. Isto significa que podemos exercer nossas faculdades em cooperação com o Espírito Santo apenas até ao ponto em que essas fa-culdades e habilidades estejam livres do pecado e seus resultados.

A consciência de Adão em seu estado perfeito antes da queda ensi-nou-lhe que ele estava livre do peca-do – em completa harmonia moral e espiritualmente com Deus – de sorte que ele podia manter franca comu-nhão com Deus. Por ocasião da queda a imagem de Deus no homem foi in-validada, sua capacidade diminuída. Nesse estado enfraquecido o homem não pode estar na mesma condição perfeita como antes da entrada do pe-cado. Assim, a eficiência do Espírito Santo está limitada pela capacidade da natureza humana de responder e a extensão do discernimento do homem e seu conhecimento de si mesmo.

O Espírito Santo trabalha com o que Ele tem, como faz o oleiro com o barro. O que o Espírito pode fazer depende da natureza e qualidade do barro humano. O Espírito não remo-ve miraculosamente nossa deficiente natureza física e nossa constituição com suas limitações sobre a mente, os nervos e o coração. Em resposta à nossa fé Ele leva avante uma obra de contínua restauração, procurando a cooperação do homem enquanto dura a vida. Em cada passo do caminho Deus está realizando o máximo que o

Page 12: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

34 / Parousia - 2º semestre de 2008

barro humano tem a oferecer. A única limitação é a capacidade reduzida do ser humano devido ao pecado.

Qualquer reivindicação de per-feição sem pecado está limitada pela incapacidade do homem de ver a pe-caminosidade de sua própria nature-za. Quando fazemos nosso melhor para compreendermos a nós mesmos e a vontade de Deus, há muito que está além de nós, muito em nós que nunca foi testado ao máximo. O Es-pírito Santo pode apenas controlar e inspirar a semelhança com Cristo até ao ponto em que inteligentemente compreendemos a nós mesmos e res-pondemos a Ele. Este discernimento não é algo que ocorre apenas uma vez. É sempre uma constante e cres-cente iluminação do Espírito.

É importante ter em mente que o desamparo e a incapacidade do cris-tão não consistem no desejo voluntá-rio e intenção de continuar pecando. Ele já resolveu esse problema. “Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum! Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?” (Rm 6:1, 2).

Podemos realizar apenas o que temos naturalmente o poder de fa-zer. A obrigação de viver perfeita-mente deve ser proporcional à nos-sa capacidade de fazê-lo. Nenhuma exigência na Bíblia é feita ao ser humano que ele não tenha o poder de realizar. O próprio núcleo da fé cristã e da resposta humana é o pró-prio respeito de Deus para com o ser humano como uma pessoa racional e responsável. Deus não pode usar

nenhum método ou trazer nenhuma pressão para suportar que viole a integridade pessoal do ser humano e sua liberdade de escolha. A mais leve hesitação em resistir à tentação, o menor desejo de amar ao próxi-mo e aos inimigos como Cristo fez, imediatamente torna impossível a perfeição sem pecado.

Como podemos saber se temos ou não acariciado algum pecado ou se temos resistido inteiramente à mais leve tentação para pecar e ao orgulho com a mesma instantaneidade que Cristo teria feito? Como sabemos que não temos brincado com um desejo pecaminoso ou nos apegado a ele um pouco mais do que deveríamos devi-do a uma constituição mutilada? Se não podemos saber isso, então somos incapazes de dizer como Cristo disse: “Quem dentre vós me convence de pecado?” (Jo 8:46).

Como pode o discernimento mo-ral imperfeito decidir quanto ao que é perfeição e quando ela foi atingida? Não deve uma mente que tem sido deturpada e obscurecida pelo pecado ser rigidamente excluída de decidir o que são comportamento e pensamen-to impecáveis? O homem não tem ne-nhuma maneira de julgar quando um motivo ou um ato é perfeito partindo de dentro de sua própria natureza pe-caminosa, porque a mente do homem participa daquela depravação sob a qual ele é agora retido em cativeiro e da qual ele suspira por ser liberto.

Ao mesmo tempo Deus considera o homem responsável pelo pleno uso possível de suas habilidades. Deus roga ao pecador que exercite suas fa-

Page 13: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 35

culdades ao melhor de sua capacida-de. O homem ainda tem a faculdade de perceber a verdade necessária para uma livre escolha inteligente de Deus e entrega a Ele sob a iniciativa e in-fluência do Espírito Santo. Nós como cristãos estamos sob a obrigação de tornar a perfeição de Cristo nosso ide-al. Deus não muda sua perfeita norma moral ou o propósito para com os ho-mens. É-nos exigido que prestemos a Deus toda obediência possível ao má-ximo de nossas consagradas habilida-des. Essa exigência é proporcional à capacidade moral, espiritual e fisioló-gica do ser humano.

Por causa de nossa condição mu-tilada, somos lentos para aprender e rápidos para cair no egoísmo. Na his-tória dos grandes personagens da Bí-blia, é notável que, embora estivessem aprendendo de Cristo e experimentan-do o poder salvífico, eles estavam pro-fundamente cientes de sua própria fra-queza, e não confiavam em si mesmos para cumprir a vontade de Deus.

O apóstolo Paulo se sentia do mesmo modo. Se há alguma pessoa na era cristã à qual a perfeição sem pecado poderia ser atribuída, é ele. Se nós como cristãos pudéssemos nos aproximar de sua entrega, sua dedicação, a proximidade do seu ca-minhar com Deus, sua ardente com-paixão para salvar os perdidos, o que mais teríamos a desejar e fazer nessa vida? O que se torna evidente na ex-periência de Paulo e em suas epísto-las é o crescente senso de fraqueza e indignidade e o seu profundo senso de dependência diária de Deus. O fato importante e essencial na vida de

Paulo era a contínua necessidade da graça salvífica e do poder de Deus.

O problema com que se defronta até mesmo a melhor das pessoas é que capa-cidade de receber o Espírito e entregar-se à orientação divina são dificultadas pelo interesse próprio e pelas limitações do discernimento pessoal e a presença de uma inclinação pecaminosa.

Porque, agora, vemos como em es-pelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido (1Co 13:12).

A mente humana é inexata e per-vertida em sua sabedoria e suas ações; freqüentemente ela é estreita e uni-lateral. Até mesmo a melhor virtude cristã pode trazer consigo uma man-cha maligna. A professa delicadeza e humildade podem ter um toque de fraqueza e uma falta de coragem para testemunhar em prol da verdade. A liberdade pode ter um matiz de ex-travagância. O pecado opera de ma-neira adversa tanto no corpo como na mente com debilidades e paixões que afetam o crescimento e a maturidade espiritual. Existe a sutil dependência de outros em vez de em Cristo, a in-disposição de confiar-nos inteiramen-te a Deus. O ideal de perfeição está sempre adiante de nós.

Não é fácil ver e compreender toda a verdade por nós mesmos e segui-la. A influência da hereditariedade e do ambiente e a formação passada incor-porada na vida – tudo é encontrado naqueles que passam pelo processo de salvação e santificação. O próprio processo de crescimento desenvolve

Page 14: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

36 / Parousia - 2º semestre de 2008

novas percepções e revela novos peri-gos em situações que nunca havíamos compreendido ou experimentado an-tes. A santificação é uma obra muito maior do que às vezes supomos.

Não conhecemos nenhum método na Bíblia pelo qual o Espírito de tal modo subjuga as limitações humanas devidas ao pecado a ponto de habili-tar o ser humano a chegar a uma con-dição de impecabilidade. Todavia, o Deus eterno é o nosso refúgio. Cada momento vivemos pela maravilhosa graça divina e por ela somos salvos. O cristão sempre reconhecerá sua condição pecaminosa diante de Deus. Nossa vida não é magicamente trans-formada em impecabilidade acima da luta e agonia do mundo. O que se tor-na evidente é que o livramento é feito completo em nossa fraqueza. A vitó-ria sobre o ego e o pecado não vem do nosso o poder, mas do Espírito.

Perfeição relativa

Perfeição relativa, não absoluta, pode ser experimentada. Perfeição absoluta é aquela todo-inclusiva, o todo-abrangente caráter de justiça que vemos em Jesus Cristo. Nós como cristãos podemos usufruir o livramen-to consciente do pecado conhecido pelo poder do Espírito Santo. A capa-cidade de discernir o bem do mal se torna mais clara à medida que cresce-mos na graça e no conhecimento de Deus. Jamais atingimos o ponto em que nosso discernimento espiritual e melhoria pessoal não possam ser au-mentados. Em virtude de nossas limi-tações físicas e mentais, persiste a im-perfeição, não no sentido de cometer o

pecado voluntário, mas no sentido de não atingir o ideal em Jesus Cristo.

Nunca virá um tempo em que não precisemos repetir a oração do Se-nhor: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores.” Enquanto viver-mos neste mundo pecaminoso, jamais atingiremos uma posição em que nos-so discernimento moral e espiritual não possa ser aumentado. É a essên-cia do orgulho atribuir a nós mesmos um conhecimento e um poder que não temos. Podemos testemunhar acerca do que sabemos de nós mesmos e do poder de Deus para salvar-nos.

Devemos lutar para sermos perfei-tos em nossa esfera, como Ele era perfeito em Sua esfera. ... Eles [os membros da igreja] devem formar caracteres que sejam uma reflexão do caráter divino.2 Com nossas faculda-des limitadas, devemos ser tão santos em nossa esfera, como Deus é santo na sua.3

Podemos louvar a Deus por nos-sa libertação consciente do pecado conhecido, mas isso não é um tes-temunho em favor da perfeição sem pecado. Há muito a aprender acerca de nós mesmos e de nossa capacidade para resistir às crescentes tentações do mundo, da carne e do maligno.

Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia. Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar (1Co 10:12, 13).

Page 15: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 37

Em outras palavras, há um limite à tentação que o homem pode resis-tir em seu estado pecaminoso. “Pois Ele conhece a nossa estrutura e sabe que somos pó” (Sl 103:14). É bom que Deus se lembre disso, pois há um ponto de ruptura ou um limite crítico para todos os homens. Quanto mais nos aproximamos de Cristo, mais cla-ramente vemos nossa distância da per-feição absoluta de Deus. Em virtude da amorosa misericórdia de Deus está oculto de nós o pleno conhecimento do nosso coração pecaminoso.

O conhecimento progressivo de nós mesmos vem gradualmente à me-dida que somos capazes de suportar a verdade acerca de nós mesmos. Qual-quer súbita e total revelação de Deus quanto a tudo o que nós somos à sua vista nos esmagaria além da nossa ca-pacidade de recuperação e de ação. O homem que reivindica para si mesmo o que o apóstolo João não ousava rei-vindicar está auto-iludido:

Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos engana-mos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injus-tiça. Se dissermos que não temos co-metido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós (1Jo 1:8-10).

Comunicando-nos o poder salvífico do evangelho Deus revela nossa neces-sidade de vencer o pecado e a profundi-dade de nossa depravação pecaminosa tão rápido quanto possamos suportar e tão rápido quanto estamos preparados

para beneficiar-nos da direção do Espí-rito. Nem tudo é revelado no início da vida cristã. Se o fosse, nossa pecamino-sidade nos esmagaria, nos deixaria per-plexos e paralisados. Assim o Espírito nos dirige mais e mais para a verdade acerca de Deus e de nós mesmos.

Na conversão fazemos uma entrega total a Ele no melhor do nosso conhe-cimento. Aos olhos de Deus esse é um início perfeito, mas andamos progres-sivamente na luz à medida que ela vem a nós, procedente da Palavra de Deus. Somos convidados a manter comunhão diária com Cristo. Ao longo do cami-nho permanecemos fiéis a Deus. Em proporção à maturidade e abrangência do nosso conhecimento de nós mesmos e da verdade de Deus, nossa vida é pro-gressivamente moldada à semelhança de nosso Senhor. Em cada passo nossa resposta pode ser “perfeita” a medida que reagimos e cooperamos com Deus até o alcance e medida da direção do Espírito em nossa vida.

Nossa transformação não pode pro-gredir muito além do nosso discerni-mento da verdade e de nós mesmos em todas as situações possíveis e sob todas as condições. Para avançarmos rumo à plena harmonia com Deus, devemos continuar a subir para melhores e mais puros motivos, aspirações, propósitos, e realização espiritual. Isso significa que nossa apreensão mental e espiritu-al deve continuar de um ponto de vista a outro, de um passo ao próximo, da dependência de nós mesmos para a de-pendência de Cristo e Sua justiça.

Progressivamente, aspiramos à estatura de Cristo. Ao mesmo tempo nos deparamos com obstáculos espi-

Page 16: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

38 / Parousia - 2º semestre de 2008

rituais, inércia física, e auto-afirma-ção, e vemos a necessidade de não reter nenhuma parte de nossa vida ao controle e direção do Espírito. Na vida espiritual há realizações que são possíveis somente quando um cres-cimento e desenvolvimento perene estão por trás de nós. O ideal de per-feição está sempre adiante de nós. Ao mesmo tempo é desenvolvida uma mais elevada e mais madura qualida-de de vida espiritual.

Até mesmo os melhores cristãos revelam suas limitações por sua cres-cente necessidade da apropriação da divina redenção e justiça de Cristo. Acima de todos esses fatos acerca do pecador, Deus está continuamente operando à medida que nos tornamos mais e mais possuídos pelo Cristo que habita nosso interior. O progresso espiritual resulta de sermos fiéis dis-cípulos de Cristo, inamovíveis, firme-mente estabelecidos na fé, enquanto caminhamos em direção daquele ob-jetivo final de perfeição sem pecado. Jesus não falha em seu plano para nossa vida. Experimentamos a reali-dade de uma sempre crescente seme-lhança com Jesus Cristo.

Ao experimentarmos o poder sal-vífico de Cristo nossa justiça, vemos a fraqueza de nossas resoluções e a necessidade de perceber nossa fragili-dade, confiando plenamente e depen-dendo inteiramente do poder da graça redentora. Há uma perseverança nas coisas de Deus e em um relacionamen-to com Ele através da oração e do estu-do de sua Palavra. Centralizamos nossa lealdade e esperança em Cristo não im-porta qual seja o custo e a fraqueza que

temos em nós mesmos. Por intermédio dessa atitude e pelo crescimento cristão surge uma vida cristã madura.

Continuamente edificamos nossa casa espiritual sobre Cristo, a Rocha Viva. Entregamos a Deus cada po-sição e prática que descobrimos que está em desarmonia com a Palavra de Deus. A salvação pela graça jamais volta nossa atenção para realizações próprias, nossa própria justiça ou uma pretensão à progressiva perfeição. Olhamos continuamente para Jesus, Autor e Consumador de nossa fé.

Quanto mais perto vos chegardes de Jesus, tanto mais cheio de faltas parecereis aos vossos olhos; porque vossa visão será mais clara e vossas imperfeições se verão em amplo e vivo contraste com sua natureza per-feita. Isto é prova de que os enganos de Satanás perderam seu poder; que a influência vivificante do Espírito de Deus está a despertar-vos. ...Quanto menos virmos em nós mes-mos digno de estima, tanto mais ha-vemos de ver digno de estima na in-finita pureza e amabilidade de nosso Salvador. ... Quanto mais a sensação de nossa necessidade nos impelir para Ele e para a Palavra de Deus, tanto mais exaltada visão teremos de seu caráter, e tanto mais plenamente refletiremos a sua imagem.”4

Em alguns sentidos o crescimento cristão é uma coisa estranha. Quando a princípio fomos a Cristo, experimen-tamos seu perdão e regeneração, não sentimos mais “nenhuma condena-ção”. Nosso coração foi purificado, e resplandecemos com nova vida. Nos-sas vestes pareciam sempre brancas

Page 17: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 39

porque fomos vestidos com as vestes da justiça de Cristo. Mas com o passar do tempo, nos tornamos cientes de que não temos feito tudo o que tencionáva-mos fazer. Não temos sido tudo o que pretendíamos ser. Temos uma cons-ciência de imperfeições mais vívida do que nunca. Com o passar dos anos nos tornamos mais e mais insatisfeitos com nós mesmos. Ao mesmo tempo, isto pode ser devido ao nosso crescen-te senso de pecado e do que constitui imperfeição. Pode ser que não somos menos puros do que anteriormente, mas o Espírito Santo tem aberto nos-sos olhos, refinando nosso gosto, au-mentando nossa sensibilidade. Faltas outrora ocultas agora estão descober-tas. Pecados secretos despercebidos ou não compreendidos são agora vi-vamente sentidos. A mais clara visão moral e espiritual detecta as deformi-dades. O ouvido mais apurado sente as dissonâncias internas. O gosto mais puro expõe o que outrora era insuspei-to. Aumenta em nós a consciência do pecado, não porque o mal tenha estado progredindo em nós, mas porque nos-so amor à justiça tem se tornado mais intenso. As fraquezas e deformidades morais nunca nos causarão mais afli-ção do que quando chegarmos mais perto de Cristo. Não é o cristão mais imperfeito que sente mais a imperfei-ção, mas o cristão que está diariamente se tornando mais semelhante a Cristo.

Muito de nosso discernimento do próprio caráter é superficial e conven-cional. Congratulamo-nos pelo que te-mos atingido, até que somos levados à prova e ao lugar de refinamento sob Deus. Provas mais severas do nosso

temperamento, coragem e paciência revelam quão distantes estamos do ideal; contudo todo o tempo pensáva-mos que tínhamos conseguido muito mais. Todavia, essa nova compreen-são de nossa autoconfiança, de nossa incapacidade para enfrentar a tentação e a provação se tornam o meio de cor-rigir nossas falhas. Encontramos cres-cimento sob crescente consciência de nossa pecaminosidade. Dia a dia rom-pemos com algum conceito inferior de moralidade para que possamos perce-ber a mais profunda, mais plena e eter-na justiça. Com senso mais agudo de limitações e fracasso quando sob mais fortes tentações, aprendemos a crescer em sabedoria, refinamento, humilda-de e semelhança com Cristo.

Em tempos anteriores, éramos muito seguros de nós mesmos como cristãos – guardávamos os mandamen-tos conforme os compreendíamos. Ao nos aproximarmos de Cristo, sentimos os motivos ocultos e as intenções ego-cêntricas que têm marcado nossa re-ligiosidade. Todavia, diante de Deus temos estado crescendo de percepção em percepção, de força em força, a marcha de um dia mais perto do lar. É provável que a insatisfação com nossa condição moral e espiritual em qual-quer ponto ao longo do caminho para o reino sejam o resultado de mais fortes aspirações e mais desejos espirituais. Esta é a posição bíblica sobre cresci-mento cristão até que Cristo retorne.

Para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com Ele na sua morte; para, de algum modo, alcançar a ressurreição dentre

Page 18: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

40 / Parousia - 2º semestre de 2008

os mortos. Não que eu o tenha já re-cebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus (Fp 3:10-14).

salvação Pela graça

Então, Ele me disse: A Minha graça te basta, porque o poder se aperfei-çoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraque-zas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto pra-zer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Por-que, quando sou fraco, então, é que sou forte (2Co 12:9, 10).

Graça é o eterno e gratuito favor de Deus, manifestado em favor dos fra-cos, culpados e indignos. A graça está inteiramente separada de cada suposi-ção de dignidade humana e perfeição sem pecado. A graça se encontra onde existe a pecaminosidade humana. Su-perabunda sobre a fraqueza humana. Os pecadores são as únicas pessoas com quem a graça está absolutamente relacionada. Vivemos cada momento pela graça e somos salvos pela ines-gotável graça de Deus.

Devemos viver somente por Cris-to, embora reconhecendo nossa ver-dadeira condição pecaminosa. Salva-ção pela graça significa ser liberto da insensatez de implantar nosso ego no

centro com a crença de que devemos chegar à perfeição sem pecado para ter a certeza da salvação.

Salvação pela graça não é um pó de “pirlimpimpim”. A obra da graça não é algum encanto mágico onde nossa fra-queza e indignidade termina em poder e suficiência pessoal antes da vinda de Cristo. A graça salvadora nos intima a confessar nossa condição pecaminosa até que vejamos a Cristo face a face. O que é certo na salvação pela graça não é que nossa vida seja magicamen-te transformada em impecabilidade. O que se torna evidente é que a vitória se aperfeiçoa em nossa fraqueza.

Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” (Jo 6:44). Essa passagem ensina que o pecador é salvo somente pela graça, mas não há nada nesse texto que tolere qualquer forma o pecado. Todavia, porque estamos mutilados pelo pecado, devemos sempre viver pela graça de Deus.

Uma coisa está clara: se a graça salvadora e transformadora de Deus fosse retirada a qualquer momento, mergulharíamos nas profundezas do pecado e pereceríamos para sempre.

Mas Deus, sendo rico em misericór-dia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida jun-tamente com Cristo, – pela graça sois salvos, e, juntamente com Ele, nos res-suscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mos-trar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto

Page 19: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 41

não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas (Ef 2:4-10).

Quão absurdo é supor que ser salvo pela graça e reconhecer a pe-caminosidade do coração humano significa encorajar o pecado na vida. Aqueles que são mais sensíveis à na-tureza do pecado interiormente são os que procuram contínua libertação do seu poder através da dependência de Cristo. Há uma contínua descon-fiança do ego e uma crescente depen-dência do poder de Deus.

Nenhum pecado deve ter domínio sobre nós. O pecado não é mais nosso senhor, Cristo o é. O cristão com um “coração perfeito” vive em um estado de graça até a vinda de nosso Senhor, “olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus” (Hb 12:2). Nunca desconfiamos do amor salvador e perdoador de Deus. Com singeleza de coração e mente entregamos cada dia nossa vida a Ele. Toda perfeição sem pecado está na pessoa de Cristo. Somos perfeitos na medida em que vi-vemos nele e nunca em nós mesmos.

amor, o caminHo mais excelente

O resumo da vida perfeita é:

Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Ama-rás o teu próximo como a ti mesmo (Mt 22:37-39). Ouvistes que foi dito:

Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. ... Porque, se amar-des os que vos amam, que recompen-sa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? ... Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste (Mt 5:43-48).

O mandamento para ser perfeito nesta passagem centraliza-se em nossa capacidade de amar como Deus ama. Para sermos capazes de amar a Deus de todo o nosso coração e ao nosso próxi-mo como a nós mesmos devemos ser participantes do perfeito amor de Cris-to. Manifestar esse amor significa parti-lhar da vida essencial e da qualidade do amor de Deus. Nós os que temos este amor estamos em completa harmonia e união com Cristo.

A fim de que todos sejam um; e como és Tu, ó Pai, em mim e Eu em ti, tam-bém sejam eles em nós; para que o mundo creia que Tu me enviaste. Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como Nós o somos; Eu neles, e Tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conhe-ça que Tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim. ... Pai justo, o mundo não te conheceu; Eu, porém, te conheci, e também estes compreenderam que Tu me envias-te. Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja ne-les, e Eu neles esteja” (Jo 17:21-26).

O cristão que tem este amor de Cristo e o manifesta, tem um perfeito

Page 20: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

42 / Parousia - 2º semestre de 2008

amor. A pessoa que vive pela justi-ça de Cristo tem uma perfeita justi-ça em sua vida. Aquele que possui o fruto do Espírito é um participante dele. Quem possui a fé de Jesus é um participante da fé perfeita. Estas qua-lidades podem não ser plenamente expressas e percebidas em sua com-pleta possibilidade, mas o amor que temos é um perfeito amor em virtude do Cristo que habita em nós.

Estamos plenamente comprome-tidos com esse ideal, tendo uma de-voção sem reservas a Cristo. Esse é o objetivo que perseguimos ao longo da vida. “A verdadeira santificação significa perfeito amor, perfeita obe-diência, perfeita conformidade com a vontade de Deus.”5 “Os que amam a Deus têm o seu selo na testa.”6

A pergunta não é se somos capa-zes de amar tão perfeita e tão absolu-tamente como Deus, mas se estamos agora manifestando esse mesmo amor em virtude da habitação de Cristo em nós. Se o fazemos, participamos des-sa mesma perfeição.

Há uma ligação de amor entre nós e Cristo, acima e além da consciên-cia de nossas fraquezas e de nossa in-dignidade. Estamos certos do eterno amor de Deus. Sabemos que o Espí-rito Santo continuará a desenvolver o que Deus tem posto em nós. Estamos certos da suficiência do amor aplica-do a nós. O eterno amor de Deus, a eterna vigilância dos anjos, o ministé-rio celestial de Cristo em nosso favor, tudo nos une ao Deus vivo. No meio de todas as tentações e provações, das fraquezas da carne, conhecemos e experimentamos o apoio dos braços

eternos de Deus. Não existe nada que se ponha entre Cristo e nós.

Perfeição se refere à plenitude de Cristo e seu amor em nossa vida. Não pensamos nisso em termos de um sis-tema atomizado, de tantas qualida-des separadas a serem melhoradas e aperfeiçoadas. Igualar perfeição com impecabilidade é enfatizar os aspec-tos negativos da vida cristã em vez da plenitude que devemos usufruir em Cristo. A questão não é ser sem pecado, mas ter nossa vida completa nele, cheia do amor de Deus. Certa-mente buscaremos continuamente e oraremos por libertação de tudo o que é egocêntrico e pecaminoso.

Perfeição em amor significa viver em Cristo e Cristo viver em nós. In-terpretar perfeição como significando “impecabilidade” tende em direção da conformidade com normas, regras, mandamentos. A tendência é que a religião fique repleta de ansiedade e um senso de culpa em cada infração da regra. Isto pode facilmente levar à comunicação de desprazer, desapro-vação, rejeição daqueles que diferem de nós e não agem exatamente como pensamos que deveriam. Há mais pre-ocupação com o que as pessoas devem e não devem fazer do que com o que elas realmente são, pessoas completas e filhos de Deus. Ser a espécie correta de cristão não é encarada.

Entretanto, o amor mediante o Es-pírito Santo requer que sejamos pesso-as genuínas e amorosas, não pessoas perfeitas. Não rogamos simplesmente por perfeição, mas pela plenitude de Cristo. O amor a Cristo de todo o nos-so coração e entendimento não brota

Page 21: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 43

em realizações morais ou religiosas isoladas. Cristo no coração significa que estar com Ele é tudo o que nos diz respeito. É para Ele que testemunha-mos, não para nós mesmos e para nos-sas realizações dentro da religião. O amor de Cristo não enfoca o centro de atenções em nós mesmos. O amor não faz de nós peças de museu que atraem as manchetes. Não estamos tentando adaptar nossa vida a qualquer regra le-gal. Tornamos-nos um com Cristo em vida e em propósito. Glorificamos a Cristo, não a nós mesmos.

A solução não é a crença de que te-mos finalmente chegado à perfeição em todos os requisitos de Deus de forma que agora somos superiores e estamos entre as pessoas que atingiram o ponto mais alto. Nunca será demais dizer que somente Cristo é a única e suficiente perfeição e justiça do ser humano. O assunto básico é o poder salvífico de Cristo e sua justiça, não a impecabili-dade do crente. Nossa vida está escon-dida com Cristo em Deus. Andar com Deus em amor é o principal.

O verdadeiro progresso rumo à perfeição cristã é o avanço em compreender e experimentar Jesus Cristo. Uma norma perfeita isolada posta diante de nós é limitada em seu poder. Mas uma pessoa, com co-munhão ilimitada, tal como Cristo, é inesgotável. Não podemos encerrar Cristo dentro de um dogma. Jesus concretiza e individualiza o segredo do cristianismo, renovando perpe-tuamente nossa mente e nossa vida, surgindo em nós em novo poder de dia em dia, desenvolvendo novas energias espirituais.

A mensagem de Jesus não está preocupada em que alcancemos a perfeição, mas que concretizemos seu amor em nós. Ele inicia em nos-so coração e mente o processo que dá vida abundante. Seu caráter revela nossa necessidade do amor remidor de Deus. Jesus comunica a realidade divina porque nEle está a plenitude de Deus. Ele mostra o que podemos fa-zer quando Ele vive em nós. “Olhan-do para Jesus” torna-se uma aspiração de amor em direção do “homem per-feito”, em direção da medida da es-tatura da plenitude de Cristo. Nosso progresso espiritual dá testemunho de sua presença em nosso coração. O ideal não é definido pela obediência a uma lei. O ideal em Cristo é grande de-mais para ser captado e compreendido imediatamente. Apenas podemos per-mitir que Cristo nos ame ao máximo. Em nossa posse dele e sua posse de nós, a esperança opera continuamente em direção do ideal cristão. Jesus traz esperança ao nosso coração, levando-nos a estender a mão adiante do que somos para o que finalmente seremos. Somos salvos pela esperança.

Nossa participação do ideal não é através da pressão de preceitos ou teorias, mas pelo toque e o apoio de uma pessoa. O amor de Cristo des-perta amor em nosso coração, nos faz partilhar seu ideal, propósito e missão para salvar os perdidos. Amando a Cristo, participamos do seu triunfo.

Esse é o penhor divino de trans-formação e restauração final àque-la vida perfeita para a qual Ele nos criou. Essa esperança de nos tornar-mos semelhantes a Ele persiste em

Page 22: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

44 / Parousia - 2º semestre de 2008

nosso coração, inspira nossa vida e anima nosso espírito. Em nossa fra-queza estamos aliados à sua força. Embora vejamos como em espelho, obscuramente, temos um claro conhe-cimento de perfeição nele. Em nossa insegurança, estamos unidos ao seu amor. Aguardar e buscar a supremacia de Cristo e semelhança com Ele está entre os mais excelentes e mais ins-pirados exercícios e expectativas que podemos conhecer. Essa é a certeza, não em nós e de nós mesmos, mas no evangelho do soberano amor que veio governar nosso coração e vida.

O amor a Deus deve ser um prin-cípio vivo, subordinando cada ato, palavra e pensamento. ... então nos será natural buscar pureza e santi-dade, evitar o espírito e exemplo do mundo e procurar beneficiar todos os que nos rodeiam, como é para os anjos da glória executar a missão de amor a eles designada.7

Um dos inimigos da vida cristã é manter sob vigilância o próprio eu sem andar com Deus. Muito freqüen-temente os perfeccionistas religiosos vivem como um exemplar de expo-sição em uma vitrine de loja. Nessa abordagem é mais fácil sacrificar-se no altar do extremismo religioso do que amar a Deus e amar aos não-amáveis. Precisamos enfrentar com toda fran-queza o perigo de tornar a “perfeição” um processo egocêntrico, algo a ser atingido por ardente esforço e rígida concentração. Por esse método você pode granjear a atenção e admiração pelos seus esforços. Mas onde está o amor a Deus e ao ser humano? Amar a

Deus e ao próximo não atrai a atenção para nós mesmos. Calcular, analisar, julgar os próprios erros ou de outros, nunca nos leva para além de nós mes-mos. Somente contemplando a Cristo somos “transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3:18).

A conformidade com uma nor-ma perfeita não satisfaz o coração de Deus ou o de nós mesmos. Como pais, isso é verdade em relação aos nossos filhos: desejamos mais do que conformidade com as normas de casa. Queremos a lealdade, o amor e a devoção de nossos filhos e filhas. Nada mais satisfará. Isso é o que Deus quer de seus filhos.

A verdadeira santificação liga os cren-tes a Cristo e uns aos outros pelos la-ços de terna simpatia. Esta união faz fluir continuamente no coração fartas correntes de amor como o de Cristo, as quais refluem novamente em amor mútuo. As qualidades essenciais a todos são as que assinalavam a in-tegridade do caráter de Cristo – seu amor, sua paciência, abnegação e bondade. ... Os cristãos amam os que os cercam como pessoas preciosas por quem Cristo morreu. Não há tal coisa como seja um cristão destituído de amor; pois “Deus é amor”.8

Um “coração perfeito” ama ao Senhor no máximo de sua capaci-dade e percepção. O amor é a nossa resposta total a Deus e ao homem. Nossa é a “fé que atua pelo amor” (Gl 5:6). Um coração imperfeito é um coração dividido, dividido em seu amor e lealdade.

Page 23: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

“Prossigamos Para Perfeição” / 45

É dito sobre Enoque que ele “an-dou com Deus e já não era, porque Deus o tomou para Si” (Gn 5:24). Enoque era perfeito em seu relacio-namento com Deus. Deus o trasladou para o Céu sem ver a morte porque ele estava preparado para a compa-nhia dos seres perfeitos. Nada é dito de sua impecabilidade. Ele andava com Deus em amor. Isso é perfeição bíblica. Totalmente entregue a Deus, o verdadeiro cristão está absorto em Cristo e não obcecado consigo mes-mo em seus esforços para atingir a impecabilidade.

É impossível refletir a imagem de Cris-to a menos que este amor de origem celeste esteja em nosso coração. Nin-guém cruzará os portais da cidade de Deus, caso não reflita esse atributo.9

Vindo, porém, uma viúva pobre, de-positou duas pequenas moedas, cor-respondentes a um quadrante. E, cha-mando os Seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta viúva pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela, porém, da sua po-breza deu tudo quanto possuía, todo o seu sustento (Mc 12:42-44).

Cristo elogiou essa viúva, não segundo a norma de perfeição sem

pecado, mas porque ela havia dado tudo o que possuía com um “coração perfeito”. Nem Deus exigiria mais do que isso. Ao ela fazer tudo de co-ração e dar tudo o que possuía, fez uma obra perfeita.

O ponto essencial é a atitude. O crente não leva a Deus uma natureza pecaminosa completamente erradica-da, mas pode levar um amor e devoção a Cristo e sua justiça que nunca pode ser satisfeito com menos. Se nós como cristãos levamos tal resposta de coração, então Deus aceita e considera o que re-almente tencionamos e desejamos como se fosse assim a realidade, e na sua vin-da Ele assim o fará. Não somos de fato sem pecado, mas completos na fé que opera por amor no melhor de nossa ca-pacidade. Somos um com Deus.

Perfeição bíblica significa que que-remos a Cristo, que amamos a Cristo, que usufruímos de Cristo. Significa an-dar com Deus como Enoque andou, de forma que nunca estamos sozinhos em nossa vida. Essa é o objetivo supremo e crucial em nossa vida. Quando o Es-pírito Santo inunda nossa vida com o amor de Deus de tal maneira que man-temos comunhão diária com Cristo e achamos impossível negá-lo, de sorte que nossa vida é derramada em com-paixão pelos perdidos, realmente não existe mais nada a ser feito.

Page 24: e H , P .d (1901 - 1994) - circle.adventist.orgcircle.adventist.org/files/unaspress/parousia2008022323.pdf · a vontade de Deus. A Bíblia nunca ... Unicamente sob a condição de

referências 1 Publicado originalmente em Edward

Heppenstall, “Let Us Go On to Perfection”, em Herbert E. Douglass Edward Heppenstall, Hans K. LaRondelle e C. Mervyn Maxwell, Perfection: The Impossible Possibility (Nash-ville, TN: Southern Publishing Association, 1975), 57-88. Traduzido do original em in-glês por Francisco Alves de Pontes.

2 Ellen G. White, Testemunhos Para a

Igreja, 8:86.3 Idem, Mensagens Escolhidas, 1:337.4 Idem, Caminho a Cristo, 64, 65.5 Idem, Atos dos Apóstolos, 565.6 Idem, Filhos e Filhas de Deus, 51.7 Idem, Review and Herald, 23 de outu-

bro de 1888.8 Idem, Filhos e Filhas de Deus, 102.9 Ibid., 148.