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Medicina Interna Hoje 1 “A MEDICINA INTERNA é A ESPECIALIDADE RAINHA DA COORDENAçãO DE CUIDADOS” Isabel Vaz Presidente da Comissão Executiva do Grupo Espírito Santo Saúde Julho de 2011 • Ano VI • N.º 20 • Trimestral Hoje Estudo de opinião revela o que os portugueses sabem sobre a Medicina Interna

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Medicina Interna Hoje 1

“A MedicinA internA é A especiAlidAde rAinhA

dA coordenAção de cuidAdos” isabel Vaz

presidente da comissão executiva do Grupo espírito santo saúde

Julho de 2011 • Ano VI • N.º 20 • Trimestral

Hoje

estudo de opinião revela o que os portugueses sabem sobre a Medicina interna

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2 Medicina Interna Hoje

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Medicina Interna Hoje 3

de portas abertas

Tempo de Mudança

Isabel Vaz, entrevistada nesta edição da Medicina Interna Hoje é portadora de uma mensagem muito mais im-portante do que descrever o papel de do Médico Internista como “distri-buidor de jogo” ou de “número 10 da equipa de futebol” - que não deixa de ser uma visão interessante de quem está habituado a uma estratégia de gestão direccionada para os resul-tados. Com efeito, Isabel Vaz não só preconiza este papel do Internista, como vai mais além: defende que a Medicina Interna é financeiramente eficaz e fundamenta com o facto de os valores de retribuição dos servi-ços prestados no contexto da Medi-cina Interna estarem mal calculados. Numa gestão adequada, com um sis-tema de financiamento correcto, esta situação deve ser corrigida, para que exista uma análise financeira correcta na utilização destes especialistas.A SPMI publica, nesta edição, os re-sultados de um estudo que conclui que, apesar de mais de metade dos portugueses já terem sido internados ou terem ido a consultas em Hos-pitais, apenas 17 por cento julga ter sido acompanhado por internistas, o que revela, de facto, que o termo Me-

ponto por ponto

Faustino Ferreira

4 olho clínicoSPMI abre comemorações

dos 60 anos

17.º Congresso Nacional de Medicina Interna

Formação dos Internistas no Serviço de Urgência

Pela primeira vez em Portugal, Lawrence L.Weed

6 Vox popEstudo de opinião sobre

a Medicina Interna

7 raio xRegisto de Saúde Electrónico em

PortugalPor Luís Campos

8 Alta VozAnemia perniciosa – Casos Clínicos

por Tânia Gaspar | Patrícia Monteiro | Sílvia Sousa

10 uma palavra a dizerEntrevista com Isabel Vaz

Presidente da Comissão Executiva do Grupo Espírito Santo Saúde

16 primeiros passosVida de InternoPor Carlos Carneiro

17 do lado de cáEstá na hora…

Por Isabel Moiçó

dicina Interna não faz parte do léxico habitual de mais de metade dos Por-tugueses: apenas 44 por cento dos inquiridos afirma estar familiarizado com o termo. A campanha que se encontra a decorrer nos media e nos hospitais, através de cartazes e folhe-tos informativos, lançada há cerca de um mês, pretende colmatar este des-conhecimento e contribuir para que os utentes estejam mais informados e sejam parte dos serviços que a saúde lhes presta.Através do testemunho de Luís Campos, Coordenador Nacional do Registo de Saúde Electrónico (RSE) fazemos um ponto de situação sobre este tema. Este registo permitirá ar-mazenar e partilhar dados de saúde, relativos a cada cidadão, inclusive, além-fronteiras. Espera-se que o pro-cesso que decorre conduza à sua im-plementação durante o próximo ano e meio, não só porque consta da re-cente directiva europeia relativa aos direitos dos doentes - para a qual o RSE é um instrumento fundamental -, mas pela inserção do RSE como uma das duas medidas transversais na área da saúde no acordo de entendi-mento de Portugal com a troika.

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4 Medicina Interna Hoje

olho clínico

SPMI abre comemorações dos 60 anos com a presença de Jorge Sampaio

A cerimónia de abertura das come-morações dos 60 Anos da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) realizou-se a 12 de Maio na Ordem dos Médicos (OM), em Lisboa, com a presen-ça de Jorge Sampaio, enviado do Secre-tário-geral da Organização das Nações Unidas para a Luta Contra a Tuberculose.No espaço contíguo ao auditório, fo-ram expostos alguns dos elementos que integrarão a exposição comemo-rativa deste aniversário.O evento contou com a presença do

Porto recebeu 17.º Congresso Nacional de Medicina Interna

O 17.º Congresso Nacional de Medici-na Interna, organizado pela Socieda-de Portuguesa de Medicina Interna realizou-se entre 18 e 21 de Maio, no Centro de Congressos da Alfândega do Porto e recebeu mais de 1500 par-ticipantes. Francisco George, director-geral da Saúde no seu discurso de abertura da sessão solene, referiu que espera dos médicos internistas, contributos “na luta para a prevenção e controlo das doenças crónicas, que levará Portugal a participar numa cimeira da Organi-zação das Nações Unidas”.José Manuel Silva, bastonário da Or-dem dos Médicos (OM), destacou a importância da regulação do Acto Médico pelo poder político, para que

António Martins Baptista, Jorge Sampaio e António Pereira Coelho

Comissão organizadora: Luís Andrade, Helena Sarmento, João Araújo Correia, Olga Gonçalves, Paulo Paiva

e Vasco Barreto

bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva e António Pereira Coelho, presidente do Conselho Re-gional do Sul da OM, para além da participação de representantes de outras ordens profissionais e socie-dades médicas e representantes da Direcção-geral da Saúde.Nesta cerimónia foi lançado o prémio de jornalismo “Uma perspectiva sobre a Medicina Interna”, uma iniciativa da Sociedade que terá a sua primeira edição em 2011.

“se estabeleçam claramente regras que acabem com a «selva da saúde»”. Acrescentou que lamenta que a OM não tivesse sido ouvida pela troika para colaborar nas soluções da redução dos custos da Saúde, mostrando-se, no en-tanto, disponível para colaborar. António Martins Baptista, presidente da SPMI sublinhou a importância das novas formas de organização dos hospitais em que o Médico Internista tem um papel central na gestão do doente. Ressaltou a oportunidade de os Internistas poderem demonstrar que são elementos fundamentais na prestação de um serviço de me-lhor qualidade e com menor despe-sa, num momento histórico de crise económica.

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Medicina Interna Hoje 5

A importância da formação dos Internistas no Serviço de Urgência

O curso “O Internista e a Urgência” de-correu este ano, entre 6 e 7 de Junho, no Hospital Dr. Nélio Mendonça e foi coor-denado por Luz Reis Brazão, directora do Serviço de Medicina Interna desta unidade de saúde e por António Mar-tins Baptista, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.No curso, participaram 45 médicos vin-dos de todo o país. Destaca-se, nesta formação, o treino em cadáveres, acreditado pelo Instituto de Medicina Legal.

Pela 1.ª vez em Portugal, o “pai” do registo médico orientado por problemas

Lawrence L. Weed, o criador do registo médico orientado por pro-blemas, apresentou no Porto, no terceiro dia do 17.º Congresso de Medicina Interna, uma versão actu-alizada do tema, na lição magistral “The problem - Oriented Medical record – 40 Years later”. Com uma plateia de mais de 350 pessoas e 40 anos depois da cria-ção do registo médico que funda o pensamento e a organização da prática clínica em Portugal, La-wrence L. Weed aceitou o convite

Lawrence L. Weed

da Organização do Congresso e falou sobre a actualização da ar-quitectura e informatização do sis-tema que revolucionou o registo médico. Do conhecimento médico para o processamento da informação foi o grande legado que Weed cons-truiu, na busca do rigor e da estru-turação do pensamento.Medicine in Denial, o seu livro mais recente, editado este ano, foi alvo de uma sessão de autógrafos para os congressistas.

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6 Medicina Interna Hoje

vox pop

Mais de metade dos Portugueses (59 por cento) já estiveram internados ou foram a uma consulta num hospital mas apenas 17 por cento diz ter sido acompanhado por um Médico de Medicina Interna, revela um estudo da GfK, que avalia as percepções so-bre esta especialidade no sistema de saúde. O termo Medicina Interna não faz par-te do léxico habitual de mais de me-tade dos Portugueses, com destaque para os residentes na Grande Lisboa: apenas 44 por cento dos inquiridos afirmam estar familiarizados com o termo.Dos 17 por cento que julga ter sido acompanhado por um Internista, 27 por cento refere que foi durante um internamento num hospital e 16 por cento – um valor similar –, numa ci-rurgia. Só depois dos que associam o inter-nista ao bloco operatório, 16 por cen-to diz que terá sido visto por um Médi-co de Medicina Interna na Urgência de um Hospital. Oito por cento dos inqui-

Medicina Interna desconhecida por metade dos portugueses

vés de amigos ou familiares (27 por cento) que os inquiridos tomam co-nhecimento deste termo, sendo que 17 por cento estão familiarizados por entenderem ter sido acompanhados por um médico Internista; 8 por cento tomam conhecimento em Hospitais e três por cento em Centros de Saúde.Este estudo visou perceber a noto-riedade do termo Medicina Interna, a percepção sobre o tema de Medicina Interna e a incidência de pacientes já acompanhados por médicos Internis-tas e razões associadas.

Ficha TécnicaO Universo é constituído pelos indivíduos

com idades compreendidas entre os 18 e os

64 anos, residentes em Portugal Continental

A Amostra é constituída por 1.007 entrevistas.

A informação foi recolhida através de entre-

vista directa e pessoal na residência dos in-

quiridos, em total privacidade, com base em

questionário elaborado pela GfK Metris.

A recolha decorreu entre os dias 13 e 24 de

Maio, incidindo entre as 10h e as 22h, nos fins-

-de-semana e entre as 17h e as 22h, nos dias

úteis.

ridos revelam que são acompanhados por um Internista porque têm uma doença que precisa ser seguida, mas uma percentagem muito similar fala em cirurgias, em gravidezes e partos.Dos inquiridos que estão familiariza-dos com o termo “Medicina Interna”, 80 por cento estão esclarecidos quan-to à definição mais adequada para esta especialidade, referindo que se trata da “especialidade médica que se dedica ao acompanhamento dos doentes internados no hospital, e que integra o conhecimento de todas as doenças”. Ainda assim, 10 por cento considera ser “o mesmo que Clínica Geral”. Os dados revelam ainda que a maioria dos inquiridos que conhecem o termo (91 por cento), principalmente com idades entre os 55 e os 64 anos e resi-dentes no Grande Porto, reconhecem a importância da existência da espe-cialidade de Medicina Interna para os doentes hospitalares.É principalmente através da comuni-cação social (37 por cento) e/ou atra-

Não sabe / Não responde

Nunca fui a uma consulta /internado

Já fui a uma consulta /internado

1%

40%59%

Não sabe / Não responde

Não conheço este termo

Estou familiarizado

7%

49%

44%

Está familiarizado com o termo Medicina Interna?

Já foi a uma consulta ou já esteve internado num hospital?

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Medicina Interna Hoje 7

raio x

O Registo de Saúde Electrónico (RSE) é um serviço informático, de âmbito re-gional ou nacional, que reúne a infor-mação de saúde essencial sobre cada cidadão, ao longo do seu ciclo vital, tornando-a acessível de forma segura, sempre e onde seja necessária. Em Janeiro deste ano, o Governo em exercício nomeou uma Comissão Na-cional do Registo de Saúde Electróni-co, com o objectivo de implementar o RSE em Portugal até 2012.Entretanto, no 1.º semestre do ano, muito mudou em Portugal e a crise económica e os constrangimentos le-gais trouxeram dificuldades acrescidas ao desenvolvimento do projecto. No entanto, dois acontecimentos vieram dar-lhe um carácter de imprescindi-bilidade: a aprovação da directiva eu-ropeia relativa aos direitos dos doen-tes, em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços, que deve ser imple-mentada até 2013, — para a qual o RSE é um instrumento fundamental —, e a inserção do RSE como uma das duas medidas transversais na área da saúde no acordo de entendimento de Portugal com a Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu.Em termos nacionais e internacionais, a implementação de PCE (Processos Clínicos Electrónicos) e de RSE tem sido uma das prioridades na área da saúde. Na União Europeia, a agenda digital para a Europa estabelece como objectivo para 2012 a existência, em cada Estado membro, de um conjunto mínimo de dados de saúde, relativos a

o registo de saúde electrónico em portugal

cada cidadão, que possa ser partilha-do a nível transnacional.Para Portugal, o RSE é um projecto estruturante na área dos sistemas de informação na saúde, invertendo, no sentido da integração, um processo que se tem caracterizado pela frag-mentação e isolamento, com reduzi-do grau de interoperabilidade e certi-ficação inexistente. Se pensarmos que o RSE vai permitir aceder, de qualquer lugar e a qual-quer hora, à informação relevante de saúde de cada doente, é legítimo esperar enormes benefícios em ter-mos de continuidade de cuidados, na melhoria da sua qualidade, na se-gurança do doente e na redução de custos. O RSE permitirá ainda induzir uma maior normalização das nomen-claturas e interoperabilidade entre os diferentes sistemas e garantir uma maior confidencialidade no acesso à informação clínica do doente.A fantástica base de dados resultante será de enorme utilidade no apoio à decisão sobre políticas de saúde, pro-blemas de saúde pública, à investiga-ção científica e qualitativa.Finalmente, o RSE estabelece pontes entre sectores, tais como o público e o privado, cuidados primários, hospitais e cuidados continuados, entre univer-sidades, instituições prestadoras de cuidados, empresas de TIC, farmácias, laboratórios de análises e de imagio-logia, assim como entre os diferentes profissionais de saúde, gestores, téc-nicos de informática e cidadãos.Pensamos que temos boas condições

em Portugal para que a implementa-ção do RSE seja um sucesso: a dimen-são do país; um SNS centralizado; o elevado grau de informatização do sistema de saúde; o compromisso dos três principais partidos com o acordo de entendimento com a troika; o en-volvimento dos principais stakehol-ders nesta área; e a existência, a nível da Comissão Europeia, de uma diver-sidade de programas que são uma fonte inestimável de informação.Pretendemos desenvolver este pro-grama com elevado grau de flexibili-dade, de forma pragmática, partindo do simples para o complexo e apro-veitando o muito que já está instalado no terreno. Muitas são as possibilidades que se vão abrir, mas o que estamos actual-mente a fazer é o início de um cami-nho e não um ponto de chegada.

Luís CamposCoordenador Nacional do Registo de Saúde ElectrónicoPresidente do Conselho para a Qualidade em SaúdeDirector do Serviço de Medicina IV Hospital S. Francisco Xavier/CHLO

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8 Medicina Interna Hoje

CASO 1

Mulher de 41 anos, com diagnósti-cos prévios de atrofia muscular es-pinhal congénita e doença de Gra-ves, internada para esclarecimento de quadro clínico de astenia e lipo-tímias de repetição, com um mês de evolução.Na observação salientava-se pele e mucosas descoradas, língua despa-pilada e parésia distal dos membros superiores grau 4/5 e inferiores grau 3/5, com reflexos osteotendinosos diminuídos (alterações neuroló-gicas compatíveis com os antece-

dentes pessoais de atrofia muscular espinhal).Laboratorialmente assinalava-se: pan-citopénia (anemia macrocítica com hemoglobina de 7,9 g/dL e volume globular médio de 126 fL; leucopé-nia de 2840x109/L; trombocitopénia de 85000x109/L); reticulócitos di-minuídos (0,9 por cento); esfregaço de sangue periférico com presença de neutrófilos hipersegmentados; hiperbilirrubinémia não conjugada; elevação da lactato desidrogenase (6438 U/L); haptoglobina indoseá-vel e défice de vitamina B12 (93 pg/mL) com folatos normais. O anticor-

po anti-factor intrínseco revelou-se positivo, com anticorpo anti-célula parietal negativo. O mielograma documentou hiperplasia eritroide e megaloblastose. A endoscopia di-gestiva alta não mostrou alterações macroscópicas. As biópsias do cor-po gástrico evidenciaram aspectos compatíveis com gastrite crónica atrófica, sem presença de bacilos de Helicobacter pylori.Foi estabelecido o diagnóstico de ane-mia perniciosa, tendo iniciado terapêu-tica com cianocobalamina parentérica com resolução sintomática e normali-zação dos parâmetros hematológicos.

alta voz

Casos Clínicos

Anemia perniciosaCasos clínicos que ilustram o envolvimento multi-sistémico desta patologia e visam destacar adversidade de manifestações clínicas associadas a uma mesma entidade nosológica.

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CASO 2

Mulher de 37 anos, raça melanoder-moide, sem antecedentes pessoais re-levantes, internada para esclarecimen-to de quadro clínico de epigastralgias, náuseas e vómitos pós-prandiais, com cerca de um mês de evolução. Na observação salientava-se palidez das mucosas, icterícia das escleróticas e língua despapilada.Laboratorialmente destacava-se: bi-citopénia (anemia macrocítica com hemoglobina de 5,9 g/dL e volume globular médio de 110 fL; trombocito-pénia de 128000x109/L); reticulocitose (22 por cento); esfregaço de sangue periférico revelando hipersegmen-tação dos neutrófilos; hiperbilirrubi-némia não conjugada; elevação da lactato desidrogenase (7697 U/L); haptoglobina indoseável e défice de vitamina B12 (90 pg/mL) com folatos normais. Os anticorpos anti-factor in-trínseco e anti-célula parietal foram positivos. O mielograma revelou-se compatível com anemia megaloblásti-ca. A endoscopia digestiva alta docu-mentou importante atrofia da mucosa gástrica correspondendo histologica-mente a gastrite atrófica, não se iden-tificando bacilos de Helicobacter pylori.Foi diagnosticada anemia perniciosa, tendo-se assistido a resolução sinto-mática e normalização dos parâme-tros hematológicos sob terapêutica com cianocobalamina.

CASO 3

Mulher de 69 anos, com diagnóstico prévio de síndrome depressivo de longa evolução, internada por quadro de delírio, astenia e anorexia com seis meses de evolução.Na observação destacava-se palidez da pele e mucosas, língua despapi-lada, discurso incoerente e delirante, alucinações visuais e exame neuroló-gico sem alterações. Do ponto de vista laboratorial a des-tacar: anemia macrocítica (hemoglo-bina de 8 g/dL com volume globular médio de 130 fL); reticulócitos dimi-nuídos (0,4 por cento); elevação da lactato desidrogenase (678 U/L); mar-cado défice de Vitamina B12 (<15 pg/mL), com folatos normais. Documen-tou-se anticorpo anti-factor íntrinse-co positivo, com anticorpo anti-célula parietal negativo. O mielograma foi compatível com anemia megaloblás-tica. A endoscopia digestiva alta reve-lou atrofia difusa da mucosa gástrica, correspondendo histologicamente a gastrite crónica com atrofia intensa, sem sinais de actividade e sem iden-tificação de bacilos de Helicobacter pylori.Perante o diagnóstico de anemia perniciosa iniciou terapêutica com cianocobalamina intramuscular com resolução do quadro hematológico, resolução do delírio e melhoria do quadro depressivo.

Casos clínicos apresentados por: Tânia Gaspar (Interna de Medicina Interna do 5º ano), Patrícia Monteiro (Interna de Medicina Interna do 5º ano e Sílvia Sousa (Interna de Reumatologia do 1.º ano; caso apresentado durante o estágio de Medicina Interna).

Esta doença tem uma diversidade de formas de apresentação que ultrapassa de apresentação ultrapassa o estrito âmbito hematológico. Este aspecto associado à sua evolução clínica, multiplicidade de métodos complementares de diagnóstico utilizáveis e o razoável grau de incerteza na resposta ao tratamento, reforça o carácter abrangente e didáctico desta patologia na sua abordagem pelo Internista

CONCLUSãO

A Medicina Interna assume-se como uma especialidade com uma visão médica eminentemente globalizante e integradora. A anemia perniciosa é uma doença autoimune de evolução insidiosa, cuja diversidade de formas de apresentação ultrapassa o estrito âmbito hematológico. Este aspecto associado à sua evolução clínica, mul-tiplicidade de métodos complementa-res de diagnóstico utilizáveis e o razo-ável grau de incerteza na resposta ao tratamento, reforça o carácter abran-gente e didáctico desta patologia na sua abordagem pelo Internista. Os três casos clínicos apresentados ilustram o envolvimento multissistémico desta patologia e visam destacar a diversi-dade de manifestações clínicas asso-ciadas a uma mesma entidade nosoló-gica, nomeadamente hematológicas, gastrenterológicas e psiquiátricas.

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10 Medicina Interna Hoje

uma palavra a dizer

Financeiramente eficazMedicina Interna

Isabel Vaz, presidente da Comissão Executiva do Grupo Espírito Santo Saúde, revelou à Revista Medicina Interna Hoje a importância de retirar os médicos da sua zona de conforto e exortá-los a trabalhar com base numa estratégia de governance clínico de diálogo e de coordenação multidisciplinar. Tudo em benefício do doente.

Por que razão o Estado teve necessi-dade de lançar as Parcerias Público Privadas (PPP) na área da saúde?O Estado lançou-as, na minha opinião, não pelo motivo certo. Introduzir ino-vação na rede de prestação hospita-lar pública, competitividade e novas formas de gerir teria sido o motivo

certo. A verdadeira razão, porém, foi não haver dinheiro para se renovar o parque hospitalar ou construir novos hospitais, que eram necessários. Foi para fazer alguma desorçamentação, visto que os rácios de dívida pública de longo prazo já estavam muito pressio-nados.

Em que medida podem as PPP na saúde garantir o serviço público?As PPP tiram peso do Estado na Eco-nomia. No caso da saúde, não há qualquer problema em que algumas unidades tenham gestão privada por-que o acesso universal e os princípios subjacentes à criação do nosso Serviço

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Medicina Interna Hoje 11

cuidados de saúde, é igual. O Hospital da Luz só é diferente porque opera no contexto do sector privado, sendo a base do seu financiamento segurado-ras, subsistemas ou pagamentos direc-tos dos cidadãos. De resto, os desafios de gestão são os mesmos – fazer mais e melhor com cada vez menos recur-sos e ter um projecto clínico capaz de atrair os melhores profissionais. Esta é a maior diferença face ao sector públi-co. A nossa procura não está garanti-da, é preciso merecê-la.

Sente que os valores do serviço pú-blico a motivam mais como gestora de saúde?Os valores pelos quais nos regemos são os mesmos, no sector público e no sec-tor privado. No Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, somos responsáveis pelos cuidados a uma população, no âmbito de um contrato que está muitíssimo bem feito. Temos de adaptar algumas formas de gestão, mas os princípios são os mesmos. Sempre que cumprimos a nossa missão de diagnosticar e tratar de forma eficiente e eficaz quem nos procura, no respeito absoluto pela indi-vidualidade de cada doente, sentimos como organização que prestamos um serviço relevante à sociedade. É indife-rente se o fazemos no âmbito do servi-ço público ou privado.

E do ponto de vista de organização?Do ponto de vista de modelos de or-ganização, o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, terá um modelo de gover-nance clínico relativamente inovador em Portugal. Por exemplo, na perspec-tiva da Medicina Interna, a organiza-ção dos vários serviços tem de ter em conta que a abordagem do doente é cada vez mais multidisciplinar. Por via dos factores demográficos e de evo-lução tecnológica, os doentes vivem cada vez mais e sofrem de várias pa-tologias em simultâneo, sendo a Medi-cina Interna a especialidade ‘rainha’ da coordenação de cuidados.

Em que momento é que o Grupo se deu conta das vantagens de uma or-ganização multidisciplinar, que ul-trapasse as barreiras dos serviços? A Espírito Santo Saúde (ESS) lançou-se neste sector depois de o estudar muito bem a nível nacional e internacional. A evolução da organização hospitalar na última década foi impressionante, procurando adaptar-se às novas ne-cessidades dos doentes. O Hospital da Luz foi pensado e criado de raiz, pelo que pudemos aplicar uma nova orga-nização e uma visão de governance clínico, que foi amplamente estudada por nós, gestores, e pelos médicos que integram as nossas equipas. Desde a primeira hora, tivemos médicos que já acreditavam que era este o modelo a seguir mas, nos hospitais em que tra-balhavam, não o conseguiam imple-mentar. Num projecto construído de raiz foi mais fácil inovar.

E qual o papel da Medicina Interna neste modelo?A Medicina Interna, no contexto da complexidade crescente dos cuidados de saúde, passou a assumir um papel central. Em muitos hospitais, é ainda uma especialidade fechada e “massa-crada”: sobram para a Medicina Inter-na os doentes que ninguém quer. A eficiência passa pela centralização, na Medicina Interna, da coordenação dos cuidados hospitalares e, sobretudo, pela articulação com todas as outras especialidades. É a Medicina Interna que garante que um doente é visto por uma equipa que integra diferentes especialidades e que produz um plano de diagnóstico e terapêutico coerente. Mas não se pode passar do “oito para o oitenta”, para um patamar em que as outras especialidades hospitalares ficam subalternizadas. Os líderes da Medicina Interna têm de ser bons co-ordenadores, ter bom senso e saber introduzir as outras especialidades neste modelo de organização multi-disciplinar.

Nacional de Saúde (SNS) não são ga-rantidos pela posse dos meios de pres-tação, mas sim através da função so-berana de mutualização do risco para se garantir a solidariedade, com finan-ciamento via impostos e via contratu-alização com os prestadores. Quando a contratualização com prestadores privados, com ou sem fim lucrativos, é bem feita, não se está a pôr em causa o interesse público. Aliás, o príncipio subjacente às PPP é que justamente se poupe dinheiro ao Estado. Na prática, se um hospital público, que deveria estar a funcionar com um custo de 80, estiver a fazê-lo com um custo de 100, o Estado pode concessionar a sua ges-tão a um privado por 90 e poupar 10; se o privado gastar 80, encaixa mere-cidamente os outros 10. Obviamente, é exigido pelo Estado que a qualidade dos serviços prestados seja a mesma ou melhor.

O Hospital Beatriz Ângelo, em Lou-res, constitui um desafio diferente para a Espírito Santo Saúde?É um hospital que exige da Espírito Santo Saúde uma grande coordenação com a rede pública de prestação de cuidados. Desde logo, este Hospital, ao contrário das restantes PPP, não é uma substituição de uma unidade já exis-tente, ainda que implicitamente o seja - porque as pessoas daquela região hoje são servidas por outros hospitais. Assim, é nossa obrigação contratual recrutar o quadro de pessoal do novo hospital dentro da rede pública exis-tente, para que não haja duplicação de custos quando o hospital abrir. Esta PPP implica, assim, uma reorganização da oferta hospitalar da zona de Lisboa e uma excelente articulação. É um de-safio interessante e o papel da ARS tem sido fundamental.

E comparando este desafio com o do Hospital da Luz?Do ponto de vista dos objectivos, em termos de qualidade da prestação de

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12 Medicina Interna Hoje

Devem encontrar-se os modelos correctos de articulação das espe-cialidades, em que os profissionais de saúde saiam dos “silos” de cada especialidade e passem a trabalhar em equipa e multidisciplinarmente, colocando o doente no centro da or-ganização.

O serviço de urgência não devia ser assim organizado também?Já é o local onde a Medicina Inter-na tem o palco maior. No serviço de urgência, é a Medicina Interna que “distribui o jogo” para as outras es-pecialidades.

Na prática, como se deve então or-ganizar um hospital?O que é importante na organização de um hospital é garantir que, quan-do um doente entra - independente-mente da hora, do dia ou da equipa que o recebe - ele seja assistido de forma consistente e adequada à sua situação. É para isso que contribuem os standards e guidelines, ou seja, orientações clínicas sustentadas pela medicina baseada na evidência.

Como deve funcionar na prática essa multidisciplinaridade?Através de reuniões multidiscipli-nares para discussão de casos, para perceber o que é que foi ou não cumprido e o que determinou a evolução do doente. Ou seja, orga-nização do trabalho médico e muita, muita cooperação. As camas deixam de ser dos médicos e dos serviços e passam a ser dos doentes...O Médico de Medicina Interna tem uma enor-me importância, mas os das outras especialidades também. Como re-

trenterologia, a Anatomia Patológica e a Radiologia.

E quais são as vantagens financei-ras desta organização, que trata a Medicina Interna de forma diferen-te?Nos moldes em que actualmente é feito o financiamento aos hospitais públicos, a Medicina Interna parece representar um prejuízo enorme para os hospitais. De facto, os GDH das do-enças da Medicina Interna não pagam os custos que os hospitais têm com os doentes desta especialidade. Se os ad-ministradores hospitalares levassem isto à letra (e são avaliados de acordo com os resultados do hospital), pode-riam dizer: ‘Não me interessa nada ter Medicina Interna porque dá prejuízo ao hospital’. No entanto, sabemos que esta é uma especialidade abso-lutamente central. O problema reside, precisamente, no facto de os valores de retribuição dos serviços prestados no contexto da Medicina Interna esta-rem mal calculados. Numa perspecti-va de contratualização correcta dos cuidados, não existem doenças que dão prejuízo. O que hoje existe são preços mal estabelecidos. Na tabela pública actual, existem actos que es-tão sobrevalorizados e que, por isso, são utilizados para subsidiar outros, cujo custo real é superior ao valor de retribuição estabelecido. Ora, este não é, obviamente, o modelo correc-to. Adicionalmente, estas distorções da tabela de preços hospitalares não permitem comparar de forma trans-parente os resultados dos hospitais públicos (sobretudo quando têm perfis assistenciais substancialmente diferentes), com um claro incentivo à

uma palavra a dizer

“A eficiência passa pela centralização, na Medicina Interna, da coordenação dos cuidados hospitalares”

feri, não é preciso passar do “oito” - para o “oitenta”. No meio é que está a virtude. É isto que se pede aos mé-dicos e aos líderes clínicos: que te-nham a capacidade de se organizar multidisciplinarmente e de trabalhar em equipa.

É aqui que entra o modelo de tra-tamento do doente por patologia e não por serviço?Há múltiplas formas de concretizar esta multidisciplinaridade, não há receitas perfeitas nem iguais para todos os hospitais. Mas a “chave” está aí: as pessoas têm de compre-ender que só juntando-se à volta do doente é que vão conseguir. Centrar a assistência no doente é uma frase feita, que tem de ter tradução na re-alidade.

Considera, portanto, que a organi-zação por serviços já é um modelo do passado?Sim. No Hospital Beatriz Ângelo te-remos um Departamento de Medi-cina - que agrega todas as valências da área da Medicina (Cardiologia, Neurologia, Endocrinologia, entre outras) - e teremos um Departa-mento de Cirurgia. Mas esta divisão não é rígida. Por exemplo, algumas das especialidades que são médico--cirúrgicas - e que são consideradas, por vezes, “mais médicas” - podem estar integradas num departamento cirúrgico. Dou o exemplo da Gas-trenterologia, que será integrada no Departamento de Cirurgia, porque queremos desenvolver um Centro de Patologia Digestiva, que neces-sariamente envolve a articulação íntima entre a Cirurgia Geral, a Gas-

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tomada de decisões erradas do pon-to de vista do planeamento da oferta de serviços (por exemplo, não deixar crescer serviços que “dão prejuízo” ou duplicar a oferta em serviços “muito rentáveis”) ou, pior, a fazer cherry-pi-cking e selecção adversa de doentes, sobretudo para os hospitais de fim de linha, situações que do meu ponto de vista cumpriria corrigir de forma prio-ritária. Curiosamente, o sector privado - que também tem deficiências graves no domínio do seu financiamento, nomeadamente o plafonamento das despesas ou a restrição de coberturas - não padece deste nível de distorção. Os preços são tipicamente calculados de forma coerente com o custo real médio dos actos praticados.

Estudos defendem que a opção por uma organização de saúde que de-penda mais da Medicina Interna pode ser financeiramente mais efi-caz…Sim, isso é correcto. Por um lado, ao nível da doença, criar interdisciplina-ridade e tratar os doentes de forma

correcta significa poupar recursos em termos de meios complementares de diagnóstico e prescrições de fármacos desnecessárias, bem como tempos médios de internamento ou read-missões evitáveis. A coordenação de cuidados gera sempre poupança. E a Medicina Interna, pelo papel que tem, promove essa relação directa.

Será que a Medicina Interna pode substituir a presença de outras es-pecialidades?Não. O que se pode é poupar milhares de horas em presença física de médi-cos de todas as outras especialidades, em permanência 24 horas por dia, 365 dias por ano. Em muitos casos, a pre-sença física permanente de algumas especialidades não é necessária, e noutros pode ser substituída pela Me-dicina Interna.

Refere-se ao diagnóstico?Não só. Refiro-me ao diagnóstico, ao estabelecimento da estratégia tera-pêutica e também ao tratamento dos doentes. A Medicina Interna “distribui

jogo”, é o número dez da equipa, na linguagem do futebol.

E por que razão esta especialidade não é mais aproveitada? Provavelmente, por interesses cor-porativos. Porque toda a estrutura de remuneração médica está mal pensada e inadaptada à realidade. É baseada em horas extraordinárias, o que deveria ser mudado. Os médicos devem ser remunerados correcta-mente e o seu trabalho organizado, sem necessidade de recorrer, de forma sistemática, a horas extraor-dinárias. As horas estraordinárias deveriam ser justamente isso: extra-ordinárias! Como já referi, o modelo de governance clínico que vigora deveria ser alterado e passar a cen-tralizar a acção na Medicina Interna, libertando o tempo das outras es-pecialidades. Para isto, é necessária maturidade organizacional, é preciso vontade de sair dos tais paradigmas mais antigos. É preciso liderança de gestão para perceber que isto é uma variável de vantagem competitiva. Se o Hospital da Luz cumpriu os seus objectivos de excelência clínica, foi porque adoptou uma estratégia clí-nica correcta a este nível. Sem falsas modéstias, devo dizer que temos uma excelente equipa de Medicina Interna, que soube desde o início trabalhar de forma multidisciplinar.

Os outros especialistas vêem isto como uma vantagem?Sim, os outros especialistas também querem este modelo. Mas, o mais im-portante são os doentes, que se sen-tem muito seguros neste tipo de orga-nização clínica. Não se sentem perdi-dos a navegar no sistema, não ouvem opiniões isoladas. É um privilégio ter tido a oportunidade de liderar uma equipa com a responsabilidade de pla-near, pela segunda vez, um hospital de raiz. São projectos únicos, e um desafio magnífico na vida de um gestor.

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respeitando os contextos específicos de cada unidade. No Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, por ser um hospi-tal planeado de raiz, esperamos que seja relativamente simples concreti-zar esta visão.

O Hospital Beatriz Ângelo não vai ter serviços?Continuamos a ter serviços, porque continuam a existir interesses co-muns e específicos de cada especiali-dade. A questão é que, para tratar os doentes, organizamos estes serviços de forma multidisciplinar.

E ao nível dos cuidados primários?A articulação com os médicos dos cui-dados primários é fundamental. Será um desafio complexo, já que na área de influência do Hospital Beatriz Ân-gelo estima-se que 20 a 30 por cento das pessoas não têm médico de famí-lia, o que colocará uma pressão adicio-nal sobre o nosso serviço de urgência. Penso que existem basicamente dois motivos para as pessoas procurarem as urgências quando o seu estado clí-nico não o exige: ou não têm médico de família ou trata-se de uma questão de conveniência, ou seja, de o hospital permitir fazer no mesmo local todos os exames e outros actos necessários, o que não acontece hoje na maioria dos centros de saúde.

Está a falar de falta de comodida-de?Também. Mas prefiro chamar-lhe conveniência, ou seja, as pessoas não perderem tempo em deslocações a outras unidades de saúde para re-alizarem, por exemplo, meios com-plementares de diagnóstico. Julgo

uma palavra a dizer

que, por isso, é necessário repensar o modelo dos cuidados primários. E, para o fazer, terá necessariamente de se mudar o actual modelo de contra-tualização.

Há quem defenda que os incentivos positivos aos centros de saúde que consigam drenar menos ‘verdes’ e ‘azuis’ poderiam ser uma ajuda…É preciso implementar modelos de con-tratualização mais exigentes, nomea-damente incluindo incentivos claros a modificar comportamentos e aumentar a qualidade e a eficiência dos cuidados. Entre as medidas a considerar contam--se, por exemplo, incluir os exames com-plementares de diagnóstico no preço da consulta dos cuidados primários para desincentivar a prescrição desnecessá-ria, ou outras dependentes da avaliação da actividade dos médicos segundo cri-térios de qualidade, eficiência e eficácia - remuneração dependente de taxas de referenciação indevida para a urgência hospitalar, taxas de readmissão ou de admissões hospitalares evitáveis, níveis de prescrição de fármacos por compa-ração com médias de referência, entre outros critérios.

O Hospital Beatriz Ângelo vai ter Emergência Médica pré-hospita-lar? Como vai funcionar a articu-lação dos médicos, na sua maioria Internistas, com a urgência?Sim. Vamos ter uma VMER que ficará sob a responsabilidade do serviço de urgência do hospital. Os médicos quando não exstejam a fazer VMER estarão a trabalhar no Serviço de Ur-gência, numa lógica de optimizar a articulação das actividades pré-hos-pitalar e hospitalar.

Esta visão de futuro e de governance clínico veio para ficar?Acho que muita coisa vai mudar. Há 20 anos, os médicos formavam-se, fi-cavam no hospital onde tinham feito a especialidade, desconheciam ferra-mentas de gestão e não se falava se-quer em governance clínico. Hoje, tudo mudou: a gestão hospitalar é uma dis-ciplina altamente complexa, reservada aos melhores, e os médicos estão mui-to mais atentos à estratégia do hospi-tal onde trabalham. Compreendem a importância da sua participação acti-va numa equipa multidisciplinar, que envolve todos os profissionais de uma unidade de saúde.

O médico tem de ser um gestor?Não necessariamente, mas tem de ter a preocupação de perceber e assimilar a estratégia da organização hospitalar em que está inserido. Antigamente, os médicos pensavam: “Tenho o meu di-rector de serviço e eu só tenho de me preocupar com os doentes do meu serviço. Isso é suficiente para eu fazer bem Medicina”. Hoje, já não é assim. Tem que haver uma estratégia clínica global e coerente. Os hospitais base-ados na hierarquia vertical tradicional estão condenados.

E sente que já conseguiu imple-mentar isso nos vossos hospitais?No Hospital da Luz, isso é claríssimo. Nas restantes unidades do Grupo Es-pírito Santo Saúde, também, porque se trata de uma cultura do grupo. Temos um Conselho Superior Clínico que inclui os directores clínicos de todas as nossas unidades, e através deles toda a nossa cultura organizati-va e clínica vai sendo implementada,

“Numa perspectiva de contratualização correcta dos cuidados, não existem doenças que dão prejuízo. O que hoje existe são preços mal estabelecidos”.

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primeiros passos

Convido-vos para uma viagem pelos medos, vitó-rias e dúvidas de um Interno que, após seis anos de faculdade na Universidade de Coimbra, cumpre o 3.º ano de internato no Centro Hospitalar do Bar-lavento Algarvio – Portimão. A minha experiência diz-me que o dia-a-dia de um Interno é uma vida de aprendizagem progressiva, conquistando a au-tonomia ao longo dos anos. A escolha da Medicina Interna como especiali-dade foi gizando-se ao longo dos anos do curso, sobretudo quando percebeu que esta se assumia como especialidade pivô na orgânica hospitalar e na visão holística do doente. A primazia da relação Médico-Doente, da semiologia e do raciocínio clí-nico são algumas das características desta especia-lidade que determinaram a sua preferência. E porquê escolher um hospital longe dos grandes centros? Por um lado, num hospital em que há carência de recursos são sempre bem-vindos pro-fissionais que compensem essas falhas, por outro lado, o facto de não ter ao alcance todos os meios diferenciados de diagnóstico e/ou multidisciplina-ridade de especialidades faz com que, desde cedo, a história clínica e o exame físico adquiram o seu papel mistral.Ser bom médico é saber também fazer a gestão do pouco. A questão não é tanto ter acesso a uma ressonância magnética, mas sim perceber quando se deve recorrer a ela.A medicina baseada na evidência, a qualidade de vida e a qualidade da prestação de cuidados fo-ram factores que contribuíram igualmente para a sua escolha na formação no Serviço de Medicina Interna neste hospital. Trata-se de um Serviço em que existe a excelência contínua da “praxis clínica” no qual salienta a importância dos conhecimentos recebidos dos colegas mais graduados e partilha-dos com os colegas mais novos que, pelo seu en-tusiasmo e dinamismo, constituem um estímulo à sua formação pessoal e profissional.

No entanto, penso que existe uma quase cicloto-mia da profissão, isto é, a adaptação à profissão evolui por ciclos. Num dia tudo corre bem, sente--se do ponto de vista técnico, científico e pessoal plenamente validados e respeitados. Verifica-se que os doentes, apesar de tudo, até melhoram, a consulta do hospital está cada vez melhor, e fazem--se uns diagnósticos brilhantes que fazem inveja a qualquer “ Dr. House”. Daí a umas semanas acha--se que é uma “nódoa” completa, interrogando-se como é capaz de fazer o exame da especialidade que se aproxima a passos largos. Questiona-se a própria capacidade de diagnóstico e de comunica-ção com os doentes e os colegas. A consulta torna--se um conjunto de números. Pensa-se na carreira brilhante que se poderia ter tido na arquitectura, considera-se mudar de especialidade, de vida e de mundo. Esquece-se do quanto se aprendeu nos úl-timos anos sobre a vida e sobre as pessoas, até que um novo dia se acha que se tem jeito para aquilo que se faz e tudo se repete uma e outra vez.Vida de Interno é este ciclo que nunca pára!Numa época de grandes mudanças é fundamental a defesa da Medicina Interna como grande especia-lidade médica integradora, que vê a pessoa doente como um todo, não obstante as várias competên-cias que se possa adquirir integradas nas múltiplas facetas do Internista.É crucial que o Interno possa transmitir as suas opi-niões a órgãos de gestão hospitalar para que os seus direitos e a sua especialidade tenham o papel que está reconhecidamente atribuído.

consultora comercialSónia Coutinho

[email protected].: 96 150 45 80

Tel. 21 850 81 10 - Fax 21 853 04 26

Vida de internoPor Carlos Carneiro*

Carlos CarneiroÉ licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e frequenta o 3.º ano do Medicina Interna do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE - Portimão

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do lado de cá

À hora a que escrevo este artigo não se sabe ainda o resultado das eleições legislativas. Estamos em plena campanha eleitoral, com os diversos partidos a esgrimirem argumentos na tentativa de conquistarem mais e mais votos. Já algumas vozes se levantaram acusando os diferentes líderes partidários de, por estes dias, estarem mais preocupados em apontar erros e falhas aos adversários do que em tornar públicos e explicar minuciosamente os seus programas eleitorais. Mas todos, sem excepção, apresentam, como se esperava, propostas na área da Saúde. Políticas à parte e independentemente do resultado das eleições de 5 de Junho e do nome do candidato que será eleito primeiro-ministro, há algo que, acredi-to, acontecerá: o Serviço Nacional de Saúde, tal como funciona agora, sofre-rá alterações. Até porque nunca, como nos dias que correm, se discutiu tanto a sustentabilidade do SNS. E não se pense que este é um problema exclusivamen-te português, vários países se debatem com a mesma questão. Contudo, tendo em conta a conjuntura em que nos en-contramos, assim como os programas eleitorais dos vários partidos, parece ób-vio que muitas mudanças se avizinham. Seja com aumentos de taxas moderado-ras, menos isenções no acesso ao SNS

está na hora…Por Isabel Moiçó*

ou penalizações a cada ida às urgências e consultas de especialidade. Aconteça o que acontecer, no dia 5 de Junho algo não sofrerá alterações: o pa-pel preponderante dos profissionais de Medicina Interna dentro das estruturas hospitalares. A isto não é indiferente a importância que conquistaram junto dos portugueses e na manutenção do seu estado de saúde. Aqueles que são considerados os grandes gestores do doente vão ter, no contexto que se dese-nha para o futuro da Saúde em Portugal, as suas responsabilidades acrescidas, numa prestação de cuidados médicos que se pretende, cada vez mais, de qua-lidade. Os internistas são indispensáveis ao funcionamento – bom funcio-namento, entenda-se – dos hospitais e, embora seja um trabalho nem sempre valorizado, o profissional da Medicina Interna possui um co-nhecimento abrangente, ou seja, de diversas áreas da medicina. Imagine-se a importância que isso tem num país com uma população cada vez mais envelhecida e quase sempre polimedicada. Por tudo isto, por possuírem uma espécie de visão global da saúde do utente, porque estão em permanente actualização científica e porque a reorganização da assistência clínica hospitalar assim o obrigará, vão

aumentar – acredito piamente - as res-ponsabilidades e os encargos dos inter-nistas nas unidades de saúde. Sou jornalista há 18 anos, embora só nos últimos 7 ou 8 me tenha dedicado mais aos assuntos de Saúde. Do lado de cá, constato diariamente que os especialistas de medicina interna rara-mente aparecem nas notícias. Não se põem em bicos dos pés ansiosos por aparecerem nas notícias, o que é algo raro nos dias que correm. Mas isso não lhes retira a importância que têm. Muito pelo contrário. Reconheço que ao longo destes anos, e mediaticamente falando, não lhes tem sido dado o devido valor. Em época de mudanças, de ajustes na gestão, de rentabilização de recursos e de uma provável mudança política nos destinos do país, seria bom que, sem hesitações, assumissem em pleno, jun-to dos portugueses em geral, tal como já fizeram juntos dos seus doentes, o papel que conquistaram. É chegado o momento. Para bem de todos…

Isabel Moiçó*Jornalista da TVI

“Os internistas são indispensáveis ao funcionamento – bom funcionamento, entenda-se – dos hospitais e, embora seja um trabalho nem sempre valorizado, o profissional da Medicina Interna possui um co-nhecimento abrangente, ou seja, de diversas áreas da medicina”

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revelaçõesagenda

Eventos Médicos

2.º eVerMi15 a 17 de setembro de 2011Local: a designarAbertura das inscrições a 18 de Maio de 2011

iX curso pós-GrAduAdo sobre enVelheciMentoGeriAtriA práticA15 a 16 de setembro de 2011Auditório do Hospital da Universidade de CoimbraComunicações Livres: Envio por e-mail até 31 de Julho de 2011

V JornAdAs do núcleo de estudos dAs doençAs do FíGAdo30 de setembro e 1 de outubro de 2011Palace Hotel de Monte Real, LeiriaPresidente da Comissão Organizadora: Dr.ª Maria de Jesus BanzaCoordenador do NEDF: Dr. José PresaOrganização e Inscrições: NEDF da SPMI

10th conGress oF the europeAn FederAtion oF internAl Medicine (eFiM)5 a 8 de outubro 2011Atenas, GréciaWeb: www.efim2011.org

6ª reunião do núcleo de diAbetes Mellitus18 e 19 de novembro de 2011Elvas

“Vestígios” Um olhar de Luís Campos

Prémio de Jornalismo“Uma perspectiva sobre a Medicina Interna”

Júri presidido por Marcelo rebelo de sousa

O Museu da Electricidade acolheu, en-tre 27 de Maio e 17 de Julho, a expo-sição “Vestígios”, um trabalho de Luís Campos que apresentou as memórias da antiga carpintaria da Central Tejo. Luís Campos foi convidado pela Comis-são Instaladora da Fundação EDP a re-gistar a memória da antiga carpintaria que será demolida em breve, no âmbito do projecto de construção do novo cen-tro cultural da Fundação EDP.Com este trabalho, o autor pretendeu mostrar o último sopro daquele espa-ço, numa linha de coerência com a sua obra que inclui trabalhos tais como “Al-deia de Luz”, “Limiares” e “Transurbana”. O projecto fotográfico foi complemen-tado por dois filmes que acentuaram

A Sociedade Portuguesa de Medici-na Interna (SPMI) lançou o prémio de jornalismo “Uma perspectiva sobre a Medicina Interna” no valor total de 15 mil euros, no âmbito do seu 60.º ani-versário. O júri é presidido por Marcelo Rebelo de Sousa e constituído por Ana Goulart, do Sindicato dos Jornalistas e António Martins Baptista, presidente da SPMI.Este prémio destina-se a reconhecer trabalhos realizados por jornalistas re-sidentes em Portugal, publicados entre 1 de Maio de 2010 e 1 de Novembro de

a dimensão terminal do espaço e seus actores. A exposição, “Vestígios”, perma-necerá ao alcance de todos, através da publicação de um livro com o mesmo nome, editado pela Athena.Luís Campos nasceu em Lisboa, em 1955, e licenciou-se em Medicina, em 1978. É director do serviço de Medici-na Interna IV do Hospital S. Francisco Xavier, coordenador nacional do Regis-to de Saúde Electrónico e presidente do Conselho para a Qualidade na Saúde. Realizou a primeira exposição individual em 1981, em Lagos, e desde então tem desenvolvido uma intensa actividade artística, estando a sua obra presente em diversas coleções em Portugal e no estrangeiro.

2011, em televisão, rádio ou imprensa e que se distingam pela cobertura da prestação de cuidados de saúde em am-biente hospitalar, ou emergência pré--hospitalar e que mostrem o trabalho desenvolvido por médicos internistas. O valor do prémio será distribuído pelas três categorias em partes iguais, visando premiar três trabalhos diferentes. Os cri-térios de ponderação do prémio serão, na proporção de 20 por cento a cada item: a coerência com os objectivos do prémio; criatividade; investigação; rele-vância do tema e qualidade.

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