dusi, miriam lúcia herrera masotti; neves, marisamaria

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Paidéia (Ribeirão Preto) This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License. Fonte: https://www.scielo.br/j/paideia/a/hcDrz6QCgGwtxvW3s3kpKKc/?lang=pt#. Acesso em: 19 mar. 2021. REFERÊNCIA DUSI, Miriam Lúcia Herrera Masotti; NEVES, Marisa Maria Brito da Justa; ANTONY, Sheila. Abordagem gestáltica e psicopedagogia: um olhar compreensivo para a totalidade criança-escola. Paidéia (Ribeirão Preto), v. 16, n. 34, p. 149-159, ago. 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000200003. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000200003. Acesso em: 19 mar. 2021.

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Page 1: DUSI, Miriam Lúcia Herrera Masotti; NEVES, MarisaMaria

Paidéia (Ribeirão Preto)

This work is licensed under a Creative CommonsAttribution-NonCommercial 4.0 International License. Fonte:https://www.scielo.br/j/paideia/a/hcDrz6QCgGwtxvW3s3kpKKc/?lang=pt#. Acesso em:19 mar. 2021.

REFERÊNCIADUSI, Miriam Lúcia Herrera Masotti; NEVES, Marisa Maria Brito da Justa; ANTONY,Sheila. Abordagem gestáltica e psicopedagogia: um olhar compreensivo para atotalidade criança-escola. Paidéia (Ribeirão Preto), v. 16, n. 34, p. 149-159, ago. 2006.DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000200003. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000200003. Acesso em: 19 mar. 2021.

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ABORDAGEM GESTÁLTICA E PSICOPEDAGOGIA:UM OLHAR COMPREENSIVO PARA A TOTALIDADE CRIANÇA-ESCOLA1

Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi2

Marisa Maria Brito da Justa NevesSheila Antony

Universidade de Brasília

Resumo: O presente estudo visa estabelecer interface entre a abordagem gestáltica e a Psicopedagogia.Focalizam-se as teorias de base, a concepção de campo holístico-relacional a teoria do Ciclo do Contato, bemcomo as contribuições da Gestaltpedagogia para a compreensão do processo de aprendizagem e prática esco-lar. Da Psicopedagogia destaca-se sua conceituação, abrangência, processo de avaliação e intervenção juntoà criança e instituição educativa; a convergência de suas bases teóricas e práticas abrangem os fenômenosaprendizagem, avaliação e intervenção na ótica gestáltica. Tal interface visa nova compreensão e açãointerventiva do processo de aprendizagem, de modo a proporcionar o desenvolvimento da criança.

Palavras-chave: abordagem gestáltica; psicopedagogia; aprendizagem; queixas escolares.

GESTALT APPROACH AND PSYCHOPEDAGOGY: A COMPREHENSIVE LOOK TOTHE CHILD-SCHOOL TOTALITY

Abstract: The following study aims to establish an interface between gestalt approach andPsychopedagogy. Gestaltpedagogy base theories are focused, its conception of holistic-relational field, theContact Cycle theory and the contributions for the learning process and school practices comprehension. FromPsychopedagogy, its conception, amplitude and processes evaluation and intervention for the child and educativeinstitution are pointed out; the convergence of their theoretical and practical bases enclose the learningphenomenon, the psychopedagogy evaluation and intervention from a gestaltic standpoint. The interface seeksa new comprehension and interventionist action to the learning process and school complaints, to collaborate tothe child development.

Key words: Gestalt approach; psychopedagogy; learning; school complaints.

IntroduçãoCom o objetivo de estabelecer uma visão

gestáltica acerca das práticas psicopedagógicas, re-alizou-se o presente estudo buscando identificar ascontribuições das duas áreas no auxílio à compreen-são das demandas que se apresentam no universoescolar.

Para melhor compreensão, apresenta-se aabordagem gestáltica, focalizando suas teorias de base(Organísmica, de Campo e Psicologia da Gestalt), aconcepção de Campo Holístico Relacional, a teoria

do Ciclo do Contato e as contribuições da Gestaltpe-dagogia para a prática escolar. Da Psicopedagogiadestacam-se sua conceituação, abrangência, proces-so de avaliação, intervenção e os preconceitos quepermeiam o cotidiano escolar. Depois, traçam-se con-siderações acerca da interface entre a abordagemgestáltica, a Psicopedagogia, o fenômeno da aprendi-zagem, os processos de avaliação e intervençãopsicopedagógicos sob a ótica gestáltica e os precon-ceitos do cotidiano escolar.Abordagem Gestáltica

Gestalt é totalidade, configuração, plenitude.O conceito de totalidade envolve a relação entre otodo e suas partes, cujas interconexões harmoniosase coerentes formam uma unidade significativa. A

1 Recebido em 27/03/06 e aceito para publicação em 23/08/06.2 Endereço para correspondência: Miriam Lúcia H. M. Dusi , SQN

311, Bloco A, apto 311, CEP: 70757-010, Brasília – DFE-mail: [email protected]

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Gestalt-Terapia originou-se com Fritz Perls (1893-1970) que fundou uma abordagem reunindo pressu-postos teóricos e filosóficos que representam um modoespecífico de observar o desenvolvimento humanona sua relação com o meio. A Psicologia da Gestalt,a Teoria Organísmica e a do Campo, aliadas aos pres-supostos filosóficos do Humanismo, Existencialismoe Fenomenologia, permitem uma análise do processode crescimento e das relações do indivíduo com omundo na construção de si.

A unidade dialética organismo-ambienteexplicita a influência recíproca entre os fenômenosinternos e externos. A abordagem gestáltica não dáprimazia ao indivíduo, tampouco ao meio ambiente,mas aos eventos que emergem na fronteira, no en-contro entre as necessidades dele e os objetos domeio que irão produzir a sua satisfação. O indivíduo,no aqui e agora, age visando a sua completude, cujomovimento apresenta-se em sucessivos ciclos deabertura e fechamento de gestalten, de necessida-des e ajustamentos criativos, que permitem o seu de-senvolvimento integral em direção a sua auto-reali-zação.

A Psicologia da Gestalt foi iniciada por MaxWertheimer juntamente com Wolfgang Köhler e KurtKoffka. Seus primeiros estudos direcionaram-se, so-bretudo, às áreas da percepção, aprendizagem e so-lução de problemas, enfatizando a existência de leisda organização da experiência individual.

Nesta perspectiva, a pessoa, por meio de suapercepção, atribui um significado existencial ao am-biente observado, reestruturando seu campoperceptual a partir do princípio figura-fundo, cujadiferenciação retrata o processo pelo qual o indiví-duo hierarquiza suas necessidades, sinalizando o queé emergente e preferencial, entendendo-se a vidacomo uma sucessão contínua de satisfação das ne-cessidades emergentes.

A noção do aqui e agora, oriunda do princípioda contemporaneidade da Psicologia da Gestalt, refe-re-se não só a um conceito têmporo-espacial, mas,também, a um filosófico. A situação presente, na visãogestáltica, encerra tudo o que é necessário para o indi-víduo compreender e experienciar a realidade comoum todo. É no aqui e agora que está a energiatransformadora que permite a ele reestruturar e forta-

lecer seu campo perceptivo-existencial, constituindo“um processo totalizador que colhe no imediato todasas possibilidades do agir humano” (Ribeiro, 1994, p.22).

A Teoria Organísmica de Kurt Goldstein, emcontraposição às idéias segregativas vigentes no es-tudo do ser, concebe o organismo como uma unidade,um todo unificado e significativo. O seu princípio bá-sico enuncia que o todo é diferente da soma das par-tes e que uma alteração em qualquer parte acarretamudança no todo estrutural do indivíduo, que segun-do Goldstein (1995) funciona em busca de seu equilí-brio organísmico via satisfação das necessidades,permitindo-lhe a busca organizada e sadia de seu de-senvolvimento.

Kurt Lewin é o fundador da Teoria do Campo,que abrange um conjunto de conceitos por meio dosquais se pode representar a realidade psicológica doindivíduo. Para Lewin (1965,1973), o campo é defini-do como a totalidade dos fatos coexistentes em pro-cesso de mútua interdependência. Ele descreve aestrutura da personalidade por intermédio de esque-mas espaciais, em que o indivíduo constitui um cam-po delimitado e inserido no ambiental, com o qualmantém constante interação, configurando uma rela-ção parte-todo. Assim, forma-se uma realidadeinserida em outra mais ampla, com a qual se encon-tra em inter e intra-relação, formando o chamadoCampo Holístico Relacional.

Ribeiro (1997) propõe um modelo de CampoHolístico Relacional como forma de se observar ecompreender o indivíduo por meio da sua expressãoem seu espaço vital. Esse modelo possibilita uma vi-são macro e microsistêmica dos diversos campos quecompõem a realidade existencial do indivíduo(geobiológico, psicoemocional, sócio-ambiental e sa-cro-transcendental), em que “nada que ocorra em umcampo é neutro para um outro e para o todo holísticorelacional” (Antony & Ribeiro, 2004, p.130).

A interação fluida entre os diversos campospromove a ampliação da visão do ser sobre si, o outroe o ambiente, o que o situa em seu tempo e espaço epermite que se realize como ser no mundo.O Ciclo do Contato

O humano é um ser de relação que se colocaem contato com a sua própria natureza, com a dooutro e do meio. Contato é o processo que permite a

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relação acontecer; a experiência humana se dá entreas vivências do indivíduo, o outro significativo e omundo. Nem toda a interação, contudo, é contato,visto esse só ocorrer diante do novo e da diferença.Segundo os pressupostos gestálticos, as dimensõesdo ser estão predispostas ao contato e todos os seussentidos são canais entre o indivíduo e o mundo ex-terno. A diferença vivida entre si e o outro permite oencontro; a relação de aproximação e separação pos-sibilita organizar sua fronteira e delimitar-se, preser-vando a própria identidade. A fronteira de contato é oespaço limítrofe subjetivo onde os eventos psicológi-cos acontecem.

Segundo Ribeiro (1997), o contato real implicaem que a pessoa sinta sua singularidade, identifican-do-se como diferente do outro e percebendo-se úni-ca no universo; no aqui e agora experiencie o tempoe o espaço em relação a si mesma, perceba-se intei-ra, com consciência de sua própria realidade e da dooutro, o que proporciona a awareness1 .

O Ciclo do Contato proposto por Ribeiro (1997,Figura 1), representado por Bloqueios, fornece umavisão das diversas possibilidades de contato realizadaspelo indivíduo; completa-se um ciclo seguindo os pas-sos, que mostram formas de relacionamento com omeio: fluidez/fixação, sensação/dessensibilização, cons-ciência/deflexão, mobilização/introjeção, ação/projeção,interação/proflexão, contato final/retroflexão, satisfa-ção/egotismo e retirada/confluência.

Segundo Ribeiro (1997), o ciclo fecha umagestalt e pode ser concebido como um modelo parase identificar a psicopatologia, realizar opsicodiagnóstico e, ao mesmo tempo, apontar o prog-nóstico, visando o processo de mudança e de cura,seja de um indivíduo, de um grupo ou de uma organi-zação mais ampla.A Abordagem Gestáltica e o Fenômeno Apren-dizagem

No que se refere ao processo de aprendiza-gem, os gestaltistas (Marx & Hillix, 1963/1973) des-tacaram quatro indicadores comportamentais: a tran-sição da incapacidade para o domínio do problema, odesempenho rápido e desembaraçado pela compre-ensão correta, a boa retenção e o imediatismo comque a solução pode ser transferida para outras situa-ções semelhantes. s.

A obra de Wertheimer (Schultz & Schultz,1992) aplica os princípios gestaltistas da aprendiza-gem ao pensamento criativo em seres humanos, afir-mando que o pensamento se processa em termos detodos e que as resoluções só são possíveis por meioda apreensão dessa totalidade. Nesse sentido, no quetange à prática docente, “não somente o aprendizconsidera a situação como um todo, mas o professordeve lhe apresentar a situação como um todo” (p.314).

Nesse processo, os aspectos motivacionais eemocionais do indivíduo apontarão as figuras para asquais se direcionarão a atenção, a percepção e amemória relevantes à aprendizagem e desenvolvimen-to intelectual. Dessa forma, diante da totalidade quecompreende o ambiente social, físico e psicológicodo contexto escolar - tido como uma unidade total designificações -, é o mundo interior da pessoa, sua per-cepção e o significado existencial do ambiente quedeterminarão a figura e o fundo no fenômeno. Em ou-tras palavras, é o aluno que, de acordo com as suasnecessidades e interesses singulares (sua subjetivida-de), identificará e direcionará sua percepção para as-pectos específicos do que lhe é oferecido pela escola.

Uma vez que o processo de ensino e aprendi-zagem se inicia nas possibilidades e necessidades dosalunos, pode-se verificar que, numa visão gestáltica,

1 O termo awareness, para os gestaltistas, significa a consciênciada própria consciência, a consciência emocional do atoperceptivo.

Abordagem Gestáltica

Figura 1. O “Ciclo do Contato” baseado no modeloapresentado por Ribeiro (1997)

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o processo de aprendizagem inclui uma configuraçãode elementos (figura-fundo) que constitui o objeto deconhecimento, em que a figura aprendida será inte-grada à totalidade do indivíduo, interferindo na suaconfiguração e modificando-a. Dessa forma, a apren-dizagem gera mudança porque reconfigura, reorga-niza; e a mudança gera aprendizagem porque abreum novo ciclo de onde emergem figuras em busca designificado.

A aprendizagem significativa fecha a gestalt,dá sentido à experiência e organiza harmonicamenteo indivíduo em sua totalidade funcional; ela, seja mon-tada por disciplinas escolares ou oriunda da vida coti-diana, promove a awareness por meio da integraçãodos sistemas cognitivo, sensório e motor, cuja figuraobjeto de conhecimento passa a fazer parte da to-talidade indivíduo, retornando ao fundo e criando con-dições para novas figuras.

Goldstein (1995) aponta que, nesse processo,o material consciente que não é necessário em deter-minada situação retorna ao fundo inconsciente de ondeemerge quando se torna apropriado em nova situa-ção. Assim, verifica-se que os conteúdos aprendidosem momentos anteriores tendem a emergir em umanova solução de problemas, tornando-se figura a par-tir da mobilização do fundo repleto de experiências jávividas e assimiladas. A aprendizagem refere-se, nes-se caso, à aquisição de respostas por meio daintrovisão (insight) resultante de uma súbita altera-ção no campo perceptual, enquanto a solução de pro-blemas consiste na combinação de elementos já exis-tentes.

Uma gestalt aberta, entretanto, caracterizauma energia não totalmente descarregada, que ne-cessita fluir mas não flui, ficando presa em pontosespecíficos da história do indivíduo. A figura que nãovolta totalmente ao fundo passa a competir com asatuais, fazendo com que ele não consiga vivenciarplenamente o aqui e agora, uma vez que exige maiorinvestimento de energia no controle das possibilida-des do que numa ação presente. O fenômeno do não-aprender implica o não fechamento de uma gestaltem formação, a não elaboração de uma situação quepermanece inacabada, fixada, incompleta.

Pode-se identificar tal movimento em um alu-no que, vivenciando sérios problemas no contexto

familiar ou social, orienta sua atenção para o camposensorial e emocional, apresentando dificuldade ematender, no plano cognitivo, as demandas escolares.De igual forma, dificuldades no contato dentro do con-texto escolar tendem a representar figuras que con-correm com os conteúdos trabalhados em sala de aula.

Assim como as partes influenciam o todo, esseconteúdo não-aprendido tende a influenciar o indiví-duo em seu funcionamento, podendo vir a interferirna sua relação com o objeto de conhecimento, com omeio ou mesmo as pessoas envolvidas no contexto.A forma de o aprendiz se relacionar com o não sa-ber pode se manifestar, então, por meio de uma re-cusa de contato, medo de errar, vergonha de se ex-por, dentre outras relações que apontam umaincompletude.

Ressalta-se, entretanto, que tais implicaçõesrepresentam uma forma de auto-regulação e de ajus-tamento criativo do indivíduo às situações que se apre-sentam, mesmo que os mecanismos impliquem blo-queios do contato, visto que ele cria e experimentaseu próprio poder e limites enquanto busca como to-talidade. Na aprendizagem, ele se apresenta comoagente de conhecimento na medida em que se mos-tra ativo no seu processo de reestruturação e re-sig-nificação do campo perceptual. A percepção do fe-nômeno aprendizagem como ciclo saudável e fluidode formação e fechamento de gestalten, torna-se ofoco e objetivo de estratégias educacionais epsicopedagógicas no contexto escolar.A Gestaltpedagogia

Segundo Burow e Scherpp (1985), aGestaltpedagogia representa “conceitos pedagógicosque se orientam nas idéias teóricas e práticas daGestalt-Terapia e da Gestaltpsicologia” (p.103), quevisam possibilitar ao indivíduo o desenvolvimentocompleto de suas capacidades e potencialidades.

Besems (Burow & Scherpp, 1985) apresentaquatro objetivos amplos da Gestaltpedagogia: 1) aautoconscientização e ampliação das próprias possi-bilidades, dos modelos de comunicação e comporta-mento frente aos outros e às coisas; 2) o discernimentosobre o próprio funcionamento e as relações históri-cas e sociais dele nos contextos interpessoal e social;3) a ampliação das possibilidades de escolha do indi-víduo em relação a si, aos outros e ao mundo; 4) a

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criação de premissas a fim de racionalizar odiscernimento da interdependência de funções e pos-sibilitar a representação ativa de interesse.

Pode-se então verificar que a abordagem es-sencial da Gestaltpedagogia é formulada partindo-sedas necessidades dos indivíduos, tentando desenca-dear um processo de crescimento que tem como metaa sua modificação e do meio. Segundo Burow eScherpp (1985), “o processo de ensino e aprendiza-gem não começa na matéria, mas nas possibilidadese necessidades dos alunos. Em outras palavras, aqui-lo que se encontra no aluno é importante e ponto departida de todas as reflexões” (p.123).

O ensino gestalpedagógico implica criar sem-pre novas situações e possibilidades que permitamuma aprendizagem repleta de sentido por meio davivência e da experiência.

A partir de tais fundamentações, os autoresabordam a realidade escolar, apresentando conside-rações acerca das práticas pedagógicas que tendema desconsiderar e dificultar o processo de aprendiza-gem e desenvolvimento da criança e oferecem pro-postas de reformulações consideradas necessárias aoalcance dos objetivos expostos.A Psicopedagogia

A Psicopedagogia é área interdisciplinar fun-damentada em conteúdos psicológicos e pedagógi-cos, bem como em contribuições da fonoaudiologia,lingüística, neurologia, dentre outros campos especí-ficos de conhecimento (Bossa, 2000). Sua ação visamelhor compreensão do processo de aprendizagemhumana e suas repercussões no desenvolvimento doindivíduo, identificando sua apropriação do conheci-mento, evolução e fatores interferentes, propiciandoo reconhecimento, tratamento e prevenção das alte-rações da aprendizagem que deles decorrem.

Segundo Bossa (2000), o termo aprendizagem,com o qual trabalha a Psicopedagogia, “remete a umavisão de homem como sujeito ativo num processo deinteração com o meio físico e social” (p.75), em cujoprocesso interferem seu equipamento biológico, con-dições afetivo-emocionais e intelectuais.

Bassedas e cols. (1996) ressaltam a importân-cia de se encarar o aluno em sua totalidade, conside-rando os diversos sistemas nos quais está inserido,especialmente família e escola, visando

Abordagem Gestáltica

harmonização dos fatores que interferem no seu pro-cesso de aprendizagem. O diagnóstico psicope-dagógico passa, então, a se assentar em diversos su-jeitos e sistemas inter-relacionados, como escola, pro-fessor, aluno, família (Figura 2).

Figura 2. Sistemas Envolvidos no DiagnósticoPsicopedagógico

A concepção de aluno apresentada pelos au-tores é construtiva: a criança elabora o seu conheci-mento a partir da atribuição de um sentido próprio egenuíno das situações que vive e com as quais apren-de. As capacidades de autonomia, reflexão e interaçãoconstante com os outros exercem papel primordialno processo de crescimento da criança.

Nessa perspectiva, todos os que se encontramenvolvidos no processo educativo participam, de for-ma privilegiada, do processo de humanização do su-jeito: “o momento em que ele pode apropriar-se doconhecimento e fazer dele um instrumento de desen-volvimento de suas potencialidades” (Meira, 2000,p.67). A autora afirma que a educação, enquanto pro-cesso social e individual, representa uma das condi-ções fundamentais para que o homem se constituacomo ser humanizado e humanizador. Ela ressalta anecessidade de se compreender a questão do desem-penho escolar contextualizando-o no âmbito de umprocesso maior, propondo o encontro entre o sujeito ea educação, e não somente no indivíduo, tampouco oprocesso educacional. Apontando uma nova compre-ensão das relações entre os processos psicológicos epedagógicos, configura-se e considera-se, dessa for-ma, o papel da Educação na construção da subjetivi-dade humana e o papel da subjetividade na constru-ção do processo educacional.

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Weiss (1997) afirma que, na práticadiagnóstica, é necessário levar em consideração ainterligação de alguns aspectos relacionados à abor-dagem do fracasso escolar, visto eles auxiliarem naconstrução de uma visão gestáltica da pluricausalidadedo fenômeno, envolvendo aspectos orgânicos,cognitivos, emocionais, sociais e pedagógicos. Talmapeamento da interligação possibilita a compreen-são dos mecanismos utilizados pela criança nas for-mas de se relacionar, o que permite uma intervençãopromotora do desenvolvimento integral da criança,evitando transformar a investigação diagnóstica emuma justaposição de dados ou em mera soma de re-sultados de testes e provas.

Referindo-se à relação entre diagnóstico e tra-tamento, Weiss (1997) ainda afirma que não há fron-teiras formais entre ambos e que todo o processodiagnóstico é, por si, interventivo na dinâmica pessoale familiar.

O trabalho psicopedagógico, seja em âmbito clí-nico ou institucional, visa, portanto, promover uma com-preensão integral da criança e do contexto escolar emque está inserida, proporcionando o desenvolvimentoindividual e coletivo sob uma perspectiva interventivae preventiva, valorizando o respeito à diversidade, pas-sando a atuar como força impeditiva da propagaçãodos preconceitos do cotidiano escolar.Reflexão psicopedagógica sobre as queixasescolares

As queixas escolares pedem significados aocontexto escolar, identificação das diferentes causasa elas vinculadas, o que tornou evidente a busca deexplicações para a justificativa do fracasso escolar.Concebendo-se as queixas como dificuldades deaprendizagem, problemas de comportamento/relaci-onamento, o processo de culpabilização do aluno, pelavia da patologização dos problemas escolares, tem seevidenciado pela acomodação de idéias e visãopredeterminista do fracasso escolar, minimizando-seos investimentos pedagógicos face às pré-idéias acer-ca das “potencialidades” dos alunos.

Collares e Moyses (1996), em suas pesquisas,apresentam as opiniões de diretores e professoressobre o cotidiano escolar e causas do fracasso. Odiscurso desses atores associa a não-aprendizagem

a questões relacionadas à saúde, classe econômica,estrutura familiar e contexto social, afirmando que osistema educacional é perfeito desde que as crianças“vivam uma vida artificial, sem nenhum tipo de pro-blemas, enfim, que provavelmente não precisariamda escola para aprender. Para a criança concreta,que vive neste mundo real, os professores parecemconsiderar difícil, senão impossível, ensinar” (p.26).

Tal constatação é igualmente evidenciada napesquisa de Patto (1999) que, apresentando discur-sos e ações que efetivam medidas educacionais con-traditórias e, em alguns aspectos, contraproducentes,ressalta o preconceito que permeia o campo social eeducacional, apresentando as “características psico-lógicas dos integrantes das classes baixas” (p.149)cujas crianças são percebidas como “inevitavelmen-te rebeldes, malcriadas, carentes de afeto, apáticas,ladras, doentes, sujas e famintas” (p.150), oriundasde famílias “desestruturadas, ignorantes, desinteres-sadas” (idem). Além de trazerem uma visãogeneralizante, pouco fundamentada, tais característi-cas são vistas como incentivo aos preconceitos jáexistentes.

Machado (2000) afirma que o próprio alunopode aparecer, sintomaticamente, como o mobilizadorde um conflito de ambigüidades escolares já existen-tes previamente, tornando-se o sinalizador de que algoincoerente se apresenta em um sistema maior e quenecessita de reparos. Weiss (1992) ressalta que“quanto mais a escola fizer a sua auto-avaliação,quanto menos mantiver estereótipos e ambigüidades,mais ela livrará o aluno de ser o responsável pelofracasso em sua aprendizagem” (p.104). Ele, muitasvezes, deixa de ser o problema para indicar um pro-blema existente, o que muda o objeto de intervenção.

Segundo Souza (2000), o objetivo da Psicolo-gia Escolar e da Psicopedagogia consiste em desve-lar os processos de escolarização da criança que temna apatia uma forma de comunicação, ou naagressividade a sua maneira de se defender de práti-cas pedagógicas produzidas em uma escola cujas re-lações são atravessadas por preconceitos e estereó-tipos. A intervenção surge no sentido de possibilitar opensar e permitir a mudança da relação produtora derepetência e de práticas que estigmatizam, excluem,oprimem e rotulam.

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A concepção teórica que permite analisar oprocesso de escolarização (e não problemas deaprendizagem) desloca o eixo de análise do indiví-duo para a escola e rede de relações (institucionais,históricas, psicológicas, pedagógicas) que constituemo dia-a-dia escolar.

Neves e Almeida (2003), ressaltando a neces-sidade de um desempenho efetivo na transformaçãoda realidade escolar, propõem um modelo de proce-dimento de avaliação de intervenção das queixas pormeio de encontros e escutas dirigidos, primeiramen-te, ao corpo escolar, formulador da demanda earticulador dos discursos que permitirão umaconscientização dos processos subjacentes à queixae o apontamento de novas formas de atuação promo-toras de ações críticas e reflexivas rumo ao sucessoda instituição escolar. Somente após a compreensãoe re-significação dos discursos passa-se aos níveisseguintes, que podem incluir o encontro com a famí-lia e a própria criança, caso seja necessário.

Machado (2000) ainda aponta que a queixaescolar é constituída em uma história coletiva e avaliá-la implica em buscar, o quanto possível, a alteraçãodessa produção, afetando fenômenos em que ela seviabiliza e redirecionando a história de aprendizagem.

Considerar a diversidade do universo escolarimplica, portanto, em desconsiderar a pretensa oni-potência da escola de homogeneizar os indivíduos emseus aspectos cognitivos, afetivos e sociais.A Abordagem Gestáltica e a Psicopedagogia:uma interface

A abordagem gestáltica, ressaltando a indivi-dualidade do sujeito e sua forma peculiar de percebere apreender o mundo circundante, valoriza seu con-tato com o meio e o próprio objeto de conhecimento,identificando como esse irá integrar sua totalidade pormeio da aprendizagem. A Psicopedagogia, preocu-pando-se com a forma de apropriação do conheci-mento e buscando compreender o ‘sujeito aprenden-do’, focaliza o processo de construção e não somen-te as estruturas adquiridas. Ambas enfatizam, ainda,a compreensão dos diferentes campos nos quais osujeito está inserido, sendo os principais (no contextopsicopedagógico) a escola e a família. Conforme afir-ma a Teoria do Campo de Kurt Lewin, a forma comotais campos interagem e se influenciam apresenta

indicadores importantes quanto à aproximação, aces-sibilidade e permeabilidade das fronteiras, apontandoas áreas em que a ação interventiva deve se fazerpresente.Avaliação e Intervenção Psicopedagógicas soba Ótica Gestáltica

O processo de avaliação e intervenção envol-ve uma concepção de desenvolvimento e das formascom que o indivíduo se apresenta diante do meio. Noâmbito da Psicopedagogia, busca-se identificar comoele se relaciona com seu próprio processo de apren-dizagem e objetos de conhecimento, visando a umaintervenção efetiva.

Para tanto, Meira (2000) aponta a importânciade se tomar como objeto de estudo e atuação o en-contro entre o sujeito humano e a educação, ou, emtermos gestálticos, a relação que se estabelece nafronteira de contato entre o aluno e o meio escolar.

Na ótica gestáltica, a maioria das crianças ne-cessitadas de ajuda possuem alguma dificuldade emsuas funções de contato e tendem a adotar algumtipo de comportamento que lhes serve de defesa, sejaatravés da timidez, do medo, do silêncio, daagressividade, da hostilidade, da hiperatividade, den-tre outros que constituem uma forma de ajustamen-to criativo. Conforme apresenta Oaklander (1980),o trabalho junto à criança consiste em:

“ construir o senso de eu da criança, para for-talecer as funções de contato e renovar o seupróprio contato com seus sentidos, sentimen-tos e uso do intelecto. A sua consciência éredirigida para a percepção sadia de suaspróprias funções de contato, seu próprio or-ganismo, e desta maneira, em direção a com-portamentos mais satisfatórios.” (p.75)

Pode-se verificar, dessa forma, que, na visãogestáltica, o trabalho psicopedagógico visa à amplia-ção da consciência, auxiliando a criança a redescobrirseu próprio ser, habilidades e potencialidades.

Observa-se que um desenvolvimento saudá-vel inclui fluidez dos processos que se apresentam noCiclo de Contato, adotando-se ora um, ora outro, de-pendendo dos contextos e objetos que se apresen-tam. As dificuldades surgem quando o indivíduo ten-de a se fixar em um mecanismo, ou mesmo atribuir-lhe ênfase que o impeça de perceber e lidar com o

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mundo tal como se apresenta. Esse processo podeser evidenciado por meio de mecanismos de fixação(sentimento de incapacidade de explorar situaçõesnovas), dessensibilização (frieza no contato, sem in-teresse por sensações novas), deflexão (evitação decontato), introjeção (diminuição de si diante da acei-tação do outro), projeção (atribuição ao outro da res-ponsabilidade por suas dificuldades), proflexão (ma-nipulação do outro para satisfação de suas necessi-dades), retroflexão (ação voltada a si quando deveriaser dirigida a outrem), egotismo (colocação de si comocentro, exercendo controle rígido e excessivo no mun-do) ou confluência (indiferenciação do que é do indi-víduo e do meio). A fixação em qualquer das fases dociclo – seja correspondente aos bloqueios do contato,aos relacionados fatores de cura - impede a sua flui-dez e pode representar dificuldade no processo doaprender.

A pessoa, seja ela criança, adolescente ou adul-ta, tende a se defender de situações de tensão e aevitar a consciência de certas emoções ou contatocom a fonte geradora de ansiedade. Para tal, podeadotar posturas de retraimento, negação, acusação,dentre outras que sinalizam a fixação em determina-da fase. O processo de conscientização do indivíduoacerca de seu movimento no Ciclo do Contato emrelação a si, ao outro, ao mundo e ao objeto de co-nhecimento constitui o ponto de partida de uma inter-venção, iniciando-se rumo à fluidez e ao aprendiza-do. Dessa forma, o modelo de Ciclo do Contato apli-cado à prática escolar permite a identificação de umadificuldade e, de estratégias que visam o processo demudança, seja de um aluno, de professor, de sala deaula ou da própria instituição escolar.

Verifica-se, assim, conforme apontamBassedas e cols. (1996), que o processo de avaliaçãoe intervenção psicopedagógica deve incluir uma com-preensão global da forma de aprender do indivíduo edos desvios que nele ocorrem, buscando-se organi-zar os dados de sua vida biológica, intrapsíquica, so-cial, familiar e escolar de forma coerente, integrandoas partes em um todo significativo, tal como enuncia-do pela Psicologia da Gestalt.

Outra interface refere-se à questão datemporalidade, tendendo-se, no diagnóstico, a se “es-cavar” no passado ou no desenvolvimento da criança

alguma justificativa para explicar sua não-aprendiza-gem. Esse movimento aponta causas passadas edesconsidera o aqui e agora como o momento privile-giado de mudança. As informações históricas mos-tram-se importantes, porém não podem assumir oponto de partida do diagnóstico sob pena de incorrerem interpretações causais e deterministas do proces-so. Conforme aponta Ribeiro (1985), “o passado e ocorpo estão presentes, aqui e agora, na pessoa comoum todo, e isto basta para entendê-la e para que sepossa lidar com ela criativamente” (p.81).

Sendo assim, a criatividade, mais do que umobjetivo a ser alcançado com a própria criança, pas-sa a ser concebida como um recurso necessárioao profissional, que se utiliza do fenômeno, tal qualele se apresenta, como ponto de partida das inter-venções, que deve sob a ótica gestáltica conside-rar, como foco de excelência, a liberdade para cri-ar, oferecendo à criança as condições necessáriaspara responder aos seus próprios questionamentos,permitindo-lhe conscientizar-se do seu potencial cri-ativo.

Nessa perspectiva, os objetivos apresentadospela Gestaltpedagogia enunciam os aspectos pelosquais se deve investir em um processo de interven-ção: auto-encontro, auto-realização/auto-satisfação,recuperação de partes perdidas e reprimidas do alu-no, crescimento pessoal, desenvolvimento do poten-cial humano como um todo, auto-responsabilidade,estímulo à consciência, concentração sobre o aqui eagora, co-participação na elaboração do modelo es-colar.

Nesse processo, algumas considerações podemser apresentadas para se efetivar uma práticainterventiva eficaz às demandas psicopedagógicas.Mister se faz considerar a unidade significativa alu-no-escola-família-professor como totalidade sobre aqual a intervenção dar-se-á, observando-se a formapromotora ou dificultadora de interação dos campos,ressaltando-se a intercomunicação e inter-responsa-bilidade das partes. Outros atores sociais podem par-ticipar do processo, configurando-se uma equipemultiprofissional composta por psicólogos, assisten-tes sociais, atores das áreas de educação e saúde,que se apresentem relevantes para melhor compre-ensão da demanda e ação conjunta.

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Outro aspecto a ser destacado refere-se à ne-cessidade de se considerar a unicidade do aprendiz ea forma singular com que atua em seus campos, exi-gindo dos atores (que com ele compartilham o mo-mento de aprendizado) o olhar cuidadoso e respeito-so às diferenças.

O aluno com queixa escolar representa umafigura-sintoma denunciando um fundo disfuncional edesorganizado. Organizar as partes, de forma a pro-porcionar-lhes o sentido da totalidade, é a atribuiçãocentral dos que com o aluno caminham.

Ressaltando a visão humanista que permeia aconcepção gestáltica, e tendo em vista que “o sujeitoé o melhor intérprete da sua própria realidade” (Ri-beiro, 1985, p.59), busca-se lidar com o potencial cri-ativo humano, levando o homem a se criar e experi-mentar seu próprio poder e limites, transformando asi e ao mundo e buscando-se como totalidade.Preconceitos do Cotidiano Escolar segundo oCiclo do Contato

Outro aspecto relevante refere-se à forma comoé concebida a queixa escolar, levando aos citados pre-conceitos do cotidiano escolar, que enfocam o fracas-so escolar como conseqüência de questões relaciona-das à saúde, classe econômica, estrutura familiar econtexto social do aluno. Os preconceitos caracteri-zam uma visão predeterminista e tendenciosa que im-pede a observação do fenômeno tal como é.

A Fenomenologia, sendo uma das filosofias debase da Gestalt-terapia, constitui um método de con-templação do fenômeno por meio da abertura à experi-ência para a apreensão do mundo tal qual se apresenta,valorizando a relação calcada no aqui e agora.

Uma análise generalista e uma escuta e/ou olhartendenciosos acabam por inferir um fenômeno aoinvés de observar o fenômeno. O desejo de negar ofenômeno e atribuir causas padronizadas e previsí-veis à dificuldade escolar apontam uma posturaacomodativa que visa, muitas vezes, mascarar umoutro problema existente, seja ele de ordem pedagó-gica, didática, psicológica ou de adaptação ao con-texto. Algumas escolas estruturam-se buscando tra-balhar com um sujeito ideal, não estando preparadaspara lidar com o real: “Diante da criança real, ela secoloca como vítima... de uma clientela inadequada...”(Collares & Moyses, 1996, p.181). Verifica-se, nesse

momento, um processo em que o corpo escolar colo-ca em evidência a figura da dificuldade e do proble-ma diante do fundo.

Conforme aponta Machado (2000), tal alunoreal, entretanto, “incomoda” porque aponta os aspec-tos necessários de mudança, sinalizando, sintomati-camente, um conflito de ambigüidades existentes nocontexto escolar. Conforme apresenta Weiss (1997):

“Triste é a escola que não acompanha o mun-do de hoje, ignorando aquilo que seu alunovivencia fora dela. Transforma aquele que in-teligentemente a questiona e que saudavelmen-te se recusa a buscar um conhecimento paradono tempo num ‘portador de problema de apren-dizagem’.” (p.18)

Analisando tal situação sob a perspectivagestáltica, enquanto a criança percorre seu ciclo pe-los mecanismos de consciência, mobilização e ação,a instituição escolar assume um mecanismo dedeflexão, ou seja, um processo por meio do qual evi-ta o contato, realizando-o de maneira vaga e geral(Ribeiro, 1997). Como fator de cura institucional, háa consciência, por meio da qual a escola dará contada realidade de maneira clara e reflexiva, atentandopara os acontecimentos e percebendo-se em relacio-namento recíproco com as pessoas e coisas. Como ocorpo docente constitui e caracteriza a instituição, faz-se necessário um processo coletivo de conscienti-zação, apresentando as realidades e permitindo a des-coberta das capacidades docentes para lidar com asdiferenças.

Um outro mecanismo que pode caracterizarum Bloqueio de Contato Escolar é o da projeção,processo no qual a instituição atribui aos outros a res-ponsabilidade pelos seus fracassos, sinalizando a difi-culdade de se reconhecer como responsável. O fatorde cura refere-se ao mecanismo de ação, o proces-so em que a instituição assume a responsabilidadepelos seus próprios atos, identificando em si mesmaas razões de seus problemas e agindo em nome pró-prio na busca das soluções. Conforme afirma Patto(1999):

“A projeção de características negativas nooutro é um mecanismo socialmente poderoso,na medida em que justifica a opressão. Estaatribuição, que não se dá aleatoreamente, mas

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informada por preconceitos e estereótipos so-ciais, determina a maneira como o poder seráexercido.” (p.218)

Outros mecanismos que compõem o Ciclo doContato, sejam eles da ordem do bloqueio ou da cura,permeiam a Instituição Escolar nos contatos que essaestabelece com os diferentes campos, envolvendo oaluno, a família, o corpo docente e as demais institui-ções governamentais e sociais. Verifica-se, entretan-to, que quaisquer bloqueios de contato tendem a atu-ar como divulgadores e cristalizadores das pré-con-cepções que caracterizam as queixas existentes, aopasso que os processos de fluidez, sensação, consci-ência, mobilização, ação e interação tendem a atuarcomo fatores impeditivos da propagação dos precon-ceitos do cotidiano escolar.

Salienta-se, assim, a necessidade de uma re-significação das queixas escolares por meio da consci-ência escolar dos próprios processos. A observaçãocautelosa desse Campo Holístico Relacional permitiráuma intervenção adequada, ao se deixar de enfocar aspartes, passa-se a descobrir a coerência existente emum grande e integrado todo em construção.

Busca-se, dessa forma, caminhar de uma po-sição acomodativa de rotulação do fracasso, para umaposição ativa-interventiva no sentido de promover, deforma presente e responsável, a aprendizagem e odesenvolvimento do indivíduo.Considerações Finais

Desde sua origem, o indivíduo inicia o seu pro-cesso de desenvolvimento em busca de sua totalidade.Em seu caminho, passa por diferentes fases que ca-racterizam as valências e figuras peculiares construídaspelas interações entre os diferentes campos. Nesseprocesso, os ajustamentos criativos e as tendências àauto-regulação e auto-realização constituem aliadosimportantes, que levam o indivíduo às buscas, encon-tros, abertura e fechamento de gestalten, concomitanteao conhecimento de si, do outro e do mundo.

O processo de aprender implica, por sua vez,descobrir, mudar, criar, sentir, pensar e realizar, namedida em que o sujeito caminha pelo Ciclo do Con-tato e lida com o novo, representado pelas formaçõeselementares do pensamento, da linguagem, pelosmovimentos e escrita, ações concretas e abstrações

lógicas, respeito e responsabilidades sociais, conhe-cimentos cotidianos e científicos, controle e fluidezdas emoções, análise e síntese, enfim, por inúmerosconteúdos e formas que, independente da fase de de-senvolvimento em que o indivíduo se encontre, estãoem constante reconfiguração, reconstrução.

A abordagem gestáltica e a psicopedagogiaestabelecem, portanto, uma interface teórico-prática,contribuindo para a ampliação das concepções quepermeiam os fenômenos aprendizagem e desenvolvi-mento e para a re-estruturação de campos perceptuaiscristalizadores do cotidiano escolar.

Ambas representam partes de uma totalidadepossível e válida à compreensão do processo de apren-dizagem e de intervenção escolar. Por serem distin-tas, podem se assumir como complementares, desdeque as fronteiras de seus campos mostrem-se per-meáveis. Epistemologicamente, representam conhe-cimentos construídos pelo processo de sucessão fi-gura-fundo, rumo à construção de um novo olharpsicopedagógico de base gestáltica.

Ambas referem-se a uma visão coletiva e in-tegrada que objetiva o crescimento, e não mais a umafragmentada, dirigida à acomodação. Vinculam-se auma mudança de postura, de paradigma, para quecada um possa tornar-se um instrumento propulsordo crescimento e desenvolvimento da criança, não sócomo aluno, mas como ser humano.

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