AT03 - Eleições e Representação Política Coordenador: Yan de Souza Carreirão (UFSC)
3ª Sessão: Sessão A / 2º Dia: Competição política, estratégias e recursos.
Voto, dinheiro e diferenças regionais nas eleições brasileiras: recursos financeiros e políticos para candidatos a deputado
federal em 2010
Emerson U. Cervi [email protected]
Resumo: O paper analisa perfil partidário, desempenho eleitoral e receitas declaradas de campanhas de 4,1 mil candidatos a Deputado Federal em 2010 para verificar a relação entre condições políticas, recursos financeiros e voto. A hipótese presente na literatura e já testada em outros trabalhos é que candidatos com mais dinheiro têm maiores chances de eleição, porém, isso precisa ser relativizado pelas regras de disputa e especificidades locais. Devido às desigualdades regionais brasileiras, o trabalho propõe uma análise mais detida sobre os efeitos dessas desigualdades regionais na relação entre dinheiro e voto em disputas proporcionais. A proposta é agregar às variáveis políticas propriamente ditas, informações sobre características sócioeconômicas estaduais para verificar os efeitos do financiamento de campanha, pois se considera que apenas variáveis políticas não são suficientes para explicar o efeito do dinheiro nas disputas eleitorais em âmbito nacional. Os resultados iniciais mostram que nas regiões mais desenvolvidas economicamente, as doações de pessoas jurídicas são mais fortemente relacionadas com o voto, enquanto em Estados menos desenvolvidos, as transferências partidárias ganham relevância.
Palavras- chave: eleição, deputados federais, 2010, financiamento, campanhas.
1. Introdução
Estudos eleitorais são cada vez mais utilizados pela ciência política para interpretação
das complexidades da democracia representativa. Como já apontaram Taagepera e
Shugart (1989) no século passado, parte-se de quantidades bem definidas e
mensuráveis de votos, vagas e de candidatos para se chegar a noções mais complexas
do sistema democrático como um todo. Portanto, em última análise, estudar eleições
é uma forma indireta de fazer inferências sobre a saúde dos sistemas democráticos.
No caso desse paper, além de quantidade mensuráveis de votos, utiliza-se também,
como variável explicativa do resultado da disputa, quantidades mensuráveis de
recursos financeiros investidos em campanhas. O tratamento empírico dado aos
resultados eleitorais, com análise matemática de números e criação de índices
comparativos é principal instrumento utilizado nas pesquisas atuais dessa área. Nesse
sentido, Peña afirma que “los datos de votos y de asientos por partido han podido
agregarse en indicadores simples que pretenden explicar em un único dato las
distribuciones o diferencias observadas” (2005, p. 235). Embora recentes, os estudos
de financiamento de campanha têm se desenvolvido no Brasil nos últimos anos. Uma
análise sobre o montante de recursos disponibilizados na campanha de 2010 no Brasil
pode ser encontrada em Speck e Mancuso (2011). Há duas formas predominantes de
abordar o tema do financiamento de campanhas: i) a partir de uma visão
economicista, onde o importante é entender qual a origem dos recursos e montantes
destinados ao financiamento das eleições no país; e ii) com uma abordagem política,
onde o que interessa é compreender possíveis efeitos dos recursos financeiros sobre
os resultados das disputas. No primeiro caso, recursos financeiros formam a variável
dependente, a ser explicada; enquanto que no segundo, elas explicam – ainda que em
parte – o desempenho de candidatos e partidos políticos. Este trabalho filia-se ao
segundo grupo de abordagens, utilizando a variável “financiamento de campanha”
como explicação para o desempenho eleitoral dos candidatos a deputado federal no
Brasil em 2010.
A questão aqui é discutir até que ponto é possível medir a influência de montantes
distintos de recursos financeiros na obtenção de votos pessoais por candidatos em
disputas proporcionais – bancadas estaduais na Câmara de Deputados. Parte-se da
hipótese já testada em trabalho anterior (Cervi, 2010) para candidaturas majoritárias
de que o tipo de financiamento tem relação com as chances de eleição do candidato.
Político com mais recursos de empresas tendem a ter um volume maior de dinheiro na
campanha e a conquistar mais votos individuais, aumentando as chances de vitória.
Um estudo que tratou da participação de empresas no financiamento eleitoral
brasileiro, porém, de forma distinta da abordada aqui é o de Santos (2011). Nesse
trabalho o autor aponta a participação de grandes empresários como candidatos nas
disputas proporcionais fazendo parte de uma estratégia partidária. Nesse caso, os
partidos garantiriam proximidade com empresas financiadoras a partir de seus
próprios candidatos/empresários. Aqui, o objetivo é saber como o conjunto de
candidatos, empresários ou não, faz a composição de doações para as suas
campanhas.
Um segundo ponto relevante para a análise desenvolvida aqui é a consideração dos
efeitos distintos de recursos financeiros para candidatos de diferentes regiões do País.
Partimos do princípio de que em função das desigualdades econômicas e de
desenvolvimento das unidades da Federação, os recursos financeiros apresentam
efeitos distintos para os candidatos de diferentes regiões, ainda que sejam de mesmos
partidos ou com mesmas posições ideológicas. Portanto, o que se pretende é avançar,
dando continuidade a esta linha de pesquisas sobre financiamento de campanhas e
impacto eleitoral do dinheiro, com a relativização por características socioeconômicas
regionais.
A partir daqui o texto está dividido em duas partes: no próximo tópico são
apresentados os dados e realizados os testes para verificar a validade das hipóteses
apresentadas acima. Para isso, o trabalho utiliza informações oficiais de duas fontes
distintas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral): i) prestação de contas dos concorrentes a
deputado federal em 2010, e ii) resultados de votações individuais de todos os
candidatos que chegaram ao final da disputa. Isso permite trabalhar com um universo
de 4,1 mil concorrentes com informações disponíveis. No tópico seguinte são
apresentadas algumas considerações finais a respeito dos “achados” empíricos..
2. Materiais e métodos
As informações analisadas aqui foram obtidas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e
resultaram da junção de dois bancos de dados distintos. Um deles apresenta as
votações individuais de todos os candidatos que disputaram as eleições de 2010 para
deputado federal no Brasil. O outro é o banco de dados com informações sobre
doadores de campanha, a partir das prestações de contas feitas pelos concorrentes e
partidos políticos ao final da campanha. A unidade de análise, portanto, é o candidato.
Como nem todos prestaram contas ao TSE das finanças de campanha, foram
considerados aqueles para os quais havia informação de prestação de contas no
website do TSE em fevereiro de 2011. Isso resulta em 4.124 candidatos com
informações disponíveis para serem analisadas, dos quais, 513 foram eleitos. Como a
unidade de análise é o candidato, aqui serão inseridos sempre os votos nominais e os
recursos declarados como doações para as campanhas individuais, sendo, portanto,
desconsiderados os votos de legenda e os recursos doados a comitês financeiros de
diretórios partidários regionais. O total de candidatos analisados aqui somou 88,6
milhões de votos nominais, mais de 80% dos votos válidos para deputado federal
naquele ano. Representa uma média de 21,4 mil votos por concorrente. Em relação às
doações financeiras diretas para as candidaturas, foram R$ 909,1 milhões declarados
pelos concorrentes, um média de R$ 225,9 mil1 por candidatura individual.
Uma primeira distinção a ser feita na relação entre recursos e votos pessoais em
eleições proporcionais é entre os eleitos e não-eleitos. Em 2010, para deputado
federal no Brasil, os 3.511 candidatos derrotados arrecadaram R$ 334,7 milhões e
tiveram 29,6 milhões de votos; enquanto os 513 eleitos arrecadaram R$ 574,4 milhões.
Percebe-se claramente uma concentração de recursos arrecadados pelos candidatos
eleitos, pois apesar de representarem cerca de 1/7 do total de concorrentes, foram
responsáveis por cerca de 2/3 das doações individuais. Essa mesma diferença é
percebida na distribuição de votos nominais, pois enquanto os não-eleitos somaram
29,7 milhões de votos, os eleitos fizeram 58,9 milhões de votos. Com isso, a relação
proporcional entre receita e voto manteve-se muito próxima nos dois grupos.
Enquanto os não-eleitos tiveram R$ 11,6 por voto em média, os eleitos arrecadaram a
1 Vale ressaltar que no website do TSE consta que 101 dos 4124 candidatos a deputado federal
declararam não ter recebido nenhum recurso individual para a disputa, portanto, não fazem parte das
médias apresentadas aqui.
média de R$ 9,7 por voto. Ou seja, eleitos fazem mais votos e têm mais recursos para
fazer campanha. No entanto, não estamos ainda fazendo relações de dependência
entre as duas variáveis.
Considerando que os eleitos arrecadam mais que os não-eleitos e obtém mais votos
em comparação à arrecadação total dos derrotados, é possível pensar que existem
outras variáveis intervenientes que não apenas recursos financeiros para a obtenção
de votos pessoais. O tipo de campanha que o candidato faz pode ser um indicativo de
“rendimento” dos recursos na transformação em votos. Uma das variáveis a considerar
é se o candidato faz parte de uma coligação de partidos ou não. Dependendo da
coligação, ele precisará mais ou menos de votos individuais para ser eleito. Nesse caso,
ajustes partidários podem influenciar a relação entre recursos financeiros e votos.
Além disso, consideramos que as disputas regionais para as bancadas na Câmara de
Deputados são organizadas a partir da disputa presidencial, com candidatos se
favorecendo da proximidade com o concorrente melhor avaliado à presidência da
república pelos eleitores. Considerando que essas duas hipóteses têm sentido lógico,
os candidatos serão organizados em três grupos distintos – considerando a relação
com a candidatura vitoriosa à presidência da república em 2010: i) candidatos a
deputado em coligações sem o PT; ii) candidatos a deputado em coligações com o PT;
e iii) candidatos a deputado pelo PT sem coligação.
A tabela 1 a seguir mostra os resultados para cada um dos três grupos subdivididos
entre os concorrentes eleitos e não-eleitos em 2010 no que diz respeito ao
financiamento e votos. Na última coluna da direita é possível perceber que a relação
entre recursos arrecadados e votos obtidos segue aproximadamente o mesmo padrão
nos três grupos de candidatos. Em todos os casos os não-eleitos apresentam médias
que ultrapassam as dos eleitos na relação entre Reais e votos. A menor diferença fica
entre candidatos que estavam em coligações sem o PT, com R$ 10,59 por voto para os
329 eleitos e R$ 11,46 por voto para os 3.172 não eleitos. A diferença aumenta um
pouco nos concorrentes que fizeram parte de coligação com o PT2. Enquanto os 405
2 Aqui também estão inclusos os candidatos do PT em Estados em que o partido fez coligação para
deputado federal.
não-eleitos apresentaram uma relação de R$ 11,80 por voto, os 171 eleitos por
coligações com PT tiveram R$ 8,36 por voto, de média. O grupo que apresenta as
maiores diferenças é o dos candidatos petistas que não se coligaram com outros
partidos. Neste, enquanto os não-eleitos tiveram R$ 13,67 por voto, de média, os
eleitos ficaram em R$ 9,46. Embora a média dos petistas eleitos não-coligadas seja
maior que a dos coligados a outros partidos, esses resultados mostram que a
proximidade ao PT tendeu a maximizar o rendimento do recurso financeiro, ou seja,
estar próximo do partido que elegerá o presidente aumenta a possibilidade de
transformação de recursos financeiros em votos. Porém, isso só vale para os
concorrentes eleitos, para os não-eleitos, as médias ficam muito próximas entre os
três grupos.
Tab. 1 – distribuição de votos e receitas por desempenho dos candidatos a deputado federal em 2010
Número de candidatos
Média de votos nominais
Média de receitas (R$)
Relação R$/voto
Coligação sem PT
Não eleito 3.172 7.263 83.241 11,46
Eleito 329 109.826 1.163.999 10,59
Teste de dif. de médias t =65,842 (0,000) t = 47,059 (0,000)
Coligação com PT
Não eleito 405 14.696 173.493 11,80
Eleito 171 125.647 1.051.034 8,36
Teste de dif. de médias t=19,569 (0,000) t=15,459 (0,000)
PT não coligado
Não eleito 34 19.564 267.578 13,67
Eleito 13 103.965 984.535 9,46
Teste de dif. de médias t=8,318 (0,000) t=3,895 (0,001)
A tabela 1 também apresenta os resultados dos testes de diferenças de médias para os
votos nominais e receitas em cada um dos grupos. Percebe-se que os coeficientes são
todos significativos e altos, porém, comparativamente é possível notar que as
diferenças são maiores nos votos nominais do que nas médias das receitas. Isso
significa que enquanto os eleitos conseguem mais votos que os não-eleitos, as
diferenças das receitas médias dentro de cada grupo são menores. Isso reforça a ideia
de que apesar de existirem efeitos da proximidade com PT para as distribuições de
votos, elas são menores no que diz respeito aos efeitos da arrecadação financeira
entre eleitos e não-eleitos. Uma possibilidade explicativa para essa diferença é que
desigualdades regionais, principalmente econômicas, já que tratam de recursos para
campanhas, possam causar a “distorção” na transformação de receitas em votos. É
possível pensar isso no caso brasileiro devido as diferenças de nível de
desenvolvimento econômico entre Unidades da Federação e mesmo entre as grande
regiões do País. O teste de diferenças de médias (ANOVA) para as receitas de eleitos e
não-eleitos por regiões do País mostrou que as diferenças são mais fortes entre os
eleitos do que os não-eleitos. No primeiro grupo, a estatítica F é de 25,915 (sig. 0,000),
enquanto que para os últimos a estatítisca F ficou em 3,110 (sig. O,014). A tabela 2 a
seguir mostra as significâncias estatísticas para as diferenças entre regiões.
Tab. 2 – Diferença de média (ANOVA) para financiamento de campanha entre candidatos
Eleito Não-eleito
(I) Região (J) Região Diferença média (I-J)
Sig. (I) Região (J) Região Diferença média (I-J)
Sig.
NORTE
NORDESTE 23894,33 1,000
NORTE
NORDESTE -70268,3 1,000
CENTRO-OESTE -49628,2 0,320 CENTRO-OESTE -1,17E+06 0,000
SUDESTE 8669,506 1,000 SUDESTE -767440,546* 0,000
SUL -11484,5 1,000 SUL -344546 0,170
NORDESTE
NORTE -23894,3 1,000
NORDESTE
NORTE 70268,26 1,000
CENTRO-OESTE -73522,561* 0,010 CENTRO-OESTE -1,10E+06 0,000
SUDESTE -15224,8 1,000 SUDESTE -697172,286* 0,000
SUL -35378,8 0,709 SUL -274278 0,395
CENTRO-OESTE
NORTE 49628,23 0,320
CENTRO-OESTE
NORTE 1168985,275* 0,000
NORDESTE 73522,561* 0,010 NORDESTE 1098717,015
* 0,000
SUDESTE 58297,736* 0,034 SUDESTE 401544,7 0,078
SUL 38143,74 1,000 SUL 824439,449* 0,000
SUDESTE
NORTE -8669,51 1,000
SUDESTE
NORTE 767440,546* 0,000
NORDESTE 15224,83 1,000 NORDESTE 697172,286* 0,000
CENTRO-OESTE -58297,736* 0,034 CENTRO-OESTE -401545 0,078
SUL -20154 1,000 SUL 422894,721* 0,011
SUL
NORTE 11484,49 1,000
SUL
NORTE 344545,8 0,170
NORDESTE 35378,82 0,709 NORDESTE 274277,6 0,395
CENTRO-OESTE -38143,7 1,000 CENTRO-OESTE -824439,449* 0,000
SUDESTE 20154 1,000 SUDESTE -422894,721* 0,011
Dentre os eleitos há uma homogeneidade maior nas médias de recursos por região do
País. As diferenças mais fortes são entre candidatos da região centro-oeste e nordeste
e centro-oeste e sudeste. Nos dois casos, em média, os eleitos do centro-oeste tiveram
receitas R$ 73,5 mil e R$ 58,2 mil superiores a nordeste e sudeste, respectivamente.
Isso demonstra que entre os deputados federais eleitos em 2010 o volume de recursos
arrecadados para as campanhas foram muito próximos, independente da região em
que disputavam. Já entre os não-eleitos as diferenças significativas são maiores. Os
derrotados do centro-oeste e sudeste arrecadaram mais que os do norte, nordeste e
sul. Os do norte e nordeste tiveram menos recursos, em média, do que os das demais
regiões.
Até aqui, encontramos que a proporção de recursos arrecadas e votos obtidos entre
candidatos eleitos e não-eleitos é bastante próxima, ficando em R$ 11,00 por voto
para os derrotados e R$ 9,00 por voto para os vitoriosos. Também demonstramos que
a principal diferença está no volume de recursos arrecadados entre os dois grupos.
Enquanto os eleitos representam 1/7 do total de candidatos a deputado federal em
2010, eles foram responsáveis por 2/3 das receitas declaradas ao TSE. Essa
concentração de recursos remete a melhores condições de disputas, já que a
transformação de Reais em votos é muito parecida entre os dois grupos de
concorrentes. Também testamos as relações de votos e receitas entre eleitos e não-
eleitos controlados pela proximidade à candidatura vitoriosa para presidência da
república. Dividimos os candidatos em três grupos: concorrendo em coligação sem o
PT, em coligação com o PT e sendo do PT mas não-coligado. Os resultados foram que
para os três casos os candidatos eleitos tiveram mais doações que os não-eleitos e isso
se deu na mesma proporção. Portanto, a variável “política” de controle não se
mostrou útil para explicar diferentes relações entre recursos financeiros e votos
individuais.
O passo seguinte foi verificar se existem diferenças nas receitas de candidatos por
região do País, considerando-se as diferenças no desenvolvimento econômico regional
brasileiro. Aqui, os testes estatísticos mostraram que entre os candidatos não-eleitos
as diferenças regionais foram maiores que os eleitos. Significa dizer que o grupo dos
513 eleitos tem uma receita média que é equivalente a todas as regiões do País,
enquanto no caso dos não-eleitos as diferenças regionais são mais significativas. Dado
que até aqui ficou estabelecido que o diferencial entre eleitos e não-eleitos está no
total das receitas, a partir de agora passamos a analisar a composição dos recursos
declarados pelos candidatos. Seguindo a categorização do TSE, dividimos o conjunto
de receitas em quatro tipos: i) transferências dos partidos, que são os recursos
transferidos pelo diretório nacional e diretórios regionais, assim como de outros
políticos para a conta do candidato a deputado federal. ii) recursos de pessoas físicas,
que são oriundos de doações de eleitores, ou seja, pessoas que decidem contribuir
com a campanha individual de determinado concorrente. iii) recursos de pessoas
jurídicas, que reúnem as doações de empresas, entidades, organizações não-
governamentais, ou seja, doadores com CNPJ (cadastro nacional de pessoas jurídicas).
iv) recursos próprios, por fim, são os recursos introduzidos nas campanhas a partir das
finanças do próprio candidato ou de empresas controladas por ele. A tabela 3 a seguir
mostra a distribuição dos valores médios em Reais de cada tipo de doador, além de
indicar as participação proporcional de cada um deles para candidatos eleitos e não-
eleitos.
A primeira informação importante aqui é que os maiores doadores, tanto para eleitos
quanto para não-eleitos são as “pessoas jurídicas”. Enquanto os não-eleitos que
declararam receita apresentaram uma média de R$ 206,4 mil de arrecadação
individual, os eleitos ficaram em R$ 1,1 milhão de média. No caso dos não-eleitos, as
pessoas jurídicas doaram em média R$ 87,0 mil para cada um dos 1.216 candidatos
que declararam esse tipo de receita. Já para os 481 eleitos, a média ficou em R$ 546,8
mil por concorrente. Em segundo lugar vieram as transferências partidárias para a
composição das receitas individuais. Em 2010 tivemos a média de R$ 58,8 mil de
transferências de partidos para candidatos derrotados e R$ 350,5 mil para eleitos. As
doações de pessoas físicas e os recursos próprios tiveram participações menores na
composição das receitas de campanha. No primeiro caso, a média ficou em R$ 24,9 mil
para os derrotados e R$ 125,7 mil para os eleitos. Já os recursos próprios
representaram em média R$ 35,6 mil por não-eleito, contra R$ 107,8 mil para os
eleitos.
Duas informações precisam ser destacadas. A primeira é a profunda desigualdade dos
valores médios de transferências partidárias para candidatos derrotados e eleitos. Se
os outros três tipos de doações dependem mais das características individuais, espera-
se que a organização partidária garanta algum grau de isonomia entre todos os
concorrentes – principalmente para corrigir desequilíbrios que possam ser gerados
pelas características específicas de cada candidato. Nesse sentido, as transferências
partidárias deveriam “compensar” as divergências de receitas individuais. De acordo
com a tab. 3, os eleitos tiveram, em média, cerca de cinco vezes mais transferências de
seus partidos que os candidatos não-eleitos. Uma proporção muito próxima das
doações de pessoas físicas, cinco reais de média nos eleitos para cada real doado a um
derrotado. No caso das pessoas jurídicas a desproporção aumenta um pouco,
passando para seis vezes mais nos eleitos em relação aos derrotados. Os recursos
próprios apresentam as menores desproporções médias, com cerca de três vezes mais
para os eleitos em relação aos não-eleitos.
Tab. 3 – Distribuição dos tipos de origens na composição das receitas de campanhas
Total R$ Transferências
do partido Pessoa física
Pessoa jurídica
Recursos próprios
NÃO ELEITO
N 3.511 861 2.002 1.216 2.118
Média 206.475,40 58.881,91 24.910,25 87.028,29 35.654,95
Propor. 1,00 0,29 0,12 0,42 0,17
ELEITO
N 513 357 487 481 423
Média 1.131.116,71 350.552,09 125.784,54 546.883,79 107.896,29
Propor. 1,00 0,31 0,11 0,48 0,10
A segunda informação relevante é o número de candidatos que declararam ter
recebido cada um dos tipos de doações. Dos 3.511 concorrentes derrotados que
prestaram contas ao TSE, 2.118 (60,0%) declararam ter investido recursos próprios em
suas campanhas, 2.002 (57,0%) tiveram doações de pessoas físicas. Em terceiro lugar
veem os doadores jurídicos, com 1.216 (34,6%) e, por último, as transferências
partidárias, com 861 (24,5%) declarantes não-eleitos. Por outro lado, entre os 513
eleitos, o maior percentual de doadores nas declarações ficou com pessoas físicas, 487
(94,9%) candidatos, seguido por pessoas jurídicas, com 481 (93,7%) de candidatos com
doadores declarados. Em seguida estão os recursos próprios, com 423 (82,4%) de
eleitos e as transferências partidárias, com 357 (69,5%) de declarações. As
transferências partidárias estão presentes nos menores números de declarações tanto
de não-eleitos quanto de eleitos, porém, no segundo caso elas representam
proporcionalmente quase o dobro da declarações no derrotados (de 69,5% para
34,6%, respectivamente). Essas diferenças percentuais indicam que os eleitos tendem
a ter uma diversificação maior de tipos de doadores que os não-eleitos.
Graf. 1 – Participação do tipo de doador nas campanhas dos candidatos eleitos e não-eleitos
a deputado federal em 2010
O gráfico 1 acima representa as proporções de participação de cada tipo de doador na
composição média das doações de candidatos eleitos e não-eleitos em 2010. Ao
contrário das descrições anteriores, ele permite comparar os tipos de doadores dentro
de cada subgrupo. No caso de não-eleitos, as diferenças são menores, variando de
0,12 de participação de pessoas físicas até o máximo de 0,42 de pessoas jurídicas para
cada Real doado. Já os eleitos tiveram extremos mais distantes, variando de 0,10 de
participação de recursos próprios até 0,48 de pessoas jurídicas. Em termos
comparativos, os não-eleitos contaram com participação maior de doações de pessoas
físicas e de recursos próprios que os eleitos. Já estes últimos tiveram mais
transferências partidárias e doações de pessoas jurídicas.
Em linhas gerais a descrição feita até aqui nos permite afirmar que a composição das
receitas dos candidatos eleitos é distinta dos não-eleitos. Os primeiros recebem mais
de transferências partidárias e doações de pessoas jurídicas, investindo menos
recursos próprios. Já os derrotados contaram com maior participação de recursos
próprios e doações de pessoas jurídicas.
Feitas as análises preliminares, a partir daqui realizaremos os testes para estabelecer
níveis de relação e possíveis determinações entre origem do recurso, obtenção de
votos e maior ou menor possibilidade de se eleger – controlando por região do País.
A primeira regressão é entre votação nominal e volume de recursos da campanha.
Como é de se esperar, a relação é significativa, com estatística F 2.612,45 (0,000) e r2
de 0,394, ou seja, o modelo que considera o total de recursos explica 39,4% das
variações das votações nominais dos candidatos. O coeficiente Beta (B) da regressão
para total de receitas é de 0,056, o que significa que, no modelo, aproximadamente
cada real a mais da campanha, obtém-se 1/20 de voto. Como já identificamos que a
relação entre recursos e voto é mais forte entre os não-eleitos do que entre eleitos, é
possível imaginar que a explicação da variação de votos por recursos seja mais forte no
primeiro grupo do que no segundo.
O próximo passo é analisar os efeitos individuais dos tipos de doadores para os
resultados das votações. Aqui, como os valores originais (em R$) apresentam grandes
variações, gerando heteroquedasticidade – uma quebra o pressuposto da
homoquedasticidade para análises de regressão – que impede a aplicação dos modelos
de regressão. Por isso, optou-se por trabalhar com as transformações dos valores em
logaritmos de R$ para os tipos de doadores. Os resultados do modelo como um todo e
dos tipos de doadores encontram-se sumarizados na tabela 4 a seguir.
Olhando para as estatísticas do modelo como um todo (segunda parte da tab. 4)
percebe-se que para os três casos os resultados são significativos, com estatística F e
nível de significância indicando validade estatística. Apesar disso, o poder explicativo
dos modelos varia bastante. Na regressão que inclui todos os candidatos, as variações
dos tipos de doadores explicam 33,8% das mudanças nas votações nominais (r2 0,338).
Esse potencial explicativo diminui quando são incluídos no modelo apenas os
candidatos eleitos, caindo para 29,8% de explicação. Por outro lado, a capacidade
explicativa cresce bastante ao se considerar apenas os candidatos derrotados,
passando para 68,1% de determinação sobre o voto.
Tab. 4 – principais estatísticas da regressão entre votos nominais e tipos de doadores
Variáveis explicativas
Todos Eleitos Não-eleitos
B Sig. B Sig. B Sig.
Log. TPartido 12.067,51 0,000 3.736,03 0,491 7.704,17 0,000
Log. PFísica 13.702,35 0,000 8.986,29 0,182 5.329,80 0,014
Log. PJurídica 24.079,37 0,000 20.150,93 0,000 9.654,71 0,000
Log. Recpróprios 410,90 0,000 -3.993,13 0,056 2.543,42 0,001
R2 modelo 0,338 0,298 0,681
Estatística F 67,602 6,480 55,540
Sig. 0,000 0,000 0,000
Analisando os coeficientes individuais das variáveis explicativas, percebe-se que a
relação mais forte se dá entre doações de pessoas jurídicas e votos nominais. É o único
que se apresenta significativo nos três modelos, tendo o maior Beta em todos eles. As
transferências partidárias não são significativas para os eleitos, sendo a segunda em
termos explicativos para os não-eleitos. As transferências de pessoas físicas são menos
fortes para os votos nominais de não-eleitos em relação às transferências partidárias.
Além disso, elas não são significativas para votos nominais dos eleitos. Os recursos
próprios são significativos e positivos para os não-eleitos, porém, ficam no limite da
significância (0,056) para intervalo de confiança de 95%, com coeficiente Beta negativo
no caso dos eleitos. Isso significa a existência de uma relação inversa entre volume de
recursos próprios e votos nominais dos eleitos, quanto mais recursos próprios, menos
votos para os eleitos.
Resultados do teste de regressão mostram um impacto positivo e forte das doações de
pessoas jurídicas para as votações nominais tanto de eleitos, quanto de não-eleitos. Os
demais tipos de doadores apresentam relações distintas para os dois tipos de
candidatos. Entre os derrotados, as transferências partidárias tiveram impacto maior,
seguidas de doações de pessoas físicas e, por último, recursos próprios. Já entre os
eleitos, os resultados não foram estatisticamente significativos para nenhuma das três
modalidades de doadores, embora os coeficientes apontem um peso maior para as
doações de pessoas físicas, seguidas de transferências partidárias. Por último, em
sentido inverso, estão os recursos próprios. Os impactos comparativos podem ser
visualizados no gráfico 2 a seguir. Ele mostra como os tipos de doadores têm impacto
sobre a obtenção de votos nominais, evidenciando a importância de recursos de
pessoas jurídicas para os dois tipos de candidatos, embora, para os eleitos a diferença
de doações de empresas em relação às demais modalidades é maior que entre os não-
eleitos.
Graf. 2 – Relação da participação por tipo de doadores nos votos nominais (log/1000)
Até aqui, ao compararmos grupos distintos (eleitos e não-eleitos) encontramos
algumas similaridades e outras diferenças. A principal similaridade é o efeito das
doações de pessoas jurídicas para os votos nominais dos dois tipos de candidatos,
ainda que para os eleitos esse efeito seja duas vezes maior que para os não-eleitos.
Evidente que essa relação pode carregar um “efeito de memória” em si mesma, em
outras palavras, empresas podem doar mais para candidatos mais conhecidos/viáveis
eleitoralmente e isso potencializaria a obtenção de votos nominais deles. A discussão
aqui não é se um real de empresas tem mais valor que um real de pessoas físicas para
as campanhas individuais, mas qual o efeito que a concentração de determinados
recursos tem sobre os votos nominais obtidos pelos concorrentes. Os testes dividindo
candidatos em dois grupos não permitem responder a questão anterior.
O volume total de recursos para as disputas mostrou-se altamente relacionado com o
resultado eleitoral. Quanto mais dinheiro na campanha, maior a chance de vitória,
independente da região do País em que o candidato se encontre. Sendo assim, a seguir
serão comparados os efeitos dos tipos de doadores sobre todos os candidatos,
subdivididos entre eleitos e não eleitos. Como a substituição da variável dependente
“número de votos nominais” contínua por uma variável dependente binária “eleito ou
não-eleito” viola o pressuposto básico da regressão linear optou-se pelos modelos
logísticos binários a partir daqui. Neles, a variável dependente sempre é binária –
possuir ou não possuir determinada característica. No caso, ter sido ou não eleito,
codificados como 1 (um) e 0 (zero), respectivamente. As variáveis explicativas
continuam sendo as transformações logarítmicas para os totais de recursos oriundos
dos quatro tipos de doadores para as campanhas individuais. Os resultados dos testes
não mostram mais os impacto das variáveis independentes sobre a mudança na
dependente, mas quais as chances de passar de não-eleito para eleito (0 para 1) com a
variação nas unidades das variáveis independentes. A tabela 5 a seguir apresenta os
resultados para todos os candidatos do Brasil.
Tab. 5 – Regressão Binária para tipo de doadores por resultado da disputa Variáveis explicativas
de não-eleito para eleito
Sig. Exp. (B) % chance
Log. T. Partido 0,000 1,937 93,7
Log. P. Física 0,000 2,058 105,8
Log. P. Jurídica 0,000 2,481 148,1
Log. Rec. Próprios 0,005 1,192 19,2
R2 (Cox e Snell) 0,302
Ajuste do modelo 73,7%
O coeficiente de determinação r2 de Cox e Snell para o modelo é de 30,2% (0,302), o
que indica que apenas 1/3 da mudança de não-eleito para eleito é explicada pelo
conjunto de variáveis ligadas ao tipo de financiadores, portanto, a maior parte da
explicação não está contida nessas variáveis. O modelo encontra-se razoavelmente
ajustado, com um percentual de ajuste de 73,7%. Os coeficientes mostram que o tipo
de doador com maior impacto na mudança de não-eleito para eleito foi “pessoa
jurídica”, com 148,1% mais de chances de passar para eleito conforme aumentam as
unidades dessa variável. O menor impacto foi a fonte “recursos próprios”, com apenas
19,2% de chances de mudança para eleito com o crescimento de um log dessa variável.
Demonstrados os diferentes impactos por tipo de doador, resta saber se essas
diferenças são mantidas ou não entre candidatos de diferentes regiões do País. Para
tanto, foram produzidos modelos de regressão logística binária para os concorrentes
de cada uma das cinco regiões brasileiras. A tabela 5 sumariza os principais resultados.
Em relação à capacidade preditiva dos modelos em geral, os ajustes variam de 60,9%
para o Norte, até 82,5% no Sul, indicando razoável força explicativa dos preditores
reunidos. Já os coeficientes de determinação variam bastante entre as regiões. O
menor coeficiente fica na região norte, com 10,4% apenas de determinação, enquanto
o maior fica no Centro-oeste, com 52,7%. As outras três regiões variam de 40,4%,
34,8% e 38,6% para nordeste, sudeste e sul, respectivamente.
Tab. 5 – Regressão binária para tipo de doador por resultado e região do País Norte Nordeste Centro-oeste Sudeste Sul
Log. TPart.
Sig. 0,593 0,011 0,139 0,015 0,529
Exp (B) 1,200 4,294 4,377 1,817 1,290
% chance 20,0 329,4 337,7 81,7 29
Log. PFísic.
Sig. 0,236 0,001 0,694 0,017 0,102
Exp (B) 1,558 6,220 1,530 2,253 3,095
% chance 55,8 522,0 53,0 125,3 209,5
Log. PJuríd.
Sig. 0,163 0,030 0,039 0,000 0,003
Exp (B) 1,562 2,855 8,650 3,117 7,178
% chance 56,2 185,5 765,0 211,7 617,8
Log. R.Próp.
Sig. 0,284 0,002 0,052 0,597 0,345
Exp (B) 1,190 1,792 1,692 1,054 1,204
% chance 19,0 79,2 69,2 5,4 20,4
R2 Cox e Snell 0,104 0,404 0,527 0,348 0,386
Ajuste do Modelo 60,9% 78,5% 82,2% 77,9% 82,5%
A tabela 5 acima permite comparar os efeitos em percentuais de chances de mudança
do grupo de não-eleitos para eleitos tanto entre as regiões do País, quanto a
participação de cada tipo de doador em uma mesma região. Por exemplo, a
participação das transferências dos partidos políticos tem um impacto maior na região
centro-oeste (337,7% de chance) e nordeste (329,4% de chance) do que nas demais
regiões. Assim, se olharmos apenas para a coluna dos resultados da região norte,
perceberemos que os percentuais de chance de eleição aumentam com o crescimento
da participação de pessoas jurídicas (56,2% de chance a mais) e pessoas físicas (55,8%
de chance a mais) de se eleger do que das outras duas fontes de recursos.
Começando a análise pelos níveis de significância dos tipos de doações por região,
percebe-se que no norte nenhum dos coeficientes é significativo – todos ficam acima
de 0,050. No nordeste, todos são significativos. No centro-oeste, apenas pessoas
jurídicas e recursos próprios são significativos. No sudeste, apenas recursos próprios
não apresenta significância estatística. Por fim, na região sul, recursos de pessoas
jurídicas são os únicos com relação significativa com a variável ter sido ou não eleito
deputado federal. As diferenças nos níveis de significância das variáveis em cada um
dos modelos mostra que não é possível comparar diretamente os efeitos dos recursos
sobre os votos e, por consequência, sobre a eleição de candidatos de todas as regiões
do País. Quando não se consideram as distinções, os efeitos acabam se anulando e
encobrindo as reais relações entre dinheiro e voto. Por exemplo, na região norte, o
efeito do montante de recursos e do tipo de doadores é bem menor que na região
sudeste, o que não significa que não haja monetarização das campanhas no Norte. Ao
contrário, mostra que as diferenças de recursos totais e da origem dos recursos são
menores entre eleitos e derrotados do que no sudeste.
Dando continuidade à análise dos efeitos individuais dos tipos de financiadores por
resultado eleitoral e região do País, a menor chance de ocorrência (no caso de a
eleição do candidato) foi de recursos próprios na região sudeste, apenas 5,4% de
chance. Em seguida, os menores efeitos são de transferências partidárias no Norte,
com 20,0% e recursos próprios na região sul, com 20,4%. Já os maiores efeitos foram
para doações de pessoas jurídicas no centro-oeste, com 765,0% de chances a mais de
ser eleito conforme aumento o log. de doações dessa fonte e 617,8% para pessoas
jurídicas na região sul. Em seguida estão as doações de pessoas físicas no nordeste
com 522,0% de chance a mais.
Em resumo, pode-se dizer que no norte – uma região menos desenvolvida
economicamente - os recursos de campanha explicam menos a eleição de um
deputado federal. A explicação, nesse caso, está em outras variáveis que não a
monetarização da campanha. No nordeste, embora também seja menos desenvolvido
economicamente, os recursos de campanha apresentam maiores índices explicativos
para o desempenho dos candidatos, com destaque para os impactos de doações de
pessoas físicas e de transferências partidárias para os eleitos. O centro-oeste foi a
região que apresentou os maiores impactos dos tipos de financiadores, com
predomínio das transferências de pessoas jurídicas para a eleição de deputados
federais. Em segundo lugar ficaram as transferências partidárias. Algo parecido
aconteceu na região sul, com forte predomínio do impacto das doações de pessoas
jurídicas sobre os eleitos, porém, com a diferença de que nessa região as
transferências partidárias não impactaram nos resultados das disputas. O sudeste foi a
região onde os tipos de doadores apresentaram efeitos mais proporcionais. As
transferências partidárias tiveram impacto um pouco menor que as doações de
pessoas físicas, que por sua vez ficaram um pouco atrás das doações de empresas.
Logo abaixo, o gráfico 3 permite visualizar todos esses impactos comparativamente.
Graf. 3 – Comparação dos % de chance de eleição para tipo de doador por região do País
A imagem acima deixa claro que o tipo de doador tem impacto distinto nas disputas
para deputado federal em todas as regiões do País. Excetuando o Norte, onde as
diferenças são pequenas e pouco significativas, nas outras quatro existem relações
entre origem do recurso e maior chance de eleição. No nordeste, essa relação favorece
as doações de pessoas físicas, pois são elas que apresentam maior impacto no
resultado de eleição. Nas outras três regiões (centro-oeste, sudeste e sul), embora em
proporções distintas, as doações de pessoas jurídicas são as que mais explicam o
resultado positivo para os candidatos.
Para finalizar a análise proposta neste paper, é possível pensar em uma relação entre o
volume de recursos totais nas campanhas e a maior importância de doações vindas de
empresas. O princípio geral é que o volume de recursos doado por pessoas físicas
sempre é menor que o das empresas e que em regiões onde existam mais empresas
ou onde elas estejam mais dispostas a fazer doações, as receitas dos candidatos
crescem de maneira exponencial, gerando as desigualdades nas condições de eleição.
A tabela 6 a seguir mostra as médias, medianas e desvios dos recursos arrecadados
pelos candidatos a deputado federal em 2010, separando-os entre eleitos e não-
eleitos. Nela, fica evidente que nas regiões de maior importância de doações de
pessoas jurídicas (centro-oeste, sul e sudeste) as diferenças entre eleitos e não eleitos
são substancialmente maiores do que no norte e nordeste.
Tab. 6 – Medidas de tendência central e dispersão das receitas de candidatos por região e resultado (em milhares de reais)
Região Resultado Média Mediana Desvio Padrão
NORTE Não-eleito 989,58 15,47 225,36
Eleito 700,98 567,03 582,11
NORDESTE Não-eleito 750,64 9,00 193,55
Eleito 771,24 586,98 624,35
CENTRO-OESTE Não-eleito 148,58 25,94 378,33
Eleito 1.869,96 1.689,40 1.105,03
SUDESTE Não-eleito 90,28 8,12 287,45
Eleito 1.468,42 1.191,77 1.102,16
SUL Não-eleito 110,44 7,69 446,61
Eleito 1.045,52 966,81 740,44
A menor diferença entre os recursos recebidos pelos eleitos e não-eleitos se dá no
nordeste, onde as médias de Reais declarados por candidato em cada grupo são muito
próximas (R$ 750,6 mil para derrotados, contra 771,2 mil para eleitos). Mas, como os
desvios são muito grandes, essas médias não representam nada. Melhor é analisar a
partir das medianas, que dividem os conjuntos em dois grupos com mesmo número de
candidatos cada um. No nordeste, o valor que separa a metade que recebeu menos da
que recebeu mais entre os derrotados é de R$ 9 mil reais, enquanto que entre os
eleitos a metade com menos recursos ficou em até R$ 586,9 mil reais. Ou seja, a
mediana dos recursos arrecadados pelos eleitos do nordeste é 65 vezes maior que a
mediana dos derrotados. Na região norte, a relação entre as medianas é de apenas 36
vezes em favor dos eleitos (mediana de R$ 567,0 mil para R$ 15,47 mil entre eles). No
centro-oeste a diferença entre as medianas fica em 65 vezes. O sudeste é a região que
apresenta a maior diferença entre medianas de receitas dos eleitos e não-eleitos,
passando de 148 vezes. Em seguida vem a diferença de medianas na região sul, em
138 vezes a mais em favor dos eleitos, contra os derrotados.
Voltando para as médias, percebe-se que as diferenças de médias entre eleitos e não-
eleitos no norte e nordeste são muito pequenas, inclusive na região norte os
derrotados apresentaram uma média de recursos maior que os eleitos. Já nas outras
três regiões - centro-oeste, sudeste e sul – as médias de recursos individuais dos
candidatos eleitos são cerca de 10 vezes maiores que as médias de arrecadações dos
derrotados.
3. Notas Conclusivas
A primeira conclusão possível a partir da discussão feita anteriormente é que assim
como em eleições majoritárias, na disputa proporcional para Deputado Federal em
2010 os recursos financeiros de campanha apresentaram forte relação com a obtenção
de votos pessoais. Com isso, não se pretende afirmar a existência de uma relação
determinista, tal qual: quanto mais dinheiro, mais voto individual e maiores chances
de vitória. Em primeiro lugar porque os votos pessoais não são garantia de vitória.
Apenas cerca de 5% dos deputados federais são eleitos com seus próprios votos. Nove
em cada dez parlamentares dependem em parte dos votos obtidos pelos demais
candidatos do partido ou da coligação. No entanto, maior número de votos individuais
coloca o concorrente nas primeiras posições da lista partidária. No entanto, é preciso
considerar os altos coeficientes positivos da regressão entre volume de recursos
declarados e votos obtidos nas eleições de 2010. Na média, os eleitos declararam ter
recebido cerca de cinco vezes mais recursos para campanha do que os derrotados.
Em segundo lugar, assim como já constatado nas eleições majoritárias para prefeitos
de capitais do Brasil em 2008, a origem dos recursos também tem uma forte relação
com a obtenção de votos pessoais. Candidatos que recebem maiores percentuais de
doações de pessoas jurídicas tendem a converter os recursos em mais votos do que os
de pessoas físicas, doações de partidos políticos e utilização de recursos próprios.
Assim, concorrentes que recebem mais financiamento de pessoas jurídicas têm
montante de recursos maior à disposição da campanha e tendem a estar mais
presentes no grupo dos eleitos.
Por fim, o “achado” relevante do paper pode ser definido como o fato de que em se
tratando de financiamento de eleições nacionais não é possível fazer comparações
sem ponderação de todo o território nacional. Devido as desigualdades de
desenvolvimento e de poder econômico dos Estados de diferentes regiões, é preciso
considerar que o impacto dos recursos financeiros em campanhas eleitorais também
será distinto. Essa distinção se dá inicialmente em relação ao montante de recursos.
Enquanto no nordeste a média de recursos dos eleitos é significativamente menor que
a média do sudeste e centro-oeste, esta última região apresenta as maiores médias de
arrecadação de recursos financeiros candidatos eleitos e derrotados do país. Há
também diferenças na composição dos recursos dos candidatos por região. No centro-
oeste e no sul o peso das doações de pessoas jurídicas para eleição de um deputado
federal é muito maior que na comparação com as demais regiões. No sudeste também
predominam as doações de pessoas jurídicas, embora a diferença destas para pessoas
físicas seja bem menor. Já o nordeste é a única região onde as doações de pessoas
físicas têm maior peso na obtenção de votos individuais dos eleitos. Já na região norte
o peso das doações de pessoas jurídicas e físicas é equivalente, não apresentando
diferenças significativas.
Uma ressalva importante aos “achados” diz respeito à opção de tratamento dos dados
por regiões e não por Unidades da Federação, que são os distritos eleitorais nos quais
se elegem as bancadas de deputado. Apesar de reconhecer que as diferenças por
Estado podem gerar explicações mais ricas e detalhadas sobre o efeito comparativo da
monetarização das campanhas, a opção pelas regiões deveu-se às limitações que um
baixo número de casos por Unidade da Federação geraria para as técnicas de análise
utilizadas no trabalho – na maioria dos casos inviabilizando as análises de regressão
realizadas aqui.
As notas conclusivas desse trabalho exploratório demonstram que ainda existem
questões a serem respondidas sobre o impacto das doações e do financiamento de
campanha para o desempenho eleitoral. Um dos desdobramentos necessários é a
análise por Unidade da Federação, que, como antecipado acima, além de apresentar
grande variabilidade dentro das regiões é, em última análise, o distrito eleitoral no
qual os concorrentes fazem campanha para obter uma vaga à Câmara de Deputados.
4. Referências bibliográficas
CERVI, Emerson U. Financiamento de Campanha e desempenho eleitoral no Brasil: análise das contribuições de pessoas jurídicas, físicas e partidos políticos às eleições de 2008 nas capitais de Estado. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, julho-dezembro 2010. P. 135-167.
PEÑA, Ricardo. El Número de Autonomías y La Competitividad Electoral. Politica y Cultura, otoño, 2005. N. 24 p. 233 a 255.
SANTOS, Rodrigo D. Grandes empresários e sucesso eleitoral nas eleições de 2002, 2006 e 2010. Paper apresentado no 35º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu-MG, 2011.
SPECK, Bruno W. & MANCUSO, Wagner P. O financiamento político nas eleições brasileiras de 2010: um panorama geral. Paper apresentado no 35º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu-MG, 2011.
TAAGEPERA, Rein e SHUGART, M.S. Shugart. Seats & Votes: The effects & determinats of Electoral Systems. New Haven: Yale University Press, 1989.
Website consultado:
www.tse.gov.br