Revista Acadêmica de Ciência Equina (RACE) ISSN 2526-513X
Volume 01, nº 1, p. 1 - 40
GRUPO DE PESQUISA, ENSINO E EXTENSÃO EM EQUIDEOCULTURA
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2017
Revista Acadêmica de Ciência Equina (RACE) ISSN 2526-513X
Sumário
ALTERAÇÕES RADIOGRÁFICAS E HISTOPATOLÓGICA EM EQUINO COM
LAMINITE CRÔNICA – RELATO DE CASO
Carolina Parisotto de Almeida, Sérgio Siqueira de Queiroz, Janaína Socolovski Biava
Páginas 1 – 6.
LESÃO TRAUMÁTICA NO TENDÃO CALCANEAR COMUM EM EQUINO
Anderson Fernando de Souza, Joandes Henrique Fonteque, Jackson Schade, Milena Caro
Sbrussi Granella, Thiago Rinaldi Muller
Páginas 7 – 14.
SISTEMA TERMOREGULATÓRIO DE CAVALOS ATLETAS - REVISÃO
Jéssica Carvalho Seabra, João Ricardo Dittrich
Páginas 15 – 28.
CRIPTORQUIDISMO EM CAVALOS - REVISÃO
Jackson Schade, Gustavo Romero Gonçalves, Juliana Lopes Massiel, Anderson
Fernando de Souza, Lorenzo Costa Vincensi
Páginas 29 – 40.
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Grupo de Pesquisa e Ensino em Equideocultura
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Revista Acadêmica de Ciência Equina v. 01, n. 1 (2017)
ALTERAÇÕES RADIOGRÁFICAS E HISTOPATOLÓGICA EM
EQUINO COM LAMINITE CRÔNICA – RELATO DE CASO
Carolina Parisotto de Almeida 1; Sérgio Siqueira de Queiroz 2; Janaína Socolovski Biava; 3
¹ Acadêmica do Curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz – FAG
2 Professor do Departamento de Medicina Veterinária do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais –
CESCAGE 3 Professora do Departamento de Zootecnia da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG e Professora do
Departamento de Medicina Veterinária do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE.
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi relatar o caso de um equino, sem raça definida, com 6 anos de
idade, macho, utilizado para tração, o qual apresentou sinais de claudicação e dor,
permanecendo em decúbito esternal em grande parte do dia. Durante o exame físico,
constatou-se lesão acentuada na coroa do casco e claudicação severa. O tratamento adotado
foi antibioticoterapia sistêmica. Não ocorreu a recuperação completa do animal e, dada a
severidade das lesões o animal foi eutanasiado. Exames clínicos, pos morten, foram realizados
por meio de necropsia e exames complementares. Como exame complementar, foram
realizadas radiografias nas projeções latero-lateral direito (LL) e dorso plantar (DPL), a partir
das quais se pode observar rotação e reabsorção óssea da terceira falange no membro pélvico
direito e osteomielite. A radiografia confirmou o diagnóstico de laminite crônica sem
perspectivas de recuperação devido à extensão da osteomielite.
PALAVRA-CHAVE: cavalos, casco, inflamação, rotação.
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INTRODUÇÃO
Os equinos desde a antiguidade possuem grande importância para o homem, sendo
utilizado para trabalho, esporte, laser e/ou locomoção (Ribeiro, 2013). O aparelho locomotor
dos equinos é fundamental para sua sustentação. Por sua vez, os cavalos estão sendo
utilizados com maior frequência para o trabalho de tração em cidades urbanas, com a
finalidade de recolhimento de lixos e entulhos, tendo como prioridade a observação da saúde
e manejo dos animais, contudo respeitando seu bem-estar (Rezende, 2004). Grande parte das
doenças que acometem os equinos estão relacionadas a problemas locomotores e afecções
respiratórias (Moraes et al., 2009).
A doença mais comum e grave do aparelho locomotor dos equinos é a laminite (Hunt
& Wharton, 2010). É uma inflamação vascular nas lâminas internas do casco, causada por
múltiplos fatores como: sepse bacteriana, associada a distúrbios metabólicos ou endócrinos, e
aquelas associadas com concussão excessiva ou peso excessivo. Segundo Thomassian et al.
(2000) é comum a incidência nos membros torácicos.
O processo da laminite ocorre pela baixa perfusão capilar, decorrente de isquemia, o
que desencadeia a abertura artério-venoso desviando o fluxo sanguíneo para a circulação
venosa. Com a baixa pressão desenvolve-se a estase, coagulação e aumento da
permeabilidade, consequentemente gerando edema e congestão. Estes fenômenos causam
necrose isquêmica, diminuindo a nutrição e sustentação do casco, ocasionando afundamento e
rotação da falange (Thomassian et al., 2000).
A laminite pode ser encontrada como doença aguda ou crônica. Dependendo da
evolução e agravamento do problema na doença aguda, se desenvolve a doença crônica.
Observa-se com facilidade no estágio da doença aguda a claudicação, rotação e dor. O
principal sinal clínico da laminite crônica é a exposição da terceira falange, a qual pode ser
observada também através das radiografias (Hood, 1999) (Figura 1A). A consequência da
laminite é o deslocamento e deformação do casco e claudicação variável (Belknap & Parks,
2011). Muitos equinos são submetidos a eutanásia devido a dor crônica no casco, objetivando
o bem-estar animal (Swanson, 1999; Hunt & Wharton, 2010).
O objetivo deste trabalho foi relatar o caso de um equino de tração com laminite
crônica.
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MATERIAL E MÉTODOS
Um equino, macho, sem raça definida, com idade aproximadamente de seis anos,
utilizado para tração (“cavalo carroceiro”), pesando aproximadamente 350 kg foi atendido
clinicamente com histórico de lesão do membro pélvico direito na região da coroa do casco. O
animal encontrava-se em condições de saúde debilitada, abandonado em um terreno urbano
vazio, com uma corda amarrada em seu membro pélvico direito. Os moradores relataram que
há 15 dias o animal encontrava-se claudicando e ficava muito tempo deitado. A corda no
membro pélvico direita foi removida e as lesões foram tratadas com limpeza diária da ferida,
pomada cicatrizante (unguento) e aplicação de anti-inflamatório Flunixina Meglumina e
antibiótico Dihidroestreptomicina; Piroxican; Benzilpenicilina g Procaína. As doses utilizadas
e periodicidade não foram informadas, mas relatou-se a melhora do animal inicialmente. O
animal era alimentado com milho e pasto nativo, tendo acesso ad libitum a água. O exame
clínico foi realizado no local, assim como o exame do aparelho locomotor. Após a avaliação
clínica e prognóstico desfavorável, o animal foi eutanasiado pela equipe de Médicos
Veterinários da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa/PR. O equino após a eutanásia foi
encaminhado para a fazenda escola do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais
(CESCAGE) em Ponta Grossa/PR, onde o cadáver foi submetido a necropsia, a qual foi
realizada com o animal em decúbito lateral direito. Todos os órgãos foram avaliados de forma
pormenorizada. Observou-se líquido no pericárdio, de coloração anormal, do qual retirou-se
uma amostra que foi encaminhado para a citologia no Hospital Veterinário do CESCAGE. O
membro pélvico direito foi encaminhado para o raio-X, foram realizadas duas projeções,
sendo a latero-lateral direito (LL) e dorso plantar (DPL). Foi coletado tecido da área do casco
com ulcerações, necrose e encaminhado para o histopatológico.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No exame físico, o animal apresentou frequência cardíaca aumentada (60 bpm) e
frequência respiratória de 35 mpm e, temperatura dentro da normalidade. Observou-se que o
animal não se movia muito, permanecendo em decúbito boa parte do tempo ou parado na
mesma posição. Ao exame específico do sistema locomotor, observou-se no membro pélvico
direito dor a palpação na região acima da coroa do casco, aumento da temperatura, presença
de secreção purulenta e descolamento do casco e da terceira falange no membro pélvico
direito (perfuração da sola). O animal relutava ao movimentar-se, andava arqueado com
cabeça baixa e claudicação severa, grau IV. Os sinais clínicos evidentes em animais com
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laminite são dificuldade de locomoção, aumento da frequência cardíaca e dispnéia,
sensibilidade no casco e aumento de temperatura local (Thomassian et al., 2000).
Na necropsia realizou-se a avaliação externa, onde observou-se subnutrição, escore
corporal baixo, coloração pálida das mucosas e presença de parasitas externos (carrapatos).
Os órgãos que apresentaram alterações macroscópicas foram: coração que se apresentava
hipertrófico (concêntrico) com presença de líquido sanguinolento no saco pericárdio; pulmões
com enfisema pulmonar (presença de gases) e rins direito e esquerdo pálidos e, membro
pélvico direito, casco com áreas de ulcerações, colorações escuras, odor pútrido e perfuração
de sola.
O líquido do saco pericárdio foi submetido a exame físico-químico, onde obteve
resultados do físico: cor avermelhada; odor pútrico; aspecto turvo e, resultados do químico:
glicose +; proteína +++; Ph 6,5; sangue +++; leucócitos +++; sedimento. Na citologia
observou-se células epiteliais e mesenquimais, presença de neutrófilos e bactérias, transudato
modificada.
Como exame complementar foi realizado radiografia nas projeções latero-lateral
direito (LL) e dorso plantar (DPL), as quais se pode avaliar na incidência LL e DPL do
membro pélvico direito. A partir desta avaliação, observou-se: presença de irregularidade
difusa nas bordas da 1, 2 e 3 falanges e no terço distal do metacarpo; sequestro ósseo
envolvendo o córtex dorsal e ventral da 1, 2 e 3 falanges, áreas proliferativas estendendo da
epífise distal da 1 falange até a metáfise distal do metacarpo; aumento de tecidos moles
adjacentes, sugestivos de osteomielite crônica (Figuras 1B e 1C). A partir destes achados foi
possível confirmar o diagnóstico de laminite crônica e osteomielite. No exame
histopatológico observou-se osteomielite supurativa, infiltrado inflamatório perivascular e
núcleo de células picnóticos.
Segundo Jones et al. (2000) o enfisema pulmonar é encontrado com frequência em
grande parte dos animais, é uma inflamação que faz com que haja acúmulo de ar nos tecidos
(pulmões), tendo uma coloração pálida, sem flexibilidade. O enfisema se expande até áreas
com atelectasias que causam colapso parcial ou total do pulmão, aumento a frequência
respiratória devido à dificuldade de passagem de ar.
A hipertrofia concêntrica do coração é descrita pelo aumento da espessura dos
ventrículos e dimensões da câmara cardíaca, causada pelo excesso de esforço para bombear
sangue até o membro afetado. Em equinos essa anomalia é comum nos casos de laminite
(Jones et al., 2000).
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A deficiência nutricional e o edema cardíaco, fazem com que haja presença de
líquidos com ausência de variáveis células infamatórias no saco pericárdio, sendo conhecida
como hidropericárdio (Jones et al., 2000).
Nos diagnósticos radiográficos as posições mais frequentes são a latero-medial e
dorso-plantar, sendo observado a rotação e afundamento da terceira falange, causando a
separação do tecido mole da banda coronária, sugestivo de um diagnóstico presuntivo de
laminite crônica (Lindford et al., 1993). Na projeção dorso-plantar pode-se determinar
sequestros ósseos espessura da margem da falange distal (Parks, 2003).
As infecções de osteomielite afetam a medula óssea, comum em decorrência de
processos traumáticos no membro, ocorre frequentemente nas metáfises, fise e epífise
(Radostits et al., 2002). Os sinais clínicos mais presentes são edema no tecido mole, dor a
palpação e na radiografia pode se observar sequestro ósseo e necrose, proliferação óssea
(Radostits et al., 2002; Thomassian, 2005).
CONCLUSÃO
Pode-se concluir que o tratamento utilizado com antibióticos e anti-inflamatórios
reduziram a dor e o desconforto local. O diagnóstico baseou-se inicialmente na presença de
sinais clínicos. A laminite crônica e osteomielite assumiu caráter grave, de difícil tratamento
e prognóstico reservado. A necropsia evidenciou a severidade das lesões. E os achados
radiográficos nas projeções latero-lateral direito (LL) e dorso plantar (DPL), auxiliaram de
maneira satisfatória o diagnóstico e o exame histolopatógico confirmou a gravidade da lesão.
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Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 1A. Primeira falange (1), segunda falange (2), terceira falange necrosada (3), osso
sesamóide distal (4). 1B. Radiografia projeção dorso-plantar do membro pélvico direito com
alterações na topografia óssea, apresenta áreas proliferativas em terceira falange com sequestro
ósseo no córtex do osso, possível fratura patológica. Proliferação óssea em primeira falange da
epífise proximal até a epífise distal do córtex do osso. Edema de tecidos moles nas regiões de
terceira e primeira falange (sugestivo de osteomietlite crônica). 1C. Radiografia em projeção
latero-lateral do membro pélvico direito apresenta aumento de radiopacidade óssea em terceira
falange, presença de áreas proliferativas em toda a topografia óssea, sequestro ósseo em epífise
distal. Áreas proliferativas em epífise proximal até a epífise distal da primeira falange. Edema de
tecidos moles nas regiões da primeira e terceira falange (sugestivo de osteomielite crônica).
A B C
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LESÃO TRAUMÁTICA NO TENDÃO CALCANEAR COMUM EM
EQUINO
Anderson Fernando de Souza1, Joandes Henrique Fonteque2, Jackson Schade3, Milena Carol
Sbrussi Granella4, Thiago Rinaldi Muller2
1Residente em Clínica Médica e Cirúrgica de Equinos – Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil
2Professor, Departamento de Medicina Veterinária - Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Lages,
SC, Brasil
3Mestrando em Ciência Animal – Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Lages, SC, Brasil
4Graduanda em Medicina Veterinária - Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Lages, SC, Brasil
RESUMO
Relata-se um caso de trauma em tendão calcanear comum no membro pélvico esquerdo em
um equino, macho, castrado utilizado para tração urbana (carroceiro), em que o proprietário
adquiriu o animal com o problema e não soube relatar qualquer histórico. O equino
apresentava claudicação grau III (I-V) do referido membro, a qual era exacerbada com o teste
de flexão do tarso. A postura em estação era caracterizada pela semi-extensão da articulação
femoro-tibio-patelar e deslocamento distal do tarso em relação ao contralateral. Identificou-se
espessamento do tendão calcanear comum em toda sua extensão, de consistência firme,
temperatura local elevada e algia intensa. Havia uma cicatriz circundante ao membro a 15 cm
proximal ao osso calcâneo. A causa provável foi o trauma estrangulante por corda durante o
pastejo, devido a não adaptação do animal. O tratamento instituído foi repouso absoluto por
um mês, após retorno gradual a atividade, terapia anti-inflamatória não esteroidal, aplicação
tópica de dimetilsulfóxido e ducha gelada duas vezes ao dia. A postura do membro adotadao
pelo animal é sugestiva nos casos de tendinopatias do conjunto calcanear comum. Deve-se
adaptar e supervisionar os equinos ao se utilizar longas cordas como método de contenção
durante o pastejo.
Palavras-chaves: cavalo, tendão, inflamação, claudicação.
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INTRODUÇÃO
As tendinopatias são afecções frequentes na rotina clínica equina e por vezes mostram-
se como um desafio diagnóstico, associadas às experiências frustrantes no tratamento. Devido
ao longo tempo necessário para a recuperação completa do tecido tendíneo e à alta incidência
de recidiva, esse tipo de lesão compromete seriamente a função e resulta na diminuição da
vida útil ou, por vezes, na interrupção das atividades do animal (Peloso et al., 1994; Genovese
et al., 1990). As tendinopatias ocorrem em maior frequência no tendão flexor digital
superficial, e resultam em prejuízo econômico significativo para os proprietários (Palmer et
al., 1994).
Afecções no tendão calcanear comum são infrequentes em equinos, devido sua
estrutura mais robusta e às múltiplas origens, geralmente estão associadas aos traumas diretos.
Os animais acometidos apresentam postura e locomoção características, que quando
conhecidas, procedem ao rápido e preciso diagnóstico (Sullins, 2011; Szaro et al., 2011). O
tendão calcanear comum é formado pelo agrupamento dos tendões dos músculos flexor digital
superficial, gastrocnêmio, soleus, semimembranoso, semitendinoso e tendão tarsal do bíceps
femoral (Szaro et al., 2011). Este trabalho objetiva descrever as características clínicas,
diagnóstico e tratamento de um caso de trauma no tendão calcanear comum em um equino.
RELATO DE RELATO
Um equino, mestiço, macho, castrado, 10 anos de idade, pesando 400 kg, utilizado
para tração urbana (carroceiro), foi encaminhado ao Hospital de Clínica Veterinária, do
Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV), da Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC) em Lages, SC sob queixa de claudicação do membro pélvico esquerdo. O
proprietário não soube relatar qualquer histórico sobre a claudicação, pois havia adquirido o
animal recentemente e não realizou qualquer tratamento. Ao exame físico, o animal
apresentava-se alerta, em posição quadrupedal, normotermia (37,6°C), frequência respiratória
de 12 movimentos por minuto, frequência cardíaca de 40 batimentos por minuto, grau de
desidratação menor que cinco por cento, pulso normocinético e tempo de preenchimento
capilar de dois segundos. Foi observada lesão cicatricial linear circundando o membro pélvico
esquerdo 15 cm proximal ao tarso, apoio deficiente, e verticalização da quartela com a
articulação metatarsofalangeana projetando-se dorsalmente, que não sedia as tentativas de
extensão forçada, assimetria entre as tuberosidades calcâneas, sendo que a do membro
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esquerdo projetava-se distalmente em relação ao contralateral (Figura 1), além do desgaste da
pinça do casco.
Durante o exame em movimento, observou-se claudicação grau III (I - IV), redução do
arco da passada com arraste da pinça do casco. A claudicação foi exacerbada com o teste de
flexão da articulação társica. À palpação, identificou-se espessamento do tendão calcanear
comum desde sua inserção na tuberosidade calcânea até as primeiras origens musculares
proximais, de consistência firme, temperatura local elevada e algia intensa. Radiografias não
revelaram quaisquer alterações. Como tratamento indicou-se repouso absoluto por 30 dias,
seguido de retorno gradual das atividades sob exercício assistido, além da administração de
fenilbutazona (4,4 mg/kg SID, VO, por 10 dias), aplicação tópica de produto a base de
dimetilsulfóxido, escina, lidocaína, prednisolona e dexametasona (DM-Gel®, Vetnil,
Louveira, SP, Brasil), associado a ducha gelada duas vezes ao dia. O animal não retornou
para avaliação posterior.
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Figura 1. (A e B) Equino, mestiço, 10 anos, 400 kg, apresentando lesão cicatricial linear
circundando o membro pélvico esquerdo acima do tarso (seta branca), apoio deficiente e
verticalização da quartela do mesmo membro (seta vermelha).
DISCUSSÃO
A B
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A postura e as caraterísticas de deambulação são muitas vezes decisivas ou direcionam
de forma convincente as mais prováveis causas de claudicação (Baxter, 2011). No caso de
afecções do conjunto calcanear comum, a postura caracterizada pela semi-extensão da
articulação femoro-tíbio-patelar e a projeção mais distal do tarso, são sugestivos, que ao se
palpar a região logo se identifica o problema (Proudman, 1992). Do ponto de vista
biomecânico, apenas a inflamação no referido tendão não justificaria a postura observada no
presente caso, a menos que houvesse a ruptura do conjunto calcanear comum, o que não foi
identificado ao exame físico. Entretanto, como há algum grau de extensão da articulação
femoro-tíbio-patelar associada a semi-flexão do tarso, é possível que o componente caudal do
aparelho recíproco (tendão flexor digital superficial) não esteja totalmente íntegro. Nesse caso
a ultrassonografia poderia ser esclarecedora, pois à palpação não foi possível identificar
descontinuidade do tendão. Incriminou-se como causa a lesão traumática estrangulante por
corda, pela lesão cicatricial alusiva e por ser comum na região os animais serem colocados
para pastejo, presos por longas cordas, muitas vezes sem prévia adaptação.
A verticalização da quartela acompanhada pela projeção dorsal do boleto, com o casco
permanecendo no alinhamento próximo ao normal, demonstra haver contratura do tendão
flexor digital superficial, pois esse provavelmente encontrava-se afetado pelo mesmo evento
traumático, devido às relações anatômicas no aspecto proximal ao calcâneo. Nesses quadros
ocorre o aumento da angulação da articulação e com frequência, pode haver envolvimento do
tendão flexor digital profundo, sendo que em casos mais graves também há comprometimento
do ligamento suspensor do boleto (Barr, 1994). Quando ocorre quadro de deformidade
flexural, tem-se a indicação de realizar a tenotomia do flexor digital superficial ou a
desmotomia de seu ligamento acessório (Hussni et al., 2010), associado a aplicação de talas e
suporte analgésico. O prognóstico para os casos leves de deformidades flexurais da
articulação metacarpo/metatarso falangeana depende da resposta à terapia instituída. Nos
casos de deformidades severas, dificilmente consegue-se a correção da lesão (Adams &
Santschi, 1999).
A decisão sobre realizar tentativas de correção da deformidade adquirida neste caso,
viria em um segundo momento, aguardando a resposta à terapia clínica primariamente
proposta. Especulando-se que poderia haver uma melhora da condição e talvez não houvesse
a necessidade da uma intervenção cirúrgica. Muitas vezes, somente com o manejo de casco e
aplicação de ferraduras terapêuticas são suficientes para reestabelecer a angulação da
articulação. O casqueamento e ferrageamento corretivos por meio do uso de prolongamentos
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na ferradura em região de pinça irá atrasar o breakover do casco, o que causa maior tensão
sobre os tendões flexores durante a fase caudal do passo, facilitando a extensão do membro
(Correa & De Zoppa, 2007). Devido ao não retorno do animal, não se pôde vislumbrar o
desfecho desta condição.
A ultrassonografia é a ferramenta mais útil e frequentemente utilizada para diagnóstico
e avaliação da evolução nos casos de tendinopatias e de outras afecções de tecidos moles nos
equinos, não sendo diferente nesta condição (Dik, 1993). Entretanto, no presente caso não foi
possível realizar tal avaliação devido à indisponibilidade de equipamento durante o
atendimento. A maior importância desse exame de imagem habitaria na posterior avaliação,
afim de graduar e comparar a intensidade de lesão tendínea presente e consequentemente
mensurar a efetividade do tratamento aplicado.
O tratamento das tendinopatias podem ser extremamente frustrantes pela dificuldade
em restaurar a estrutura e funções dos tendões. Mesmo quando se observa consistente
melhora, existe um potencial para reincidência. Há uma ampla variedade de tratamentos que
têm o objetivo de diminuir a inflamação, minimizar a formação de tecido cicatricial e
promover a restauração da estrutura e da função normal do tendão (Mcilwraith, 2006).
No presente caso, pela lesão cicatricial observada, o evento traumático deve ter
ocorrido a algum tempo, o que caracteriza um quadro crônico. No entanto, havia sinais que
indicavam ainda um componente agudo presente, em que o tratamento inicial direcionou-se
para tal. A combinação de anti-inflamatórios locais e sistêmicos é empregada na tentativa de
reduzir a inflamação nas fibras de colágeno e na matriz adjacente a lesão. A aplicação tópica
de produtos a base de dimetilsulfóxido, são a muito tempo utilizados e apresentam bons
resultados, pois reduzem o edema, removem radicais livres e promovem vasodilatação
(Teigland et al., 1967). Uma etapa, provavelmente de maior importância no tratamento das
tendinopatias é o repouso, entretanto o retorno apropriado ao exercício pode auxiliar a
estimular o alinhamento das fibras de colágeno (Gillis, 1997).
O prognóstico é de reservado a desfavorável para o trabalho, pois com a cronicidade
do quadro haverá restrição da movimentação da articulação társica e para que haja melhoria
da locomoção é necessário comprometimento com o tratamento, podendo-se associar outras
terapias como ultrassom terapêutico, aplicações de células tronco e/ou plasma rico em
plaquetas (Sullins, 2011). A orientação aos proprietários em realizar prévia adaptação dos
animais, quando se realiza o pastejo destes, através do uso de cordas, é importante para
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prevenir, além do problema relatado, inúmeras outras injúrias ao animal, podendo ser até
mesmo fatal.
CONCLUSÃO
Lesões no tendão calcanear comum são eventos raros em equinos e apresentam-se
como condições desafiadoras ao clínico. São imprescindíveis o comprometimento e a
paciência por parte do proprietário, sem garantia sólida de retorno funcional do animal. A
postura adotada do membro afetado é sugestiva ao diagnóstico das tendinopatias do conjunto
calcanear comum.
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Grupo de Pesquisa e Ensino em Equideocultura
www.gege.agrarias.ufpr.br/racequi
Revista Acadêmica de Ciência Equina v. 01, n. 1 (2017)
SISTEMA TERMOREGULATÓRIO DE CAVALOS ATLETAS -
REVISÃO
THERMOREGULATORY SYSTEM OF SPORT HORSES - REVISION
Jéssica Carvalho Seabraˡ; João Ricardo Dittrich2
1 Aluna de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia da UFPR 2 Professor do Departamento de Zootecnia da UFPR
RESUMO
Em organismos homeotérmicos, a temperatura interna é normalmente mantida dentro o
intervalo de temperatura estreito ideal para o funcionamento do organismo. Em
temperaturas abaixo da zona termoneutra, a perda de calor total será maior do que a
produção de calor, e o animal terá que aumentar a produção de calor para manter sua
temperatura interna. Quando há exposição do animal a temperaturas acima da sua zona
termoneutra, ou quando submetido ao exercício, ocorre o aumento da temperatura
corporal interna e o acionamento do sistema termorregulador. Apesar dos fatores
ambientais exercerem grande influência sobre a homeostase de um organismo, o maior
desbalanço térmico ocorre durante o exercício, devido principalmente a ineficiência da
conversão de energia química para energia mecânica, com aproximadamente 75-80% da
energia química total sendo liberada em forma de calor em vez de trabalho físico. Além
das condições ambientais, outros fatores que podem influenciar a produção de metabólica
de calor em cavalos são o condicionamento físico, a composição da dieta e o nível de
hidratação. Sendo assim, para que haja melhor desempenho atlético do animal, faz-se
necessário o conhecimento profundo de todo seu sistema termoregulatório, com o objetivo
de fornecer ao animal condições que facilitem a sua aclimatação, para garantir bons
resultados em competições e evitar riscos a sua saúde e bem-estar.
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Palavras-chave: fisiologia do exercício, equinos, calor, conforto térmico, dissipação de
calor.
ABSTRACT:
In homeothermic animals, the internal temperature is normally maintained within a
narrow temperature range ideal for the functioning of the organism. At temperatures
below the thermoneutral zone, total heat loss will be greater than the thermoneutral heat
production and the animal has to increase heat production to maintain the body core
temperature. When an animal is exposed to temperatures above its thermoneutral zone, or
when subjected to exercise, the internal body temperature increases and the
thermoregulatory system will provoke mechanisms for heat loss. Although environmental
factors exert a big influence on the organism homeostasis, the greatest thermal imbalance
occurs during exercise due to the inefficiency of the conversion of chemical energy to
mechanical energy, about 75-80% % of the total chemical energy released as heat rather
than physical work. In addition to environmental conditions, there are other factors that
can influence the metabolic production of heat in horses like physical conditioning, the
diet composition and the hydration level. Therefore, in order to improve the animal’s
athletic performance, it is necessary to own large knowledge about the thermoregulatory
system, objectivating to provide the horse with the best conditions for a successful
acclimation, thus guaranteeing good results in competitions and avoiding health issues and
improving the welfare.
Keywords: exercise physiology, equines, heat, thermal comfort, heat dissipation.
INTRODUÇÃO
O calor corporal é produzido pelo metabolismo e também pode ser obtido através do
meio ambiente. Em organismos homeotérmicos, a temperatura interna é normalmente mantida
dentro de um intervalo estreito (37-40Cº) por mecanismos neurofisiológicos integrados que
mantêm a produção e a perda de calor em equilíbrio (McCutcheon & Geor, 2007). A zona
termoneutra de um animal pode ser definida como o intervalo de variação da temperatura no
qual é possível manter a temperatura corporal com pouco ou nenhum gasto energético além
da taxa metabólica basal. Estudos realizados com cavalos estimaram que a zona termoneutra
da espécie está entre as temperaturas de 5 a 25◦C (Morgan et all, 1997).
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A termorregulação é o processo fisiológico no qual a temperatura interna é regulada
para se manter dentro do intervalo biológico ideal para o funcionamento do organismo. Em
temperaturas abaixo da zona termoneutra, a perda de calor total será maior do que a produção
de calor, e o animal terá que aumentar a produção de calor para manter sua temperatura
interna. Mudanças comportamentais e fisiológicas, tais como tremores, visam aumentar
temperatura corporal do animal, elevando a demanda energética e consequentemente,
aumentando o consumo de alimentos. Quando há exposição do animal a temperaturas acima
da sua zona termoneutra, ou quando submetido ao exercício, ocorre o aumento da temperatura
corporal interna e o acionamento do sistema termorregulador (Morgan et al., 1997).
Os quatro mecanismos básicos para dissipação de calor são por condução, convecção,
radiação e evaporação. A perda de calor por condução envolve a transferência direta de calor
de uma molécula para outra em um meio líquido, sólido ou gasoso. Embora a maior parte do
calor do corpo seja transferida para a periferia pela circulação, uma pequena quantidade
move-se por condução diretamente através dos tecidos mais profundos em direção a uma
superfície mais fria. A perda de calor por condução também ocorre pelo aquecimento de
moléculas de ar que estão em contato com a superfície da pele. A taxa de perda de calor
condutora é diretamente proporcional a diferença de temperatura entre a pele e as superfícies
circundantes, e inversamente proporcional à espessura da camada de pelos do animal
(McCutcheon & Geor, 2007).
Nos mamíferos, diversas pesquisas revelaram a existência de uma relação
proporcional entre o peso corporal e a produção de calor em repouso. Entretanto, a espécie
equina possui grande número de raças com enorme variação de tamanhos e pesos, sendo
assim, raças mais leves podem ter uma produção de calor em repouso significativamente
menor quando comparadas as raças mais pesadas. A perda de calor por condução a partir das
superfícies dos membros e da cabeça também se mostrou mais efetiva do que do resto do
corpo devido a maior relação superfície/massa dessas regiões (McConaghy et al., 1995,
McCutcheon et al., 1995).
A dissipação do calor por condução é mais eficaz quando o ar quente ao redor do
corpo é continuamente substituído pelo ar mais frio, enquanto o cavalo se move rapidamente
através do ar e/ou a velocidade do vento é de moderada a alta. Entretanto, a existência de uma
camada de ar presa dentro da cobertura de pelos longos impedirá a transferência de calor
convectivo para o meio ambiente. A transferência de calor convectivo também ocorre no trato
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respiratório, cuja taxa de perda de calor depende da ventilação pulmonar e da diferença de
temperatura entre o ar inspirado e o expirado (McCutcheon & Geor, 2007).
A transferência de calor radiativo ocorre quando a radiação eletromagnética é emitida
ou absorvida na superfície da pele. Como a temperatura corporal é normalmente superior ao
ambiente, há uma perda líquida de energia irradiada da superfície da pele. No entanto, em
condições ambientais quentes, quando a temperatura dos objetos no ambiente excede a
temperatura da pele, a energia do calor radiante é absorvida pelos animais. Nestas condições,
a única via para a perda de calor é o resfriamento por evaporação (McCutcheon & Geor,
2007).
Para o cavalo, o mecanismo mais importante para a perda de calor é o resfriamento
evaporativo, incluindo a evaporação do suor das superfícies da pele e da água do trato
respiratório. No entanto, vários fatores ambientais influenciarão a eficácia da perda de calor
por meio evaporativo. Estes incluem a temperatura ambiente e a umidade relativa, a extensão
do gradiente de pressão do vapor entre a superfície da pele e a velocidade do vento (Geor et
al.,1995; McCutcheon et al., 1995). Com alta umidade ambiente, o gradiente de pressão do
vapor entre a superfície do corpo e o ambiente se estreita, restringindo assim a evaporação, e
aumentando da taxa de armazenamento de calor. A extensa área superficial do trato
respiratório também constitui um mecanismo para a dissipação de calor. As narinas externas
do cavalo contribuem para a troca de calor devido a extensa área superficial do trato
respiratório superior, incluindo as narinas internas e os cornetos nasais, fornecendo um
ambiente no qual o ar entra em contato com o epitélio altamente vascularizado do trato
respiratório superior (Geor et al., 1995).
Apesar dos fatores ambientais exercerem grande influência sobre a homeostase de um
organismo, o maior desbalanço térmico ocorre durante o exercício. A conversão de energia
química (ou seja, substratos armazenados) para energia mecânica (por exemplo, contração
muscular) é ineficiente, e aproximadamente 75 a 80% da energia química total é liberada em
forma de calor, ao invés de trabalho físico (BRODY, 1945). Com o início do exercício físico,
há aumento da taxa de produção de calor metabólico, acompanhada por elevação da
temperatura muscular e temperatura corporal interna que, se não efetivamente dissipada,
resulta em hipertermia. O calor gerado por uma seção de exercício em um cavalo é suficiente
para aumentar a sua temperatura corporal em 3 a 5ºC. Se o exercício for prolongado e não
acompanhado de dissipação efetiva de calor, a temperatura retal pode exceder os 42ºC, que é
uma temperatura associada ao aumento acentuado do risco de choque térmico e outros
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distúrbios fisiológicos. Dessa maneira, o aumento da temperatura corporal interna provoca a
ativação de mecanismos dissipadores de calor, de modo que o aumento da temperatura
corporal seja atenuado. No entanto, o restabelecimento do equilíbrio entre o ganho e
dissipação de calor irá depender da eficiência desse processo fisiológico e da duração e
intensidade do exercício. A eficiência dos mecanismos dissipação de calor vão ser
principalmente influenciado por condições ambientais, mas também podem ser melhoradas
por meio de adaptações fisiológicas decorrentes principalmente do condicionamento físico e
aclimatação ao calor (McCutcheon & Geor, 2007).
TERMORREGULAÇÃO DURANTE O EXERCÍCIO
Em contraste com a maioria das outras grandes espécies domésticas em que o músculo
esquelético compreende apenas 30-40% do peso corporal, metade do peso corporal total do
cavalo da raça Puro-sangue Inglês é composto por musculatura esquelética. Em razão da
maior porcentagem de músculos por Kg de peso corporal, o cavalo possui um VO₂ máximo
superior ao de outras espécies com aptidão atléticas, inclusive humanos. Além disso, um
cavalo ao correr usa maior proporção de sua massa corporal para realizar os movimentos de
locomoção quando comparado a um ser humano ao correr ou praticar ciclismo. Sendo assim,
a carga de calor gerada pelo mesmo tipo de exercício é de 2 a 3 vezes maior para o cavalo do
que para seres humanos. Apesar da taxa substancialmente mais elevada de produção de calor
no cavalo, a proporção entre área superficial e massa corporal é aproximadamente 50% menor
do que a dos seres humanos (homem = 1: 35-40 m²/kg; cavalo = 1: 90-100 m²/Kg). Sendo
assim, a área de superfície do cavalo para dissipação de calor é menor, ao mesmo tempo que a
sua produção metabólica de calor é relativamente maior. Isso significa que o cavalo tem que
dissipar aproximadamente quatro vezes mais calor por unidade de superfície corporal do que
um atleta humano praticando o mesmo tipo de exercício. Para compensar a baixa área de
superfície corporal por peso, é necessário aumentar as taxas de perda de calor cutânea e
respiratória, o que faz com que o exercício prolongado se torne um considerável desafio
termorregulador para o cavalo (Hodgson et al., 1994, Jones et al., 1995).
Em condições climáticas favoráveis, onde a temperatura do ambiente é inferior a
temperatura corporal do animal, o calor metabólico produzido pela contração muscular é
levado até a pele, onde será dissipado para o meio ambiente. Entretanto, quando um cavalo é
exercitado em condições ambientais desfavoráveis, a dificuldade de dissipação do calor
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produzido e o consequente aumento da temperatura corporal interna podem ter grande
impacto negativo sobre o desempenho atlético do animal.
Com o início do exercício, há o aumento do débito cardíaco que tem por objetivo levar
maior aporte sanguíneo aos músculos em contração. Ao entrar em contato com a musculatura
esquelética, o fluxo sanguíneo também remove o excesso de calor produzido pelas contrações
musculares e o leva para os órgãos internos, o que aumenta a temperatura interna do
organismo e envia um sinal ao cérebro para que sejam acionados os mecanismos
termoregulatórios primários que são o aumento do fluxo sanguíneo para a superfície da pele,
facilitando a dissipação do calor para o meio ambiente, e o início da sudação. Se a intensidade
das contrações musculares é muito alta e a taxa de dissipação de calor é insuficiente, ocorre o
aumento excessivo da temperatura dentro dos músculos, o que pode resultar em lesão celular
e prejudicar o desempenho atlético do animal (Brinnel et al., 1993). O desempenho atlético do
cavalo também pode ser limitado caso haja aumento na temperatura do cérebro suficiente para
resultar em fadiga (Nielsen et al., 1993). Quando o animal está em repouso em um ambiente
quente, a temperatura no cérebro pode ser elevada por meio de dois mecanismos principais:
aumento da carga de calor radiante e aumento da temperatura do sangue devido ao
aquecimento da pele. Com a prática do exercício físico em ambientes quentes, um terceiro
mecanismo torna-se importante: o fluxo convectivo de sangue que é aquecido ao passar pelos
músculos em contração e que contribui para o aumento da temperatura do cérebro. Existem
limites térmicos que o cérebro pode tolerar, porém além desses limites, há o desencadeamento
de uma série de reações fisiológicas que objetivam reduzir a velocidade do aquecimento
cerebral, que quando não efetivas, resultam em insolação. Uma dessas reações fisiológicas é a
cessação da atividade física, que reduz acentuadamente a taxa de produção de calor
metabólico. Os cavalos também têm um arranjo anatômico único pelo qual suas artérias
carótidas internas são envolvidas por um par de bolsas guturais preenchidas com ar. Estudos
preliminares sugerem que cavalos atletas podem usar suas bolsas guturais para esfriar sangue
que está sendo levado para o cérebro (Baptiste et al., 2000).
Existe uma temperatura corporal crítica acima da qual os mamíferos não continuarão o
exercício voluntariamente. Estudos realizados na área de medicina humana indicaram que a
fadiga voluntária ocorre em uma temperatura interna de cerca de 40°C (Gisolf & Copping,
1974), no entanto, em cavalos o cansaço voluntário não ocorreu até a temperatura retal de
42°C (Hodgson et al., 1993).
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Durante o exercício de curta duração e de alta intensidade, por exemplo uma corrida
de 1000 metros, a taxa de produção de calor excederá a sua taxa de dissipação e a temperatura
corporal continuará a aumentar até cessar o exercício, sendo que grande parte da carga
metabólica de calor será dissipada durante o período de recuperação, com o animal em
repouso (McCutcheon & Geor, 2007).
Por outro lado, durante o exercício prolongado de baixa a moderada intensidade em
condições ambientais temperadas, a ativação de mecanismos dissipadores de calor atenua
progressivamente a taxa de aumento da temperatura corporal. Eventualmente, a taxa de perda
de calor aumenta o suficiente para equilibrar a produção de calor metabólico produzido,
permitindo alcançar uma temperatura interna estável, mantendo o organismo em uma
condição chamada de estado estável (Nadel, 1998).
Devido às limitações físicas da área de superfície para a dissipação de calor nos
cavalos, a perda de calor condutora e convectiva é menor do que em humanos,
compreendendo 9 a 13% da perda de calor total com exercício de intensidade moderada em
condições climáticas amenas e secas (Hodgson et al., 1993). Como nos seres humanos, o
resfriamento evaporativo em cavalos é responsável por cerca de 50% da perda de calor total
durante o exercício de intensidade moderada e em condições amenas e secas, entretanto, nos
seres humanos a perda de calor pelo sistema respiratório pode chegar a no máximo 10%,
enquanto para cavalos, esse valor é de até 30% de todo o calor produzido durante o exercício.
Portanto, a taxa de acúmulo de calor ao se exercitar em condições quentes e úmidas pode ser
até duas vezes maior do que a do mesmo exercício quando praticado em condições amenas e
secas (Lindinger, 1999).
Durante o exercício, o principal estímulo para a transpiração é o aumento da
temperatura corporal decorrente da produção de calor metabólico. Normalmente, a
transpiração é iniciada a uma temperatura interna específica e continua aumentando conforme
a elevação da temperatura corporal. Pesquisadores demonstraram que o aumento da taxa de
transpiração em três intensidades de exercício diferentes (40%, 65% e 90% do VO₂ máximo)
estavam intimamente relacionados às elevações da temperatura do sangue da artéria carótida.
A taxa de aumento da temperatura corporal e a concentração de catecolaminas circulantes
associadas a diferentes intensidades de exercício também podem contribuir para a
determinação da taxa de transpiração (Hodgson et al., 1993).
A glândula sudorípara é considerada um órgão termorregulador em apenas algumas
espécies, entre elas os bovinos, primatas e equinos (Evans, 1996). No cavalo, as glândulas
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sudoríparas estão presentes em partes do corpo com e sem cobertura de pelos, com variação
na densidade de concentração das glândulas em algumas regiões. Estruturalmente, a glândula
sudorífera do cavalo é semelhante a de outras espécies domésticas, consistindo de um fundo e
um duto que liga o fundo a superfície da pele. Durante a maior parte do seu comprimento,
uma única camada de queratinócitos alinha o ducto a superfície da pele (McCutcheon & Geor,
2007).
Ainda não há muitos estudos que comparem a produção de suor de raças diferentes de
cavalos, por esse motivo, não se sabe se há diferenças na taxa de transpiração ou na
composição do suor. Entretanto, o suor da espécie equina, ao contrário dos seres humanos,
pode ser considerado de isotônico a ligeiramente hipertônico em relação ao plasma
(Mccutcheon et al., 1995; McCutcheon & Geor, 1996). As taxas de transpiração de 20 a 55
ml/m₂/min foram medidas nos pescoços e nas costas em cavalos sendo exercitados em uma
esteira (Hodgson et al.., 1993). Supondo-se que um cavalo adulto de 500 Kg tenha uma
superfície corporal de 4,5 a 5,0 m2, a taxa de transpiração correspondente seria de 6 a 15 L de
suor por hora, sendo assim taxa de transpiração por unidade de área da pele em cavalos é de 2
a 3 vezes maior que as relatadas em seres humanos (Carlson, 1983).
Quando a temperatura ambiente excede a temperatura da pele (> 35 - 36ºC), o
gradiente para transferência de calor é invertido e o organismo absorve calor do ambiente. Se
a umidade for baixa, uma diminuição na perda de calor sensível pode ser compensada por
aumento na taxa de transpiração e resfriamento evaporativo. À medida que a umidade
aumenta, o gradiente entre a pele e o ponto de orvalho ambiental é reduzido e a perda de calor
evaporativa também é prejudicada. A diminuição da taxa evaporativa pode ser percebida
através de uma pelagem excessivamente molhada, com acúmulo e gotejamento do suor. Esse
gotejamento é capaz de remover apenas de 5 a 10% do calor que poderia ser dissipado por
meio da evaporação. Portanto, durante o exercício sob condições quentes e húmidas, a taxa de
dissipação de calor pode ser inadequada para evitar o aumento progressivo da temperatura
corporal. A taxa de armazenamento de calor ao se exercitar em condições quentes e úmidas
pode ser até duas vezes maior do que durante o exercício com a mesma intensidade em
condições frescas e secas (Lindinger, 1999; Geor & McCutcheon, 1998). O aumento na
frequência respiratória durante e após o exercício é um reflexo da necessidade de aumentar a
perda de calor pelo trato respiratório. Com o exercício prolongado no calor, há a diminuição
do volume vascular devido à sudação termorreguladora, causando dificultando a
termorregulação e a função cardiovascular. A medida que a temperatura do sangue aumenta
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progressivamente, o gradiente térmico para a dissipação de calor diminui, de modo que o
sangue que sai da circulação cutânea perde menos calor do que o durante o exercício inicial.
Os tecidos corporais competem entre si pelo o débito cardíaco disponível, prejudicando o
fornecimento de substratos e oxigênio aos músculos em contração, e prejudicando também o
funcionamento do sistema termorregulador (McConaghy et al., 1996; Nielsen at al., 1997).
Um fator que pode agravar ainda mais essa situação é a realização de exercício prolongado
sem a suplementação dos fluidos perdidos.
A desidratação diminui a tolerância ao calor gerado pelo exercício, acelerando a taxa
de armazenamento de calor e favorecendo o desenvolvimento de fadiga voluntária em um
nível mais baixo de hipertermia. É altamente provável que a desidratação progressiva causada
pela perda de fluidos intracelulares durante o exercício realizado em condições climáticas
adversas prejudique da função neural de controle dos músculos esqueléticos e contribua para a
diminuição do desempenho atlético e ocorrência da fadiga induzida pelo calor. Portanto, as
diminuições progressivas do volume vascular durante o exercício (desidratação induzida pelo
exercício) estão associadas ao aumento da temperatura interna corporal e temperatura do
músculo esquelético em cavalos (Geor & McCutcheon, 1998). A diminuição do volume
vascular também pode provocar aumento na taxa metabólica anaeróbica devido a competição
de tecidos por substratos energéticos e oxigênio, causando assim o aumento da utilização de
glicogênio muscular e acúmulo de lactato muscular, contribuindo para diminuição do
desempenho atlético e fadiga. O exercício praticado no calor também pode ser associado a
redução da utilização de ácidos graxos como substrato energético pelo músculo e aumento da
taxa de oxidação de carboidratos. (Hargreaves et al., 1996).
A produção de metabólica de calor em cavalos também pode ser influenciada por
fatores alimentares, como a composição da dieta e consumo de água. Essas variações ocorrem
principalmente devido a diferenças na eficiência de uso de vários nutrientes e metabolitos
derivados como substratos para a geração de ATP e podem também afetar a perda de calor
corporal, principalmente através da disponibilidade de água e eletrólitos. A substituição de
uma parte do feno por uma dieta com maior quantidade de grãos demonstrou diminuir a
produção de calor, entretanto essa abordagem pode aumentar significativamente a ocorrência
de sobrecarga de carboidratos e consequentemente, distúrbios gastrointestinais. Com o
objetivo de aumentar ainda mais a densidade energética da dieta, com menor produção de
calor e de maneira segura, uma nova abordagem alimentar foi desenvolvida. Ela consiste em
substituir progressivamente até 10% da dieta total por óleos vegetais na alimentação do cavalo
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atleta (Potter et al., 1992). Quando comparada com uma dieta tradicional, com maior
proporção de forragem, uma dieta rica em gordura (8 a 10% da dieta total) pode reduzir a
produção metabólica de calor em decorrência de menor fermentação no colón (Kronfeld,
1996). Além disso, a menor ingestão de forragem pode diminuir o "lastro intestinal”, o que
segundo alguns autores, pode trazer vantagens durante o exercício de alta intensidade. No
entanto, os efeitos reais desses arranjos dietéticos sobre a produção de calor em cavalos
durante o exercício ainda não foram bem estudados.
Outros fatores que podem influenciar a termorregulação durante o exercício em
cavalos atletas incluem a cor e a densidade da camada de pelos que recobre o corpo do
animal. A cor da pelagem afetará a quantidade de calor solar absorvido, enquanto uma longa
camada de pelos limitará a perda de calor evaporativa. Além dessas características, agora há
evidências de que outros fatores fisiológicos como o condicionamento físico e aclimatação ao
calor modificam a capacidade de termorregulação dos cavalos, melhorando a tolerância ao
exercício praticado em condições quentes (McCutcheon & Geor, 2007).
O termo "tolerância ao calor do exercício" refere-se à habilidade de suportar altas
temperaturas internas e externas durante o exercício. As modificações fisiológicas geradas
pelo processo de aclimatação foram profundamente estudadas em seres humanos, e podem
incluir o aumento do volume do plasma sanguíneo, diminuição da temperatura corporal em
repouso e durante o exercício, diminuição do ritmo cardíaco, melhora do fluxo sanguíneo para
a pele, distribuição mais apropriada do débito cardíaco entre pele, músculo e capilares
superficiais, aumentos sutis da temperatura interna dão início a transpiração mais
rapidamente, melhoria do sistema de distribuição de suor, aumento da produção de suor,
diminuição do conteúdo de eletrólitos na composição do suor, redução da utilização de
glicogênio, diminuição da taxa de armazenamento de calor, aumento da duração do exercício
antes da fadiga voluntária e melhoria da capacidade de suportar níveis mais elevados de
hipertermia quando comparados a indivíduos não treinados. (Armstrong & Maresh, 1991;
Maughan & Lindinger, 1995; Lindinger & Marlin, 1995). Entretanto, ainda são necessários
mais estudos para afirmar se estas mesmas modificações fisiológicas ocorrem em cavalos.
Apesar do condicionamento físico induzir maiores taxas de transpiração para uma
determinada temperatura interna durante o exercício, há diminuição da taxa de transpiração
durante o período de recuperação em repouso, o que resulta na redução geral da perda de
líquidos pelo suor (McCutcheon & Geor, 2000). Essa economia de fluidos gerada pela
diminuição da sudorese é resultado do treinamento, minimizando assim os problemas
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circulatórios gerados pela desidratação. O volume de plasma expandido no atleta treinado
também melhora a capacidade de termorregulação, melhorando o fluxo sanguíneo cutâneo, o
que facilita a dissipação do calor.
O treinamento físico em clima ameno se mostrou eficaz para melhorar a tolerância ao
calor durante o exercício. Até mesmo o treinamento em climas frios pode gerar o aumento da
temperatura interna e, consequente, gerar o estímulo para a ativação dos mecanismos
fisiológicos de dissipação de calor, sendo que a eficácia do treinamento em melhorar a
tolerância ao calor produzido pelo exercício vai depender da duração e intensidade desse
estímulo. Entretanto, as condições climáticas quentes são normalmente consideradas aquelas
que induzirão o maior desafio termorregulador para cavalos, resultando em adaptações
termorreguladoras de maior magnitude (Armstrong & Maresh, 1991; Wenger, 1988).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cavalo é uma espécie que possui grande capacidade atlética inata evidenciada pela
habilidade de se adaptar a pesadas cargas de trabalho em ambientes desfavoráveis. Como um
atleta, os cavalos têm muitas vezes a necessidade de viajar e competir em condições
climáticas adversas, diferentes das quais está acostumado. A preparação adequada desse
animal, com uma rotina planejada de treinamento e a chegada prévia ao local de competição
são fatores que podem contribuir para uma melhor aclimatação do atleta e favorecer assim um
melhor desempenho atlético. Além disso, fatores como uma dieta adequada e bons níveis de
hidratação são fundamentais para a saúde do animal, podendo diminuir a produção de calor
metabólico e contribuir com melhor funcionamento do sistema termoregulatório.
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Grupo de Pesquisa e Ensino em Equideocultura
www.gege.agrarias.ufpr.br/racequi
Revista Acadêmica de Ciência Equina v. 01, n. 1 (2017)
CRIPTORQUIDISMO EM CAVALOS - REVISÃO
Jackson Schade¹, Gustavo Romero Gonçalves2, Juliana Lopes Massiel3, Anderson Fernando
de Souza4, Lorenzo Costa Vincensi5
¹ Mestrando em Ciência Animal – Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Lages, SC, Brasil
2 Professor do Centro Universitário Ingá (Uningá), Maringá, PR, Brasil
3 Mestranda em Ciência Animal – Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR, Brasil
4 Residente em Clínica Médica e Cirúrgica de Equinos – Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP,
Brasil
5 Graduando em Medicina Veterinária - Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Lages, SC, Brasil
RESUMO
O criptorquidismo consiste em um distúrbio caracterizado pela falha na descida de um ou
ambos os testículos para o escroto, sendo considerado como o mais prevalente defeito do
desenvolvimento não letal do cavalo. A condição assume especial importância, pois o animal
afetado apresenta características comportamentais de um garanhão normal e a possível
hereditariedade do distúrbio torna inviável a manutenção destes animais para a reprodução. A
presente revisão aborda os principais aspectos relacionados à etiologia, sinais clínicos,
abordagem diagnóstica e tratamento do criptorquidismo em cavalos. Vários fatores têm sido
apontados como responsáveis pelo distúrbio e, devido à complexidade do processo de descida
testicular, acredita-se que o criptorquidismo apresente origem multifatorial. Na maioria dos
casos, o diagnóstico é relativamente fácil, no entanto, em alguns casos pode se tornar
desafiador. Nestes, os exames complementares como a ultrassonografia e a dosagem
hormonal são necessários para concluir o diagnóstico. Devido a possível hereditariedade do
distúrbio a esterilização de cavalos criptorquidas é indicada, a qual é alcançada de maneira
mais eficaz por meio da extirpação cirúrgica dos testículos, que envolve a criptorquidectomia
bilateral ou unilateral associada a orquiectomia no caso de criptorquidismo unilateral.
Palavras-chave: equinos, criptorquidectomia, descida testicular, testículo retido.
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INTRODUÇÃO
O criptorquidismo é uma condição relativamente comum em cavalos e tem particular
importância, uma vez que o animal afetado apresenta todas as características comportamentais
de um garanhão normal (Schumacher, 2012; Arighi, 2007). O termo criptorquidia tem origem
no grego “kriptos” que significa escondido, e “orchis” que significa testículo, sendo assim,
criptorquidia significa a ausência de um ou ambos os testículos no seu lugar habitual, o
escroto (Lu, 2005). Mais especificamente, consiste na falha de descida testicular normal de
um ou ambos os testículos para o interior do escroto (Blanchard et al., 2003; Lopate et al.,
2003).
Um levantamento epidemiológico que investigou a prevalência de criptorquidia
equina, revelou que aproximadamente um de seis (17%) potros de dois a três anos de idade,
admitidos em um hospital veterinário nos Estados Unidos, eram criptorquidas (Hayes, 1986).
No entanto, Arighi (2011) afirma que a porcentagem de potros criptorquidas é estimada em 5
a 8%. A afecção ocorre em várias raças, sendo citada elevada frequência em cavalos das raças
Quarto de Milha e Percheron, também em pôneis e mestiços (Schumacher, 2012; Arighi,
2007; Cattelan et al., 2004).
O objetivo do presente trabalho é descrever os principais aspectos relacionados a
etiologia, sinais clínicos, diagnóstico e tratamento do criptorquidismo em cavalos.
Etiologia
O criptorquidismo consiste em uma alteração complexa do desenvolvimento, limitada
ao sexo (Blanchard et al., 2003; Schumacher & Varner, 1998), caracterizada por uma
anomalia na localização testicular, sendo o mais prevalente defeito de desenvolvimento não
letal do cavalo (Schumacher, 2012). Este distúrbio ocorre quando há falha na descida normal
de um ou ambos os testículos (Arighi, 2007; Brendemuehl, 2006), a partir da sua posição fetal
na área sub lombar, através do canal inguinal, para o escroto (Schumacher, 2012).
No cavalo, a descida testicular ocorre normalmente entre 30 dias antes e 10 dias após o
nascimento (Schumacher, 2012; Arighi, 2011), envolvendo diversos eventos importantes,
dentre eles a tração feita pelo gubernáculo devido ao seu encurtamento, a regressão do
ligamento suspensor cranial do testículo e o aumento da pressão intra-abdominal, que
contribui para a passagem do testículo através do canal inguinal até o escroto (Arighi, 2011;
Lu, 2005; Hutson et al., 1997).
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As causas da falha na descida testicular não estão totalmente elucidadas, no entanto,
vários fatores têm sido apontados como responsáveis pelo distúrbio (Schumacher, 2012;
Arighi, 2007). Os possíveis fatores envolvidos na origem do criptorquidismo incluem: falha
na ampliação da porção subperitoneal do gubernáculo, o que resulta em inadequada expansão
do anel vaginal e do canal inguinal para a passagem do testículo (Schumacher, 2012;
Blanchard et al., 2003); alargamento excessivo da porção subperitoneal do gubernáculo, o que
impede a regressão adequada (Schumacher, 2012; Lopate et al., 2003); falha no testículo em
regredir suficientemente em tamanho para atravessar o anel vaginal; pressão abdominal
insuficiente para causar expansão do processo vaginal; deslocamento do testículo dentro da
cavidade pélvica, onde a pressão abdominal levaria a uma tensão ineficaz do gubernáculo
(Arighi, 2011; Blanchard et al., 2003).
Segundo Schumacher (2012), a exemplo do ser humano, deficiência na produção de
gonadotrofina pela hipófise ou placenta poderia levar a produção insuficiente de andrógenos,
necessários para o desenvolvimento de diversas estruturas, inclusive alterações no
gubernáculo, importantes para a descida dos testículos para o escroto. No entanto esta teoria
seria aplicável somente para a criptorquidia bilateral (Arighi, 2011). Outros fatores implicados
na falha de descida testicular incluem cisto ou teratoma testicular, ou persistência do
ligamento suspensor do testículo durante a gestação (Schumacher, 2012). De acordo
Blanchard et al. (2003) e Schumacher (2012), devido à complexidade do processo de descida
testicular, acredita-se que a criptorquidia tenha origem multifatorial.
Vários relatos sugerem base genética para o criptorquidismo em cavalos (Blanchrd et
al., 2003). Alguns métodos postulados de hereditariedade citados na literatura veterinária
incluem: transmissão por um gene autossômico recessivo simples; transmissão por gene
autossômico dominante; transmissão de pelo menos dois fatores genéticos, sendo um dos
quais, localizado nos cromossomos sexuais (Schumacher, 2012; Blanchard et al., 2003;
Schumacher & Varner, 1998). No entanto, segundo Schumacher (2012), nenhum estudo
definitivo tem apoiado um mecanismo genético plausível e, devido a observações conflitantes
de diversos estudos de transmissão genética do criptorquidismo em cavalos, pode-se sugerir
que o mecanismo de herança é complexo e provavelmente envolve vários genes.
Caracterização e sinais comportamentais dos cavalos criptorquidas
Cavalos criptorquidas podem apresentar um ou ambos os testículos localizados na
cavidade abdominal ou no trajeto do canal inguinal, desta forma, o criptorquidismo pode ser
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classificado de acordo com a localização dos testículos e epidídimos retidos (Arighi, 2007;
Samper, 2004). Se os testículos passaram através do anel vaginal, mas não pelo anel inguinal
superficial, o animal é denominado criptorquida inguinal. Quando os testículos e o epidídimo
se encontram dentro do abdômen, o cavalo é chamado de criptorquida abdominal total ou
completo. No entanto, se o testículo está dentro do abdômen, mas uma porção do epidídimo
encontra-se dentro do canal inguinal, o animal é denominado criptorquida abdominal parcial
ou incompleto (Schumacher, 2012; Blanchard et al., 2003). Quando os testículos se
encontram no tecido subcutâneo e não podem ser deslocados manualmente para o escroto, são
denominados ectópicos (Blanchard et al., 2003; Schumacher & Verner, 1998).
De acordo com Cox (1993), uma condição conhecida como retenção inguinal
temporária pode ocorrer em cavalos que apresentam testículos pequenos, com peso inferior a
40g localizados na região inguinal, os quais, com o avançar da idade (até os 3 anos de idade),
migram espontaneamente para o escroto. A condição geralmente é unilateral e
predominantemente o testículo direito (> 75%) é o acometido, devido ao seu menor tamanho
em comparação com o esquerdo. De acordo com Schumacher (2012), o aumento de volume
testicular que ocorre com o início da puberdade, pode fazer com que o testículo retido na
região inguinal desça para o escroto.
A criptorquidia unilateral tem sido relatada como sendo mais comum do que a
bilateral (Arighi, 2007; Schumacher & Varner, 1998), e a prevalência de retenção dos
testículos à esquerda ou à direita é semelhante (Schumacher, 2012; Cattelan et al., 2004).
Gônadas retidas do lado esquerdo geralmente são abdominais, enquanto as do antímero direito
frequentemente apresentam-se na região inguinal (Schumacher, 2012; Arighi, 2007).
O criptorquidismo apresenta considerável importância econômica, visto que alterações
funcionais e comportamentais são observadas nos animais portadores deste distúrbio
(Schumacher, 2012). Cavalos criptorquidas bilaterais serão sempre estéreis devido à
exposição de ambos os testículos a temperatura elevada, a qual inibe a espermatogênese
(Schumacher, 2012; Schumacher & Varner, 1998). No entanto, as células de Leydig presentes
nos testículos retidos são funcionais e produzem andrógenos (testosterona) em concentração
semelhante a produzida por testículos normais, presentes no escroto (Arighi, 2011; Cattelan et
al., 2004). Devido a este fato, cavalos criptorquidas bilaterais exibem características sexuais
secundárias e comportamento sexual masculino (Arighi, 2007; Blanchard et al., 2003).
Cavalos criptorquidas unilaterais são geralmente férteis, mas apresentam redução da
concentração espermática (Schumacher, 2012).
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De acordo com Arighi (2007), animais criptorquidas apresentam uma variedade de
características comportamentais indesejáveis. O animal geralmente é mais nervoso, tornando-
se agressivo e com libido aumentada, além de comportamento vicioso. Devido a estas
alterações, torna-se inviável a manutenção desse tipo de animal para a reprodução. Além
disso, devido a possível hereditariedade do distúrbio, o registro de garanhões criptorquidas
não é permitida em grande parte das associações de raças (Schumacher, 2012).
Diagnóstico
O diagnóstico pode ser relativamente fácil quando se tem um histórico confiável e não
foram realizadas tentativas de castração anteriores. No entanto, cavalos que são comprados
castrados e que mostram comportamento similar a um garanhão constituem um desafio
diagnóstico (Blanchard et al., 2003; Schumacher & Varner, 1998). Apesar de raro, o
monorquidismo (agenesia de um testículo) deve ser considerado como possível diagnóstico
diferencial do criptorquidismo unilateral (Souza et al., 2011).
Os procedimentos diagnósticos envolvem inicialmente o conhecimento do histórico
completo, quando o comportamento de garanhão é evidenciado, associado a inspeção e
palpação externa da região escrotal e inguinal (Cattelan et al., 2004). À inspeção, observa-se a
ausência de um ou ambos os testículos no escroto (Souza et al., 2011). A palpação externa, a
região escrotal e inguinal deve ser cuidadosamente explorada, visando a percepção do
testículo ou de uma cicatriz de intervenção cirúrgica anterior (Cattelan et al., 2004). Em
cavalos acometidos por criptorquidismo inguinal, o testículo retido poderá ser palpado
externamente no canal inguinal (Souza et al., 2011), no entanto, pode ser confundido com a
cauda do epidídimo em caso de criptorquidia abdominal parcial (Arighi, 2007).
Caso o testículo não seja localizado por palpação externa, pode-se realizar a palpação
transretal, objetivando a identificação da gônada (Souza et al., 2011; Blanchard et al., 2003) e
dos anéis vaginais e/ou inguinais internos (Cattelan et al., 2004). No entanto, a palpação de
um testículo abdominal é difícil, visto que são pequenos, flácidos e apresentam grande
mobilidade (Souza et al., 2011; Blanchard et al., 2003). Contudo, a palpação transretal foi
considerada um método diagnóstico sensível e com precisão de 87,9% quando efetuada por
clínicos experientes (Stickle & Fessler, 1978).
Outro método auxiliar à palpação interna e externa é a ultrassonografia inguinal e/ou
trasretal, a qual permite confirmar a posição testicular e determinar o tamanho do testículo
retido (Schumacher, 2012; Souza et al., 2011; Arighi, 2007). Segundo Jann & Rains (1990), a
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ultrassonografia inguinal combinada com a transretal apresenta-se como um meio diagnóstico
sensível, com 100% de correlação entre a localização do testículo pela utilização do ultrassom
e posterior confirmação por cirurgia. Schambourg et al. (2006), avaliaram a ultrassonografia
transabdominal e inguinal no diagnóstico e localização do testículo retido em cavalos
criptorquidas, os quais observaram alta sensibilidade (97,6%) e especificidade (100%). De
acordo com os autores, a ultrassonografia transabdominal pode ser realizada em cavalos de
qualquer tamanho sem a necessidade de contenção química, além de risco diminuído para o
equino e o examinador, quando comparada a ultrassonografia transretal, sendo facilmente
realizada em situações de campo (Schambourg et al., 2006).
Em cavalos com histórico desconhecido e sem testículos palpáveis no escroto ou
exame externo e interno inconclusivo, o método diagnóstico mais confiável é a dosagem
hormonal de andrógenos ou estrógenos (Arighi, 2007; Blanchard et al., 2003), pois garanhões
e criptorquidas apresentam concentrações séricas mais elevadas destas substâncias em
comparação com cavalos castrados (Cattelan et al., 2004).
Muitas vezes a mensuração de testosterona sérica (basal) pode ser suficiente para
detectar a presença de tecido testicular (Souza et al., 2011; Cattelan et al., 2004;). Cavalos
castrados apresentam valores médios de testosterona sérica de 0,12 ng/mL (0,03-0,15 ng/mL),
enquanto animais com tecido testicular (garanhões e criptorquidas) tem valores médios que
variam de 0,72 a 0,98 ng/mL (0,38-1,2 ng/mL) (Arighi, 2011). No entanto, Cox et al. (1986)
observaram que a mensuração da testosterona basal não foi confiável para o diagnóstico de
criptorquidismo em 14% dos animais avaliados. De acordo com Arighi (2011), valores entre
0,24 e 0,44 ng/mL não confirmam a presença ou ausência de tecido testicular, sendo, neste
caso, indicada a realização de outros testes hormonais.
O teste de estimulação com gonadotrofina coriônica humana (hCG) é considerado um
método mais preciso para determinar a presença de tecido testicular, sendo indicado quando a
mensuração da concentração de testosterona sérica basal é inconclusiva (Souza et al., 2011;
Blanchard et al., 2003). O teste consiste na comparação da concentração sérica basal de
testosterona, coletada imediatamente antes da administração intravenosa de 6.000 a 12.000 UI
de hCG, com aquela observada após uma hora, três horas, 24 horas ou mesmo três dias após
administração da gonadotrofina (Arighi, 2011). A hCG estimula a síntese e secreção de
testosterona pelas células de Leydig (propriedades semelhantes ao LH), levando a uma
elevação na concentração de testosterona 1 a 2 horas após sua aplicação (Brendemuehl, 2006).
Cavalos criptorquidas apresentam um aumento de três vezes a concentração sérica de
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testosterona após o estímulo da gonadotrofina, enquanto castrados apresentam aumento que
varia de zero a duas vezes a concentração basal. No entanto, fatores como a localização do
testículo, idade do animal e estação do ano influenciam a resposta ao teste. Testículos
abdominais são menos responsivos ao estímulo pelo hCG que testículos escrotais, e resposta
mais pronunciada é observada no verão, em comparação ao inverno, devido a variação
sazonal na concentração de testosterona. Além disto, cavalos com idade inferior a 18 meses e
criptorquidas abdominais bilaterais, em muitos casos, não são capazes de produzir
testosterona suficiente, após o estímulo pelo hCG, para diferencia-los de animais castrados
(Arighi, 2011).
A mensuração da concentração sérica basal de sulfato de estrona consiste em um
método diagnóstico útil somente em animais com idade superior a três anos, visto que a
produção de estrógenos antes do animal atingir a maturidade sexual é fisiologicamente menor
(Arighi, 2007; Blanchard et al., 2003). Em cavalos adultos que apresentam tecido testicular,
altas concentrações de sulfato de estrona são observadas (≥ 1,0 ng/mL), quando comparadas
as baixas concentrações em cavalos castrados (≤ 0,12 ng/mL) (Arighi, 2011).
Recentemente o hormônio anti-Mülleriano (HAM) foi avaliado como marcador
diagnóstico para o criptorquidismo em cavalos (Murase et al., 2015; Claes et al., 2014). Claes
et al. (2014), relataram sucesso quando utilizaram a mensuração da concentração sérica do
HAM no diagnóstico de criptorquidismo em três casos em que a concentração de testosterona
sérica basal foi inconclusiva. Murase et al. (2015) detectaram HAM em garanhões normais
(n=11, 13,3±1,8 ng/mL) e criptorquidas hemi-castrados (n=8, 17,6±3,0 ng/mL), mas não em
cavalos castrados (n=6, abaixo do limite de detecção), indicando que o HAM pode ser
utilizado como biomarcador para diagnóstico de criptorquidismo em cavalos.
Tratamento
O tratamento hormonal para o criptorquidismo é descrito desde 1930 em humanos
(Lu, 2005), e consiste na administração de hormônios (LH ou GnRH) com o objetivo de
induzir a produção de andrógenos e consequente aumento do tamanho testicular, estimulando
a descida de testículos inguinais para o escroto (Schumacher & Varner, 2011). No entanto,
este tipo de tratamento não é sugerido para animais devido à natureza hereditária da síndrome
(Lu, 2005), sendo assim, poderia ser considerada como uma opção não ética para o tratamento
(Schumacher & Verner, 2011).
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Arighi (2007) cita o uso da castração imunológica como alternativa ao tratamento
cirúrgico. Este método consiste na administração de vacinas que estimulam a síntese de
anticorpos que inibem a liberação do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH),
resultando na supressão do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal e consequente inibição da
liberação do hormônio luteinizante (LH). O resultado é a supressão da atividade e
comportamento reprodutivo do garanhão (Stout & Colenbrander, 2011). Janett et al. (2009)
estudaram a eficácia da imunocastração por meio da vacinação contra GnRH (EquityTM) em
garanhões adultos (n=5). O protocolo consistiu em três administrações de EquityTM 200 µg,
intramuscular, com intervalos de quatro e oito semanas. Os animais foram avaliados quanto a
reações adversas, concentração sérica de testosterona e anticorpos anti-GnRH, qualidade do
sêmen e libido durante o período de 12 meses após a primeira vacinação. Com base neste
estudo, os autores concluíram que três imunizações com EquityTM são bem toleradas e
suprimem de forma confiável a função testicular e o comportamento masculino em garanhões
adultos. Entretanto, o efeito inibidor é altamente variável e pode durar desde o mínimo de 24
semanas a mais de 46 semanas. Sendo assim, estudos adicionais são necessários para
determinar a eficácia e o calendário de vacinação para esse tipo de tratamento em cavalos
(Arighi, 2007).
O tratamento mais eficaz em casos de criptorquidismo é o cirúrgico (Cattelan et al.,
2004), por meio da criptorquidectomia, incluindo a orquiectomia da gônada escrotal em casos
de criptorquidismo unilateral. Segundo Cattelan et al. (2004), recomenda-se a extirpação da
gônada escrotal devido ao elevado risco de desenvolvimento de neoplasias e a inviabilidade
na manutenção desses animais na reprodução, considerando à natureza hereditária do
distúrbio.
O tratamento cirúrgico do criptorquidismo envolve diferentes técnicas, as quais devem
ser aplicadas, levando em consideração a localização do testículo retido, preferência e
experiência do cirurgião, fatores econômicos e temperamento do animal (Cattelan et al.,
2004). Segundo Cattelan et al. (2004), Arighi (2007) e Schumacher (2012) as abordagens
cirúrgicas para remoção de testículos retidos incluem a criptorquidectomia inguinal,
parainguinal, suprapúbica paramediana, abordagem pelo flanco e a via laparoscópica. Para
cada uma destas abordagens, exceto abordagem pelo flanco e a via laparoscópica, o animal
deve estar sob anestesia geral (Schumacher, 2012). Testículos retidos no abdômen podem ser
removidos através da abordagem inguinal, parainguinal, paramediana suprapúbica e
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abordagem pelo flanco, porém, apenas as abordagens inguinal e parainguinal permitem a
remoção de um testículo retido no canal inguinal (Blanchard et al., 2003).
Dentre as abordagens supracitadas, apenas a inguinal e a parainguinal permitem a
remoção não invasiva de um testículo retido (Schumacher, 2012; Turner & McIlwraith, 2002).
Uma abordagem não invasiva é realizada quando o testículo pode ser removido através da
introdução de apenas um ou dois dedos do cirurgião na cavidade abdominal (Schumacher,
2012), sendo o testículo retirado por meio da tração sobre o gubernáculo, testículo, epidídimo,
ou ductos deferentes, após a ruptura do processo vaginal (Turner & McIlwraith, 2002). No
entanto, uma abordagem que requer a inserção da mão do cirurgião na cavidade abdominal é
considerada invasiva (Schumacher, 2012; Turner & McIlwraith, 2002). Segundo Turner &
McIlwraith (2002) a técnica não invasiva é o método mais conveniente e seguro de
criptorquidectomia, sendo que sua superioridade em termos de diminuição do tempo de
hospitalização e minimização de complicações já foi documentada.
Segundo Hendrickson (2006) a criptorquidectomia é um procedimento frequentemente
realizado por via laparoscópica em Hospitais Veterinários nos Estados Unidos. Segundo o
autor as vantagens associadas ao procedimento incluem a possibilidade de realização com o
animal em estação, fácil identificação das estruturas, amputação livre de tensão e
consequentemente menor dor no pós-operatório, e capacidade de avaliar o coto seccionado.
Independente da técnica cirúrgica escolhida, no caso do criptorquidismo unilateral o
testículo retido deve ser sempre o primeiro a ser removido, assim, caso a cirurgia tenha de ser
interrompida, por qualquer motivo, permanece um indicador externo de criptorquidismo, o
que permite diferenciar facilmente um cavalo castrado de um cavalo criptorquida (Blanchard
et al., 2003).
Medidas para evitar a evisceração devem ser tomadas em casos onde a ruptura do anel
vaginal e/ou invasão manual da cavidade abdominal através do canal inguinal ocorreu
(Schumacher, 2012; Turner & McIlwraith, 2002). Estas medidas incluem o envolvimento do
canal inguinal com gaze estéril por 24 a 36 horas (Turner & McIlwraith, 2002), tendo o
cuidado para que a gaze não seja inserida no abdômen (Schumacher, 2012); palpação do anel
inguinal interno por via trasretal 24 horas após a cirurgia; sutura do anel inguinal externo
(Turner & McIlwraith, 2002); restrição ao exercício intenso durante pelo menos duas semanas
após a cirurgia (Schumacher, 2012).
CONCLUSÃO
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Apesar de não estar totalmente elucidada, a etiologia do criptorquidismo está
associada a alterações complexas relacionadas a descida testicular durante o desenvolvimento
fetal. O diagnóstico do distúrbio, de maneira geral, é realizado sem dificuldades, entretanto,
cavalos criptorquidas castrados de maneira inadvertida e que ainda apresentam
comportamento de garanhão representam um desafio para o correto diagnóstico. Para este
fim, técnicas diagnósticas de imagem e hormonal vem sendo desenvolvidas, nas quais a
mensuração do HAM, avaliado recentemente, tem se mostrado um meio diagnóstico
promissor. A possível hereditariedade do distúrbio torna necessária a adoção de medidas que
visem afastar os cavalos criptorquidas da atividade reprodutiva. Sendo assim, a principal e
mais eficaz forma de tratamento consiste na abordagem cirúrgica por meio da
criptorquidectomia bilateral ou a unilateral associada a orquiectomia no caso de
criptorquidismo unilateral.
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