0
UNIVERSIDADE TIRADENTES
BRUNO CARVALHO LIMA
PRISÃO PREVENTIVA: critérios e aplicabilidade frente a CF88
Aracaju
1
2009
BRUNO CARVALHO LIMA
PRISÃO PREVENTIVA: critérios e aplicabilidade frente a CF88
Monografia apresentada à Universidade Tiradentes como um dos pré-requisitos para obtenção do grau de bacharel em Direito.
ORIENTADORA:PROFª. PRISCILA FORMIGHERI FELDENS
2
Aracaju2009
BRUNO CARVALHO LIMA
PRISÃO PREVENTIVA: critérios e aplicabilidade frente a CF88
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Tiradentes – UNIT, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.
Aprovada em _______ / ______ / ________.
____________________________________________________________
Profª. Priscila Formigheri Feldens - OrientadoraUniversidade Tiradentes
_________________________________________________________
Professor
Universidade Tiradentes
____________________________________________________________
Professor
Universidade Tiradentes
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, pois sem o mesmo nada é possível.
A Universidade Tiradentes, todos os professores e funcionários.
A minha orientadora desta monografia e professora Priscila
Formigheri Feldens, pela dedicação.
Aos meus pais, meus avós, minha irmã e minha namorada, por todo
o apoio e renúncia das horas de lazer que deixamos de compartilhar, em prol do
êxito do projeto que ora finalizo.
Aos meus familiares que muito me incentivaram a persistir nesta
caminhada.
4
Dedico esta monografia a todos que amo.
5
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso intitulado Prisão preventiva:
critérios e aplicabilidade frente a Constituição Federal de 1988 tem por objetivo
analisar critérios e aplicabilidade da prisão preventiva frente à Constituição Federal
de 1988. Está justificada por considerar que valores como a dignidade humana, a
igualdade perante a lei, podem ser considerados como princípios básicos da ética
política e social, os quais podem ser garantidos através da justiça buscada através
do direito. Observou(a)-se, através de pesquisa bibliográfica e em artigos da
Internet, com um enfoque acadêmico, que as punições via prisão preventiva,
acontecem de forma hierárquica, de forma desproporcional, prioritariamente com as
pessoas de poder aquisitivo inferior, sendo punidas exemplarmente. Não existe
imparcialidade nas apurações, depende de quem seja o indivíduo, dessa forma
caracterizando a banalização da prisão preventiva.
Palavras chave: Código de Processo Penal. Constituição de 1988. Prisão
Preventiva.
6
ABSTRACT
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................
2 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ................................................................ 2.1 O Processo Penal - Breve Histórico..................................................... 2.2 A Constituição da República de 1988 e o Código de Processo Penal 2.3 Sistemas Processuais..............................................................................
3 PRISÃO......................................................................................................... 3.1 Conceitos e Origem .............................................................................. 3.2 Espécies de Prisão Processual ou Provisória..................................... 3.2.1 Prisão temporária............................................................................ 3.2.2 Prisão em flagrante........................................................................... 3.2.3 Prisão preventiva............................................................................. 3.3 Banalização da Prisão Preventiva...........................................................
4 CONCLUSÃO.................................................................................................
REFERÊNCIAS.................................................................................................
8
10101621
26263134364148
52
54
8
1 INTRODUÇÃO
Respeitar os direitos humanos em uma sociedade que se pretende justa e
igualitária é promover a vida sem discriminação de classe social, de cultura, de
religião, de raça, de etnia, de orientação sexual. Entretanto, percebe-se que
justamente por causa dessas diferenças, algumas pessoas não encontram proteção
e reconhecimento, sofrendo discriminações.
As condições socioeconômicas de algumas famílias podem induzir o
indivíduo a vários comportamentos dentro da sociedade, como a violência e a
criminalidade, como resultado, na maioria das vezes, da falta de um estado de bem
estar social. A sociedade também costuma, de forma explícita ou não,
responsabilizar a classe menos favorecida financeiramente pela violência, mas
pobreza não é sinônimo de criminalidade. A cada dia tem-se conhecimento pela
mídia de crimes cometidos por pessoas de classe média e alta, como, por exemplo,
assalto à mão armada, delito de extrema gravidade, causando medo na sociedade.
A avaliação da ameaça à ordem pública articula a gravidade do crime
com a periculosidade revelada pelo agente na prática do delito, levando a prisão do
mesmo, entendida como a privação da liberdade por motivo ilícito ou por ordem
legal, podendo ocorrer em flagrante, preventiva, temporária, por sentença
condenatória recorrível e por pronúncia.
9
Existem situações que deverão ser executadas com punições mais
rígidas. Entretanto, observa-se que as punições acontecem de forma hierárquica, de
forma desproporcional, prioritariamente com as pessoas de poder aquisitivo inferior,
sendo punidas exemplarmente. Não existe imparcialidade nas apurações, depende
de quem seja o indivíduo.
Conseqüentemente, a cada dia observa-se a comunidade carcerária
aumentar, de modo que o anúncio da necessidade da construção de novas unidades
presidiárias pode ser entendido como um cruel diagnóstico de uma política social
falida, porque sua população será composta basicamente por aqueles que já estão
condenados socialmente.
Dessa forma, o objetivo maior desta pesquisa foi analisar critérios e
aplicabilidade da prisão preventiva frente à Constituição Federal de 1988.
Esta pesquisa se justifica por considerar que valores como a dignidade
humana, a igualdade perante a lei, podem ser considerados como princípios básicos
da ética política e social, podem ser garantidos através da justiça buscada através
do direito.
Para o desenvolvimento deste estudo, a metodologia adotada será a
pesquisa bibliográfica, ou seja, doutrinas, artigos científicos, dentre outros através
de um enfoque acadêmico.
O estudo fará referência a origem do Código de Processo Penal e da
prisão, bem como da prisão processual cautelar, com um enfoque constitucional e
da banalização da prisão preventiva, seus danos e malefícios.
Não se pretende encerrar o assunto, visto que o mesmo é delicado e
muito abrangente, mas que esta pesquisa sirva de subsídio para outros estudantes
10
de Direito, de sorte que novos trabalhos sobre o tema também poderão dar
continuidade à análise da prisão preventiva.
2 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
2.1 O Processo Penal – Breve Histórico
O processo penal lida com liberdades públicas, direitos indisponíveis,
tutelando a dignidade da pessoa humana e outros interesses dos quais não se pode
abrir mão, como a vida, a liberdade, a integridade física e moral, o patrimônio etc.,
como ensina Nucci (2005). Mas, quando “praticado um fato definido como crime,
surge para o Estado o direito de punir, que se exercita através do processo penal”
(MIRABETE, 2008).
O processo pode ser entendido como o meio que possibilita o exercício
do direito de punir do Estado, funcionando como um complexo de atos coordenados
objetivando o julgamento da pretensão punitiva. Já o processo penal trabalha
defendendo os direitos das pessoas, como a vida, a liberdade, a integridade física
moral, assim como seu patrimônio.
Para Machado (1993, p. 19),
O processo pode ser visto como procedimento pelo seu ângulo externo, e como relação jurídica na sua essência. Tal significa dizer que o conjunto de atos praticados pelos atores processuais, na sua materialização física
11
(audiência, autos, termos, petições, etc.), e portanto visível, compõem o que se pode designar como procedimento.
Ainda segundo Machado (1993), em processo penal costuma-se dizer
que a teoria da relação jurídica evoluiu em função do fator histórico, surgindo como
reação ao processo penal desumano e cientificamente, resultando da elaboração
doutrinária dos processualistas, surgindo com a evolução teórica da ciência
processual.
Na Grécia, a repressão pelos crimes privados se caracterizava pela pouca
relevância, ficando à mercê do ofendido, enquanto que os crimes públicos, por
serem praticados contra interesses sociais, eram apurados com a participação direta
dos cidadãos através de diálogos públicos. Se os crimes eram cometidos contra o
próprio Estado, era constituído um tribunal popular, no qual um acusador e
testemunhas se manifestavam e, em seguida um defensor. Os juízes votavam sem
deliberar, sendo a decisão tomada pela maioria dos votos. Em caso de empate, o
acusado era absolvido (Mirabete, 2008). Dessa forma, compreende-se que na
Grécia a jurisdição penal ocorria apenas em relação aos crimes contra o Estado e o
coletivo.
Em Roma, a princípio, as infrações menos graves tinha o Estado como
árbitro para solucionar o litígio entre as partes utilizando-se das provas
apresentadas, princípio este abandonado ao longo do tempo, enquanto se fortalecia
o julgamento dos crimes contra a segurança da cidade (delicta publica). Nenhuma
garantia era dada ao acusado, passando-se ao provocatio ad populum, em que o
condenado podia recorrer da condenação para o povo reunido em um comício
popular. Com o advento da República, a justiça penal era exercida pelas centúrias,
compostas por patrícios e plebeus através de um procedimento oral e público e, em
casos excepcionais, o julgamento se dava pelo Senado. No fim da República,
12
passou a existir a accusatio, ficando a administração da justiça a cargo de um
tribunal popular, composto inicialmente por senadores e posteriormente, por
cidadãos. Já na época do Império, o processo penal foi a cognitio extra ordinem,
sendo o julgamento feito pelos senadores, depois pelo imperador e após algum
tempo, ao paraefectus urbis. Fez-se introduzir a tortura do réu e mesmo de
testemunhas que depusessem falsamente, bem como a prisão preventiva. Todo
esse processo pode ser apontado como a base primordial do chamado sistema
inquisitivo (MIRABETE, 2008).
Depreende-se que foi no direito romano que surgiram direitos aos réus,
bem como formas de procedimentos no processo penal, como o direito de recorrer e
o júri popular.
Ainda segundo Mirabete (2008), entre os germânicos havia em princípio
característica da vingança privada, existindo, também, a Assembléia requerida pela
vítima ou seu representante. O procedimento era acusatório, regido pelos princípios
da oralidade, imediatidade, concentração e publicidade, sendo absolvido o acusado
que suportasse as provas ordálias, entendidas como prova de água fervente, de
ferro em brasa, do fogo, dentre outras ou vencesse os duelos judiciários, com os
quais se decidiam os litígios pessoalmente ou através de lutadores profissionais.
Já o direito canônico foi desenvolvido entre o período dos poderes
romano, germânico e o moderno, sofrendo influência do cristianismo, mas ao tempo
em que contribuía para a humanização na legislação penal, a Igreja lutava para
obter o predomínio do Papado sobre o poder temporal a fim de proteger interesses
religiosos de dominação, de modo que até o século XII, o processo somente podia
ser iniciado com a acusação apresentada aos Bispos, Arcebispos ou oficiais
encarregados de exercerem a função jurisdicional. No século seguinte estabeleceu-
13
se procedimento inquisitivo, com denúncias anônimas. Procurou-se abolir as
ordálias e os duelos judiciários, mas em contrapartida se estabeleceu a tortura e a
ausência de garantia para os acusados, instalando-se o Tribunal de Inquisição para
reprimir a heresia, o sortilégio e a bruxaria. Tal sistema inquisitivo aos poucos
dominou as legislações laicas da Europa Continental, convertendo-se em
instrumento de dominação política (MIRABETE, 2008).
Dessa forma, pode-se inferir que o Direito Canônico foi responsável por
retrocesso na forma de desenvolvimento processual penal ao desconsiderar
garantias conquistadas pelos acusados, proibir a publicidade do processo, aceitar
denúncias anônimas e adotar torturas.
Na segunda metade do século XVIII, no período humanitário do Direito
Penal, surgiu o processo penal moderno, objetivando humanizar a Justiça, conciliar
a legislação penal com as exigências da justiça e os princípios de humanidade.
Beccaria, condena a tortura e o testemunho secreto, preconiza a admissão em juízo
de todas as provas, indo contra a prisão preventiva sem prova da existência do
crime e de sua autoria. Por sua vez, Voltaire censurou a lei que obrigava o juiz a
portar-se como inimigo do acusado. Após o Código de Napoleão, de 1808, na
França, foi organizada a administração da Justiça, com a ação penal pública
exercida pelo Ministério Público. Em seguida, foi instalado um processo penal misto,
inquisitivo, na fase de instrução preparatória, e acusatório, que teve reflexos em
quase toda a Europa cabendo ao ofendido a ação apenas para o ressarcimento de
dano (MIRABETE, 2008).
No Brasil, a base da organização judiciária surgiu de acordo com a
implantada em Portugal, passando os processos criminais a começar por delações
de crimes feitas em juízo por particulares e por denúncias. Posteriormente, o
14
processo penal no Brasil foi organizado pelas seguintes legislações: Código de D.
Sebastião, até 1580; as Ordenações Filipinas de 1603, substituídas pelo Código de
Processo Criminal do Império em 1832, no qual ainda os ricos e poderosos gozavam
de privilégios, podendo, com dinheiro, salvarem-se das sanções penais (MIRABETE
(2008).
Em 1751, com a vinda de J. João VI, foi criado o Tribunal de Relação do
Rio de Janeiro, levado à categoria de Casa da Suplicação, constituindo o Superior
Tribunal de Justiça. Já na região dominada pelos holandeses, inexistia distinção
entre fase policial e fase judicial, partindo a acusação de funcionários do Estado ou
dos particulares, sendo o Escolteto ao mesmo tempo, chefe de polícia e promotor
público, mas a acusação não era apenas pública, porque os particulares também
podiam pedir aos tribunais a condenação dos delinqüentes, procurando-se fazer
com que confessassem até por meio de fraude e de torturas (MIRABETE, 2008). O
fato é que a existência de uma acusação implicava antecipação de culpa.
A Constituição promulgada em março de 1824 deu a organização básica
do Poder Judiciário brasileiro, sendo editado em 1832 o Código de Processo
Criminal. Após 1842, as denúncias podiam ser oferecidas tanto pelo Promotor
Público quanto pelo povo, sendo ainda possível o procedimento ex officio em todos
os casos de denúncia, sendo o julgamento competência do Júri, com exceção das
contravenções e dos crimes menos graves (MIRABETE, 2008).
Em meados do século XX, possuindo fortes influências do regime italiano
da década de 1930, foi instituído o Código de Processo Penal de 1941, vigente até
os dias atuais, o qual, na opinião de Oliveira (2008), o Código de Processo Penal
brasileiro foi elaborado em bases autoritárias, visto que nem sentença absolutória
era suficiente, a depender da pena, para se restituir a liberdade do réu (antigo art.
15
596). Ainda, recebida a denúncia, automaticamente era decretada a prisão
preventiva, mesmo que sem provas, como se o acusado fosse culpado (o antigo art.
315).
Sintetizando, tem-se que as Leis processuais brasileiras foram:
Ordenações Filipinas; Código de Processo Criminal (1832); Códigos Processuais
dos Estados (Constituição de 1891); retorno à unidade processual nacional
(Constituição de 1934); Código de Processo Penal de 1941 ainda em vigor; e a Lei
de Execução Penal de 1984, que passou a regular a matéria.
Para Nucci (2005, p. 72), o Código de Processo Penal de 1941 nasceu
sob o Estado Novo, em plena ditadura Vargas,
Não podendo servir de base à construção de um corpo de normas jurídicas aplicável de per si, ignorando-se as constantes e sucessivas mutações da ordem constitucional brasileira, até culminar com a Constituição de 1988, nitidamente uma das mais democráticas que já tivemos.
Assim, reconhecendo ser difícil compatibilizar a necessidade de aplicação
da lei penal e o exercício da liberdade individual, Oliveira (2008, p. 6) destaca as
características mais relevantes do Código de Processo Penal:
a) o acusado é tratado como potencial e virtual culpado, sobretudo quando existir prisão em flagrante, para a qual, antes da década de 1970, somente era cabível liberdade provisória para crimes afiançáveis, ou quando presente presunção de inocência, consubstanciada na possível e antevista existência de causas de justificação (estado de necessidade, legítima defesa etc.) na conduta do agente (art. 310, caput);
b) na balança entre a tutela da segurança pública e a tutela da liberdade individual, prevalece a preocupação quase exclusiva com a primeira, com o estabelecimento de uma fase investigatória agressivamente inquisitorial, cujo resultado foi uma conseqüente exacerbação dos poderes dos agentes policiais;
c) a busca da verdade, sinaliza como a da verdade real, legitimou diversas práticas autoritárias e abusivas por parte dos poderes públicos. A ampliação ilimitada da liberdade de iniciativa probatória do juiz, justificada como necessária e indispensável à busca da verdade real, descaracterizou o perfil acusatório que se quis conferir à atividade jurisdicional. [...].
d) o interrogatório do réu era realizado, efetivamente, em ritmo inquisitivo, sem a intervenção das partes, e exclusivamente como meio de prova, e não de defesa, estando o juiz autorizado a valorar, contra o acusado, o seu comportamento no aludido ato, seja em forma de silêncio (antiga redação do art. 186 e o ainda atual art. 198, já revogado implicitamente),
16
seja peno não-comparecimento em juízo. É autorizada, então, a sua condução coercitiva (art. 260, CPP).
Por sua vez, Câmara (1997, p. 20), referindo-se ao dualismo
delito/liberdade diz:
O processo penal demonstra posições que são, em muitos casos, flagrantemente antagônicas: aos direitos fundamentais do acusado contrapondo-se as exigências de segurança da comunidade num verdadeiro embate em que alguns vêem um processo dialético ou um confronto manifesto através de relações antinômicas, havendo consenso na constatação de que as leis processuais devem buscar àqueles interesses conflitantes uma resposta equilibrada.
Dessa forma, depreende-se que o excesso de autoridade, bem como a
prisão preventiva do réu mediante apenas uma acusação eram características do
Código de Processo Penal de 1941, no qual prevalecia a preocupação com a
segurança pública, visto que a garantia da ordem pública está ligada à gravidade do
delito, suas conseqüências e repercussão no meio social. Mas, após a Lei n.
5.349/67 o Código de Processo Penal sofreu alterações que se flexibilizaram
algumas regras restritivas do direito à liberdade, principalmente com a promulgação
da Constituição Federal de 1988, fazendo evoluir o sistema processual penal
vigente, por trazer consigo um sistema de direitos e garantias constitucionalmente
positivas, rompendo com muitos paradigmas existentes, a começar pela afirmação
de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória” (art. 5º, LVII).
Dessa forma, torna-se relevante um enfoque sobre o que mudou no
Código de Processo Penal com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
2.2 A Constituição de 1988 e o Código de Processo Penal
17
É evidente a supremacia da Constituição Federal sobre todo o sistema
normativo, visto ser a mesma alicerçada na vontade do povo, detentor do poder
constituinte originário, concordando-se com João Mendes Júnior, citado por Nucci
(2005, p. 67), que:
A força vital da sociedade civil se manifesta nos poderes: Legislativo, cujo fim é definir o direito e desenvolver o interesse social; Executivo, cujo fim é manter o direito e promover o interesse social; e Judiciário, cujo fim é aplicar o direito às relações individuais.
Para que o processo penal consiga, mediante a intervenção do juiz, a
realização da pretensão punitiva do Estado derivada da prática de uma infração
penal, o mesmo se baseia em princípios jurídicos constitucionais, definidos por
Nucci (2005), como postulados que fornecem um padrão de interpretação,
integração, conhecimento e aplicação do direito positivo, estabelecendo uma meta
maior a seguir, os quais podem estar explícitos e implícitos.
Na opinião de Oliveira (2008), os princípios se apresentam como normas
fundantes do sistema processual, sem as quais não se cumpriria a tarefa de proteção
aos direitos fundamentais.
Para Feitoza (2009, p. 121), “princípios de direito são normas de caráter
geral, que se constituem em diretrizes do ordenamento jurídico”. Ele ainda explica
(p.126), que os princípios jurídicos podem ter três funções:
a) função fundamentadora: outras normas jurídicas têm seu fundamento de validade nos princípios constitucionais. Se se conflitarem com eles, podem não ter validade, em razão de eficácia diretiva de tais princípios, ou perder sua vigência, por causa de sua eficácia revogatória;
b) função interpretativa: os princípios orientam a interpretação de outras normas jurídicas, por meio dos núcleos normativo-significativos que contêm;
c) função supletiva: os princípios integram as ‘lacunas’ do Direito.
Assim, a expressão “princípios gerais do direito” pode ser definida como
critérios maiores existentes em cada ramo do direito e percebidos por indução.
18
Os principais princípios característicos do processo penal são os do
estado de inocência, da não obrigatoriedade de produzir provas contra si mesmo, do
contraditório, da verdade real, da oralidade, da publicidade, da obrigatoriedade, da
oficialidade, da indisponibilidade do processo, do juiz natural e da iniciativa das
partes.
Entende Lopes Jr. (2009), a presunção de inocência é um principio reitor
do processo penal constitucional e democrático, podendo-se perfeitamente avaliar o
grau de civilidade do processo a partir do seu nível de eficácia, na medida em que
exige que o réu seja tratado como inocente e atua na dimensão interna ao processo
e exterior a ele.
Na dimensão interna, o juiz determina que o acusador forneça as provas,
pois se o réu é inocente, não precisa provar nada. Já externamente, a presunção de
inocência exige proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização precoce
do réu.
Reportando-se aos princípios, Mirabete (2008, p. 22) afirma que “a
doutrina tem procurado distinguir certos princípios característicos do processo penal
moderno, principalmente no que se refere ao sistema acusatório”. Para o referido
autor, o princípio do juiz natural dispõe que o autor o acusado só poderá ser
processado e julgado perante o órgão a que a Constituição Federal, implícita ou
explicitamente, atribui a competência para o julgamento. Do mesmo modo, do
princípio do estado de inocência deve-se concluir que a restrição à liberdade do
acusado só deve ser admitida a título de medida cautelar de necessidade ou
conveniência e que, para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que
ele é responsável pelo delito.
19
Como diz Nucci (2005), o princípio da não culpabilidade tem por objetivo
garantir que o ônus da prova cabe à acusação e não a defesa. O acusado é
presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com
trânsito em julgado.
Contudo, esclarece Feitoza (2009, p. 143), o princípio da inocência “não
impede a prisão provisória (preventiva, temporária, flagrante delito), nem outros atos
coercitivos (busca e apreensão, exame de insanidade mental, etc.)”. Assim, o
acusado só poderá ser preso a título de medida cautelar, não tem o dever de provar
sua inocência e o juiz deve ter a convicção de que ele é responsável pelo delito,
bastando, para sua absolvição, a dúvida a respeito da sua culpa.
O princípio do contraditório é a garantia constitucional da ampla defesa do
acusado sem restrições, estando assegurada a igualdade das partes no processo.
Para Oliveira (2008, p. 28),
O contraditório, portanto, junto ao princípio da ampla defesa, institui-se como a pedra fundamental de todo processo e, particularmente, do processo penal. E assim é porque, como cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse publico da realização de um processo justo e equitativo, único caminho para a imposição da sanção de natureza penal.
Enquanto o contraditório exige a garantia de participação, o princípio da
ampla defesa impõe a realização efetiva desta participação, sob pena de nulidade,
se e quando prejudicial ao acusado.
O princípio da verdade real procura estabelecer que o jus puniendi
somente seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos
limites de sua culpa, sendo excluídos os limites artificiais da verdade formal criados
por atos ou omissões das partes, presunções, transações, dentre outros. Já de
acordo com o princípio da oralidade, as declarações perante os juízes e tribunais só
possuem eficácia quando formuladas através da palavra oral, levando a
20
necessidade da realização do julgamento em uma ou poucas audiências a curtos
intervalos, como ocorre no Tribunal do Júri. Por sua vez, o princípio da publicidade
dos atos processuais está em correspondência com os interesses da comunidade,
sendo considerada um freio contra a fraude, a corrupção, a compaixão e as
indulgências fáceis (MIRABETE, 2008).
O princípio da não obrigatoriedade de produzir provas contra si mesmo
decorre da Lei n. 10.792/03, que assegurou ao acusado o direito de entrevistar-se
com seu advogado antes do referido ato processual (art. 185, § 2º), o direito de
permanecer calado e não responder perguntas a ele endereçadas, sem que se
possa extrair do silêncio qualquer valoração em prejuízo da defesa (art. 186, caput e
parágrafo único) (OLIVEIRA, 2008).
O princípio da obrigatoriedade obriga que a autoridade policial a instaurar
inquérito policial e o Mistério Público a promover a ação penal quando da ocorrência
da prática de crime que se apure mediante ação penal pública. Do princípio da
obrigatoriedade decorre o da indisponibilidade do processo. Significa que uma vez
instaurado o inquérito policial, este não pode ser paralisado indefinidamente ou
arquivado, prevendo a lei o prazo de para a sua conclusão, sendo de 10 dias se o
indiciado estiver preso e 30 dias quando estiver solto (MIRABETE, 2008).
Sintetizando os princípios do processo penal, Nucci (2005, p. 97) assim
os classifica:
Constitucionais explícitos:1) concernentes ao indivíduo: presunção de inocência; ampla defesa;
plenitude de defesa.2) concernentes à relação processual: prevalência do interesse do réu
contraditório.3) concernentes à atuação do Estado: juiz natural; publicidade; vedação
das provas ilícitas; economia processual.4) Constitucional geral: devido processo legal.
Constitucionais implícitos:1) Concernente ao indivíduo: ninguém está obrigado a produzir prova
contra si mesmo.
21
2) Concernentes à relação processual: iniciativa das partes; duplo grau de jurisdição.
3) Concernentes à atuação do Estado: juiz imparcial; promotor natural e imparcial; obrigatoriedade da ação penal pública e indisponibilidade da ação penal; oficialidade; intranscendência; vedação da dupla punição e do duplo processo pelo mesmo fato.
Processuais:1) Concernentes à relação processual: busca da verdade real; oralidade,
concentração, imediatidade e identidade física do juiz; indivisibilidade da ação penal privada; comunhão da prova.
2) Concernentes à atuação do Estado: impulso oficial; persuasão racional.
De acordo com o exposto, depreende-se que os atos processuais são
públicos e a ação penal provocada pelas partes deve ser proposta pelo Ministério
Público. Mas, iniciada uma ação penal, compete ao juiz do crime manter a ordem
dos atos e o seguimento do processo.
Promulgada a Constituição de 1988, restava, de um lado, um Código de
Processo Penal obsoleto, fundado num autoritarismo fascista, com inúmeras
influências inquisitivas e, de outro, um moderno texto constitucional que instituiu um
amplo sistema de garantias individuais, a começar pelo art. 5º, LVII, no qual
“ninguém será considerado culpado ate o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória (SANTOS, 2009).
As partes envolvidas em processo judicial ou administrativo e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes, não sendo aceita qualquer prova obtida através de
transgressões a normas de direito material. Assim, seguindo os princípios jurídicos,
a função punitiva do Estado só será aplicada frente àquele que, realmente, tenha
cometido uma infração. Assim, os sistemas processuais serão analisados a seguir.
2.3 Sistemas Processuais
22
Segundo as formas com que se apresentam e os princípios que os
informam, são três os sistemas processuais utilizados na evolução histórica do
direito: o inquisitivo, o acusatório e o misto.
O sistema inquisitivo é caracterizado pela ausência de contraditório e
ampla defesa, sigilo no procedimento, ausência ou limitação de recursos,
inviabilidade de recusa do órgão investigador/julgador, confusão no mesmo órgão
das funções acusatória e julgadora e predomínio da linguagem escrita NUCCI,
2005).
O sistema inquisitivo tem suas raízes no Direito Romano, declinando com
a Revolução Francesa. O processo é normalmente escrito e secreto, se
desenvolvendo em fases por impulso oficial, sendo a confissão um elemento
suficiente para a condenação, permitindo-se, inclusive, a tortura, complementa
Mirabete (2008).
Conforme Feitoza (2009), o sistema inquisitivo correspondia à concepção
de um poder central absoluto, com a centralização de todos os aspectos do poder
soberano (legislação, administração e jurisdição) em uma única pessoa.
No sistema acusatório ensina Nucci (2005, p. 99) que há liberdade de
acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão, predomina a
liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo, vigora a publicidade
do procedimento, o contraditório está presente, existe a possibilidade de recusa do
julgador, há livre sistema de produção de provas, predomina maior participação
popular na justiça penal e a liberdade do réu é a regra.
O sistema acusatório segundo Mirabete (2008) tem suas raízes na Grécia
e em Roma instalado com fundamento na acusação oficial. Floresceu na Inglaterra e
23
na França após a revolução, sendo hoje adotado na maioria dos países americanos
e em muitos da Europa.
Ensina Feitoza (2009, p. 60), que o sistema acusatório tem as seguintes
características:
a) Quanto a quem exerce a jurisdição: tribunais populares, podendo ser assembléias do ovo, colégios judiciais constituídos por grande número de cidadãos ou tribunais de jurados. O tribunal atua, basicamente, como um ‘arbitro’ entre duas artes que se enfrentam: acusador e acusado;
b) Quanto a quem inicia o processo: o processo somente tem início se o acusado o requerer e, além disso, a decisão do tribunal está limitada ao caso e às circunstâncias apresentadas pelo acusador. A acusação poderia ser privada (o próprio ofendido como acusador) ou, em certas hipóteses, popular (qualquer cidadão ou pessoa do povo como acusador, o que ainda ocorre, na atualidade, no direito inglês e no direito espanhol). O acusador não era um órgão estatal;
c) Quanto a separação das figuras do acusador, do juiz e do defensor: vimos que as funções de acusar, julgar e defender eram atribuídas a pessoas diferentes;
d) Quanto ao acusado ser sujeito de direitos: o acusado é sujeito de direitos, em posição de igualdade com o acusador;
e) Quanto ao procedimento: o procedimento consiste, basicamente, num debate (às vezes num combate) publico, oral, contínuo e contraditório. O órgão jurisdicional decide de acordo com o que foi alegado e provado pelas partes;
f) Quanto a valoração das provas: prevalece o sistema da íntima convicção, no qual o órgão jurisdicional não exterioriza os fundamentos de sua decisão;
g) Quanto aos recursos: como os tribunais populares exerciam diretamente a soberania (assembléias populares) ou or intermédio de representantes do povo soberano (jurado), a sentença, em geral, fazia coisa julgada e não havia recursos. A reforma da sentença condenatória podia ocorre3r, às vezes, como graça ou perdão.
No direito moderno implica o estabelecimento de uma verdadeira relação
processual de igualdade do autor e o réu. No Brasil, a Constituição Federal (art. 5º,
LV) assegura o sistema acusatório no processo penal.
O sistema misto é constituído de uma instrução inquisitiva, num primeiro
estágio do sistema misto há procedimento secreto, escrito e sem contraditório,
enquanto, no segundo, presentes se fazem a oralidade, a publicidade, o
contraditório, a concentração dos atos processuais, a intervenção de juízes
populares e a livre apreciação das provas (NUCCI, 2005).
24
O sistema misto, surgido após a Revolução Francesa, uniu as virtudes do
sistema inquisitivo e do sistema acusatório sendo constituído de uma instrução
inquisitiva (de investigação preliminar e instrução preparatória) e de um posterior
juízo contraditório (de julgamento). No direito contemporâneo este sistema combina
elementos acusatórios e inquisitivos em maior ou menor medida segundo o
ordenamento processual local. Embora se assegure ao ofendido o direito à ação
privada subsidiária, a autoridade julgadora é o juiz constitucional ou juiz natural, que
poderá também, restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5º, LX, e 93, IX) (MIRABETE, 2008).
Afirma Nucci (2005, p. 100), que muitos processualistas baseados
exclusivamente nos princípios constitucionais vigentes sustentam que o nosso
sistema é acusatório, mas, “o sistema adotado no Brasil, embora não oficialmente, é
o misto”.
Por sua vez, Feitoza (2009, p. 65) afirma que “a Constituição Federal de
1988 fundou um novo ‘ordenamento jurídico’, claramente estabelecendo um sistema
acusatório”. Para o referido autor , “a contradição hoje é entre o princípio acusatório
de natureza constitucional e o princípio inquisitivo de natureza cultural”. Assim, a
solução está na tomada de consciência da realidade forense e na decisão
fundamental de se realizarem normas constitucionais. Dessa forma, o juiz brasileiro
deve ter a coragem, a força moral e o senso crítico necessários para assumir sua
‘missão’, implementando a Constituição com observância do princípio da supremacia
constitucional, que lhe impõe e possibilita o reconhecimento da inconstitucionalidade
das normas infraconstitucionais que sejam incompatíveis com o princípio acusatório
constitucional.
25
É que segundo o Direito Constitucional, não haverá prisão civil por dívida,
salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia e a do depositário infiel, a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela
autoridade judiciária, não haverá juízo ou tribunal de exceção e o Estado indenizará
o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado
na sentença. Também ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal, considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória, preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, levado à prisão ou nela
mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança, nem
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Logo, é possível entender que o sistema inquisitivo, por não existir
igualdade e liberdade processuais, sendo ainda a confissão considerada a rainha
das provas é o mais prejudicial ao réu. Por sua vez, no sistema acusatório existe
igualdade de direitos e obrigações entre as partes, favorecendo o Estado
Democrático de Direito. Já no sistema misto ou acusatório formal inicialmente faz-se
investigação preliminar, seguida da instrução preparatória e do julgamento, sendo as
funções de acusar, defender e julgar entregues a pessoas distintas.
26
3 PRISÃO
3.1 Conceito e Origem
A prisão é a privação da liberdade de locomoção devido a por motivo
ilícito, ou também por ordem legal, visto que como regra geral, uma pessoa só pode
ser capturada através de uma ordem emitida por uma autoridade judiciária
competente.
Conceituando prisão, Nucci (2005, p. 518), diz que a mesma é “a privação
da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa
humana ao cárcere”.
Segundo Feitoza (2009, p. 118), prisão, no sentido estrito é a privação
da liberdade de locomoção, efetuada por agente público e, se lícita, decorrente de
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, de prisão em
flagrante ou de ordem de superior hierárquico-militar.
27
Para Lopes Jr. (2009, p. 59), “prisões cautelares são os princípios que
permitirão a coexistência de uma prisão sem sentença condenatória transitada em
julgado, com a garantia da presunção de inocência”.
Na Antigüidade a pena impunha sacrifícios e castigos desumanos ao
condenado e, via de regra, não guardava proporção entre a conduta delitiva e a
punição, prevalecendo sempre o interesse do mais forte. Com a Lei de Talião,
registrada pelo Código de Hamurabi, em 1680 a.C., consagrou-se a disciplina de
dar vida por vida, olho por olho e dente por dente. Surgiu assim a equivalência
entre a ofensa e o castigo penal, porém as penas continuavam avassaladoras,
públicas e degradantes, prevalecendo a infâmia, as agressões corporais e a pena
de morte (PIMENTA, 2000).
A origem da prisão cautelar é apontada na penitência do direito
eclesiástico no final do século XVI, tendo um caráter provisório e instrumental, a fim
de assegurar a tramitação do processo e posterior aplicação das sanções definitivas,
geralmente desumanas, como o açoite, o arrastamento e a morte, dentre outras. O
direito romano fez uso do arresto pessoal para garantir a presença do réu no
processo (MACHADO, 1993).
Durante todo o período da Idade Média, com o processo inquisitório, a
custódia do acusado era necessária para viabilizar a tortura como meio de prova. A
idéia de privação de liberdade como pena não existia. A privação da liberdade
continua a ter uma finalidade custodial, aplicável àquelas que seriam submetidos
aos mais terríveis tormentos exigidos por um povo ávido de distrações bárbaras e
sangrentas. As sanções criminais na Idade Média estavam submetidas ao arbítrio
dos governantes, que as impunham em função do status social a que pertencia o
réu (MACHADO, 1993).
28
Os ideais revolucionários contra a crueldade e os absurdos do direito
penal somente foram contrariados com o movimento Humanitário dando base ao
direito penal moderno e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na
Revolução Francesa (PIMENTA, 2000).
Conforme Pimenta (2000), diversas teorias interpretaram as finalidades
e objetivos da aplicação da pena. A primeira dessas teorias é a denominada
absoluta ou relativa, fundamentada no princípio de que o criminoso deve ser
punido meramente por ter infringido a lei penal, sem que se leve em consideração,
a utilidade desta pena para o delinqüente ou para a sociedade.
A segunda teoria que merece ser prestigiada é a da prevenção ou
relativa, onde a punição deve ter caráter de prevenção geral, coagindo
psicologicamente a sociedade através da intimidação e impondo respeito ao
Direito. Por outro lado, visa atender a prevenção específica, ressocializando e
reabilitando as pessoas que chegaram a delinqüir (PIMENTA, 2000.).
Por fim, a teoria eclética ou mista, considerando que a pena deve ser
justa e proporcional, sendo importante para conter a periculosidade do infrator e
defender a sociedade, pode de forma simultânea, reabilitar qualquer delinqüente
No início do século XIX, a pena de prisão foi considerada adequada para reformar
o delinqüente (PIMENTA, 2000).
O Brasil submeteu-se, inicialmente, devido à colonização, às leis oriundas
de Portugal, as chamadas Ordenações Afonsinas, vindo depois as Manuelinas (1514)
e por último, as Filipinas (1603). Nesse período a pena de prisão era tida somente
como medida cautelar e não como sanção autônoma, as sanções eram corporais e
infamantes, notadamente a pena de morte. Exemplo de punição deste período é a
29
condenação dos Mártires da Inconfidência Mineira, tendo à frente do movimento,
Joaquim José da Silva Xavier, “Tiradentes” (PIMENTA, 2000).
As Ordenações Filipinas foram revogadas com a independência do Brasil
em 1822, e alguns juristas brasileiros, inspirados pela filosofia iluminista e pela
declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789, começaram a agregar à
legislação os princípios da igualdade de todos os homens perante a lei,
personalidade da pena e utilidade pública da lei penal. A Constituição Federal de
1824 aboliu os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as penas cruéis,
admitindo a prisão provisória mediante ordem escrita do juiz. No Império, o Código
de Processo Criminal de 1832 previu também a prisão sem culpa formada para os
crimes inafiançáveis, por ordem escrita da autoridade legítima, até que o Código de
Processo Penal de 1941 veio sistematizar, com rigor dogmático, a prisão provisória
no processo penal brasileiro (MACHADO, 1993).
Conforme Oliveira (2008), o Código de Processo Penal de 1941, na
configuração de seu sistema de prisões antes do trânsito em julgado, partia de uma
premissa básica: a prisão em flagrante delito autorizava o juízo de antecipação da
responsabilidade penal com força suficiente para a manutenção da custódia do
aprisionado como decorrência única da situação de flagrante. Continuando, Oliveira
(p. 396) afirma que com a Constituição Federal de 1988, duas conseqüências
imediatas se fizeram sentir no âmago do sistema prisional, a saber:
a) A instituição de um princípio afirmativo da situação de inocência de todo aquele que estiver submetido à persecução penal;
b) A garantia de que toda prisão seja efetivamente fundamentada e por ordem escrita de autoridade judiciária competente.
Assim, a lei impõe a necessidade de fundamentação judicial para toda e
qualquer privação da liberdade, tendo em vista que só o judiciário poderá determinar
a prisão de um inocente, em bases cautelares e provisória, atendendo aos
30
interesses da jurisdição penal, devendo todas privações de liberdade serem
judicialmente justificadas.
Esclarece Nucci (2005), que constitui abuso de autoridade efetuar prisão
ilegal, deixar de relaxar, no caso do juiz, prisão ilegalmente realizada, bem como
deixar de comunicar ao magistrado a prisão efetivada, ainda que legal. Se a prisão
for efetuada indevidamente por pessoa não considerada autoridade, fica
caracterizado crime comum, entendido como constrangimento ilegal, seqüestro ou
cárcere privado. Não obstante, consta do art. 288 do Código de Processo Penal, que
“ninguém será recolhido à prisão, sem que seja exibido o mandato ao respectivo
diretor ou carcereiro, a quem será entregue cópia assinada pelo executor ou
apresentada a guia expedida pela autoridade competente, devendo-se ser passado
o recibo de entrega do preso, com declaração de dia e hora. Isso evita
encarceramento sem causa ou desaparecimento do preso.
Enquanto o Código Penal regula a prisão proveniente de condenação,
estabelecendo as suas espécies, formas de cumprimento e regimes de abrigo do
condenado, o Código de Processo Penal cuida da prisão cautelar e provisória,
destinada unicamente a vigorar, quando necessário, até o trânsito em julgado da
decisão condenatória (Nucci, 2005).
Determina a Lei 11.449/07, que toda prisão deve ser comunicada num
prazo de vinte e quatro horas ao juiz, aos familiares do preso, bem como a
Defensoria Publica, se o aprisionado não indicar um advogado.
Doutrina Mirabete (2008), o direito brasileiro faz distinção entre as
espécies de prisão podendo ser a prisão-pena (penal) e a prisão sem pena
(processual penal, civil, administrativa e disciplinar).
31
A prisão penal tem finalidade manifesta, é repressiva e ocorrendo após o
trânsito em julgado da sentença condenatória em que se impôs pena privativa de
liberdade (MIRABETE, 2008).
A prisão civil é a decretada em casos de devedor de alimentos e de
depositário infiel, únicas permitidas pela Constituição (art. 5º, LXVII (MIRABETE,
2008).
A prisão administrativa prevista pelo Código de Processo Penal (art.
319, I) e leis especiais, só pode ser decretada por autoridade judiciária (MIRABETE,
2008).
A prisão disciplinar de acordo com a Constituição (arts. 5º e 142) ocorre
para as transgressões militares e crimes propriamente militares (MIRABETE, 2008).
A prisão processual ou provisória é cautelar, em sentido amplo,
incluindo a prisão em flagrante (arts. 301 a 310), a prisão preventiva (arts. 311 a
316), a prisão resultante de pronúncia (arts. 282 e 408, § 1º), a prisão resultante de
sentença penal condenatória (art. 393, I) e a prisão temporária (Lei n. 7.960)
(MIRABETE, 2008).
Para Lopes Jr. (2009, p. 59), “prisões cautelares são os princípios que
permitirão a coexistência de uma prisão sem sentença condenatória transitada em
julgado, com a garantia da presunção de inocência”.
Feitoza (2009, p. 832) esclarece que a prisão processual ou provisória é
processual no sentido de ser instituto de direito processual penal, e não no de ser
durante o processo judicial, ou processo penal propriamente dito. Assim, esse tipo
de prisão é de natureza cautelar, não decorrente de sentença penal condenatória
transitada em julgado, sendo imposta não como sanção, mas para acautelar a
32
investigação criminal, o processo penal, a aplicabilidade da lei penal ou a segurança
publica, bem como, no caso da prisão disciplinar, a hierarquia e disciplina militares.
E, por ser este tipo de prisão o foco deste trabalho, a seguir serão
analisadas suas espécies.
3.2 Espécies de Prisão Processual ou Provisória
A prisão provisória tem caráter facultativo e natureza cautelar, sendo
decretada sempre no curso das investigações policiais. Visa garantir a presença do
réu no julgamento pelo tribunal do júri, de vez que nos casos de crime inafiançável
sua presença física é condição para sua realização, podendo ser classificada como
flagrante, preventiva, decorrente de pronúncia e temporária.
Quanto à sentença condenatória em geral e ao direito de recorrer, o
parágrafo único do art. 387 do CPP estabelece que “o juiz decidirá,
fundamentalmente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão
preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação
que vier a ser interposta”.
Entende Feitoza (2009), que a sentença penal condenatória não mais
poderá acarretar, de imediato, a prisão do réu, nem do ponto de vista do texto legal,
podendo o juiz impor ou manter outras medidas cautelares pessoais, como ocorre
nas hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher. Conforme o referido
autor (2009, p. 865), que:
Com a reforma processual penal feita pelas Leis 11.689/2008 e 11.719/2008, não é cabível se dizer prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível, nem prisão decorrente de decisão de pronuncia, mas prisão na sentença penal condenatória recorrível e prisão na decisão de pronúncia. [...] Essa necessidade cautelar da prisão é aferida pelo periculum libertatis, isto é, o perigo concreto que a liberdade do suspeito,
33
indiciado ou acusado acarreta para a investigação criminal, o processo penal, a efetividade do direito penal ou a segurança pública.
Esclarece ainda Feitoza, que não há mais a prisão decorrente de
sentença penal condenatória recorrível, mas prisão preventiva decretada na
sentença penal condenatória recorrível.
Já a prisão decorrente de pronuncia tem natureza cautelar e caracteriza-
se pela facultatividade e pela provisionalidade, visando garantir a presença do
acusado no Tribunal de Júri. Se o réu estiver preso, em flagrante ou
preventivamente, a decretação da prisão deve expressar seus próprios fundamentos
(MACHADO, 1993).
Como ensina Lopes Jr. (2009), no rito dos crimes de competência do
Tribunal do Júri, estabelece o Código de Processo Penal um sistema bifásico, onde
a decisão de pronúncia, disciplinada pelo art. 413 do CPP, assume grande
relevância. É nesse momento em que o juiz, finda a instrução realizada na primeira
fase, decide se pronuncia, impronuncia, desclassifica ou absolve sumariamente o
réu, se não forem preenchidos os requisitos da prisão preventiva.
Nucci (2005), também concorda ser excepcional a decretação da prisão
em caso de pronúncia, sendo farta a jurisprudência no sentido de se manter o
preceituado pelo Código de Processo Penal, isto é, a regra é determinar a prisão do
acusado pela pronúncia, para que o mesmo aguarde detido o julgamento, salvo se
for primário e possuir bons antecedentes. Por isso, o juiz, com prudência, deve
decidir a respeito da prisão, mantendo o réu no presídio em que se encontra, ou
determinando a sua captura, caso a prisão seja decretada e ele esteja solto.
O reincidente ou possuidor de maus antecedentes, ou ainda o ausente,
não deve ter autorização para aguardar o julgamento em liberdade, se for acusado
de pratica de crime grave, a exemplo de homicídio qualificado. Logo, segundo Nucci,
34
só o acusado primário e de bons antecedentes, tem o direito de aguardar o
julgamento elo júri em liberdade, desde que não estejam presentes outras razões
para a declaração de sua custódia cautelar.
Complementando, Feitoza (2009) afirma que nos termos legais, qualquer
medida cautelar que esteja aplicada ou que vá ser aplicada ao acusado deve ser
justificada cautelarmente na pronúncia, mas no texto legal não há mais a prisão
decorrente da decisão de pronúncia. A rigor, as prisões decretadas na sentença
penal condenatória recorrível e na decisão de pronuncia são prisões preventivas, o
que fica confirmado no parágrafo único do art. 387 do CPP, com a redação dada
pela Lei n. 11.719/2008.
Assim, por ocasião da pronúncia, caso o réu seja reincidente ou tenha
maus antecedentes, o juiz deverá decretar a prisão, se o crime for inafiançável, e se
for afiançável deverá decretá-la, arbitrando, de imediato, o valor da fiança.
3.2.1 Prisão temporária
De acordo com Feitoza (2009), a prisão para averiguação, efetuada por
autoridade policial civil ou seus agentes, bem antes da Constituição de 1988 já não
era admitida elo ordenamento jurídico, por ser considerada inconstitucional, sendo
sua pratica considerada crime de abuso de autoridade na Lei n. 4.898/65. A prisão
temporária foi instituída pela Lei n. 7.960/89, com a finalidade de garantir a
investigação criminal feita por meio do inquérito policial, na hipótese de ser
imprescindível para a investigação criminal, quanto a alguns crimes graves,
conforme está determinado no artigo 1º da referida Lei:
Art. 1º hipóteses de cabimento
35
I - quando for imprescindível para as investigações durante o IP, ou seja, quando houver indícios de que, sem a prisão, as diligências serão malsucedidas.II - quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;III - quando houver indícios de autoria de um dos seguintes crimes: homicídio doloso, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão ou extorsão mediante seqüestro, estupro ou atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia ou envenenamento de água ou alimento, quadrilha, genocídio, tráfico de entorpecentes ou crime contra o sistema financeiro.
Leciona Feitoza (2009, p. 878), que há divergência na doutrina e na
jurisprudência quanto aos requisitos ou pressupostos para a decretação da prisão
temporária. Entendendo que o direito constitucional à liberdade não se coaduna com
as interpretações literais da Lei n. 7.960/89, assim interpreta cada inciso
isoladamente:
A aplicação isolada do inciso I nos levaria à prisão temporária de testemunhas, vítimas, etc., pessoas que nem foram acusadas da pratica de infração penal. A aplicação isolada do inciso II nos levaria à prisão temporária de alguém que não tivesse casa, por ser miserável e tão-somente por ser pobre.[...] A aplicação isolada do inciso III levaria à prisão temporária pelo fato em si de lhe te3r sido imputado um crime, sem necessidade cautelar para as investigações criminais e independentemente de prisão em flagrante.
Lopes Jr. (2009), também afirma que a prisão temporária serve para
satisfazer o interesse da polícia, como importante instrumento na cultura inquisitiva,
onde a confissão é buscada.
A prisão temporária é decretada pelo juiz em face de representação da
autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público (art. 2º, § 2º). Esse tipo
de custódia provisória, ao contrário do que ocorre com os requisitos da prisão
preventiva, não requer a certeza da existência material do crime, sendo decretada
sempre no curso das investigações policiais. Assim, não poderá o juiz decretá-la de
ofício, já que a lei a condicionou à provocação pela autoridade policial ou pelo
Ministério Público (MACHADO, 1993).
36
Por sua vez, Câmara (1997, p. 159), demonstrando não concordar com a
prisão temporária, diz que não é imposto qualquer limite à decretação da mesma.
“Ela é arbitrária e a certeza da materialidade do delito e os suficientes indícios de
autoria - autoriza-se a prisão de chofre”. Dessa forma, qualquer um pode ser preso,
com autorização legal e judicial a qualquer momento, sem que para isso haja
qualquer indício de que tenha participado de crime. Basta que o delegado de polícia
invoque a imprescinbilidade da cautela para a investigação criminal.
Continuando, Câmara (1997, p. 161) analisa que se as finalidades da
prisão temporária também estão com vantagens incluídas nas da prisão preventiva,
“sua decretação, decretada através de decisão fundamentada da autoridade judicial,
em nenhum de seus autorizativos, importa em reconhecimento antecipado da culpa
do acusado”.
O prazo da prisão temporária é de cinco dias, prorrogável por igual
período, em caso de extrema e comprovada necessidade, mas o art. 2º, § 3º, da Lei
n. 8.072/90, esse prazo é diferente no caso de crimes hediondos, como homicídio,
latrocínio, extorsão qualificada pela morte e seqüestro, estupro e genocídio, tentado
ou consumado, quando o acusado poderá ficar por até 60 dias (FEITOZA, 2009).
Diante do exposto, observa-se que prevalece o entendimento de que a
prisão temporária só é cabível nos crimes mencionados no art. 1º da Lei 7.960/89,
não podendo ser decretada de ofício pelo juiz como ocorre na preventiva.
Dessa forma, a prisão temporária pode ser entendida como uma medida
subcautelar. É uma medida restritiva da liberdade de locomoção, decretada por
tempo determinado, destinada a possibilitar as investigações de crimes
considerados graves, durante o Inquérito Policial, que para continuar deve ser
substituída pela prisão preventiva.
37
3.2.2 Prisão em flagrante
A prisão em flagrante é a prisão cautelar autorizada no art. 5º, LXI da
CF, sem a expedição de mandato de prisão pela autoridade judiciária, ocorrendo no
momento em que o delito é cometido (MIRABETE, 2008).
Determina o art. 317 que “a apresentação espontânea do acusado à
autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos em que a lei a
autoriza”. No entanto, de acordo com o art. 318, se o acusado se apresenta de
forma espontânea, poderá o juiz conceder-lhe liberdade provisória.
Art. 318. Em relação àquele que se tiver apresentado espontaneamente à prisão, confessando crime de autoria ignorada ou imputada a outrem, não terá efeito suspensivo a apelação interposta da sentença absolutória, ainda nos casos em que este Código Ihe atribuir tal efeito.
Como diz Machado (1993), a prisão em flagrante tem caráter cautelar
porque busca preservar alguns interesses tanto do Estado, relacionados ao jus
puniendi, quanto do indivíduo, especialmente a vitima ou ofendido. De um lado
impede a ação criminosa que está ainda em curso e com isso acautela o direito do
sujeito passivo, atingido pela conduta do agente. De outro, restringe a liberdade do
autor do delito, possibilitando a realização da prova e a preservação do corpus
delicti, com o fim de assegurar a aplicação da lei penal.
Nas palavras de Nucci (2005, p. 531), a prisão em flagrante inicialmente
tem caráter administrativo, mas torna-se jurisdicional, tanto que,
[...] havendo a prisão em flagrante, sem a formalização do auto pela polícia, que recebe o preso em suas dependências, cabe a impetração de habeas corpus contra a autoridade policial, perante o juiz de direito. Entretanto, se o magistrado a confirmar, sendo ela ilegal, torna-se co-autora a autoridade judiciária e o habeas corpus deve ser impetrado no tribunal.
38
Ainda de acordo com Nucci (2005, p. 532), existem os seguintes tipos de
flagrante: o facultativo; o obrigatório; o próprio ou perfeito; o impróprio ou imperfeito;
o presumido; o preparado ou provocado; o forjado; o esperado; o diferido ou
retardado; e o flagrante nos crimes permanentes e habituais.
O flagrante facultativo ocorre quando qualquer cidadão prender o
praticante do delito, conforme art. 301 do Código de Processo Penal. Quando a
prisão for efetuada por autoridades policiais e seus agentes, tem-se o flagrante
obrigatório.
Entretanto, existem exceções à realização da prisão em flagrante, como
no caso dos diplomatas que têm imunidade, de parlamentares federais, magistrados
e membros do Ministério Público que só podem ser presos em flagrante de crime
inafiançável e, em se tratando do Presidente da República, conforme o art. 8º, § 3º
da Constituição Federal “enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas
infrações comuns, o Presidente não estará sujeito a prisão” (NUCCI, 2005).
O flagrante próprio (art. 302 do CPP) ocorre quando o agente está em
pleno desenvolvimento dos atos executórios da infração penal. Pode ainda ocorrer
quando o agente terminou de concluir a prática da infração penal, ficando evidente a
materialidade do crime e da autoria (NUCCI, 2005).
O flagrante impróprio ocorre quando o agente concluiu a infração penal,
mas é preso após ser perseguido pela polícia, pela vítima ou qualquer outra pessoa.
A perseguição deverá ter início logo após o delito, ainda que demore horas ou dias
(NUCCI, 2005).
O flagrante presumido é uma modalidade do flagrante impróprio,
ocorrendo não através da perseguição, mas sim quando o agente e encontrado,
39
ainda que algumas horas depois, portando armas, objetos ou papéis que
demonstrem, por presunção, ser ele o autor da infração penal (NUCCI, 2005).
Nesse tipo de prisão Oliveira (2008, p. 405), chama a atenção de que
“todo o cuidado é pouco, porque o que se tem por presente não é a visibilidade do
fato, mas apenas da fuga, o que dificulta, e muito, as coisas, diante das inúmeras
razões que podem justificar o afastamento suspeitoso de quem se achar em posição
de ser identificado como autor do fato”.
O flagrante preparado ou provocado ocorre quando um agente induz ou
instiga alguém a cometer uma infração penal para poder prendê-lo. Assim, a polícia
não dá voz de prisão por conta do eventual delito preparado e sim pelo outro,
descoberto em razão deste, como no caso do policial se passar por viciado, prende
o traficante no ato da venda, porque o mesmo portava ou tinha em depósito
substância entorpecente (NUCCI, 2005).
O flagrante forjado é artificial, por ser integralmente composto or terceiros.
É fato atípico, tendo em vista que a pessoa presa jamais pensou ou agiu para
compor qualquer trecho da infração penal (NUCCI, 2005).
O flagrante esperado é uma hipótese viável para autorizar a prisão em
flagrante e a constituição válida do crime. Não há agente provocador, mas chegando
a policia notícia de que um crime será em breve cometido, os agentes vão para o
local aguardar a sua consumação. Com isso também podem evitar o crime (NUCCI,
2005).
Segundo Oliveira (2008, p. 406), a rejeição ao flagrante dito preparado
ocorre geralmente por dupla fundamentação, a saber:
A primeira, porque haveria, na hipótese, a intervenção decisiva de um terceiro a preparar ou a provocar a prática da ação criminosa e, assim, do próprio flagrante; a segunda, porque dessa preparação, por parte das autoridades e agentes policiais, resultaria uma situação de impossibilidade
40
de consumação da infração de tal maneira que a hipótese se aproximaria do conhecido crime impossível.
Continuando, Oliveira (2008, p. 407) chama a atenção de que semelhante
entendimento veio com a Súmula 145 da Suprema Corte, que tem os seguintes
termos: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela policia torna
impossível a sua consumação”.
O flagrante diferido ou retardado é a possibilidade que a policia possui de
retardar a realização da prisão para obter maiores dados e informações a respeito
do funcionamento, dos componentes e da atuação de uma organização criminosa
(NUCCI, 2005).
Nos crimes permanentes que se consumam com uma única ação, mas o
resultado tem a potencialidade de se arrastar por longo período, há precisão para
determinar ou justificar o momento do flagrante, tornando viável a prisão. Já nos
crimes habituais, cuja consumação se dá através da pratica de várias condutas,
inexiste precisão para justificar o flagrante e a prisão, até porque a reiteração de
atos e justamente a construtora da sua tipicidade, não se tratando de prolongamento
da consumação (NUCCI, 2005).
Para a lavratura do auto de prisão em flagrante, conforme o art. 304 do
CPP, apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e as
testemunhas que o acompanharem, bem como interrogara o indiciado a respeito da
imputação, lavrando-se auto por todos assinado. Deve-se ter em mente que a ordem
de inquirição de ser: o condutor, em primeiro lugar; as testemunhas em seguida; e
por último, o indiciado. A inversão dessa ordem deve acarretar o relaxamento da
prisão, apurando-se a responsabilidade da autoridade (NUCCI, 2005).
Reportando-se aos procedimentos na prisão em flagrante, Lopes Jr.
(2009, p. 87), assim se pronuncia:
41
Após a prisão, o preso devera ser apresentado a autoridade policial, que
obedecendo ao art. 304 do CPP, deverá ouvir quem realizou a prisão e conduziu o
detido. Em seguida, ouvirá as testemunhas dos fatos ou da prisão em si, os quais
assinarão suas declarações. O interrogatório do preso será reduzido a termo e
assinado pelo imputado, seu advogado e pela autoridade policial. Caso o preso se
recuse a assinar ou estiver impossibilitado de fazê-lo, o auto de prisão em flagrante
será assinado por duas testemunhas de leitura. Ao final será dado ao preso a nota
de culpa, com o motivo da prisão, o nome do condutor e das testemunhas,
assinando ele o recibo respectivo.
Dessa forma, a prisão é uma espécie de subcautelar, se justificando, em
princípio, a título instrumental, e só se prolonga se presentes os pressupostos da
prisão preventiva. O flagrante pode ser próprio, quando o agente está cometendo a
infração ou acabou de cometê-la estando ainda no local, pode ser flagrante
impróprio se o agente é perseguido e preso logo após praticar a infração, e pode ser
ainda flagrante presumido, se o agente é encontrado logo depois de cometer o
crime, tendo em posse armas, objetos ou papéis que induzam ser ele o autor da
infração penal.
3.2.3 Prisão preventiva
É uma medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu, por
razões de necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos em lei. Pode ter
duração equivalente à do próprio processo e somente cessando com o
encarceramento do preso, com o início da execução propriamente dita. É o que
determina o art. 311:
42
Art. 311. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Publico, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial.
Leciona Lopes Jr. (2009), que a prisão preventiva somente poderá ser
decretada nos crimes dolosos. Não existe possibilidade de prisão preventiva em
crime culposo, ainda que se argumente em torno da existência de quaisquer um dos
requisitos do art. 312. Isso porque, para além do princípio da proporcionalidade, o
art. 313 é categórico ao dispor que “em qualquer das circunstâncias previstas no
artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos”.
Continuando, Lopes Jr. (2009, p. 117) comenta que o ‘clamor publico’, tão
usado para fundamentar a prisão preventiva, acaba se confundindo com a opinião
publica diante dos fatos, e cita Sanguiné (2003), quando este afirma:
Quando se argumenta com razões de exemplaridade, de eficácia da prisão preventiva na luta contra a delinqüência e para restabelecer o sentimento de confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico, aplacar o clamor criado pelo delito etc. que evidentemente nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que oficialmente se atribuem à instituição, na realidade, se introduzem elementos estranhos à natureza cautelar e processual que oficialmente se atribuem à instituição, questionáveis tanto desde o ponto de vista jurídico-constitucional como da perspectiva político-criminal. Isso revela que a prisão preventiva cumpre funções reais de pena antecipada incompatíveis com sua natureza.
Para a decretação de uma prisão preventiva, diante do altíssimo custo
que significa, é necessário um juízo de probabilidade, um predomínio das razões
positivas. Se a possibilidade basta para a imputação, não pode bastar para a prisão
preventiva, pois o pelo do processo agrava-se notavelmente sobre as costas do
imputado. Dessa forma, deverá o juiz analisar todos os elementos que integram o
tipo penal, ou seja, conduta humana voluntária e dirigida a um fim, presença de dolo
ou culpa, resultado, nexo causal e tipicidade. Para tanto, é necessário que o pedido
venha acompanhado de um mínimo de provas suficientes para demonstrar a autoria
43
e a materialidade do delito e que a decisão judicial seja fundamentada. É que a
prisão preventiva possui como requisito a probabilidade da ocorrência de um delito e
uma situação de perigo ao normal desenvolvimento do processo, representada pelo
periculum libertatis.
Pode-se então inferir, que a decretação da prisão preventiva será feita por
dois modos: de ofício ou a requerimento das partes. De qualquer forma, pode ser
imposta no decorrer do processo e ate mesmo após a sentença condenatória
recorrível caso haja necessidade.
Não obstante, conforme dispõe o art. 315, “O despacho que decretar ou
denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado”. Nesse sentido, entende
Câmara (1997), ser necessário ter em conta que a prisão preventiva somente se
justifica quando existam elementos circunstanciais robustos a demonstrar prima
facie a provável responsabilidade do acusado na prática de ilícito penal, a ponto de
verificar-se sobreposição do conjunto probatório à presunção de inocência.
Continuando, Câmara (p. 110) ensina que as funções que caracterizam a prisão
preventiva são historicamente demarcadas da seguinte forma:
a) função de garantia para a execução da pena;b) função aflitiva com caráter de execução antecipada da pena ou com
caráter de exemplaridade;c) função de coerção processual direta, com o fito de assegurar a
presença pessoal do acusado no processo; d) função de prevenção imediata no concernente ao cometimento de
delitos pelo acusado ou mesmo contra o acusado.
A prisão preventiva ainda possui, de acordo com art. 312 do CPP,
pressupostos probatórios e pressupostos cautelares:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
44
Assim, provada a existência do crime e havendo indícios suficientes da
autoria, a prisão preventiva poderá ser decretada conforme o referido artigo.
Na opinião de Mirabete (2008), em primeiro lugar a lei refere-se às
providências de segurança necessárias para evitar que o delinqüente pratique novos
crimes contra a vítima, seus familiares ou qualquer outra pessoa. Em segundo lugar,
permite-se a prisão preventiva para garantir a ordem econômica, e em terceiro lugar,
a garantia da execução da pena como fundamento para a decretação da custódia,
garantindo que o mesmo dificulte o andamento do processo, quer seja fazendo
desaparecer provas do crime, apagando vestígios, subornando ou ameaçando
testemunhas, ou até fugir, para não sofrer os efeitos penais da eventual
condenação.
A prova de materialidade da infração é um pressuposto probatório, pois
só é autorizada a custódia cautelar em caso de prova forte e insofismável da
existência de ilícito penal (CÂMARA, 1997).
O pressuposto probatório de indícios de autoria exigido é a existência de
indícios suficientes de autoria. Provada a materialidade do delito, não satisfazem à
lei meras suspeitas de que este ou aquele indivíduo tenha sido o autor do delito.
Devem todos os elementos colhidos do processo investigatório convergir para a
demonstração de que a provável autoria do ilícito pode, sem dúvidas, ser atribuída
ao acusado (CÂMARA), 1997.
A garantia da ordem pública é um pressuposto cautelar e segundo
Câmara (1997) tem recebido críticas pela completa carência de sentido. Se em
todos os casos busca-se garantir a ordem pública, e estando esse pressuposto
formulado genericamente no art. 312 e perigoso para a liberdade dos indivíduos
porque deixa ao juiz uma margem exagerada de apreciação. Dessa forma, há
45
necessidade de maior objetividade na formulação desse pressuposto, como
“decreta-se a cautela para assegurar a ordem pública, em regra, visando garantir a
sociedade contra o prosseguimento da atividade delituosa do agente” (p.18).
O pressuposto cautelar da conveniência da instrução criminal autoriza a
prisão preventiva para assegurar a instrução criminal quando se busca evitar
manobras de que possa o indiciado ou acusado lançar mão para atrapalhar a
produção regular da prova. Deve-se mostrar nitidamente a importância da prisão ao
adequado desenvolvimento da instrução criminal (CÂMARA, 1997).
O pressuposto cautelar referente à segurança da aplicação da lei penal
autoriza a prisão como cautela final. A Justiça deixa acessível, no distrito da culpa, o
indiciado responsável pela prática de um delito, com o objetivo de que, proferida ao
final decisão condenatória, não venha ela a ser executada pela ausência do
condenado (CÂMARA, 1997).
Não obstante, a prisão preventiva, de acordo com o artigo 316 do CPP
pode ser revogada a qualquer tempo, desde que desaparecidos os motivos que
ensejaram a sua decretação:
Art. 316 – O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no decorrer do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Assim, pode-se inferir que a prisão provisória, criticada por alguns, está
baseada na Justiça Penal, que obriga o indivíduo, enquanto membro da
comunidade, a se submeter a perdas e sacrifícios em decorrência da necessidade
de medidas que possibilitem ao Estado prover o bem comum, sua última e principal
finalidade.
Partindo dos pressupostos de que há indícios de autoria e prova da
materialidade do crime, é permitida apenas nos crimes dolosos apenados com
46
reclusão, com exceção da detenção de acusado que não forneça dados para uma
correta identificação ou que tenha condenação por outro crime doloso
E, como leciona Mirabete (2008), não desaparecendo todos os motivos
para a prisão preventiva, o único recurso cabível para sua impugnação é o
instrumento do habeas corpus, entendido como uma garantia individual destinado a
tutelar a liberdade física do indivíduo, a liberdade de ir, ficar e vir, tendo por
finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a coação à liberdade de locomoção
decorrente de ilegalidade ou abuso de poder. Deste modo, a prisão só poderá ser
decretada após o transito em julgado da condenação, ou, antes disso, se estiverem
presentes os requisitos de uma prisão cautelar. Os tribunais superiores já vinham
adotando este entendimento em relação à apelação. Ou seja, o direito de apelar já
não era mais condicionado ao recolhimento do réu à prisão. É esse o entendimento
que se extrai da súmula 347 do STJ:
Sumula 347 STJ: "O conhecimento de recurso de apelação do réu
independe de sua prisão."
Ressalte-se que a lei 11.719 de 2008 revogou o artigo 594 do Código de
Processo Penal, o qual determinava a obrigatoriedade da prisão para que o réu
pudesse apelar da sentença condenatória.
No entanto, quando se tratava de recursos extraordinários (RE ou REsp),
entendia-se ser possível a execução provisória da sentença condenatória enquanto
pendentes de julgamento, uma vez que tais recursos possuem apenas efeito
devolutivo.
Segundo a Súmula 267 STJ: "A interposição de recurso, sem efeito
suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de
47
prisão." Tal posicionamento não tem mais espaço na atual ordem constitucional,
conforme recentes decisões do STF.
"HC 91232. Ementa: Habeas Corpus. Inconstitucionalidade da chamada
execução antecipada da pena". Art. 5º, LVII, da Constituição do Brasil. 1. O art. 637
do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma
vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira
instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a
execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença
condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII,
que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória". 2. Daí a conclusão de que os preceitos veiculados pela Lei n.
7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se,
temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. Disso resulta que a
prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a
título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba
todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por
isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa,
também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a
pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão.
5. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da
Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos
magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional,
dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e
extraordinários, e subseqüentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais
será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência
48
defensiva", que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias
constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF
não pode ser lograda a esse preço. 6. Nas democracias mesmo os criminosos são
sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos
processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação
constitucional da sua dignidade. É inadmissível a sua exclusão social, sem que
sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada
infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em
julgado a condenação de cada qual Ordem concedida."
"HC 87108 / PR. EXECUÇÃO - PENDÊNCIA DE RECURSOS. Enquanto
pendente a apreciação de recurso, mesmo com eficácia simplesmente devolutiva,
descabe a execução da pena. Prevalece o princípio constitucional da não-
culpabilidade”. Assim, no julgamento do HC 84078, o STF concedeu a ordem para
que o réu aguarde em liberdade o transito em julgado da sentença condenatória.
Nesse sentido cabe um olhar sobre a banalização da prisão preventiva.
3.3 Banalização da prisão preventiva
Decretar a prisão e conceder a liberdade a alguém são atos de extrema
responsabilidade que devem ser muito bem aferidos caso a caso. Isso significa que
só após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória é que o réu pode ser
considerado definitivamente culpado. Afinal, como diz Guimarães (2008), a
liberdade é a regra, sua privação é exceção.
Entretanto, em virtude da divulgação equivocada por autoridades
competentes e de forma irresponsável reforçado pela mídia, a opinião pública é
prejudicada, confundindo a natureza de cada modalidade de prisão, criando uma
49
presunção de culpabilidade, o que se tem visto é o uso da prisão preventiva para
satisfazer o clamor público ou ainda sob o argumento de que a medida busca
assegurar a credibilidade da Justiça, especialmente quando se trata de casos de
maior notoriedade. Observa-se que o decreto preventivo tornou-se medida
banalizada pela prática policial e forense, sendo solicitada e, em muitos dos casos,
decretada, sem que se demonstre qualquer necessidade de tal medida nos termos
definidos no dispositivo legal, o artigo 312 do Código de Processo Penal.
Assim, continua Guimarães (2008), o decreto preventivo, efetivamente,
tem outra função diversa daquela declarada. E cumpre com maestria sua real
função: a de prevenir classe dominante da sociedade de sobressaltos sociais. A
função de garantir o poder e a manutenção do sistema. A função de penalizar o
pobre por sua simples condição de pobreza. E, principalmente, a função de fazer a
seleção necessária a se evitar punir em caráter mais duradouro o membro do grupo
dominante que se desviou para o comportamento de outra classe social, ao mesmo
tempo em que garante que o socialmente e economicamente punível será
devidamente atingido pelo Direito Penal.
Para Botega (2009), existe, nas prisões provisórias, uma base
principiológica a permitir a coexistência entre prisão anterior ao trânsito em julgado
da sentença condenatória e a presunção de inocência, de onde se pode extrair
vetores como a jurisdicionalidade, a homogeneidade, a cautelaridade, a
provisoriedade, a provisionalidade etc. Desse modo, o fato do número de presos
provisioriamente superar o de presos definitivos revela uma disfunção no sistema
penal brasileiro, e que a prisão provisória abandonou por completo sua função de
instrumento a serviço do processo penal, para transformar-se em medida de pura
50
contenção física. As garantias do acusado e sua preservação, representa um
estorvo, um atrapalho ao gozo persecutório desenfreado.
Ademais, a prisão preventiva exige elementos adicionais que justifiquem a
necessidade de se resguardar preventivamente a sociedade, na população prisional
por decreto preventivo tem o mesmo perfil da população carcerária de condenados.
Assim, a vítima do decreto prisional preventivo é, em geral, o pobre e socialmente
marginalizado. Tem-se nesse indivíduo, ao menos na vítima de maior duração do
encarceramento, a condição de absoluta indefesa ante o ato arbitrário. Soma-se a
isso o fato de não haver qualquer relação direta entre o ato prisional e o possível
risco que o preso pode oferecer à sociedade, ou o potencial ofensivo do ato
censurado pelo decreto prisional, ante os casos analisados.
A realidade é que nem mesmo os princípios básicos, quais sejam,
materialidade comprovada do crime e indício suficiente de autoria, são levados em
conta de forma objetiva, como por exemplo, um cadáver crivado de balas, cuja
necropsia constata como causa mortis os ferimentos à bala. Tem-se aí a
materialidade do crime. Mas, se constatar-se que a causa mortis foi uma parada
cardíaca horas antes dos disparos atingirem o cadáver, ou ainda, se não foi
necropsiado o cadáver, não há que se falar em materialidade comprovada do crime
de homicídio.
Como diz Machado (1993), a estrutura que decorre das relações de
forças em interação no seio da sociedade capitalista refletirá sempre, como condição
de sobrevivência do Estado e dos direitos liberais, os objetivos propostos pela classe
economicamente mais forte, proprietária dos meios produtivos. É por isso, que num
contexto de repressão e controle da sociedade civil pelo Estado,
[...] são os indivíduos oriundos de classes menos favorecidas, muitas vezes sem a dignidade do trabalho, sem instrução suficiente, e sem consciência
51
dos próprios direitos, que freqüentam as delegacias de policia, o banco dos réus e as prisões (p.37).
Por sua vez, Vasconcelos (2008, p. 17), entende que a crescente
sensação de insegurança da população, presente no período contemporâneo, acaba
por pressionar o Estado a utilizar, de forma mais incisiva, mecanismos de controle
punitivo.
Então, o recolhimento de um suspeito à cela de uma delegacia possui grande valor simbólico para a maior parte da população, significando que: 1) o suspeito é responsável pelo delito; 2) que o suspeito está sendo punido e 3) que a comunidade passa a ser um lugar mais seguro.
O fato é que sendo a liberdade um direito fundamental à própria
existência do homem em suas relações sociais e a prisão como uma violação
desse direito, a mesma deveria ser vista com reservas, mas, o Direito Penal, em
contradição com o discurso dominante e contradição com a própria norma tem, na
prisão preventiva, o seu mecanismo de identificação do criminalmente punível, já
caracterizado pobre e exercendo, com absoluta eficiência, o seu real papel na
sociedade de classes.
52
4 CONCLUSÃO
Diante do que foi visto na pesquisa exploratória, no Brasil o processo
penal atual não mais se funda no princípio da presunção de culpabilidade, mas sim
no princípio da presunção de inocência representando um grande avanço no direito
processual, pois agora o acusado é tido como inocente até que se prove o contrário.
O juiz, como ser humano, obviamente não está isento de erros, mas deve utilizar
critérios bastante rigorosos para diminuir esse risco.
No Brasil, enquanto o Código de Processo Penal de 1941 fundou-se em
doutrina italiana, de cunho fascista considerável, a Constituição de 1988 traçou
direção exatamente oposta, com extrema e radical modificação da estrutura do
direito processual penal. Especialmente através da previsão de direitos e garantias
individuais e de princípios fortes como o da presunção da inocência. Ninguém mais,
53
segundo a ordem constitucional, poderá ser considerado culpado senão após o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Todas as garantias instituídas pela Constituição Federal de 1988 são
características do sistema processual penal acusatório ou contraditório, entendido
como é o meio que possibilita o exercício do direito de punir do Estado, funcionando
como um complexo de atos coordenados visando ao julgamento da pretensão
punitiva. É o que acontece com as prisões cautelares, que passaram a se tratar de
excepcionalidade, com cabimento apenas a partir de fundamentação concreta de
sua necessidade e sua adequação à legislação. Agora, as prisões cautelares assim
são denominadas em razão da finalidade de acautelamento de interesses de ordem
pública, os quais deverão estar devidamente fundamentados na ordem escrita que
as decretar.
A prisão preventiva está prevista no art. 311 e seguintes do Código de
Processo Penal, sendo, pela lei, cabível durante o inquérito policial ou no decorrer
do processo penal, desde que se trate de crime punido com reclusão. Caso o réu
seja reincidente em crime doloso ou ainda se tratando de violência doméstica, nos
termos da Lei 11.340/06, exigindo a prova da existência do crime e indícios
suficientes de autoria, o que, aliás, se apresentam como requisitos para o
oferecimento da denúncia.
Assim, a prisão preventiva revela a sua cautelaridade na tutela da
persecução penal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo
acusado ou por terceiros possam colocar em risco a efetividade do processo. Ou
seja, a prisão preventiva parte da hipótese de que haja risco real de fuga do acusado
e conseqüentemente risco da não aplicação da lei, caso haja decisão condenatória.
54
Mas observa-se também, que na aplicação prática do Direito Penal e na
decretação do ato prisional irá depender da figura da vítima e do acusado,
transformando-se o ato prisional num ato de condenação prévia, sem direito ao
contraditório, com a conseqüente antecipação de pena, exceto se a vítima de tal
decreto possuir meios econômicos ou sociais para reagir a este.
Não obstante, a depender das condições econômicas do acusado,
observa-se que o interrogatório continua a ser realizado, efetivamente, em ritmo
inquisitivo, exclusivamente como meio de prova, e não de defesa. Dessa forma,
pode-se concluir que existe banalização da prisão preventiva, a qual costuma ser
realizada com excesso de autoridade, geralmente com a justificativa de garantir a
ordem pública.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. (Org). A crise do processo penal e as novas formas de administração da justiça criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006.
BOTEGA, João Luiz de Carvalho. A prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem publica como expressão do direito penal do inimigo no Brasil: uma abordagem realista-marginal. Disponível em: http.///portal2.unisul.br/content/novitacontent_usar. Acesso em 18out/2009.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
CÂMARA, Luiz Antonio. Prisão e liberdade provisória: lineamentos e princípios do processo penal cautelar. Curitiba: Juruá, 1997.
CÓDIGOS Penal, Processo Penal e Constituição Federal. São Paulo: Saraiva, 2008.
FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, críticas e práxis. Niteroi, RJ: Impetus, 2009.
55
GUIMARÃES,Thiago. Prisão Preventiva e o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência, 2008. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/10352/1/prisao-preventiva-e-o-principio-constitucional-da-presuncao-de-inocencia/pagina1.html . Acesso em: 18out/2009
LOPES JR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucuional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
MACHADO, Antonio Alberto. Prisão preventiva. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 9 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.
PIMENTA, Vládia Lelia Pesce. Da pena de prisão às penas alternativas – Lei 9.714/98. (Monografia de graduação). Universidade Metodista de Piracicaba. Faculdade de Direito. Piracicaba, 2000.
SANTOS, Saulo Romero Cavalcante dos. O Código de processo penal de 1941 e o modelo constitucional. 2009. Disponível emhttp://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12416. Acesso em 7set/2009.
VASCONCELOS, Fernanda Bestetti. A prisão preventiva como mecanismo de controle e legitimação do campo jurídico. (Dissertação) Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2008.