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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN
CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO - PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
HLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JNIOR
DIREITO FUNDAMENTAL A SADE: PARMETROS E
ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZAO NO BRASIL
NATAL
2013
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HLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JNIOR
DIREITO FUNDAMENTAL A SADE: PARMETROS E
ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZAO NO BRASIL
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Direito - PPGD da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito
para a obteno do ttulo de Mestre em Direito
(rea de Concentrao: Constituio e Garantia
de Direitos).
Orientadora: Prof Doutora Maria dos Remdios
Fontes Silva
NATAL
2013
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HLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JNIOR
DIREITO FUNDAMENTAL A SADE: PARMETROS E
ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZAO NO BRASIL
Dissertao aprovada em 17/12/2013, pela banca examinadora formada por:
Presidente: ________________________________________________
Prof Doutora Maria dos Remdios Fontes Silva
(Orientadora UFRN)
Membro: ________________________________________________
Prof. Doutor Artur Cortez Bonifcio
Membro: ________________________________________________
Prof. Doutor Paulo Roberto Lyrio Pimenta
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Dedico este trabalho a minha amada me e meu
eterno pai.
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Em geral, nove dcimos da nossa felicidade
baseiam-se exclusivamente na sade. Com ela,
tudo se transforma em fonte de prazer.
Arthur Schopenhauer
http://pensador.uol.com.br/autor/arthur_schopenhauer/
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por toda proteo e por presentear a mim e a minha famlia com uma vida
saudvel.
Ao meu eterno pai e meu maior orgulho, por todo amor, educao e valores
transmitidos.
A minha me Margia, minha irm Beth e, especialmente, minha noiva Stphanie, as
mulheres da minha vida e pilares que formam meu porto seguro, por toda pacincia,
compreenso, carinho, ajuda, incentivo e muito amor.
A todos os colegas da minha turma no Mestrado, em particular ao amigo Rochester
Arajo. Garanto-lhe que suas sugestes e crticas durante nossos aas jurdicos e conversas
na biblioteca foram essenciais para a finalizao deste trabalho.
Aos meus amigos do peito que durante todo este perodo compreenderam as minhas
ausncias nas diversas reunies que no pude comparecer e me transmitiram palavras de
incentivo essenciais para que eu seguisse firme nessa jornada.
A Professora Maria dos Remdios Fontes Silva, minha orientadora, pelo apoio,
singular prestatividade, incentivo e liberdade intelectual proporcionados durante toda a
pesquisa.
A todos os professores do Programa de Ps-Graduao em Direito que, direta ou
indiretamente, contriburam para a elaborao desta dissertao. Sem dvidas, a dedicao de
cada um de vocs o que torna o Mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte um dos programas de ps-graduao de destaque no Nordeste.
Aos colegas de trabalho do Ncleo Estadual do Ministrio da Sade no Rio Grande do
Norte, sobretudo, pelo auxlio na obteno de dados relacionados conjectura da sade
pblica no pas que muito contribuiu para a presente pesquisa.
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RESUMO
Se, por um lado, apenas com a Constituio Federal de 1988 o direito sade veio a receber
tratamento de autntico direito fundamental social; por outro, certo que, desde ento, o nvel
de concretizao alcanado quanto a tal direito retrata um descompasso entre a vontade
constitucional e a vontade dos governantes. Isso porque, em que pese a inerente gradualidade
do processo de efetivao dos direitos fundamentais sociais, a realidade brasileira, marcada
por um quadro de verdadeiro caos na sade pblica noticiado rotineiramente nos telejornais,
desnatura o status prioritrio desenhando constitucionalmente para o direito sade,
demonstrando, desta maneira, que h um claro dficit neste processo, o qual precisa ser
corrigido. Essa preocupao quanto problemtica da efetivao dos direitos sociais, por sua
vez, reforada quando se fala em direito sade, pois tal direito, frente sua ntima ligao
com o direito vida e dignidade da pessoa humana, acaba assumindo uma posio de
primazia dentre os direitos sociais, apresentando-se como um direito impretervel, visto que
sua perfeita fruio torna-se condio precpua para o potencial gozo dos demais direitos
sociais. Partindo dessas premissas, o presente trabalho tem o intuito de fornecer uma proposta
para a correo desta problemtica, sobretudo, a partir da defesa de um papel ativo do
Judicirio na concretizao do direito sade desde que arraigado a parmetros objetivos e
slidos que venham a corrigir, com segurana jurdica, o dficit apontado e a evitar os efeitos
colaterais e distores que so hodiernamente vislumbrados quando o Judicirio se prope a
intervir no tema. Para tanto, desponta como aspecto principal desta medida a proposio de
um mnimo existencial especfico para o direito sade que, levando em considerao, tanto
os pontos constitucionalmente prioritrios referentes a este relevante direito, quanto prpria
lgica da estruturao do Sistema nico de Sade SUS inserta no seio das polticas pblicas
em sade desenvolvidas no pas, venha a contribuir para uma judicializao do tema mais
consentnea com os ideais traados na Constituio de 1988. No igual intuito de se buscar
uma concretizao do direito sade harmnica com a prioridade constitucional nsita a este
relevante bem, a pesquisa alerta, tambm, para a necessidade de se empreender uma
reestruturao na forma de organizao dos Conselhos de Sade de modo a se fazer valer a
diretriz constitucional do SUS da participao da comunidade, bem como para a importncia
da instaurao de uma nova cultura oramentria no pas que, tendo a Constituio como
bssola, passe a retratar fielmente a especial priorizao constitucional direcionada aos
direitos sociais, especialmente o direito sade.
Palavras-chave: Direito sade. Concretizao. Poder Judicirio.
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ABSTRACT
If, on one hand, only with the 1988 Federal Constitution the right to health began to receive
the treatment of authentic fundamental social right; on the other, it is certain since then, the
level of concretization reached as to such right depicts a mismatch between the constitutional
will and the will of the rulers. That is because, despite the inherent gradualness of the process
of concretization of the fundamental social rights, the Brazilian reality, marked by a picture of
true chaos on public health routinely reported on the evening news, denatures the priority
status constitutionally drew for the right to health, demonstrating, thus, that there is a clear
deficit in this process, which must be corrected. This concern regarding the problem of the
concretization of the social rights, in turn, is underlined when one speaks of the right to
health, since such right, due to its intimate connection with the right to life and human
dignity, ends up assuming a position of primacy among the social rights, presenting itself as
an imperative right, since its perfect fruition becomes an essential condition for the potential
enjoyment of the remaining social rights. From such premises, this paper aims to provide a
proposal for the correction of this problem based upon the defense of an active role of the
Judiciary in the concretization of the right to health as long as grounded to objective and solid
parameters that come to correct, with legal certainty, the named deficit and to avoid the side
effects and distortions that are currently beheld when the Judiciary intends to intervene in the
matter. For that effect, emerges as flagship of this measure a proposition of an existential
minimum specific to the right to health that, taking into account both the constitutionally
priority points relating to this relevant right, as well as the very logic of the structuring of the
Sistema nico de Sade - SUS inserted within the core of the public health policies developed
in the country, comes to contribute to a judicialization of the subject more in alignment with
the ideals outlined in the 1988 Constitution. Furthermore, in the same intent to seek a
concretization of the right to health in harmony with the constitutional priority inherent to this
material right, the research alerts to the need to undertake a restructuring in the form of
organization of the Boards of Health in order to enforce the constitutional guideline of SUS
community participation, as well as the importance of establishing a new culture budget in the
country, with the Constitution as a compass, pass accurately portray a special prioritization
directed constitutional social rights, especially the right to health.
Keywords: Right to health. Concretization. Judiciary Branch.
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LISTA DE SIGLAS
ACP Ao Civil Pblica
ADCT Atos das disposies constitucionais transitrias
ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
CAPS Caixas de Aposentadoria e Penso
CF Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988
CIT Comisso Intergestores Tripartite
CLT Consolidao das Leis Trabalhistas
CNJ Conselho Nacional de Justia
CPMF Contribuio Provisria sobre a Movimentao Financeira
DUDH Declarao Universal de Direitos Humanos
EC Emenda Constitucional
EUA Estados Unidos da Amrica
FNS Fundo Nacional de Sade
FTN Formulrio Teraputico Nacional
IAP Institutos de Aposentadoria e Penso
INESC Instituto de estudos socioeconmicos
INPS Instituto Nacional de Previdncia Social
INAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social
IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
LC Lei Complementar
LDO Lei de Diretrizes Oramentrias
LOA Lei Oramentria Anual
LRF Lei de Responsabilidade Fiscal
MP Ministrio Pblico
MS Ministrio da Sade
NOAS Normas de Assistncia Sade
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NOB Normas Operacionais Bsicas
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OMS Organizao Mundial de Sade
PIB Produto Interno Bruto
PIDCP Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos
PIDESC Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais
PNPS Poltica Nacional de Promoo da Sade
PPA Plano Plurianual
PPI Programao Pactuada e Integrada da Ateno em Sade
PRD Plano Diretor de Regionalizao
PSF Programa de Sade da Famlia
RENAME- Relao Nacional de Medicamentos Essenciais
RENASES Relao Nacional de Aes e Servios de Sade
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justia
SUS Sistema nico de Sade
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
TCG Termo de Compromisso de Gesto
TJ Tribunal de Justia
UBS Unidades bsicas de sade
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SUMRIO
1 INTRODUO ..................................................... ..............................................................14
2 O REGIME JURDICO DO DIREITO SADE NO BRASIL...................................19
2.1 BREVE HISTRICO SOBRE A IMPLEMENTAO DA SADE PBLICA ANTES
DA CONSTITUIO DE 1988...............................................................................................19
2.2 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL SADE COM O ADVENTO DA
CONSTITUIO FEDERAL DE 1988.................................................................................. 24
2.3 CONSIDERAES ACERCA DO SISTEMA NICO DE SUDE SUS.................. 26
2.3.1 Princpios informadores do SUS.................................................................................. 27
2.3.2 Objetivos e atribuies gerais do SUS......................................................................... 29
2.3.3 A Lei n 8.142/90 e as regras sobre participao da comunidade na gesto do
SUS...........................................................................................................................................29
2.3.4 A Lei Complementar n 141/2012 e a disposio sobre os valores mnimos a serem
aplicados em aes e servios pblicos de sade................................................................. 30
2.4 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SADE PS 1988 E OS DESAFIOS ATUAIS DO
SUS...........................................................................................................................................33
2.5 AS IMPLICAES DA PROTEO INTERNACIONAL DO DIREITO SADE NO
ORDENAMENTO PTRIO................................................................................................... 35
3 A SADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL............................................44
3.1 A EVOLUO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ........ ..........................................................................44
3.2 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURDICO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICAO NO
DIREITO SADE............................................................................................................... 53
3.2.1 A classificao dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de
prestao................................................................................................................................. 54
3.2.2 As dimenses objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla
fundamentalidade (formal e material)................................................................................. 56
3.2.3 A normatividade dos princpios jurdicos e a distino entre regras e
princpios..................................................................................................................................59
3.2.4 Caractersticas relevantes do direito sade no ordenamento ptrio..................... 61
4 A COMPREENSO DA EFETIVIDADE DO DIREITO SADE ........................... 67
4.1 A EFICCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS.........................................70
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4.2 O POSSVEL EMBATE ENTRE MNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO
POSSVEL............................................................................................................................... 73
4.3 A APLICAO DA VEDAO DO RETROCESSO E SUA RELAO COM O
DIREITO SADE............................................................................................................... 81
4.4 O DFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZAO DO DIREITO
SADE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUIO DE 1988............................ 86
4.5 A ALOCAO DO DIREITO SADE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARMETRO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA................................................................................................................ 89
4.5.1 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento ptrio........... 93
4.5.2 O direito sade como elemento material da dignidade da pessoa humana............96
5 A PROTEO JUDICIAL DO DIREITO SADE..................................................102
5.1 A EXPANSO DA JURISDIO CONSTITUCIONAL E A DELIMITAO DA
ATUAO JUDICIAL NA CONCRETIZA DO DIREITO SADE.........................103
5.1.1 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princpio da Separao dos Poderes.............106
5.1.2 Os efeitos colaterais de uma desmedida e ilimitada interveno judicial na
concretizao do direito sade..........................................................................................114
5.2 PARMETROS PARA A CONSTRUO DE UM MNIMO EXISTENCIAL
RELATIVO AO DIREITO SADE...................................................................................119
5.3 A IMPORTNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLTICAS
PBLICAS EM SADE COMO FORMA DE GARANTIA DO MNIMO RELATIVO A
ESSE DIREITO......................................................................................................................131
5.3.1 A contribuio do Decreto n. 7.508/2011 para a identificao das obrigaes
mnimas em sade a serem prestadas pelo Poder Pblico................................................135
5.3.2 O Pacto pela Sade e o reforo das Portarias do Ministrio da Sade para a
delimitao do mnimo existencial do direito sade.......................................................141
5.4 JULGADOS RELEVANTES NA TEMTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO
SADE NO BRASIL.............................................................................................................148
6 O APERFEIOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS CONCRETIZAO
DO DIREITO SADE NO BRASIL...............................................................................159
6.1 A IMPORTNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFERNCIAS DE SADE
NO CONTEXTO DEMOCRTICO......................................................................................159
6.1.1 Participao e sade pblica.......................................................................................160
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6.1.2 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sade no Brasil...................163
6.1.3 Reestruturao dos Conselhos de Sade e a efetiva democratizao das polticas de
sade.......................................................................................................................................172
6.2 A PROBLEMTICA DOS GASTOS EM SADE PBLICA E A NECESSIDADE DE
UMA HARMONIZAO ENTRE O CICLO ORAMENTRIO E AS PRIORIDADES
CONSTITUCIONAIS.............................................................................................................176
6.2.1 A delimitao do mnimo a ser gasto em sade pelo Poder Pblico........................178
6.2.2 O ciclo oramentrio e a priorizao do direito sade..........................................181
6.2.3 Controle oramentrio e concretizao do direito sade......................................193
7 CONCLUSO....................................................................................................................200
REFERNCIAS....................................................................................................................207
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1 INTRODUO
Ainda que ultrapassadas mais de duas dcadas desde a promulgao da Constituio
Federal de 1988, pode-se afirmar que a busca pela efetividade dos direitos fundamentais
sociais, especialmente o direito sade em sua acepo prestacional, ainda matria que
caminha a passos cadenciados, representando um dos grandes desafios para o Estado e para a
sociedade.
O estabelecimento, por parte do constituinte de 1988, de um lugar de destaque para a
sade encarada no somente como a ausncia de doenas, mas como o completo bem estar
fsico, mental e espiritual do homem, conforme conceitua a Organizao Mundial de Sade
(OMS) , em que pese ter significado um glorioso avano no sentido de proporcionar uma
ampliao formal e material da fora normativa de tal direito, consistiu apenas no primeiro
passo da luta pela sua materializao em efetivos benefcios sociedade.
Desta maneira, notadamente quanto ao direito sade, se h no plano terico uma
evidente dificuldade de se conferir tal efetividade por meio da perfeita implementao das
polticas pblicas; a problemtica, no campo prtico, bem mais complexa, sendo
hodiernamente refletida na tormentosa realidade de milhes de brasileiros que dependem do
sistema pblico de sade e vivenciam situaes calamitosas frequentemente noticiadas nos
telejornais como algo j natural e trivial no pas.
Se a vivncia diria de episdios no catico cenrio da sade pblica conduz, por um
lado, a um sentimento de necessidade de mudana e indignao; por outro, pelo menos um
aspecto positivo tal divulgao acaba gerando: a constatao de que o debate acerca dos
direitos fundamentais ganha, a cada dia, mais espao nas rodas de conversa da populao e
isso acarreta uma maior tomada de conscincia por parte dos cidados do alcance dos seus
direitos e da forma com que estes podero ser buscados.
Nesse contexto, a judicializao cada vez mais crescente das mais diversas demandas
ligadas concretizao do direito fundamental social sade abastece a discusso acerca da
legitimidade da interveno judicial nesta seara, cujo cenrio atual, frente inevitabilidade
dessa atuao, mercado pela penosa tentativa de se estabelecer critrios objetivos e
adequados para a construo de um processo decisrio legtimo, justo e consentneo com os
ideais dirigentes do sistema constitucional brasileiro.
Quem, h 20 anos, imaginava o Estado como fornecedor de medicamentos, muitos
deles de alto custo, ou compelido a realizar um exame ou um procedimento cirrgico para um
cidado? A verdade: poucos. Avanou-se na concretizao de tal direito, principalmente pelos
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esforos da provocao e atuao do judicirio, e, hoje, o mnimo que o Estado deve ou, pelo
menos, deveria proporcionar em matria de direito sade no Brasil acoplou novos
benefcios.
importante ter-se em mente, por sua vez, que a problemtica em tela apresenta uma
abrangncia de difcil delimitao, pois engloba diversas facetas do direito sade que,
encarado de maneira macro, compreende variadas nuances tanto sob o prisma individual
quanto sob o coletivo. Melhor explicando, o trabalho de aferir se certo pleito estaria ou no
enquadrado no campo protetivo do direito sade passa por uma anlise que envolve
diferentes aspectos como os de cunho social, poltico, econmico, cultural ou geogrfico de
determinada coletividade por exemplo, a prioridade de tratamento preventivo na regio
norte totalmente diferente da de outra regio do pas sendo, portanto, a determinao de
quais seriam as prestaes mnimas em sade um rduo trabalho para o intrprete.
Posto o problema, o presente estudo partir das premissas de que, na discusso acerca
da eficcia e efetividade do direito sade, essencial se observar, primeiro, que tal direito
social assume um papel de extrema relevncia frente sua ntima ligao com o direito vida
e dignidade da pessoa humana, segundo, que o quadro atual da sade pblica nacional
evidencia um desequilbrio entre o nvel de gradual concretizao esperado, aps os mais de
vinte anos da Constituio de 1988, e o que foi realmente alcanado, mediante polticas
pblicas, quanto a esse importante direito.
Com relao primeira premissa, ser defendido o destacamento do direito sade
para uma posio de primazia quando comparado com os demais direitos fundamentais
sociais. O desenvolvimento de tal raciocnio aproxima-se, de certo modo, da doutrina
americana dos preferred freedoms que estabelece uma ideia de posies preferenciais entre
os direitos fundamentais sem implicar, entretanto, necessariamente em uma mecnica
hierarquizao das normas constitucionais que venha a ser lesiva sua unidade.
Desta maneira, no se buscar refutar a noo consagrada na doutrina ptria de que
todos direitos fundamentais possuem a mesma hierarquia; mas sim, consistir na defesa de
que o direito sade possui um nvel de fundamentalidade social e jurdica mais elevada que
os demais direitos fundamentais sociais por apresentar uma ascendncia axiolgica mais
dilatada devido ao seu forte lao com o direito vida, integridade fsica e dignidade da
pessoa humana; e isto termina por ser refletido no prprio tratamento prioritrio que a
Constituio confere a tal direito, conforme ser visto.
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Quanto segunda premissa, esta seria a constatao de que ocorre em matria de
direito sade no Brasil um certo descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos
governantes.
Apesar de tal pensamento soar, de certo modo, um pouco pretensioso, ele fruto de
uma construo de raciocnio simples e de duas etapas: a primeira abrange a conscientizao
de que o direito sade, como direito social que , tem seu processo de concretizao
marcado por uma ideia de gradualidade no sentido de que, frente as limitaes oramentrias
de sua implementao, o Estado deve contar com uma certa pacincia da sociedade em
entender que a efetividade do mesmo ser alcanada e construda pouco a pouco, passo a
passo, conforme a capacidade financeira do Estado; e a segunda, de ordem ftica, arremata a
concluso de que esse passo gradual encontra-se hoje deficitrio ou atrasado se comparado
com a evoluo aguardada pela sociedade, a qual j chegou no seu limite de pacincia.
Em termos mais diretos, a realidade ptria marcada, por exemplo, pela falta de leitos,
mdicos e equipamentos de infraestrutura no quadro geral da sade pblica nacional no o
que a Constituio da Repblica planejou para sua fase adulta, sendo necessria, portanto,
uma acelerao nesse processo gradual.
Feitas tais observaes, relevante mencionar que corrigir esta distoro, gerada,
sobretudo, pela ineficincia dos Poderes Executivo e Legislativo (seja pela m formulao e
execuo das polticas pblicas, seja pela deficincia do amparo legal do tema), no matria
fcil, pois o balanceamento entre o carter essencial do direito fundamental sade e sua
natureza de direito prestacional passa, antes de tudo, pela questo financeira de anlise dos
custos envolvidos, exigindo uma estruturao focada em um modelo de gesto organizada e
isento de mculas por parte do Estado.
nesse contexto que o presente estudo tem por intuito principal traar alguns
delineamentos sobre a primazia do direito social em anlise, buscando apontar sugestes para
os problemas correlatos sua clara falta de efetividade, as quais vo desde a perquirio de
critrios objetivos legitimadores da atuao judicial no seu resguardo, contribuindo para a
consequente construo de um, por assim dizer, mnimo existencial em direito sade; at o
aprimoramento das medidas de controle dos gastos pblicas em sade.
Para melhor compreenso do que este trabalho se prope, optar-se- por uma
estruturao didtica cuja preocupao primordial deixar claro ao leitor, desde as linhas
iniciais, a raiz doutrinria que o norteia. Nesse ponto, filiando-se s vigas da nova
interpretao constitucional que prestigia a fora normativa da constituio, mas sem que isso
signifique um menosprezo aos elementos clssicos hermenuticos, sero examinados temas
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essenciais que circundam a temtica da construo e aprimoramento de um mnimo
existencial especfico quanto ao direito sade.
Dessa maneira, tendo como fio condutor o reconhecimento de que a atuao
jurisdicional em matria de sade, respeitados certos limites e critrios objetivos, consiste em
prtica no s legtima, mas tambm primordial para a efetividade desse direito, sero
examinados temais centrais como: o Princpio da Separao dos Poderes e sua correta (re)
leitura no estgio atual do constitucionalismo; a primazia da Dignidade da Pessoa Humana
como fonte irradiante de todo o ordenamento constitucional ptrio; a necessidade da Teoria
do Mnimo Existencial encontrar-se em constante adaptao com os avanos da sociedade e o
possvel embate desta questo com o Postulado da Reserva do Possvel.
Para tanto, incialmente, ser traado um esboo do regime jurdico-constitucional do
direito sade no ordenamento ptrio partindo da evoluo histrica da proteo da sade
pblica ao longo das constituies nacionais, passando pelo exame das implicaes da
proteo internacional nessa seara e desembocando no estudo das caractersticas gerais desse
direito fundamental sob o enfoque das previses constitucionais e da legislao ordinria
sobre tema (com nfase nos dispositivos que tratam do Sistema nico de Sade SUS).
Na sequncia, ser discutida a temtica da efetividade e eficcia dos direitos
fundamentais sociais, momento no qual ser examinado, sob um vis oramentrio, o embate
entre mnimo existencial e reserva do possvel ganhando evidncia o exame dos custos dos
direitos. Nesse ponto, ainda, abordar-se- a questo do dficit evolutivo do direito sade no
que se refere sua gradual concretizao almejada pela atual Constituio, apontando-se o
relevante papel que a Dignidade da Pessoa Humana, somada umbilical ligao do
impretervel direito sade com o direito vida, assume no enfrentamento dessa matria.
Posteriormente, ser tratado o tema da judicializao do direito sade, cujo debate
alertar para a necessidade de se privilegiar as tutelas coletivas como forma de se conferir
isonomia e o mximo alcance das conquistas judiciais nessa seara, sem deixar de lado,
contudo, o exame do rido campo das tutelas individuais. Nesse ponto, a noo de jurisdio
constitucional no contexto ps-positivista ser primordial para se compreender a latente
necessidade da busca pelo estabelecimento de parmetros e critrios objetivos que visem a
uma sindicabilidade do direito em xeque no s consentnea com a ordem constitucional
vigente, mas tambm, compromissada com a segurana jurdica e a igualdade entre os
cidados.
Ao final, ser empreendido um debate complementar, mas no menos interligado,
judicializao do direito sade, em que ressaltar-se- a importncia dos Conselhos de Sade
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na construo de uma democracia participativa apta a auxiliar a realizao de tal direito bem
como ser proposta uma reestruturao na forma que se desenvolve o ciclo oramentrio no
pas, de modo a que os campos de ateno direcionados no corpo da pea do oramento
pblico terminem espelhando, o mais fiel possvel, as prioridades constitucionais.
Dito isto, relevante deixar claro que a presente pesquisa no intenta exaurir toda a
problemtica envolvendo a efetividade do direito sade apresentando uma frmula mgica e
solucionadora, o que seria impossvel frente dinamicidade das relaes sociais e a
consequente multiplicidade de casusticas nesse campo. Ao contrrio, o que se pretende aqui
investigar o assunto visando sistematizao de uma lgica de pensamento calcada em uma
engrenagem arraigada no papel protagonista do Poder Judicirio auxiliado pelas funes
essenciais justia e pela sociedade que venha a contribuir para a ampliao de alternativas
postas ao aplicador do direito no momento de concretizar o direito sade, corrigindo-se, em
ltima anlise, a desarmonia entre o dever ser normativo e o ser da realidade social marcante
no tema.
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2 O REGIME JURDICO DO DIREITO SADE NO BRASIL.
Falar em sade como direito fundamental dos cidados brasileiros algo recente na
histria do pas, visto que somente com a atual Constituio da Repblica esse bem jurdico
veio a ser alado a tal categoria. Desta maneira, para o estudo do direito sade e os aspectos
quanto sua eficcia faz-se imprescindvel, antes de tudo, compreender no s a evoluo do
arcabouo protetivo da matria ao longo das constituies nacionais, como tambm, a
conjuntura histrico-social que contribuiu para a feio desse direito fundamental no
ordenamento contemporneo destacando-se, tambm, a especial influncia da proteo
internacional na temtica.
2.1 BREVE HISTRICO SOBRE A IMPLEMENTAO DA SADE PBLICA ANTES
DA CONSTITUIO DE 1988.
De incio, importante se ter em mente a premissa de que a evoluo histrica das
polticas de sade no pas caminha lado a lado com o progresso poltico-social e econmico
da sociedade brasileira, em um contexto em que a lgica desse processo evolutivo obedeceu
tica do avano do capitalismo na sociedade ptria.
Por tal motivo, o cenrio pr 1988 revela que a sade no ocupava lugar central dentro
da poltica nacional1 j que somente nos momentos em que determinadas endemias ou
epidemias tinham repercusso na esfera econmica ou social do modelo capitalista que o
governo atuava com mais nfase no setor, razo pela qual apontado na doutrina que devido a
falta de clareza e definio em relao poltica de sade, a histria desta confunde-se, em
determinados momentos, com a histria da previdncia social no pas2.
Dito isto, tem-se que os passos embrionrios de uma mnima preocupao com a sade
pblica no Brasil podem ser identificados a partir das primeiras aes de combate lepra e de
um mnimo controle sanitrio existente sobre os portos e ruas ainda durante a poca da Corte
Portuguesa, j que a vinda da famlia real gerou a necessidade da organizao de uma mnima
estrutura sanitria, panorama que perdurou at meados de 1850.
Com o passar dos tempos, o quadro de organizao poltica marcadamente unitrio e
centralizado foi dando lugar a um conjunto de aes um pouco mais efetivas no perodo entre
1 Dispe Suelli Gandolfi Dallari que nenhum texto constitucional se refere explicitamente sade como
integrante do interesse pblico fundante do pacto social at a promulgao da Carta de 1988. DALLARI, Suelli
Gandolfi. Os Estados Brasileiros e o Direito Sade. So Paulo: Hucitec, 1995, p. 133. 2 POLIGNANO, Marcus Vincius. Histria das polticas de sade no Brasil. p.2. Disponvel em:
www.saude.mt.gov.br arquivo 2226 . Acessado em: 21/12/2012.
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1870 e 1930 merecendo destaque o modelo campanhista marcado pelo uso de fora policial
que, apesar das arbitrariedades e abusos cometidos, alcanou importantes vitrias no controle
de doenas epidmicas como a febre amarela sob o comando de Oswaldo Cruz, ento Diretor
do Departamento Federal de Sade Pblica3.
Em 1923, por sua vez, nascia o marco inicial da previdncia social no Brasil (a
chamada Lei Eloy Chaves4) mediante a instituio de Caixas de Aposentadoria e Penso
(CAPS) que abarcavam socorros mdicos em caso de doena bem como a obteno de
medicamentos obtidos com preos especiais para as categorias profissionais a eles vinculadas.
Paralelo a isso, a partir de 1930, as aes curativas, at ento esquecidas pelo modelo antes
mencionado, passaram a ser realizadas timidamente com a estruturao bsica de um sistema
pblico de sade a partir da criao do Ministrio da Educao e Sade Pblica5 restando
evidenciado, portanto, um cenrio de no universalizao da sade pblica, vez que imperava
uma sistemtica excludente em favor apenas das profisses reconhecidas pela lei.
A previdncia social evoluiu e as CAPS foram substitudas pelos Institutos de
Aposentadoria e Penso (IAPS) visando a estender a todas as categorias do operariado
urbano organizado os benefcios da previdncia, desembocando esse processo de unificao
na promulgao da Lei Orgnica da Previdncia Social (Lei 3.807/60) a qual estabeleceu um
regime geral da previdncia destinado a abranger todos os trabalhadores sujeitos ao regime da
Consolidao das Leis Trabalhistas (CLT)6.
Tal panorama apresentou seu pice durante o regime ditatorial com a implantao do
Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS) em 1967 e a consequente unificao do
sistema previdencirio em um contexto em que todos trabalhadores com carteira assinada
contribuam e se beneficiavam da assistncia mdica existente no plano de benefcios. Isso
gerou um aumento substancial da demanda do sistema mdico previdencirio, o qual,
impossibilitado em atender a todos, direcionou iniciativa privada a execuo dos benefcios
por meio de convnios com mdicos e hospitais, mediante pagamento de uma espcie de pro-
labore, acarretando na formao de um complexo sistema mdico-industrial que gerou a
3 PICADO, Fernanda de Siqueira. A dignidade da pessoa humana e a efetividade do direito social sade
sob a ptica jurisprudencial. Dissertao de Mestrado em Direito. PUC-SP, 2010, p. 101. 4 Decreto n 4.682 1923 que Crea, em cada uma das emprezas de estradas de ferro existente no paiz, uma caixa
de aposentadoria e penses para os respectivos empregados.. 5 O Ministrio da Sade foi criado em 1953, contudo, tal fato significou um mero desmembramento do antigo
Ministrio da Sade e Educao sem que significasse uma nova postura do governo com efetiva preocupao em
atender os problemas da sade pblica de sua competncia. 6 POLIGNANO, Marcus Vincius. Histria das polticas de sade no Brasil. p. 12. Disponvel em:
www.saude.mt.gov.br arquivo 2226 . Acessado em: 11/01/2013.
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21
necessidade da criao de uma estrutura prpria administrativa em 1978, o Instituto Nacional
de Assistncia Mdica da Previdncia Social (INAMPS).
Instituiu-se, assim, uma diviso de responsabilidades em que ao Estado eram
reservadas as medidas coletivas, sobretudo o controle das endemias, enquanto a assistncia
mdica individual ficou a cargo do seguro social financiado pelo sistema contributivo,
modelagem esta que contribuiu para a concepo, arraigada no pas, de se enxergar o direito a
sade no como um direito do cidado e dever do Estado, mas como uma assistncia ligada
esfera privada restrita a quem contribua, cenrio acentuado com a instituio do Sistema
Nacional de Sade em 1975, o qual reconhecia essa dicotomia7.
Esse modelo de gesto centralizada, marcado pela multiplicidade e descoordenao
entre as instituies atuantes no setor e pela desorganizao dos recursos empregados nas
aes de sade curativa e preventiva8, caiu no descrdito social ao no resolver a agenda da
sade e, frente escassez de recursos para sua manuteno, somada ao aumento dos custos
operacionais, veio a entrar em crise.
Por sua vez, o contraste dos dados a respeito da sade, mortalidade infantil e
infraestrutura urbana com os ndices favorveis do Produto Interno Bruto (PIB), que
aumentou em mdia 10% entre 1968 e 1973, contribuiu para a constatao de que a
desigualdade social e concentrao de riqueza se acentuavam cada vez mais no pas e que era
necessria uma mudana desse quadro9.
Esse modelo restritivo na prestao dos servios de sade passou a ser ento
questionado frente a grande quantidade de brasileiros margem do mercado de trabalho
formal, intensificando-se o debate acerca da universalizao dos servios pblicos de sade
com destaque para o papel desempenhado pelo Movimento de Reforma Sanitria no processo
de redemocratizao do pas e o consequente fim do regime militar.
Desta forma, o marco do processo de formulao de um novo modelo de sade pblica
universal foi a VIII Conferncia Nacional de Sade cujo lema era Sade, Direito de Todos,
Dever do Estado, realizada em maro de 1986 pelo Ministrio da Sade, que contou, pela
primeira vez, com a participao de entidades da sociedade civil organizada de todo pas
ligadas temtica, sendo debatida a necessidade de reorganizao do sistema em voga com a
instituio da sade como direito de cidadania e dever do Estado, concluindo-se que uma
7 CORRA, Darcsio; MASSAFRA, Cristiane Quadrado. O Direito Sade e o papel do Judicirio para sua
efetividade no Brasil. In: Revista Desenvolvimento em questo. v.2, n. 3, 2004. p. 57. 8 CRUZ, Marly Marques da. Histrico do sistema de sade, proteo social e direito sade. Disponvel em:
www.saude.mt.gov.br arquivo 2164 . Acessado em: 20/01/2013. 9 LUCA, Tnia Regina de. Direitos sociais no Brasil. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Histria da
Cidadania. So Paulo: Contexto, 2003. p. 484.
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simples reforma administrativa e financeira no seria suficiente, mas sim, seria necessria
uma verdadeira mudana em todo o arcabouo jurdico tendente unificao, democratizao
e descentralizao do sistema de sade.
Delimitado sucintamente o contexto histrico-social da proteo do direito sade at
a Constituio de 1988, sero apontados a seguir os principais dispositivos constantes nas
constituies pretritas que amparavam o direito sade de modo a facilitar a compreenso
do tema.
A Constituio do Imprio pouco tratou do tema do direito sade vez que, fora o fato
de abarcar a garantia de socorros pblicos, a nica meno a tal direito em seu texto deixa
claro que a preocupao do constituinte poca ainda era tmida e relacionada atividade
mercantil, como se depreende da redao do dispositivo a seguir:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidados
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurana individual, e a
propriedade, garantida pela Constituio do Imperio, pela maneira
seguinte.
(...)
XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio
pde ser prohibido, uma vez que no se opponha aos costumes publicos,
segurana, e saude dos Cidados.
Alm disso, importante enfatizar que os direitos acima elencados eram restritos a
uma elite aristocrtica visto que os ideais da revoluo liberal, conquanto visassem a alterar a
estrutura e reorganizar a sociedade, apresentavam o anseio maior de, to somente, romper
com os laos do colonialismo, sendo mantidos os interesses e os favores das classes
privilegiadas enquanto grande parte da populao ainda continuava submetida a tratamentos
desumanos.
A Constituio de 1891, por sua vez, conseguiu ser ainda mais acanhada e no faz
qualquer referncia expressa ao direito sade. Contudo, merece ateno o fato de que havia
uma abstrata meno, em seu artigo 78, proteo das garantias e direitos nela no
enumerados que resultassem da forma de governo e dos princpios que a mesma consignasse
o, que poderia ser utilizado para defesa da sade em ltima anlise, j que funcionava como
uma tmida clusula de abertura10
.
10
OLIVEIRA, Mrcio dias de. Sade possvel e judicializao excepcional: a efetivao do direito
fundamental sade e a necessria racionalizao. Dissertao de Mestrado em Direito. Instituto Toledo de
Ensino. Bauro, 2008, p. 35.
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23
Impulsionada pelas revolues de 1930 e 1932, a Constituio de 1934, que buscou
inspirao formal na Constituio de Weimar (grande marco do Constitucionalismo social) e
na Constituio Espanhola de 1931, pretendeu implantar no sistema jurdico ptrio um
arcabouo protetivo dos chamados direitos sociais, sendo a primeira constituio brasileira a
fazer referncia ao direito sade, prevendo em seu art. 10, inciso II, ser o cuidado com a
sade competncia concorrente da Unio e dos Estados, denotando, assim, uma preocupao
de cunho organizacional distanciada de uma feio de direito subjetivo.
Em que pese os esforos da Carta de 34 no sentido de proteger os direitos sociais, a
Constituio de 1937, outorgada por Getlio Vargas, tratou de tolher a efetividade dos direitos
fundamentais cuidando, sobretudo, de concentrar o poder no mbito do Executivo. Na linha
dessa concentrao, o inciso XXVII do art. 16 previu ser competncia privativa da Unio
legislar sobre normas fundamentais de defesa e proteo da sade, especialmente a sade da
criana, merecendo destaque, ainda, a previso do art. 18 no sentido de poderem os estados
legislar para suprir as deficincias da Lei Federal ou atenderem s peculiaridades locais sobre
a assistncia pblica, obras de higiene popular, casas de sade, clnicas, estaes de clima e
fontes medicinais11
.
A Constituio de 1946, por sua vez, por ter sido moldada no perodo de 1937 a 1945,
buscou restringir a fora do Poder Executivo e reforar o Poder Legislativo, retomando a
estrutura da Constituio de 1891 e reintroduzindo os direitos econmicos, sociais e culturais
da Carta de 1934 em um cenrio em que o direito sade, apesar de no elencado de forma
expressa, recebia meno no inciso XV, do art. 5 da referida Carta ao ser repetida a previso
de ser competncia da Unio legislar sobre normais gerais de defesa e proteo da sade.
Aps o golpe militar de 1964, foi outorgada a Carta Constitucional de 1967 que
alterou o regime de liberalidade buscado pela Constituio de 1946 instalando-se o regime
totalitrio conclamado pela doutrina da segurana nacional. A nova Constituio apresentava
um rol de direitos e garantias fundamentais com valor meramente formal e sem nenhuma
efetividade. Quanto ao direito sade, repetiu-se a norma de cunho organizatrio das
constituies anteriores no sentido de conferir Unio a competncia para legislar sobre
normas gerais de defesa e proteo da sade, acrescentando-se, todavia, a competncia para
estabelecer planos nacionais de sade e educao.
Em 1969, na tentativa de preservar o regime totalitrio vigente, foi outorgada a EC n
01/69 que, embora repetisse as disposies da Carta de 67, trouxe uma inovao no 4 do
11
JULIO, Renata Siqueira; Wesllay Carlos Ribeiro. Direito e sistemas pblicos de sade nas constituies
brasileiras. In: Novos Estudos Jurdicos, v.15, n.3, 2010, p. 450.
-
24
art. 25 ao determinar que os municpios aplicassem seis por cento do repasse da Unio a ttulo
de fundo de participao dos municpios na Sade.
2.2 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL SADE COM O ADVENTO DA
CONSTITUIO FEDERAL DE 1988.
A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, resultado final de todo um
processo de luta incessante do povo brasileiro para a conquista da democracia, consiste em
um documento alicerado na proteo de direitos fundamentais e na dignidade da pessoa
humana de modelagem jamais vista no ordenamento ptrio. Essa nova feio, sem dvida,
contribuiu para a consagrao de um direito fundamental sade com contornos prprios
visto que uma ordem constitucional que protege o direito vida, integridade fsica e o meio
ambiente sadio e equilibrado, inevitavelmente, deve salvaguardar, a sade sob pena de
esvaziar substancialmente tais direitos12
.
Desta forma, o modelo centralizado do sistema de sade vigente antes de 1988, bem
como as tmidas previses nas constituies anteriores ligadas sade, que se preocupavam
em fixar competncias legislativas e administrativas para a matria, denotando uma
preocupao meramente organizatria, deram lugar a um arcabouo protetivo diametralmente
oposto com a consagrao de um direito fundamental sade amplamente tratado13
,
sobretudo, nos artigos 6 e 196 da Constituio de 1988.
Pode-se afirmar, portanto, que a Constituio Cidad atual, ao alar a sade a direito
fundamental e sintonizar sua proteo com as principais declaraes de direitos humanos, foi
a primeira constituio a levar a sade realmente a srio14
. Com efeito, observa-se a existncia
de diversos dispositivos que fazem meno expressa a este direito, consistindo tais previses
12
SARLET, Ingo Wolfgang & FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas consideraes sobre o direito
fundamental proteo e promoo da sade aos 20 anos da Constituio Federal de 1988. In: Revista de
Direito do Consumidor, n 67, 2008, p.5. 13
FALEIROS, Ial & LIMA, Jlio Csar Frana. Sade como direito de todos e dever do Estado, p. 9.
Disponvel em: http://epsjv.fiocruz.br/upload/d/cap_8.pdf. Acessado em: 12/01/2013. 14
Sobre essa questo, Jos Afonso da Silva considera ser espantoso como um bem extraordinariamente
relevante vida humana s agora elevado condio de direito fundamental do homem. E h de informar-se
pelo princpio de que igual vida de todos os seres humanos significa tambm que, nos casos de doena, cada
um tem o direito de um tratamento condigno de acordo com o estado atual da cincia mdica,
independentemente de sua situao econmica, sob pena de no ter muito valor sua consignao em normas
constitucionais. SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. So Paulo: Malheiros,
1999, p. 871.
http://epsjv.fiocruz.br/upload/d/cap_8.pdf
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25
em frutos diretos da reforma sanitria brasileira, a qual foi conduzida pela sociedade civil e
por profissionais de sade, e no por aes especficas do governo15
.
Em que pese o risco de cansar a leitura do presente estudo com observaes
notadamente descritivas, inevitvel destacar pontualmente os dispositivos constitucionais
que informam a proteo do direito sade, proporcionando uma ideia do alcance dessa
mudana radical do tratamento constitucional da sade no Brasil.
Nesse sentido, o artigo 6 elenca expressamente a sade como um direito fundamental
social, o que acarreta implicaes prticas quanto eficcia e efetividade de tal direito, cuja
abordagem ser feita no captulo seguinte. Ainda, o artigo 7, ligado a regulamentao dos
direitos trabalhistas, trata da temtica tanto em seu inciso IV, ao mencionar a sade como
necessidade vital bsica a ser abarcada pelo salrio-mnimo, bem como no inciso XXII, ao
impor a reduo dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de sade, higiene e
segurana.
Os artigos 23 (inc. II), 24 (inc. XII) e 30 (inc. I e inc. VII) tratam de matrias de
competncias dos entes federativos, informando que os mesmos possuem competncia
comum para cuidar da sade bem como concorrentemente aptos a legislar sobre a defesa da
sade em um cenrio em que aos Municpios cabem a prestao de servios de atendimento
sade da populao com a cooperao tcnica e financeira da Unio e do Estado.
Os artigos 34 (inc. VII, alnea e) e 35 (inc. III), por fora da EC 29/2000
possibilitam, por sua vez, a interveno da Unio nos Estados e no Distrito Federal bem como
dos Estados nos respectivos Municpios em caso de no aplicao do mnimo exigido da
receita resultante de impostos na manuteno e desenvolvimento do ensino e das aes e
servios de sade o que, como ser visto no captulo seguinte, ressalta a preocupao da
Constituio com tais direitos, de modo a estes assumirem um grau de fundamentalidade mais
aquilatada no ordenamento ptrio.
J no art. 196, a sade encarada como direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e
recuperao, denotando uma preocupao macro para os problemas de sade nas diversas
etapas de tratamento para todos os cidados.
O art. 197 trouxe o reconhecimento de que as aes e servios de sade so de
relevncia pblica, cabendo ao Poder Pblico dispor, nos termos da lei, sobre sua
15
PAIM, Jairnilson Silva. O sistema de sade brasileiro: histria, avanos e desafios. p.2. Disponvel em:
http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor1.pdf. Acessado em: 12/01/2013.
http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor1.pdf
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26
regulamentao, fiscalizao e controle, consolidando os anseios de superao do modelo
desestatizante, curante e centralizador vigente na ordem constitucional anterior. Tal
reconhecimento possui uma importncia central na busca pela efetividade do direito sade,
pois garante extensivamente a proteo da sade pelo Ministrio Pblico, ao passo que o art.
129, II da CF atribui ao mesmo a funo de zelar pelo efetivo respeito aos servios de
relevncia pblica.
No art. 198 encontra-se a estrutura geral do Sistema nico de Sade (SUS), definindo-
o a partir de uma rede regionalizada e hierarquizada, organizada a partir de diretrizes que
primam pela descentralizao, atendimento integral com prioridade para atividades
preventivas e participao da comunidade mediante financiamento de recursos da seguridade
social e outras fontes.
O art. 200 enumera atribuies exemplificativas desse sistema as quais englobam,
dentre outras, o controle e fiscalizao dos procedimentos, produtos e substncias de interesse
para a sade, a execuo de aes de vigilncia sanitria e epidemiolgica, a formao de
recursos humanos na rea de sade, a fiscalizao e inspeo dos alimentos etc.
Alm disso, constam dispositivos especficos que relacionam a sade com o meio
ambiente, com a educao e com os direitos da criana, os quais enfatizam a preocupao
indita da CF de 1988 em dar plena efetividade s aes e programas na rea.
2.3 CONSIDERAES ACERCA DO SISTEMA NICO DE SADE SUS.
Conforme j explicitado, o SUS fruto das reivindicaes feitas pela sociedade civil
organizada no cenrio poltico pr 1988 e sua previso constitucional, especialmente pela
estipulao dos seus princpios e objetivos, o fez assumir a condio de verdadeira garantia
institucional fundamental do direito sade, superando-se as sucessivas tentativas frustradas
anteriores. Significando, em ltima instncia, que a efetivao do direito sade deve
conformar-se com seus princpios e diretrizes instituidoras em um cenrio em que no s o
direito sade resta protegido, mas tambm, o prprio SUS na condio de instituio
pblica16
.
A conceituao do SUS, apresentada no j mencionado artigo 198 da CF, demonstra
que a viso central desse sistema foi calcada na consagrao de um modelo de sade voltado
16
SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas consideraes sobre o direito
fundamental proteo e promoo da sade aos 20 anos da Constituio Federal de 1988. In: Revista de
Direito do Consumidor, n 67, 2008, p. 12.
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27
para as necessidades da populao no intuito de resgatar o compromisso do Estado para com o
bem-estar social, especialmente com relao sade coletiva. Contudo, apesar da previso
constitucional, o SUS s veio a ser regulamentado em 19 de setembro de 1990 por meio da
Lei Federal 8.080/90, a qual definiu seu modelo operacional e a forma de organizao e de
funcionamento a partir de uma definio abrangente de sade, que leva em considerao
especficos fatores determinantes e condicionantes, ganhando destaque a previso dos
princpios e objetivos do sistema.
2.3.1 Princpios informadores do SUS.
O estudo dos princpios informadores do SUS de suma importncia visto que, frente
ao carter de autntica garantia institucional fundamental17
na proteo do direito sade, sua
matriz principiolgica e diretiva serve de base para se interpretar o alcance da eficcia e
efetividade de tal direito. Nesse sentido, podem ser destacados os princpios da
universalidade, equidade, unidade, descentralizao, regionalizao e hierarquizao,
integralidade e participao da comunidade.
Universalidade18
e equidade podem ser lidos conjuntamente no sentido de que o
acesso s aes e servios de sade devem ser indistintamente garantidos a todo e qualquer
cidado buscando-se sempre a diminuio das desigualdades a partir da consagrao e defesa
da garantia da igualdade material, investindo-se onde a carncia seja maior j que, apesar de
todos terem direito sade, as necessidades de cada um e de cada regio so diferentes.
Consoante j visto, o modelo de proteo sade anterior a 1988 era marcado por
distores limitativas, visto que a assistncia sade somente era conferida aos trabalhadores
com vnculo formal e respectivos dependentes por meio do INPS. Para a superao eficiente
dessa estrutura, o novel sistema precisou ser desenvolvido a partir da ideia de unidade,
significando que os servios e aes de sade devem ser desenvolvidos a partir de polticas e
17
Consoante aponta Pieroth e Schlink, alguns direitos fundamentais garantem no s direitos subjetivos, mas
tambm, objetivamente, instituies. Enquanto garantias de instituto (Institutsgarantien), na terminologia,
geralmente aceita, de C. Schmitt, garantem instituies de direito privado e, enquanto garantias institucionais
(institutionelle Garantien), garantem instituies de direito pblico, retirando-as assim do poder dispositivo do
legislador. PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Traduo de Antnio Francisco de
Sousa e Antnio Franco. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 54. 18
Reforando tal conceito, Carlos Botazzo defende que a universalidade significa que todo cidado,
independente de sua insero social no processo produtivo, nvel de ingresso financeiro, filiao poltico-
partidria, crena religiosa, sexo, idade ou etnia, ter seu direito sade garantido e preservado pelo Estado.
BOTAZZO, Carlos. Democracia, participao popular e programas comunitrios. In: FLEURY, Sonia;
AMARANTE, Paulo; BAHIA, Ligia (orgs.). Sade em debate: fundamentos da reforma sanitria. Rio de
Janeiro: Cebes. 2008, p. 144.
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28
diretrizes uniformes, englobando um s sistema abrangido e sujeito a uma direo nica e um
s planejamento, em que pese a estratificao em nveis federativos.
Apesar de unificado19
, a necessidade de se quebrar com a ordem centralizada anterior,
que engessava a engrenagem do sistema de sade, fez surgir um SUS arquitetado a partir de
uma rede regionalizada e hierarquizada que, preservada a direo nica em cada esfera de
governo, atua segundo o raciocnio de descentralizao permitindo, desta maneira, a
adaptao das aes de sade ao perfil epidemiolgico local, o que se alinha as orientaes da
OMS.
Essa descentralizao nasce, pois, do raciocnio de que cada esfera de governo
autnoma e soberana nas suas decises e devem respeitar os princpios gerais e a participao
da sociedade, havendo gestores do SUS desde o Ministrio da Sade at as Secretarias de
Sade municipais. Contudo, inegvel que a deciso daquele que est mais perto do
problema tem mais chance de ser eficiente e, por isso, a modelagem descentralizada do SUS
que quebrou com o passado marcado por uma Unio centralizadora, pressupe que os
municpios sejam dotados de condies gerenciais, tcnicas, administrativas e financeiras
suficientes para execuo de suas polticas e servios.
A hierarquizao liga-se ideia de execuo da assistncia a sade com nveis
crescentes de complexidade, assinalando que o acesso aos servios deve ocorrer a partir dos
nveis mais simples em direo aos mais altos de complexidade, o que se coaduna com ideais
de eficincia e subsidiariedade em um contexto em que: as aes de ateno bsica so
comuns a todos municpios; a assistncia de mdia e alta complexidade centraliza-se em
municpios de maior porte; e os servios de grande especializao so disponibilizados apenas
em alguns grandes centros do pas.
O princpio da integralidade do atendimento determina que a cobertura proporcionada
pelo SUS deva ser a mais ampla possvel, refletindo, tambm, a ideia de que as aes e
servios de sade devem ser tomados como um todo harmnico e contnuo, de modo que
19
Quanto ao fato de ser o SUS unificado, o STF, analisando demanda em que era questionada a instituio de
programa de sade especfico para atender somente servidores de empresas pblicas de So Paulo, ponderou:
(...) se a Constituio preconiza um sistema unificado de sade, justificvel, ao menos do ponto de vista
constitucional, que se criem programas pblicos de sade restritos a servidores? Salvo casos de demonstrada
adequao, isso no ofenderia tambm a isonomia constitucional e a prpria concepo de servio de sade
pblica na Constituio de 1988? De qualquer sorte, nem preciso responder a essas dvidas para a soluo do
caso. (Grifos acrescidos). (ADI 3.403, voto do Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 18-6-2007,
Plenrio, DJ de 24-8-2007).
http://www.stf.jus.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?SEQ=480538&PROCESSO=3403&CLASSE=ADI&cod_classe=504&ORIGEM=IT&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=&EMENTA=2286
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29
sejam ao mesmo tempo articulados e integrados em todos os aspectos e nveis de
complexidade do sistema20
.
Ainda, o SUS tem a importante caracterstica da participao direta e indireta da
comunidade tanto relacionada definio quanto ao controle social das aes e polticas de
sade, participao realizada seja por meio dos representantes da sociedade civil junto s
Conferncias de Sade, as quais possuem competncia para fazer proposies na formulao
das polticas de sade nos diferentes nveis da federao, ou seja atravs dos Conselhos de
Sade que atuam diretamente no planejamento e controle do SUS.
2.3.2 Objetivos e atribuies gerais do SUS.
Como visto, o amparo constitucional do tema, alicerado sob a premissa de que a
sade direito de todos e dever do Estado, no tem o condo, por si s, de suficientemente
abranger as condicionantes econmico-sociais da sade, tampouco envolver, de forma ampla
e irrestrita, todas as possveis aes e servios de sade, at mesmo porque haver sempre um
limite oramentrio varivel contrastado com o surgimentos de novas necessidades a cada
perodo. Desta forma, a Lei do SUS assume o relevante papel de tentar traar um pontap de
partida ao apresentar, de modo geral, os objetivos e atribuies inerentes ao SUS, os quais
buscam concretizar os princpios que regem tal sistema, bem como delinear, na medida do
possvel, as prioridades abarcadas pelo mesmo.
Nesse contexto, destaque-se que cabe ao SUS identificar e divulgar os fatores
condicionantes e determinantes da sade; formular as polticas de sade, o fornecimento de
assistncia s pessoas por intermdio de aes de promoo, proteo e recuperao da sade;
executar aes de vigilncia sanitria e epidemiolgica bem como aes visando sade do
trabalhador; formular polticas referentes a medicamentos, equipamentos, imunobiolgicos e
outros insumos de interesse para a sade; dentre outras atribuies que denotam a abrangncia
e complexidade na implementao completa do mesmo.
2.3.3 A Lei n 8.142/90 e as regras sobre participao da comunidade na gesto do SUS.
20
Sobre o tema, dispe Ione Maria Domingues de Castro que: a integralidade essencial para a eficincia do
sistema e para dar ao cidado o mnimo de condies dignas (...). Nessa perspectiva, o cuidado com a sade
entendido no apenas como um dos nveis de ateno sade ou um simples procedimento, mas visto como
uma ao integrada que significa o direito de ter uma existncia digna com respeito s diferenas individuais.
CASTRO, Ione Maria Domingues de. Direito sade no mbito do SUS: um direito ao mnimo existencial
garantido pelo Judicirio? Tese de Doutorado, USP, So Paulo: 2012, p. 248.
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30
Consoante exposto, um dos princpios que regem o SUS a participao da
comunidade. Nesse contexto a Lei n 8.142/90 merece destaque, pois estabelece que o SUS
contar, em cada esfera de governo, com as Conferncias e Conselhos de Sade, rgos de
instncia colegiada que cuidam da avaliao, proposio de diretrizes e formulao de
estratgias para as polticas de sade. Alm disso, contam com a participao de
representantes de vrios segmentos sociais englobando no s representantes do governo
como tambm profissionais de sade e usurios.
Por outro lado, alm de viabilizarem a participao da comunidade na gesto do SUS,
tais conselhos representativos funcionam como verdadeiros espaos de negociao que
terminam por reduzir a possibilidade de o Ministrio da Sade estabelecer de maneira
unilateral as regras de funcionamento do SUS, contrabalanceando, dessa maneira, a
concentrao de autoridade conferida ao Executivo Federal.
A referida lei, ainda, trata da alocao dos recursos do Fundo Nacional de Sade
(FNS) ganhando relevo o destaque dado s obrigaes a serem cumpridas pelos Municpios,
Estados e Distrito Federal, como a elaborao de relatrios de gesto que permitam o controle
dos recursos, para o recebimento do repasse automtico dos valores ligados cobertura das
aes e servios de sade a serem implementados pelos mesmos.
Nessa temtica, com supedneo no art. 5 da lei em comento, destacaram-se as
chamadas Normas Operacionais Bsicas (NOB) e Normas de Assistncia Sade (NOAS),
editadas por meio de portarias do Ministrio da Sade, as quais tentaram estabelecer critrios
para a transferncia de recursos aos demais entes federados desembocando no conhecido
Pacto pela Sade (Portaria/GM/MS n 698/2006). Tal pacto alterou a forma de financiamento
do SUS, reduzindo as mais de cem diversas modalidades ento existentes para apenas cinco
blocos (ateno bsica; ateno de mdia e alta complexidade hospitalar e ambulatorial;
vigilncia em sade; assistncia farmacutica; e gesto do SUS).
2.3.4 A Lei Complementar n 141/2012 e a disposio sobre os valores mnimos a serem
aplicados em aes e servios pblicos de sade.
Por fora da Emenda Constitucional n 29/2000 foi estabelecida a participao mnima
de recursos financeiros para cada ente federado no financiamento das aes e servios
pblicos de sade para o perodo entre 2000 e 2004 mediante regramento constante no artigo
77 do ADCT. Foi prevista, tambm, a edio de uma Lei Complementar, consoante dispe o
-
31
3 do art. 198 da CF de 1988, com a misso de revisar os percentuais, estabelecer critrios de
rateio e fiscalizar e controlar os recursos referidos.
Ocorre que, a despeito da autoaplicabilidade inerente aos dispositivos da EC n
29/2000, ficou evidenciada a necessidade de ser esclarecido conceitual e operacionalmente o
alcance dessas previses constitucionais, sobretudo, o que estaria abrangido materialmente
como aes e servios pblicos de sade, de modo a garantir eficcia e perfeita aplicao das
mesmas pelos agentes pblicos. Nesse sentido, surgiram diversas iniciativas buscando
harmonizar as interpretaes quanto s regras impostas pela EC n 29/2000 at que a
recalcitrncia na elaborao da Lei Complementar referida fosse suprida.
Destacaram-se, nesse cenrio, tanto a Resoluo n 322/200321
elaborada pelo
Conselho Nacional de Sade, que buscou uniformizar em todo territrio nacional a aplicao
dos ditames trazidos pela EC n 29/2000, fixando diretrizes sobre a base de clculo para a
definio dos recursos mnimos a serem aplicados em sade, a definio das regras para a
apurao de tais recursos bem como a definio do que exatamente seria considerado aes e
servios pblicos de sade; como tambm as Leis de Diretrizes Oramentrias surgidas aps a
EC 29/2000, que trataram de definir o que compreenderia, em mbito federal, o conjunto das
aes e servios de sade, desempenhando o papel da almejada Lei Complementar.
A definio trazida pelas Leis de Diretrizes Oramentrias se calcou na ideia de que a
totalidade da dotao do Ministrio da Sade, deduzidos os encargos previdencirios da
Unio, os servios da dvida e a parcela das despesas do Ministrio financiada com recursos
do Fundo de Combate e Erradicao da Pobreza, compreenderia os recursos para as aes e
servios pblicos de sade na esfera federal, obedecendo, assim, a uma lgica meramente
institucional levando em conta apenas o rgo executor da ao, bastando que a despesa
estivesse na programao do Ministrio da Sade para que, em tese, integrasse o referido piso
de aplicao.
Tal precariedade levou a subjetivismos e dvidas na realizao dos gastos em sade, j
tendo sido alocado, por exemplo, parte dos recursos destinados ao Bolsa Famlia (programa
marcadamente assistencialista) como constantes do oramento do Ministrio da Sade bem
como, computado no piso da sade os gastos com a regulao das operadoras de planos
21
De se destacar que tal Resoluo foi alvo de Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2.999/RJ) entendendo
o Supremo Tribunal Federal pelo no conhecimento da referida ao sob o argumento de que a Resoluo foi
expedida com fundamento em regras de competncias previstas em um complexo normativo infraconstitucional
abarcado pelas j mencionadas Lei 8.080/90 e 8.142/90.
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privados de sade e suas relaes com prestadores e consumidores, aes tipicamente
fiscalizatrias e ligadas a sade suplementar que no atende a universalidade e equidade22
.
Em mbito estadual o quadro tambm foi de grande divergncia quanto aplicao da
Resoluo n 322/2003 do Conselho Nacional de Sade, instaurando-se um cenrio de
insegurana jurdica em que alguns Estados, por exemplo, incluram, absurdamente, como
constantes do oramento da sade, despesas com pagamento de planos mdicos privados para
servidores pblicos, saneamento, alimentao e assistncia social, desvirtuando as diretrizes
da mencionada Resoluo.
Tais situaes, em que pese denotarem a prpria dificuldade que h em se delimitar
um conceito fechado de sade pblica, a qual ora liga-se a ideia de uma realidade
epidemiolgica (o estado geral de sade de um dado povo), ora vincula-se a noo de
atividade estatal para a administrao da sade e ora serve para designar uma rea da
atividade humana caracterizada pela especializao profissional e institucional (um campo do
conhecimento humano organizado em uma disciplina)23
, terminam por transparecer um
desvirtuamento das verbas pblicas direcionadas sade que sacrifica a concretizao de tal
direito.
No resta dvida, desta maneira, que a omisso legislativa em se criar a Lei
Complementar prevista pela EC n 29/2000 contribuiu para a difcil tarefa de se aferir o que
exatamente seria obrigao do Estado na realizao do direito fundamental a sade, tema que
assume importantssima relevncia quando do estudo da efetividade de tal direito bem como
sua proteo judicial, conforme se ver nos captulos seguintes.
Pois bem: em 13 de janeiro de 2012 foi sancionada a Lei Complementar n 141 que,
sanando uma omisso que j durava cerca de doze anos, veio a instituir, nos termos do 3 do
art. 198 da Constituio Federal:
i. o valor mnimo e normas de clculo do montante mnimo a ser aplicado, anualmente,
pela Unio em aes e servios de pblicos de sade;
ii. percentuais mnimos do produto da arrecadao de impostos a serem aplicados
anualmente pelos Estados, Distrito Federal e Municpios em aes e servios pblicos de
sade;
22
Nota Tcnica n 10, de 2011, emitida pela Consultoria de Oramento e Fiscalizao Financeira da Cmara dos
Deputados - CONOF/CD. A Sade no Brasil: Histria do Sistema nico de Sade, arcabouo legal,
organizao, funcionamento, financiamento do SUS e as principais propostas de regulamentao da
Emenda Constitucional n29, de 2000. p. 23. 23
AITH, Fernando. Curso de direito sanitrio: a proteo do direito sade no Brasil. So Paulo: Quartier
Latin, 2007, p. 50-51.
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33
iii. critrios de rateio dos recursos da Unio vinculados sade destinados aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municpios, bem como dos Estados para os seus respectivos
Municpios visando progressiva reduo das disparidades regionais;
iv. normas de fiscalizao, avaliao e controle das despesas com sade nas trs esferas;e
v. definio do que ser e no ser considerado como despesa em aes e servios
pblicos de sade.
A ttulo de exemplo, a limpeza urbana, as aes de assistncia social, o pagamento de
aposentadorias e penses de servidores da sade bem como a merenda escolar e outros
programas de alimentao, ainda que executados em unidades do SUS passaram a
expressamente no constituir despesas com aes e servios pblicos de sade para fins de
apurao dos percentuais mnimos de que trata a referida LC 141/2012, representando um
passo significativo para uma uniformizao mnima dos gastos em sade no pas, corrigindo
distores e contribuindo para a otimizao do planejamento do SUS por meio da canalizao
de investimentos para aes efetivamente pertinentes ao campo da sade.
Desta maneira, a LC n 141/2012 alm de trazer mais segurana jurdica e
uniformidade na correta aplicao de recursos na rea de sade, assume papel chave na
temtica da efetividade do direito sade, visto que suas disposies terminam por contribuir
consideravelmente tanto para a construo de um mnimo existencial especfico para tal
direito, j que so arroladas as aes e servios que os recursos estatais devem minimamente
abranger, como tambm, auxiliam na construo de parmetros relevantes proteo judicial
do mesmo, consoante ser analisado mais a frente em tpico oportuno.
2.4 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SADE PS 1988 E ALGUNS DESAFIOS
ATUAIS DO SUS.
A implantao do SUS no incio da dcada de noventa ocorreu em um perodo
desfavorvel, notadamente influenciado pela ideologia neoliberal no cenrio econmico
brasileiro, tendo tal fato contribudo para a alocao da reforma sanitria a um nvel de
prioridade secundria na agenda poltica do pas, visto que a conjuntura inicial era marcada
pelo apoio estatal ao setor privado e pela concentrao de servios de sade nas regies mais
desenvolvidas do pas.
Apesar disso, inegvel que nos ltimos vinte anos o SUS avanou a partir de
inovaes institucionais calcadas, sobretudo, em um intenso processo de descentralizao que
outorgou maior responsabilidade aos municpios na gesto e servio de sade, alm de
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34
possibilitar meios para promoo da participao social na criao de sade e controle do
desempenho do sistema, destacando-se os esforos na fabricao de produtos farmacuticos e
a cobertura da vacinao24
.
Ocorre que o SUS, em que pese j possuir bases legais estabelecidas e amadurecidas a
partir de uma considervel experincia operacional, ainda precisa ser melhor desenvolvido na
busca pela garantia da cobertura universal e equitativa abraada por nosso ordenamento.
Nesse ponto, faz-se imprescindvel uma reestruturao financeira e uma reviso profunda das
relaes pblico-privadas atinentes ao sistema de modo a diminuir as desigualdades
persistentes e garantir uma sustentabilidade poltica, econmica e tcnica do SUS.
Para se ter uma ideia, seja na ateno bsica, secundria ou terciria, as diversas
estratgias de repasse de recursos bem como a implantao de programas, como o Programa
de Sade da Famlia (PSF), apesar de diminuir o problema estrutural, no foram
suficientemente satisfatrios, sobretudo, pela baixa integrao e deficincia dos prestadores
em nveis municipal e estadual.
Nesse raciocnio, notadamente para os procedimentos de mdio e alto custo, h um
inegvel quadro de deficitrio controle dos custos e da eficincia das aes envolvidas, visto
que, quem os realiza predominantemente so os atores privados contratados e hospitais
pblicos de ensino, pagos com recursos pblicos a preos prximos do valor de mercado,
contribuindo para a potencializao dos obstculos estruturais, procedimentais e polticos do
SUS25
.
De se destacar, ainda, que alm de claros problemas estruturais, como o caso do j
citado desequilbrio de poder entre integrantes da rede de sade, da falta de responsabilizao
dos atores envolvidos aliada s descontinuidades administrativas e da alta rotatividade dos
gestores por motivos polticos; a carncia em infraestrutura um grave fator que compromete
a efetividade das iniciativas pblicas para o setor.
Em que pese no ser objeto do presente trabalho o exame apurado dos problemas do
SUS, ttulo de ilustrao, faz-se imperioso destacar que da leitura de dados da OMS
extrados em 2011 depreende-se que26
:
24
PAIM, Jairnilson Silva. O sistema de sade brasileiro: histria, avanos e desafios. p. 28. Disponvel em:
http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor1.pdf. Acessado em: 11/02/2013. 25
SOLLA, J. Chioro A. Ateno ambulatorial especializada. In: GIOVANELLA, Lvia (Org). Polticas e
sistema de sade no Brasil. Rio de Janeiro: FioCruz: 2008, p. 672 e 673. 26
Disponvel em: http//www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/04/130402_saude_gastos_publicos_lgd.sht.
Acesso em: 04/03/2013.
http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor1.pdf
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35
a) no Brasil os gastos privados com sade correspondem a 54% das despesas totais do
setor enquanto que os gastos pblicos financiam os 46% restantes (para se ter um
ideia, na Colmbia o financiamento pblico na rea de 74% e no Chile 68%);
b) a parcela do oramento federal destinada sade gira em torno de 8,7% enquanto a
mdia dos pases africanos 10,6% e a mdia mundial, 11,7%;
c) o gasto anual do governo com a sade de cada habitante corresponde a cerca de
US$ 477 dlares, bem abaixo da mdia mundial (US$ 716 dlares) e dos nmeros de
pases vizinhos como Argentina (US$ 866 dlares) e Chile (US$ 607 dlares);
Ainda, conforme dados do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), h um
claro descompasso na execuo do oramento em relao ao crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB), vez que no perodo de 1995 a 2010 a mdia de investimento em sade foi de
1,68% do PIB, enquanto a OMS recomenda a aplicao de pelo menos 5% do PIB para a
obteno de padres eficientes de atendimento27
.
Contudo, se por um lado os dados acima levam a crer que ainda falta investimento em
recursos para a sade, inegvel que esta no a nica dificuldade da sade pblica no
Brasil, visto que h uma verdadeira multicausalidade no tema que engloba tambm a crise de
gesto pela qual passa o SUS, os problemas relacionados corrupo somados impunidade
quanto aos desvios de verbas da sade e a necessidade de uma delimitao mais clara dos
investimentos em sade com a melhoria da fiscalizao dos mesmos.
Vislumbra-se, portanto, que o maior desafio enfrentado pelo SUS poltico, sendo
necessria uma unio de esforos tanto dos governantes, como da sociedade aliada aos rgos
de fiscalizao da gesto pblica, para se alcanar uma melhoria estrutural em seu
funcionamento capaz de fazer valer, na prtica, as disposies normativas previstas,
contribuindo, assim, para uma maior concretizao do direito fundamental sade a partir do
agir comunicativo da sociedade28
.
2.5 AS IMPLICAES DA PROTEO INTERNACIONAL DO DIREITO SADE NO
ORDENAMENTO PTRIO.
27
CASTRO, Jorge Abraho. Gasto Social Federal: uma anlise da prioridade macroeconmica no perodo
1995-2010. Nota Tcnica do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), disponvel em:
http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/120904_notatecnicadisoc09_apresentacao.pdf
. Acessado em: 06/03/2013. 28
PAIM, Jairnilson Silva. Bases conceituais da reforma sanitria brasileira. In: FLEURY, Snia. (Org.). Sade e
democracia: a luta do CEBES. So Paulo, Lemos, 1997, p. 20-22.
http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/120904_notatecnicadisoc09_apresentacao.pdfhttp://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/120904_notatecnicadisoc09_apresentacao.pdf
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36
Para o exame da sade como direito humano e a exata noo de sua abrangncia
protetiva em mbito internacional, faz-se necessrio analisar os principais documentos que
tratam dos direitos humanos tanto em nvel universal como regional (especialmente no
continente americano), de modo a se extrair dos mesmos as disposies correlatas com a
temtica da sade.
No que se refere ao sistema universal, tem-se que a Declarao Universal de Direitos
Humanos (DUDH), adotada pela III Assembleia Geral das Naes Unidas sob a forma de
resoluo em 10 de dezembro de 1948, consolidou a afirmao de uma tica universal ao
consagrar um consenso, de carter vinculante, sobre valores a serem seguidos pelos Estados a
partir da conjugao do valor liberdade com o da igualdade, impondo-se como um cdigo de
conduta voltado ao reconhecimento universal dos direitos humanos29
.
Nesse contexto, apesar de, indiretamente, diversos dispositivos deste diploma se
correlacionarem com o direito humano a sade (por exemplo: art. 3, trata do direito vida;
art. 5, da proibio da tortura; art. 22, direitos sociais indispensveis dignidade e garantidos
pela cooperao internacional) a meno expressa a tal direito social encontra-se no art. 25, o
qual faz aluso ao acesso s condies mnimas de sade e bem-estar, inclusive a cuidados
mdicos e servios sociais indispensvel, abrangendo, desta maneira, uma percepo da sade
de maneira ampla e aproximada da concepo propagada pela OMS30
. Dispe o art. 25 da
Declarao que:
Todo homem tem direito a um padro de vida capaz de assegurar a si e a sua
famlia sade e bem-estar, inclusive alimentao, vesturio, habitao,
cuidados mdicos e os servios sociais indispensveis, e direito segurana
em caso de desemprego, doena, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos
de perda dos meios de subsistncia em circunstncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infncia tm direito a cuidados e assistncia especiais.
Todas as crianas, nascidas dentro ou fora do matrimnio gozaro da mesma
proteo social. (Grifos acrescidos)
Alm da Declarao Universal de Direitos Humanos31
, um importante avano foi dado
em 1966 com o intuito de explicitar melhor os direitos j consagrados na DUDH, bem como
29
PIOVESAN, Flvia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7 ed. So Paulo: Saraiva,
2006, p. 133. 30
TORRONTEGUY, Marco Aurlio Antas. O direito humano sade no Direito Internacional: Efetivao
por meio de cooperao sanitria. Tese de Doutorado. USP: So Paulo, 2010, p. 83. 31
Conforme as lies de Maria Helena Rodriguez, a DUDH consolidou-se como um verdadeiro cdigo de
princpios e valores universais ocasionando uma chamada globalizao dos direitos humanos por baixo (ao
contrrio da globalizao por cima tpica das estruturas de comunicao, comrcio e poltica) calcada no
desenvolvimento e emancipao do ser humano mediante a conquista concreta de um rol de direitos por todas as
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37
de fortalecer os mecanismos de controle da efetivao desses direitos pela comunidade
internacional. Tal fato consistiu na celebrao do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Polticos (PIDCP) e do Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais
(PIDESC), os quais reforaram a positivao dos direitos humanos em mbito internacional e
trouxeram aspectos relevantes quanto ao direito sade.
O PIDCP apresenta diversos dispositivos com ligao indireta com o direito humano
sade ora por externarem um reforo do direito vida e integridade humana (como o caso
da proibio da tortura e da vedao do uso da pessoa em experimentos mdicos ou
cientficos sem livre e legtimo consentimento), ora como uma limitao, de ordem pblica,
ao exerccio de outros direitos humanos como o direito de entrar e sair do pas e a nele
circular livremente, o qual pode ser restringido em defesa da sade pblica.
J no PIDESC h uma proteo mais enftica quanto ao direito sade especialmente
nos artigos 11 e 12, os quais refletem a noo construda de que a dignidade inerente
pessoa humana por meio tanto da previso de aspectos materiais promovedores da sade (art.
11) como do prprio direito a sade em sentido estrito (art. 12):
Artigo 11.
1. Os Estados Signatrios do presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa a um nvel de vida adequado para si e sua famlia, inclusive
alimentao, vestimenta e moradia adequadas, e ao melhoramento contnuo
das condies de existncia. (...)
Artigo 12.
1. Os Estados signatrios do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais alto nvel possvel de sade fsica e mental.
2. Entre as medidas que devero ser adotadas pelos Estados Signatrios do Pacto a fim de assegurar a plena efetividade deste direito, figuraro as
necessrias para:
a) A reduo da mortalidade infantil e do ndice de natimortos, bem como o desenvolvimento sadio das crianas;
b) O aprimoramento em todos os seus aspectos da higiene do trabalho e do meio ambiente;
c) A preveno e o tratamento das doenas epidmicas, endmicas, profissionais e de outro tipo, e a luta contra elas.
d) A criao de condies que garantam a todos assistncia mdica e servios mdicos em caso de doena.
A abertura de um dispositivo especfico sobre sade significou, antes de tudo, um
importante avano na proteo desse direito j que, at ento, a grande maioria das referncias
ao mesmo era feita de forma indireta. Contudo, a principal contribuio do mencionado
pessoas. RODRIGUEZ, Maria Helena. Os direitos econmico, sociais e culturais: uma realidade inadivel. In:
Revista Trimestral de Debate FASE, v.31, n 92, p. 18-38, mar./maio, 2002, p. 19.
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artigo 12 foi a listagem de aes estatais essenciais para a garantia da plena efetividade do
direito sade com a apresentao das balizas centrais ou frentes prioritrias as quais os
Estados Membros devem se preocupar quando tratam da temtica da sade pblica,
consistindo tal contributo, assim, em importante parmetro para a construo de um mnimo
existencial quanto a este direito fundamental.
Antes de avanar, impende destacar um aspecto concernente aos citados Pactos que
ser relevante no estudo da eficcia e efetividade dos direitos sociais (em especial, o direito
sade) tratado mais a frente. Tal aspecto diz respeito complementaridade nsita aos dois
pactos no sentido de que o fato de o PIDCP asseverar que os direitos civis e polticos so
autoaplicveis (art. 2) e o PIDESC, por sua vez, estabelecer uma obrigao de realizao
progressiva, nos limites dos recursos disponveis, visando mais completa realizao dos
direitos elencados (art. 2),