UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ATROPOLOGIA
ANA CAROLINA CARVALHO DE ALMEIDA NASCIMENTO
O SEXTO SENTIDO DO PESQUISADOR:
A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA DE EDISON CARNEIRO
RIO DE JANEIRO
2010
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ANA CAROLINA CARVALHO DE ALMEIDA NASCIMENTO
O SEXTO SENTIDO DO PESQUISADOR:
A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA DE EDISON CARNEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre
Orientador:
Prof. Dr. José Reginaldo Santos Gonçalves
Rio de Janeiro
2010
NASCIMENTO, Ana Carolina Carvalho de Almeida (1983-)
O sexto sentido do pesquisador: a experiência etnográfica de Edison Carneiro.
Rio de Janeiro, 2010.
174 f.
Dissertação (Mestrado em Sociologia - com concentração em Antropologia) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, 2010.
Orientador: José Reginaldo Santos Gonçalves.
1. Antropologia 2. Experiência Etnográfica 3. História da Antropologia 4.
Antropologia das Religiões Afro-Brasileiras 5. Edison Carneiro
I. GONÇALVES, JOSÉ REGINALDO SANTOS (Orient.). II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Antropologia. III. Título
ANA CAROLINA CARVALHO DE ALMEIDA NASCIMENTO
O SEXTO SENTIDO DO PESQUISADOR:
A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA DE EDISON CARNEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre
Aprovada em 06 de maio de 2010
Banca Examinadora
______________________________________________________________________________
Prof. Dr. José Reginaldo Santos Gonçalves – Orientador (PPGSA – UFRJ)
______________________________________________________________________________
Profa. Dra. Regina Abreu (PPGMS – UNIRIO)
______________________________________________________________________________
Prof. Dr. Marco Antonio Gonçalves (PPGSA – UFRJ)
______________________________________________________________________________
Profa. Dra. Márcia Contins (Suplente) (PPCIS – UERJ)
______________________________________________________________________________
Profa. Dra. Elsje Lagrou (Suplente) (PPGSA – UFRJ)
Resumo
Proponho neste trabalho uma reflexão sobre a experiência etnográfica de Edison Carneiro
em Salvador (Bahia), nos anos 1930. Lanço a hipótese de que neste período ele se elabora
subjetivamente enquanto um pesquisador de campo, definindo uma identidade autoral que o
particularizaria em relação aos seus mestres, Nina Rodrigues e Arthur Ramos. Ao travar
encontros e negociações com pais e mães-de-santo de terreiros de candomblé “nagôs”, “bantos”
ou “caboclos”, ele escreve sua própria história do candomblé da Bahia. Procuro dialogar com as
leituras correntes da obra do autor no campo que se convencionou chamar dos estudos afro-
brasileiros. Exploro também a idéia de que Carneiro atua como um mediador entre os universos
aos quais está vinculado: intelectuais e nativos, antropologia brasileira e norte-americana, centro
e periferia, papel que seria permitido pela ambigüidade constitutiva de sua própria figura.
Abstract
Through this paper I propose a reflection about the ethnographic experience of Edison
Carneiro in Salvador (Bahia) in the 1930‟s. I launch the hypothesis that in this time period he
elaborates himself subjectively as a field researcher, defining an author identity that
particularizes him from his masters, Nina Rodrigues and Arthur Ramos. By setting up meetings
and negotiations with cult chiefs (pais e mães-de-santo) of “nagô”, “banto” or “caboclo”
candomble worship houses (terreiros de candomblé), he writes his own history of Bahia‟s
candomble. I intend to dialogue with current readings on the author‟s work in the field that has
been called afro-brazilian studies. I also explore the idea that Carneiro acts as a mediator
between the universes he is bound: intellectuals and natives, Brazilian and North-American
anthropology, center and periphery, this being a role granted by his figure‟s constitutive
ambiguity.
À memória de Edison Carneiro, a um só tempo “Jovem Feiticeiro” e “Mestre Antigo”
A Waldir, Bráulio, Vicente e Philon, que dividiram comigo suas memórias
Agradecimentos
Ao meu orientador, José Reginaldo Santos Gonçalves, que me “apresentou” ao Edison
Carneiro e me acompanhou com dedicação e paciência ao longo de toda a graduação e do
mestrado.
À Professora Martha Abreu, que me ensinou que a história, a cultura e as festas são
políticas, e que devemos olhar para elas sempre procurando as frestas, a resistência, as lutas dos
“de baixo”.
À Professora Regina Abreu, que compartilha do encantamento por Edison Carneiro e
dividiu comigo tão generosamente conversas, idéias e materiais de pesquisa.
Ao Professor Marco Antonio Gonçalves que aceitou gentilmente o convite para participar
de minha banca e também se deixou encantar por Edison Carneiro.
Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Aos meus Professores,
que me incentivaram a fazer este trabalho, leram e comentaram suas versões preliminares, e
foram referências intelectuais que me inspiraram ao longo de minha formação: Maria Laura
Viveiros de Castro Cavalcanti, Yvonne Maggie, Peter Fry, Emerson Giumbelli, Olívia Cunha e
Matthias Rohrig Assunção. À CAPES que financiou a pesquisa e permitiu a realização deste
trabalho.
Ao Professor Waldir Freitas Oliveira, que me recebeu em sua casa em Salvador em uma
manhã de sol para contar suas tantas histórias, numa conversa na varanda sob a sombra das
árvores de seu quintal.
Aos Professores Bráulio do Nascimento e Vicente Salles, companheiros de Edison
Carneiro, de seu projeto e de sua missão. Guardo com carinho nossos bate-papos, almoços, aulas
e entrevistas.
A Philon Carneiro, pelos encontros emocionados e presentes inesquecíveis.
A todos da Biblioteca Amadeu Amaral, do Museu de Folclore Edison Carneiro, que
facilitaram o meu acesso aos arquivos. À Doralice e Mariza, pelos cuidados com os papéis de
Edison Carneiro. À Diretora do Museu, Cláudia Márcia Ferreira.
Regina Abreu me sugeriu olhar para o encontro entre Edison Carneiro e Ruth Landes a
partir de uma “antropologia da amizade”. Agradeço às amizades inspiradoras de Fernanda Mesa,
Adriana Xerez, Ana Letícia Canegal, Nina Pinheiro Bitar, Maria Raquel Passos Lima, Bruno
Cardoso, Ana Gabriela Morim de Lima, Flora Moana Van de Beuque, Natasha Neri, Sílvia
Monnerat e Mariana da Luz. Um agradecimento especial a Clarissa Menezes, que desenhou os
mapas que acompanham essa dissertação e a Maria Raquel Passos Lima e Paloma Espínola, que
revisaram o texto.
A Ana, Guilherme e Popó, minha família conquistada, que me acolheu na sua casa e em
suas vidas.
A Francisco que, como Edison Carneiro, “carrega consigo outros mundos que a
imaginação e os livros lhe meteram na cabeça”, e me leva pela mão a passear por eles.
Aos meus pais, Luiz Carlos e Terezinha, e meu irmão Leandro, com todo o meu amor.
Sumário
Apresentação................................................................................................................................16
Capítulo 1
Edison Carneiro: um intelectual em permanente movimento................................................18
1.1 – O que importa é o povo: Edison Carneiro e os estudos de folclore......................................20
1.2 – Ô dai-me licença, Ô dai-me licença! Abre a porta, Que eu quero vir dançar: O lugar da
etnografia de Edison Carneiro no campo de estudos das religiões afro-
brasileiras.......................................................................................................................................23
1.3 - Está à mão, uma incrível macafuzada, e eu por nada no mundo o passaria à maquina:
Os arquivos de Edison Carneiro e a produção de sua memória.....................................................26
Capítulo 2
Edison Carneiro entre mundos
2.1 - To Edison, on the contrary, the “field” was his life as well………………………………….38
2.2 - Das Religiões Negras para os Negros Bantos:
O lugar do trabalho de campo na trajetória de Edison Carneiro..................................................50
2.3 – Redes intelectuais e políticas da antropologia brasileira na década de 1930.......................67
2.4 - Crônica juvenil da maravilhosa Bahia: O encontro entre Edison Carneiro e Ruth
Landes............................................................................................................................................72
2.5 - Coligir notas, classificar dados, sistematizar o material recolhido:
Manual de pesquisa......................................................................................................................80
2.6 - A gente qué samba, Mas a poliça contrareia…
Por uma escrita militante......................................................................................................86
2.7 – Edison Carneiro mediador....................................................................................................91
2.8 - Conseguir um lugar ao sol para o negro banto da Bahia:
O II Congresso Afro-Brasileiro e a União das Seitas Afro-Brasileiras........................................99
Capítulo 3
Edison Carneiro em campo
3.1 – Jogo de Pureza(s) e Impureza(s): dos “nagôs” para os “bantos”, dos “bantos” para os
“caboclos”, dos “candomblés de caboclo” para as “sessões de caboclo”....................................107
3.2 – As diversas maneiras, formas inesperadas, particularidades interessantes:
Da teoria para a etnografia...........................................................................................................115
3.3 – África no Brasil...................................................................................................................121
3.4 – Uma obra coletiva...............................................................................................................125
3.5 - O eminente scholar (e candomblezeiro) dr. Édison Carneiro.............................................137
Considerações Finais
Roteiro Lírico e Sentimental da “Cidade da Bahia” (e outros lugares por onde passou e se
encantou o poeta.........................................................................................................................143
Anexos:
Anexo I: Textos de Edison Carneiro
Onde Judas perdeu as botas (1931)..............................................................................................146
Presente à mãe d‟água (1934)......................................................................................................149
Anexo II: Artigos de Edison Carneiro publicados em
periódicos....................................................................................................................................154
Referências...............................................................................................................................167
Lista de Ilustrações
Figura 1: Dia do Folclore, ano de 1961. Edison Carneiro entregando flores a uma
baiana.............................................................................................................................................22
(Acervo Áudio-Visual do Museu de Folclore Edison Carneiro)
Figura 2: Documento de Edison Carneiro guardado no Arquivo Edison Carneiro do Museu de
Folclore Edison Carneiro. Ficha de um Terreiro de Umbanda produzida por Edison Carneiro para
a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro...............................................................................35
(Arquivo Edison Carneiro/ Bibllioteca Amadeu Amaral/ Museu de Folclore Edison Carneiro)
Figura 3: Doação da Coleção de Livros de Edison Carneiro para a Biblioteca Amadeu Amaral
(sem data). Vemos na fotografia a viúva de Edison Carneiro, Dona Magdalena Carneiro e seu
filho, Philon Carneiro. Na fotografia também estão retratados o Professor Bráulio do Nascimento
e a Diretora do Museu do Folclore Cláudia Márcia Ferreira.........................................................36
(Acervo Áudio-Visual do Museu de Folclore Edison Carneiro)
Figura 4: Edison Carneiro em seu escritório em casa, no bairro do Leblon, Rio de Janeiro.
Destaco a imagem de Exu em uma das prateleiras da estante, ao fundo da foto...........................37
(Acervo de Philon Carneiro)
Figura 5: Mapa 1: Alguns pontos da circulação cotidiana de Edison
Carneiro..............................48
Figura 6: O grupo da Academia dos Rebeldes. Jantar oferecido a Edison Carneiro quando da
publicação de Religiões Negras, na noite de 27 de novembro de 1936, no restaurante Recreio
Baiano, Baixa dos Sapateiros, em Salvador. Sentados, da esquerda para a direita, Azevedo
Marques, João Cordeiro, Edison Carneiro, Jorge Amado e Clóvis Amorim; em pé, Áydano do
Couto Ferraz (à esquerda) e Alves Ribeiro....................................................................................49
(Acervo do Professor Waldir Freitas Oliveira. Publicada em Revista de Cultura da
Bahia./Secretaria da Cultura e Turismo do estado da Bahia. Conselho Estadual de Cultura – n.20
(2002)
Figura 7: Mapa 2: Terreiros de Candomblé em que Edison Carneiro fez trabalho de campo para o
livro Religiões Negras...................................................................................................................65
Figura 8: Mapa 3: Terreiros de Candomblé em que Edison Carneiro fez trabalho de campo para o
livro Negros Bantos......................................................................................................................66
Figura 9: Famosa foto publicada em muitos trabalhos de história da antropologia. Édison
Carneiro, Raimundo Lopes, Charles Wagley, Heloisa Alberto Torres, Claude Lévi-Strauss, Ruth
Landes, Luís de Castro Faria, no jardim do Museu Nacional em 1939.........................................71
(Publicada em Corrêa, Mariza. Antropólogas e Antropologia. Belo Horizonte, Editora UFMG,
2003).
Figura 10: Edison Carneiro em 1939, aos 26 anos de idade. Foto de Ruth Landes.
……………………………………………………………………………………………............78
(National Anthropological Archives, Smithsonian Institution. Publicada em Colle, Saly. Ruth
Landes – A Life in Anthropology. University of Nebrasca Press, 2003).
Figura 11: Mapa 4: Circulação de Edison Carneiro com Ruth Landes........................................79
Figura 12: Mapa 5: Lugares de Realização dos Eventos que fizeram parte do Segundo Congresso
Afro-Brasileiro.............................................................................................................................106
Figura 13: Desenho de Edison Carneiro, publicada no livro Negros Bantos com a legenda
“Mappa do sul da Africa, vendo-se assignalados os principaes pontos de partida dos negros
bantus para o Brasil”....................................................................................................................114
Figura 14: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “O pae-
de-santo João da pedra Preta, do candomblé da Goméa”............................................................134
Figura 15: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “O pae-
de-santo Manuel Paim, do Alto do Abacaxi................................................................................135
Figura 16: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “A
paramenta official dos candomblés característicamente caboclos).............................................136
16
Apresentação
Proponho aqui um exame da experiência etnográfica de Edison Carneiro (Salvador, 1912
– Rio de Janeiro, 1972) na cidade de Salvador dos anos 1930, entre pais e mães de santo de
terreiros de candomblé “nagô”, “banto” e “de caboclo” e mestres de capoeira, samba e batuque.
Reflito sobre como Edison Carneiro se iniciou na experiência do trabalho de campo e como
construiu sua relação com seus informantes.
Este autor circula ao longo de sua carreira entre mundos bastante diversos: as ciências
sociais e o folclore; a antropologia brasileira e a norte-americana; o universo dos intelectuais e o
universo nativo; o Rio de Janeiro e a Bahia. Encontrando em campo uma trajetória tão
heterogênea, tive de fazer algumas escolhas que me guiassem. Orientei-me entre a escrita de seus
livros e artigos de jornal, o material do Arquivo Edison Carneiro guardado no Museu de Folclore
Edison Carneiro e o trabalho de campo e entrevistas realizadas com pessoas que tiveram uma
inserção especial na trajetória pessoal de Edison Carneiro.
O primeiro capítulo da dissertação introduz um diálogo entre a minha própria experiência
de pesquisa com o material que encontrei no meu trabalho de campo e a experiência de pesquisa
do autor em seu trabalho de campo.
No segundo capítulo descrevo as redes de relação pessoal com as quais Edison Carneiro
esteve envolvido ao longo da década em foco: os intelectuais que de alguma forma participaram
do processo de institucionalização acadêmica da disciplina antropológica brasileira e os chefes
de culto de terreiros de candomblé de Salvador. Apresento também um evento singular, o
17
Segundo Congresso Afro-Brasileiro organizado pelo autor em Salvador, no ano de 1937, no qual
promove um encontro entre essas duas redes de pessoas.
No terceiro capítulo busco refletir sobre como tais redes de relação pessoal e intelectual
irão repercutem na escrita dos seus textos, mas precisamente, dos seus dois primeiros livros,
Religiões Negras e Negros Bantos.
18
Capítulo 1
Edison Carneiro: um intelectual em permanente movimento
A primeira vez que ouvi falar no nome de Edison Carneiro foi ainda no início do curso de
graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Eu era bolsista de
iniciação científica em uma pesquisa sobre As Festas do Divino Espírito Santo, orientada pelo
Professor José Reginaldo Santos Gonçalves. O trabalho de pesquisa começou por uma leitura da
bibliografia sobre festas populares em que dividíamos, apenas para fins esquemáticos, os autores
que a produziram entre antropólogos, historiadores e folcloristas. A este último conjunto
pertenciam uma série de autores que não costumam ser lidos no curso de Ciências Sociais, dentre
eles, Edison Carneiro. Partimos para a leitura do livro de Luís Rodolfo Vilhena, o primeiro
grande estudo sobre esse grupo de autores, que renovou entre os estudiosos o interesse pelo
assunto e impulsionou uma série de pesquisas sobre cada um deles. Contudo, embora tais
folcloristas sejam lidos por Vilhena como um conjunto, possuem trajetórias e pensamento
bastante heterogêneos.
Eu passava tardes inteiras na Biblioteca Amadeu Amaral do Museu de Folclore lendo
textos sobre os mais diversos assuntos, de autores como Renato Almeida, Manuel Diégues
Junior, Alceu Maynard Araújo e do próprio Edison Carneiro. Sem saber ao certo o que devia
buscar nesses textos, procurei meu orientador pedindo que delimitasse melhor o que eu deveria
fazer na pesquisa, pois achava que estava perdendo tempo lendo tantos textos sem dar uma
direção mais específica a essas leituras. Ele me respondeu que é exatamente nesse momento em
19
que nos vemos perdidos em meio ao material que estamos fazendo pesquisa de verdade. E ele
estava certo! A partir de então, a figura de Edison Carneiro destacou-se aos poucos, despertando
cada vez mais o meu interesse.
20
1.1 – O que importa é o povo1:
Edison Carneiro e os estudos de folclore
A imagem de Edison Carneiro folclorista é uma das mais poderosas das que foram
produzidas sobre o autor. A atuação de Edison Carneiro mais destacada em suas biografias foi a
que se deu na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, como integrante do grupo de trabalho
que a estruturou; membro do conselho técnico, a partir do ano de 1958, quando foi instaurada
pelo governo de Juscelino Kubitschek, e Diretor-Executivo até 1964, quando passou a ser
perseguido pela ditadura militar (Carneiro já havia sofrido perseguições e prisões durante o
regime do Estado Novo de Getúlio Vargas) 2.
Estes “folcloristas” concebiam a “cultura popular” como objeto de uma preocupação
política: era preciso preservá-la para garantir a permanência da „identidade nacional”. Sua
atuação se deu de forma mobilizadora: conseguiram criar agências estatais, fizeram apelos à
imprensa, produziram publicações do movimento, realizaram congressos e festivais folclóricos
pelo país com grande número de participantes.
A formação do campo de estudos de folclore foi marcada por uma relação de permanente
tensão com as ciências sociais em fase de institucionalização acadêmica no Brasil, a partir da
figura de Florestan Fernandes e da escola paulista de sociologia, que se esforçou para definir o
formato dessas ciências e demarcar suas fronteiras.
Edison Carneiro foi uma das lideranças principais do movimento folclórico,
principalmente por suas pesquisas nas escolas de samba cariocas, a participação em congressos
1 Góes, 1971
2 Para um exame detalhado da trajetória dessas instituições, ver Cavalcanti e Vilhena, 1992; e Vilhena, 1997.
21
que discutiam os rumos que estas deveriam tomar, as publicações sobre o assunto e sobre muitos
outros temas da “cultura popular”.
Edison Carneiro, dentre esse grupo dos folcloristas, aparecia como um dos mais atuantes,
uma liderança do grupo, incentivando debates, articulando congressos, apresentações,
publicações, mediando conflitos, conciliando diferenças.
É assim que ele aparece na fala de Vicente Salles, seu companheiro na Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro:
O Edison nos ensinou uma coisa importante, que era não só conviver com a
teoria, como conviver também com a prática, ele nos levava aos grupos
populares (...) escolas-de-samba, partido alto (...) ele nos proporcionava isso de
ir à fonte, de não ficar no gabinete, era do estilo dele de trabalho essa pesquisa
participante (...) o Edison nos impulsionava no sentido teórico e no sentido
prático (...) e os contatos que ele fazia, lá na nossa repartição a gente recebia os
pais-de-santo, e recebia também grandes figuras, Niemeyer, Luis Carlos Prestes,
a gente convivia com essas polaridades, com esses extremos, a vida dele era
uma vida de abertura pra todos os ângulos (...) Era aceito porque falava de igual
pra igual, tinha esse dom de ser um elemento aglutinador, ele falava bem, se
expressava bem e não impunha barreiras no seu contato com as figuras
populares, ele próprio era uma figura popularíssima3.
Ao mesmo tempo, foi ele quem esteve em diálogo mais próximo com Florestan
Fernandes, formulando o corpo teórico do que seria a ciência do folclore, uma vez que os
folcloristas eram acusados pelos cientistas sociais, entre outras coisas, de “anotadores
arbitrários”. Foi aí que ele chamou pela primeira vez a minha atenção. Se existia uma disputa de
campos e de identidades intelectuais, Edison Carneiro parecia transitar entre os dois lados.
3 Entrevista realizada com Vicente Salles, que integrou, junto a Edison Carneiro, a Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro.
22
Figura 1: Dia do Folclore, ano de 1961. Edison Carneiro entregando flores a uma baiana
Acervo Áudio-Visual do Museu de Folclore Edison Carneiro
23
1.2 - Ô dai-me licença,
Ô dai-me licença!
Abre a porta,
Que eu quero vir dançar4
O lugar da etnografia de Edison Carneiro no campo de estudos das religiões afro-
brasileiras
O segundo momento em que a figura de Edison Carneiro me foi apresentada foi durante a
leitura do livro A Cidade das Mulheres, da antropóloga americana Ruth Landes, que fez
pesquisas em Salvador entre os anos de 1938 e 1939. Ali novamente Edison Carneiro aparecia
em destaque, como um guia da antropóloga americana pelos terreiros de candomblé de Salvador,
numa relação que parecia bastante íntima com mães, pais, filhas e filhos de santo. Comecei a
pensar que, além de folclorista e talvez cientista social, ele também era de alguma forma um
“nativo”. E uma frase que ouvi durante as aulas que discutiram esse livro no meu curso de
graduação não saiu de minha cabeça: “Edison Carneiro foi um etnógrafo, mas morreu como
folclorista”. O que será que estava em jogo nessas classificações?
Na mesma ocasião li os livros de Beatriz Góis Dantas e Stefania Capone, sobre a
“construção da pureza nagô”. Com isso, revelou-se mais uma face do autor, que até então eu
pouco conhecia e não conseguia compreender muito bem: mais uma vez, como parte de um
grupo de autores, os fundadores do campo dos estudos afro-brasileiros, ao lado de outros de
quem já tinha ouvido falar bastante: Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Roger Bastide, Pierre
Verger. Uma das primeiras referências em sua biografia para a qual se chama atenção é a
organização do II Congresso Afro-Brasileiro em Salvador, em 1937, um congresso que dava
4 Cantiga do “caboclo Ogum” recolhida por Edison Carneiro na “sessão de caboclo” de Carmosa.
24
sequência ao I Congresso Afro-Brasileiro, organizado por Gilberto Freyre em Recife, alguns
anos antes. Gilberto Freyre já havia publicado Casa-Grande & Senzala e Edison Carneiro, com
apenas 24 anos, já travava um diálogo intenso com o sociólogo. Se, por um lado, o lugar de
Edison Carneiro nas Ciências Sociais ganhava para mim uma nova dimensão – de “peso”‒ já que
figurava como um dos fundadores de um campo de estudos, por outro, as mesmas autoras que
me chamaram atenção para isso pareciam-me dar por encerrado qualquer possível interesse na
obra do etnógrafo.
Essa é outra das imagens mais fortes que foram produzidas sobre o autor. Seguindo a
análise já clássica de Beatriz Góis Dantas do tema da construção da “pureza nagô”, Carneiro tem
sido genericamente lido como parte de um conjunto amplo de pesquisadores que estariam
comprometidos com a construção e valorização do que seria a tradição nagô ou ioruba, e com a
consequente desvalorização de outras tradições religiosas, principalmente as identificadas como
bantos ou caboclos (Dantas, 1988; Silva, 1992 e 1995; Santos, 1995; Healey, 1996; Capone,
2004; Nucci, 2005). Essas leituras exploram as alianças que teriam se estabelecido entre tais
pesquisadores e os chefes de culto dos três terreiros de candomblé tidos como os mais antigos da
Bahia: O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho (Sociedade São Jorge do Engenho Velho
ou Ilê Axé Iyá Nassô Oká), o Terreiro do Gantois (Sociedade São Jorge do Gantois ou Ilê Iyá
Omi Axé Yamassê) e o Centro Cruz Santa do Axé do Opó Afonjá (Ilê Axé Opô Afonjá), os dois
últimos nascidos de cisões do primeiro.
Porém, em seus textos escritos sobre o II Congresso Afro-Brasileiro, ele enfatizava o lugar
de destaque dos pais de santo nas mesas de discussão, não só os de terreiros de candomblé nagô,
mas também bantos e caboclos. A partir do II Congresso Afro-Brasileiro, Carneiro buscou
incentivar a congregação dos chefes de cultos brasileiros de origem africana (tal qual os definia)
25
em torno de uma associação que unificasse as lutas pelas suas reivindicações – a União das
Seitas Afro-Brasileiras. O congresso contou com a participação, em presença ou com o envio de
comunicações, de boa parte dos intelectuais brasileiros que se preocupavam com o tema das
relações raciais, além de norte-americanos, cubanos e nigerianos; das lideranças de terreiros de
candomblé de tradições diversas e mestres de capoeira, samba e batuque, tanto participando das
mesas de discussão, quanto organizando apresentações, festas e festivais para os congressistas.
Tal empreendimento do congresso nos anos 1930 pareceu-me uma experimentação interessante.
Em alguns de seus escritos, Carneiro parecia de fato um defensor da “pureza nagô”, um
teórico evolucionista, o que me provocava certo desânimo. Como dar conta desse incômodo?
Talvez fossem as minhas próprias ambiguidades em relação ao meu campo que mostravam-se
explícitas. Em outros lugares, a sua escolha por categorias como “rebeldia”, “beleza”,
“importância”, para falar de alguns pais de santo de terreiros de caboclo, e, da mesma forma, a
categoria “tirania” para falar de mães de santo de terreiros nagô, reacendiam meu interesse. Não
por inverterem o discurso da pureza, mas porque mostravam que as relações cotidianas entre ele
e cada um desses sujeitos ganhavam espaço em meio às teses mais generalizantes, produzindo
uma escrita dividida contra si mesma.
Seus textos insistiam em me fazer questionar essa imagem fixada. Neles, teoria e
etnografia se articulam de forma complexa: se, de um lado temos a tese da “pureza nagô”, de
outro, temos sua autoria, que é singular.
26
1.3 - Está à mão, uma incrível macafuzada, e eu por nada no mundo o passaria à maquina:5
Os arquivos de Edison Carneiro e a produção de sua memória
Depois de ler a maior parte de seus livros, continuei a pesquisa, buscando nos seus
arquivos documentos de outras naturezas.
O arquivo Edison Carneiro do Museu de Folclore Edison Carneiro, no bairro do Catete, no
Rio de Janeiro, indexado no acervo dos folcloristas da Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro, é composto de três caixas. A primeira delas contém manuscritos e primeiras versões
de textos, publicados por ele em sua maioria, outros publicados após a sua morte, e alguns
poucos inéditos; na segunda está sua correspondência expedida e recebida entre 1941 e 1971,
quase toda referente às atividades na CDFB; e na terceira, pareceres de leitura e documentos dos
mais variados: convites para eventos, certificados, mandados de busca e apreensão, documentos
de sua aposentadoria, contratos, recortes de jornal.
A informação que se tinha no Museu do Folclore, onde está guardado o acervo, é a de que
ele fora doado pela Fundação Casa de Rui Barbosa onde estava antes disso, mas não havia
nenhuma documentação referente a essa doação. Só se sabia disso por haver um carimbo da
fundação em um documento de Pedro Nava que veio por engano no conjunto. Procurei reunir
mais pistas da trajetória desse arquivo em entrevistas com a diretora do Museu de Folclore,
Cláudia Márcia Ferreira e com uma funcionária antiga da Casa de Rui Barbosa, Eliane
Vasconcelos. Mesmo assim não conseguimos encontrar documentos ou datas da doação. A
história que se contava era que a viúva de Edison Carneiro quis doar o arquivo para a Fundação
Casa de Rui Barbosa, pois o diretor responsável na época, Plínio Doile, era amigo da família.
5 Edison Carneiro, em carta a Arthur Ramos, sobre um “vocabulário maluco nagô-português” em que estava
trabalhando. (Oliveira e Lima, 1987)
27
Quando a atual diretora do Museu de Folclore assumiu o cargo, os arquivos foram depositados lá
definitivamente. Dos livros de Edison Carneiro, ele próprio levou muitos para a Biblioteca
Amaral, quando de sua fundação, em 1961, para iniciar a formação de seu acervo. Já na década
de 1990, seu filho Philon fez a doação dos restantes. O arquivo encontra-se atualmente em fase
de digitalização, como parte dos preparativos para a comemoração do centenário de Edison
Carneiro, que se aproxima. A funcionária responsável pelo arquivo contou que nos últimos cinco
anos a procura desses documentos por pesquisadores cresceu enormemente.
Os arquivos do Museu de Folclore foram produzidos com uma marca fortemente
profissional, oficial e formal. Eu me perguntava o quanto este controle partiu da família que
selecionou o que deveria ir para o Museu e o que não deveria, ou dos responsáveis pela
organização do arquivo no Museu de Folclore, já que sua própria história, em certa medida, se
confunde com a de Edison Carneiro. Não há quase nada nesta coleção que se aproxime de um
arquivo “pessoal”: cartas, diários, fotografias de família, ou mesmo cadernos de campo. Alguns
dos artigos que poderiam ser lidos como um diário de campo foram organizados por Vicente
Salles numa publicação póstuma, o livro Folguedos Tradicionais, em 1974.
O fato me levou a continuar a busca nos arquivos das instituições de pesquisa de Salvador,
sua cidade natal ‒ o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, o Arquivo Público da Bahia, o
Arquivo Histórico Municipal, a Biblioteca Pública do Estado da Bahia e a Fundação Casa de
Jorge Amado. A única coisa que encontrei foram os jornais da época em que escrevia. Estava
interessada também no restante de sua biblioteca e em possíveis anotações suas nas páginas dos
livros. Imaginei que parte deste material teria ficado com a família.
28
Resolvi, então, iniciar o contato através do historiador Waldir Freitas Oliveira, que eu
soubera ter sido seu amigo6. Consegui seu telefone com a secretária do Centro de Estudos Afro-
Orientais da Universidade Federal da Bahia, do qual ele é um dos fundadores, e marcamos um
encontro. O professor me recebeu em sua casa em Camaçari (Salvador), em uma manhã de sol
para contar suas tantas histórias, numa conversa na varanda sob a sombra das árvores de seu
quintal.
Foi aí que descobri que não poderia mesmo ter encontrado o material que estava
procurando:
Os livros dele... foi uma história terrível. Ela [Magdalena] se mudou pra Bahia,
trouxe os livros, o caminhão tombou no caminho, os livros se perderam. O que
restou tá tudo no Museu Edison Carneiro lá no Catete. (Entrevista com Waldir
Freitas Oliveira).
A parte do material guardado por Edison Carneiro que não se perdeu ou não está no Museu
de Folclore foi deixado por sua viúva aos cuidados de Waldir: sua coleção da revista O
Momento, publicação de sua juventude; um álbum com artigos publicados em jornal, guardados
e anotados por ele; e outros manuscritos de textos não publicados.
À medida que fui mergulhando nos arquivos do Museu de Folclore, pude perceber que
Edison Carneiro realizou um intenso arquivo de si, selecionando, organizando e documentando
seu passado. Há alguns traços bem marcados em relação aos documentos que guardou. A
primeira marca é a profissional. São contratos de trabalho, referências a pagamentos de artigos
encomendados, pareceres de leitura, convites para palestras, congressos ou para escrever artigos,
pagamentos de passagens, estadia, ajuda de custo e honorários para congressos, reuniões,
6 Infelizmente não tive a oportunidade de encontrar Vivaldo da Costa Lima, que, como Waldir Freitas Oliveira, foi
fundador do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia e grande amigo de Edison
Carneiro. O Professor Vivaldo encontrava-se hospitalizado na ocasião de minha visita a Salvador.
29
palestras. Aparecem referências de muitas viagens a vários lugares, principalmente à Bahia. A
segunda marca é a de um grande articulador que movimentava debates, publicações, discussões e
críticas. Ele publicou muitas críticas de artigos e livros e procurava estabelecer uma
comunicação intensa com outros autores. Estava sempre lendo muito, comentando, criticando,
publicando, enviando, recebendo e pedindo livros. Também escrevia às editoras propondo
publicações de livros, artigos e coleções. A terceira é a de um autor muito cioso da circulação de
seus textos: mandava exemplares de seus livros e artigos para as pessoas, acompanhava se estava
sendo citado, publicado, lido e comentado. Há muitas cópias de cartas expedidas reivindicando o
pagamento de publicações não autorizadas e de direitos autorais. Há também muitos artigos
publicados em jornais de ampla circulação ou revistas especializadas, destacados e guardados
por ele em pastas, tendo anotados à mão a data e o veículo de publicação.
O resultado de tanta movimentação é a publicação de cerca de vinte livros que poderiam
ser classificados nas áreas de literatura, história, etnografia ou folclore, todos marcados por esse
interesse pela “religião” e pela “cultura popular”, e muito fortemente também por suas
preocupações de militante comunista: Lenita (com Dias da Costa e Jorge Amado), em 1931;
Religiões Negras, em 1936; Negros Bantos, em 1937; Castro Alves – Ensaio de compreensão,
em 1937; Guerra de Los Palmares (edição mexicana) e O Quilombo dos Palmares (edição
brasileira), em 1947; Trajetória de Castro Alves, em 1947; Candomblés da Bahia, em 1948;
Antologia do Negro Brasileiro, em 1950; Dinâmica do Folclore, em 1950; Linguagem Popular
da Bahia, em 1951; O Folclore Nacional, em 1954; A Cidade de Salvador, em 1954; A
Conquista da Amazônia, em 1956; O Negro em Minas Gerais, em 1956; A Sabedoria Popular,
em 1957; A Insurreição Praieira, em 1960; Ladinos e Crioulos, em 1964; Dinâmica do Folclore
30
(edição ampliada), em 1965 (além de duas publicações póstumas, Folguedos Tradicionais7, em
1974 e Ursa Maior8, em 1980). Além da escrita dos livros, organizou congressos e publicou,
desde os dezesseis anos de idade, um volume surpreendente de artigos, tanto em jornais de ampla
circulação, como em revistas especializadas e acadêmicas, além de verbetes para enciclopédias e
dicionários.
Para me situar em meio à tão extensa produção, produzi um ensaio da bibliografia de
Edison Carneiro (que segue em apêndice) no qual tento acompanhar a publicação de tantos
artigos. Parti de um mapeamento produzido por Gilfrancisco, autor que publicou em coletânea
as poesias escritas por Edison Carneiro na adolescência (Gilfrancisco, 2006). Incluí os registros
reunidos na hemeroteca da base de dados digital da Biblioteca Amadeu Amaral. Certamente a
lista permanece incompleta, mas já dá uma idéia das tantas áreas e assuntos sobre os quais
escreveu. Ele não foi um intelectual facilmente classificável a partir de nenhuma identidade
disciplinar, no entanto, procurou costurar as suas tantas áreas de interesse a partir de uma
categoria que seria englobante: povo.
Bacharel em direito como todo mundo (...) tenho trabalhado em história,
etnografia e folclore e um pouco (muito pouco) em literatura. Em todos esses
campos do saber o que me importa é sempre o povo – as suas vicissitudes, as
suas expectativas, as suas esperanças. Usando esta ou aquela técnica de
trabalho, procuro sentir o povo lutando e sofrendo por construir uma nação e
uma cultura. (Entrevista de Edison Carneiro a Tânia Góes, “Gente muito
especial”. Rio de Janeiro, Correio da Manhã 28/03/71).
Dentre tantas possibilidades de material, escolhi trabalhar com um período delimitado da
trajetória de Edison Carneiro, a década de 1930, em relação ao qual lanço a hipótese de que é o
7 organizada por Vicente Salles
8 organizada e publicada pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia
31
período de formação de sua subjetividade, em que vão sendo desenhadas as atitudes que vão
marcar toda a sua atuação.
Uma diversidade de materiais produzidos pelo autor no período em questão permite situar
sua experiência de pesquisa e entrever a realização das construções que realizou de si. A
produção de então concentra-se principalmente em pesquisas em terreiros de candomblé (por
isso priorizo aqui suas análises sobre a religião). Tal escrita apresenta a sua reelaboração
particular desta experiência de pesquisa e nos fornece uma entrada no mundo de santo da
“Cidade da Bahia” dos anos 1930 (aquela que nos é guiada por ele, uma das entradas entre tantas
possíveis).
Em 1936 foi publicado seu primeiro livro, Religiões Negras, e, em 1937, o segundo,
Negros Bantos, ambos pela Biblioteca de Divulgação Científica, dirigida por Arthur Ramos, na
Editora Civilização Brasileira. Pela mesma coleção saiu também o volume O Negro no Brasil,
que reúne as comunicações apresentadas no II Congresso Afro-Brasileiro, organizado por Edison
Carneiro em Salvador, no ano de 1937. Ao longo do processo de escrita dos livros é intensa a
troca de correspondência entre Edison Carneiro e Arthur Ramos, ou, pelo menos, é intenso o
envio de cartas de Carneiro para o mesmo. Esta correspondência foi publicada, atendendo a uma
sugestão da viúva, Magdalena Carneiro, por Waldir Freitas Oliveira e Vivaldo Costa Lima,
respectivamente historiador e antropólogo da Universidade Federal da Bahia e amigos próximos
do casal. Os dois autores incluíram na publicação uma introdução e extensos comentários
relativos a cada uma dessas cartas.
Fiz pesquisas também no Arquivo Arthur Ramos vendido à Biblioteca Nacional em 1956,
parte pela sua viúva Luiza Ramos, parte pela UFRJ. O arquivo soma uma das mais extensas
coleções sob a guarda da Divisão de Manuscritos da BN. São cerca de cinco mil documentos. A
32
consulta é facilitada com um Inventário Analítico do arquivo, publicado em livro, que lista os
nomes dos interlocutores, datas das cartas e documentos e um resumo do conteúdo de cada um
deles. Toda a movimentação de Arthur Ramos entre as redes políticas e institucionais do campo
da antropologia de sua época podem ser acompanhadas pela documentação guardada ali.
Algumas características da biografia de Edison Carneiro parecem especialmente
significativas no processo que estou chamando de “formador de sua subjetividade”. Procurei
refletir sobre os sentidos que ele confere para cada uma delas em sua narrativa. O autor não
produziu nenhum relato autobiográfico. Nessa direção encontrei algumas de suas respostas à já
citada entrevista de jornal, raros documentos que se aproximam de um diário de campo em seu
arquivo e alguns textos em que ele de alguma forma comenta suas experiências de pesquisa.
Neste sentido, destaco as correspondências trocadas com Ruth Landes, Vivaldo da Costa Lima e
Hildegardes Viana9 (no que diz respeito às suas pesquisas de campo entre terreiros de candomblé
de Salvador, que são o objeto de meu interesse). Em muitos dos textos, Edison Carneiro procura
se retirar da situação que descreve. Ele não é um autor que constrói sua narrativa na primeira
pessoa, refletindo sobre suas experiências num diário, tecendo impressões sobre seus encontros
etnográficos e sobre as situações que enfrenta em campo. Acompanhei quais foram os lugares
por onde ele passou e quem foram as pessoas com quem travou relações ao colocar em diálogo
os seus livros, seus artigos de jornal e sua correspondência. Por outro lado, seus companheiros de
juventude privilegiam em suas falas a circulação de Edison em campo, construindo-o a partir de
uma imagem de intimidade com o universo afro-brasileiro de Salvador. Várias imagens do
etnógrafo circulando em campo – para além daquela que entrevemos em seus textos ‒ são
desenhadas afetivamente por Ruth Landes e pelos seus companheiros de juventude, em artigos
publicados em jornais.
9 Todos estes conjuntos de documentos estão guardados nos arquivos do Museu de Folclore Edison Carneiro
33
Tive a oportunidade de me encontrar com algumas pessoas que têm uma inserção
bastante especial na biografia de Edison Carneiro: o Professor Waldir Freitas Oliveira,
historiador baiano, que foi grande amigo de Edison Carneiro; os Professores Bráulio do
Nascimento e Vicente Salles, seus companheiros na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.
Tive também alguns encontros bastante emocionado com o filho de Edison Carneiro, Philon
Carneiro.
Procurei imaginar os possíveis diálogos entre todas as imagens do autor que vão sendo
produzidas ao olhá-lo de diferentes ângulos: a construção de si, as falas de seus companheiros de
juventude no momento em que transcorrem os acontecimentos em foco, as falas de seus amigos e
de sua família produzidas posteriormente, as leituras dos textos de Edison Carneiro
empreendidas pela literatura antropológica e historiográfica, o material guardado em seu arquivo.
Este pesquisador foi ao longo da vida chamado de etnógrafo, folclorista, historiador,
jornalista, comunista, africanista, e escreveu trabalhos que poderiam ser classificados em todas
essas áreas. Escreveu principalmente sobre religiões afro-brasileiras, samba, escolas de samba,
capoeira e arte popular, mas também sobre a história da escravidão, a história da cidade de
Salvador, os abolicionistas, Castro Alves, os quilombos, os estudos de folclore, a linguagem, as
danças, as festas populares, e mais centenas de textos de crítica literária e resenhas das
publicações que saíam em todas essas áreas de seu interesse. Uma das imagens mais fortes que
ficou de meu trabalho de campo foi a de Philon Carneiro lembrando de seu pai, que acordava e,
ainda de cuecas, ia pro seu escritório em casa escrever durante a manhã inteira antes de ir pro
trabalho. Chama atenção também em seu arquivo não só o quanto ele publicava, mas também o
enorme número de convites que recebia para dar palestras, cursos, aulas e participar de
congressos nacionais e internacionais, em universidades e institutos de folclore. Ao longo da
34
vida trabalhou também como jornalista, tradutor, foi funcionário público do SESI, professor de
folclore da Biblioteca Nacional, e Diretor Executivo da Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro A movimentação de Edison é intensa e ele está exercendo atividades tanto com a
UNESCO, por exemplo, e ao mesmo tempo recebendo o convite para ser jurado num concurso
que escolheria a “Miss Escurinha da Guanabara” (1961).
Eu tentei desenhar um panorama amplo desses espaços de circulação que foram
aparecendo pra mim ao entrar em contato com seus arquivos e conversar com algumas pessoas
em meu trabalho de campo, que me contaram suas memórias e histórias do Edison Carneiro. O
que me chamou mais a atenção na trajetória do Edison Carneiro foi essa característica da
movimentação, do trânsito, da circulação entre esses muitos universos diferentes - o quanto vai
construindo cada um desses universos ao passar por eles e o quanto constrói a si mesmo, narra a
sua história a partir de cada um desses lugares.
Carneiro tem sido lido a partir de óticas que tentam enquadrá-lo ora como um partidário
da tese da “pureza nagô”, um etnógrafo que não conseguiu acesso à universidade, um folclorista,
ora um militante, e até mesmo um “candomblezeiro”. Procuro perceber seu trânsito entre essas
dimensões, que é justamente o que confere especificidade à sua obra. Carneiro transita de forma
mais ou menos tensa e mais ou menos controlada entre todos esses universos: os intelectuais, as
instituições acadêmicas, o jornalismo, os pais e mães de santo de terreiros de candomblés
“nagôs”, “bantos” e “caboclos” e os mestres de capoeira, samba e batuque. Ele parece jamais se
identificar inteiramente com algum desses universos dentro dos quais circula. Seus textos
emergem dessa tensão, repercutindo as diversas relações de troca às quais está vinculado.
Nenhuma dessas leituras me parece ter lançado um olhar mais atento sobre eles. É a isso que
tento me dedicar aqui.
35
Figura 2: Documento de Edison Carneiro guardado no Arquivo Edison Carneiro do Museu de Folclore
Edison Carneiro. Ficha de um Terreiro de Umbanda produzida por Edison Carneiro para a Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro
36
Figura 3: Doação da Coleção de Livros de Edison Carneiro para a Biblioteca Amadeu Amaral (sem data).
Vemos na fotografia a viúva de Edison Carneiro, Dona Magdalena Carneiro e seu filho, Philon Carneiro.
Na fotografia também estão retratados o Professor Bráulio do Nascimento e a Diretora do Museu do
Folclore Cláudia Márcia Ferreira.
Acervo Áudio-Visual do Museu de Folclore Edison Carneiro
37
Figura 4: Edison Carneiro em seu escritório em casa, no bairro do Leblon, Rio de Janeiro.
Destaco a imagem de Exu em uma das prateleiras da estante, ao fundo da foto.
(Acervo de Philon Carneiro)
38
Capítulo 2
Edison Carneiro entre mundos
2.1 - To Edison, on the contrary, the “field” was his life as well10
Algumas marcas da biografia de Edison Carneiro apresentam-se como especialmente
significativas no processo que aqui chamo, como já dito, de “formador de sua subjetividade”. No
presente capítulo, busco refletir sobre os sentidos que ele lhes confere em sua narrativa.
Na narrativa de Edison Carneiro de sua experiência etnográfica, o encontro inicial com o
universo dos terreiros de candomblé e rodas de samba, capoeira e batuque da cidade de Salvador,
irá ocorrer a partir da relação com seu pai:
Meu pai sempre foi um estudioso, e rodeado do seu talento, desenvolvi dentro
de mim uma curiosidade imensa para pesquisar coisas importantes. Fui sempre
envolvido pelo folclore. (entrevista de Edison Carneiro a Tânia Góes, “Gente
muito especial”. Rio de Janeiro, Correio da Manhã 28/03/71).
Antonio Joaquim de Souza Carneiro era professor da Escola Politécnica e um intelectual
de prestígio na Bahia de então. Seu interesse por outras áreas além da engenharia faziam dele
uma figura bastante peculiar. Escreveu dois romances, Furundungu e Meu Menino, usando
negros como personagens principais; um estudo sobre mitos africanos no Brasil, resultado de
suas pesquisas “coletando fatos folclóricos na capital e no interior do estado” (Oliveira e Lima,
10
Landes, 2002.
39
1987); estudou também ocultismo e esoterismo e foi dono de uma vasta biblioteca em que
constavam títulos de todos esses campos.
Não encontrei nada indicando que Edison tenha ou não acompanhado seu pai nessas
viagens de coleta, ou mesmo que frequentasse com ele os terreiros ou festas populares da Bahia.
Mas sem dúvida seu envolvimento inicial com o universo afro-brasileiro foi influenciado por seu
pai e pelo ambiente da casa em que cresceu, de férteis discussões intelectuais e políticas.
Essa imagem de Souza Carneiro foi desenhada pelos companheiros mais próximos do
filho, jovens para quem a figura do velho professor e o ambiente de sua casa são descritos como
aglutinadores de suas primeiras movimentações na cena cultural, política e intelectual de
Salvador. O componente do grupo que mais se destacou, Jorge Amado, constrói uma memória
afetiva na qual Edison Carneiro, seu pai e a casa da família na Rua dos Barris ocupam lugar
especial, tanto na sua iniciação no universo da cultura popular e dos candomblés baianos, que
viriam a ser os cenários principais de seus romances, como também na agitação política, que
marca toda a sua trajetória. Amado dedica seu discurso de posse na Academia de Letras da
Bahia, no ano de 1985, a apresentar-se antes de tudo como um membro da Academia dos
Rebeldes.
O Professor Souza Carneiro, fascinante personagem, digno das páginas de um
romance, progressista e batalhador. Catedrático da Escola Politécnica, substituía
qualquer professor, ministrando as mais diversas matérias. Senhor de
imaginação e de magia, um mestre da vida, cujo nome pronuncio com ternura e
com saudade. Souza Carneiro era uma espécie de papa das doutrinas esotéricas
e das ciências ocultas da Bahia. Em sua ampla residência nos Barris, alcunhada
de Brasil – por enorme, desorganizada e entregue às baratas – nos abrigamos, os
rebeldes. O Professor Souza Carneiro não nos olhava com suspeita nem com
reserva; ao contrário, dava-nos caloroso apoio, compartilhava de nossas
inquietações, sustentava nossa batalha, em sua casa nos Barris, pobre e
misteriosa. O professor, segundo afirmava, escondia no quintal um avião – um
avião sim senhores – que lhe serviria para controlar do alto dos céus as
próximas eleições, às quais pretendia concorrer, candidato à deputado pela
oposição. Nunca me foi dado ver o aparelho, bem camuflado certamente no
40
mataral do terreno, mas quem iria duvidar que ele estivesse ali, pronto para
decolar? (Amado, 1985).
A casa da Rua dos Barris, que, de tão grande, recebeu o nome de Brasil, uma
casa alugada, cujo quintal deu um loteamento, e onde ingenuamente
tramávamos à luz de velas. Galinhas invadiam a sala, os sem-teto que moravam
no porão vinham pedir café e Edison num pobre pijama ralo, um cigarro
Colomy no queixo, batia à máquina, imperturbável. (Ferraz, 1972).
A Academia dos Rebeldes pode ser vista como um dos muitos movimentos modernistas
que explodiram no Brasil dos anos 1920. Reuniu romancistas, poetas, escritores: o etnógrafo
Edison de Souza Carneiro (1912-1972), o romancista Jorge Amado de Faria (1912-2001), o
poeta Sosígenes Marinho Costa (1901-1968), o poeta e depois dirigente comunista, Áydano
Pereira do Couto Ferraz (1914-1985), Raulino Walter da Silveira (1915-1970), o fundador do
Clube de Cinema da Bahia, em 1950, João de Castro Cordeiro (1905-1938), o romancista Clovis
Gonçalves Amorim (1912-1970), o sonetista piauiense, José Severiano da Costa Andrade (1906-
1974), o poeta cronista José Alves Ribeiro (1909-1978), os poetas José Bastos (1905-1937) e De
Souza Aguiar, o contista Oswaldo Dias da Costa (1907-1979), Otávio Moura e João Amado
Pinheiro Viegas (1865-1937) (Gilfrancisco, 2008). Era um espaço de discussão, produção
literária, crítica modernista, valorização do nacional e da cultura popular. Reunidos por sua
afinidade na crítica às academias de letras e na busca pelo universo da cultura popular de
Salvador, que opõem ao cotidiano das elites do “pobre mundo burguês” da cidade que batizam
de “Lixópolis”. Seus encontros aconteciam em lugares que iam desde sebos e livrarias até a uma
tenda espírita, passando por bares de Salvador ou a casa da família Souza Carneiro. O grupo
movimentava publicações em jornais, revistas e suplementos literários (todas de curtíssima
duração ‒ de poucos meses a no máximo um ano - por terem sido censuradas ou por não terem
recursos para se manter).
41
A Academia dos Rebeldes foi muito pouco estudada, e dela restam pouquíssimos
documentos11
. Encontrei alguns artigos de jornal assinados por seus membros Jorge Amado e
Áydano do Couto em que falam sobre ela, além das memórias de Jorge Amado. Seu registro
mais expressivo foi a revista O Momento, principal publicação do grupo, que circulou entre julho
de 1931 e julho de 1932 , totalizando nove números. Tive acesso pela primeira vez à coleção
completa da revista na casa do Professor Waldir Freitas Oliveira, que guarda a coleção que
pertenceu ao próprio Edison Carneiro. Na Biblioteca Nacional também há uma coleção
completa.
O projeto editorial e gráfico de O Momento me parece bastante semelhante ao de outras
publicações independentes da época. Ela é feita principalmente de artigos, pequenas notas,
crônicas, poesias, contos e fotografias, alguns assinados, outros não, dos próprios membros da
Academia dos Rebeldes (muitos dos textos e poesias dedicados de um para outro membro) e
mais anúncios de seus livros e dos de Souza Carneiro a serem publicados. Em meio a eles, e
provavelmente o que sustentava a produção, publicação e circulação da revista, propagandas das
mais variadas: lojas de roupas femininas, cinemas, promoções, médicos, dentistas, pastas de
dente, funerárias, produtos de fotografia, concursos, livrarias, casas lotéricas, padarias,
pastelarias, cafés, sabonetes, móveis, casas de penhores e dos bares e restaurantes que
costumavam frequentar (talvez trocados por suas contas de jantares e comemorações); também
curiosas notícias de coluna social, fotos de eventos e pessoas, notas de aniversários, casamentos,
nascimentos, falecimentos.
Além da revista, Edison publicou no mesmo período em outros jornais e revistas de
circulação corrente e outros de curtíssima duração. Tem início aí uma longa carreira como
11
Encontrei alguns comentários em Gilfrancisco 2008, Freitas e Oliveira 1987, além da entrevista que realizei com o
Professor Waldir Oliveira.
42
jornalista. Na mesma época se filia ao Partido Comunista: “do grupo dos rebeldes, não era ele só
que era comunista. Entraram no partido no mesmo dia, Edison, Jorge, Áydano e Reginaldo
Guimarães, todos eles entraram juntos” – destacou o Professor Waldir Freitas Oliveira em nossa
longa conversa. Dentre os tantos retratos que se pode pintar de Edison Carneiro, o de militante
comunista foi o que saiu com as cores mais fortes nas histórias deste seu velho amigo.
É nesta atividade já intensa de escrita que ele está envolvido enquanto cursa a Faculdade
de Direito de Salvador. Sua atividade intelectual se reflete numa extensa produção escrita,
mesmo contando tão pouca idade. Assim, para o grupo dos rebeldes ele aparece como a figura de
seu pai, como uma referência intelectual:
Havia lido quase tudo e, por isso, sabia de muita coisa, sendo capaz de atender,
à tarde, em sua mesa do “Bahia-Bar”, as variadas consultas dos mais jovens
contemporâneos da faculdade, diante dele colocados na condição de discípulos.
Veio daí o seu apelido de “Mestre Antigo”. (Ferraz, 1980).
Em alguns desses primeiros textos, Edison Carneiro escreve como cronista, contista, poeta.
A “Cidade da Bahia” é o cenário de suas poesias de adolescência, e as religiões afro-brasileiras
formam o universo que povoa o seu imaginário12
.
Ameaça
-Meu anjinho,
não me despreze...
olhe, veja lá
se você não me quiser...
eu não me mato, não!
Mas vou
ao Pau Miúdo
e trago,
para botar na sua porta
uma coisa feita
dessas que fazem
12
Essas poesias foram publicadas recentemente em uma coletânea (Gilfrancisco, 2006).
43
morrer de amor,
preparada,
minha beleza, pelas mãos
do grande mago
Jubiabá!13
Essa forma de elaborar a escrita não vai mais ser encontrada em seus textos posteriores,
em que ele aparece cada vez mais preocupado em fazer jus à rubrica do etnógrafo cientista.
Além de ser a referência intelectual do grupo, os “rebeldes” contam as histórias de
Edison apontando-o como o grande intermediário entre as duas “cidades” em que dividem
Salvador: uma, a do pobre mundo burguês, outra, a dos risos, cantos, danças e mistérios afro-
brasileiros. O artigo de Jorge Amado, escrito na ocasião de lançamento do livro Religiões Negras
nos sugere que o trabalho de campo de Edison Carneiro não se dá nos moldes das etnografias
clássicas, a imersão em uma outra sociedade exótica e distante.
O jovem feiticeiro
Sentimental, se estendeu pela sua Cidade, amando as suas ruas, as suas
festas, os seus costumes, as suas casas coloniais, farreando nas festas do
Bonfim, correndo os candomblés, se espedaçando no carnaval religioso da
Bahia, olhando com olhos compridos todas as suas meninas. Rapaz estranho,
esse. Leva na sua alma a alma mística e sensual da Cidade da Bahia, corre as
suas ruas de nomes poemáticos e doces, é, por assim dizer, o seu filho mais
amado. Noutra época menos angustiosa que a nossa, Edison Carneiro não seria
ensaísta. Seria o grande poeta desta Cidade da Bahia de Todos os Santos.
Eterno cicerone que leva os amigos aos pais de santo, aos onze anos
estudava ocultismo, se debruçava dias e dias na biblioteca de seu pai (...) aos
doze hipnotiza, aos quatorze já é o maior amante da Cidade da Bahia. Corre pela
Cidade, se dá com todo mundo, carrega consigo um outro mundo que a
imaginação e os livros do pai lhe meteram na cabeça. Tudo que o cerca, é irreal:
a Cidade secular com os seus candomblés e as suas feiras, os livros de
ocultismo, os olhos das mulatas.
(...) Com a raça africana da Bahia, ele sofreu, ele riu em grandes
gargalhadas, ele dançou nas macumbas, comeu comidas de estranhos nomes,
amou. (...) Não fala um estudioso das Religiões Negras. Fala um membro das
13
Poesia de Edison Carneiro. Publicada originalmente na coluna Musa Capenga, do jornal A Noite, de Salvador, em
22 de outubro de 1928 (Gilfrancisco, 2006).
44
religiões negras que é ao mesmo tempo um dos sujeitos mais cultos do Brasil.
(Amado, 1936).
Assim, a imagem do etnógrafo construída pelos companheiros é muito identificada com o
universo nativo. Mas na escrita do próprio Edison Carneiro, isso nem sempre surge dessa forma.
Diante das duas diferentes perspectivas eu me perguntava: qual era, afinal, a natureza e a
intensidade da relação do autor com o objeto deste seu tão grande interesse? Como o próprio
Edison experimenta tal relação e como a elabora em sua escrita? O que o movia em direção a
esse universo e até que ponto ele se envolveu ou foi envolvido por ele? Que sentimentos e
emoções estão presentes nesse encontro: curiosidade, fascínio, identidade, estranhamento? Qual
o seu modelo de “estar lá”: o “eu estive lá” dos antropólogos modernos ou algo mais próximo de
um “eu sempre estive aqui”? Sua etnografia está falando tanto de suas “andanças” por toda a
vida, das memórias de sua infância, como de suas entrevistas como jornalista e de sua pesquisa
de campo como antropólogo.
Nenhum dos primeiros livros de Carneiro é organizado em torno de uma experiência
exaustiva e delimitada de trabalho de campo. Tampouco a pesquisa realizada para eles está
relacionada a um vínculo institucional ou universitário, um contrato de financiamento ou é parte
de algum projeto ou instituição mantenedora. Em algumas de suas primeiras crônicas de jornal,
suas poesias de juventude, seus textos literários, ele parece querer descrever um cenário
cotidiano e se colocar como um personagem do universo religioso afro-brasileiro, por exemplo,
no poema já citado, recorrendo a um famoso pai de santo para realizar uma conquista amorosa.
Nos textos que batiza de etnografias, em muitos momentos ele não se apresenta como um
pesquisador que se desloca para passar um período determinado de tempo imerso em uma outra
sociedade ou cultura, mas como alguém que “sempre esteve lá”.
45
Uma das suas muitas maneiras de elaborar na etnografia os caminhos pelos quais foi
conhecendo este que se tornou seu objeto de estudo foi através de sua própria experiência como
um baiano e das suas memórias de infância. Enquanto desenha suas imagens da cidade de
Salvador, ele vai desenhando a si próprio, como alguém imerso no universo afro-brasileiro. As
memórias que constrói e reconstrói de seu cotidiano infantil e adolescente aparecem povoadas de
moças que se jogam ao mar atendendo aos chamados de Iemanjá, ebós e vudus nas
encruzilhadas, mulheres em transe, cânticos de rodas de capoeira, tipos de rua cantarolando
sambas, histórias de pais de santo acusados de desonestidade pela crítica popular. As
demarcações de espaço e tempo e as informações relativas a onde, como e através de quem
conheceu as pessoas e eventos evocados por sua memória aparecem de forma fragmentada,
fluida, por vezes vacilante: “há coisa de seis ou sete anos”, “impressionou a opinião pública
baiana”, “bastante conhecida na Bahia”, “antigamente”, “em menino era fato banal ver nas ruas
da velha cidade”, “se não me engano em 1920”, “ficou célebre o caso”, “os negros da Bahia
contaram-me”, “essa frase que ouvi muitas vezes na Bahia”. Na introdução do livro Religiões
Negras, ele localiza o contexto de realização de suas pesquisas, “um pouco por toda parte”, e
poderíamos acrescentar “um pouco por toda vida”. Refere-se “acidentalmente a pontos do
interior”, que não sabemos exatamente em quais circunstâncias conheceu; traça mapas das festas
e dos terreiros de bairros afastados do centro de Salvador, de cidades do interior, do recôncavo e
do litoral da Bahia. Pouco se sabe sobre essas viagens, quais os motivos de sua realização, com
quem foi, onde ficou. Para algumas foi como enviado especial do jornal. Terá ido para outras
acompanhando seu pai? Algumas dessas cidades visitou através dos livros de sua biblioteca. É
certo que os dados de sua etnografia foram sendo coletados por todos esses caminhos, muitos
deles distantes de expedições estritamente científicas de pesquisas.
46
Em outros desses textos, articula sua experiência numa estratégia de escrita em que
poderíamos identificar uma sensibilidade eminentemente modernista, ao registrar a busca, ainda
em sua juventude, por um universo que povoa seu imaginário, em que espera encontrar a
experiência autêntica em outra cultura, alteridade próxima no espaço, mas a partir da qual ele
contesta os valores da sociedade em que vive, num encontro que desestabiliza suas crenças e
opera uma profunda transformação em sua própria subjetividade. Encontrei dois textos de Edison
Carneiro, o primeiro escrito em 1931 e publicado na revista O Momento da Academia dos
Rebeldes, e o segundo em 1934 no jornal A Batalha (e que ele inclui como apêndice de seu livro
Religiões Negras) em que descreve suas experiência de encontro (no primeiro, um samba de roda
na periferia, no segundo, um presente para Iemanjá, que culmina numa possessão pelo deus
Ogum) em primeira pessoa, a partir de suas próprias sensações e emoções, num estilo de escrita
que se diferencia de todos os seus textos posteriores em que fala dos mesmos lugares e eventos.
A atmosfera em que tal transformação se opera é cuidadosamente descrita a partir das próprias
sensações corporais, cheiros e sons pelos quais se via completamente envolvido14
.
Numa velha crônica (fevereiro de 1934), descrevo a chegada do santo Ogum, tal
como o observei no candomblé do Oxumarê, na Mata Escura (...) as filhas-de-
santo completamente bêbadas, excitadas pelo ritmo sexual da música bárbara.
Fechando a marcha, a gente mais diversa do mundo. Negros, mulatos, soldados,
mulheres-de-saia, cabrochas, o diabo (...) E os meninos, os rapazes, e mesmo as
cabrochas e os homens semi-embriagados que acompanham a procissão pagã
começam a andar dançando (...) A poeira forma uma nuvem espessa em torno
de nós, sufocando-nos. A música produzida pelos instrumentos mágicos nos
enlouquece (...) Suamos por todos os poros. Os bondes passam. Os passageiros
pensarão que formamos um afoxé (...) A dona da casa provoca o santo de uma
negra alta, bonita e alegre. A nega cambaleia, de cabeça baixa, os braços caídos,
segura pela outra. A orquestra toca uma marcha guerreira. Vejo o fragor da
batalha, ouço o silvar das flechas... Ouço as vozes de comando do obá... Vejo os
corpos lustrosos dos combatentes que caem... E vejo, enfim, personificando
14
Dada a singularidade desses textos em relação ao conjunto da obra de Edison Carneiro resolvi incluí-los como
apêndices a esta dissertação.
47
tudo isso, Ogum, o deus da guerra, que possui agora a negra, altivo, enorme,
dominador. A negra já não é mais a negra, mas Ogum. (Carneiro, 1936)
É interessante observar que ele começa a descrição como um observador, fora da cena,
até que, conforme o ritual se realiza, a música passa a exercer efeito sobre ele e ele já faz parte
do grupo, juntamente confundido, pelos passageiros do bonde, que estão de fora, com um afoxé.
Edison pode ainda atuar como um etnógrafo formado pelos manuais de antropologia da
época, que vai a campo munido de bloco de notas, gravador, máquina fotográfica e um arsenal
de teorias científicas, produzindo uma escrita que procura ser ao máximo objetiva e distanciada.
E pode ser também o jornalista realizando entrevistas que vão circular amplamente na sociedade
baiana. Sua escrita oscila entre todos esses estilos narrativos, que podem ser combinados até
dentro de um mesmo livro.
As fronteiras entre o exótico e o familiar, ou o “eu” e o “outro” são elaboradas por ele de
forma complexa. Edison não constrói discursivamente seu objeto de estudo como uma alteridade
radical. Certamente está presente em seu texto a ideia de um encontro com o “outro”, mas por
este encontro não ser temporal e espacialmente localizado, e por, em muitos momentos, ele
privilegiar a ideia de que “sempre esteve lá”, esta alteridade também não aparece como exótica e
distante. Sua relação com o campo oscila entre diferentes graus de intensidade: ora elabora uma
relação distanciada, ora se identifica, levando a questionar em que medida ele é e não é um
personagem do universo de que está tratando.
Eu me perguntava: quando essa relação com o outro passou a ser mediada pela ideia de
“trabalho de campo” e Edison Carneiro a se reconhecer como um “etnógrafo”? O que deu a ele
essa condição que antes não tinha? Quando começou (ou não) a ser reconhecido pelos
antropólogos como um de seus pares? Quando os textos que ele escrevia passaram a ser
“etnografias”?
48
Figura 5:
Mapa 1: Alguns pontos da circulação cotidiana de Edison Carneiro
1- Mar Grande, onde ele ficou escondido da perseguição polícia política no início do ano de 1936/ 2- Rua
dos Barris 68 (Barris)/ 3 - Rua do Sodré no 87 (Dois de Julho)/ 4- Rua Poeira 41 (Nazaré): casas em que
Edison Carneiro morou entre os anos de 1936 e 1938/ 5 - Faculdade de Direito da Bahia – Ladeira da
Praça 19 (Centro)/ 6 – Largo do Cruzeiro de São Francisco, onde ficava um centro espírita que abrigou
temporariamente as reuniões da Academia dos Rebeldes/ 7- Restaurante/ Bar Café das Meninas – Rua da
Ajuda, onde se reuniam os membros da Academia dos Rebeldes/ 8 - Livraria Editora Bahiana Ghignone e
cia ltda - Rua Conselheiro Dantas 23 – Editora dos primeiros livros de Edison Carneiro/ 9 - Restaurante
Recreio Baiano – Rua Dr. J J Seabra no 271/ 10 - Bar e Bilhar Brunswick – Rua da Assembléia n
o 08,
onde se reuniam os integrantes da Academia dos Rebeldes/ 11 - Redação do jornal Estado da Bahia, para
o qual Edison escreveu desde 1936 - Rua Portugal no 06 – Comércio
49
Figura 6: O grupo da Academia dos Rebeldes. Jantar oferecido a Edison Carneiro quando da publicação
de Religiões Negras, na noite de 27 de novembro de 1936, no restaurante Recreio Baiano, Baixa dos
Sapateiros, em Salvador. Sentados, da esquerda para a direita, Azevedo Marques, João Cordeiro, Edison
Carneiro, Jorge Amado e Clóvis Amorim; em pé, Áydano do Couto Ferraz (à esquerda) e Alves
Ribeiro(Acervo do Professor Waldir Freitas Oliveira. Publicada em Revista de Cultura da
Bahia./Secretaria da Cultura e Turismo do estado da Bahia. Conselho Estadual de Cultura – n.20 (2002)
50
2.2 - Das Religiões Negras para os Negros Bantos:
O lugar do trabalho de campo na trajetória de Edison Carneiro
As marcações na trajetória de Edison Carneiro (pelo fato de sua narrativa e suas escolhas
teóricas e metodológicas sugerirem isso) que associo ao início de suas atividades como etnógrafo
profissional referem-se à escrita de seus primeiros livros. Em 1936 foi publicado o primeiro,
Religiões Negras – Notas de Etnografia Religiosa, e, em 1937, o segundo, Negros Bantos –
Notas de Etnografia Religiosa e Folclore, ambos pela Biblioteca de Divulgação Científica,
dirigida por Arthur Ramos, na Editora Civilização Brasileira.
Religiões Negras foi escrito em menos de um mês, enquanto estava instalado no Mar
Grande, na Ilha de Itaparica, escondido da perseguição da polícia política na casa de um colega
de turma da faculdade. Na nota introdutória ele indica que as pesquisas para o livro foram
realizadas no terreiro do Engenho Velho, e “um pouco por toda parte”. Na primeira das cartas
enviadas por Edison Carneiro a Arthur Ramos, datada de 04 de janeiro de 1936, ele começa
assim: “O meu amigo Jorge Amado ganhou. Afinal, sempre me decidi a escrever o livro sobre
negros que ele reclama insistentemente há coisa de três anos. Estou a escrevê-lo aqui no Mar
Grande, neste ano da graça de 1936, já tendo mesmo escrito dois capítulos” .
No Arquivo Arthur Ramos, guardado na Biblioteca Nacional, há uma outra carta, enviada
por Jorge Amado em 08/03/1935 em que diz “Aí seguem os originais do livro de Edison. Fiz as
emendas que o autor pediu. São aliás muito poucas... Eu gostei do livro, principalmente devido
ao documentário inédito. Peço-lhe que faça tudo que estiver nas suas mãos para que o livro não
demore muito nos prelos da Editora Nacional. Isso porque sei das condições financeiras do autor.
Ele queria um prefácio seu...”. Muito provavelmente o Edison a que se refere é Edison Carneiro.
51
A carta não está acompanhada dos originais do livro, assim não posso dizer se se referia ao
Religiões Negras (o que não coincidiria com a data em que Edison Carneiro indica estar
começando a escrevê-lo) ou a algum outro texto de Carneiro escrito anteriormente a esse e que
acabou não sendo publicado.
Na carta enviada no dia 27 de janeiro do mesmo, conta que o livro já estava pronto,
faltando apenas um capítulo. O pouco tempo dedicado à escrita do livro poderia ser explicado
pela não necessidade de realização de meses de pesquisa e trabalho de campo. Poderia se
argumentar que ele falava de um campo em que esteve imerso durante toda a sua vida. Mas este
livro é muito menos organizado em torno dessas observações e quase todo composto de
referências aos textos de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, principalmente, e também Morgan,
Manuel Querino, Renato Mendonça, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior. Apesar de algumas
“escapadas” para a Bahia ‒ (como se refere à região continental da cidade, diferenciando-a da
ilha), em que visitou festas à Iemanjá e sambas de roda, colhendo canções e tirando fotografias
para o livro ‒ como estava escondido, concentrou seu trabalho nas leituras destes autores. É
provável que o tenha escrito tão rápido por ter passado o mês “desocupado”. Não estava
comprometido com nenhuma outra ocupação profissional, não tinha sido ainda formalmente
contratado como redator de nenhum jornal ou revista e, como estava se escondendo da polícia
política, provavelmente passava a maior parte do tempo dentro da casa, lendo e escrevendo.
Não fica muito claro se as descrições no livro são suas ou de Nina Rodrigues e de Arthur
Ramos. Elas aparecem pontuadas o tempo todo por citações desses autores e menos por alusões
ao seu próprio trabalho de campo. Mesmo quando as suas próprias observações aparecem, elas
parecem vir como complementares as de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, comparando-as com
as do primeiro no tempo – o que Edison Carneiro viu em campo nas décadas de 1920 e 1930 e o
52
que Nina Rodrigues viu 20 ou 30 anos antes, o que existia e não existe mais, o que Nina
Rodrigues nem imaginou e Edison Carneiro viu acontecer ‒ e as de Arthur Ramos no espaço ‒
adicionando itens às descrições deste último, com as informações colhidas em lugares diferentes
dos visitados por ele: listas de outros nomes para os orixás, outros lugares da cidade em que se
realizam as festas, outros cânticos e lendas que ouviu. Assim ele foi se colocando como herdeiro
e ao mesmo tempo continuador desses estudos, dialogando com seus mestres.
Em um momento de incipiente institucionalização acadêmica da antropologia, quando
ainda não estavam lançadas as bases do que viria a ser considerada uma “etnografia científica”, o
processo de formação daqueles que começavam a ser chamados de antropólogos ou etnógrafos
depende menos da formação acadêmica especializada do que de se estar circulando entre
determinados espaços e redes de pessoas e das correntes teóricas e metodológicas às quais
estavam se filiando. É nessa direção que ganha sentido o movimento do jovem Edison Carneiro,
pelo diálogo com Arthur Ramos e pela citação de seus livros e dos de Nina Rodrigues. A
identidade intelectual de etnógrafo, Edison Carneiro, até então jornalista e bacharel em direito,
foi modeladando a partir do diálogo com estes autores. Ele foi construindo sua identidade
intelectual se autoproclamando herdeiro e continuador de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, eles
próprios também vindos de outra formação, a medicina, e que foram se fazendo etnógrafos, ou
antropólogos, ao longo de suas carreiras.
Nesse momento de formação da ciência social acadêmica no Brasil, momento em que as
fronteiras disciplinares ainda estavam precariamente demarcadas, o que vem a ser mais tarde
definido como disciplinas autônomas, Antropologia, Sociologia, História, eram produzido pelos
chamados intelectuais polivalentes: homens de letras, advogados, médicos. Ao querer demarcar
um domínio próprio para essas ciências, os argumentos desses intelectuais vão se orientar na
53
diferenciação entre os “cientistas” e os “literatos”, “ensaístas”, “diletantes”. Cada vez mais
apresentando-se como um especialista e construindo textos partilhando dos mesmos interesses
temáticos, teóricos e metodológicos dos autores que começaram a se intitular antropólogos ou
etnógrafos, Edison vai procurou estabelecer uma proximidade com Arthur Ramos e colocar-se
em seu círculo de relações.
O autor escreve uma determinada história da antropologia do Brasil ao colocar seu mito
de origem no campo dos estudos sobre o negro iniciados por Nina Rodrigues e continuados por
Arthur Ramos, destacando algumas marcações na trajetória e na produção intelectual desses
autores. Entre as primeiras frases da nota introdutória ao primeiro livro, Edison Carneiro lança a
pedra fundamental de seu ofício como etnógrafo: os estudos iniciados por Nina Rodrigues.
O próprio Nina construiu para si esse mito de primeiro estudioso do assunto. O médico
legista maranhense foi professor da faculdade de medicina da Bahia por 17 anos e um intelectual
tomado em alta conta nos círculos médicos internacionais. Sua constante luta para que a
medicina legal fosse considerada um ramo autônomo da medicina no Brasil faz com que seja
tomado como um dos grandes mitos de origem da medicina legal no país. Mas um outro mito
que criou para si mesmo ao se apresentar como o primeiro estudioso a tratar das religiões dos
negros da Bahia, faz com que seja lembrado também como o precursor de um outro campo do
saber, o dos estudos antropológicos sobre os negros, ou mesmo da própria disciplina da
antropologia brasileira. Depois de algumas publicações na área da medicina legal, Nina começou
a publicar em 1896 uma série de artigos na Revista Brazileira que viriam a ser publicados no
livro O Animismo Fetichista dos Negros Bahianos. O livro é publicado em francês, em 1900,
como L‟animisme Fétichiste dês négres de Bahia. Em 1935 Arthur Ramos publica a edição
brasileira, com prefácio e notas seus, na coleção que dirigia, Biblioteca de Divulgação Científica,
54
da Editora Civilização Brasileira (o livro foi o segundo a ser publicado por Arthur Ramos na
coleção, tendo sido o primeiro o seu próprio O Negro Brasileiro no ano anterior). Entre 1900 e
1905 Nina Rodrigues publica em revistas os artigos que viriam a ser reunidos em 1933 em “Os
Africanos no Brasil”, editado por Homero Pires. É no primeiro destes livros que, segundo Mariza
Corrêa, Nina Rodrigues “gaba-se de ser o primeiro a tratar do assunto” (Corrêa, 1998).
Mariza Corrêa desenvolveu uma tese fundamental em seu livro A Escola Nina Rodrigues
e a Antropologia no Brasil para se entender como este mito se tornou poderoso ao ser
retoricamente repetido pelos autoproclamados discípulos de Nina Rodrigues, que forjaram seus
próprios mitos de origem como antropólogos ao narrar a história da disciplina a partir do médico
antropólogo maranhense (Corrêa, 1998). Para a autora, ao contar a história da antropologia que
reivindica para Nina a prioridade na inauguração dos estudos sobre as relações raciais e se
colocar como seus discípulos diretos, eles estariam, com isso, reivindicando legitimidade para
seus nomes.
Arthur Ramos, que se apresenta como “o mais humilde dos seus discípulos”, é também
médico, psiquiatra. Formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1926, e logo depois foi
contratado como médico assistente no Hospício São João de Deus e em seguida como médico
legista do Instituto Nina Rodrigues. Em 1931, ele publica O problema psicológico do
curandeirismo, fruto das observações em casas de candomblé. A partir do crescente interesse
pelas práticas religiosas afro-brasileiras e pelas relações raciais, ele começa a publicar sucessivos
artigos sobre o negro baiano: “Os horizontes míticos do negro na Bahia”; “A possessão fetichista
na Bahia”; “Os instrumentos musicais dos candomblés da Bahia”; “O mito de Iemanjá e suas
raízes inconscientes”. A partir de 1937, no livro As Culturas Negras no Novo Mundo, o médico
passa a se definir como antropólogo (Corrêa, 1998).
55
Arthur Ramos é apresentado por Edison Carneiro como seu “padrinho” até esse
momento. Ele é não só seu editor, mas uma importante referência profissional. Assim, entre 1936
e 1938, é intensa a troca de correspondências entre os dois. É bem verdade que só temos certeza
sobre o envio de cartas de Edison Carneiro a Arthur Ramos – foram 35 cartas nesse período de
38 meses, guardadas no arquivo de Arthur Ramos. A centralidade que a hipótese relativa à
influência de Arthur Ramos nesta fase da trajetória de Edison Carneiro ganhou em meu trabalho
se justifica pela disponibilidade dos documentos que nos dão acesso privilegiado a essa relação e
ao que analiso como os reflexos dela. As respostas a estas cartas não estão nos arquivos de
Edison Carneiro.
É provável que Edison Carneiro tenha se aproximado de Arthur Ramos intermediado por
Jorge Amado, depois que o médico alagoano já tinha se transferido para o Rio de Janeiro, em
1934. Jorge Amado veio para o Rio de Janeiro em 1929 cursar a Faculdade de Direito e logo
começou a participar dos círculos intelectuais da capital, nos quais a sua relação com Arthur
Ramos deve ter se estreitado bastante, quando da chegada deste último. Não encontrei registros
sobre como Edison Carneiro conheceu Arthur Ramos ou sobre como Jorge Amado conheceu
Arthur Ramos, de maneira que não sei exatamente como se deram essas aproximações. Ainda em
Salvador, Amado recorda ter “penetrado o mistério dos candomblés” na companhia de Ramos
(Amado, 1985). Em muitas das cartas enviadas por Edison Carneiro a Arthur Ramos, o nome de
Jorge Amado se faz presente. Diferentemente de Jorge Amado, Carneiro não menciona em
nenhum lugar uma convivência mais próxima com Arthur Ramos ainda em Salvador.
Já a relação entre Edison Carneiro com o romancista Jorge Amado é bem mais próxima
que a que o jovem etnógrafo conseguiu estabelecer com seu mestre. No arquivo de Edison
Carneiro não há nenhuma carta de Jorge Amado e a correspondência deste último não está
56
disponibilizada para consulta pública, assim não podemos saber se há cartas trocadas entre os
dois nos arquivos da Fundação Casa de Jorge Amado. Mas muitas das cartas enviadas por Edison
Carneiro a Arthur Ramos e outras trocadas entre Jorge Amado e Arthur Ramos (guardadas do
Arquivo Arthur Ramos da Biblioteca Nacional), indicam uma comunicação intensa entre os
jovens “rebeldes” Carneiro e Amado depois da transferência do romancista para a capital. Jorge
Amado está presente numa fotografia datada de 27 de novembro de 1936 ao lado de Edison e de
outros integrantes da Academia dos Rebeldes num jantar oferecido em homenagem ao etnógrafo
por ocasião do lançamento de seu primeiro livro, Religiões Negras, no restaurante Recreio
Baiano, antigo ponto de encontro do grupo. Esta e outras fotografias foram guardadas pelo
Professor Waldir Freitas Oliveira, a quem foram confiadas por Dona Magdalena Carneiro, viúva
de Edison Carneiro. Ela sugere a continuidade da relação de amizade entre Edison Carneiro e
Jorge Amado.
Esta relação parece ter perdurado pela vida dos dois, atravessada por dois regimes
ditatoriais – o Estado Novo de Getúlio Vargas e a ditadura militar de 1964 – que perseguiram
politicamente estes dois declarados comunistas.
A circulação do romancista Amado entre o Rio de Janeiro e Salvador era bastante
frequente e com ela levava e trazia notícias, cartas de Edison Carneiro que, perseguido pela
polícia política nem sempre podia se utilizar do correio, artigos e fotografias que Carneiro temia
serem apreendidos e queria que chegassem a salvo às mãos de seu editor. Em pelo menos uma
oportunidade Edison Carneiro pôde retribuir. Philon Carneiro se lembrou de uma situação em
sua casa no Rio de Janeiro em que uma de suas tias, irmã de Edison, já com mais idade escondeu
Jorge Amado em um baú sobre o qual ficou sentada durante uma revista realizada pelos militares
do golpe de 1964.
57
Mas voltando aos anos 1930, quando seu companheiro baiano começou a flertar com a
antropologia, Amado foi um grande incentivador e mobilizou sua influência sobre Arthur Ramos
em prol de Edison Carneiro.
Arthur Ramos é também uma de suas principais referências teóricas até então. A
correspondência indica os esforços de Edison Carneiro no sentido de estreitar a relação e recorrer
a este apoio: ele envia para o professor todos os artigos que escreve, as reportagens que publica,
as fotografias que tira, pede livros que não encontrava nas bibliotecas ou livrarias de Salvador e
também indicações de leitura, faz elogios aos livros publicados do mestre, mostrando ser seu
leitor assíduo. Edison Carneiro estava nesse momento envolvido nos preparativos da organização
do Segundo Congresso Afro-Brasileiro, que se realizaria em 1937 em Salvador e mais uma vez
procura o apoio e a colaboração de Arthur Ramos. Em boa parte, os muitos adiamentos que se
sucederam em relação à data inicialmente programada para o evento se devem à espera pela
disponibilidade de Arthur Ramos para participar.
Mas todos os leitores dessas cartas concordam que há claros sinais de uma “assimetria”
na relação entre os dois (Colle, 2003; Corrêa, 2003). Edison Carneiro buscava nela apoio
intelectual e pessoal, mas para Arthur Ramos a relação não passava de um contrato profissional
entre editor e autor. Os silêncios de Arthur Ramos reforçam a sugestão, não só por não termos
acesso ao conjunto das cartas enviadas por ele, mas também porque em muitas das cartas escritas
por Carneiro ele cobra respostas de Arthur Ramos, fazendo muitas tentativas diferentes: ora faz
uso de um tom formal, outras vezes se dirige de forma carinhosa e faz brincadeiras. Nas poucas
cartas enviadas por Arthur Ramos a Edison Carneiro, cujas cópias estão no arquivo do primeiro,
ele oscila entre a formalidade e a rispidez. Numa delas responde ao questionamento de Carneiro
sobre o atraso na publicação de seu livro e a um pedido de adiantamento dos direitos autorais.
58
Ramos somente indica que ele deve se comunicar diretamente com a editora. Em outra, Arthur
Ramos responde a uma brincadeira de Edison, mais uma de suas muitas tentativas de estreitar a
comunicação entre os dois:
Bahia, 20-IV-38
Prof. Dr. Arthur Ramos
Há tempos, no anno passado, créamos, na Bahia, o Syndicato da Glória
de V. EX., com o fim principal de formar um ambiente de sympathia maior em
torno das suas obras.
Este Syndicato, cujo presidente de honra é o romancista Jorge Amado, e
os signatários desta, respectivamente, Edison Carneiro e Áydano do Couto
Ferraz, presidente effectivo e secretário geral, está a pique de ser dissolvido, em
virtude de V. Ex. estar proscratinando a publicação de “O Negro no Brasil”
(annaes do Congresso Afro-Brasileiro da Bahia), cujos resultados materiaes
muito serviriam para melhorar a deplorável situação da chefia desta organização
trabalhista.
Agora mesmo, o escriptor bahiano Edison Carneiro vae lançar, dizemos,
vae dirigir um boletim da Livraria Editora Bahiana (“Letras”), publicação
quinzenal, com um público mínimo garantido de 3000 pessoas. Caso a
reclamação deste Syndicato não seja attendida, o referido periódico deixará de
ser o órgão official do citado Syndicato, fazendo o boy-cott das obras do Prof.
Dr. Arthur Ramos.
Neste número, a apparecer nos princípios de maio, sahirá uma nota
sobre “Arthur Ramos e os estudos Afro-Brasileiros” (com retrato), coisas que
interessarão a V.Ex. O Syndicato aproveita a oportunidade para solicitar a
acatada collaboração de V.Ex.
Lançando este “ultimatum”, o Syndicato lembra novamente a V.
Ex. que é de inteira urgência a publicação de “O Negro no Brasil”, com o
pagamento dos direitos autoraes aos signatários desta, - sob pena de dissolução
do Syndicato da Gloria do Prof. Arthur Ramos.
Deus Guarde a V. Excia.
Edison Carneiro
Aydano do Couto Ferraz
(Oliveira e Lima, 1987)
Não consegui decifrar integralmente a resposta de Arthur Ramos. Ele guardou em seu
arquivo o rascunho da carta, escrito numa caligrafia que apresenta dificuldades de leitura. Mas
vê-se que sua reação é bastante ríspida. Parece que esta resposta nunca chegou às mãos de
Edison Carneiro. Áydano do Couto Ferraz, grande amigo dele, recebeu a carta e não a entregou,
59
buscando apaziguar os ânimos. Talvez Edison Carneiro nunca tenha percebido com clareza a
distância que Arthur Ramos impunha à relação entre eles. Ou talvez a percebesse, mas não
desistia das tentativas de desfazê-la.
Mariza Corrêa em um de seus muitos textos de história da antropologia brasileira
apresenta assim a relação de assimetria: “o jovem mulato baiano procurando o apoio do
professor de medicina, branco, já consagrado” (Corrêa, 2003). Mais que ser a principal
referência para Edison Carneiro até então, Arthur Ramos é a principal referência brasileira no
campo de estudos sobre o negro e está conectado a uma rede internacional de pesquisadores,
principalmente norte-americanos e cubanos, envolvidos com os chamados estudos afro-
americanos.
Francamente não sei o que lhe diga. Nunca tive palavras para me explicar,
nesses momentos. Estou contente, inteiramente envaidecido com a sua amizade,
com a sua collaboração, com o seu estímulo, sem o qual talvez esse livro e toda
a minha atividade posterior, nunca apparecessem à tona. Você é o pae das
“Religiões”- e teve por ella, carinhos de pae mesmo. Eu lhe agradeço de todo o
coração. (Carta de 30/11/1936 de Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira
e Lima, 1987).
Por outro lado, Arthur Ramos já se transferira para o Rio de Janeiro e a relação com
Edison significava para ele uma das formas de manter seus vínculos com a Bahia. Edison
Carneiro manda pra ele notícias e presentes vindos dos terreiros de candomblé, cânticos e
fotografias de rodas de capoeira, “troços” de samba e afoxé, todos os registros do seu intenso
trabalho de campo – ou de suas andanças pela cidade – e, assim, Arthur Ramos se mantém
atualizado em relação aos lugares, pessoas e eventos sobre os quais muito escrevia, mas, ao que
parece, pouco visitava. Ele reconhece a proximidade de Edison Carneiro com o campo e é só nos
momentos que precisa fazer uso dela que parece se interessar por essa relação. Carneiro, por sua
60
vez, também sabe fazer uso de sua proximidade com o universo afro-brasileiro de Salvador, de
que Arthur Ramos estava afastado. Ao pedir a ajuda de Arthur Ramos para tentar uma colocação
profissional para um de seus irmãos no Rio de Janeiro, ele parece querer sutilmente trocar o
pedido por um caderno que recolheu em seu trabalho de campo e que enviaria de presente a
Arthur Ramos.
Não só pela posição de Arthur Ramos no campo intelectual, mas também pelo prestígio
institucional e político que detinha, nesse momento, em que Edison Carneiro enfrentava
extremas dificuldades financeiras, era perseguido pela polícia política e não contava com
nenhuma posição profissional estável, ele de certa maneira dependia de boas relações. Chamo
atenção para a forma como se dirige a Arthur Ramos nas cartas: “caro amigo”, “do amigo e
admirador”, “o velho camarada”, “agradeço de todo o coração o que você tem feito”. O apoio
que busca aí embaralha as fronteiras entre o pessoal e o profissional.
Tal instabilidade profissional o leva a publicar muitos artigos de jornal, aparentemente
sem o cuidado que gostaria de dispensar aos seus textos. Nas cartas que escreve para Arthur
Ramos, Carneiro não constrói sua identidade profissional como jornalista, mas apresenta a
profissão como uma contingência. Preocupado com o ineditismo de sua pesquisa, a partir da qual
ele ingressaria com uma contribuição original no campo dos estudos sobre o negro, o autor se
mostra incomodado em ter que vender para o jornal suas reportagens antes de publicá-las em
livro. Provavelmente não recebia ainda do jornal um salário mensal, mas por matéria publicada.
Eu ia lhe mandar umas notas sobre a capoeira, mas a miséria... ela me fez, para
ganhar uns cobres, cometer um artigo sobre a Capoeira de Angola, que o Estado
da Bahia publicará brevemente. Espero que a mesma coisa não aconteça com o
samba. Tenho tantas letras de samba... (carta de 06/06/1936 de Edison Carneiro
para Arthur Ramos, Oliveira e Lima, 1987).
61
Carneiro expõe suas dificuldades financeiras para Arthur Ramos em outras situações. Em
diversas dessas cartas, Edison insiste com pressa para a publicação de seus livros, e dos volumes
em que foram publicadas as comunicações dos dois congressos afro-brasileiros. Estava
certamente interessado não só na publicação dos volumes assinado por ele, como no recebimento
dos direitos autorais. Afirmar uma identidade intelectual é importante para ele, não só para
marcar seu lugar num campo de estudos, como pela possibilidade de melhorar sua situação
financeira.
Estes três meses em que estive fora da Cidade me arruinaram totalmente o
pobre, o minguado, o deficitário orçamento. Para conseguir o trabalho de
Hercules de reequilibrá-lo, estou precisando de um favor seu. Desejaria que
você aceitasse (mesmo no escuro) e programasse na Biblioteca, mais um livreco
meu, para este anno. Si possível, annunciasse logo também. Isso me habilitaria a
conseguir uns adiantamentos, optimos sob todos os aspectos, com amigos daqui.
O livro conterá vários estudos já publicados. O troço estará pronto dentro de três
meses. Se for possível, farei ainda um ensaio único sobre os candomblés daqui.
Consiga, amigo velho, que a Civilização aceite, programe e anuncie. Isso,
calculo, será fácil para você e me desafogará bastante. (Carta de 08/01/1938 de
Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima, 1987).
Ele estava começando a sua carreira e tentava uma colocação profissional mais estável.
Um daqueles adiantamentos do pagamento dos direitos autorais seria destinado aos custos com
um concurso para livre-docente de Direito Internacional na Faculdade da Bahia (e já
vislumbrando um concurso para catedrático mais tarde). Logo em seguida ele desfaz o pedido –
não poderia concorrer à vaga antes de completar três anos de formado.
Muito lentamente, Edison constrói sua independência em relação a Arthur Ramos. Chamo
atenção para um deslocamento significativo de perspectiva entre o livro Religiões Negras e o
Negros Bantos. Enquanto o primeiro é organizado em torno dessas referências, o segundo o é em
torno de suas observações de campo. Em Negros Bantos Edison Carneiro constrói sua autoria
62
como o primeiro pesquisador a estudar os negros bantos da Bahia, aquele que viu e deu a devida
importância a alguma coisa que tinha passado despercebida a Nina Rodrigues e Arthur Ramos.
Apesar das afirmativas de Edison, quando do lançamento de Negros Bantos, Arthur Ramos tenta
puxar para si essa primazia nas orelhas dos livros. Para a literatura especializada das religiões
afro-brasileiras, foi mesmo Edison Carneiro que ficou como o primeiro autor a estudar os negros
bantos, porém, o que mais importa aqui é o quanto ele se percebe e se constrói a partir daí e o
significado que confere a esse ineditismo em seu projeto autoral. Ainda durante o processo de
escrita do primeiro livro, seus interesses se voltam nessa direção.
Mal acabo de escrever este, já penso noutro livro. Estou interessado, agora, em
encontrar traços negros bantos na Bahia (...). E aqui chega a ocasião de lhe
aborrecer. Eu sou um limpo... Para poder cometer um troço sério sobre os
negros bantos, preciso de livros sobre. Os mais descritivos. Você não poderia
me emprestar os que tivesse (...). Estou recolhendo um material formidável
sobre samba, capoeira e batuque. E seria uma pena perder tudo... (Carta de
27/01/1936 de Edison Carneiro a Arthur Ramos. Oliveira e Lima, 1987).
No livro Religiões Negras Edison já faz um capítulo sobre os candomblés de caboclo e
depois disso passa a se orientar no sentido de procurá-los. Ele se diz “desajudado” em relação a
eles, por não encontrar, na Bahia, bibliografia sobre o assunto para analisar o material que vinha
recolhendo. Pede então que Arthur Ramos envie do Rio de Janeiro alguns livros pelo correio.
Pouco tempo depois lamenta que Ramos não possa mandá-los. Em decorrência da dificuldade,
lança-se a campo. Não que antes disso não soubesse da existência desses terreiros em Salvador,
ou que não conhecesse rodas de samba, capoeira e batuque, que, inclusive, conta ter
acompanhado desde a sua infância e adolescência em Salvador. O encontro com os negros
bantos não é um momento marcado. Mas ele narra seu encontro em campo como uma descoberta
63
e nas cartas enviadas a Arthur Ramos registra todos os passos da construção dessa narrativa do
encontro:
Estou reunindo enorme material pro Negros Bantus. E brevemente lhe mandarei
explicações mais detalhadas sobre capoeira e sobre samba.
E sobre a bibliografia bantu que lhe pedi?
Arranjei um ótimo campo de observação – o candomblé da Goméa (Angola). Já
tenho observações notáveis, que vão espantar a turma.
(carta de 23/04/1936 de Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima,
1987).
Na sua carta, há umas coisas misteriosas sobre os bantus. Vamos lá, mano.
Podemos falar claro... Explique o que você pensa do caso, sem receio de me
melindrar. Mas, por favor, não banque o detetive dos romances policiais, que
desde o começo já conhece o bandido!
Pena que você não me possa mandar livros sobre os negros do sul da África.
Aqui não é difícil, é impossível encontrar livros assim...
(carta de 11/05/36 de Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima,
1987).
Ao narrar o encontro com os negros bantos em campo narra ao mesmo tempo a sua
iniciação na etnografia:
Este livro, produto da observação direta dos candomblés e do folclore negro na
Bahia foi escrito ao acaso, no escuro. De certo modo, ele vale como uma proeza
audaciosa, já que não se encontra, aqui, nas livrarias ou nas bibliotecas, nada de
interessante sobre o negro do sul da África, seja qual for o motivo a estudar. O
pesquisador tem de contar, apenas, com um fator – o seu possível sexto
sentido... (Carneiro, 1937).
Em Religiões Negras o autor já falava em etnografia. Nele e também em seus artigos de
jornal os caminhos de sua circulação em campo já são traçados, mas é a partir de Negros Bantos
que passará a afirmar a valorização de uma determinada modalidade de pesquisa e a construir
sua imagem como um pesquisador de campo. Passando a se apoiar cada vez mais em suas
pesquisas de campo, demarca um domínio em relação àqueles que
64
Quando resolvem estudar candomblé, colhem material chamando os negros aos
seus escritórios para entrevistas, porque são muito orgulhosos ou muito
preguiçosos pra visitar os templos nos arrabaldes. Mas você tem de ir a eles.
Você não pode esperar que se portem com naturalidade num escritório ou num
hotel. E eles saberão que você os respeita, se for a eles. (Edison Carneiro citado
em Landes, 2002).
É aqui que narra sua iniciação no trabalho de campo (“observação direta”) e constrói uma
identidade autoral. Nesta medida podemos dizer que sua subjetividade é construída a partir deste
encontro com o “outro” (mais especificamente, com um outro “outro”, os bantos e não mais os
nagô). Edison Carneiro se constrói como autor de, mais do que uma obra, uma nova linhagem de
estudos.
Penso que este é o meu livro, pois elle é feito, quase todo, de pesquizas
pessoais. Eu abro caminho com este livro. (Carta de 27/03/1937 de Edison
Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima, 1987).
Os negros bantos, na Bahia, criaram toda uma série de orixás, muitos dos quais
até agora não classificados nem registrados pelos observadores das religiões
afro-brasileiras. (Carneiro, 1937).
Arthur Ramos vai deixando de ser construído como um de seus pares, para ser posicionado
como um de seus “outros”.
65
Figura 7:
Mapa 2: Terreiros de Candomblé em que Edison Carneiro fez trabalho de campo para o livro
Religiões Negras:
1 - Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho - Travessa Joaquim dos Couros – Acupe de Brotas
(Antigo Engenho Velho do Rio Vermelho de Baixo / 2- Candomblé do Oxumarê – Av. Vasco da Gama –
Engenho Velho da Federação (Antiga Mata escura)/ 3- Terreiro do Pai-de-Santo João da Pedra Preta ou
Joãozinho da Goméia - Candomblé da Goméia – Estrada de rodagem Bahia-Feira na altura do Km 2 , na
Goméa - São Caetano / 4- Terreiro do Pai de Santo Jubiabá – Morro da Cruz do Cosme – 205 – Caixa
D‟água / 5- casa de Martiniano do Bonfim – Caminho Novo do Taboão – Comércio
66
Figura 8:
Mapa 3: Terreiros de Candomblé em que Edison Carneiro fez trabalho de campo para o livro Negros Bantos:
1 - Terreiro do Pai-de-Santo João da Pedra Preta ou Joãozinho da Goméia - Candomblé da Goméia – Estrada de
rodagem Bahia-Feira na altura do Km 2 , na Goméa - São Caetano / 2) Terreiro do Pai-de-Santo Manuel Paim –
candomblé Estrela de Jerusalém a) Rua do Abacaxi, 50 - Periperi/ b)Av. Centenário, Vila América (antiga Rua da
Lama)/ c) Cabula/ 3- Germina e Manuel Lupércio do Espírito Santo – Candomblé Filho das Águas – Largo da
Calçada - Liberdade/ 4- casa de Martiniano do Bonfim – Caminho Novo do Taboão – Comércio/ 5- Terreiro Ilê Axé
Opô Afonjá – São Gonçalo do Retiro / 6- Terreiro de Bernardino da Paixão – candomblé do Bate-Folha - Travessa
de São Jorge 65 - Mata Escura do Retiro / 7 - Terreiro do Gantois – Alto do Gantois 33 – Federação / 8- Terreiro do
Pai de Santo Jubiabá – Morro da Cruz do Cosme – 205 – Caixa D‟água / 9- Pai-de-Santo Manuel da Formiga ou
Manuel Falefá (Manuel Vitorino Costa) - Candomblé do Poço Bètá - Formiga 118 - São Caetano/ 10- Pai-de-Santo
Jacinto - Candomblé do Oxumarê – Av. Vasco da Gama – Engenho Velho da Federação (Antiga Mata escura) / 11-
Pai-de-Santo Ciríaco – candomblé do Tumba Juçara - Ladeira da Vila América, nº 2, Travessa nº 30, - Vasco da
Gama
67
2.3 – Redes Intelectuais e Políticas da Antropologia Brasileira na década de 1930
Os textos reunidos por Edison Carneiro em seus dois primeiros livros poderiam ser
classificados como textos de história, antropologia, jornalismo, linguística, estudos de música.
Contudo, já na introdução ao seu primeiro livro, ele escolhe se apresentar como um etnógrafo,
escolha reafirmada na introdução ao segundo. Pareceu-me interessante entender porque essa
escolha se fez importante dentre tantas possibilidades e por quais vias ele foi se construindo
dessa forma e se fazendo um etnógrafo. Os caminhos que me sugeriram respostas a essas
reflexões partiram de um mapeamento do campo intelectual e político da antropologia acadêmica
que começa a se institucionalizar nos anos de 1930. Com base nesse mapeamento torna-se
possível perceber como Edison Carneiro vai galgando seu lugar no campo de estudos sobre o
negro e sobre as relações raciais (uma das duas grandes linhas em que se dividia a antropologia
acadêmica nesse momento); em grande parte tal lugar parte da relação que o autor busca
construir com Arthur Ramos. Todo o movimento de Edison nessa direção é melhor
compreendido quando percebemos que no momento em que esse campo de estudos está sendo
formado, Arthur Ramos vai se posicionando como “o dono do assunto” . Arthur Ramos ocupava
a cátedra de Psicologia na Universidade do Distrito Federal, criada em 1935, e em 1939 foi
indicado para a cátedra de Antropologia e Etnografia da Universidade do Brasil. Ele disputava a
posição de destaque com Dona Heloísa Alberto Torres, vice-diretora do Museu Nacional entre
1935 e 1937 e diretora entre 1938 e 1955. Dona Heloísa tinha sido indicada por Gilberto Freyre
para substituí-lo na cátedra de Antropologia da Universidade do Distrito Federal. A política da
disciplina estava então polarizada entre os dois, mas no campo dos estudos antropológicos sobre
o negro, Arthur Ramos reinava absoluto. Estar sob a sua tutela representava para quase todos os
68
pesquisadores – e para Edison não foi diferente – o caminho mais seguro para a entrada neste
campo.
A Antropologia veio a descobrir o Brasil, como campo de estudo, no final dos anos trinta,
quando expedições de intelectuais franceses e americanos foram organizadas para territórios
distantes dos centros de poder, dentro dos estados do Mato Grosso, da Amazônia, da Bahia e do
Rio de Janeiro. Ao longo das décadas de 1930 e 1940 forma-se uma rede entre intelectuais dos
Estados Unidos, Brasil e Cuba, criando o campo dos estudos afro-americanos. Fazem pesquisas
na Bahia, neste período, uma série de intelectuais estrangeiros, entre eles Robert Park, Donald
Pierson, Ruth Landes, Melville Herskovits e Franklin Frazier. Carneiro vai se atando a essa rede
como um de seus nós, ao incentivar publicações, provocar debates, agenciar pesquisadores em
outros estados do país e também de fora dele para a participação no congresso que organiza.
O congresso realizou-se entre 11 e 19 de janeiro de 1937. Carneiro organizou as mesas
com apresentação de comunicações, nos salões do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia; a
exposição de objetos utilizados nas cerimônias religiosas do candomblé com curadoria do
Professor Estácio de Lima, no Instituto Nina Rodrigues; as apresentações de samba e capoeira no
Clube de Regatas Itapagipe e as festas em alguns terreiros de Salvador, que fizeram parte da
programação do congresso. Participaram, presencialmente ou com o envio de comunicações que
foram lidas nas mesas, e depois integraram o livro O Negro no Brasil, Arthur Ramos, Jorge
Amado, Áydano do Couto Ferraz, Clóvis Amorim, Reginaldo Guimarães, Martiniano Eliseu do
Bonfim, Manoel Diégues Junior (Alagoas), Alfredo Brandão, Renato Mendonça, Jacques
Raymundo, Robalinho Cavalcanti (Rio de Janeiro), Dante de Laytano, Dario Bittencourt (Rio
Grande do Sul), Melville Herskovits (Northwestern University, USA), Salvador Garcia Agüero
69
(Cuba), Donald Pierson (Universidade de Chicago, USA), Eugênia Ana dos Santos, Manoel
Bernardino da Paixão e Manuel Vitorino dos Santos.
Nesse momento muito particular entre as décadas de 1930 e 1940 as discussões
atravessam de baixo para cima e de cima para baixo a linha do equador. Edison Carneiro
intermediou o encontro de pesquisadores estrangeiros com o universo afro-brasileiro da Bahia. O
primeiro deles, vindo em 1936, foi Donald Pierson, da Universidade de Chicago, cujas pesquisas
resultaram no livro Brancos e Pretos na Bahia. Depois disso, entre 1938 e 1939, guiou as
pesquisas de Ruth Landes, da Universidade de Columbia, para o livro A Cidade das Mulheres.
Carneiro se colocava como um guia de boa parte dos antropólogos que empreenderam suas
pesquisas na Bahia, desde os seus companheiros da Academia dos Rebeldes na juventude, até
Donald Pierson e Ruth Landes. Sua intimidade com o campo fez dele o passaporte para a entrada
e livre circulação desses pesquisadores estrangeiros.
Todos os pesquisadores norte-americanos que vinham para o Brasil interessados em fazer
pesquisas sobre os negros estavam em comunicação direta com Arthur Ramos, por meio de
quem entravam no país, e Ramos recomendava que conhecessem antes de tudo a Bahia e
intermediava a visita recomendando-os a Edison Carneiro.
Em parte, é desses estudos que nasce a antropologia acadêmica no Brasil. Mariza Corrêa,
preocupada com a questão acerca de como surgiu/foi inventado o cenário institucional da
antropologia no Brasil, destaca como um dos marcos fundadores uma fotografia de 1939 em que
aparecem, nos jardins do Museu Nacional, Claude Lévi-Strauss, Ruth Landes, Charles Wagley,
Heloísa Alberto Torres, Luís Castro Faria, Raimundo Lopes e Edison Carneiro. É por estar
circulando entre estes espaços e personagens, com relações complexas e variáveis, que a autora o
coloca como integrante da comunidade antropológica (Corrêa, 1988).
70
Já instalado no Rio de Janeiro, Carneiro viajou de volta à Bahia, integrando as expedições
do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil, para a compra de
bonecas representando orixás, encomendadas às mães e filhas-de-santo de Salvador, para a
exposição etnográfica, dentro da Exposição Histórica do Mundo Português, organizada por
Heloísa Alberto Torres, então diretora do Museu Nacional (Corrêa, 2003) 15
.
O período de formação da antropologia acadêmica no Brasil coincide com o período em
que Edison Carneiro se constrói subjetivamente como um etnógrafo. No entanto, o pesquisador
nunca conseguiu uma situação profissional estável no campo da antropologia acadêmica.
Sofreu perseguição, porque ele quis se candidatar a professor de antropologia e
não deixaram. O concurso nunca se realizou. Ele ficou terrivelmente frustrado.
Ele se encaminhou pro folclore pra ganhar algum dinheiro, porque fizeram um
curso de folclore na Biblioteca Nacional e pagavam a ele pra dar o curso. Daí
surgiu depois a Comissão Brasileira de Folclore, graças a Renato Almeida, de
quem ele era muito amigo. (Entrevista com Waldir Freitas Oliveira)16
.
As pistas sugerem que seu lugar no mundo acadêmico da antropologia está vinculado às
suas relações no mundo afro-brasileiro da Bahia.
15
Em 1940, Portugal preparou o que seria a última exposição de um império colonial, a Exposição Histórica do
Mundo Português (...). Como parte da história do mundo português, o Brasil foi convidado a participar (...)
Como parte dos preparativos para a participação do país na exposição, a então diretora do Museu Nacional,
Heloisa Alberto Torres, foi convidada a organizar uma “exposição etnográfica” que faria parte das coleções
enviadas do Brasil. Dona Heloisa passou boa parte do ano de 1939 encomendando peças para a exposição. Entre
elas, 14 bonecas de 70 centímetros de altura, “apresentando traços característicos de diferentes tipos
antropológicos negros da Bahia e vestidas com a indumentária típica dos diferentes orixás que as mães de santo
encarnam nas festas religiosas” e “12 orixás, de 25 centímetros de altura, esculpidos em madeira, representando
diferentes deuses africanos” – entre eles, um São Jorge.
Os mediadores dessa compra foram Édison Carneiro e Ruth Landes, que encomendaram as bonecas às mães e
filhas de santo em Salvador. (Corrêa, 2003).
16
O concurso referido aqui era para a cátedra de Antropologia e Etnografia da Universidade do Brasil, ocupada até
então por Arthur Ramos, quando ele aceitou, em 1949, o convite para dirigir o Departamento de Ciências Sociais da
UNESCO. Intencionavam disputar a vaga Edison Carneiro, Maria Alice Moura Pessoa, Heloísa Torres e Marina São
Paulo Vasconcelos, assistente de Ramos. Os três primeiros pediram ao Conselho Universitário a concessão de
“notório saber” para suprir a ausência de títulos e os três pedidos foram negados (Corrêa, 2003).
71
Figura 9: Famosa foto publicada em muitos trabalhos de história da antropologia. Édison Carneiro,
Raimundo Lopes, Charles Wagley, Heloisa Alberto Torres, Claude Lévi-Strauss, Ruth Landes, Luís de
Castro Faria, no jardim do Museu Nacional em 1939.
(Publicada em Corrêa, Mariza. Antropólogas e Antropologia. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2003).
72
2.4 – Cronica juvenil da maravilhosa Bahia17
O encontro entre Edison Carneiro e Ruth Landes
Dentre os antropólogos estrangeiros que fizeram pesquisas no Brasil, devo destacar a
presença de Ruth Landes, que teceu com Edison Carneiro uma associação de importância sem
par em ambas as biografias.
Aluna de Ruth Benedict e Franz Boas na Universidade de Columbia, Ruth Landes decidiu
fazer uma pesquisa antropológica de campo na Bahia e no Rio de Janeiro, em 1938 e 1939.
Inicialmente seu interesse era estudar as relações raciais no Brasil, ou nas próprias palavras da
antropóloga, "realizar uma pesquisa antropológica sobre a vida dos negros naquele país",
especialmente na Bahia (Landes, 2002). Landes buscava realizar um estudo comparativo das
relações entre negros e brancos no Brasil e nos Estados Unidos da América. O interesse da
estudiosa nasceu das informações que recebeu de que no Brasil negros e brancos conviveriam
bem e livremente. Ela apresenta assim o olhar que os antropólogos norte-americanos
compartilhavam sobre o Brasil, ao compará-lo com seu próprio país, onde os conflitos raciais
eram intensos.
Landes decidiu passar um ano na Universidade de Fisk, uma escola somente para negros
na cidade de Nashville, Tennessee, por ser o lugar com a melhor coleção de livros e materiais
sobre os negros e, também, pela crença de que ela deveria se “acostumar” a viver com os negros
antes de partir para as terras ao sul do Equador.
De lá, partiu para o Rio de Janeiro, onde passou três meses se dedicando a aprender a
língua portuguesa. A antropóloga aportou numa terra estrangeira, sem domínio da língua, e
procurou entrar em contato com algum intelectual local. Landes trazia uma carta de
17
Nota de Ruth Landes à primeira edição brasileira de A Cidade das Mulheres
73
recomendação de seus professores da Universidade de Colúmbia destinada à Artur Ramos.
Permaneceu algum tempo ainda nesta cidade recebendo aulas de uma professora de português,
até que decidiu, seguindo a orientação de Ramos, partir para a cidade de Salvador na Bahia.
Lá viveu algumas semanas de estranhamento numa cultura que não dominava. Demorou
algum tempo até encontrar um caminho que a levasse a seus objetivos de pesquisar a
comunidade negra na Bahia. A antropóloga conta que em um domingo, pela manhã, o Dr.
Hosannah de Oliveira, conhecido pediatra para quem Ruth trouxera uma carta de apresentação de
amigos do Rio de Janeiro, a levou para passear pela cidade a fim de lhe mostrar os “africanos”.
Mas ela não gostou da excursão, por pensar que os negros baianos deviam ser abordados de
maneira mais pessoal. Ruth Landes queria vê-los vivendo a sua própria vida e não apenas como
alvos de um questionário. É depois disso que a pesquisadora conhece Édison Carneiro.
O etnógrafo baiano tinha apenas vinte e sete anos, mas o número e a originalidade de seus
estudos sobre o negro brasileiro e os candomblés e a sua sólida reputação fizeram-na esperar um
homem muito mais idoso. Ele já estivera homiziado e preso por causa de sua oposição a Getúlio
Vargas e deveria ser preso novamente durante a estadia de Ruth Landes no Brasil.
Pareceu-me significativo que Edison fosse um mulato, da cor trigueira
chamada parda no Brasil. Era significativo porque as cartas de apresentação
vinham de colegas brancos, que não haviam mencionado a sua raça ou cor. Para
eles isso não importava. Aceitavam-no pelo seu provado valor como jornalista e
como erudito (Landes, 2002).
O encontro com Édison Carneiro abriu-lhe as portas da pesquisa, da Bahia e de uma
longa relação afetiva. Édison transitava com traquilidade entre as rodas de intelectuais baianos,
os terreiros de candomblé e os principais expoentes da comunidade negra na Bahia. Ele
concordava que Ruth deveria “ir aos negros” e que não poderia esperar que eles se portassem
74
com naturalidade num escritório ou num hotel. Édison se prontificou a apresentá-la se às pessoas
que julgava importantes de serem conhecidas.
Édison empreendia as suas próprias pesquisas de campo entre os negros,
colhendo material para o jornal que o contratara como repórter e para o novo
livro que planejava escrever. De modo que concordamos em fundir os nossos
recursos, os nossos conhecimentos, o nosso tempo, as nossas observações.
Preciso dizer que a devedora fui eu? Na verdade, a sua companhia convenceu a
polícia de que eu era politicamente culpada; mas, naquela terra, onde a tradição
trancava as mulheres solteiras em casa ou as lançava à sarjeta, eu teria sido
incapaz de me locomover, a menos que escoltada por um homem de boa
reputação. E ali estava ele. Além do mais, para os negros era a melhor garantia
possível de que eu não era uma espiã de classe alta, nem uma simples enxerida;
e, até certo ponto, ele anulava o mal-estar que sentiam na presença de
estrangeiros. Édison que vivera entre eles toda a sua vida e os descrevia na
imprensa diária, apresentava-me e era considerado o meu “protetor”. (Landes,
2002).
Durante os meses seguintes, Édison Carneiro e Ruth Landes visitaram pessoas, comendo
com elas nas suas casas, conversando tardes inteiras sobre coisas de seu interesse, passando dias
e semanas em cerimônias e festas. Durante o período em que estiveram juntos, Édison Carneiro,
aconselhava Ruth Landes sobre como devia portar-se ou vestir-se na Bahia.
A primeira pessoa com quem Édison acertou uma visita formal foi um
negro de cerca de 80 anos conhecido como Martiniano. Era uma instituição na
Bahia, e na verdade em todo o Brasil; consideravam-no um sábio no seu mundo.
Fomos ao Engenho Velho num domingo de tarde, quando o tempo
devia inaugurar o período de festas cultuando Oxalá, o idoso pai dos deuses
africanos.
Prosseguindo no seu programa de me apresentar àqueles que eram bons
exemplos do modo de vida dos negros, Édison me levou a visitar o primo de
Martiniano, Felipe Néri.
(Landes, 2002)
75
Edison Carneiro é o personagem central do livro A Cidade das Mulheres, em que Ruth
Landes narra esta pesquisa de campo. Nele, além de Ruth Landes escrever todo o tempo na
primeira pessoa relatando passo a passo sua experiência de campo, são apresentadas algumas
conclusões sobre o candomblé na Bahia. O livro, que traduz a pesquisa de Ruth Landes e sua
íntima relação com Édison Carneiro, é hoje considerado um clássico no estudo do candomblé e
das relações inter-culturais na Bahia.
A polícia secreta de Getúlio Vargas expulsou Ruth Landes da Bahia pouco antes do
Carnaval do ano de 1939. A pesquisadora continuou a se corresponder com Édison Carneiro até
a morte deste na década de setenta. Ao longo de uma troca de cartas que durou mais de trinta
anos, Ruth Landes e Édison Carneiro discutiram sobre seus projetos, pesquisas, relações
profissionais e amorosas. Ruth Landes e Édison Carneiro falaram também de suas lembranças
dos encontros com os membros da comunidade negra da Bahia.
Podemos identificar a realização por Edison Carneiro de um exercício de memória, ao ler
o livro de Ruth Landes e comentar, nas cartas trocadas entre os dois, a experiência de pesquisa
que dividiram. Carneiro reviu a tradução original e também fez as correções sugeridas por
Landes, na ocasião de uma nova visita dela ao Brasil em 1966, um ano antes da publicação da
primeira edição brasileira de A Cidade das Mulheres (publicado em 1967 pela Editora
Civilização Brasileira, vinte anos depois da publicação americana). Acrescentou notas, com
nomes completos e apelidos de pessoas, a tradução de gírias e expressões locais, as histórias e
endereços dos terreiros de candomblé de Salvador, as datas exatas dos acontecimentos, os nomes
de políticos a quem Landes se refere, os lugares por onde passaram, os compositores e as
músicas da época, os estabelecimentos comerciais da cidade.
76
I read your book and was amazed to see how undying are indeed the memories
of that time – those beautiful and glorious days of Bahia. Even the simplest
things – like the song of Master Domingos and the name Áydano and the others
called me, Mestre Antigo, were not forgotten by you. It‟s wonderful. It amuses
me (or, in Portuguese, eu acho graça) to read the things you recall. I am grateful
to you for not letting that year die, for reviving those incidents of our daily life
among the blacks of Bahia, for upholding the dreamy, the one-thousand night
tale of our friendly partnership18
.(Carta de Edison Carneiro para Ruth Landes)
Em parte, o processo que o levou a valorizar a perspectiva do trabalho de campo
relacionava-se a outros diálogos intelectuais que Edison Carneiro começa a travar, colocando-se
sob influência da antropologia cultural norte-americana. Essa troca de influência tem uma de
suas marcações fundamentais revelada no posicionamento que assume, ainda que tardiamente,
em relação ao episódio que envolveu as duras críticas feitas publicamente por Arthur Ramos e
Melville Herskovits ao trabalho de Ruth Landes, e que a perseguiram ao longo de toda sua
carreira. Não me concentro aqui em detalhar o episódio, o que já foi feito muito cuidadosamente
por outros autores (Healey, 1996; Cole, 2003, Corrêa, 2003). Considero importante destacar a
repercussão da relação com Landes no processo de sua construção subjetiva como um etnógrafo
profissional e de sua escolha pela pesquisa de campo, a partir da qual ele se afastou
crescentemente das perspectivas de Arthur Ramos. A substância da crítica de Carneiro a Ramos
18
Li o seu livro e fiquei maravilhado ao ver como são de fato inesquecíveis as memórias daquela época – aqueles
dias bonitos e gloriosos na Bahia. Até as coisas mais simples – como a música do mestre Domingos e o nome que
Àydano e os outros me chamavam, Mestre Antigo, não foram esquecidos por você. É fenomenal. Divirto-me, acho
graça, ao ler as coisas que você se recorda. Sou grato a você por não deixar aquele ano morrer, por relembrar
aqueles incidentes da nossa vida cotidiana entre os negros de Bahia, por sustentar a nossa sonhadora e amigável
parceria de mil e uma noites.
Este trecho é de uma carta enviada por Edison Carneiro a Ruth Landes, cuja cópia está no arquivo do Museu de
Folclore. O fato de ter feito cópias dessas cartas sugere mais um indício da realização de um arquivo de si.
Em nenhuma das cartas que estão no Museu de Folclore encontramos um tom que denuncie o envolvimento
amoroso entre os dois, muito provavelmente porque este arquivo foi preparado por sua viúva. Para Waldir Oliveira,
amigo do casal: Madalena tinha horror a Ruth Landes, porque sabia que tinha havido um caso entre os dois.
Madalena não gostava de Ruth Landes, não gostava nem que se falasse no nome dela.
(Entrevista com Waldir Freitas Oliveira)
A maior parte da correspondência trocada entre eles integra a coleção Ruth Landes Papers, do National
Anthropological Archives, órgão que integra a Smithsonian Institution, à qual não tive acesso. Uma análise
cuidadosa destas cartas está em Cunha, 2004.
77
está na superficialidade que ele vê no contato pessoal deste último com os candomblés da Bahia,
contrastando-a com a intimidade que ele próprio e Landes teriam estabelecido (Carneiro, 1964).
Antes disso, em 1935, Carneiro publica uma crítica ao autor, que não tinha ainda tomado como
seu mestre: em Arthur Ramos, o negro, a bem dizer, se despersonaliza, vale apenas como objeto
de estudo. (citado em Oliveira e Lima, 1987). Ambas as críticas seguem a mesma linha ao
contrapor um contato mais aproximado proporcionado pelo trabalho de campo e a relação
estabelecida por uma pesquisa “de gabinete”.
Fui um dos amigos a quem Arthur Ramos a apresentou, por carta, na
Bahia. Durante cerca de seis meses eu a acompanhei a quase todos os
candomblés da cidade; indiquei-lhe as pessoas com quem deveria trabalhar – e
com as quais trabalhou, todas as tarde, nos dias úteis; forneci-lhe livros; juntos
assistimos a cerimônias públicas e privadas dos candomblés, participamos da
vida popular da cidade e discutimos o andamento das pesquisas, verificamos
dados e seguimos pistas por eles sugeridas.
Artur Ramos, que se considerava e era considerado os dono do assunto,
não podia estar contente. (...) consciente de que o seu contato pessoal com os
candomblés da Bahia era superficial, no intervalo de mais de dez anos desde que
Artur Ramos transferira residência para o Rio de Janeiro (Carneiro, 1964).
Edison Carneiro retira sua autoridade etnográfica dessa “observação direta”. Quando
marca sua opção por “ir a eles”, está também participando da fundação da tradição do trabalho
de campo na antropologia brasileira. As tradições que irá inventar para o outro se relacionam
com as tradições que inventa para si. Primeiro estuda os nagô, se colocando como um herdeiro
de Arthur Ramos e Nina Rodrigues. Depois, se volta para os banto e dialoga com a antropologia
boasiana do trabalho de campo.
78
Figura 10: Edison Carneiro em 1939, aos 26 anos de idade. Foto de Ruth Landes. National
Anthropological Archives, Smithsonian Institution (Publicada em Colle, Saly. Ruth Landes – A Life in
Anthropology. University of Nebrasca Press, 2003).
79
Figura 11:
Mapa 4: Circulação de Edison Carneiro com Ruth Landes:
1) Hotel em que ela ficou hospedada na Rua Chile, na Cidade Alta/ 2) Casa de Martiniano do Bonfim –
Caminho Novo do Taboão – Comércio/ 3) Terreiro do Engenho Velho – Travessa Joaquim dos Couros –
Acupe de Brotas (Antigo Engenho Velho do Rio Vermelho de Baixo)/ 4) Casa de Amor e Zezé – Rua
Alto do Gantois – Federação/ 5) Cabeceiras da ponte – Península de Itapagipe/ 6) Terreiro de Mãe Didi –
São Caetano/ 7) Terreiro de Mãe Sabina – Quintas da Barra/ 8 – Terreiro de Mãe Flaviana – Vila Flaviana
– Engenho Velho da Federação – Antigo Rio Vermelho de Cima/ 9 – Igreja de Nossa Senhora da
Conceição da Praia/ 10 – Igreja do Bonfim – Monte Serrat
80
2.5 - Coligir notas, classificar dados, sistematizar o material recolhido:
Manual de pesquisa
Um componente indissociável do modo como Carneiro entendia o trabalho de campo e a
etnografia é o aprendizado da linguagem. Deste aprendizado faz parte sua atenção às categorias
nativas, que ele chama de “pitorescas expressões”, registrando-as destacadamente no texto, em
itálico ou entre aspas, não deixando escapar a gramática, a fonética, a pronúncia, a origem e os
usos cotidianos das palavras.
Para Edison Carneiro o pesquisador deve “ir a eles” também munido do domínio do
idioma nativo. Em 1933, inicia, na companhia do romancista Guilherme Dias Gomes, um curso
de ioruba tomando como professor o babalaô Martiniano do Bonfim, e estudando num “guide
pratique” de missionários franceses. O aprendizado da linguagem nativa tem para Edison
Carneiro a importância de ser uma das etapas do ciclo de sua iniciação como etnógrafo.
Conhecia bem a língua nagô já ao tempo de nossas andanças noturnas nos
terreiros, e publicou um vocabulário num dos seus livros. Conversava no idioma
africano com Martiniano do Bonfim e Felisberto Sowzer, entre outros, como vi
e ouvi por várias vezes. (Ferraz, 1972).
Outra de suas estratégias é a redação de grandes glossários, um deles A Linguagem
Popular da Bahia publicado em livro, e outro, “Vocabulário dos termos usados nos candomblés
da Bahia”, como apêndice de Candomblés da Bahia.
O autor justifica a necessidade de se saber o nagô ou ioruba, ao afirmar a “extraordinária
fluência” com que “gregos e troianos” falam o nagô na Bahia e por ele designam os objetos de
culto, situações, cerimônias. Depois, se apóia em Arthur Ramos para notar a inexistência, na
literatura científica brasileira, de contribuições para o estudo das línguas sudanesas faladas no
81
Brasil. Assim, cria uma lacuna que ele próprio vem a preencher, colocando-se como aquele que é
capaz de traduzir para outros pesquisadores os significados ocultos por esta outra língua nos
cânticos e expressões ouvidos e lidos em campo. É por esse motivo que, ao enviar de presente
para Arthur Ramos um caderno em mussulmi, um “raio de língua...”, mais um dos presentes e
notícias vindos dos terreiros de Salvador que costumava enviar a seu professor no Rio de Janeiro,
ele abre mão de todos os direitos sobre este manuscrito, mas pede ao seu editor que se refira ao
caderno como “parte da coleção de Edison Carneiro”. Parece ser importante para ele ser o autor
de referência quando o assunto é o conhecimento e a tradução dos idiomas africanos da Bahia.
Várias das palavras listadas em seus glossários fazem parte de sua própria linguagem
cotidiana, que surpreendemos nas cartas que escreve a Arthur Ramos e nas conversas com Ruth
Landes: “o monstrengo”; “preguiça, essa „dona Paula‟ que casou comigo”; “macafuzada”;
“barafunda”; “o bicho”; “a coisa”; “o troço”; “eu sou um limpo”; “nas tangas”; “facada”; “meter
a viola no saco”; “borocotós”; “farol”; “de cambulhada”. Não é à toa que Jorge Amado apelidou
o livro de “o vocabulário de falar baiano, do Mestre Edison Carneiro”.
Porém essa linguagem mais identificada não aparece nos livros. O efeito disso é a criação
de um jogo de continuidades e descontinuidades. Carneiro oscila entre diferentes formas de
elaborar sua subjetividade, sugerindo estar numa posição liminar. Isso lhe dá a possibilidade de
construir-se e reconstruir-se a cada situação: nos livros, em que privilegia o tom formal e
impessoal, limpando os sinais dessa identificação; nos diferentes comentários que seleciona para
as orelhas dos livros; nas conversas com Ruth Landes; nos encontros com seus amigos-
informantes em campo, em que usa uma linguagem repleta de gírias e expressões baianas; nas
cartas para Arthur Ramos; fazendo uso de sua experiência múltipla para elaborar também
múltiplas dimensões de sua subjetividade.
82
Em alguns lugares as referências ao seu trabalho de campo aparecem de forma fluida. Ele
não parece participar dos eventos como um pesquisador, mas como alguém que circula
cotidianamente pelas festas e casas e absorve impressões de forma intuitiva. Esse seria, para
Ruth Landes, o método de trabalho de campo de Edison Carneiro.
In 1938-1939 Edison and I were endlessly available to the cult folk, endlessly
patient and cheerful, always alert, mindful to take notes and snap-shots. We
never used a tape recorder or a comparable instrument. Edison rarely took
detailed notes, but he had a highly sensitized memory. He produced feature
stories for his newspaper about cult doings; he wrote books; he wrote memos
for me, which I still keep. One saw all of him as an instrument for sopping up
impressions. From him I learned to listen – a technique that cannot be matched
for garnering insights. Watching me in the field years later, my husband said
that I gathered information the way a busy stream runs underground trough
woods; I must have modeled my technique after Edison‟s way19
. (Landes, 1970)
Outras vezes media a relação com o campo e com seus informantes a partir da imagem do
etnógrafo profissional: tira fotografias, colhe canções, pesquisa em arquivos e bibliotecas,
comparece a cerimônias representando o jornal, promove inquéritos, questionários quantitativos.
Através do gravador de som, da câmera fotográfica e do bloco de notas, ele não só se percebe,
mas se apresenta como etnógrafo. Com esses objetos materiais parece querer criar uma separação
entre sujeito e objeto de pesquisa.
Ainda que sua construção de si oscile, ao marcar o capítulo inaugurador de sua trajetória
como etnógrafo profissional, parece escolher enfatizar essa dimensão de sua subjetividade.
19
Entre os anos de 1938 e 1939, Edison e eu estávamos infinitamente disponíveis à cultura popular, infinitamente
pacientes e animados, atentos em tomar notas e tirar fotos instantâneas. Nós nunca usávamos gravadores ou um
instrumento comparável. Edison raramente tomava notas detalhadas, mas tinha uma memória altamente sensitiva.
Ele produzia artigos sobre os feitos culturais em seu jornal; escrevia livros, escrevia lembretes para mim, que ainda
guardo. Ele era visto como uma ferramenta para encharcar-se de impressões. Com ele aprendi a escutar – uma
técnica incomparável de propiciar intuições. Observando-me anos depois em campo, meu marido disse que eu
recolhia informação da mesma forma que um córrego denso flui subterraneamente sob a floresta; devo ter moldado
minha técnica à maneira de Edison.
83
Sua autoridade etnográfica tem o conflito como princípio estruturador: ela é retirada da
observação direta, que só é possibilitada por este contato íntimo que ele tem com o campo. Mas
essa intimidade deve ser retirada do texto para legitimar a cientificidade de sua escrita. A marca
dessa cientificidade é colocada por ele no uso de uma linguagem sóbria, objetiva.
Yesterday they called to say they want to publish it, if I will write in the first
person. You see, I rest myself out or rather, I appear as an old missionary, and
you appear under the name of Edgar Souza (but I have extensive quotations
from the works of Edison Carneiro). However they want the real identities20
.
(Ruth Landes em carta a Edison Carneiro)
I can not accustom myself with the idea that you could not make the book you
would have written – a scientific one21
. (Resposta de Edison Carneiro)
Espero que você goste do livro – e da minha sobriedade de linguagem. (Edison
Carneiro numa outra carta a Ruth Landes, falando do livro que acabara de
lançar, O Quilombo dos Palmares)
Seu esforço por se separar do campo, é indicado pelos sentidos que guiam sua observação.
Sua descrição sugere um movimento de distanciamento ao apelar para os sentidos da visão e da
audição. Como etnógrafo, a marca do seu estar lá é a de um observador atento e cuidadoso, que
registra tudo o que vê. O olhar é um dos sentidos que media sua experiência em campo, ou, pelo
menos, é através dele que elabora textualmente essa experiência. Nós leitores vemos, a partir dos
olhos de Edison Carneiro, o que está à sua volta. Preocupado em apreender detalhadamente a
cena que está observando, ele parece seguir um manual ao descrever cada festa que visita,
comparando as semelhanças e diferenças entre as festas dedicadas a cada orixá e as festas de
20
Ontem eles ligaram dizendo que querem publicá-lo, se eu concordar em escrever na primeira pessoa. Eu não me
coloco no texto, ou às vezes apareço como uma velha missionária, e você aparece com o nome de Edgar Souza (mas
apresento citações extensas do trabalho de Edison Carneiro). No entanto eles querem as verdadeiras identidades. 21
Não consigo me conformar com a idéia de que você não pôde produzir o livro que iria escrever – um livro
científico.
84
cada terreiro: as roupas, de que materiais são feitas, que cores têm, que objetos trazem, qual a
postura corporal com que dançam as filhas de santo, como se posicionam no espaço destinado
para a festa, que animais são sacrificados, que comidas são servidas, que objetos estão nos
altares, que instrumentos musicais são utilizados, quais as técnicas corporais que demandam, em
que momentos da festa cada orixá aparece, quem são as pessoas que frequentam, como vão
vestidas. Ele recria a partir de sua memória “altamente sensitiva”, como a descreve Ruth Landes,
imagens de alto poder expressivo, tamanha a quantidade de detalhes da cena que descreve.
O outro sentido é o da audição. Como observador, ele apenas descreve a cena que vê e
reproduz a fala que escuta, procurando também traduzi-la, atento às palavras usadas nos
diferentes terreiros ou cidades da Bahia para falar das mesmas coisas, à tradução do nagô para o
português, que quando não consegue fazer sozinho solicita a algum dos pais de santo com quem
está trabalhando, e aos significados dados a elas por cada um dos seus informantes e,
principalmente, aos “cânticos”, nos quais encontra palavras em nagô, quimbundo, mussulmí,
para ele importantes “lembranças” da África. Na maior parte das descrições, sua análise incide
sobre os cânticos. Fazendo essa escolha, entre a experiência sensorial múltipla que é uma festa
de candomblé, ele circunscreve um objeto de análise, que é apresentado como um documento
nativo, não mediado pela sua interpretação, mas registrado tal qual ouviu nas festas ou foi ditado
a ele por seus informantes.
Metáforas visuais e auditivas são parte desse esforço de separação. Edison se coloca como
alguém que está fora do acontecimento, observando a festa e identificando, pelas roupas que
vestem e pelas músicas que cantam, os orixás que estão sendo cultuados. Ele só se coloca como
parte da cena ao se localizar espacialmente nela, não se mostrando preocupado com o efeito que
sua presença possa provocar no desenrolar da cena que ouve e observa. Os outros sentidos –
85
olfato, tato, paladar – através dos quais ele também experiencia as festas de candomblé, as visitas
aos terreiros e às casas das pessoas, são deixados de fora de sua escrita, bem como as
repercussões subjetivas desses eventos, os sentimentos e emoções que experienciou ao participar
deles.
A linguagem através da qual Carneiro busca organizar sua experiência, se faz através do
discurso do método científico, pretensamente objetivo e neutro, valorizando o controle e a busca
de coerência nos fatos narrados, preocupado em se afastar de um discurso coloquial e auto-
referenciado. Porém transita de forma tensa entre um modelo e outro. As memórias de infância e
algumas narrativas que “denunciam” uma identificação com o campo e sua experiência pessoal
permeiam a escrita de seus textos, revelando as ambiguidades constitutivas de sua figura.
A própria organização do acervo do autor no Museu de Folclore Edison Carneiro, que se
restringe a documentos oficiais e institucionais (além do material publicado), marcam a tentativa
de produzir um modelo de subjetividade em que “pessoal” e “etnográfico” figurem como
perfeitamente separados (Cunha, 2004).
Mas este esforço nunca é completamente bem sucedido. Nicholas Thomas traz à tona para
o tema do colecionamento o ponto de vista da subjetividade do colecionador. Em seu estudo das
viagens do Capitão Cook pelo pacífico, o autor explora uma categoria que nos permite lançar um
novo olhar sobre o universo de Carneiro: a paixão que se mistura ao “conhecimento legítimo” e o
esforço dos cientistas de representar seus interesses em termos que façam uma limpeza de
qualquer rastro dela (Thomas, 1994).
86
2.6 - A gente qué samba,
Mas a poliça contrareia…22
Por uma escrita militante
Ao mesmo tempo em que está preocupado em construir um discurso científico, objetivo,
neutro, os papéis do político e do científico não são tomados por Edison Carneiro como
conflitantes, como o são os papéis pessoal e profissional. No que diz respeito a isso, é
interessante notar a observação de Mariza Corrêa “Édison Carneiro nunca teve um posto
acadêmico, apesar (ou talvez por causa) de sua luta política pelos direitos dos negros e das
associações religiosas de origem africana em Salvador” (Corrêa, 1988).
A identificação com o universo nativo que explicita é a identificação política. Ele não
separa esse programa de sua etnografia acadêmica, mas conjuga-os, bem como as suas
preocupações com o comunismo e com a religião.
Não são materialistas e, também nesse sentido, não são modernos. Os
pretos são bons e afetuosos e até as relações e a filosofia do culto são afáveis. A
sua religião proporciona uma resposta para cada situação. Parece que
necessitam desse tipo de segurança. É de fato a única segurança deles.
O verdadeiro ópio é a ignorância e o analfabetismo em que vivem, coisa
pela qual mal se pode culpá-los! Culpemos os latifundiários e toda a nossa
ineficiente economia. Na minha opinião, o candomblé é uma força criadora. Dá
às pessoas coragem e confiança e faz com que se concentrem na solução dos
problemas desta vida, e não na paz do outro mundo. Não sei onde estariam os
negros agora sem o candomblé! (Edison Carneiro citado em Landes, 2002).
Esta concepção “política” da religião repercute no modo como sua etnografia é
produzida, buscando se expressar nos termos de sua luta contra a pobreza dos negros da Bahia, a
perseguição policial ao candomblé e o preconceito das elites expressado pela imprensa. Tal
22
“Embolada” colhida por Edison Carneiro no Mar Grande (Carneiro, 1937).
87
preocupação determina as categorias do seu discurso. Todas as suas entrevistas com pais de
santo no jornal iniciam-se por uma descrição detalhada da simplicidade de suas casas, de seus
terreiros, de suas roupas, de suas figuras e sua relação com a polícia. É para isso também que
chama sempre a atenção de Ruth Landes. Apesar de “fazer o possível para não citar o velho
Marx”, a noção de classe organiza seu pensamento, estendendo-a, inclusive, à descrição dos
orixás.
Omolu especialmente o velho, isto é, São Lázaro, - é muito querido nos
candomblés afro-bantos da Bahia. E isso talvez se justifique devido à miséria
em que vive a maioria dos negros, cujo único consolo talvez seja mesmo o de
Omolu, santo que os previne contra a bexiga ou outras moléstias que afetam
igualmente a pele. Sabe-se do verdadeiro horror que a simples perspectiva de ir
para o hospital faz nascer entre as populações pobres em geral e nos negros em
especial. Eles, quando vão para lá, fazem-no na qualidade de indigentes... Os
negros supõem que, em casa, se tratarão melhor. Principalmente devido à
intervenção do velho Omolu.
De Omolu pode dizer-se que é um orixá de classe, um orixá dos pobres.
Ele torna inútil a medicina oficial, livrando os negros do perigo de apodrecerem
nos hospitais. (Carneiro, 1937).
A persona do militante político é um componente fundamental de Edison Carneiro como
intelectual. A categoria perda é estruturante não só de seu objeto de pesquisa, mas também de
seu papel como alguém que deve salvá-lo (Gonçalves, 2002). Chamo atenção para o significado
desta posição no momento em que está escrevendo, o período da perseguição policial ao
candomblé, das prisões de chefes de culto, das apreensões de objetos sagrados e das proibições
de festas e cerimônias religiosas nos terreiros.
A perseguição política ao próprio Edison Carneiro se iniciou cedo, e perdurou até o fim
de sua vida, por movimentar publicações, mobilizar uma influente rede de relações, estar ligado
a jornais da oposição e, principalmente, pelo seu comprometimento com as chamadas “classes
populares”.
88
Ele não pôde se formar, receber o grau no mesmo ano que se formou, porque foi
o ano da Intentona Comunista, em 1935. Ele era pra se formar em 1935, mas se
ele aparecesse pra receber o diploma, ele seria preso. Ele então se refugiou em
Mar Grande, na casa de um parente de João Ubaldo, e lá ficou escondido. No
outro ano ele se formou, veio receber o diploma quando a coisa tinha amansado.
Mas ele foi comunista desde cedo (Entrevista realizada com o Professor Waldir
Freitas Oliveira).
O ano de 1936 foi bastante movimentado para Édison Carneiro. O jornal O Estado da
Bahia o contratou como colaborador, tendo em vista seu grande conhecimento na área de cultos
populares. Carneiro aproveitou o espaço para denunciar os excessos do governo e da classe
dominante baiana.
Um desses episódios teve lugar quando Édison Carneiro foi enviado pelo jornal para
cobrir uma situação de conflito envolvendo as terras de uma reserva indígena, posto Paraguaçu,
ocorreram de 25 de outubro a 22 de novembro de 1936, em Itabuna. Carneiro e as autoridades
policiais terminaram entrando em impasse, com o primeiro mandando informações diariamente à
edição do jornal. Embora os últimos afirmassem ter sido um surto comunista, Édison defendia
que se tratava de reivindicação pelas terras doadas aos índios, das quais os fazendeiros queriam
apoderar-se. Para o jornalista baiano, o conflito tinha se transformado em simples ação de
repressão policial. As reportagens escritas por Carneiro fatalmente geraram a insatisfação dos
militares envolvidos e fazendeiros. No intento de assustar e tentar calar a voz do jornalista, ele
sofreu uma violenta agressão na noite de 25 de dezembro.
E a surra que Edison tomou, quando ele voltava pra casa do jornal, no Sodré,
não foi por causa de perseguição política, foi porque ele denunciou o que estava
se fazendo com os índios lá no núcleo Paraguaçu. O que tavam querendo era
dizer que os índios eram comunistas, estavam liderados por comunistas, mas o
que estava se querendo era tomar a terra dos índios para plantar cacau. E ele
denunciou tudo isso nos arquivos do Diário de Notícias. A surra que ele tomou,
89
que foi uma surra feia, foi por causa disso, não foi porque ele era comunista não,
foi como jornalista corajoso, que botou os pontos nos is, disse o que tava se
passando lá em Ilhéus (Entrevista realizada com o Professor Waldir Freitas
Oliveira).
Em seguida, no ano de 1937, Carneiro continuou sendo ativamente perseguido. O nome
de Carneiro apareceu em telegrama enviado pelo Coronel Antônio Fernandes Dantas,
Comandante da Região Militar, ao Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, no dia
anterior do golpe que suscitou o Estado Novo. Figura neste telegrama: “Penúltima reunião foi
deliberada prisão imediata 29 comunistas constantes relação polícia Estado: foragidos 15, presos
3, sendo procurados 10, ignora-se 1. Sessão dia 7 pedida prisão mais 5, inclusive Anísio
Teixeira. Informa Governo que um, Edson Carneiro, acha-se foragido e demais interior Estado
polícia recebeu ordens prender” (Magalhães, 1982). O telegrama evidencia a tensão do período
anterior ao golpe que inaugurou a ditadura de Getúlio Vargas.
Ruth Landes menciona em A Cidade das Mulheres dois períodos em que Edison esteve
preso, por um curto período de tempo, um deles antes de sua chegada à Bahia e o outro durante
sua estada. Para a antropóloga americana, que fez suas pesquisas num momento político
conturbado, o Estado Novo, e que já era alvo de desconfianças por parte da polícia política, a
associação com Edison Carneiro só fez alimentar as suspeitas de espionagem que recaíam sobre
ela, o que culminou com sua expulsão do país. Em muitas passagens do livro e de um artigo
escrito por Landes no qual reflete sobre sua passagem pelo Brasil 30 anos depois (Landes, 1970),
a dupla aparece sendo perseguida por policiais à paisana – os “secretas”, identificados por
Edison. Aparecem aí também as técnicas desenvolvidas por ele para reconhecê-los e despistá-los,
o que reforça a ideia de que era perseguido constantemente.
90
Édison se divertia – Bom, agora você sabe que é perigosa. Você é amiga de
quem não deve, você não deve ser vista nem com negros nem com gente
formada. Ou acabará na cadeia conosco, o ano que vem! (citado em Landes,
2002).
Ao longo da década de 1930, são muitas as suas mudanças de residência, ocasionadas tanto
pelas dificuldades financeiras que enfrentava a família, quanto pela perseguição política que faz
com que ele tenha que se esconder. Sua correspondência também deveria estar sendo vigiada e,
por isso, lançava mão de uma série de artimanhas para manter suas atividades em meio à
censura, recebendo sua correspondência por intermédio de outras pessoas, ou não postando o seu
endereço nos envelopes, mas o dos lugares em que estava trabalhando:
Vai assim em artigo, devido à insegurança da minha vida atualmente. Apenas
para não se perder a documentação. Sei lá si vou morrer ou, pelo menos,
apodrecer numa prisão! (Carta de 23/04/1936 de Edison Carneiro para Arthur
Ramos. Oliveira e Lima, 1987).
Entre os documentos que compõem o arquivo de Edison Carneiro do Museu de Folclore
Edison Carneiro constam mandados de busca e apreensão para sua residência, estes já do período
da ditadura militar, quando foi afastado da direção da Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro, por sua ligação com o Partido Comunista. O autor se filiou ao partido ainda durante
seus anos de faculdade e a perseguição política a ele se estendeu até os últimos anos de sua vida.
91
2.7 – Edison Carneiro mediador
Carneiro concebe seu papel de intelectual como o de um mediador. Esta categoria pode
ser válida para pensarmos em que bases ele formula sua relação, como intelectual, com a cultura
popular.
Para as “orelhas” do livro aproveite as seguintes coisas:
“... um dos guias da sua geração e um „leader‟ das reivindicações da raça negra
do Brasil”. Alves Ribeiro
(Carta de 27/09/1937 de Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima,
1987).
“Polícia”, “autoridades”, “elite”, “intelectuais”, “imprensa”, bem como “classes
populares”, não são conjuntos homogêneos. São várias as estratégias de resistência e as
possibilidades de relacionamento entre o mundo do candomblé e o da cultura e religião oficiais.
Não são todos que reprimem, não se reprime sempre, nem a todos, nem da mesma forma
(Lühning, 1995/ 1996).
São poucas as fontes que registram a narrativa que os “nativos” fazem desse encontro. As
pistas indicam que Edison era chamado entre eles de “seu doutor” ou “meu pai”. Era visto como
um doutor, um cientista, mas será que diferente dos outros? Era visto como negro ou como
branco? Sua condição financeira favorecia uma maior identificação? Será que seus informantes
também viam nele essa ambiguidade, mais que em outros pesquisadores com quem tiveram
contato?
A ambiguidade da figura de Edison Carneiro, revelada nesse jogo de distanciamento/
aproximação, se estende ao seu corpo. Para ele próprio, o fato de ser “um homem de cor”
possibilita uma proximidade diferenciada com o campo. É isso que sinaliza quando indica ao seu
92
editor os comentários que ele próprio seleciona para compor a orelha de seu livro. Os autores que
comentam a trajetória de Edison Carneiro o classificam como mulato. Não encontrei em nenhum
outro lugar, além deste citado aqui, Carneiro autoidentificando a cor de sua pele.
Para as “orelhas” do livro aproveite as seguintes coisas:
“Homem de cor, amigo da raça negra, é elle, hoje, sem nenhum partidarismo,
um dos orientadores, um „leader‟ dos homens de cor na Bahia” Flamma
(Carta de 27/09/1937 de Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima,
1987).
No livro de Landes, Edison aparece circulando com bastante desenvoltura. Leva a
pesquisadora a festas em terreiros de tradições diversas, as casas de pessoas ligadas a estes
terreiros, a rodas de samba e capoeira, e parece sempre conhecer de perto suas histórias de vida,
e estar, em certa medida, presente em seu cotidiano. É recebido por essas pessoas às vezes com
certa reverência, e outras num registro mais informal.
Ele comparecia freqüentemente a essas festas, pois conhecia o ogã
encarregado de abater os animais dos sacrifícios, e as achava interessantes.
A rechonchuda filha do ogã sacrificador insistiu em levar Édison até o
nosso táxi, com outra moça a quem dava o braço, e comentou, amuada: - o dr.
Edison sempre dança até não poder mais! Mas hoje – nem nada!
-Ah, meu amor! – caçoou Edison, de bom-humor. – Você bem sabe que
o meu coração é seu! Sabe como me sinto honrado com a sua amizade! (Landes,
2002).
Enquanto circula com Ruth Landes pelos terreiros de Salvador, Edison recebe uma série de
convites para comparecer a festas, oferendas, apadrinhar bonecas sagradas. Em muitas dessas
situações aparece explicitamente que se espera que convites como esses devam render uma
notícia positiva no jornal. Em meio a isso, estabeleceu com a mãe de santo Eugênia Ana Santos,
Mãe Aninha, do terreiro do Axé de Opô Afonjá, uma relação de proteção mútua, ao que tudo
indica iniciada durante os preparativos para o congresso e que se estreitou progressivamente até a
93
morte dela, tendo ficado inclusive refugiado em seu terreiro em um dos episódios de perseguição
pela polícia política.
No final de 1937, o escritor e etnógrafo Edison Carneiro, perseguido pelo
Estado Novo, veio refugiar-se no terreiro, sob o asilo de Mãe Aninha. Ficou em
casa de Oxun, e Aninha encarregou Senhora de velar por ele e prestar-lhe
assistência. Esse fato foi, por muitos anos, conhecido apenas de Senhora, até
que o próprio Edison deu-lhe divulgação pública (Santos, 1994).
Já lhe contei que ele me fez ogã?
É um posto honorário no candomblé, acessível a leigos de certa distinção.
Partilho essa honra com muitas pessoas eminentes e com alguns negros
humildes. Espera-se de nós que demos proteção ao templo, na forma de dinheiro
e de prestígio. Aninha descobriu que o meu anjo-da-guarda era Xangô, deus do
trovão e rei na região ioruba; de modo que me elevaram a ogã da corte de
Xangô. Naturalmente, peguei na alça do caixão no funeral de Aninha. Você não
pode imaginar como foi concorrido o enterro. (Edison Carneiro citado em
Landes, 2002).
Carneiro não publiciza essa condição. Em seu livro Candomblés da Bahia, escrito depois
disso, em que dedica um dos capítulos à descrição das cerimônias de “levantar o ogã”, ele
escolhe como “exemplo” a cerimônia dos ogãs de Xangô, sem mencionar sua própria
experiência. Para a “confirmação” do posto de ogã necessita-se ainda de outra cerimônia, da
qual fazem parte rituais mais demorados e mais complicados. Mais à frente, Carneiro explica a
Landes “Eu era então disputado como ogã pelo Engenho Velho e pelos candomblés de Aninha e
de Procópio, mas não me “confirmei” em nenhum” (Landes, 2002). Vários outros pesquisadores
das religiões afro-brasileiras foram ogãs de terreiros - Arthur Ramos, Donald Pierson, Melville
Herskovits.
Ele é, assim, usado como parte dos movimentos de resistência de pais e mães de santo em
sua luta ativa na construção de outra relação com os canais do poder, quando oficialmente não
havia espaço para isso. São várias as estratégias nessa direção, e a associação com políticos,
94
autoridades e intelectuais que lhe davam visibilidade, prestígio e legitimidade, é uma delas. O
crescente movimento de valorização da “cultura negra” e da “cultura popular” que toma corpo
nos anos 1930, não parte só dos intelectuais. Os “nativos” também aprenderam a se definir em
termos de cultura e parte indissociável deste movimento é torná-la pública.
Uma das relações a que Edison Carneiro dá maior importância em seus textos deste
período foi a que ele construiu com a mãe de santo Dona Aninha. Segue a apresentação que ele
faz desta chefe de culto, num artigo que escreveu para o jornal logo após a morte de Aninha, em
1938. No ano anterior Edison tinha sido acolhido por ela em seu terreiro.
Foi decidido o seu apoio ao Congresso Afro-Brasileiro da Bahia. Eu e Áydano
do Couto Ferraz, que havíamos tomado a decisão de realizar o certame
científico de janeiro de 1937, mesmo às vésperas do Congresso ainda não
tínhamos podido procurar pessoalmente Aninha, de quem esperávamos
conseguir uma festa aos congressistas. João Calazans, indo a São Gonçalo,
encontrou-a em boa disposição para conosco. No dia seguinte, fomos finalmente
vê-la. A recepção excedeu a expectativa, pois em vez de uma simples mãe-de-
santo que se mostrava favorável ao Congresso, encontramos uma mulher
inteligente, que acompanhava e compreendia os nossos propósitos, que lia os
nossos estudos e amava a nossa obra. Aninha se comprometeu a escrever, e
escreveu, um trabalho sobre os quitutes trazidos pelo negro para a Bahia. E, em
apenas três dias de prazo, o Ôpô Afonjá pôde oferecer aos congressistas uma
das mais belas noites de que há memória nos fastos do candomblé no Brasil
(Carneiro, 1938).
Um jornal de grande circulação e um congresso de intelectuais do país inteiro se revelam
ferramentas privilegiadas para essas estratégias. Da parte de Edison Carneiro, é justamente dessa
associação que irá retirar sua autoridade etnográfica.
Seus primeiros informantes são pessoas ligadas aos terreiros “nagô” do Engenho Velho e
do Axé de Opô Afonjá, principalmente a mãe de santo Aninha e o babalaô Martiniano do
Bonfim. Ele procura escolher seus informantes privilegiados entre aqueles em quem localiza
uma relação com a tradição. A categoria tradição é usada para distinguir entre um tempo anterior
95
e um posterior ao que teria sido a modernização da Cidade da Bahia. A marca desse tempo é a
relação com a África. Este é o tempo de “antigamente”, o “tempo de Nina Rodrigues”, dos
“velhos africanos”, daqueles que “ainda conheceram a escravidão”, e Martiniano do Bonfim é
um deles.
Martiniano do Bonfim foi a figura masculina mais impressionante das religiões
do negro brasileiro. Filho de escravos, estudou em Lagos, esteve na Inglaterra,
conhecia algumas cidades do país e falava inglês fluentemente. Podia passar
horas inteiras a conversar em nagô, que conhecia não de ouvido, mas por tê-lo
aprendido nas escolas dos missionários na Nigéria. Conhecia a maioria dos
grandes nomes das seitas africanas, podia cantar e dançar como ninguém e
merecia o respeito e a confiança universais dos negros da Bahia. Pedreiro e
pintor de profissão, abandonou a colher e a brocha para ensinar inglês aos
negros remediados da Cidade. Morreu com mais de oitenta anos (1943) e fez
mais de vinte filhos em diversas mulheres. Era um negro inteligente, instruído,
educado. Não fazia das suas habilidades como babalaô um comércio, nem muito
menos um meio de fazer mal ao próximo. Era fundamentalmente honesto em
assuntos religiosos, sendo fácil notar que acreditava realmente na força de tudo
o que fazia e nos poderes mágicos do que recomendava que se fizesse. Não
acumulava, à sua função de babalaô, a de medicine-men, limitando-se quando
muito, a aconselhar o sacrifício de um pombo ou outra prática mágica
igualmente inofensiva. Era recebido com homenagens especiais nos
candomblés, que se sentiam honrados com a sua presença. (Carneiro, 1948).
Enquanto Edison Carneiro é a porta de entrada de boa parte dos pesquisadores das religiões
afro-brasileiras na Bahia, o encontro com o babalaô Martiniano do Bonfim é narrado por ele
como responsável pela sua própria iniciação neste universo.
Martiniano tinha sido o principal informante de Nina Rodrigues e também recebeu papel
de destaque nas etnografias de Donald Pierson, Ruth Landes e Franklin Frazier. Não encontrei
nenhum registro de como se iniciou a relação de Carneiro com ele. É possível que, interessado
no assunto, tenha ele próprio ido procurar Martiniano. A partir daí, construíram uma relação
diferenciada. Ao que tudo indica, Edison não podia pagar a Martiniano pelas suas conversas,
como o faziam os outros pesquisadores, mesmo Nina Rodrigues e Ruth Landes. O que teria
96
possibilitado esse outro tipo de relação, que faz com que ele se refira a este pesquisador como
“meu amigo Edison Carneiro”? Segue um trecho da apresentação de uma entrevista realizada
pelo jornal O Estado da Bahia com Martiniano do Bonfim. Esta é uma das primeiras da série de
reportagens que conta com Edison Carneiro como parte da equipe. Áydano do Couto Ferraz e
Reginaldo Guimarães, companheiros de Edison dos tempos da Academia dos Rebeldes também
estavam presentes no momento dessa entrevista, mas somente Edison conseguiria “conquistar a
confiança” de Martiniano.
Fomos ouvi-lo. Como todo negro africano, é desconfiado. Vê no branco um
inimigo tradicional, não acreditando jamais em suas boas intenções. As
experiências têm sido muitas. As traições incontáveis. Conquistada, porém, a
sua confiança, tudo se consegue. Sabedor disso, nos fizemos acompanhar de
Edison Carneiro, um antigo amigo do velho professor. Uma hora antes de
chegarmos, Edison Carneiro partiu para preparar o espírito do nosso homem23
.
O estreitamento dos laços com Martiniano aparece nas cartas em que escreve a Arthur
Ramos, nos dois livros em que ele é citado como fonte de informações (além de uma dedicatória
no segundo), nas posições que ocupa no II Congresso Afro-Brasileiro (presidente de honra) e na
União das Seitas Afro-Brasileiras (presidente) e é por ele que Edison inicia Ruth Landes no
mundo afro-brasileiro da Bahia. Ele vai sendo construído por Edison como uma figura também
ambígua, ora apresentado como “o babalaô Martiniano do Bonfim”, ora como “o Professor
Martiniano do Bonfim”, alguém capaz de fazer a mediação entre os intelectuais e os terreiros
para conseguir apoio para o congresso, seu professor do curso de nagô, homenageado em
diversas ocasiões e um leitor dos livros do próprio Edison Carneiro, e de Renato Mendonça,
23
Carneiro, Edison. “Martiniano, o famoso „babalaô‟ fez revelações interessantes”. O Estado da Bahia, Salvador, 14
de maio de 1936.
97
Gilberto Freyre e Arthur Ramos (para quem Edison pede que envie livros, além de para si, para o
Professor Martiniano).
Mas aos poucos, Edison vai se aproximando dos chefes de outros terreiros: João da Pedra
Preta, do terreiro “caboclo” da Goméia; Manuel Paim, do terreiro “caboclo” Estrela de
Jerusalém; Manuel Bernardino da Paixão, do terreiro “banto” de Santa Bárbara; Manuel Falefá
da Formiga, do terreiro “jeje” do Poço Bètá e o casal Manuel Lupércio e Germina do Espírito
Santo, do terreiro de “caboclo” Filho das Águas. Sua associação com estas pessoas é duradoura ‒
começa na pesquisa para o Negros Bantos e estende-se às atividades do Congresso e da União
das Seitas Afro-Brasileiras. No decorrer dessas experiências, o pesquisador intensifica as trocas
com este grupo com o qual mantém uma atitude ambivalente.
O primeiro pai de santo mencionado no decorrer de sua pesquisa para o Negros Bantos é
João da Pedra Preta, ou Joãozinho da Goméia, do terreiro caboclo da Goméia. Nesta época, este
pai de santo desfrutava, por um lado, de grande fama na cidade de Salvador, e por outro, era alvo
de críticas por parte das mães e filhas de santo defensoras dos padrões da ortodoxia nagô (Silva e
Lody, 2002). Apesar desta oposição, Carneiro parece ter reconhecido o “poder” deste pai de
santo, que não é só o seu primeiro informante, como um dos principais, ganhando lugar de
destaque, tanto em seus livros, nas entrevistas para o jornal, como nas atividades do congresso. É
ele, ainda, que Carneiro vai escolher para fazer uma apresentação em programa de rádio,
divulgada amplamente em sua coluna no jornal.
Alguns anos mais tarde, em 1946, Joãozinho da Goméia se transfere para o Rio de Janeiro
e continua mobilizando atenções em sua direção e provocando polêmicas. Ainda na sua
despedida de Salvador, oferece uma festa no Teatro Jandaia com danças de candomblé. No Rio
de Janeiro participou de uma reportagem de jornal em que vestiu pessoas com as roupas dos
98
orixás para serem fotografadas, realizou shows no Cassino da Urca, saiu fantasiado de vedete no
carnaval, participou dos desfiles das escolas de samba (Capone, 2004).
Nesse momento Edison está iniciando sua trajetória já de maneira peculiar. Parece-me
importante destacar isso, para entender o que significa a associação do pesquisador com este pai
de santo não ortodoxo. Curiosamente, no início da “carreira” de Joãozinho da Goméia, é Edison
Carneiro que estimula sua exposição pública, justamente onde reside a crítica das mães de santo
“tradicionais”24
.
24 Em fevereiro de 1939, Edison Carneiro se transferiu para o Rio de Janeiro, contratado para trabalhar em O Jornal.
Waldir Freitas Oliveira conta que ele se aproximou dos terreiros de umbanda, e encontrei vários artigos dele sobre as
macumbas cariocas. Alguns de seus informantes, pais e mães de santo de Salvador também se transferiram e
fundaram terreiros no Rio de Janeiro, entre eles Joãozinho da Goméia. Edison continuou a freqüentar o terreiro de
Joãozinho em Duque de Caxias.
99
2.8 - Conseguir um lugar ao sol para o negro banto da Bahia25
:
O II Congresso Afro-Brasileiro e a União das Seitas Afro-Brasileiras
Edison Carneiro procurou empreender essa liderança através de suas reportagens no jornal,
da proposta peculiar do congresso, da criação da União das Seitas Afro-Brasileiras e de sua
atuação posterior à frente das instituições de Folclore.
Apontado por vários autores como o primeiro a buscar mobilizar a sociedade na luta pela
liberdade religiosa dos grupos de candomblé (Corrêa, 2003; Healey, 1996; Lühning, 1995/1996;
Nucci, 2005; Oliveira e Lima, 1987), Carneiro o fazia publicando no jornal entrevistas com os
pais de santo, em que falavam sobre sua religião, a relação com a polícia e suas reivindicações
pelo decreto da liberdade religiosa. Destaco o fato de as reportagens anunciadas na primeira
página do jornal serem feitas de entrevistas com pais de santo de terreiros de tradições diversas.
Se o objetivo delas é buscar legitimidade junto à sociedade para essas religiões, seu discurso não
exclui tradições outras que não a “nagô“ (são publicadas reportagens sobre a Mãe Aninha, do
terreiro “nagô” do Axé Opô Afonjá, e uma entrevista com o babalaô Martiniano do Bonfim,
associado a esta mãe de santo, mas também com os pais de santo Manuel Paim, do terreiro
Estrela de Jerusalém e João da Pedra Preta, do terreiro da Goméia, ambos de “candomblés de
caboclo” e ambas as reportagens publicadas com o subtítulo “Que diferença há entre a religião
dos brancos e a religião dos negros?”.
Outro evento preparativo do congresso, realizado um mês antes deste, foi a apresentação
na Rádio Commercial, para o grande público, de “cânticos de candomblés” dos filhos e filhas de
santo do mesmo terreiro de João da Pedra Preta.
25
Carneiro, 1937.
100
A marca deste congresso em relação ao do Recife foi a participação de pais e mães de
santo de terreiros da Bahia, dividindo as mesas com os pesquisadores Eugênia Ana dos Santos,
do Axé do Opô Afonjá (com o trabalho Notas sobre comestíveis africanos), Manoel Bernardino
da Paixão (Ligeira explicação sobre a nação congo) e Manuel Vitorino dos Santos (O mundo
religioso do negro na Bahia), que integraram também a publicação organizada com os textos do
congresso; e em festas realizadas nos terreiros do Engenho Velho, do Gantois (esta também
transmitida pela rádio), de Procópio, da Goméia, de Aninha; de Bernardino e do Alaketu, para
receber os congressistas. Destaco novamente que, tanto os pais de santo que apresentaram
comunicações nas mesas do congresso, quanto os terreiros em que foram oferecidas festas para
os congressistas, integravam tradições diversas das religiões afro-brasileiras, “nagô”, “banto” e
“caboclo”.
Todas essas atividades foram diariamente anunciadas na primeira página do jornal e
comentadas nos dias que se seguiram.
Para Carneiro o congresso deveria se realizar quando fosse possível conseguir a presença
de um pesquisador de peso em Salvador, o que conferiria importância ao evento. Nos meses que
antecederam o congresso ele se mostra, nas cartas enviadas a Arthur Ramos, preocupado com o
seu apoio, colaboração e indicação de nomes para as mesas. Em parte, os muitos adiamentos em
relação ao período programado para a realização do congresso se devem à espera pela
disponibilidade de Arthur Ramos para participar. Gilberto Freyre seria também, para ele, uma
presença imprescindível no congresso, mas estaria em Portugal neste período.
Mas ele considerava igualmente imprescindível a participação dos pais e mães de santo
nas mesas de discussão e com a apresentação de comunicações sobre sua religião. A dificuldade
em fixar a data do congresso também se devia a esta outra exigência: “o congresso deve se
101
realizar quando os candomblés estão funcionando”. Este é um dos alvos das críticas que recebeu
de Gilberto Freyre, em entrevista a um jornal pernambucano, depois reproduzida em O Estado
da Bahia. O outro foi o patrocínio conseguido junto ao governo da Bahia para o congresso. Essas
críticas renderam um debate entre os organizadores dos dois congressos afro-brasileiros.
Carneiro responde a elas na introdução do volume organizado com as comunicações do
congresso, O negro no Brasil, e em um artigo publicado anos mais tarde (Carneiro, 1964).
Mais que uma cisão, me parece que ele está buscando estabelecer um diálogo intelectual
com um pesquisador já consagrado. Este é um traço que pode ser surpreendido em outras
situações. Carneiro está participando da criação de um campo de estudos e, ao mesmo tempo,
marcando seu lugar dentro dele, ao provocar debates e colocar-se em permanente movimento.
Nessa discussão, está marcando uma posição. O congresso da Bahia é uma vitrine dos seus dois
projetos, um “científico”, a criação de uma entidade que acolhesse os estudos africanistas do
estado, e outro “político”, a criação da União das Seitas Afro-Brasileiras (ao longo de sua
curtíssima vida útil a instituição teve três nomes: Conselho Africano da Bahia, Liga das Seitas
Afro-Brasileiras e União das Seitas Afro-Brasileiras).
Sendo o objetivo desta última “conseguir a liberdade religiosa dos negros”, a associação
com o governo da Bahia parecia se fazer necessária.
A colaboração de Arthur Ramos, para a qual Edison insistia em suas cartas se devia
também às relações políticas que este poderia mobilizar, principalmente junto ao governador da
Bahia à época, Juracy Magalhães, inimigo político declarado de seu irmão, Nelson de Souza
Carneiro.
Meu caro Arthur Ramos,
Acho que já lhe escrevi que estou vendo si consigo a liberdade religiosa
dos negros. No dia 3 de agosto, vários ògans, paes-de-santo e gente de
102
candomblé, convocados por mim, vão fundar o Conselho Africano da Bahia
(um representante de cada candomblé) que se proporá a substituir a polícia na
direcção das seitas africanas. No mesmo dia, todos assignaremos um memorial
ao governador, pedindo a liberdade religiosa e o reconhecimento do Conselho
como a autoridade suprema dos candomblés. Acho que conseguiremos tudo,
pois o governador tem uma bruta admiração por você e por Nina (que eu, aliás,
invoco no memorial) e, como você sabe, prestigiou efficientemente o
Congresso.
Não sei as suas relações com o governador, mas calcúlo que você
poderia, no dia 3 de agosto, escrever algo para elle, reforçando o pedido dos
negros. Isso seria excellente para todos nós, principalmente porque a commissão
encarregada de organizar o Instituto Afro-Brasileiro da Bahia (idéia que se fará
realidade depois de conseguida a liberdade religiosa) também reforçará o
memorial do Conselho, enviando um outro no mesmo sentido. Assim, atacando
por todos os lados, podemos ficar certos de que a boa vontade do governador
entregará aos negros essa coisa por que elles tanto lutam – a liberdade religiosa.
Tal a questão. Como sei que você não fará objecções, posso parar por
aqui.
Pegue os abraços do velho amigo
Edison (Carta de 19/07/1937 de Edison Carneiro para Arthur Ramos.
Oliveira e Lima, 1987)
Este Edison Carneiro mais “político” procurava mobilizar todas as influências que
estivessem ao seu alcance. É assim que consegue a cessão dos espaços do Instituto Histórico e
Geográfico e do Clube de Regatas Itapagipe para sediar as atividades do congresso, a subvenção
financeira do governo da Bahia e o apoio à iniciativa da União das Seitas Afro-Brasileiras26
.
A instituição teve vida curtíssima (consegui localizar reuniões entre agosto e outubro de
1937, todas anunciadas no jornal O Estado da Bahia), e precária, nunca teve sede própria27
.
26
Juracy Magalhães era simpático ao candomblé e amigo pessoal de um importante pai-de-santo, Manoel
Bernardino da Paixão, o Bernardino do Bate-Folha. Há na Bahia toda uma tradição oral, em parte certamente
exagerada, sobre o nível de relacionamento do pai-de-santo com o Governador Juracy. Algumas pessoas afirmam
que ele era ogã do terreiro do Bate-Folha, o que parece certo; outras o dizem simplesmente cliente e outros ainda,
filho-de-santo (com “bori feito e assentado”) de Bernardino (Oliveira e Lima, 1987).
Este pai de santo, Manoel Bernardino da Paixão, é um dos principais informantes de Carneiro. Mas, além disso, e de
sua notabilidade com um dos pais de santo mais procurados da Bahia de então, esta sua proximidade com o
governador pode ter sido um dos motivos que levaram Carneiro a convidá-lo para participar do congresso.
27
Uma dessas convocações anunciava:
A tesouraria da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia pede aos chefes de seitas ou a quem possa interessar, o
favor de se dirigirem à Ervanária São Roque, na entrada do mercado de Santa Bárbara, à Rua Seabra, das 12 às
12:40 horas e das 17 às 19:30 nos dias úteis, sempre que desejem satisfazer os seus compromissos com a União.
Bahia, 29 de setembro de 1937. – Marcelino Oliveira, tesoureiro.
103
Não encontrei nenhum registro em que fique muito claro como se daria essa direção da
União das Seitas Afro-Brasileiras em relação aos candomblés. Em conversa com Ruth Landes,
Edison sugere que ela seria guiada pelo discurso da pureza nagô: “Eis porque organizamos a
União com os templos de boa reputação – para proscrever essa charlatanice” (Landes, 2002). Ele
é o secretário geral da instituição e o presidente é o babalaô Martiniano do Bonfim ‒ figura
respeitada da Bahia e defensor fervoroso do discurso da pureza da tradição nagô. Mas, ainda que
esse seja o projeto da instituição, ele não parece guiar sua trajetória. Edison lista, em 1937, cerca
de 100 terreiros de candomblé na Bahia, declarando que 67 deles estão inscritos na União. E
classifica-os “de acordo com as declarações dos seus respectivos chefes” como: Angola – 15;
Caboclo – 15; Kêto – 10; Jêje – 8; Ijexá – 4; Congo – 3; Ilú- Ijexá – 2; Alakêto – 1; Muçurumim-
1; Nagô- 1; Africano- 1; Dahoméa- 1; Yôrubá- 1; Môxe-Congo- 1; Angola-Congo- 1; Congo-
Caboclo- 1; Angolinha- 1 (Carneiro, 1948). Faz parte dessa lista o terreiro da mãe de santo
Sabina, curiosamente a quem Edison se referia, na conversa citada acima, como “charlatã”.
Ainda que eu não tenha encontrado registros do discurso oficial da União, sua prática me
parece ter sido mais abrangente, seguindo a proposta de “conseguir um lugar ao sol para o negro
banto da Bahia” (Carneiro, 1937), que já tinha também orientado a organização do congresso.
Esse, provavelmente, foi o motivo do rompimento entre o pesquisador e Mãe Menininha, do
terreiro do Gantois, considerado outro desses lugares privilegiados da “tradição nagô”: Édison
disse que Menininha se agastara com ele por motivos ligados com a União dos Candomblés, em
que ele e Martiniano se haviam empenhado, e à qual pertencera o Gantois; e por isso achou
aconselhável que eu lhe fosse apresentada por outra pessoa (Citado em Landes, 2002). Na
edição americana do livro Landes dizia Menininha se agastara com ele por motivos políticos
104
ligados com a União dos Candomblés. A palavra “políticos” foi retirada da edição brasileira,
cuja tradução foi Edison que revisou.
Na primeira sessão a animosidade entre as seitas mais ortodoxas e as de caboclo
era tão grande que qualquer acordo substancial parecia difícil (Pierson, 1971).
Essa proposta abrangente vai ser formalizada textualmente anos mais tarde, em artigos
publicados em veículos tão diversos como um jornal do movimento negro, em 1950, um jornal
de grande circulação, em 1960, e um parecer solicitado pelo governo de Alagoas, por conta da
IV Semana Nacional de Folclore, posteriormente reunidos por Carneiro em livro. Todos foram
escritos depois de experiências que provocaram uma transformação significativa de sua
concepção inicial de religião: o encontro em campo com os pais e mães de santo de terreiros
“bantos” e “caboclos” e médiuns de “sessões de caboclo”, na pesquisa para o livro Negros
Bantos; a intensificação da relação com esses pais de santo e da escuta ao ponto de vista nativo
nas entrevistas para o jornal, nas mesas do congresso e à frente da União das Seitas Afro-
Brasileiras. Uma atitude cara à sensibilidade modernista está presente nesses textos: a
contestação dos valores de sua própria sociedade em um argumento fundado na relativização
antropológica.
O macumbeiro que fuma o charuto do Velho Lourenço, engole brasas ou
esmaga cacos de vidro com os pés nus, não está prejudicando “os bons
costumes”. Isso não impede que seja espancado, metido no tintureiro, atirado na
enxovia, ultrajado e vilipendiado pelos escribas da imprensa venal. Nem o
médium espírita, servindo de veículo para os mortos, conduzindo para o seio
dos vivos os irmãos do espaço, está pondo em perigo “a ordem pública”. Com
efeito, que “ordem pública”, que “bons costumes” serão esses? Todos sabem
que é a intervenção policial que subverte a ordem. E, quanto aos costumes, será
possível que os “bons”costumes sejam apenas o pif-paf, as corridas do Jockey, a
vagabundagem nas praias de Copacabana e de Guarujá ou as especulações da
Bôlsa? (Carneiro, 1964)
105
Construindo-se de forma estruturalmente ambígua, Edison Carneiro também não se mostra
identificado aos valores hegemônicos da sociedade de então. Sua proposta abrangente da defesa
da liberdade religiosa passa a incluir “as macumbas do Rio, os batuques de Porto Alegre, os
xangôs de Maceió e do Recife, a pajelança e o catimbó, o tambor-de-mina, as sessões espíritas, ‒
todas as instituições religiosas existentes no país” (Carneiro, 1964).
106
Figura 12:
Mapa 5: Lugares de Realização dos Eventos que fizeram parte do Segundo Congresso Afro-
Brasileiro:
1)Instituto Histórico e Geográfico - Av. Sete de Setembro no 94, no bairro da Piedade/ 2 – Faculdade de
Medicina e Instituto Médico Legal Nina Rodrigues – Terreiro de Jesus – Pelourinho/ 3 – Terreiro do Pai-
de-Santo Procópio – Matatú Grande/ 4 – Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho - Travessa Joaquim
dos Couros – Acupe de Brotas (Antigo Engenho Velho do Rio Vermelho de Baixo/ 5 – Clube de Regatas
Itapagipe – Rua General Justo 5 – Ribeira/ 6- Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá – São Gonçalo do Retiro/ 7-
São Bartolomeu/ 8 – Terreiro do Gantois – Alto do Gantois 33 – Federação/ 9 - Terreiro do Pai-de-Santo
João da Pedra Preta ou Joãozinho da Goméia - Candomblé da Goméia – Estrada de rodagem Bahia-Feira
na altura do Km 2 , na Goméa - São Caetano/ 10 - Terreiro de Bernardino da Paixão – candomblé do
Bate-Folha - Travessa de São Jorge 65 - Mata Escura do Retiro/ 11 – Terreiro do Alaketu - Rua Luiz
Ancelmo 67 - Matatu
107
Capítulo 3
Edison Carneiro em campo
3.1 - Dos “nagôs” para os “bantos”, dos “bantos” para os “caboclos”, dos “candomblés de
caboclo” para as “sessões de caboclo”:
Neste capítulo procuro lançar um olhar mais atento para os sentidos dados por Edison
Carneiro às categorias que são caras à sua reflexão: “nagô”, “banto” e “caboclo”. Partindo da
leitura de seus dois primeiros livros ‒ ou primeiros cadernos de notas, como ele prefere
considerá-los ‒ busco afinal entender de que forma ele efetivamente participou do tão polêmico
debate da chamada “pureza nagô”. Meu objetivo aqui é refletir sobre se é possível, rentável, ou
mesmo desejável, responder em que medida ele partilhava dessa tese, ou seja, se suas ideias
teóricas e sua etnografia foram ou não desenvolvidas nessa direção.
Se de alguma forma podemos dizer que Edison Carneiro entra em campo como
etnógrafo, não há dúvidas de que esta entrada parte do enquadramento do campo a partir da
divisão entre “negros sudaneses” e “negros bantos”. Estas categorias seriam definidas pela
procedência destes “africanos”: os primeiros “da zona do Niger na África Ocidental”, vindos das
nações “nagô (ioruba), jeje (ewe), mina (tshis e gás), haussá, galinha (grúnci), tapa, bornus, e
ainda fulas mandês (mandingas), carregados de forte influência muçulmana” (Carneiro, 1936), e
os segundos “do sul da África, Angola, Congo, Benguela, Cabinda, Mossamedes, na África
Ocidental e Moçambique e Quelimane, na Contra-Costa” (Carneiro, 1937). Ainda que ele chame
108
atenção para o risco da arbitrariedade dessa classificação ‒ “Não havia, naturalmente, método
algum a seguir na localização desses negros. Assim, muito negro jeje, muito negro nagô, muito
negro haussá, confundia a sua nação com seu porto de origem, passou por negro banto”
(Carneiro, 1937) ‒ a divisão entre nagô e banto, a princípio dada como uma divisão entre dois
grandes grupos linguísticos ou grupos de origem, vai muito além, colocando em relação de
oposição categorias dotadas de alta carga simbólica, formuladas como categorias totais na
argumentação teórica do autor. Com isso, elas envolveriam dimensões tão fundantes da vida
social e simbólica como religião, rituais, técnicas corporais, música, culinária, estética,
economia.
Esse esquema analítico vai ao encontro daquele consagrado por uma determinada escola
de estudiosos da qual o jovem etnógrafo em fase de formação procurava se colocar como
“continuador”, ainda que inicialmente na condição de discípulo. Refiro-me, sobretudo, aos
“médicos-antropólogos” Nina Rodrigues e Arthur Ramos.
Antes de tudo, devo dizer que a própria ideia de uma linhagem formada a partir desses
dois últimos autores e estendendo-se a Edison Carneiro, não deve ser naturalizada. Esta linhagem
‒ a escola Nina Rodrigues ou escola baiana ‒ seria mais um mito de origem criado e
obsessivamente reatualizado por alguns antropólogos e médicos-legais, conforme argumenta
Mariza Corrêa. A autora destaca o papel ativo de Arthur Ramos, no lado dos primeiros, e
Afrânio Peixoto, no lado dos segundos ao reclamar a prioridade dos estudos da questão racial,
dos africanos e de seus descendentes para Nina Rodrigues, editar ou reeditar seus livros e,
principalmente, traçar uma genealogia que partia do “médico- antropólogo” maranhense e à qual
se filiavam. Para a historiadora da antropologia trata-se mais de uma utilização quase ritual deste
109
nome que de uma necessária continuidade teórica ou metodológica em relação às suas
perspectivas (Corrêa, 1998).
Feita a reserva de que se deve sempre atentar para as particularidades da obra e da
trajetória de cada um dos autores em questão (o que, no entanto, no que diz respeito a Nina
Rodrigues e a Arthur Ramos, fugiria dos objetivos desta dissertação), volto a enfatizar que
quando escreve seu primeiro livro Edison Carneiro está buscando se colocar como parte deste
campo dos estudos afro-brasileiros que está se formando na década de 1930, ou um pouco antes
disso, e que há certas abordagens de alguma forma partilhadas por estes autores. Seja pelo
paradigma da raça ou pelo paradigma da cultura, “nagôs” e “bantos” são alocados pelos três
africanistas num esquema evolucionista: no polo positivo, o que é “jeje-nagô” e, gradativamente,
em direção ao polo negativo, o que é “banto”, “caboclo”, “espírita”. É com este quadro de
referência teórica que Edison Carneiro está em diálogo (ao menos num momento inicial), são
nesses termos que as discussões estão sendo colocadas e com essas categorias que os intelectuais
neste momento estão pensando. Carneiro não poderia, nem pretenderia fugir a essa regra, se
estava querendo justamente se afirmar com um continuador desses estudos.
Partilhando das categorias de análise desses autores, escreve o seu “primeiro caderno de
notas de etnografia religiosa”, o livro Religiões Negras. A partir das categorias desse vocabulário
evolucionista, ainda que não exatamente as qualifique teoricamente, Edison produz textualmente
polaridades bem demarcadas: de um lado a “superioridade”, a “importância”, a “cultura muito
mais adiantada”, a “complexidade” dos “nagô” (mesmo a mítica dos “jejes” teria sido absorvida
pelos “nagô”, provando assim sua “importância”); do outro, a “inferioridade”, a “mítica
pobríssima”, a “forma atrasada de religião”, a “cultura atrasadíssima”, a “simplicidade” dos
“banto”, sobre quem se faz sentir mais fortemente os processos de “decomposição”,
110
“degradação”, “deturpação”, “perda”, “esquecimento”, “absorção”, “fusão”, “simbiose” e
“sincretismo”.
Algumas palavras e expressões como “antigamente” ou “nos bons tempos” fazem
demarcações entre a “tradição”, discursivamente construída e valorizada, que é contraposta ao
tempo de “hoje”. As fronteiras estabelecidas entre o que está dentro dessa tradição e o que está
fora dela são as relações com “a África”. No livro Religiões Negras não aparece nenhuma vez a
ideia de alguma coisa que seria “afro-brasileira”. Ele fala em religiões, origens, sacerdócio,
canções, sempre “africanos”. Este tempo no qual seria encontrada a pureza é desenhado a partir
de festas que não acontecem mais, orixás que foram esquecidos, lendas que não são mais
contadas, palavras que não são mais ouvidas, instrumentos musicais que não são mais fabricados,
velhas canções não mais cantadas, ebós, feitiços ou despachos que não são mais vistos pelas ruas
da cidade. Edison Carneiro conhece esse tempo, essas histórias, através de “velhos africanos”,
“pessoas fidedignas”, “que conheceram a escravidão”. Os marcos temporais são construídos
mais em torno de certos personagens que delimitados cronologicamente. Ele descreve esses
personagens como sendo alguns poucos remanescentes deste outro tempo, difíceis de encontrar e
que insiste em perseguir pela cidade: além do próprio Martiniano do Bonfim, personagem
principal entre esses guardiões da tradição, o “velho Macário, único por lá que sabia sobre o
batuque”, uma “negra haussá” de quem “ainda conseguiu ouvir o muçulmi”, o “velho Alibá”,
que tem um terreiro em que encontrou o culto aos ègúns. É interessante atentar para o dado de
que outro desses “velhos” é o “velho Nina”. O tempo da pureza, da tradição é também “o tempo
de Nina Rodrigues”, que funciona, mais que como uma referência teórica, como alguém através
de quem se pode ter um contato com esse tempo, por fazer parte dele. Outra dessas marcas de
tempo, que ganha de forma simultânea toda importância na narrativa de si e na narrativa do
111
outro, é a sua própria experiência infantil. Ao contar suas memórias de infância, ele também se
coloca como parte desse tempo e como um desses personagens, contando histórias sobre outros
personagens.
Na Bahia, parece que o samba já há muitos anos que se conhece (...) eu mesmo
desde garoto que o conheço, da Ribeira, da Conceição da Praia, do Largo da
Piedade (Carneiro, 1937).
Em menino, era fato banal ver, nas ruas da velha Bahia, caixas de sapatos
contendo bonecas de pano picadas de alfinetes (Carneiro, 1936).
Se com o primeiro livro Carneiro marca sua estreia no grupo dos “continuadores dos
estudos iniciados por Nina Rodrigues”, com o segundo parece importante firmar-se como um
autor dentro deste grupo, valorizando sua “revisão na etnografia religiosa”, sua contribuição
original, que teria sido possibilitada por sua experiência singular. Seu campo de observação se
expande, afastando-se daquele legitimado por seus mestres, mas ele continua buscando organizar
a sua reflexão a partir do escopo analítico que dá coerência à construção de si como parte do
grupo de estudiosos do negro brasileiro, considerados “os mais notáveis cientistas do Brasil”.
Como ele próprio poderia se autofragmentar? Ele não abandona o sistema de categorias com que
articula sua reflexão, com base numa concepção evolucionária da história, que iria da pureza
para a perda.
Cada jogo de linguagem de que se lança mão para dar conta do que seria a cultura oferece
possibilidades, mas também contém em si seus próprios limites, determinando as perguntas que
se faz, porém, igualmente as que se deixa de fazer. As possibilidades oferecidas por essa escolha
teórica ‒ justificar a “importância do material” que vinha reunindo e, com isso, o interesse
etnográfico de sua descoberta – vão determinar ao mesmo tempo os seus limites: Edison
112
continua a procurar em campo as sobrevivências, o que foi degradado, deturpado, esquecido,
absorvido. O seu modelo de autenticidade passa a ser uma própria “pureza” original banto
perdida e o lugar da mistura – ou da “contaminação”, da “mescla”‒ desloca-se para os
candomblés de caboclo. Ao desenhar este “tempo da pureza”, ou “tempo da tradição”, como o
tempo de sua infância, o autor produz a sensação de que não só ele, como também os negros
bantos “sempre estiveram aqui”.
Convém notar, de início, que a designação geral “candomblés de caboclo”,
empregada para indicar aqueles candomblés onde se nota, mesmo à primeira
vista, pronunciadas influências bantas, é uma designação arbitrária, que só se
justifica por visar a maior facilidade possível de estudo. Há a distinguir, com
efeito, entre os candomblés puramente bantos e os chamados “de caboclo”, onde
a mítica banta se encontra mesclada com a ameríndia. Talvez só haja, na Bahia,
um candomblé afro-banto, não-caboclo, - o candomblé de Santa Bárbara, do
pai-de-santo Manuel Bernardino da Paixão, no Bate-Folha. (Carneiro, 1937).
Mais à frente desloca-a ainda desses candomblés ‒ agora valorizados por serem “tão ricos
de sugestões para o estudioso da etnografia religiosa afro-brasileira” (Carneiro, 1937) e também
dotados por ele de uma pureza original ‒ para as chamadas “sessões de caboclo”:
Os candomblés de caboclo provieram da fusão da mitologia banta,
naturalmente já impregnada de elementos estranhos (sudaneses – jeje-nagôs e
malês), com a mitologia dos selvagens brasileiros, como provou Arthur Ramos.
Pessoas que assistiram aos candomblés de caboclo “nos bons tempos”,
quer dizer, quando eles estavam em todo o seu esplendor e em toda a sua
“pureza” (se é possível...), me garantiram que, então, ao contrário do que
acontece hoje, a orquestra era constituída por ganzá, berimbau e chocalho, não
se tocando tabaque nas festas da “aldeia”. (Carneiro, 1937)
Estes candomblés de caboclo são formas religiosas em franca
decomposição.
Parecerá paradoxal, mas a verdade é que esses candomblés, aceitando a
intromissão de vários elementos estranhos, embora de fundo igualmente
mágico, em vez de se revitalizarem, vão se degradando, perdendo a sua precária
independência. Muito provável será, portanto, a afirmação de que esses
candomblés só se mantenham à custa, à sombra dos candomblés jeje-nagôs,
113
aproveitando a sua mítica, o seu ritual fetichista, nada mais. Até mesmo as
largas facilidades que se permitem os negros bantos concorrem, enormemente
para a difusão do charlatanismo. Por isso tudo, torna-se provável que esses
candomblés de caboclo estejam sobre o caminho do desaparecimento
principalmente se se resolverem – como tem acontecido - em cópias servis das
sessões espíritas. (Carneiro, 1937).
Ao narrar seu encontro com os “banto” e os “caboclos” em campo, no qual teria entrado
pelos “nagô”, ainda que tente manter de pé seu ponto de partida, produz ressignificações e
deslocamentos destes dois polos dentro de seu esquema teórico. Suas teorias iniciais vão sendo
sucessivamente desestabilizadas e reformuladas, de modo a ir incluindo os “banto” e até os
“caboclos” em sua concepção, cada vez mais abrangente, de religião. Neste jogo ele vai dando às
categorias “cultura”, “tradição”, “africano”, “negro”, “brasileiro” suas próprias tintas e elas vão
ganhando outras cores. No livro Negros Bantos passará a usar a palavra afro-brasileiras para
falar dessas religiões (até então classificadas como africanas), palavra que intitulou também os
dois congressos, de que já se falou. Ao longo do período em que está escrevendo o livro ele
muda o nome do que seria o “Conselho africano da Bahia” para “Liga das Seitas Afro-
Brasileiras” e depois para “União das Seitas Afro-Brasileiras”. O processo de mudança da
conceituação e, principalmente, da valorização de alguma coisa que é africana para outra que é
afro-brasileira tem importância central, não só na passagem entre a escrita do primeiro livro para
a do segundo, como na marcação das escolhas e posicionamentos teóricos e políticos que
Carneiro vai assumir desde esse momento e que vão se consolidando ao longo de toda a sua vida.
114
Figura 13: Desenho de Edison Carneiro, publicada no livro Negros Bantos com a legenda “Mappa do sul
da Africa, vendo-se assignalados os principaes pontos de partida dos negros bantus para o Brasil”.
115
3.2 - As diversas maneiras, formas inesperadas, particularidades interessantes:
Da teoria para a etnografia
Penso que a descrição dos orixás é uma boa entrada para acompanhar o relevo que o afro-
brasileiro vai ganhando em relação ao africano nesta etnografia, entrada sugerida pela
organização dos capítulos de Negros Bantos, cada um deles centrado em torno de um orixá. No
primeiro dos capítulos do livro que posso chamar de etnográficos ou descritivos, quero dizer, o
primeiro dos capítulos que o autor organiza em torno de suas “observações diretas”, a entrada é
feita por Olorum, “o criador de tudo que existe” no mito nagô sobre o nascimento dos orixás. Os
candomblés nagô, os primeiros que Edison Carneiro conheceu, que eram dirigidos por aqueles
que foram seus primeiros informantes e também aqueles sobre os quais leu em sua bibliografia
de referência, funcionam em sua escrita como um modelo de comparação que atravessa o seu
olhar sobre os outros candomblés que vai conhecendo. Ele procura nestes candomblés banto ou
de caboclo os orixás e suas características, mitos, lendas, cores, poderes, roupas, cânticos,
palavras, cultos e festas que já conhecia dos candomblés nagô. Onde não encontra essas
semelhanças, vê caracterizada a perda.
Os orixás legitimamente bantos, que os negros sul-africanos trouxeram
de suas terras de origem (...) perderam-se, ninguém mais sabe deles, tão
esquecidos estão...
Não tendo orixás a adorar os negros sul-africanos ladearam a dificuldade
adaptando, às suas práticas fetichistas, os orixás dos cultos jeje-nagôs,
sudaneses em geral, e os “espíritos familiares” às matas brasileiras. E isso eles o
fizeram de diversas maneiras. (Carneiro, 1937)
Xangô, o poderoso orixá dos raios e das tempestades, tem o seu lugar de
honra nos candomblés afro-bantos da Bahia. Nada, aliás, torna distinta, nesses
candomblés a sua figura, muito conhecida já dos candomblés jeje-nagôs
(Carneiro, 1937).
116
Oxóssi continua a ser, aqui, o mesmo caçador idealizado pelos jeje-
nagôs. (Carneiro, 1937)
Acho importante destacar aqui que Edison está sempre pensando na comparação com um
modelo, seja um modelo nagô, seja um modelo banto esquecido. Ao procurar por Olorum, ainda
que vá encontrá-lo nos candomblés banto e de caboclo de Manuel Paim, Bernardino do Bate-
Folha e Joãozinho da Goméia, ele continua afirmando-o como “natural da Costa dos Escravos” e
procurando, mesmo nesses terreiros de outras tradições, inscrições nas paredes, palavras,
expressões e cânticos em nagô. Essa operação insistente de comparação com um modelo
repercute nas categorias com as quais entra em campo e vai produzir um texto organizado de
forma singular e por vezes confusa. A etnografia dos banto é introduzida por capítulos mais
teóricos, ou mesmo cada capítulo é introduzido por parágrafos mais teóricos, baseados em
generalizações que colocam numa escala de pureza e impureza os nagôs no polo positivo e os
banto no negativo. Ele procura traços cuja presença ou ausência indicaria pureza e autenticidade
ou impureza e inautenticidade, mistura, perigo. Foi para essas passagens que estou chamando de
mais teóricas que olharam as leituras correntes de Edison Carneiro da literatura antropológica
sobre as religiões afro-brasileiras.
Mas algumas categorias encontradas em seus textos me chamaram a atenção para a
complexidade da relação entre as formulações teóricas de que ele partia, que determinavam o
que ele procurava em campo, e a sua etnografia, em que elaborava o que efetivamente
encontrava. Em sua escrita fica dramatizada uma tensão entre o que anuncia fazer e o que faz, o
que procura e o que encontra, o lugar de que parte e o lugar em que chega. É paradoxalmente
quando ele está tomando por base o modelo nagô para falar dos banto, preocupado em
demonstrar as adaptações, indistinções, semelhanças, apropriações, imitações, que descobre que
as aparentes incoerências desses banto, que não faziam sentido quando olhadas a partir do
117
modelo nagô, têm uma lógica própria, ganham sentido dentro de um outro sistema. Em sua
etnografia eles não aparecem assim tão desagregados.
Ao dizer que essas religiões africanas ou afro-brasileiras não têm um corpo doutrinário e
dependem mais da autoridade de cada pai ou mãe de santo, das relações dentro de cada terreiro e
principalmente de cada relação pessoal com o orixá, ele sabe que esses modelos acabados não
funcionam muito bem e que os sentidos e significados dessas relações devem ser procurados em
cada terreiro, em cada contexto, em cada fala. É aos sistemas nativos e a como eles demarcam
fronteiras entre si que sua etnografia vai estar atenta, bastante consciente de que as fronteiras
nativas nem sempre coincidem, nem são tão simples como o quer a divisão entre nagô e banto.
Assim, depois de começar a etnografia dos negros bantos por Olorum, no capítulo
seguinte ele vai falar de Exu, entidade pela qual deve-se começar qualquer cerimônia, rito ou
festa no candomblé. Os capítulos seguintes descrevem os vários Exus que ele viu sendo
festejados ou sobre quem ouviu contar, os muito xangôs, Oxóssis, Erês, todos os orixás das
águas, Oguns até chegar ao capítulo sobre os orixás nascidos no Brasil. Essa indexação dos
capítulos no livro parece querer criar a impressão de que vai sendo escrito conforme mesmo o
autor vai avançando em sua pesquisa de campo e intensificando sua relação com novos
informantes.
Se a África, a autenticidade, a pureza ou a tradição vão estar nos terreiros do Engenho
Velho, do Axé de Opô Afonjá e do Gantois, identificados como nagô, ou no “único terreiro
puramente banto” de Bernardino, nos vários outros que ele vai encontrar em seu trabalho de
campo, há “particularidades”, “singularidades” e “curiosidades”, que são “interessantes” e, mais
que isso, “importantes” de serem observadas e descritas. Depois das introduções mais teóricas ou
mais comparativas de cada capítulo está sua etnografia, que é bastante minuciosa, rica em
118
detalhes, de como nestes novos terreiros ele está conhecendo os outros nomes para os orixás,
objetos, e cerimônias, as outras palavras, as outras músicas, as outras entidades, as diferentes
roupas, maneiras de dançar, as singularidades do ritual. Essa descrição, que é o que de fato toma
a maior parte dos capítulos de negros bantos, vai privilegiar as “diversas maneiras”, “formas
inesperadas”, “não sei quantos nomes”.
A dúvida que você teve sobre os orixás gêge-nagôs é explicável. Mas,
como você sabe, os bantus, aqui, se apropriaram desses orixás, incorporando-os
à sua mythica. Eu, num livro sobre os candomblés bantus, não poderia esquecê-
los. Principalmente porque, aqui, elles assumem fórmas inesperadas, se
dividem, têm não sei quantos nomes, o diabo. (Carta de 28/04/1937 de Edison
Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima, 1987)
Os negros bantos dão, a Ogum, altas funções guerreiras, que os jeje-
nagôs nunca lhe deram. Este orixá, sem dúvida nenhuma está bancando uma
importância única nos candomblés de caboclo.
Ogum da Pedra Preta, o mais popular de todos, é o patrono do
candomblé da Goméia, onde a sua figura, esculpida no barro, é de uma beleza
sem par.
Ogum ocupa um grande lugar, não só nos candomblés afro-bantos em
geral, mas ainda em cada coração de negro em particular.
Ventura que nem sempre alcançam os demais Ministros da Guerra...
(Carneiro, 1937)
Ao acompanhar as palavras usadas para descrever o espaço, o ritual, os informantes e,
principalmente, os cânticos e as técnicas corporais da dança e da possessão, que são o que mais
prende sua atenção, eu pude perceber que há uma outra leitura possível dos textos de Edison
Carneiro. Quando está em campo, ou escrevendo textos etnográficos, a comparação perde a
importância em benefício da descrição. A etnografia parece transbordar de sua teoria.
A dança dos candomblés nagôs e jêjes, e em menor escala Angola e
Congo, é pesada, desgraciosa e monótona, quase senhorial, exigindo
movimentos apenas de braços e pernas, exceto em determinadas ocasiões,
enquanto a dança dos candomblés de caboclo é animada, vivaz e decorativa,
119
permitindo muito de iniciativa pessoal, com flexões do tronco e dos joelhos e
súbitas reviravoltas do corpo. (Carneiro, 1948).
Caboclo refere-se aos índios do Brasil e esses cultos veneram espíritos
indígenas que acrescentam ao rol das divindades africanas. Segundo os altos
padrões da tradição ioruba, os caboclos são blasfemos porque são ignorantes e
indisciplinados, porque inventaram novos deuses à vontade e porque admitem
homens aos mistérios... Pessoalmente, acho que a música deles é bonita e
alegre! Você verá que as cerimônias ioruba são muito solenes. (Edison Carneiro
citado em Landes, 2002).
A liturgia de influência banta, no Brasil, não difere muito da jeje-nagô,
de que é, mesmo, uma imitação servil. Apenas, aqui, os negros se permitem
certas liberdades maiores, certas fugas ao estabelecido pelas religiões sudanesas.
Para dizer numa palavra, os negros bantos se permitem certa dose de rebeldia.
(Carneiro, 1937).
O espiritismo, principalmente o chamado baixo espiritismo, também
contribuiu, e grandemente, para a obra do sincretismo, melhor, para a obra de
aclimação das religiões negras ao meio social do Brasil. Na Bahia, esta
influência está patente, antes de tudo, nas sessões de caboclo, deturpação dos
candomblés propriamente caboclos em benefício da doutrina de Allan Kardec.
O ritual dessas sessões em nada se diferenciaria do das sessões espíritas se,
nelas, não houvesse maior colorido e maior movimento, os negros, de tanga e
cocar, dançando ao redor da sala e entoando cânticos por todos os aspectos
interessantíssimos (Carneiro, 1937).
Estas festas públicas a Iemanjá, se não tiveram origem banta, ao menos
estão hoje por assim dizer monopolizadas pelos negros bantos. Nos fins do
século XIX, era comum ser a rua o teatro das mais belas festas fetichistas jeje-
nagôs, procissões de penitência, a “lavagem”da Igreja do Bonfim, o batismo na
antiga fonte de São Pedro, etc. Não me consta, porém, que os negros sudaneses
alguma vez houvessem, publicamente, festejado a Rainha do Mar. O fato é
significativo, pois, na época, eles dominavam, de modo incontestável, a massa
de negros da Cidade, principalmente em matéria religiosa. Mesmo que o
tivessem feito não importa, já não o fazem hoje. Tudo indica, pois, que os
negros bantos da Bahia, não tendo, na sua mítica, um orixá que governasse as
águas, o destino inconstante das ondas, a fúria da tempestade marinha, tivessem
adotado, da mítica jeje-nagô, o culto a Iemanjá, adaptando-o, transformando-o,
de culto entre quatro paredes, como soem ser, em geral, os cultos jeje-nagôs, em
culto vivo, au grand air, com a participação mesmo de estranhos. Tipo da
procissão fetichista, semi-bárbara, com demoras injustificáveis, cânticos, sons
de tabaque e agogô,bate-boca, às vezes barulho, muita gente mandando, muita
cachaça, muito amor.... Ora, tudo isso – “coisas que juntas se acham
raramente...”- dá às festas bantas em louvor a Iemanjá um característico todo
120
especial, “diferente”, qualquer coisa de absolutamente grandioso, que escapa a
qualquer tentativa de descrição (Carneiro, 1937).
A escolha da categoria rebeldia por este autor, integrante de um grupo de intelectuais que
identificava sua atividade literária como fundadora de uma Academia dos Rebeldes, numa crítica
ao formalismo das academias de letras, é particularmente reveladora dessa complexidade. Nesta
escolha, Carneiro não estaria de alguma forma valorizando essa dose de rebeldia dos negros
bantos em relação aos seus próprios modelos de cultos?
A etnografia dos banto desestabiliza suas teses da “pureza nagô”. Mas o texto é cheio de
idas e vindas e na conclusão de muitos capítulos ele volta a se preocupar com as perdas e
deturpações sofridas pelos negros bantos no Brasil, fazendo referências negativas ou “juízos de
valor” como ele vai chamar mais tarde. A imagem que sai daí é a de um autor dividido contra si
mesmo, que desconfia de suas próprias teses, ainda que pareça não querer fazê-lo. Talvez a razão
disso seja o fato de que essas outras pistas tenham sido trazidas, como nos diz, “pelo seu sexto
sentido”. Ele postula um certo caráter de precariedade, de permanente construção e reconstrução
deste livro, como já havia feito para o anterior, ao apresentá-lo como “simples caderno de notas”.
121
3.3 – África no Brasil
O deslocamento do objeto de pesquisa dos “nagôs” para os “bantos”, que ele opera entre
a escrita do primeiro e a do segundo livro, corresponde a um deslocamento do lugar privilegiado
que dá às referências bibliográficas para as referências ao trabalho de campo; da ênfase nas
citações dos textos de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, para a ênfase no ponto de vista nativo.
No livro Religiões Negras as suas observações de campo já aparecem. Mas Negros Bantos é
muito mais fortemente organizado em torno da sua experiência como pesquisador de campo.
Esses candomblés de banto e de caboclo sobre os quais Edison Carneiro lança um olhar
ambivalente vão ser justamente a substância dessa “proeza audaciosa” que permite que ele se
diferencie e encontre seu lugar como um autor entre os autores com quem está dialogando, o
lugar daquele que encontrou alguma coisa “interessante” e descobriu que era “importante” olhar
para aqueles que eram considerados até então “os candomblés menos importantes daqui”. Se eles
têm sua importância diluída no seu esquema teórico, são, ao mesmo tempo, a substância da sua
autoridade etnográfica, retirada justamente dessa observação. A oscilação entre, ora um maior,
ora um menor controle de sua etnografia é resultado de um jogo de forças que fica dramatizado
em sua escrita: de um lado os diferentes usos que faz de suas referências teóricas, de outro, as
suas relações com cada um dos seus informantes. Quanto mais se aprofunda em suas descrições,
mais valoriza seu trabalho em relação aos anteriores, pois este seria fruto de sua inédita
“observação direta” em terreiros de candomblés de caboclos, lugares que não teriam sido
visitados por nenhum outro etnógrafo antes dele.
O diálogo com aqueles dois autores persiste ao longo de toda a obra de Carneiro, mas o
que muda é o lugar a partir do qual ele se coloca no diálogo. Em Negros Bantos ao valorizar o
122
seu próprio trabalho de campo e a sua autoria, ele se permite fazer uma leitura crítica dessas
fontes, quer seja apenas para acrescentar dados às pesquisas que agora vê como incompletas,
quer seja para contestá-las ao afirmar estar num campo no qual esses autores nunca estiveram, ou
ainda para marcar sua independência ao trazer os seus dados sem estar comparando-os aos desses
autores, sem fazer nenhuma referência a eles.
Aqui interessa-me, mais que apontar a escola, os autores ou as teorias aos quais seu
pensamento se alinharia, entender porque essas ideias se fizeram importantes em suas reflexões,
os caminhos pelos quais ele foi dando corpo a elas em sua escrita e dentro de que projeto autoral
elas ganharam sentido. Como seus mestres, o que Edison Carneiro procura em campo são
“totens”, “fetiches”, “sobrevivências”. Ele faz uso das categorias de análise que aprende nas
leituras dos livros de Nina Rodrigues e Arthur Ramos (sem desenvolver nenhuma teoria
sistemática relativa ao que entende por essas categorias), cita-os exaustivamente, e também
escreve ao longo de sua carreira uma série de textos fazendo homenagens ao legado do primeiro
ou resenhas elogiosas das publicações recentes do segundo. Ao mesmo tempo, em outros textos,
que publica desde o ano de 1935 até meados dos anos 1960, ou seja, frutos de contínuas revisões
de suas perspectivas, a partir das quais critica a “despersonalização do negro”, que para Arthur
Ramos “valeria apenas como objeto de estudo” (Carneiro, 1935), e as perspectivas psicanalíticas
deste autor (Carneiro, 1935) ou as teorias científicas racistas de Nina Rodrigues (Carneiro,
1964). O autor vai repensar ainda o uso das mesmas palavras, ou conceitos, de fetichismo,
animismo, sobrevivência, totemismo (Carneiro, 1940 e 1964). A alternância entre críticas e
elogios por parte de Edison Carneiro seria explicada por Mariza Corrêa (ainda sobre a “escola
Nina Rodrigues) pela relação ambígua que Carneiro teria estabelecido com a ideia dessa escola,
ao se desvincular explicitamente dela afirmando-a como uma invenção de Arthur Ramos. Penso
123
que participam desse processo de contínua revisão não só os crescentes contatos de Carneiro com
outros autores que se tornariam influências importantes para ele, principalmente através de Ruth
Landes, mas a progressiva valorização do “ponto de vista nativo” que aparece na fala de seus
informantes, e que vai sendo incorporado à sua análise.
É na corrente desses movimentos de revisão dos arcabouços teóricos e analíticos que o
orientam que Edison Carneiro vai fazer e refazer suas reflexões sobre uma questão que é
fundamental em seu pensamento: o lugar da África nos estudos sobre o negro brasileiro. O
deslocamento para a ênfase no trabalho de campo que é operado em Negros Bantos representa
também um deslocamento gradual da valorização da autenticidade, da pureza, da tradição que
estariam localizadas numa relação com a África e com o que seria africano para a preocupação
com os usos, a criatividade, as formas atuais, a realidade presente dessas religiões. Vendo que
elas permanecem, apesar de seus próprios vaticínios, ele vai se interessando em descrever como
e porque permanecem e novamente encontra este sentido na relação dos adeptos com seus orixás
protetores.
Outros orixás, sobre todos os pontos de vista, importantes, nasceram no
Brasil: Sultão das Matas; Rei das Matas; Ossonhe; Dono do Mato; Tupinambá
(com o seu cachimbinho e a sua volubilidade se faz imprescindível para a
alegria das festas negro-fetichistas; Caipora; Salavá.
No candomblé de Paim, notei a presença do Caboclo da Laje Preta
Pude registrar, nos candomblés afro-bantos, a presença de vários outros
orixás caboclos, como o Chefe Cunha, Peixe Marinho, Martim Pescador,
Angoroméia, Vumbe.
Estes orixás são o consolo e o apoio dos negros bantos da Bahia.
(Carneiro, 1937).
Essa revisão crítica, que de alguma forma se inicia no processo que estou identificando
entre a escrita de Religiões Negras e a de Negros Bantos, se torna cada vez mais clara quando
acompanhamos os textos de Edison Carneiro ao longo dos anos 1950 e 1960. Carneiro foi dando
124
corpo ao processo que já sinalizava na década de 1930, processo este intimamente relacionado ao
lugar que vão ganhando aos olhos deste autor os candomblés bantos e os de caboclo, para ele
progressivamente menos africanos e mais brasileiros. De acordo com as lembranças de seus
amigos: “Carneiro, poucos anos antes de morrer, falou de sua vontade de rever, criticamente, os
Candomblés da Bahia para uma nova edição, em que pretendia dar um tratamento mais extenso
aos candomblés de caboclo”. (Oliveira e Lima, 1985).
125
3.4 – Uma obra coletiva
A etnografia de Edison Carneiro resulta demasiadamente entrecortada na medida em que
o espaço dado de fato aos seus informantes se amplia. As teorias nativas e suas ideias sobre a
mistura e a separação nem sempre coincidem e partem dos mesmos pressupostos que as teorias
científicas que orientam as reflexões do autor. Conforme entrou em cada um desses terreiros de
candomblé para escrever sobre eles e começou a convidar esses pais e mães de santo para
participar do congresso que organizou, para dar entrevistas para sua coluna no jornal, também
passou a receber convites para freqentar suas casas e festas e participar de sua vida cotidiana,
chegando a ser honrado com o título de ogã de mais de um desses terreiros.
A imagem final do campo, dos informantes e da experiência de pesquisa de Carneiro
fixada pelos livros vai se desenhando a partir das perguntas que faz e das que deixa de fazer, mas
também a partir das respostas que ele recebe e das que deixa de receber. Cada novo encontro,
entrevista, festa, visita, almoço, reunião da União das Seitas Afro-Brasileiras resulta na
formulação de novas perguntas e em respostas que vão se aprofundando e se detalhando. As
respostas de algumas questões de Edison Carneiro surgiram de suas entrevistas jornalísticas, as
de outras ele foi conhecendo, aprendendo e entendendo aos poucos.
Conforme foi estreitando suas relações pessoais com chefes de culto, filhas e filhos de
santo, seus conceitos e suas categorias de análise foram se tornando abertas às teorias nativas. No
decorrer dessa aproximação, ao ouvir esses sujeitos falarem de si e se classificarem, Carneiro se
expõe a uma série de complexidades e fissuras.
Os variados níveis de relação e comprometimento que conseguiu estabelecer com cada
um de seus informantes parece ter papel determinante nos “juízos de valor” que ele formula e
126
com os quais avalia essas “mesclas” ou “fusões”, classificando algumas negativamente,
preocupado em identificá-las e separá-las, e outras, positivamente, como “as mais curiosas
adaptações” ou “as mais singulares criações”. A oscilação entre, ora um maior, ora um menor
controle de sua etnografia ‒ submetida ou não a essas avaliações da pureza, da autenticidade e da
perda ‒ é criada não só pelos diferentes usos que faz de suas referências teóricas, mas pela
natureza das suas relações com cada um dos seus informantes. Seus textos são também um
espelho das negociações que estabelece em campo. As etnografias são uma parte residual (a
produção textual) de um encontro que envolve subjetividades, negociações, mediações e
contextos particulares. A experiência vivida, os desejos, interesses, redes de relação, trajetórias
de circulação, atravessam a escrita, ainda que nem sempre isso se mostre de forma explícita.
O retrato inicial que Carneiro faz da cultura, integrado, coerente e circunscrito, se
complexifica a partir desse contato mais aproximado. Suas classificações se tornam menos
estanques.
A experiência de organização da União das Seitas Afro-Brasileiras indica ser um dos
pontos altos desse diálogo que ele consegue estabelecer com o ponto-de-vista nativo. Pois a
preocupação fundadora dessa instituição é unir todos os terreiros de candomblé. Por conta disso,
o pesquisador irá procurar ativamente conhecer um número cada vez maior de terreiros da Bahia,
indo bem mais longe em relação àqueles em que concentrou o seu trabalho de campo para os
livros e consegue chegar a inscrever 67 terreiros na União. Afirmando partir das classificações
“de acordo com as declarações de seus respectivos chefes” aparecem nada menos que 17
denominações – Angola, Congo, Caboclo, Kêto, Jêje, Ijexá, Congo, Ilú-ijexá, Alakêto,
Muçurumim, Nagô, Africano, Dahoméa, Yorubá, Môxe-Congo, Angola-Congo, Congo-Caboclo,
Angolinha ‒ muito além da simples divisão entre nagô e banto.
127
A não ser depois de algum tempo de atenta observação, torna-se muito difícil
determinar exatamente a nação a que pertence qualquer candomblé. Daí a
conveniência de designações gerais como nagô, banto e caboclo para uma
primeira grande divisão dessas seitas. Em seguida, é possível, dentro destas
classificações, obter outras, mais particulares, mais aproximadas da realidade.
Hoje muitos candomblés não mais se dedicam a uma só nação, como
antigamente, seja porque o chefe atual tem nação diferente do seu antecessor, e
naturalmente se dedica às duas, seja pela grande camaradagem (que entretanto
não deixa de supor certa irritação) existente entre as pessoas mais conhecidas de
todos os candomblés, o que faz com que se homenageiem tais pessoas, tocando
e dançando à maneira das suas respectivas nações. Já não é raro tocar-se para
qualquer nação em qualquer candomblé. Assim, no Engenho Velho e no
Gantois, duas casas onde a tradição kêto exerce uma verdadeira tirania, pude ver
cantar e dançar para encantados caboclos. É verdade que, nos candomblés
nagôs, isto raramente acontece, mas é uma deferência a que não podem fugir
nem mesmo esses candomblés. (Carneiro, 1948).
Buscando refletir sobre a experiência etnográfica de Edison Carneiro e os textos nos quais
a elabora, debruço-me menos sobre as falas desses personagens dos terreiros que na fala do autor
sobre estes personagens, em como ele os percebeu e os construiu. Através dos textos de alguma
forma entramos nesse universo religioso afro-brasileiro de Salvador dos anos 1930, mas pela
entrada que é guiada por este autor específico, ou seja, que fala um pouco desses personagens,
mas fala mais dos caminhos pelos quais Edison Carneiro os encontrou, os conheceu, os
construiu, pelas maneiras pelas quais ele imaginava que esses personagens e essas relações
deviam ser transpostas aos textos. Não é possível dizer, certamente, que os textos de Edison
Carneiro nos permitem chegar à fala dessas mães e pais de santo. O que temos aqui é a
elaboração desse discurso, ambos produzidos e, em diferentes níveis, negociados neste encontro.
Não há como separar a invenção nativa da invenção do etnógrafo. Mas ele não pretende negar
que sua etnografia é feita a partir dessa aliança, muito pelo contrário, é dela que retira sua
autoridade etnográfica. Sua assinatura, seu modo de fazer etnografia é colocar-se como um autor
que dá outro estatuto para seus informantes, que leva a sério a fala deles, publicando suas
128
entrevistas, convidando-os a apresentar suas próprias teses em congressos, escrevendo seus
textos a partir das categorias nativas de pensamento. Carneiro constrói seu texto de forma que o
que pareça que está lá é o discurso nativo, como se essa etnografia fosse deles e não sua.
Para escrever este livro, obtive o mais eficiente concurso dos pais-de-
santo João da Pedra Preta, do candomblé da Goméia, e Manuel Paim, do Alto
do Abacaxi, e do casal Germina e Manuel Lupércio do Espírito Santo, do Forno,
no que se refere às sobrevivências religiosas; de Samuel “Querido de Deus”,
Barbosa e Zeppelin quanto à capoeira de Angola; de Sinhá Rita, do Mar Grande,
para o samba; do velho Macário, da Bahia, para o batuque; de Amor, para as
sessões de caboclo; e de vários elementos populares cuja solicitude me
comoveu.
Afora as notas que aponho à margem dos fatos, este livro, na verdade,
lhes pertence.
Está-se vendo, o trabalho de desbravar o mundo desconhecido do negro
banto, se foi grande, se foi difícil, também foi uma obra coletiva, por isso
mesmo muito mais importante. Apenas me coube o trabalho de coligir notas, de
classificar dados, e tentar uma sistematização do material recolhido. O resultado
foi este livro, que somente procura conseguir um lugar ao sol para o negro banto
da Bahia. (Carneiro, 1937)
As descrições desses textos partem das festas, rituais, roupas, despachos, comidas como
ele os vê e dos cânticos como ele os ouve. Mas quando “não consegue pescar o que se canta”,
“não consegue distinguir bem” ou só consegue “pegar palavras esparsas” ele vai recorrer aos
seus informantes e abre caminho pra que os pais e mães de santo ditem e traduzam cânticos,
apresentem os orixás e expliquem os complicados caminhos de suas relações com seus santos
protetores. A interpretação dos sujeitos sobre suas práticas, os significados dados por eles para o
que seriam consideradas por Carneiro como contradições e incoerências, entram no texto, vão
ganhando espaço cada vez maior e ganham uma coerência dada na própria fala nativa. Assim ele
traz para a escrita, experiências desordenadas, interpretações contraditórias, significados
variantes. Vão aparecendo então pais de santo que são “de Ijexá”, mas “gostam mais” de Angola
129
ou que “trabalham” com Omolu, mas têm um “carrego de Santa Bárbara”, aparece um Ogum que
é do Cariri, porém “salienta sua ancestralidade africana” e caboclos que vêm de Angola. Para
esses pais de santo e seus orixás nada disso é contraditório, porque os arranjos e as fronteiras que
fazem sentido para eles são outros, que não os dos intelectuais e ainda que muitas vezes
continuem sendo classificados por Edison Carneiro como contradições ou incoerências, em
outras, essa fala nativa não vai vir acompanhada da análise, da interpretação ou dos “juízos de
valor negativos” de nosso autor, mais preocupado em valorizar as “particularidades”, e assim vão
sendo reveladas também as contradições e incoerências do próprio autor! São diferentes ritmos,
compassos, entonações e coloridos que vão modulando o texto.
O meu santo é Oxóssi, o deus da caça, o São Jorge do catolicismo. Agora
a minha nação é Angola. (Entrevista com o pai-de-santo João da Pedra Preta)28
- Eu não fui criado nisso, nem gostava de candomblé. Até ia aos terreiros
“anarquizar”... Numa viagem que fiz até Cachoeira, o santo me pegou. O
“zelador dos santos” me garantiu que era Santa Bárbara. Um outro camarada me
convidou para fazer parte da casa dele. Foi aí que “senti” o santo. Minha avó
tinha deixado pra mim, sem eu saber, o “carrêgo” de Santa Bárbara... .
O professor Pierson atalhou:
- Mas o seu santo não é Omolu?
- Pois é, mas só em Cachoeira “rodei” com Omolu. Omolu é o meu santo
predileto. Estou agora com trinta e dois anos e já sou pai-de-santo há quatro
anos. De Omolu.
A “nação” de Paim era Ijexá.
- Eu gosto mais do Angola, - disse ele, - mas minha “nação” é Ijexá.
O professor Pierson meteu-se no meio:
- Entretanto, o sr. tem aqui várias estatuetas de caboclos... Pode nos
explicar isso?
Ele sorriu:
- É fácil. Meu avô era gêge, mas a minha avó era índia, foi pegada no
mato a-dente-de-cachorro... (Entrevista com o pai-de-santo Manuel Paim)29
28
Carneiro, Edison. “O mundo religioso do negro da Bahia”, O Estado da Bahia, 07 de agosto de 1936.
29
Carneiro, Edison. “O mundo religioso do negro da Bahia”, O Estado da Bahia, 29 de agosto de 1936.
130
Em estudo anterior, citei os versos do „despacho‟ de Exu nos candomblés
de caboclo da Bahia “Sai-te daqui, Aluviá, que aqui não é teu lugá. Eu não
quero ver-te aqui, na mesa de Apanaiá”. O pai-de-santo Manuel Paim, a quem
interroguei sobre esse „despacho‟, me garantiu que Aluviá é um Exu da „nação‟
Angola, enquanto que Apanaiá é um caboclo, um espírito superior. Perguntei-
lhe, mais, se havia mais de um Exu, ao que ele respondeu afirmativamente. O
Exu Pavená, por exemplo, era, segundo sua pitoresca expressão, um Exu
„destinado‟...(Carneiro, 1937)
Nagôs” e “Bantos” são construídos nas teses mais gerais de Edison Carneiro como
sistemas culturais integrados, coerentes, circunscritos e com continuidade no tempo, em um
trabalho seletivo no qual se esforça por estabilizar essas categorias, separar misturas e limpar as
contingências, as descontinuidades, os projetos opostos. Nos textos que estou chamando de
teóricos, analíticos, generalizantes, Carneiro elenca o que seriam os traços formadores de cada
um desses ou patrimônios culturais, o patrimônio nagô e o patrimônio banto. De um lado o que
seriam as lendas e mitos, orixás, festas, línguas, cânticos dos nagô, e de outro os dos banto. Mas
ele não encerra sua etnografia aí. A leitura que estou propondo da relação entre a teoria e a
etnografia de Edison Carneiro pode ser muito proveitosa pensada a partir da ideia da relação
entre dois gêneros de discurso, o “monumental” e o “cotidiano” (Gonçalves, 2002).
O discurso monumental seria aquele que guia seus textos mais gerais, que privilegiam o
contar, a partir de mitologias imemoriais, um passado acabado, absoluto, distante e inequívoco,
construindo este passado e o patrimônio que seria herdado dele como um objeto de representação
acabado. O discurso cotidiano de Edison Carneiro nós poderíamos encontrar nos textos em que
se mostra preocupado em trazer as experiências particulares de cada um desses pais e mães,
filhos e filhas de santo, formando assim uma narrativa polifônica, em que o passado é contado
através de experiências variadas e pessoais e em que se privilegia o presente e os também
variados processos de construção desse presente, transferindo, recolocando o centro da narrativa
para as ambiguidades, contingências, incertezas e acidentes.
131
Não busco dessa forma encerrar os textos de Edison como divididos entre, ora um
registro monumental, ora um registro cotidiano, o que tento fazer aqui é chamar atenção para a
relação tensa e intensa entre, como se queira chamar, dois gêneros de discurso, princípios
classificatórios ou estratégias narrativas presentes em seus textos. Mais interessante que
classificar ou localizar dois „tipos‟ diferentes de registro é refletir sobre como ele construiu cada
um deles, lançando mão de quais estratégias narrativas e porque em cada momento cada um
deles se mostrou importante.
Podemos pensar que “nagô” e “banto” são categorias monumentalizadas, que nem
sempre funcionam no cotidiano dos terreiros ou dos discursos de seus adeptos ou, pelo menos,
nem sempre funcionam da forma como o queriam Nina Rodrigues, Arthur Ramos e mesmo
Edison Carneiro. Então ele próprio, ainda que tente unir todos os terreiros sob uma mesma
classificação, em muitos momentos constrói seus textos explicitando saber que as identidades
abraçadas e as fronteiras demarcadas pelos seus nativos são mais complicadas do que essa
simples divisão pode prever. Carneiro às vezes trabalha seguindo-a a risca, mas em outras passa
bem longe daí, parecendo consciente de que o alcance da eficácia dessa divisão é limitado. A
similaridade e a diferença entre as práticas rituais desses diversos sujeitos sociais e suas muitas
tradições religiosas nem sempre coincidem com a linha que separa o nagô do banto, o candomblé
da umbanda, a religião da magia. Quando se está em campo se vê que coisas de nomes diferentes
podem ser muito mais próximas do que parecem e que coisas do mesmo nome podem também
ser muito distantes, principalmente por se tratar de um universo religioso em que não há um
corpo doutrinário unificado e estabilizado.
O universo religioso afro-brasileiro é fortemente marcado por conflitos, demandas,
disputas de reconhecimento entre os chefes de culto. Diversas teorias nativas da mistura e da
132
separação estão difundidas nele e são usadas como categorias de acusação entre os chefes de
culto. É preciso entender o que está sendo mobilizado quando cada interlocutor lança mão dessas
categorias. Quais os sentidos que assumem tais categorias em cada fala e quais os limites do
diálogo entre elas?
Os informantes de Edison Carneiro, sejam os apresentados como nagô, sejam os
apresentados como banto, Martiniano do Bonfim, Mãe Aninha, Joãozinho da Gomeía, Manuel
Paim, atuam fortemente na direção de produzir autenticidades e inautenticidades e sabem
aproveitar bem os espaços abertos pelo pesquisador para fazê-lo. Edison Carneiro tem
informantes bastante conscientes dos usos que podem fazer dos veículos para os quais o
jornalista e etnógrafo os convida a participar. As falas desses pais de santo que são trazidas por
Carneiro sugerem que eles vêem na relação com um pesquisador e na possibilidade de receberem
destaque em seus livros, e no caso específico da relação com o autor, não só nos livros, mas no
jornal, no congresso, nos cargos de direção da União das Seitas Afro-Brasileiras, uma forma de
conquistar prestígio e legitimidade. O interesse despertado pelos usos que se poderia fazer da
imagem que esses veículos públicos faria circular e os efeitos que poderiam ser conquistados, no
momento particular que esses pais e mães de santo atravessavam nestes anos de 1930, dado o
estatuto social e jurídico de sua prática religiosa, participa ativamente da modulação de suas
respostas, e dos modelos de cultos que se quer apresentar. Circunscrever uma experiência
complexa, fluida, formada de projetos opostos e ambiguidades, sob o rótulo de cultura, como
uma totalidade contínua e coerente, é resultado de um processo arbitrário de seleção. A partir daí
entende-se a cultura não mais como uma realidade dada, à espera de ser “descoberta” e descrita
pelo antropólogo que a “encontra”, mas como o resultado de uma invenção. Essa operação é
133
realizada tanto pelo próprio “nativo”, como pelo antropólogo, nas diversas possibilidades de
construção de si e do outro, produzidas na situação do encontro.
Identificar-se como nagô ou banto, africano ou caboclo, ijexá ou angola, nas falas desses
pais de santo não passa apenas pelo sentimento de pertencimento a uma nação, pelos mitos de
origem que se conta, pela valorização da relação com a África, pelas entidades com que se
trabalha e pelas regras seguidas na preparação dos rituais. Estes critérios se misturam e se
sobrepõem e vão sendo acionados em diferentes momentos e com diferentes propósitos:
demarcar diferenças no campo religioso, mobilizar identidades para desvalorizar o outro, colocar
em jogo poderes de manipular forças e se comunicar com o sagrado. Carneiro percebe que se o
pertencimento a uma nação pode funcionar como um recurso político, identitário, no cotidiano
desses pais e mães de santo, mas observando-se de perto as entidades com que cada um
“trabalha”, as histórias que contam sobre a iniciação na religião, os objetos que colocam nos
altares, as oferendas espalhadas pelos terreiros, as festas que tomam lugar em suas casas, essas
demarcações não são tão evidentes, nem tão estáveis.
134
Figura 14: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “O pae-de-santo
João da pedra Preta, do candomblé da Goméa”
135
Figura 15: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “O pae-de-santo
Manuel Paim, do Alto do Abacaxi.
136
Figura 16: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “A paramenta
official dos candomblés característicamente caboclos)
137
3.5 - O eminente scholar (e candomblezeiro) dr. Édison Carneiro30
Como as teorias da pureza de Edison Carneiro são informadas em boa parte por esses
discursos, essas associações provocam, em certa medida, uma confusão entre os textos do
próprio Edison e os de seus informantes. Mas o etnógrafo circulou entre terreiros de tradições
diversas e foi se comprometendo com pessoas que estavam em lados opostos nessas acusações
mútuas. A disputa pela participação nesses veículos acaba envolvendo Edison Carneiro nas
disputas do próprio campo, entre pais e mães de santo dos terreiros com que estava
comprometido. Ele se envolve na defesa dos argumentos de Martiniano do Bonfim e de Mãe
Aninha da valorização das tradições africanas. Mas também se envolve com Joãozinho da
Goméia, Manuel Paim, Germina do Espírito Santo na busca da legitimação do culto aos
caboclos. O discurso de Carneiro privilegia ora um lado, ora outro. Ele está lidando com
informantes que lêem os seus livros, que estão atentos ao material que está fazendo circular e que
acompanham os usos que são feitos dessas representações sobre eles. Sua etnografia e suas
muitas formas de representar o outro voltam ao campo e o comprometem. Como será que isso
afeta sua narrativa final do trabalho de campo? Como será que ficam suas relações com seus
primeiros informantes, Martiniano do Bonfim e Mãe Aninha, defensores fervorosos da tradição
africana do culto nagô quando ele começa a frequentar e escrever sobre os terreiros de Angola e
de caboclo? A briga com Mãe Menininha do Gantois é exemplar desse comprometimento. Ela
não aceita a participação desses outros terreiros na União das Seitas Afro-Brasileiras e Edison
Carneiro deixa de frequentar seu terreiro e não escreve sobre ele. O encontro etnográfico e a
etnografia são arenas dessas disputas. Circulam neles memórias, narrativas, representações sobre
as quais nem o pesquisador nem o nativo têm total controle. Ele vai desestabilizando o regime de
30
Landes, 2002.
138
autenticidade de seus informantes – e o seu próprio ‒ principalmente quando passa das
formulações nos livros para o cotidiano, de que nos aproximamos no livro/ diário de Ruth
Landes. É o que destaco contrastando os trechos a seguir, em que está falando das mesmas
pessoas, primeiro no livro Candomblés da Bahia, depois conversando com sua companheira em
campo. Ele se esforça por formar coleções, descoladas de sua experiência de pesquisa, apagando
vínculos e conexões. Contudo, os laços de natureza pessoal entre o etnógrafo e cada uma dessas
pessoas atravessam o texto.
A exigência antiga de sete anos, pelo menos, de iniciação, para poder
tomar sobre os ombros a tarefa de dirigir um candomblé, já hoje decaiu de
importância nos candomblés não nagôs. Com efeito, Zé Pequeno, Germina,
Idalice, outros pais e mães nunca passaram pelo processo de “fazer o santo”:
“Ninguém lhes pôs a mão na cabeça”. Para estes casos se criou uma tapeação –
os interessados afirmam que os seus respectivos orixás foram “feitos em pé”, ou
seja, eram tão evidentes e tão poderosos que dispensaram a intervenção de
terceiros. Daí o vasto número de pais e mães improvisados, que tanto têm
comprometido a pureza e a sinceridade dos candomblés. (Carneiro, 1948).
Em contraste com esta força interior que emana naturalmente das mães
nagôs e jêjes, os pais de Angola, do Congo ou caboclos são quase todos
improvisados, “feitos” por si mesmos “aprendendo uma cantiga aqui e outra
ali”, como dizem os chefes nagôs e jêjes. Vários desses pais jamais sofreram o
processo de feitura do santo. São pais sem treino, espontâneos, distantes da
orgânica tradição africana – os „clandestinos‟ do desprezo nagô. (Carneiro,
1948).
Zezé avistou Mãe Idalice, chefe de um templo que seguia a tradição de
Angola, e exclamou, numa censura: - Ô gente! Olhe pra ela! Passou ferro no
cabelo! Ô gente! Uma mãe põe ferro quente na cabeça, gente! Uma mãe tão
moça e tão leviana!
Édison, que era amigo de Idalice, defendeu-a. – Não é tão moça assim-
protestou, calmamente. – Tem mais de 30 anos e foi “feita” por Flaviana há
muito tempo. (Edison Carneiro citado em Landes, 2002).
Alguns homens têm realmente a paixão do sacerdócio e estabelecem
organizações de culto na linha das tradições das nações de Angola ou do Congo.
Há um sacerdote de Angola que dirige o seu próprio templo. É Bernardino; os
fiéis o respeitam porque o seu trabalho é bom. É um homem grande e forte, que
139
dança maravilhosamente bem, mas em estilo feminino. Há um simpático e
jovem pai Congo chamado João, que quase nada sabe e que ninguém leva a
sério, nem mesmo as suas filhas-de-santo; mas é um excelente dançarino e tem
certo encanto. (Edison Carneiro citado em Landes, 2002).
Alguns não são tão maus assim. Pai Bernardino, que tem um templo de
Angola, é respeitado até por Menininha, que o chama de “irmão” quando ele a
visita. Você precisa vê-lo dançar. Rivaliza com as mulheres que melhor dançam,
embora seja um grandalhão. Dança no estilo das mulheres, sensual e distante, e
é tão competente no seu trabalho que as mães quase se esquecem do sexo dele.
Mas que temperamento tem! É o que sobra do seu complexo de inferioridade e
ele evidencia nos gritos que dá onde quer que se encontre. (Edison Carneiro
citado em Landes, 2002).
Toda coletividade opera com regras de autenticidade e no universo religioso afro-
brasileiro a noção de verdade ganha um especial relevo na estruturação de identidades e
oposições no discurso nativo. Autenticidade, verdade, pureza e impureza são problemas nativos,
categorias que circulam no cotidiano dessas pessoas. Estão em jogo brigas pela legitimidade de
seus cultos junto à sociedade baiana, à imprensa, às autoridades, pelo estatuto jurídico de sua
religião, que são brigas políticas em que evocam uma tradição africana como justificativa de sua
legitimidade. Mas estão em jogo também brigas pelo prestígio de seus terreiros, feitas de
acusações de charlatanismo, disputas de poderes de manipular forças sagradas e se comunicar
com entidades, que se difundem por todos os lados, em todas as direções no mundo dos terreiros.
Mães e filhas de santo adeptas do culto nagô acusam o charlatanismo dos transes e o despreparo
da iniciação dos cultos de caboclo. Adeptos destes últimos enfatizam a força espiritual das
entidades caboclas.
Em Itapoá, em junho de 1936, certo cavalo de Ogum do lado de Martim
Pescador me afirmou, em conversa sobre as diferentes espécies de candomblés
da Bahia:
- O jeje chega e arranca o talo. Vem o angola, tira a foia. O caboclo, mais
forte, leva logo a raiz... (Carneiro, 1937).
140
É preciso ter em vista que nem todos os termos em diálogo no encontro etnográfico são
passíveis de tradução tanto para um como para o outro lado. Assim, ainda que as palavras
pureza, autenticidade, verdade e perda circulem entre universos e lógicas de pensamento
distintas, os significados que assumem em cada um deles não são os mesmos. No decorrer de seu
trabalho de campo, Edison Carneiro foi exposto à lógica religiosa, que é diferente daquela
prevista pelas teorias antropológicas que conhece. Classificar um pai ou mãe de santo como nagô
ou banto, mais ou menos evoluído, atestar a pureza ou impureza das tradições africanas nos
rituais que realiza, não dá por si só nenhuma garantia de que seu trabalho religioso vá ser eficaz.
Essas várias camadas de significado se sobrepõem. Não conseguimos distinguir, ao ler
seus textos, se “sinceridade”, “autenticidade”, “honestidade” são categorias nativas ou analíticas.
Essas noções são elaboradas a partir dos critérios dos seus informantes: a observação às regras
para a feitura do santo, as provas da verdade dos transes.
Há, aliás, muita simulação nesses estados de santo dos candomblés afro-
bantos.
Para prevenir abuso, os pais-de-santo, sempre que duvidem da
autenticidade da manifestação, podem pôr em prática as seguintes medidas: a)
mandar a filha-de-santo comer “acará”, isto é, pedaços de algodão molhados em
azeite, em chamas; b) mandá-la comer brasas; c) pôr-lhe punhados de pólvora
na mão, aproximando-lhes, em seguida, o lume; d) mandá-la meter a mão,
demoradamente, em azeite fervendo. Se, durante as provas, nada mais lhe
acontecer, então é mesmo o santo que ali está... (Carneiro, 1937)
Sabina tem tal controle sobre os seus deuses! Pode mandá-los ir e vir.
Com Menininha, com Flaviana, com Massi, a coisa é diferente – os deuses as
angustiam. Olhe só para Sabina. Ela me dá a impressão de apenas estar
trabalhando com afinco. Nos templos ioruba, a mulher, em transe honesto, se
locomove como uma sonâmbula, arrebatada e segura, e os seus olhos ficam
vidrados. Não creio que as mulheres daqui pudessem agüentar as agulhas que
Nina Rodrigues costumava espetar nas sacerdotisas de Mãe Pulquéria para
verificar o seu estado! (Edison Carneiro citado em Landes, 2002)
141
Se em muitos momentos uma relação de distanciamento é construída, em outros o ponto de
vista nativo é levado tão a sério que Edison parece agir como um “nativo”. Seu discurso se
confunde com o de seus informantes, fazendo com que pareça estar ele mesmo confundido com
esse universo. Edison constrói uma relação de continuidade com o campo, assumindo as
categorias deste. Monta uma narrativa que não parte da premissa do estabelecimento de uma
distância entre aqueles que crêem e aqueles que sabem, naturalizando a relação com as entidades
sagradas.
O quanto Carneiro, que comparecia a festas religiosas frequentemente, que conversava
com essas pessoas cotidianamente, que passou uma temporada acolhido no terreiro do Axé de
Opô Afonjá, que foi levantado ogã deste mesmo terreiro, que assistiu a algumas cerimônias
secretas, estaria exposto à dimensão mágico-religiosa de seu objeto de pesquisa? Ele não se
identifica como religioso em lugar nenhum de seus escritos, mas parece partilhar da crença nos
rituais de feitura do santo, na sacralização conferida pelas etapas da iniciação, acreditando que há
transes verdadeiros e falsos.
Ele é o jornalista que os apresenta no jornal para a elite baiana, o antropólogo que os
convida para se apresentar na mesa de discussão de um congresso de intelectuais, o mediador
que promove festas e apresentações para estudiosos de outras partes do país e que leva
estrangeiros aos seus terreiros, o diretor de uma instituição política em que são chamados a se
organizar. Mas Edison Carneiro também é um jovem mulato que frequenta festas não religiosas e
nada solenes nos terreiros e que dança a noite inteira com as moças, um baiano que costuma
almoçar em suas casas sem “fazer farol”. Sua etnografia é articulada a partir dessas posições
particulares em que conseguiu se estabelecer e justamente por estar olhando a cada momento de
142
lugares tão distintos uns dos outros é que produz textos que comportam lógicas que parecem tão
dissonantes.
Sua própria experiência etnográfica é múltipla e desordenada. Dela emerge seu texto, por
sua vez também múltiplo e desordenado, resultado dos variáveis níveis de intensidade com os
quais cada uma dessas alianças se estabeleceu.
143
Considerações Finais
Roteiro Lírico e Sentimental da “Cidade da Bahia” (e outros lugares por onde passou e se
encantou o poeta)31
Acompanhando os personagens a que Edison Carneiro dá destaque em seus livros, que
escolhe para suas entrevistas no jornal, que convida para participar das mesas do congresso, dos
eventos que organiza, que ocupam cargos de importância na União das Seitas Afro-Brasileiras,
acompanhamos não só quais os critérios “legítimos” que orientam sua seleção, mas também os
imponderáveis que a atravessam, e tanto uns quanto os outros, vão fazendo com que “negros
nagôs” e “negros bantos” deixem de ser referências abstratas e ganhem rostos e nomes reais:
Martiniano do Bonfim, Mãe Aninha, Joãozinho da Goméia, Manuel Bernardino da Paixão,
Manuel Paim, Germina do Espírito Santo.
Acompanhando também as reclassificações que Edison Carneiro faz quando passa da
teoria para a etnografia, dos tipos para as pessoas, da generalização para a singularização, vemos
que o seu ir a eles borra as fronteiras que organizam seu pensamento, abrindo frestas. A tensão
entre esses dois princípios classificatórios leva a um texto entrecortado, controverso,
permanentemente dividido contra si mesmo.
Conforme aumenta a intensidade de suas relações, vai trazendo essas pessoas para o seu
texto. Ao ouvirmos as vozes dos seus informantes e acompanharmos o jogo que seleciona essas
vozes, nos aproximamos das movimentações do etnógrafo em campo. Sua fala sobre esse objeto
31
Moraes, Vinícius de. Roteiro Lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro e outros lugares por onde passou e
se encantou o poeta. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.
144
nos fala dele: por onde escolheu andar, com quem, o que viu e o que não viu. Ele não elaborou
nenhuma reflexão propriamente autobiográfica ou deixou registros de seus diários de campo.
Mas podemos nos aproximar de sua experiência etnográfica, que encharca o texto, a partir dos
rastros deixados por sua escrita. Nela nos é apresentado o seu mapa do mundo religioso afro-
brasileiro dos anos 1930 e o seu roteiro da Cidade da Bahia.
No caso dos terreiros “nagô”, ele se aproxima daqueles tidos como os lugares da tradição.
O Engenho Velho, que teria sido o primeiro terreiro de candomblé da Bahia, foi também o
primeiro de que ele se aproximou. Depois dele, o Axé de Opô Afonjá e o Gantois. Estes foram os
terreiros já consagrados pelos estudos de seus mestres. São também os lugares indicados por seu
primeiro informante, a partir de quem entrou em campo, Martiniano do Bonfim.
O primeiro contato de Carneiro com esse universo foi mediado pelo babalaô. Mas o
discurso de Martiniano, extremamente crítico às transformações em curso, e aos pais de santo de
terreiros de caboclo que as personificavam, leva a crer que não tenha sido ele que intermediou a
entrada do pesquisador nestes outros terreiros, como o havia feito para os “nagô”. De quem
Carneiro teria recebido a indicação para a escolha desses terreiros? Por qual motivo teria
considerado-os significativos?
No caso dos terreiros “de caboclo” me parece que essa seleção parte do próprio Edison
Carneiro, pois ele mesmo diz ser o primeiro a realizar trabalho de campo entre os “negros
bantos”, com o que concordam os outros autores que comentam sua obra. É ele quem “desbrava
o mundo desconhecido dos negros bantos”. O que teria atravessado essa seleção? Se em relação
aos terreiros “nagô” ele escolhe figuras já consagradas pelas etnografias das religiões afro-
brasileiras, em relação aos terreiros “de caboclo”, parece reconhecer os critérios nativos que os
tornam conceituados no mundo do candomblé – o “poder”, a “fama”, a “força”.
145
As redes de relação pessoal com as quais Edison Carneiro estava envolvido, de um lado
os intelectuais que de alguma forma participaram do processo de institucionalização acadêmica
da disciplina antropológica brasileira, de outro, os chefes de culto de terreiros de candomblé de
Salvador, repercutem na escrita dos seus textos. São várias as ambiguidades, aparentes
incoerências e inevitáveis contingências que atravessam o projeto do pesquisador e acabam
resultando na ampliação de seu mapa e na escrita de sua própria história do candomblé da Bahia.
146
Anexo I
Textos de Edison Carneiro
Onde Judas Perdeu as Botas32
Edison Carneiro
A lua, uma lua quase insignificante, objeto de luxo no manto preto da noite, - é a única
iluminação. A gente escancara os olhos mas não vê nada. A escuridão provoca-nos contínuos
frissons de medo. As silhuetas das casas recortam-se pequeninas, minúsculas. O chão é de barro
amassado, coberto por uma poeirazinha que nos enfeita a boca das calças civilizadas e dão
outra cor – uma cor indistinta – aos nossos sapatos de verniz. Fumamos. A fumaça vai para
onde a leva o vento. Nós vamos para onde nos levam as pernas. Estamos mudos. Os nossos
ouvidos, atentos, não perdem o menor ruído. Andamos, agora, por entre duas retas de
vegetação. Adivinhamos o arame farpado que as devem cercar. Uma árvore grossa, as folhas
farfalhando ao vento. É uma jaqueira. Detraz dela – quem sabe? – talvez esteja a morte, o
roubo... Passamos. Não há nada. Mas o silêncio da hora morta, a escuridão, tudo concorre para
o sobresalto.
- Os ladrões...
- Psiu!
Uma forma branca no caminho. Será uma alma? Eu rio do medo supersticioso do meu
amigo. Ele quer recuar, mas eu sinto a atração do mistério. Arrasto-o, caminho para a frente. A
forma branca está imóvel. Parece humana. Afinal, mexe-se. É um preto, forte, musculoso, à
última moda. Fita-nos sem azedume, segura o violão, começa a cantar:
32
Publicado em O Momento, outubro 1931
147
Não há vida melhor
Vida melhor não há
O trabalho não é bom
Pomo-nos em marcha. Agora são dois namorados que conversam baixinho, abraçados.
Os nossos relógios marcam as doze menos um quarto, quando chegamos ao largo. Uma igreja,
oito ou nove casas, barro, capim. Uma lâmpada na esquina. Perto, numa casa grande – seis
janelas, jardim, luz elétrica – uma vitrola toca uma valsa triste. As coisas parecem-nos mais
tristes ainda. A luz da casa grande ilumina um trecho de rua através das janelas abertas. Uma
moreninha lá está, mão no queixo, a se deliciar no sentimentalismo ingênuo da valsa. Há um
piano, esquecido num canto, com uma rosa solitária e langue na tupila verde. Pensamos no
dono da casa rica do bairro pobre.
- Será o chefe políco da zona?
Na certa. Essa riqueza...
Vem-nos à boca um nome popular de pai-de-santo. Ali é que ele mora. Pelo menos, deve
ser... Mas vamos andando. Agora chega aos nossos ouvidos o som do violão e do pandeiro, num
samba sacudido. Seguimos para a frente. Já ouvimos vozes confusas que entoam, em côro, o
estribilho. E o cantor faz o solo, com uma expressão visivelmente canalha:
O carro é mesmo uma gracinha...
Oh! Deixa tirar minha lasquinha!
Na luz indecisa dos candieiros da sala insuficiente dançam quinze, vinte pares. Faz
calor. As axilas desprendem um suor fétido e insuportável. Mas todos parecem contentes. Riem,
cantam, dançam. Negras, mulatas, crioulas, roxinhas. Os homens cheiram a álcool, as mulheres
a suor misturado com pó-de-arroz de quinhentos réis a caixa. A festa está animada, alegre.
148
Ficamos olhando da janela, uma vontade enorme de entrar. Acompanhamos, batendo com os
pés no passeio alto, o ritmo gostoso do samba. Afinal, vem o dono da casa conversar conosco,
sorrindo, afetuoso, quase feliz de nos ver – de gravata, roupas de casemira, atitude e gestos de
gente boa – a apreciar a sua festinha modesta... Tem o peito largo, uma cabeleira amansada
diariamente a brilhantina e a cosmético, umas mãos grossas de trabalhador.
E sorri outra vez:
- Os senhores não querem entrar? Não façam cerimônia... A casa é dos senhores...
Não podemos entrar. Não há mais bondes para a cidade, temos que pegar o auto, que
ficou lá em baixo por causa da ladeira... Ele nos convida para a sua festinha de São Cosme, no
outro sábado. Haverá missa, comedoria, fuzarca... Um forrobodó, como diz o meu amigo.
Prometemos. Ele nos diz o seu nome, damos-lhe o nosso cartão de visitas. E despedimo-nos,
voltamos sobre o caminho andado, desta vez sem susto, a conversar animadamente. Tomamos o
auto, rodamos sobre os trilhos do bonde, a fumar cigarros e a falar da gente dos bairros pobres
da velha Lixópolis. E com as primeiras luzes da Rua Dr. Seabra, sentimos estar de novo no
nosso mundo, - esse pobre mundo burguês da cidade que se orgulha de ser mãe de Rui Barbosa
e teatro das lutas da Independência, há mais de um século, em 1823.
149
Presente à mãe d‟água33
O bonde pára.
Através da nuvem de mosquitos, que a luz e a algazarra inquietam, conseguimos ver o
farrancho, que vem para o nosso lado, precedido por um negro que agita um archote.
Saltamos.
A poeira nos envolve, os mosquitos nos atacam. Estamos mesmo nas margens do Dique...
O batecum das cabaças, dos agogôs e dos tabaques ensurdece-nos. A onda de gente, que toma
posição para ver, nos empurra, nos machuca.
Os saveiros se aproximam.
As filhas-de-santo, carregando o presente para a mãe-d‟água, embarcam. Os que podem
e querem pagar quinhentos réis embarcam tambémm noutros saveiros. Para chegar até um
saveiro, enchemos as calças de carrapicho. Embarcamos.
Tanta gente que ficou na praia...
Vamos andando. A procissão se mexe. O canto recomeça, acompanhado das palmas. São
mais de quinze os saveiros que acompanham as filhas-de-santo. Fazemos, morosamente, a volta
ao Dique. (Este Dique já teve uma tragédia. Houve um poeta que o “imortalizou” num poema
chamado „Dique, mar de amor...‟) Um dos saveiros começa a fazer água. Há uma balbúrdia
enorme. Afinal, os passageiros conseguem, com imenso esforço, passar para o nosso. Vemos a
hora de ir para o fundo, mas o perigo passa.
- Iemanjá taí mesmo...
Todo mundo acompanha, cantando, batendo palmas, o canto que o negro Manuel,
seguro no mastro, na proa do saveiro das filhas-de-santo, puxa seguido do batuque.
33
Publicado em Salvador, A Batalha, 25 de fevereiro 1934
150
Não consigo pescar o que se canta. Pego palavras esparsas. „L‟ôní‟, a água... Este se
repete sempre. O canto, está visto, é dirigido a Iemanjá, a mãe-d‟água. O que se vai oferecer à
mãe-d‟água é um presente de Oxum. As filhas-de-santo têm santos diversos – Ogum, Xangô,
Iansã, Omolu...
No saveiro, as filhas-de-santo, sentadas, já „no santo‟, se sacodem no ritmo do batuque,
dando, às vezes, guinchos agudíssimos ou pequenos gritos de prazer. Nos outros saveiros,
muitas mulheres caem no santo. Uma delegação do candomblé do Engenho Velho ( da linha de
cima) viaja conosco no mesmo saveiro. São duas „feitas‟ e um ogã. Os outros candomblés mais
próximos também mandaram representações.
Estamos agora no meio do Dique. Deve ser o lugar mais fundo. A água está mansa e
escura, raiada de reflexos estranhos. As luzes da margem dançam na água. Fica longe a Usina
do Dique. Do outro lado está o Tororó, com as suas ladeiras íngremes e mal-iluminadas. A lua
ainda não saiu. Poucas estrelas brilham no céu. Os saveiros têm, todos, um candeeiro primitivo,
de torcida de pano, sem „manga‟. A luz desses candeeiros vacila. Colocada acima do telhado de
lona e madeira, impede-nos de ver muita coisa adiante do nariz. Lá longe, na linha do bonde,
que abandonamos há alguns minutos, há uma verdadeira muralha humana. Homens e mulheres,
quase todos vestem branco. São mais de cinqüenta metros de gente que espia.
Aqui, agora, vai ser entregue à mãe-d‟água o presente de Oxum. Os saveiros estão
parados. O negro Manuel, em pé na proa, alto e magro, canta sozinho. Invoca a mãe-d‟água. As
filhas-de-santo carregam o presente, - pó-de-arroz, pente, espelho, loção, brilhantina, todos os
apetrechos para uma toalete cuidadosa, - enquanto os rapazolas que constituem a orquestra
retomam o coro. O presente cai na água, ao clarão dos fogos de artifício, sob o estridor dos
151
gritos e das palmas. Se a mãe-d‟água não o aceitar, o presente de Oxum não submergirá. O
presente desce.
- Viva Iemanjá!
As palmas não cessam. Várias mulheres, nos saveiros próximos, „caem no santo‟, dando
gritos, pinotando nos bancos. Ninguém as olha, sequer. O fato passou à categoria dos acidentes
ordinários...
Estamos voltando, depois de haver rodeado o Dique. O canto continua. O negro Manuel
segue puxando o cântico do orixá. Encostamos agora nas pontezinhas de madeira da margem.
Saltamos. O cortejo se forma novamente. No alto do barranco aparecem umas mulheres que
pretendem iluminar a cena com um candeeiro de placa.
- Muito bem!
A rapaziada bate palmas, troçando.
Desta vez não temos archote. Vamos para a Mata Escura, pela linha do bonde, até o
candomblé do Oxumarê. Na frente vai a orquestra, precedida pelo negro Manuel, que se esforça
inutilmente por consertar a pronúncia dos outros. Vejo-o pronunciar um „gbê‟ que é
legitimamente africano. Apesar dos seus esforços, o povaréu vai corrompendo
despreocupadamente a pureza do dialeto. Depois da orquestra, vêm as filhas-de-santo,
completamente bêbadas, excitadas pelo ritmo sexual da música bárbara. Fechando a marcha, a
gente mais diversa do mundo. Negros, mulatos, soldado, mulheres-de-saia, cabrochas, o diabo.
Até um tipo de rua, que carrega um pedaço de pau como se fosse bengala e tem uma pose de
aristocrata antigo...
O canto agora é qualquer coisa parecida a uma marcha do „terno‟ de reis. E os meninos,
os rapazes, e mesmo as cabrochas e os homens semi-embriagados que acompanham a procissão
152
pagã começam a andar dançando, tal qual como o menino do Arigofe. A poeira forma uma
nuvem espessa em torno de nós, sufocando-nos. A música produzida pelos instrumentos mágicos
nos enlouquece. Damos topadas nos montículos de barro do caminho. Não há quase luz. Suamos
por todos os poros. Os bondes passam. Os passageiros pensarão que formamos um „afoxé‟ que
se dirige para o Rio Vermelho. Há mesmo, no canto, uma palavra que, de envolta com „l‟ôní‟, se
repete sempre e que parece „afoxé‟. Não consigo distinguir bem, no meio de todo esse barulho.
Chegamos. Passado o abrigo da Mata Escura, é só um pulinho. Vamos subindo agora a
ladeira que leva ao candomblé. O declive é pronunciadíssimo. Os degraus praticados no barro,
em vez de facilitar, dificultam a marcha. Todos querem subir logo. A sala é pequena, um bom
lugar é difícil. Um soldado procura, usando da sua autoridade, fazer a onda avançar em coluna
um por um, mas não consegue. No alto, a dona da casa gasta o dialeto jeje para dar as boas-
vindas ao pessoal.
As filhas-de-santo entram de costas, sob as palmas dos negros. A casa está
completamente cheia. E a orquestra retoma o seu lugar no canto da sala.
As filhas-de-santo recomeçam a dança interrompida. A dona da casa, que também
dança, provoca o santo de uma negra alta, bonita e alegre. Vai para a frente da orquestra e
pula, danadamente, no ritmo veloz. Vem para a outra e esfrega-lhe na cara o suor que lhe
escorre pela testa. Torna a dançar. Torna a fazer os mesmos passes mágicos. A negra titubeia. A
outra insiste, puxando-a para o meio da sala. A nega cambaleia, de cabeça baixa, os braços
caídos, segura pela outra. A orquestra toca uma marcha guerreira. Vejo o fragor da batalha,
ouço o silvar das flechas... Sinto a aragem seca, a quentura equatorial dessa „ilu aiyê‟ dos
desterrados africanos... Ouço as vozes de comando do obá... Vejo os corpos lustrosos dos
combatentes que caem... E vejo, enfim, personificando tudo isso, Ogum, o deus da guerra, que
153
possui agora a negra, altivo, enorme, dominador. A negra já não é mais a negra, mas Ogum.
Transfigurada, com esse ar senhorial que a presença do deus lhe dá, a negra toma um aspecto
ao mesmo tempo selvagem, heróico e sanguinário.
Ei-la agora saudando a assistência, sob as palmas frenéticas do povaréu.
Está tarde.
Precisamos deixar a África, regressar ao Brasil...
154
Anexo II
Artigos de Edison Carneiro publicados em periódicos
Da primavera. Salvador, A Noite, 24/09/1928
Seios. Salvador, A Noite, 25/09/1928
Conto curto. Salvador, A Noite, 26/09/1928
Recordações. Salvador, A Noite, 27/091928
(Sem título). Salvador, A Noite, 28/09/1928
Desprendimento. Salvador, A Noite, 12/10/1928
Filosofia de Algibeira. Salvador, A Noite, 13/10/1928
O que falta a uns. Salvador, A Noite, 15/10/1928
Escultura ideal. Salvador, A Noite, 16/10/1928
Idiotas. Salvador, A Noite, 17/10/1928
Todos os santos. Salvador, A Noite, 18/10/1928
Papéis trocados. Salvador, A Noite, 19/10/1928
Ostracismo intelectual. Salvador, A Noite, 20/10/1928
Ameaça. Salvador, A Noite, 22/10/1928
Por um beijo. Salvador, A Noite, 23/10/1928
(Sem título). Salvador, A Noite, 24/10/1928
Amores. Salvador, A Noite, 27/10/1928
Ralhando. Salvador, A Noite, 29/10/1928
Confissão. Salvador, A Noite, 03/11/1928
Maria vai com as outras. Salvador, A Noite, 05/11/1928
Só assim! Salvador, A Noite, 06/11/1928
Horóscopo. Salvador, A Noite, 08/11/1928
Tu. Salvador, A Noite, 09/11/1928
Meu amor! Salvador, A Noite, 12/11/1928
A chuva e a Sé. Salvador, A Noite, 13/11/1928
Bucólica. Salvador, A Noite, 16/11/1928
Tédio. Salvador, A Noite, 17/11/1928
155
Ontem e hoje. Salvador, A Noite, 20/11/1928
Impossibilidade. Salvador, A Noite, 21/11/1928
Meu amor. Salvador, A Noite, 23/11/1928
Adeus. Salvador, A Noite, 27/11/1928
Noturno de amor. Salvador, A Luva, 20/05/1929
Mãe Preta. Salvador, A Luva, 01/11/1929
Conta-Gotas. Salvador, A Luva, 07/11/1929
Cidade-Tradição. Salvador, O Jornal, 11/11/1929
História. Salvador, O Jornal, 16/11/1929
Aquarela. Salvador, O Jornal, 23/11/1929
A aventura alegre. Salvador, O Jornal, 27/11/1929
A esfinge de minha vida. Salvador, O Jornal, 28/12/1929
Tentação de Seios. Salvador, A Luva, 07/12/1929
Folha solta. Salvador, O Jornal, 12/04/1930
Morta. Salvador, O Jornal, 28/04/1930
Foot-Ball. Salvador, O Jornal, 19/05/1930
Fim da novela. Salvador, Etc. 15/04/1931
A Divina escultura. Salvador, Etc. 15/05/1931
Uma alma branca. Salvador, Etc. 31/05/1931
Para a glória do Brasil. Salvador, Etc. 15/06/1931
Santa Mamelina. Salvador, Etc. 30/06/1931
O último recurso. Salvador, O Momento, 15/07/1931
Sosígenes Costa. Salvador, Etc. 31/07/1931
A cidade da tradição. Salvador, O Momento, 15/08/1931
Lixópolis. Salvador, O Momento, 15/09/1931
Mosca na vidraça. Salvador, Etc. 15/09/1931
A alma do século. Salvador, Etc. 30/09/1931
Feminismo. Salvador, Etc. 15/10/1931
Onde Judas perdeu as botas. Salvador, O Momento, 15/10/1931
Uma história para senhorita. Salvador, Etc. 31/10/1931
O feiticeiro do Menlo-Park. Salvador, O Momento, 15/12/1931
156
Fotografo amador. Salvador, Diário da Bahia, 22/12/1931
O conselho de Kanovalov. Ilhéus, Diário da Tarde, 05/01/1932
O País do carnaval. Salvador, O Momento, 15/01/1932
História de gente pobre. Ilhéus, Diário da Tarde, 24/02/1932
Velha Rua. Salvador, O Momento, 15/04/1932
Problemas da burguesia. Salvador, O Momento, jun/1932
Nota sobre Cobra Norato e Júlio Jurenito. Salvador, Diário da Bahia, 07/08/1932
Os corumbas. Salvador, AUB. 15/10/1933
Notas sobre “Três caminhos”. Ilhéus, Diário da Tarde, 04/01/1934
Corja. Rio de Janeiro, Literatura, 5/02/1934
Presente à mãe d‟água. Salvador, A Batalha, 25/02/1934
Gandhi, traidor das massas. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, mar/1934
Sinhá dona. Rio de Janeiro, Literatura, 05/04/1934
Konovaloff. Diário de Notícias, 08/04/1934
Adeus às armas. Salvador, AUB, 26/05/1934
Joaquim Ribeiro. Rio de Janeiro, Literatura, 20/06/1934
Aderbal Jurema e Odorico Tavares. Rio de Janeiro, Literatura, 20/06/1934
Caetés. Rio de janeiro, Boletim de Ariel, jun/1934
Extra-Real. Rumo, jul-ago/1934
Escritores da Bahia. Recife, Diário da Tarde, 08/08/1934
Monte Serrat. Rio de Janeiro, O Jornal, 26/08/1934
Evolução política do Brasil. Recife, Momento, ago/1934
Os Libertos. Rio de Janeiro. Boletim de Ariel, set/1934
Santa simplicidade. Salvador, A Bahia, 18/10/1934
Sobre dois livros novos. São Paulo, Hoje, nov/1934
As raças oprimidas no Brasil. Salvador, A Bahia, 12 e 13 /11/1934
Sancho Pança. Recife, Diário de Pernambuco, 02/12/1934
O Alambique, romance do Recôncavo Baiano. Salvador, A Bahia, 03/12/1934
O Alambique, romance do Recôncavo Baiano. Recife, Diário de Pernambuco, 16/12/1934
Deus lhe pague. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, 1934
157
Fronteiras. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, fev/1935
Escritores da Bahia. Salvador, O Imparcial, 18/02/1935
Nota sobre “O Negro Brasileiro”. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, abr/1935
Dois romances do Sr. José Américo. Salvador, O Imparcial, 29/04/1935
O romance da Maleira. Rio de Janeiro, A Manhã, 7/05/1935
Cânticos do Mar. São Paulo, Hoje, ago/1935
Hegel, Feuerbach, Marx. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, set/1935
Omar Khayam, Navegador da vida. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, out/1935
A revolução no romance brasileiro. Rio de Janeiro, A Manhã, 6/10/1935
Possibilidades poéticas da raça negra. Rio de Janeiro, A Manhã, 10/11/1935
Exploração do negro. Rio de Janeiro, A Manhã, 14/12/1935
Amos. Revista Acadêmica, nov/1935
Jubiabá. Rio de Janeiro, O Jornal. 1935
Situação do negro no Brasil. Congresso Afro-Brasileiro (1:1934: Recife). Estudos Afro-
Brasileiros. Trabalhos apresentados ao 1º Congresso Afro-Brasileiro reunido no Recife em 1934.
1º volume, 1935
Xangô. Congresso Afro-Brasileiro (1:1934: Recife). Estudos Afro-Brasileiros. Trabalhos
apresentados ao 1º Congresso Afro-Brasileiro reunido no Recife em 1934. 1º volume, 1935
A influência africana no português do Brasil. Rio de Janeiro , Boletim de Ariel, mar/1936
Capoeira de Angola. Salvador, O Estado da Bahia, 9/03/1936
A rainha do mar, Rio de Janeiro , Boletim de Ariel, abr/1936
Martiniano, o famoso „babalaô‟ fez revelações interessantes. Salvador, O Estado da Bahia,
14/05/1936
Isadora Duncan conta sua vida. Salvador, O Estado da Bahia, 23/05/1936
O mito da mãe d‟água, Salvador, O Estado da Bahia, 19/06/1936
O mundo religioso do negro da Bahia, Salvador, O Estado da Bahia, 07/08/1936
O mundo religioso do negro da Bahia, Salvador, O Estado da Bahia, Salvador, 29/08/1936
Samba. Salvador, Estado da Bahia, 12/09/1936
Em torno do Segundo Congresso Afro-Brasileiro, Salvador, O Estado da Bahia, 13/11/1936
Uma noite africana na Rádio Comercial, Salvador, O Estado da Bahia, Salvador, 12/12/1936
A noite africana na Rádio Comercial da Bahia, Salvador, O Estado da Bahia, 17/12/1936
158
San Michele. Salvador, O Estado da Bahia, 30/12/1936
O folclore negro no Brasil, Rio de Janeiro , Boletim de Ariel,5(4):104-106, 1936
Gilberto Freyre e a realidade dos fatos, Salvador, O Estado da Bahia 1936
Gilberto Freyre e a realidade dos fatos, Recife, Diário de Pernambuco 1936
O programa dos trabalhos deste importante certame científico. Salvador, O Estado da Bahia,
08/01/1937
A sessão preparatória de ontem e a colaboração de elementos populares ao Congresso da
Bahia. Salvador, O Estado da Bahia, 09/01/1937
O programa dos trabalhos deste importante certame científico. Salvador, O Estado da Bahia,
11/01/1937
Instala-se hoje o 2º Congresso Afro-Brasileiro. Salvador, O Estado da Bahia, 11/01/1937
Como decorreu a sua sessão de instalação. Salvador, O Estado da Bahia, 12/01/1937
O dia de ontem do Congresso Afro-Brasileiro. Salvador, O Estado da Bahia, 13/01/1937
O testamento do boi. Salvador, O Estado da Bahia,16/01/1937
As últimas reuniões do Congresso Afro-Brasileiro. Salvador, O Estado da Bahia, 18/01/1937
2º Congresso Afro-Brasileiro. Salvador, O Estado da Bahia, 21/01/1937
O canto dos escravos. Salvador, O Estado da Bahia,13/03/1937
Este boi dá... Bahia, Publicação Terra, 03/1937
Omolu. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, Abr/1937
Retrato do Fascismo. Salvador, O Estado da Bahia 01/04/1937
Homenagem ao Congresso Afro-Brasileiro. Salvador, O Estado da Bahia, 24/05/1937
As festas amanhã no terreiro do Gantois e do Engenho Velho. Salvador, O Estado da Bahia,
26/05/1937
A Saudade da África. Flamma, Jun/1937
Homenagem aos heróis anônimos. Salvador, O Estado da Bahia, 02/07/1937
O centenário da Sabinada. Salvador, Flama, No. 3, ago/1937
Criação do Conselho Africano da Bahia. Salvador, O Estado da Bahia, 04/08/1937
Liga das Seitas Afro-Brasileiras. Salvador, O Estado da Bahia, 28/08/1937
Convocação dos membros da diretoria da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia. Salvador,
O Estado da Bahia, 04/09/1937
159
Posse da primeira diretoria da União das Seitas Afro-Brasileiras. Salvador, O Estado da Bahia,
28/09/1937
Omolu. Rio de Janeiro , Boletim de Ariel, 7:210, 1937
Xangô. Congresso Afro-brasileiro, 1. Recife. Novos Estudos Afro-brasileiros.Rio de Janeiro,Ed.
Civilização Brasileira,p.139-45, 1937
Era a mais popular mãe-de-santo da Bahia. Salvador, O Estado da Bahia, 05/01/1938
Dona Aninha. Salvador, Estado da Bahia, 25/01/1938
Orações Milagrosas. Rio de Janeiro, Esfera, Jun/1938
Oxóce, o deus da caça e Nascimento do arco-íris. Bahia, Renascença, setembro 1938
Condição social e econômica das “filhas de santo“. São Paulo. Problemas, 2 (13): 19-21, 1938
Aventura. Rio de Janeiro.Esfera, ano II, No 8, Nov/1939
The structure of African cults in Bahia.J. American Folklore, New York, 53(210): 271-78,
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Linhagens gerais da casa de candomblé. São Paulo, Revista do Arquivo Municipal, 6 (71): 129-
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Uma revisão na etnografia religiosa afro-brasileira. Congresso Afro-Brasileiro, 2, Bahia. O
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O medico dos pobres. Congresso Afro-Brasileiro, 2, Bahia (1940). O negro no Brasil. Rio de
Janeiro, ED. Civilização Brasileira. 1940
Homenagem a Nina Rodrigues. Congresso Afro-Brasileiro, 2, Bahia (1940). O negro no Brasil.
Rio de Janeiro, ED. Civilização Brasileira. 1940
A existência da escravidão estava condicionada à da monarquia. Rio de Janeiro, Diretrizes,
Ano IV No 15, mai/1941
Candomblé da Bahia.São Paulo, Revista do Arquivo Municipal, 7 (84): 127-38, jul a ago/1942
Pan de camisa parda.Salvador, Seiva, Ano III, No 14. Out/1942
Resenha de Candomblés da Bahia. “Mil Coisas”, NAACP-NY, out/1942
Terra do Sem Fim. Rio de Janeiro, Diretrizes, 25/03/1943
Candomblé da Bahia. Rio de Janeiro, Boletim do Ministério do trabalho, Indústria e Comércio, 9
(108): 269- 82, ago/1943
Do escambo à escravidão. Rio de Janeiro, Leitura, ago/1943
Fogo Morto. Salvador.O Imparcial , 23/01/1944
160
Vida Boemia de Paula Ney. Salvador. O Imparcial, 09/04/1944
Perdigão Malheiro. Rio de Janeiro, Diário de Noticias, 6/8/1944
Vocabulários negros da Bahia. São Paulo, Revista do Arquivo Municipal, 10 (99): 45-62, nov a
dez/1944
O Verdadeiro Zumbi. Leitura, mar/1945
Perspectiva. Leitura, mai/1945
Destruição dos Palmares. Diário de Notícias (Suplemento) 13 /05/1945
O Batalhão dos Libertos. Revista do “O Jornal”, 08/07/1945
O Centenário da Praia. A Cidade, 06/08/1945
O Artesanato Francês. Boletim do SENAI, mar1946
O caruru de Cosme e Damião. Porto Alegre, Província de São Pedro, 5:79-81, jun/1946
Quanto valia um escravo? Rio de Janeiro, Revista do Comercio, CNC, junho 1946
Os Comandantes dos Palmares. Revista do Comércio, nov/1946
Edison Carneiro opina sobre a obra prima da literatura brasileira – Jornal de Debates –
15/11/1946
Personagens dos candomblés da Bahia (folheto). Rio de Janeiro: [s.n], 1947, 10p. Separata de
Literatura, v.2, n.4, jan a jun/1947
Judas, o de Karioth. Leitura, abr/1948
Como se desenrola uma festa de candomblé. Quilombo, 09/12/48
O escritor e a paz. Leitura, 1948
Mães-de-Santo. Porto Alegre. Província de São Pedro, 11/;51-53, 1948
Lembrança do negro na Bahia. Salvador, A Tarde, 29/03/1949
O mestre das obras da Bahia.Resenha Literária, Recife, ago/1949
Liberdade de culto. Rio de Janeiro, Quilombo, janeiro 1950
Significação Nacional da Obra de Arthur Ramos. Fundamentos, jan/1950
A pernada carioca. Rio de Janeiro, Quilombo, maio 1950
Teogonia negra. Quilombo, jun a jul/1950
A Expedição de Jorge Pimentel à Bahia. A Tarde, 07/10/1950
A Planta da Bahia em 1950. Salvador, A Tarde , 02/12/1950
A abolição do tráfico. Rio de Janeiro, Congresso do Negro Brasileiro, 1950
161
Yemanjá e a mãe-d‟água. Rio de Janeiro, Congresso do Negro Brasileiro, 1950
O interesse do folclore. Rio de Janeiro, O Jornal, 26/08/1951.
Este boi dá... Rio de Janeiro, APCE, 09/1951
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