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Universidade Federal do Rio de Janeiro

ANÁLISE DA GERAÇÃO DE VALOR AOS USUÁRIOS DE

TRANSPORTES URBANOS: UM ESTUDO DE CASO À LUZ DA

FILOSOFIA LEAN

Roberta Horcades de Azeredo Coutinho

2017

ANÁLISE DA GERAÇÃO DE VALOR AOS USUÁRIOS DE

TRANSPORTES URBANOS: UM ESTUDO DE CASO À LUZ DA

FILOSOFIA LEAN

Roberta Horcades de Azeredo Coutinho

Projeto de Graduação apresentado ao

Curso de Engenharia de Produção da

Escola Politécnica, Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título

de Engenheiro.

Orientador:

Prof. Renato Flórido Cameira, D. Sc.

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2017

iii

Coutinho, Roberta Horcades de Azeredo

Análise da geração de valor aos usuários de

transportes urbanos: Um estudo de caso à luz da

filosofia Lean/ Roberta Horcades de Azeredo Coutinho

– Rio de Janeiro: UFRJ/ESCOLA POLITÉCNICA,

2017.

XII, 73 p.: il.; 29,7 cm

Orientador: Prof. Renato Flórido Cameira, D.Sc.

Projeto de Graduação – UFRJ/ Escola Politécnica/

Curso de Engenharia de Produção, 2017.

Referências Bibliográficas: p.68-72

1. Pensamento Enxuto. 2. Lean em Serviços. 3. Lean

em Transportes Urbanos. 4. Geração de Valor.

I. Cameira, Renato Flórido. II. Universidade Federal do

Rio de Janeiro, Escola Politécnica, Curso de Engenharia

de Produção. III. Análise da geração de valor aos

usuários de transportes urbanos: Um estudo de caso à

luz da filosofia Lean.

iv

Dedico este à minha mãe, Sonia Regina da

Silva, que nunca mediu esforços ao me

apoiar com muito carinho, compreensão e

sensatez, além de me dar forças para que

eu pudesse sempre superar quaisquer

adversidades e chegasse até esta etapa de

minha vida.

v

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que me ajudaram a construir esse projeto, desde os amigos do trabalho

que me incentivaram a terminá-lo apesar dos desafios, até minha família, que sempre

esteve por perto ouvindo minhas ideias e angústias em momentos de tensão. Ainda, meu

maior agradecimento é para meu orientador Renato Flórido Cameira, que soube

compreender todo o momento em que vivi durante a elaboração deste trabalho, me

animava ao longo do caminho, estava sempre solícito e disponível, e, acima de tudo,

interessado em saber como eu estava e as repercussões do tema que escolhi.

Antes de entrar na UFRJ eu já tinha o sonho de estudar nesta Universidade, que enche os

olhos de qualquer um só ao pronunciar sua sigla. Quando descobri, então, que passei para

o curso mais difícil de Engenharia, e ainda como primeira opção, dei pulos de alegria na

companhia de meus pais, que muito batalharam para me proporcionar todos os meios

necessários para que um dia eu pudesse alcançar esse sonho.

A UFRJ, ainda, me permitiu mais uma conquista, a de estudar fora em uma Universidade

de ponta, já ranqueada entre as 50 melhores do mundo e ter a oportunidade de enxergar o

mundo com outros olhos, bastante críticos por sinal, e voltar outra pessoa.

Apesar dos percalços lógicos que ocorrem em uma Faculdade de Engenharia, como um

ciclo básico unificado assustador, provas intermináveis e difícil conciliação com estágios

e atividades extracurriculares, serei eternamente agradecida à UFRJ por tudo o que me

proporcionou, o que me ajudou a construir um caráter mais firme e responsável, e a aguçar

minha mente para os desafios que viriam mais a frente e ainda estão por vir.

Por fim, agradeço a todos os que estão lendo este projeto. Passei por momentos

complicados enquanto escrevia, como uma cirurgia complexa e urgente para a retirada de

um tumor e a participação decisiva na preparação dos Jogos Rio 2016, em que,

trabalhando na empresa Ernst & Young, fui cedida ao Comitê Organizador dos Jogos

Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016.

vi

Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/UFRJ

como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheira

de Produção.

Análise da geração de valor aos usuários de transportes urbanos: Um

estudo de caso à luz da filosofia Lean

Roberta Horcades de Azeredo Coutinho

Fevereiro/2017

Orientador: Renato Flórido Cameira

Curso: Engenharia de Produção

O presente projeto tem por objetivo estudar a filosofia Lean e suas

aplicações, desde a manufatura, utilização em serviços, até a aplicabilidade

em transportes urbanos, fornecendo uma base teórica adequada para a

compreensão de elementos chave que propiciaram a análise de um caso

específico de uma linha de ônibus que opera na cidade do Rio de Janeiro. O

estudo focou-se em uma análise quantitativa e qualitativa da situação atual e

de alternativas, feitas as comparações necessárias entre meios de transporte

diferentes, e proposição de uma situação futura, do ponto de vista de

maximização da geração de valor aos usuários.

Palavras chave: Pensamento Enxuto, Lean em Serviços, Lean em

Transportes Urbanos, Geração de Valor.

vii

Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial

fulfillment of the requirements for the degree of Engineer.

ANALYSIS OF VALUE GENERATION TO USERS OF URBAN

TRANSPORT: A CASE STUDY IN THE LIGHT OF THE LEAN

PHILOSOPHY

Roberta Horcades de Azeredo Coutinho

February/2017

Advisor: Renato Flórido Cameira

Course: Engenharia de Produção

This project aims to study the Lean Philosophy and its applications, from

manufacture, use in services and applicability in urban transport, providing

a theoretical basis for understanding key elements which led to the

examination of a specific case study of a bus line that operates in the city of

Rio de Janeiro. The study focused on a quantitative and qualitative analysis

of the current situation and alternatives, in addition to comparisons between

different means of transport and proposition of a future situation, in terms of

maximization of value generation to users.

Keywords: Lean thinking, Lean Services, Lean Transportation, Value

Generation.

viii

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1

1.1. MOTIVAÇÃO .............................................................................................................. 1

1.2. SITUAÇÃO PROBLEMA ............................................................................................ 2

1.3. OBJETIVOS ................................................................................................................. 3

1.3.1. Objetivos Específicos ............................................................................................ 3

1.4. VISÃO GERAL DO TRABALHO ............................................................................... 4

2. METODOLOGIA ............................................................................................................... 5

2.1. MÉTODO DE TRABALHO ......................................................................................... 5

2.2. LIMITES E LIMITAÇÕES DO TRABALHO ............................................................. 7

3. DA PRODUÇÃO À MENTALIDADE ENXUTA – LEAN PRODUCTION / LEAN

THINKING ................................................................................................................................... 8

3.1. A PRODUÇÃO ENXUTA – LEAN PRODUCTION .................................................. 10

3.1.1. A metodologia 5 S ............................................................................................... 11

3.1.1.1. Seiri (em Japonês) – Utilização ....................................................................... 12

3.1.1.2. Seiton (em Japonês) – Organização ................................................................. 12

3.1.1.3. Seisô (em Japonês) – Limpeza ........................................................................ 12

3.1.1.4. Seiketsu (em Japonês) – Padronização ............................................................ 13

3.1.1.5. Shitsuke (em Japonês) – Disciplina e Treinamento ......................................... 13

3.1.2. Just in Time (JIT) ................................................................................................ 13

3.1.3. Eliminação de desperdícios ................................................................................. 14

3.1.3.1. Transporte........................................................................................................ 14

3.1.3.2. Esperas ............................................................................................................ 15

3.1.3.3. Movimentação desnecessária .......................................................................... 15

3.1.3.4. Estoques .......................................................................................................... 15

3.1.3.5. Processamento em excesso .............................................................................. 16

3.1.3.6. Defeitos ........................................................................................................... 16

3.1.3.7. Superprodução ................................................................................................. 17

3.1.4. Kanban – “Puxar” a Produção Contínua ............................................................. 18

3.1.5. Padronização do Método de Trabalho ................................................................. 19

3.1.6. Heijunka – Nivelamento da Produção ................................................................. 20

3.1.7. Jidoka – A Qualidade no Processo ...................................................................... 20

3.1.8. Kaizen – Melhoria Contínua ............................................................................... 21

3.2. A MENTALIDADE ENXUTA – LEAN THINKING ................................................. 22

3.2.1. Definir o que é valor da perspectiva do consumidor do produto ou serviço ....... 22

ix

3.2.2. Identificar todos os passos da cadeia de valor da produção do produto ou

fornecimento do serviço ...................................................................................................... 23

3.2.3. Fomentar ações que façam o valor fluir na cadeia .............................................. 23

3.2.4. Apenas realizar aquilo que é puxado pelo consumidor final, assim como no

sistema Just-in-Time ............................................................................................................ 23

3.2.5. Buscar a perfeição continuamente procurando diminuir os desperdícios ........... 23

3.3. A MENTALIDADE ENXUTA APLICADA AOS SERVIÇOS – LEAN SERVICES

OU LEAN CONSUMPTION ................................................................................................... 24

3.3.1. Resolver os problemas do consumidor por completo, sem que ele precise

despender de seu tempo para que isso ocorra ...................................................................... 27

3.3.2. Não gastar o tempo do consumidor ..................................................................... 27

3.3.3. Prover exatamente o que o consumidor deseja.................................................... 27

3.3.4. Prover o que o consumidor deseja, onde ele deseja ............................................ 28

3.3.5. Prover o que o consumidor deseja, onde deseja e quando deseja ....................... 28

3.3.6. Continuamente procurar solucionar os problemas do consumidor ..................... 29

3.4. A MENTALIDADE ENXUTA APLICADA AO TRANSPORTE DE

PASSAGEIROS – LEAN TRANSPORTATION ...................................................................... 31

3.4.1. Definir o que é valor da perspectiva do consumidor do produto ou serviço ....... 34

3.4.2. Identificar todos os passos da cadeia de valor da produção do produto ou

fornecimento do serviço ...................................................................................................... 34

3.4.3. Fomentar ações que façam o valor fluir na cadeia .............................................. 36

3.4.4. Apenas realizar aquilo que é puxado pelo consumidor final, assim como no

sistema Just-in-Time ............................................................................................................ 36

3.4.5. Buscar a perfeição continuamente procurando diminuir os desperdícios ........... 36

4. ESTUDO DE CASO .......................................................................................................... 37

4.1. ANÁLISE PRELIMINAR DA SITUAÇÃO ATUAL ................................................ 38

4.1.1. Dimensões de valor ............................................................................................. 39

4.1.2. Mapa atual da cadeia e do fluxo de valor ............................................................ 40

4.1.3. Caracterização das atividades em valor ou desperdício ...................................... 41

4.2. ANÁLISE QUANTITATIVA DA SITUAÇÃO ATUAL .......................................... 43

4.2.1. Variável transporte .............................................................................................. 43

4.2.2. Escolha do “Tempo Padrão” ............................................................................... 44

4.2.3. Variável transporte no trajeto de ida ................................................................... 47

4.2.4. Variável transporte no trajeto de volta ................................................................ 49

4.3. ANÁLISE QUALITATIVA DA SITUAÇÃO ATUAL ............................................. 52

4.4. ANÁLISE DA ALTERNATIVA DE TRANSPORTE ............................................... 55

4.4.1. Mapa atual do fluxo de valor da alternativa ........................................................ 55

4.4.2. Variável transporte .............................................................................................. 56

x

4.4.3. Variáveis de qualidade ........................................................................................ 58

4.4.4. Variável de custo ................................................................................................. 58

4.5. MAPA DO FLUXO DE VALOR IDEAL .................................................................. 59

4.6. MAPA DO FLUXO DE VALOR FUTURO .............................................................. 60

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 68

Apêndice A ................................................................................................................................. 73

xi

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Exemplificação de processo de manufatura (Figuera, 2010, página 18,

tradução livre) ................................................................................................................ 32

Figura 2 - Exemplificação do processo de transporte de passageiros (Figuera, 2010,

página 19, tradução livre) .............................................................................................. 33

Figura 3- Metodologia de "Lean Transportation" (Figuera, 2010) .............................. 33

Figura 4- Metodologia do Estudo de Caso (elaboração própria) ................................. 37

Figura 5- Fluxo de Valor de um usuário utilizando ônibus (elaboração própria) ........ 41

Figura 6 - Caracterização das atividades em valor e desperdícios (elaboração própria)

........................................................................................................................................ 42

Figura 7 - Caminho percorrido Fundão x Ipanema pelo Túnel Rebouças, ida e volta

(Google Maps) ................................................................................................................ 45

Figura 8 - Caminho percorrido Fundão x Ipanema pelo Túnel Santa Bárbara, ida e

volta (Google Maps) ....................................................................................................... 46

Figura 9 - Distribuição das variáveis qualitativas (elaboração própria) ..................... 53

Figura 10 - Fluxo de Valor de um usuário utilizando táxi (elaboração própria) ......... 55

Figura 11 - Fluxo de Valor ideal de transporte (elaboração própria) .......................... 59

Figura 12 - Tempos de parada para desembarque/embarque de passageiros em cada

bairro, ida (elaboração própria) .................................................................................... 63

Figura 13 - Tempos de parada para desembarque/embarque de passageiros em cada

bairro, volta (elaboração própria) ................................................................................. 63

Figura 14 - Fluxo de Valor de um usuário utilizando a solução proposta (elaboração

própria) ........................................................................................................................... 64

xii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Desperdícios encontrados em serviços (Bicheno e Holweg, 2009) .............. 26

Tabela 2 - Desperdícios encontrados em serviços de transporte (elaboração própria) 35

Tabela 3 - Tempos coletados no trajeto de ida no ônibus da linha 485, em minutos

(elaboração própria) ...................................................................................................... 47

Tabela 4 - Resumo do Tempo Padrão T(p) nos trajetos de ida via Túnel Rebouças e

Túnel Santa Bárbara (elaboração própria) ................................................................... 48

Tabela 5 - Percentual de valor agregado nas atividades de ida na linha de ônibus

485(elaboração própria) ................................................................................................ 48

Tabela 6 - Tempos coletados no trajeto de volta no ônibus da linha 485, em minutos

(elaboração própria) ...................................................................................................... 49

Tabela 7 - Resumo do Tempo Padrão T(p) nos trajetos de volta via Túnel Rebouças e

Túnel Santa Bárbara (elaboração própria) ................................................................... 50

Tabela 8 - Percentual de valor agregado nas atividades de volta na linha de ônibus

485(elaboração própria) ................................................................................................ 51

Tabela 9 - Ponderação da análise multicritério para o ônibus (elaboração própria) .. 54

Tabela 10 - Resumo do Tempo Padrão T(p) nos trajetos de ida de táxi via Túnel

Rebouças (elaboração própria) ..................................................................................... 56

Tabela 11 - Percentual de valor agregado nas atividades de ida em táxi (elaboração

própria) ........................................................................................................................... 56

Tabela 12 - Resumo do Tempo Padrão T(p) nos trajetos de volta de táxi via Túnel

Rebouças (elaboração própria) ..................................................................................... 57

Tabela 13 - Percentual de valor agregado nas atividades de volta em táxi (elaboração

própria) ........................................................................................................................... 57

Tabela 14 - Ponderação da análise multicritério para o táxi (elaboração própria) ..... 58

1

1. INTRODUÇÃO

O setor de serviços veio se tornando cada vez mais relevante em nosso país até o fim de

2013 (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2014). Até aquele

momento, a renda da população brasileira evoluía junto com o desenvolvimento

econômico e social. Contudo, a partir de 2014, houve uma queda no crescimento desse

setor, de 3,1% registrada em dezembro de 2015 (PMS – IBGE, 2015), que vem

acompanhando o processo de desaquecimento da economia e aumento da inflação. A

tendência para os próximos anos é que a inflação de serviços recue e se aproxime da

meta inflacionária entre 2018 e 2019 (RC CONSULTORES, 2015).

Torna-se evidente, então, que um aquecimento do setor de serviços acompanha

frequentemente o crescimento econômico de um país, decorrente muitas vezes do

aumento do poder aquisitivo da população. No entanto, embora o crescimento anual de

serviços costume acompanhar o Produto Interno Bruto (PIB), em alguns momentos da

economia brasileira a expansão dos serviços foi fundamental para mitigar uma queda

geral de preços e possível recessão, como em 2009, em que houve um crescimento de

2,1% no setor de serviços frente a uma queda de 0,3% no PIB, e em 2012, em que houve

um crescimento de 1,9% nos serviços frente a 1% do PIB (Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2014). Além disso, existem serviços

fundamentais, de base, que devem ser prestados de forma contínua, independentemente

da situação macroeconômica, como os serviços de saúde e transportes.

Portanto, torna-se imprescindível que uma maior atenção seja voltada ao setor de

serviços, tanto para aqueles de base, quanto para os outros que possam vir a mitigar a

desaceleração econômica e colaborar para a construção de um cenário macroeconômico

mais positivo.

1.1. MOTIVAÇÃO

A principal função de um serviço, qualquer que seja, é agradar ao consumidor. No

entanto, o que se nota continuamente é que muitos serviços falham em atender este

objetivo, pois não são projetados para tal. Nem sempre o que se acredita estar

2

fornecendo como solução ao consumidor é o que ele realmente precisa (WOMACK et

al., 2005).

É fundamental, então, que em busca de uma maior satisfação e atendimento das

necessidades e expectativas dos clientes, os serviços sejam projetados levando em

consideração o que é considerado valor para eles. O pensamento enxuto (Lean

Thinking), derivado do Sistema Toyota de Produção, procura estabelecer o que é ou não

valor para o cliente na busca por desperdícios, de forma a minimizá-los, já que esses

não agregam valor ao produto ou serviço prestado (WOMACK et al., 1995).

1.2. SITUAÇÃO PROBLEMA

A autora deste projeto mora na Zona Sul da cidade Rio de Janeiro e frequentou a Cidade

Universitária, onde está localizada a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),

por cinco anos, tanto para assistir aulas, quanto para comparecer aos estágios e empresa

júnior, da qual fez parte.

A Cidade Universitária abriga a maioria dos Centros e Unidades da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como o Centro de Tecnologia, Letras, Centro de Ciências da

Saúde, dentre outros, sendo a maior universidade do estado. Estima-se que diariamente

mais de 65.000 pessoas circulem na cidade universitária (O GLOBO, 2014), entre

funcionários, estudantes e professores, sendo que muitas delas dependem do transporte

público urbano. Como não existe nenhuma linha de metrô ou barcas que cheguem até a

Cidade Universitária até o momento da elaboração deste projeto, o meio de transporte

público mais utilizado para este fim acaba sendo invariavelmente o ônibus.

As opções de ônibus para a Cidade Universitária, conhecida como Ilha do Fundão, ou

simplesmente Fundão, são escassas e motivo de reclamação por parte de muitos

estudantes que não possuem carro e são reféns do sistema de transporte público carioca.

No caso mais específico daqueles que moram na Zona Sul, Tijuca, Centro do Rio de

Janeiro e imediações, só existe uma linha de ônibus que em seu trajeto passa pela Zona

Sul e pelo Centro da cidade em direção à Ilha do Fundão, a linha 485.

Como a autora passou muitos anos deslocando-se até o Fundão utilizando essa linha, a

prestação do serviço era frequentemente analisada e questionada, e foram notadas

3

diversas situações problema. A superlotação nos ônibus que operam essa linha em

horários de pico, além da utilização de caminhos ineficientes para abranger o maior

número possível de bairros em suas rotas, pois não existe outra que realize o trajeto em

questão, ocasionando um longo dispêndio de tempo no trajeto são os problemas mais

evidentes. Assim, o usuário frequente que necessita do transporte público para

locomover-se, além de insatisfeito, acaba tornando-se refém do sistema, pois faltam-lhe

outras alternativas.

A linha 485 possuía como estações terminais a Praça General Osório, em Ipanema, e a

Ilha do Fundão. Atualmente, devido a mudanças nos trajetos e aglutinação de linhas de

ônibus na cidade do Rio de Janeiro por conta das Olímpiadas de 2016, essa linha não

possui mais estação terminal em Ipanema, e sim em Copacabana, na rua Siqueira

Campos. No entanto, o presente estudo levará em consideração o trajeto anterior da

linha, pois as análises dos dados iniciaram-se antes da mudança.

1.3. OBJETIVOS

O pensamento enxuto (Lean Thinking) procura estabelecer o que é ou não valor para o

consumidor de um serviço e maximizar essa geração de valor, de forma que sejam

buscadas a satisfação contínua e a melhoria constante. Por conta disso, a abordagem foi

a escolhida com o objetivo de analisar, do ponto de vista de geração de valor ao usuário,

uma linha de ônibus que circula na cidade do Rio de Janeiro, e propor uma solução à

problemática apontada.

1.3.1. Objetivos Específicos

A partir do entendimento quantitativo e qualitativo das variáveis que buscam um

aumento na geração de valor aos passageiros que utilizam a linha estudada, tem-se por

objetivo específico a comparação da situação atual a alternativas de transporte para

discussão de uma situação ideal, resultando na proposição de uma situação futura que

solucione a problemática e maximize a geração de valor aos usuários.

Faz parte também dos objetivos específicos desse projeto estudar a filosofia Lean e as

suas variantes metodológicas, desde a sua aplicação na manufatura, em que serão

estudados os conceitos base da produção enxuta, derivada do Sistema Toyota de

Produção, sua aplicação em serviços diversos, em que a metodologia da produção

4

enxuta será adaptada visando a geração de valor em um ambiente de consumo, até a

proposição de uma aplicação dos achados metodológicos em transportes urbanos, que,

apesar de ser uma vertente inovadora da filosofia, levará em consideração uma

compilação das características mais relevantes da produção e do consumo enxutos, que

serão aplicáveis de forma a nortear o estudo de caso proposto.

1.4. VISÃO GERAL DO TRABALHO

O primeiro capítulo apresenta a motivação para a realização desse projeto,

contextualização sobre o tema, apresentação da situação problema que será estudada e

objetivos gerais e específicos que serão atendidos ao longo do estudo.

O segundo capítulo apresenta a metodologia utilizada, tanto na revisão da literatura,

quanto na confecção do estudo de caso, contendo as principais fontes pesquisadas, o

método de trabalho utilizado e os recortes do estudo em questão, com seus limites e suas

limitações.

O terceiro capítulo apresenta uma revisão da literatura em que a abordagem Lean é

analisada nas suas diversas variantes. Primeiramente é resgatado um histórico da origem

do pensamento enxuto, sua aplicação na manufatura, seus princípios norteadores, suas

aplicações em serviços com as respectivas adaptações metodológicas, e, por fim,

aplicações na área de transportes.

O quarto capítulo apresenta o estudo de caso de uma linha de ônibus que opera na cidade

do Rio de Janeiro, em que questões qualitativas e quantitativas são levadas em

consideração para analisar a situação problemática atual, junto a uma análise

comparativa de outras alternativas de transporte, buscando a proposição de uma solução

que maximize a geração de valor aos usuários.

Por fim, o capítulo cinco encerra este projeto e apresenta as conclusões e considerações

finais sobre o assunto abordado, assim como sugestão de desdobramentos futuros que

poderão ser estudados sob a mesma perspectiva.

5

2. METODOLOGIA

Neste capítulo, serão apresentados os métodos utilizados para confecção deste trabalho,

assim como os limites e limitações que restringem a análise do estudo de caso proposto,

tendo em vista a complexidade desejada e o atendimento aos objetivos apresentados no

capítulo 1.

2.1. MÉTODO DE TRABALHO

Esse trabalho foi elaborado de forma a estudar a fundo toda a base metodológica que

seria utilizada no estudo de caso, presente no capítulo 4.

Segundo LAKATOS (2003), toda pesquisa implica o levantamento de dados de variadas

fontes, quaisquer que sejam os métodos ou técnicas empregadas. Essa fase da pesquisa

tem por objetivo recolher informações prévias sobre o campo de interesse, por meio da

documentação indireta. Para a revisão da literatura do presente projeto, foi utilizada a

pesquisa bibliográfica, que abrange todas as referências já tornadas públicas em relação

ao tema de estudo.

Tendo em vista em que o pensamento Lean como filosofia e aplicação metodológica é

considerado recente, com cerca de 25 anos, e é ainda muito inexplorado em certas áreas

do conhecimento, foi dado um grande enfoque a livros clássicos sobre Lean

Manufacturing e Lean Thinking, como os de Womack e Jones, “A máquina que mudou

o mundo” de 1991, “A mentalidade enxuta” de 1996 e “Soluções enxutas” de 2006.

Esses livros foram os precursores de toda a análise existente hoje que é pautada no

estudo Lean e possuem as bases metodológicas para aplicação em diferentes setores,

desde a manufatura, até a aplicação em serviços.

O primeiro livro, publicado em 1991, foi o pontapé inicial para que a terminologia Lean

ficasse conhecida fora das fábricas da Toyota, onde teve sua origem. A metodologia

aplicada à manufatura é abordada nesse livro, que serviu de base para retirada de termos

fundamentais para sua compreensão e montagem do capítulo 3. Da mesma forma,

também foram consultados outros livros relacionados ao tema, explicitados ao longo do

texto e nas referências bibliográficas ao fim deste projeto.

6

O segundo livro, publicado em 1996 aborda a metodologia sob um ponto de vista mais

abrangente e menos focado no ambiente da manufatura. Além dele ter sido estudado e

ter feito parte da composição da revisão da literatura presente no capítulo 3, outros

artigos de diferentes autores relacionados ao subtema também foram analisados.

O último livro base, publicado em 2006, aborda a metodologia sob uma perspectiva

nova, relacionada a utilização em serviços diversos, como centrais de atendimento,

centrais de manutenção, restaurantes, etc. Outros artigos foram encontrados para dar

embasamento ao capítulo 3 no que tange esse subtema e variantes específicas como a

utilização em meios de transporte urbano, na qual fontes de conhecimento encontradas

foram mais escassas.

Além dos livros mencionados anteriormente e outros sinalizados ao longo desse projeto,

foram consultados artigos que permearam toda a revisão da literatura no capítulo 3.

Muitos dos artigos que buscam analisar o histórico da metodologia Lean e a

aplicabilidade na produção enxuta foram encontrados nas bibliografias dos livros de

Womack e Jones.

Na revisão das bases de conhecimento, então, houve um foco maior na busca por artigos

que abordassem a filosofia aplicada aos serviços, especificamente aos transportes

urbanos de massa. Eles foram encontrados nas bases de periódicos da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Scielo e Google Scholar com

as combinações de palavras-chave:

“Lean Thinking + Mass Transportation”;

“Lean Thinking + Services”;

“Lean Services + Transportation”.

A partir dos resultados encontrados, foram consultados os resumos dos artigos com

títulos que pareciam ser mais pertinentes ao tema e se houvesse confirmação com o

assunto buscado, lia-se na íntegra.

O estudo de caso, por outro lado, foi elaborado recolhendo informações por meio da

documentação direta, no caso, pesquisa de campo. Segundo LAKATOS (2003),

pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e / ou

conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta. Consiste

7

na observação de fatos e fenômenos que ocorrem espontaneamente, na coleta de dados

e no registro de variáveis que se presume relevantes para analisá-los.

A pesquisa de campo utilizada para o desenvolvimento do capítulo 4 caracteriza-se

como quantitativo-descritiva, em que a principal finalidade é o delineamento ou análise

das características de fatos ou fenômenos, a avaliação de programas ou o isolamento de

variáveis principais ou chave (LAKATOS, 2003).

As análises que sucederam a pesquisa de campo na confecção do estudo de caso

seguiram metodologia própria, por meio de elementos chave retirados da revisão

bibliográfica presente no capítulo 3, e apresentada na íntegra na introdução do capítulo

4.

2.2. LIMITES E LIMITAÇÕES DO TRABALHO

Considerando que o estudo de caso se foca apenas no ponto de vista da geração de valor

ao usuário de ônibus com um perfil específico, o de um estudante, e que utiliza uma

única linha que opera na cidade do Rio de Janeiro, variáveis macro como o trânsito na

cidade não são levadas em consideração na proposição de soluções, bem como a análise

sob o ponto de vista de outros perfis de usuário que poderiam vir a utilizar a solução

atual e / ou proposta, como, por exemplo, pessoas com poder aquisitivo maior que

poderiam utilizar veículos próprios ou soluções como táxi ou uber.

Outra limitação encontrada é o fato de que os transportes públicos, por natureza,

possuem diversas partes e atores interessados, como a Prefeitura do Rio de Janeiro, as

concessionárias que fazem parte do consórcio de ônibus que opera na cidade e os

usuários que utilizam os serviços. Portanto, o processo caracterizado como transporte

acaba por ser executado em uma área urbana não controlada e busca um interesse

comum entre todos os stakeholders envolvidos, o que gera bastante complexidade e não

permite a aplicação da metodologia Lean de forma plena e sem restrições.

Por fim, variáveis e questões políticas, financeiras, macroeconômicas e regulatórias

ligadas à situação atual e solução proposta do estudo de caso não foram levadas em

consideração. A situação futura leva em conta apenas fatores logísticos, por meio de

uma análise processual em que a filosofia Lean é aplicada.

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3. DA PRODUÇÃO À MENTALIDADE ENXUTA –

LEAN PRODUCTION / LEAN THINKING

O termo Lean foi explicado com maiores detalhes primeiramente no livro “A Máquina

que Mudou o Mundo” de James P. Womack, Daniel T. Jones e Daniel Roos (1990). Os

autores realizaram um estudo detalhado sobre a indústria automobilística mundial e

compararam os modelos estabelecidos por Henry Ford, praticados de forma um pouco

diferentes pela Ford Motor Company (Ford) e General Motors (GM), ao modelo

estabelecido por Taiichi Ohno, praticado no Japão pela Toyota.

Henry Ford foi o precursor da chamada produção em massa, impulsionada após a

Primeira Guerra Mundial. Esse sistema produtivo é caracterizado por altos volumes de

produtos padronizados, em que existe um número menor de peças facilmente ajustáveis

entre si e baixa variedade de produtos (WOMACK et al., 1990). De fato, o que tornava

possível a produção em massa não era apenas haver uma linha de produção contínua,

mas a possibilidade de ter peças adaptáveis e simples que pudessem ser facilmente

colocadas umas nas outras. Além de diminuir os custos produtivos, esse novo modelo

eliminava a necessidade de operadores especializados, que realizavam apenas as

mesmas atividades repetidamente

Na década de 20, Alfred Sloan, da GM, propôs um modelo de produção que tentava

resolver o problema da falta de variedade de produtos proposto por Ford (WOMACK

et al., 1990). Itens mecânicos, como bombas e geradores, eram padronizados, assim

como a linha de montagem. Contudo, anualmente a aparência externa dos carros era

alterada e a GM propunha a instalação de acessórios, como ar condicionado, rádios e

transmissão automática, que poderiam ser inseridos em qualquer carro e fornecer uma

maior gama de opções aos consumidores.

O modelo de produção em massa foi um sucesso por muitos anos, pois permitia ao

consumidor comprar produtos a baixos preços. Além disso, com as técnicas gerenciais

e de marketing adotadas por Sloan a esse modelo, em 1955 são atingidos os maiores

patamares de vendas do setor automobilístico até então (WOMACK et al., 1990). No

entanto, no mesmo ano, esse sistema entrou em crise devido aos altos níveis de estoque

gerados diante de mudanças na demanda e baixa variedade de produtos (WOMACK et

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al., 1990), e um engenheiro chamado Taiichi Ohno começou a estudar a problemática a

fim de obter uma solução.

No fim da década de 50, Ohno estudou os processos de produção em massa e constatou

que neles existia muito muda, termo em japonês que significa desperdício (WOMACK

et al., 1990). Diversas tarefas que aconteciam no chão de fábrica não agregavam valor

ao produto final. Existia um grupo especial de trabalhadores que tratavam dos reparos

necessários, outro grupo que só cuidava da limpeza do local, grupos de inspetores que

checavam a qualidade do produto ao fim da linha de produção e ainda trabalhadores

reserva caso algum funcionário faltasse, pois o índice de absenteísmo era alto na época.

Caso houvesse algum defeito em algum lote produzido, esse defeito era tratado apenas

em uma área chamada de “Rework area” (“área de retrabalho”, tradução livre),

localizada logo após a linha de montagem, tendo em vista que no modelo de produção

em massa era de suma importância que a linha não parasse, pois as paradas poderiam

significar horas extras ao final de um turno para compensar a produção perdida.

Ohno acreditava que os trabalhadores na linha de produção poderiam desempenhar as

funções dos especialistas até mesmo melhor do que eles, pois detinham conhecimento

profundo acerca da linha de montagem (WOMACK et al., 1990). Quanto ao retrabalho,

o engenheiro acreditava que a prática de passar erros adiante acabava por multiplicar a

quantidade de erros e defeitos dos produtos. Assim, ele começou um experimento nas

linhas de produção da Toyota, em que os funcionários da linha de montagem foram

instruídos a parar toda a linha de produção assim que encontrassem um defeito que não

pudesse ser corrigido. Então, todo o time rastreava sistematicamente qualquer erro até

sua causa raiz, resolvendo o problema que o causou e garantindo que não ocorresse

novamente.

A princípio, após a implementação dessas práticas, a linha de produção parava

constantemente. No entanto, conforme os funcionários iam ganhando experiência e

resolvendo a causa raiz dos problemas que causavam os defeitos, o número de erros caiu

drasticamente e a linha de produção começou a rodar mais continuamente (WOMACK

et al., 1990).

Ohno desenvolveu, então, um novo jeito de coordenar o fluxo produtivo, chamado

kanban, ou Just-in-Time, como ficou conhecido dos Estados Unidos (OHNO, 1988). Os

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componentes seriam produzidos em uma etapa anterior na linha de montagem apenas

para suprir a demanda imediata da etapa seguinte. Essa ideia eliminava praticamente

todos os estoques em processo, removia todas as redes de segurança, como o contingente

de funcionários para cobrir faltas, e forçava os demais a focar todos os esforços em

antecipar problemas antes que eles obrigassem a linha de produção a parar. Além disso,

os responsáveis por vender os carros da Toyota começaram a fazer parte do processo

produtivo, pois os mesmos “puxavam” todo o sistema assim que um consumidor

comprasse um produto. A Toyota gradualmente deixou de fabricar carros com

antecedência para que consumidores pudessem ou não os comprar e começou a

implementar um sistema de “building-to-order”, em que o vendedor enviava as ordens

de compra para a fábrica para que os carros pudessem ser fabricados e entregues a

consumidores específicos em duas ou três semanas (OHNO, 1988).

Surgiu, então, os princípios da mentalidade enxuta, que teve como principal raiz a

aplicação em sistemas de produção por meio do Sistema Toyota de Produção (TPS),

sendo o movimento predecessor chamado de Lean Production.

3.1. A PRODUÇÃO ENXUTA – LEAN PRODUCTION

Em “A Máquina que Mudou o Mundo”, WOMACK, JONES e ROOS (1990)

difundiram conceitos de “Lean Production”, derivado do Sistema Toyota de Produção,

embora SHAH e WARD (2007) acreditem que o livro relata o sistema com detalhes,

porém não fornece uma definição específica para o conceito. Para SHAH e WARD

(2007, p.791, tradução livre): “Produção enxuta é um sistema sociotécnico integrado,

cujo principal objetivo é eliminar o desperdício por meio da redução ou minimização

simultânea da variabilidade interna dos clientes e dos fornecedores”. No entanto, essa

definição de SHAH e WARD (2007), foi melhor esclarecida no livro “Lean Thinking”

(WOMACK et al., 1996), em que os autores abordaram o tema Lean como uma filosofia

e não apenas técnicas de aumento da produtividade no chão de fábrica.

Embora os conceitos de Lean Production tenham sido difundidos em “A Máquina que

Mudou o Mundo”, a palavra lean foi utilizada pela primeira vez em um artigo de

KRAFCIK (1988), “ O triunfo do sistema de produção enxuta”, tradução livre.

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Womack, Jones e Roos eram os diretores do grupo de pesquisa International Motor

Vehicle Program (IMVP) da escola de administração e negócios do Massachussets

Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos e escreveram no livro “A Máquina

que Mudou o Mundo” um compilado de anos de estudo da indústria automobilística

acerca dos sistemas de produção artesanal, Fordista e Toyotista. Krafcik era um dos

especialistas fabris do grupo que visitava várias fábricas sob os modelos em questão e

contribui para a elaboração do livro com os estudos de caso que serviram de base teórica.

O termo lean, em português, enxuto, foi dado ao modelo de produção proveniente da

Toyota pois utilizam-se muito menos recursos, humanos e materiais, muito menos

espaço fabril para operações, menos investimento em ferramentas e muito menos

estoques.

A produção em massa era pautada na filosofia de que tudo tinha que ser “bom o

bastante”, ou seja, existia um número aceitável de defeitos provenientes da linha de

produção e um nível máximo de estoque permitido. Os gestores que trabalhavam nesse

modelo afirmavam que tentar atingir a perfeição seria muito custoso.

Por outro lado, a produção enxuta é pautada justamente em atingir a perfeição,

continuamente reduzindo custos, trabalhando para chegar a uma linha de produção com

zero defeitos e zero estoque. Mesmo que nenhuma linha que utilize a produção enxuta

chegue algum dia à perfeição, essa busca incessável traz retornos consideráveis para as

empresas que aplicam não somente as técnicas, mas a filosofia em questão (WOMACK

et al., 1990).

No livro “Toyota Production System: Beyond Large-Scale Production” (OHNO, 1988)

são traduzidos para o inglês, pelo editor Norman Bodek, os conceitos que Taiichi Ohno

escreveu originalmente em japonês no seu livro a respeito do modelo de produção da

Toyota em 1978. Esses conceitos de Lean Production apresentados no livro serão

explanados e exemplificados nos tópicos 3.1.1 a 3.1.8 deste capítulo.

3.1.1. A metodologia 5 S

Quando se deseja começar a aplicar os princípios da produção enxuta, um primeiro

passo a seguir é aplicar a metodologia 5S (OHNO, 1988), que é um sistema que possui

como objetivo a organização como base para um aumento da qualidade. Embora não

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exista uma ordem exata para a aplicação dos conceitos Lean, esse é o passo mais

indicado caso a organização não siga nenhuma metodologia em busca de melhores

ganhos de produtividade, pois permite que falhas sejam facilmente visualizadas e

ganhos de produtividade sejam obtidos rapidamente.

Um fator que garante o sucesso de uma produção enxuta é a sinergia com o tempo, pois

atrasos podem ser desastrosos já que podem frear o fluxo de materiais impactando toda

a cadeia produtiva. Caso as ferramentas, por exemplo, não estejam nos lugares em que

os trabalhadores esperam que estejam, eles são forçados a perder tempo procurando-os,

o que acaba gerando desperdícios de tempo, indo contra a outros princípios da produção

enxuta, explicitados nos itens seguintes.

Essa metodologia chama-se 5 S devido às iniciais das palavras japonesas que

denominam as etapas, sendo elas:

3.1.1.1. Seiri (em Japonês) – Utilização

Nessa etapa, faz-se uma diferenciação daquilo que é realmente necessário, que deve ser

mantido, daquilo que é desnecessário, que deve ser removido do sistema, e do que pode

ser armazenado para uso futuro. Essa etapa auxilia no dimensionamento do espaço que

será utilizado para produção e como benefícios tem-se a diminuição do tempo destinado

a procura de ferramentas e materiais, diminuição de estoques de ferramentas e

diminuição do espaço necessário para a produção, reduzindo custos.

3.1.1.2. Seiton (em Japonês) – Organização

Essa etapa serve para garantir que as ferramentas e materiais necessários selecionados

na etapa de “utilização” estejam organizados nos lugares corretos para que os

operadores gastem o mínimo de tempo possível para encontrá-los e alcançá-los. Todos

os elementos que serão utilizados em uma frequência elevada devem estar próximos aos

trabalhadores de modo que eles consigam pegar sem sair de seus lugares.

3.1.1.3. Seisô (em Japonês) – Limpeza

Essa etapa consiste em limpar todo o ambiente que já foi organizado e identificar

problemas já crônicos que causem sujeira ou bagunça, como vazamentos, entupimentos,

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etc. Após identificados os problemas, deve-se buscar a causa raiz dos mesmos para que

medidas permanentes sejam tomadas para que eles deixem de ocorrer.

3.1.1.4. Seiketsu (em Japonês) – Padronização

Essa etapa serve para garantir que todas as etapas anteriores sejam mantidas.

Primeiramente, as responsabilidades de cada um devem ser estabelecidas, assim como

as tarefas rotineiras a serem seguidas para manter a limpeza e organização dos espaços.

Além disso, deve ser estabelecido um cronograma de tarefas a serem realizadas

mensalmente, semanalmente, semestralmente e anualmente. Por fim, para garantir que

as mudanças obtidas pela seleção, organização e limpeza provenientes da metodologia

5S tenham sido efetivamente implementadas e sejam seguidas à risca, é importante que

os resultados atingidos sejam auditados. Por exemplo, diariamente deve-se caminhar

pelas áreas e garantir que o nível de limpeza e organização esteja sendo mantido, assim

como estabelecer datas mensais para as auditorias oficiais.

3.1.1.5. Shitsuke (em Japonês) – Disciplina e Treinamento

Essa última etapa destina-se à manutenção do sistema e treinamento dos colaboradores

a fim de que contribuam para um bom funcionamento do mesmo. Visando manter a

disciplina, é importante que feedbacks positivos e negativos sejam fornecidos

constantemente aos responsáveis pelas áreas para que as mantenham sempre limpas e

organizadas. Caso o sistema não esteja sendo mantido por alguma outa razão, que não

o comprometimento dos funcionários, deve-se verificar a causa raiz do problema e

eliminá-la.

3.1.2. Just in Time (JIT)

O Just in Time é um dos pilares da filosofia TPS (OHNO, 1988), e, portanto, um dos

principais pilares da Produção Enxuta. Significa produzir a quantidade necessária, do

que é necessário, quando for necessário. Em outras palavras, em uma linha de produção

JIT as partes só avançam ou são produzidas quando a etapa posterior precisa delas, além

de ser passado para frente exatamente a quantidade necessária para suprir essa demanda.

Ainda, segundo SLACK et al. (2002, p. 482), “Just in Time significa produzir bens e

serviços exatamente no momento em que são necessários, nem antes para que não

formem estoque, e nem depois, para que seus clientes não tenham que esperar.”.

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O principal objetivo do sistema JIT é fazer com que o processo produtivo alcance

melhores índices de qualidade, maior confiabilidade em termos de equipamentos,

ferramentas e cadeia de fornecimento, maior velocidade tornando o fluxo produtivo

contínuo, menores custos associados à produção e, por fim, maior flexibilidade de

resposta por meio da redução de tempos de set up, produção de lotes menores e mais

adequados a demanda do mercado (CORRÊA et al., 1993).

Todos os problemas que não são percebidos em um sistema tradicional tornam-se

visíveis no sistema Just in Time (SLACK et al., 2002). Isso ocorre, pois, para que haja

uma produção JIT, deve haver a eliminação dos desperdícios, sendo um deles a presença

de estoques, tendo em vista que os mesmos são capazes de esconder e mascarar

problemas no processo produtivo.

Além da eliminação de desperdícios, uma ferramenta indispensável para o sistema JIT

é o kanban, que faz com que a linha de produção seja puxada e não empurrada, como

tradicionalmente é visto. Esses dois princípios chave da produção Just in Time serão

explicados nos itens a seguir.

3.1.3. Eliminação de desperdícios

O maior objetivo da produção enxuta é eliminar os desperdícios que causam lentidão,

atraso e erros ao sistema. No modelo Toyota de Produção (TPS), o desperdício é

chamado de “muda”, que é caracterizado como sendo qualquer atividade humana que

absorve recursos e não gera nenhum valor (WOMACK et al., 1996).

Existem sete tipos de desperdícios que devem ser eliminados do sistema segundo a

produção enxuta:

3.1.3.1. Transporte

O transporte de materiais e produtos é uma atividade necessária, mas que não adiciona

nenhum valor para o consumidor final. Reduzir o tempo gasto em transporte acaba por

reduzir o lead time de um produto, ou seja, o tempo em que o produto começa a ser

produzido e chega ao seu destino final.

Dentro da área de produção, o desperdício relacionado ao transporte é evidenciado

quando o produto não é armazenado perto do ponto onde será utilizado, quando as

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ferramentas não estão próximas às estações em que serão utilizadas, ou, ainda, quando

o produto final acaba sendo movimentado mais do que deveria, sendo acondicionado

em uma localização intermediária para depois poder ser levado ao destino final. Fora da

área de produção os desperdícios estão relacionados à estrutura logística que leva os

materiais das plantas aos centros de distribuição ou revenda.

3.1.3.2. Esperas

As esperas são períodos de inatividade e podem ser relacionadas a materiais, pessoas ou

informação. Elas podem ocorrer de formas claras e explícitas no ambiente produtivo ou

podem ser mais difíceis de serem identificadas. Quando uma máquina para de funcionar

ou faltam os materiais necessários para que uma etapa da produção seja finalizada, a

espera é uma consequência direta. No entanto, também existem esperas relacionadas ao

próprio processo em si e que não são facilmente identificadas, como um operador ter de

esperar uma máquina finalizar o que precisa fazer para poder dar continuidade às suas

atividades. Esse operador poderia estar cuidando de mais máquinas ou partes do

processo enquanto estaria esperando, sendo essa espera, portanto, não inerente ao

processo e cabível de ser eliminada ou diminuída.

3.1.3.3. Movimentação desnecessária

Essa movimentação não é a mesma que o transporte mencionado no tópico 3.1.3.1. Ela

é relacionada ao movimento físico dos operadores para alcançarem, pegarem materiais

ou desviarem de obstáculos e que pode acarretar em um aumento no lead time de um

item devido a adição de inúmeros incrementos de tempo causados por essa

movimentação desnecessária.

3.1.3.4. Estoques

Existem três tipos de estoques analisados na produção enxuta: estoque de matérias-

primas, estoque de produtos em processo e estoque de produtos acabados. Os impactos

relacionados a um alto nível de estoques são provenientes de um maior uso de espaço

físico para guardar e acomodar esses estoques e um aumento do lead time dos produtos,

tendo em vista que quanto maior a área destinada à produção, maior o transporte

necessário e consequentemente maior o tempo de processamento dos produtos. Além

disso, reduzir os estoques gradativamente faz com que os problemas mais críticos da

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produção tornem-se mais visíveis, possibilitando um ataque priorizado (CORRÊA et

al., 1993).

Por mais que uma empresa que deseja aplicar a produção enxuta deva almejar o nível

de estoques zerado para que estejam sempre tentando deixar o fluxo produtivo mais

contínuo, em termos de negócios é importante que existam certos níveis de estoque para

que não haja o perigo de uma venda não ocorrer por falta de um produto, ou da produção

ter de parar por falta de matéria prima.

Portanto, para que os níveis de estoques estejam sempre adequados às reais necessidades

da organização, a quantidade de matéria prima a ser comprada deve ser controlada e

continuamente melhorada por técnicas de materials requirements planning (MRP),

planejamento e controle da produção (PCP) e redução do lead time dos componentes.

Já o estoque de produtos acabados deve ser dimensionado de acordo com técnicas de

previsão de demanda e deve ser mantido em um nível mínimo, tendo em vista que esse

é o tipo de estoque mais custoso para uma organização, pois tem agregado em seu custo

o valor da hora dos trabalhadores, de todos os custos indiretos como energia e aluguel,

além de todos os componentes e matérias primas acoplados durante o processo

produtivo.

3.1.3.5. Processamento em excesso

O processamento em excesso existe quando se adicionam características ao produto que

não agregam valor segundo a perspectiva do consumidor e que possivelmente não são

decisivos no processo de compra. Portanto, gastam-se recursos e tempo que poderiam

estar sendo investidos na produção de algo que realmente agregue valor ao cliente e que

não geram retorno algum. É fundamental, portanto, conhecer o consumidor e saber

exatamente o que ele espera e o que é considerado valor para ele na busca de produzir

produtos em que apenas o que é necessário seja adicionado.

3.1.3.6. Defeitos

O defeito em produtos é o desperdício mais facilmente identificável e que deve ser

completamente eliminado, pois são recursos financeiros, materiais e humanos utilizados

para produzir algo que não trará nenhum retorno, demandará mais recursos caso possa

ser corrigido ou será descartado caso não possa. Além disso, existe a possibilidade de

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um produto com defeito passar pela linha de produção e chegar ao consumidor final,

podendo inclusive comprometer as vendas futuras além de demandar mais recursos

financeiros para solução do problema.

Para cada produto defeituoso que é produzido, um produto final que seria vendido é

perdido. Se o problema não for resolvido, os custos envolvidos podem chegar a

proporções desastrosas, sendo, portanto, fundamental identificar a causa raiz dos

defeitos para que medidas preventivas sejam postas em ação para eliminação completa

dos mesmos.

3.1.3.7. Superprodução

Esse desperdício é considerado o pior dentre todos, pois é fonte de todos os outros

desperdícios (WOMACK et al., 1996).

A superprodução é caracterizada pela produção de mais produtos, finais ou

intermediários, além do que o próximo passo da linha de produção ou o consumidor

final estejam preparados para receber. Ou seja, em um ambiente de produção enxuta,

quando não existem ordens de produção, a linha não pode começar a produzir, e muitas

organizações acreditam que essa abordagem é contra intuitiva e que ao deixar a linha

parada, estariam perdendo em termos financeiros.

Caso um lote maior do que o necessário pela etapa posterior em uma linha de produção

seja produzido, ele não será absorvido rapidamente, causando desperdícios por espera,

tornando-se um estoque em processo aumentando os níveis de estoques, sendo

necessário mais espaço no chão de fábrica para acomodá-lo, acarretando em aumento

do esforço de transporte e do esforço de movimentação dos operadores. Por fim, caso

esse lote tenha sido produzido com algum defeito, os efeitos nocivos serão amplificados,

tendo em vista que foi produzido mais do que o necessário e que muitos outros produtos

sairiam defeituosos, podendo, inclusive, causar uma paralização da linha de produção.

Além disso, um dos aspectos mais custosos da superprodução é quando se produz além

do que o mercado consegue absorver e o produto em questão ou partes dele sofrem

obsolescência, fazendo com que a organização perca vendas, não recebendo o retorno

financeiro destinado a cobrir os gastos daqueles materiais, energia e recursos utilizados

na produção dos itens.

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3.1.4. Kanban – “Puxar” a Produção Contínua

O kanban foi uma ferramenta estudada por Taiichi Ohno e aplicado no TPS, que tinha

como objetivo principal fazer com que o fluxo de produção fosse “puxado”, ou seja,

uma maneira de conduzir o processo de forma que cada etapa pede da operação anterior

os componentes e materiais que precisa na quantidade e no instante em que são

necessários (OHNO, 1988). No método de produção tradicional, a etapa anterior

empurra o resultado do que foi produzido para a etapa seguinte, mesmo que esta não

esteja preparada para recebê-lo ou não necessite naquele momento.

Para que o sistema kanban funcione, é importante que a metodologia 5S tenha sido

implementada e os desperdícios apresentados no tópico 3.1.3 tenham sido estudados e

mitigados, deixando apenas o fundamental na linha de produção.

O kanban é um cartão que se movimenta junto ao material ou produto sendo produzido.

Ele sinaliza quando há necessidade de materiais ou quando a etapa anterior deve ser

acionada. Existem dois tipos de kanban, os genéricos e os específicos, sendo que os

primeiros não são direcionados a nenhum tipo de produto específico, apesar de

sinalizarem a quantidade necessária a ser produzida ou repassada, enquanto os últimos

visam sinalizar exatamente o que, quando e o quanto produzir ou repassar. Ainda, dentro

dessas duas classificações, existem os kanbans de produção e os kanbans de

movimentação, sendo que os primeiros sinalizam quando deve-se começar a produzir e

os últimos sinalizam quando deve-se movimentar os produtos e os materiais.

Em um sistema de produção enxuta, nenhum produto ou material deve começar a ser

produzido ou movimentado sem que um kanban tenha sinalizado. Outra característica

essencial de um sistema kanban é o controle visual que ele permite. Cada caixa de

produtos ou materiais deve possuir um cartão acoplado, caso contrário, o sistema não

funcionará corretamente. Por fim, esse sistema permite um maior controle de estoques,

pois aciona exatamente o que deve ser produzido ou movimentado quando for

necessário, caracterizando o sistema de produção “puxada”, tanto pelas etapas da linha

de produção, quanto, em nível macro, pelos consumidores finais que acionam a linha ao

comprar os produtos.

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3.1.5. Padronização do Método de Trabalho

Em um sistema de produção enxuta, é importante que haja um método de trabalho

padronizado e bem definido, pois, assim, será mais fácil visualizar oportunidades de

melhoria, tendo em vista que o processo está organizado (OHNO, 1988).

Os quatro principais elementos que devem ser seguidos em uma padronização do

método de trabalho é a definição do takt time, do balanceamento de linha, da sequência

de trabalho e do estoque padronizado em processo.

O takt time é o tempo em que uma parte precisa ser produzida baseado no tempo

disponível de produção e nos requisitos de consumo ou demanda do mercado, é o ritmo

da produção. Especificamente, é o tempo disponível para a produção dividido pelo grau

de necessidade do cliente (demanda). O objetivo do takt time é alinhar a produção à

demanda com precisão, fornecendo um ritmo ao sistema de produção.

O conceito de balanceamento de linha especifica que todas as operações em uma mesma

área ou linha de produção devem ser finalizadas com a mesma quantidade de tempo

despendida, ou o mais próximo disso, com o chamado cycle time. Esse tempo não poderá

ser maior do que o takt time definido, se não a demanda não será suprida.

Em busca de um processo em que seja possível obter um alto grau de qualidade, é

fundamental que ele seja elaborado de uma forma que cada operador realize suas

atividades da mesma forma, e isso é feito por meio da definição de uma sequência de

trabalho. Essa sequência deve contemplar instruções detalhadas sobre como as

operações devem ser feitas, e caso ela não seja seguida, é facilmente identificável,

contribuindo para visualização de erros no sistema e prevenção de defeitos.

Por fim, tendo em vista que o processo JIT possui como objetivo um fluxo de produção

contínuo, é importante que o estoque em processo seja mantido próximo de zero,

idealmente no máximo uma peça. Esse estoque está intimamente ligado ao

balanceamento de linha, que se bem definido, será possível obter níveis de estoque em

processo cada vez menores e próximos de zero.

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3.1.6. Heijunka – Nivelamento da Produção

O nivelamento da produção é um método em que a mesma quantidade de produtos

acabados é obtida todos os dias (OHNO, 1988).

A demanda proveniente do mercado consumidor é variável e flutuante, sendo o

nivelamento da produção utilizado como uma forma de amenizar essa variância. Deve-

se atribuir um volume a ser feito todos os dias utilizando-se de ferramentas de previsão

de demanda e histórico de ordens de compra, tendo em vista que a previsão de demanda

busca definir o volume de produção diário, enquanto o histórico busca auxiliar a

definição do nível de flutuação esperado. Os itens sobressalentes, de um dia em que a

demanda foi menor do que o nível de produção diário, seguem para um estoque de

flutuação.

O maior benefício obtido por meio da utilização do nivelamento de produção é a

manutenção da estabilidade do nível de trabalho da mão de obra, redução de horas extras

desnecessárias e diminuição dos níveis de estresse na área de produção.

3.1.7. Jidoka – A Qualidade no Processo

A produção enxuta estabelece que a qualidade deve ser intrínseca ao processo, de modo

a prevenir que haja retrabalho ou descarte de produtos por serem defeituosos (OHNO,

1988).

Jidoka é um termo em japonês que significa “automação com um toque humano”, ou

automatização, que é a habilidade de uma máquina julgar as condições externas de modo

a adaptar seu trabalho. Quando uma condição externa negativa é detectada, a máquina

para e aciona um alarme, fazendo com que um operador resolva o problema e a produção

se inicie novamente.

Além disso, na produção enxuta não existe espaço para repetir ações duas ou mais vezes.

Por isso é importante que o próprio processo permita que apenas produtos na qualidade

desejada avancem na linha de produção, e além do jidoka, o poka yoke é colocado em

ação.

Poka yoke é a auto inspeção sucessiva na fonte, que com a utilização de ferramentas

automatizadas, sinalizam quando um erro ocorre na linha de produção, o que torna o

21

erro difícil de ser passado adiante na linha e promove uma ação imediata dos operadores

para saná-lo, além de contribuir para um aumento da segurança nos processos.

Existem dois tipos de função que o sistema poka yoke pode desempenhar. A primeira é

como um método de controle, que faz com que a máquina ou linha de produção pare

imediatamente assim que um problema for identificado e a segunda como um método

de advertência, quando um alarme ou luz são acionados visando alertar os operadores

de que algo está errado.

3.1.8. Kaizen – Melhoria Contínua

Kaizen em japonês é um termo que vai além da melhoria contínua e foi introduzido por

IMAI (1986) no livro “Kaizen: A Chave para o Sucesso Competitivo do Japão”

(tradução livre). Masaaki Imai afirma que kaizen é uma melhoria “de todos, em todos

os lugares, a todo tempo” e não apenas uma melhoria “contínua”. Especificamente, ela

é uma estratégia em que funcionários de todos os níveis hierárquicos de uma

organização trabalham juntos proativamente visando atingir pequenas melhoras

incrementais nos processos da empresa.

Como filosofia, kaizen significa promover uma cultura organizacional em que todos os

funcionários se engajem de maneira proativa a sugerir e implementar melhoras

organizacionais/processuais. Em empresas verdadeiramente enxutas, essa é a forma

natural como gerentes e operadores de chão de fábrica pensam.

Existem alguns princípios que regem a filosofia kaizen:

Bons processos trazem bons resultados;

Deve-se ver por si mesmo para analisar a situação atual;

Deve-se falar com dados, mas gerenciar com fatos;

Deve-se promover ações que corrijam as causas raízes dos problemas;

Deve-se trabalhar como um time;

Kaizen é um dever de cada um e de todos.

Portanto, todos os pontos mencionados anteriormente, como a padronização, o

nivelamento da produção, a qualidade intrínseca ao processo, o Just-in-Time, a

metodologia 5S, são continuamente melhorados por meio da implementação da kaizen,

22

saindo do estado atual para um estado futuro mais robusto e que permita maiores ganhos

à organização.

3.2. A MENTALIDADE ENXUTA – LEAN THINKING

A produção enxuta, como explicado anteriormente, é originária do Sistema Toyota de

Produção (TPS), que podem ser considerados dois termos diferentes para um mesmo

conceito. Contudo, quando uma organização deseja ir além e aplicar os conceitos

apresentados em todas as suas áreas e não apenas no processo produtivo, deve-se

começar a analisar o Lean como uma filosofia, e não apenas como ferramentas de

melhoria de processos.

A filosofia Lean, chamada também de Lean Thinking, possui cinco princípios básicos,

mostrados por WOMACK e JONES (1996) pela primeira vez como uma extensão do

processo produtivo. A premissa inicial para instaurar a mentalidade enxuta é reconhecer

que apenas uma pequena parte do tempo total e esforço despendidos produzindo um

produto ou entregando um serviço de fato geram valor ao consumidor final. É, portanto,

necessário definir claramente o que é valor em um determinado produto ou serviço do

ponto de vista do consumidor final, em busca de reduzir todas as atividades que não

agregam valor, ou seja, os desperdícios.

Os cinco princípios da mentalidade enxuta são:

3.2.1. Definir o que é valor da perspectiva do consumidor do produto

ou serviço

É importante salientar que o que é valor para os stakeholders e gerentes de uma

organização pode não ser valor para o consumidor final. No entanto, se os consumidores

estão satisfeitos, a organização como um todo acaba se beneficiando e, assim, o que é

valor para o cliente acaba por se tornar valor para os demais stakeholders.

Para os consumidores, valor é algo tangível, não é abstrato. Por exemplo, o dinheiro,

tempo e a qualidade do produto final são considerados valiosos para eles. É necessário,

então, buscar entender a realidade desse consumidor e levar o que é valor para ele e não

apenas o que a empresa acredita ser valor.

23

3.2.2. Identificar todos os passos da cadeia de valor da produção do

produto ou fornecimento do serviço

A cadeia de valor é todo o percurso que um produto passa desde sua concepção até ter

sua produção finalizada. É importante verificar todos os pontos de desperdício na cadeia

de valor em busca de eliminar ou minimizá-los e fazer o produto fluir mais rapidamente

e eficientemente na cadeia.

3.2.3. Fomentar ações que façam o valor fluir na cadeia

Departamentalizar um processo, embora seja ainda muito utilizado em diversas

empresas, não contribui com o aumento de sua fluidez. Por outro lado, trabalhar

continuamente em cima de um produto de cada vez, do início ao fim do processo, faz

com que ele seja tenha um papel central e torna muito mais fácil atuar em cima dos

desperdícios que agem em cima dele. Além disso, essa abordagem acaba fazendo com

que os funcionários se motivem, pois estarão diretamente envolvidos na produção do

produto final e saberão exatamente qual a sua contribuição, boa ou ruim.

3.2.4. Apenas realizar aquilo que é puxado pelo consumidor final,

assim como no sistema Just-in-Time

Fornecer exatamente o que o consumidor deseja faz com que diminua suas chances de

escolher comprar um produto similar de um concorrente. Além disso, a utilização de um

sistema “puxado” permite que a organização não precise confiar apenas nas previsões

de vendas, o que acaba aumentando a confiabilidade do processo e um retorno maior

nas vendas.

3.2.5. Buscar a perfeição continuamente procurando diminuir os

desperdícios

O último princípio da mentalidade enxuta é a busca constante pela perfeição. Quando

uma organização segue todos os pilares e tem instituído o Lean Thinking, ela passa a

competir com ela mesma, buscando sempre aumentar a fluidez dos processos, atingir a

maior abrangência possível de consumidores, remover continuamente os desperdícios

que não agregam valor. Quando uma empresa aprende a ouvir melhor seus clientes, eles

fornecem feedbacks cada vez mais valiosos, uma vantagem competitiva fundamental.

Além disso, o que poderia funcionar outrora pode tornar-se obsoleto caso deixe de ser

24

apresentado como valor para o consumidor final, tornando imprescindível a busca pela

melhoria contínua.

Uma pesquisa conduzida pelo “Lean Enterprise Research Center” sugeriu que,

frequentemente, para a maior parte dos sistemas produtivos, apenas 5% das atividades

geram valor ao produto final, 35% são atividades necessárias, mas que não geram valor

e 60% são atividades que não geram valor algum. É notório então que eliminar os

desperdícios em uma cadeia produtiva pode melhorar consideravelmente o desempenho

de uma organização e agradar mais ao consumidor final.

Os princípios da mentalidade enxuta podem ser aplicados em qualquer organização e

em qualquer setor. Embora suas origens sejam provenientes de um setor de manufatura

automobilístico, setores como logística e distribuição, varejo, construção civil, saúde,

serviços financeiros, segurança nacional e administração pública começaram a

implementar a mentalidade enxuta, de uma forma que será melhor explicada no tópico

3.3.

3.3. A MENTALIDADE ENXUTA APLICADA AOS

SERVIÇOS – LEAN SERVICES OU LEAN CONSUMPTION

Womack e Jones tendo notado que, embora a produção enxuta tenha permitido fornecer

produtos cada vez mais baratos e de alta qualidade, os consumidores não estavam

satisfeitos. Por conta disso, começaram a analisar o consumo sob a perspectiva Lean.

Em 2005 publicaram o livro “Lean Solutions”, em que ampliaram os conceitos da

produção e mentalidade enxutas para outros setores além da indústria automobilística.

Uma das conclusões ao analisarem outros setores além da manufatura, foi notar que o

consumo é tão ineficiente quanto a produção costumava ser. Consumidores são

obrigados a encarar atrasos em consultas médicas, serviços de atendimento que acabam

por não resolver seus problemas e outros desperdícios de tempo e energia, atributos

valiosos para eles.

O consumo Lean está relacionado com a provisão total da perspectiva de valor para os

consumidores de um determinado serviço, com a maior eficiência e menor esforço e

dispêndio de tempo deles. Nessa abordagem, a provisão do serviço ocorre junto ao

25

consumo, diferentemente da abordagem tradicional Lean Production (WOMACK et al.,

2005).

O consumo acaba seguindo cinco tendências, segundo WOMACK (2005):

A customização em massa oferece aos consumidores mais opções, no entanto

acaba fazendo com que eles precisem gastar mais tempo e esforço no processo

decisório;

A falta de regulamentação aumenta a liberdade de escolha do consumidor e

também os riscos aos quais ele estaria submetido;

A economia está sofrendo uma mudança, pois os serviços estão dando cada vez

mais responsabilidade aos consumidores para sua satisfação final;

As pessoas possuem maior poder aquisitivo, embora possuam menos tempo para

gerenciar os processos decisórios de compra;

A Internet está levando o consumidor a participar do processo produtivo.

Algumas empresas pedem que os usuários acompanhem alguns web sites para

garantir que o processo de produção e entrega estão sendo realizados conforme

o previsto, como as companhias aéreas, que solicitam que os próprios clientes

façam o check in de seus voos em centrais de auto atendimento ou via internet.

Além disso, quando a abordagem Lean é focada em serviços, existe uma redefinição dos

desperdícios comumente encontrados em processos produtivos, explicitados no tópico

3.1.3 deste capítulo, para que se adequem melhor aos processos de provisão (BICHENO

e HOLWEG, 2009). Essa redefinição pode ser encontrada na Tabela 1.

26

Tabela 1 - Desperdícios encontrados em serviços (BICHENO e HOLWEG, 2009)

Desperdício Descrição

Movimentação

Desnecessária e Transporte

Movimentos desnecessários, como entrar em

diversas filas e ter de passar por diversas

etapas que não agregam valor, como comprar

bilhetes ou passar por uma segurança.

Esperas Esperas dos consumidores pela realização de

um serviço, para uma entrega, ou em filas.

Estoques

Consumidores desnorteados e sem saber o

que fazer devido à falta de uma comunicação

clara, além dos desperdícios relacionados à

busca por esclarecimentos e dificuldades em

utilizar o serviço.

Processamento em Excesso

Duplicação de tarefas como reinserir dados,

repetir detalhes em formulários, responder

diferentes questionamentos sobre uma

mesma questão sem resolução de problemas.

Defeitos Erros na execução dos serviços.

Superprodução

Quando é buscada escala ou grande

quantidade de clientes, oportunidades acabam

por serem perdidas na retenção de

consumidores, pois os mesmos podem ter

suas necessidades ignoradas ou colocadas em

segundo plano, ou ainda, serem tratados de

forma inadequada no momento da provisão

ou no pós-venda.

27

Assim como os princípios da produção enxuta, explicitados no tópico 3.1 deste capítulo,

deram origem aos princípios da mentalidade enxuta quando foram analisados de forma

mais abrangente, contido no tópico 3.2, o consumo enxuto também possui princípios

norteadores derivados da aplicação da mentalidade enxuta em situações de provisão e

consumo simultâneo (WOMACK et al., 2005). São eles:

3.3.1. Resolver os problemas do consumidor por completo, sem que

ele precise despender de seu tempo para que isso ocorra

Os princípios do consumo enxuto sugerem uma abordagem totalmente diferente da

tradicional quanto à resolução dos problemas do consumidor. Ao invés de instruir

pessoal capacitado para lidar com os mesmos problemas dos consumidores

repetitivamente, a abordagem Lean sugere o emprego de pessoal qualificado que, além

de buscar resolver os problemas dos consumidores, identifica a causa raiz dos mesmos,

de forma que a equipe de gestão do serviço pode colocar em prática ações que

solucionem permanentemente as queixas apresentadas.

3.3.2. Não gastar o tempo do consumidor

Para seguir a abordagem de consumo enxuta, deve-se desenhar um “mapa de consumo”,

derivado da análise da cadeia de valor presente na mentalidade enxuta (WOMACK et

al., 2005), para identificar todas as etapas em que o consumidor acaba tendo que ser

responsável e que não agregam nenhum valor à ele, como, por exemplo, esperas em filas

e outros desperdícios apontados por BICHENO e HOLWEG (2009). A partir dessa

análise, é possível aumentar a satisfação dos clientes perante à concorrência, além de

haver a possibilidade de diminuir os custos de fornecimento do serviço retirando tudo

aquilo que estaria sendo caracterizado como “processamento em excesso”.

3.3.3. Prover exatamente o que o consumidor deseja

O ponto central deste princípio é a utilização do sistema “puxado” pelo consumidor a

fim de prover exatamente aquilo que ele está precisando. Muitas empresas utilizam o

sistema de previsão de demanda para prever a necessidade dos clientes. No entanto, elas

costumam aplicá-los em um intervalo grande de tempo em que é necessário estocar

materiais ou pessoas, como no caso dos pontos de ônibus. Assim, mesmo que elas

28

alcancem as expectativas de certos consumidores, o nível de serviço nunca será como o

desejado (WOMACK et al., 2005).

A empresa britânica Tesco, uma rede de supermercados, teve um aumento no nível de

serviço para 96% depois que começou a aplicar princípios do consumo enxuto

(WOMACK et al., 2005). A reposição de itens das lojas é feita em um prazo máximo

de vinte e quatro horas, seguida de uma análise do que os consumidores consumiram

nesse tempo. A empresa aplicou os princípios da mentalidade em toda a cadeia de valor,

de forma que seus fornecedores conseguem produzir os itens que eles “puxam” de

acordo com a demanda de seus consumidores, em um prazo de algumas horas.

3.3.4. Prover o que o consumidor deseja, onde ele deseja

A equação do consumo não leva somente em consideração o preço de um serviço, mas

a soma desse preço junto ao tempo e esforço dispendidos para obtê-lo. É comum

encontrar situações em que os preços são maiores quando a conveniência também é

maior. Grandes varejistas que aplicam a mentalidade enxuta, conseguem oferecer

exatamente o que os consumidores desejam, onde desejam, e a um preço justo, pois

possuem a capacidade de oferecer preços uniformes em diferentes formatos e tamanhos

de lojas. A rede de supermercados Tesco, mencionada no tópico 3.3.3, oferece cartões

de fidelidade, em que é possível conhecer o padrão de consumo de seus clientes e, assim,

oferecer o que precisam, onde precisam, pois, utilizando esses dados, é possível

distribuir os produtos certos nas prateleiras dos diferentes supermercados da rede,

buscando atingir os consumidores certos, nos locais certos.

3.3.5. Prover o que o consumidor deseja, onde deseja e quando deseja

É comum pensar que os consumidores tendem a comprar sempre por impulso. No

entanto, se for feita uma análise baseada no padrão de compras que as pessoas fazem e

na quantidade financeira gasta, a maior parte do orçamento financeiro pessoal é

destinada à compra de bens duráveis (IPEA, 2014). Nesses casos, o consumidor costuma

se planejar antes de adquirir tais bens. Uma aplicação Lean de consumo consiste no

consumidor avisar com antecedência o produtor ou vendedor do que deseja comprar no

futuro. Empresas que vendem pacotes de cruzeiro costumam utilizar essa abordagem,

fornecendo descontos para os clientes que compram os pacotes com antecedência. Por

29

outro lado, aqueles consumidores que não desejam aguardar para obter um bem ou

serviço estão dispostos a pagar um premium para obtê-los naquele momento, ou seja,

estão dispostos a pagar mais caro. É importante, então, que as empresas que seguem a

mentalidade enxuta consigam alinhar sua cadeia de fornecimento de forma a produzir e

distribuir produtos customizáveis em um menor tempo, com possível custo e preço

maiores, e produzir e vender uma grande quantidade de produtos com antecedência

seguindo as especificações do consumidor, possivelmente a um custo e preço menores.

3.3.6. Continuamente procurar solucionar os problemas do

consumidor

Existem ainda áreas em que os consumidores sofrem com diversos problemas e que a

abordagem Lean poderia ser eficaz, como, por exemplo, na mobilidade, comunicação,

abrigo, sistemas de saúde e serviços financeiros. Para que o consumo enxuto seja eficaz

é importante que haja uma sinergia entre os consumidores e os provedores de serviços,

de forma que um auxilie o outro a melhorar continuamente os processos a fim de sempre

atingir os princípios mencionados anteriormente.

Avanços na tecnologia da informação, de forma a auxiliar o gerenciamento da logística

dos prestadores de serviços e conectar os consumidores e seus provedores, poderá

levantar muitas barreiras técnicas na resolução desses problemas e implementação de

soluções menos custosas. Ainda, conforme provedores e consumidores forem tendo uma

comunicação cada vez mais aberta, clara e verdadeira, poderão planejarem em conjunto

e no longo prazo ações que os beneficiariam mutuamente.

Em uma abordagem prática, quando a filosofia Lean é aplicada aos serviços, é

importante mapear o processo de consumo para buscar entender quais são os pontos que

não agregam valor ao consumidor final. Esse mapeamento deve ser seguido com a

quantificação do tempo levado para a realização de cada etapa, sendo assim possível

identificar a diferença entre o tempo percebido pelo consumidor como valor e o tempo

total despedido em suas atividades.

Além de mapear os processos envolvidos na prestação do serviço, deve-se ter em mente

que o consumo deve estar atrelado à provisão pelo prestador. Se houver quaisquer gaps,

eles devem ser analisados em busca de uma diminuição no tempo sem valor dispendido

30

pelo consumidor durante o processo. É importante também que o serviço atenda às

necessidades dos clientes e resolva suas demandas de forma eficaz. Para isso, é

fundamental conversar com eles e buscar entender previamente, antes mesmo de

qualquer forma de contato, o que desejam, além de procurar diagnosticar quaisquer

problemas e solucioná-los continuamente (WOMACK et al., 2005).

Entidades provedoras de serviços podem acreditar que realizar a análise dos processos

sob uma perspectiva Lean não seja suficientemente relevante e não venha a impactar

positivamente seu faturamento. No entanto, muitas empresas que seguem a abordagem

de consumo enxuta estão conseguindo diminuir seus custos e reter seus clientes,

intensificando a relação com o consumidor, que acabam preferindo-as em detrimento de

seus concorrentes (WOMACK et al., 2005).

31

3.4. A MENTALIDADE ENXUTA APLICADA AO

TRANSPORTE DE PASSAGEIROS – LEAN

TRANSPORTATION

No caso da metodologia ou mentalidade Lean aplicada ao transporte de passageiros, não

foram encontradas fontes substanciais sobre o tema, nem numerosos estudos de caso,

apenas um. Muitas podem ser as razões para que isso tenha acontecido, como a

existência de diversos stakeholders envolvidos no processo de transporte urbano

coletivo, cada um com seus próprios interesses, por exemplo o governo, as empresas de

ônibus e os passageiros, além de um ambiente de baixa concorrência no mercado, que

pode fazer com que os players não vejam como fundamental agradar aos consumidores

eficazmente, e, portanto, haja falta de interesse em aplicar uma metodologia enxuta, que

os tornaria ponto central e lhes daria prioridade máxima.

Para que haja um transporte eficaz de passageiros, existem atividades diretamente

relacionadas ao objetivo principal do serviço, por exemplo, os próprios ônibus

circulando nas ruas, além de atividades que suportam esse serviço, como a manutenção

e limpeza dos veículos, a sinalização e o controle de tráfego. Existem, no entanto,

diferenças entre o processo de transporte de passageiros e um processo de manufatura,

no qual, neste último, a metodologia Lean já foi amplamente aplicada (FIGUERA,

2010).

Em um sistema de manufatura, as matérias primas (Raw Materials) são processadas em

sequência, em diferentes estações ou departamentos (Inventory/Buffers). Todos os

produtos não acabados que ainda estão sendo processados são estoques intermediários

(WIP ou Work in Progress). Quando o produto se torna acabado, pode passar a fazer

parte de um estoque final (produtos acabados ou Finished Product) em armazéns, por

exemplo. O tempo total que uma unidade de produção demora para percorrer todo o

processo chama-se lead time, como explicitado no tópico 3.1 deste capítulo.

A Figura 1, que mostra a esquematização de um processo de manufatura, conforme

explicitado acima, está exemplificada abaixo.

32

Figura 1 - Exemplificação de processo de manufatura (FIGUERA, 2010, p. 18, tradução livre)

Por outro lado, o processo de transporte de passageiros inicia-se quando o consumidor

deseja se deslocar para algum lugar específico e destina-se a um ponto de ônibus para

isso. O cliente passa a ser considerado um “produto acabado” somente quando chega ao

destino final, mas já é considerado “processado” no momento em que entra no ônibus.

Nesse caso, os estoques intermediários são os passageiros viajando ou esperando nos

pontos de ônibus em um momento específico. Assim, o lead time é caracterizado pelo

tempo entre a decisão de se deslocar por parte do consumidor e o tempo em que chega

a seu destino final.

A Figura 2 foi exemplificada por FIGUERA (2010), em que é possível identificar que

os estoques intermediários (WIP) são compostos tanto por pessoas aguardando nos

pontos de ônibus, quanto por aqueles que estão dentro do ônibus realizando sua viagem,

antes de chegarem ao destino final.

Matéria

Prima

Fluxo do Produto

Entrega

Estoques

Intermediários

Produtos acabados

Atividade 1 Atividade 2

Vendas

33

Figura 2 - Exemplificação do processo de transporte de passageiros (FIGUERA, 2010, p. 19,

tradução livre)

O consumidor que solicita uma viagem de ônibus pode ser considerado a matéria prima

que entrará em processamento (mobilidade) assim que ele entrar no mesmo. No entanto,

os estoques finais que podem existir nos processos de manufatura são inexistentes

quando se trata do transporte de passageiros, pois a provisão do serviço ocorre em

conjunto com o consumo.

FIGUERA (2010) propôs uma metodologia que utiliza princípios da mentalidade enxuta

de forma a aplicá-la ao transporte público de passageiros, e, desta forma, gerar maior

valor aos consumidores que utilizam esse tipo de serviço. O quadro explicativo

encontra-se na Figura 3.

Figura 3- Metodologia de "Lean Transportation" (FIGUERA, 2010)

Análise do Processo

•Identificar o que é valor para o consumidor;

•Identificar a cadeia de valor do processo;

•Identificar os desperdícios (abaixo).

Processo de redução de

desperdícios

•Reduzir a variação no processo;

•Aumentar a integração;

•Aumentar a facilidade de utilização;

•Melhoria contínua, Kaizen.

Estoque

intermediário Estoque

intermediário

Estoque

intermediário

Movimento do passageiro

Movimento do ônibus

34

A análise do processo proposta por FIGUERA (2010) leva em consideração o

pensamento enxuto e seus princípios norteadores, explicitados novamente abaixo e que

podem ser revisitados em maiores detalhes no tópico 3.2 deste capítulo.

3.4.1. Definir o que é valor da perspectiva do consumidor do produto

ou serviço

O usuário de ônibus possui um perfil específico de acordo com a frequência, localidade

e objetivo com que utiliza o modal. Esses pontos devem ser levados em consideração

na classificação do que é valor para o estudo em questão.

3.4.2. Identificar todos os passos da cadeia de valor da produção do

produto ou fornecimento do serviço

A cadeia de valor do processo de transporte de ônibus deve ser mapeada, buscando um

entendimento aprofundado das etapas que geram valor ao usuário do serviço, a partir da

análise do tópico 3.4.1.

Ao fim da análise da cadeia de valor, é possível identificar não apenas aquilo que é

positivo para os usuários, mas também os desperdícios. É necessário, portanto, reduzir

tais desperdícios sob uma perspectiva enxuta, para que ocorra uma maximização da

geração de valor ao usuário.

No caso do transporte urbano de passageiros, é evidente que existem desperdícios que

são difíceis de serem totalmente retirados do processo. No entanto, para que mais valor

seja produzido para o consumidor final, no caso, o passageiro sendo transportado, é

imprescindível que haja um esforço de forma a diminuí-los ao máximo e deixar apenas

aquilo que é inerente ao processo. Abaixo, todos os sete desperdícios abordados na

produção enxuta são colocados de uma forma que se adequem à uma perspectiva Lean

para transportes.

35

Tabela 2 - Desperdícios encontrados em serviços de transporte (elaboração própria)

Desperdício Descrição

Transporte

Caminhar até o ponto de ônibus, de uma

estação para outra, da bilheteria até a entrada

do trem, em casos como metrôs, por exemplo.

Esperas

Esperar que o ônibus, trem, metrô, chegue até

o ponto ou plataforma, esperar em longas

filas em bilheterias, esperar para poder sair do

carro quando chegar no destino final, esperar

conexões, esperar paradas entre estações ou

pontos de ônibus, por exemplo.

Movimentação

Desnecessária

Subir escadas e apertar botões para sinalizar

descidas em ônibus, por exemplo.

Estoques

Transporte não adequado à demanda, com

ônibus ou trens muito frequentes para a

densidade de certas áreas, por exemplo.

Processamento em Excesso

Checar novamente os bilhetes de passageiros,

carregar pessoas que não conseguiram chegar

em seu destino por algum motivo, por

exemplo.

Defeitos

Falta de pontualidade, viagens muito longas,

que demoram muito tempo, falta de

informação fazendo com que os passageiros

acabem incomodando os motoristas, por

exemplo.

Superprodução

Várias linhas de ônibus cobrindo áreas de

densidade populacional baixa e que não

possuem muita demanda, além de gastos

desnecessários com aquilo que não é valor

para o passageiro, por exemplo.

36

No processo de redução dos desperdícios, a redução da variação no processo, o aumento

da integração e o aumento da facilidade de utilização pelos consumidores, são os

responsáveis por causar um aumento da fluidez na cadeia de valor de transporte de

passageiros, permeando os outros três princípios da mentalidade enxuta, conforme

abaixo:

3.4.3. Fomentar ações que façam o valor fluir na cadeia

No caso de um transporte urbano de passageiros, é importante tentar reduzir ao máximo

todas as variações no processo e desperdícios não incidentais e não inerentes ao

processo, que apenas deixam o usuário insatisfeito e torna o serviço pior. Por exemplo,

é importante que todas as informações necessárias estejam dispostas para o usuário de

forma simplificada e compreensível, que haja adequações para mobilidade limitada, que

sejam retirados os obstáculos que possam obstruir o fluxo de passageiros e/ou de entrada

e saída, dentre outras ações que busquem uma maior satisfação dos usuários e

consequente geração de valor.

3.4.4. Apenas realizar aquilo que é puxado pelo consumidor final,

assim como no sistema Just-in-Time

No contexto do transporte de passageiros, essa ação significaria uma necessidade do

usuário a ser transportado solicitar o transporte para que o veículo pudesse ser

encaminhado e começasse a seguir viagem.

3.4.5. Buscar a perfeição continuamente procurando diminuir os

desperdícios

Por fim, essa ação retorna o conceito de kaizen, explicitado no tópico 3.1.8 do presente

capítulo, em que é fundamental que o processo esteja sempre se retroalimentando

buscando a melhoria contínua.

Levando-se em consideração toda a abordagem metodológica Lean, desde sua fundação

na Toyota com conceitos de 5S, Just-in-time, eliminação de desperdícios, kanban,

padronização, nivelamento, qualidade no processo e melhoria contínua, seus

desdobramentos nas aplicações em serviços diversos nos quais é importante resolver os

problemas do consumidor por completo, não gastar seu tempo, prover exatamente o que

ele deseja, onde deseja, quando deseja e continuamente procurar resolver seus

37

problemas, até a utilização no transporte de passageiros, conforme explicitado no

presente tópico, o estudo de caso presente no próximo capítulo foi elaborado, buscando-

se maximizar a geração de valor aos usuários do transporte coletivo de ônibus do Rio

de Janeiro, especificamente os da linha 485.

4. ESTUDO DE CASO

Conforme método de pesquisa abordado no capítulo 2, foi elaborado um estudo de caso

de forma a entender a problemática apontada, utilizando a mentalidade enxuta aplicada

aos serviços e ao transporte de passageiros, explicitada no capítulo 3.

Para a análise do estudo de caso foi criada uma metodologia própria que leva em

consideração não somente os princípios norteadores da abordagem Lean, mas também

uma comparação a uma situação ideal, buscando análises quantitativas e qualitativas

comparativas, além da proposição de uma situação futura. Essa metodologia está

resumida na Figura 4.

Figura 4- Metodologia do Estudo de Caso (elaboração própria)

Estabelecer um plano de implementação para chegar ao mapa futuro a partir do mapa atual

Aproximar à realidade e fornecer um mapa futuro do fluxo de valor

Desenhar um mapa ideal do fluxo de valor baseado em alternativas de transporte

Analisar quantitativamente quanto de valor é agregado ao cliente

Caracterizar as atividades do mapa atual em agregadores de valor ou desperdícios

Identificar o mapa atual do fluxo de valor do serviço

Identificar o que é valor para o cliente

Mel

hori

a c

on

tín

ua

38

Primeiramente, é importante estabelecer o que é valor para o cliente, no caso, o usuário,

estudante, que utiliza a linha de ônibus 485, e definir as diversas variáveis a serem

analisadas, primeiro princípio norteador da abordagem enxuta aplicada aos serviços.

Essas definições deverão ser feitas tendo como base suas características,

individualidades e contexto, tendo em vista que as particularidades de diferentes grupos

de indivíduos podem levar a resultados diferentes.

Após essa visão inicial, desenha-se o mapa da cadeia de valor atual do serviço,

baseando-se na realidade e indo a campo. A próxima etapa consiste em caracterizar as

atividades do mapa de valor atual em agregadoras de valor ou desperdícios, para, então,

analisar em termos quantitativos o quanto de valor é agregado ao cliente ao utilizar o

serviço atual, considerando os tempos cronometrados em campo para os cálculos e,

ainda, aspectos qualitativos.

A sexta etapa consiste em desenhar um mapa ideal da cadeia de valor baseando-se em

alternativas de transporte, buscando-se eliminar os desperdícios encontrados na etapa

anterior. A análise da alternativa é feita utilizando o mesmo método quantitativo e

qualitativo utilizado na análise do mapa de valor atual. Depois, deve-se aproximar esse

mapa ideal à realidade, fornecendo um mapa futuro de valor do serviço em questão. É

importante estabelecer um plano de implementação para que o mapa atual consiga

chegar ao mapa futuro de forma consistente. Por fim, deve haver uma revisão constante

do serviço, retroalimentando sempre o método proposto em busca da melhoria contínua,

kaizen, e crescente satisfação dos clientes.

4.1. ANÁLISE PRELIMINAR DA SITUAÇÃO ATUAL

Neste tópico, serão analisadas as percepções de valor para o cliente que utiliza a linha

de ônibus do estudo em questão e o mapa do estado atual da cadeia de valor de um

transporte de passageiros de ônibus será desenhado, buscando, assim, classificar suas

atividades em agregadores de valor ou desperdícios, conforme metodologia Lean,

apresentada no capítulo 3.

39

4.1.1. Dimensões de valor

Para o usuário frequente dessa linha de ônibus, que necessita desse meio de transporte

tanto para chegar, quanto para sair do Fundão, existem variáveis que são consideradas

fundamentais para que o serviço seja considerado satisfatório sob uma perspectiva de

geração de valor. Essas variáveis, então, podem ser traduzidas pelo termo “valor”, ou

seja, o que o cliente busca ao utilizar o serviço.

Uma pesquisa realizada na cidade de São Paulo, divulgada em 2015 no Diário de São

Paulo, desenvolvida por diversas entidades que estudam mobilidade urbana na capital

paulista, ouviu mais de trezentas pessoas usuárias frequentes de ônibus, buscando

entender o que elas consideravam valor em um transporte rodoviário urbano. O

resultado foi uma ênfase nos aspectos relacionados ao conforto, preço da tarifa, maior

frequência entre os ônibus e menos tempo no trânsito.

A partir dessas informações e do artigo escrito por Robert A. Dunning e Thomas M.

Richert, em 2001, sobre os benefícios do Personal Rapid Transit (PRT), foi concluído

que seis variáveis seriam analisadas no presente estudo relacionadas ao que leva valor

aos passageiros de um sistema de transporte, especificamente os ônibus.

A primeira variável considerada valor para o cliente é o transporte, que significa ser

levado de um local até o seu destino, sem esperas e em um tempo razoável.

A segunda variável de valor é a segurança, que pode ser traduzida pela não ocorrência

de acidentes envolvendo o ônibus ou assaltos e outras situações relacionadas à

criminalidade, tendo em vista que a linha opera no Rio de Janeiro, uma cidade com altos

índices de violência.

A terceira variável de valor é o conforto, ou seja, haver uma temperatura adequada

dentro do ônibus com a disponibilização de ar-condicionado durante o verão,

possibilidade de manter as janelas fechadas em caso de chuva, passageiros irem sentados

durante o trajeto, lotação adequada, dentre outros.

A quarta variável de valor é a conveniência, ou seja, a possibilidade de usufruir do

serviço da melhor forma possível, estando disponível quando o usuário precisa e em

uma localidade conveniente.

40

A quinta variável é a previsibilidade, ou seja, de acordo com as condições de trânsito, o

usuário ser capaz de estimar o tempo de chegada ao destino.

Por fim, a última variável é o custo, que é quanto o cliente desembolsa para utilizar o

serviço.

4.1.2. Mapa atual da cadeia e do fluxo de valor

ROTHER e SHOOK (2003) desenvolveram uma ferramenta denominada Mapa de

Fluxo de Valor onde são mapeados os fluxos de todos os materiais e informações

relevantes em processos de manufaturas. Apesar da aplicação ter sido primariamente

aplicada no ambiente fabril, o conceito estende-se para quaisquer outros setores quando

a mentalidade enxuta é abordada.

FERRO (2007) conceitua o Mapeamento de Fluxo de Valor como “uma ferramenta

capaz de olhar para os processos de agregação de valor horizontalmente”. Por meio

dessa análise é possível, então, ter uma visão sistêmica do processo e saber onde atuar

para eliminar os desperdícios e maximizar a geração de valor.

A análise do presente estudo foi feita a partir da percepção de uma estudante moradora

de Ipanema que estuda Engenharia na UFRJ. Assim, o recorte utilizado para a

elaboração dos mapas levou em consideração o trajeto da estudante ao sair de sua casa

em Ipanema, pegar o ônibus no ponto inicial na praça General Osório1 até chegar à sala

de aula I-105 do Centro de Tecnologia, no Fundão, para ida, e o respectivo caminho

inverso, para volta.

1 Verificar o capítulo 1, introdução, onde a mudança de rota da linha de ônibus é explicitada.

41

O mapa atual da cadeia de valor e suas atividades são ilustrados na Figura 5.

Figura 5- Fluxo de Valor de um usuário utilizando ônibus (elaboração própria)

As atividades que podem ser encontradas no mapa atual são:

Caminhar até o ponto de ônibus;

Esperar o ônibus;

Percorrer trajeto (em trânsito);

Parar para embarque / desembarque de passageiros;

Caminhar até o destino final.

4.1.3. Caracterização das atividades em valor ou desperdício

As atividades do mapa atual foram agrupadas em três categorias, tendo em vista a

necessidade de entendimento daquilo que gera ou não valor ao cliente, sob a perspectiva

enxuta.

A primeira categoria refere-se àquelas atividades de valor, ou seja, enquanto estão sendo

realizadas agregam 100% de valor ao cliente, totalmente ligadas à razão de ser do

serviço e o que levou o cliente a utilizá-lo.

Caminhar até o ponto de ônibus

Esperar e entrar no ônibus

Percorrer trajeto

Caminhar até destino

final

Parar para Embarque /

Desembarque de Passageiros

Em trânsito

42

A segunda e terceira categorias referem-se aos desperdícios, ou seja, atividades que em

si não agregam valor ao cliente, os mudas, explicitado no tópico 3.1 do capítulo 3. Na

segunda categoria foram colocados os desperdícios incidentais, caracterizados nesse

trabalho como aquilo que o cliente reconhece que é necessário para completa realização

do serviço, porém não reconhece como sendo valor. Por fim, na terceira categoria estão

os desperdícios totalmente sem valor, quando o cliente não reconhece necessidade

alguma na existência das atividades pertencentes à categoria, ou seja, são aqueles

desperdícios que devem ser eliminados.

Figura 6 - Caracterização das atividades em valor e desperdícios (elaboração própria)

Caracterizando as atividades do mapa de fluxo de valor atual do transporte de

passageiros no ônibus, pode-se estabelecer que a atividade de ônibus em trânsito é valor

ao cliente, pois está totalmente ligada ao objetivo do serviço, que é transportar usuários

de um local até seu destino.

A partir do conceito de desperdício relacionado aos serviços de transporte, abordado no

tópico 3.4 do capítulo 3, é possível constatar que a atividade de caminhar até o ponto de

ônibus é um desperdício incidental, assim como as atividades de caminhar até o destino

final e as paradas de embarque/desembarque de passageiros. Elas precisam ocorrer para

que haja a completa utilização/realização do serviço da forma como ele é concebido

atualmente, pois é inevitável que paradas ocorram em transportes em massa para

Desperdícios totalmente sem valor

para o cliente

Desperdícios incidentais para o

cliente

Atividades que agregam

valor ao cliente

43

desembarque e embarque de passageiros e que o usuário se dirija até o local do ponto

de ônibus e do ponto de ônibus até o seu destino.

No entanto, a atividade de esperar o ônibus foi considerada como desperdício totalmente

sem valor ao cliente, pois é esperado que os ônibus sigam os horários tabelados ao

saírem do ponto inicial na praça Ipanema General Osório. Assim, se o usuário calcula e

chega no horário estabelecido no ponto de ônibus, e ainda assim tem que esperá-lo, é

um desperdício totalmente sem valor e fora das expectativas do cliente.

4.2. ANÁLISE QUANTITATIVA DA SITUAÇÃO ATUAL

Nesta parte do capítulo 4, serão feitas análises quantitativas necessárias para avaliar o

quanto de valor é gerado ao usuário da linha de ônibus 485, que sai de Ipanema e tem

destino final a Ilha do Fundão.

Analisando o mapa atual do fluxo de valor, e considerando que a única atividade que

leva valor ao cliente é o ônibus em trânsito, a variável transporte foi avaliada para que

esse valor pudesse ser quantificado.

Por outro lado, tendo em vista que as variáveis de segurança, conforto, conveniência e

previsibilidade, são naturalmente qualitativas, elas serão avaliadas e quantificadas

separadamente no tópico 4.3 deste capítulo.

Ainda, tendo em vista que a variável custo só pode ser avaliada comparativamente, ela

só será inserida no tópico 4.4 quando houver a análise da alternativa de transporte. Na

análise da situação atual adota-se como premissa que seu valor agregado ao usuário é

de 100%, pois o ônibus é o meio de transporte mais barato que se tem atualmente para

realização do trajeto em questão.

4.2.1. Variável transporte

A análise quantitativa dessa variável foi feita segundo os tempos medidos indo a campo.

Foram medidos os tempos de transporte do usuário, ou seja, quanto tempo ele leva para

ir de sua casa até o ponto de ônibus, da sala de aula até o ponto de ônibus e vice-versa;

os tempos de espera do usuário, ou seja, a espera pelo ônibus e a espera móvel, conceito

que será explicado mais adiante no tópico 4.2.4; o tempo em trânsito do ônibus e o

tempo do ônibus parado para embarque / desembarque de passageiros.

44

Foram feitas cinco observações no trajeto de ida e três observações no trajeto de volta

durante um período de dois meses indo ao Fundão uma vez por semana, devido a

necessidade de sentar-se no ônibus para facilitar a coleta de dados, situação rara.

Nesse caso, um tamanho de amostra relativamente pequeno faz com que os resultados

sejam bastante sensíveis aos outliers, que em estatística quer dizer um valor atípico, uma

observação que apresenta um grande afastamento das demais da série (GLADWELL,

2008).

Esse fator, contudo, não influencia a qualidade do presente estudo devido à sua natureza,

já que dias atípicos, em que ocorre algum engarrafamento anormal por conta de

acidentes, por exemplo, por mais que sejam raros, não devem ser ignorados, pois causam

grande insatisfação nos usuários do serviço. Portanto, é interessante analisar o efeito dos

outliers, e, assim, uma amostra de valores cinco e três é razoável.

4.2.2. Escolha do “Tempo Padrão”

Ao analisar-se a variável transporte, é notório que o usuário de ônibus valoriza chegar

em um tempo razoável ao seu destino, e, por conta disso, é fundamental o

estabelecimento de um tempo padrão de viagem entre o ponto inicial e final, para que

as análises sejam estruturadas tendo como base esse tempo como perspectiva de valor.

No caso do ônibus da linha 485, o trajeto é percorrido passando por vários bairros da

Zona Sul e pelo Centro do Rio de Janeiro, sendo a única linha atualmente na cidade que

o realiza.

No entanto, para quem mora em Ipanema, o trajeto tido como ideal, ou seja, menos

quilômetros percorridos para chegar ao destino, seria ir pela Lagoa e pegar o túnel

Rebouças para chegar ao Fundão, em um trajeto de aproximadamente 18 km, entre 25

e 30 minutos de duração, como explicitado na Figura 72.

2 Importante salientar que os horários em que foram tirados os respectivos print screens foram os horários

em que a usuária do estudo em questão estava saindo de casa para ir ao Fundão e voltando do Fundão

para casa, e foram considerados válidos segundo a experiência da autora.

45

Figura 7 - Caminho percorrido Fundão x Ipanema pelo Túnel Rebouças, ida e volta (Google Maps)

Assim, tomou-se o tempo padrão dos dois trajetos, tanto na ida, quanto na volta. A

escolha desse tempo padrão foi feita consultando o Google Maps. Esse tempo padrão é

o tempo em que se levaria para chegar de carro ao destino em condições típicas dos

horários em que a usuária deste estudo costuma utilizar o transporte urbano coletivo. O

recorte foi feito a partir da casa da estudante em Ipanema até a Rua Athos Silveira

Ramos, em frente ao ponto do ônibus 485, no Centro de Tecnologia, Fundão.

A escolha do tempo padrão via Rebouças foi de vinte e cinco (25) minutos na ida até o

Fundão e de vinte e nove (29) minutos na volta do Fundão até Ipanema, considerando

que o trajeto de volta sempre apresenta um pouco mais de trânsito no horário analisado,

além de não haver diferenças significativas na quantidade de quilômetros percorridos

(4,3%), como mostra a Figura 7.

Já a escolha do tempo padrão via túnel St. Bárbara foi de trinta e nove (39) minutos na

ida e trinta e cinco (35) minutos na volta, apesar do tempo poder variar até cinquenta e

cinco (55) minutos devido às condições de trânsito. A escolha do tempo padrão da volta

46

deu-se levando em consideração que o caminho percorrido é consideravelmente menor

na volta (12,4%), apesar das condições de trânsito, como mostra a Figura 83.

Figura 8 - Caminho percorrido Fundão x Ipanema pelo Túnel Santa Bárbara, ida e volta (Google

Maps)

A análise da variável transporte nos trajetos de ida e volta, considerando os tempos

padrões apresentados, será realizada nos próximos tópicos.

3 Importante salientar que os horários em que foram tirados os respectivos print screens foram os horários

em que a usuária do estudo em questão estava saindo de casa para ir ao Fundão e voltando do Fundão

para casa de carro, e foram considerados válidos segundo a experiência da autora.

47

4.2.3. Variável transporte no trajeto de ida

O resumo dos tempos coletados no trajeto de ida segue na Tabela 3.

Tabela 3 - Tempos coletados no trajeto de ida no ônibus da linha 485, em minutos (elaboração

própria)

1 2 3 4 5 Total Média

Dia

Tempo Total ônibus 0:53 0:54 0:52 0:53 0:54 4:26 0:53

Tempo Parado

(Embarque/Desembarque)0:07 0:03 0:07 0:03 0:06 0:29 0:05

Tempo em trânsito 0:45 0:50 0:44 0:49 0:47 3:56 0:47

Ônibus

Esperas 0:06 0:15 0:04 0:01 0:01 0:27 0:05

Tempo em trânsito 0:20 0:22 0:20 0:20 0:21 1:43 0:20

Tempo Total Usuário+Ônibus = T(t) 1:19 1:31 1:16 1:14 1:16 6:36 1:19

Usuár

io

Os dados referem-se às cinco observações (Dia 1, Dia 2, Dia 3, Dia 4 e Dia 5), sendo a

coluna “total” referente ao somatório desses tempos e a coluna “média” referente ao

somatório desses tempos dividido pelo número de observações (Média = Total/5).

As linhas foram divididas em atividades realizadas pelo ônibus e atividades realizadas

pelo usuário.

A atividades realizadas pelo ônibus são duas:

Ônibus parado para embarque e desembarque de passageiros (2ª linha);

Ônibus em trânsito (3ª linha).

O somatório dessas duas atividades é o tempo total das atividades do ônibus (1ª linha).

As atividades realizadas pelo usuário são duas:

Espera pelo ônibus (4ª linha);

Deslocamento de casa até o ponto de ônibus e do ponto de ônibus até a sala de

aula (5ª linha, “Tempo em Trânsito”).

O tempo total do trajeto, ou seja, das atividades do ônibus e do usuário é T(t).

A média de T(t) das observações é de 1 hora e 19 minutos. Isso significa que, em média,

um usuário saindo de Ipanema demora 1 hora e 19 minutos para chegar ao Fundão

pegando o ônibus da linha 485.

48

Para a análise de valor, é importante utilizar um tempo padrão como base, como

mencionado anteriormente. O tempo padrão será definido como T(p), havendo o tempo

padrão do trajeto pelo Rebouças e o tempo padrão do trajeto pelo St. Bárbara. O tempo

padrão T(p) dividido pelo tempo total T(t) fornece o máximo de valor que o serviço pode

proporcionar ao usuário, como mostrado na Tabela 4, sendo 32% de máximo de valor

se comparado ao trajeto pelo Rebouças e 49% de máximo de valor se comparado ao

trajeto pelo St. Bárbara.

Tabela 4 - Resumo do Tempo Padrão T(p) nos trajetos de ida via Túnel Rebouças e Túnel Santa

Bárbara (elaboração própria)

Esse máximo de valor aconteceria se no processo só houvesse atividades que

agregassem 100% de valor ao cliente e não houvesse nenhum desperdício. Como não é

o caso, agrupou-se as atividades nas categorias de valor, desperdício incidental e

desperdício totalmente sem valor para obter a Tabela 5, em que as atividades de valor

encontram-se em verde, as de desperdício incidental em cinza e as de total desperdício

em vermelho.

Tabela 5 - Percentual de valor agregado nas atividades de ida na linha de ônibus 485(elaboração

própria)

AtividadesValor ou

Desperdício% sem T(p) % X Rebouças % X St Barbara

Tempo em trânsito ônibus

Total de Valor100% 60% 19% 29%

Tempo Parado (Embarque/Desembarque)22% 7% 2% 4%

Tempo em trânsito cliente78% 26% 8% 13%

Total Incidental100% 33% 11% 16%

Esperas do cliente

Total Desperdício100% 7% 2% 3%

% de Valor

A única atividade que agrega 100% de valor ao cliente é o ônibus em trânsito (1ª linha).

As atividades que somam 100% de desperdício incidental são o ônibus parado para

embarque/desembarque (2ª linha) e o trânsito do cliente (3ª linha) para ir de sua casa até

49

o ponto de ônibus e do ponto de ônibus até a sala de aula. Das atividades de desperdício

incidental total (4ª linha), 22% do tempo corresponde a atividade do ônibus parado para

embarque/desembarque e 78% do tempo corresponde à atividade de trânsito do cliente.

A única atividade que apresenta 100% de desperdício totalmente sem valor é a espera

do cliente pelo ônibus (5ª linha).

No cálculo do percentual de valor ou desperdício que cada atividade contribui para o

serviço foram apresentados os resultados não comparados a nenhum tempo padrão (3ª

coluna), resultados comparados ao tempo padrão no trajeto do Rebouças (4ª coluna) e

resultados comparados ao tempo padrão no trajeto do St. Bárbara (5ª coluna).

Portanto, existe 19% de valor no serviço da linha 485 para um estudante que mora em

Ipanema e deseja se deslocar até o Centro de Tecnologia no fundão se comparado a um

trajeto feito de carro pelo Rebouças e 29% de valor no serviço se comparado a um trajeto

feito de carro pelo St. Bárbara.

4.2.4. Variável transporte no trajeto de volta

O resumo dos tempos coletados no trajeto de volta segue na Tabela 6.

Tabela 6 - Tempos coletados no trajeto de volta no ônibus da linha 485, em minutos (elaboração

própria)

1 2 3 Total Média

Dia

Tempo Total ônibus 01:03 01:23 01:16 03:42 01:14

Tempo Parado (Embarque/Desembarque) 00:04 00:07 00:05 00:18 00:06

Tempo em trânsito 00:58 01:15 01:10 03:23 01:07Ônib

us

Esperas 00:02 00:04 00:07 00:13 00:04

Tempo em trânsito 00:28 00:25 00:21 01:14 00:24

Espera Móvel 00:17 00:17 00:23 00:57 00:19

Tempo Total Usuário+Ônibus = T(t) 1:33 1:52 1:44 5:09 1:43

Usuário

Os dados referem-se às três observações (Dia 1, Dia 2, Dia 3), sendo a coluna “total”

referente ao somatório desses tempos e a coluna “média” referente ao somatório desses

tempos dividido pelo número de observações (Média = Total/5).

50

As linhas foram divididas em atividades realizadas pelo ônibus e atividades realizadas

pelo usuário, da mesma forma que no trajeto de ida, explicado anteriormente.

No entanto, existe uma nova atividade chamada de “espera móvel”. O ônibus só sai da

Cidade Universitária quando atinge lotação máxima, conseguindo pegar o maior número

de passageiros possível. Logo, ele fica circulando dentro do Fundão, passando várias

vezes pelo mesmo ponto, até que finalmente saia da Ilha em busca de seu destino.

Na volta, então, existe um trade-off para o usuário de ônibus, pois se ele desejar ir

sentado em horário de pico, terá necessariamente que passar pela “espera móvel”, pois

para ele conseguir sentar-se, o ônibus não pode estar cheio, e se ele não está cheio, ele

fica circulando até atingir máxima lotação. Por outro lado, se o usuário pegar o ônibus

já lotado e quiser ir em pé, é provável que o ônibus saia direto para seu destino,

resultando em um tempo total T(t) menor de viagem, porém com muito menos conforto,

impactando negativamente na análise qualitativa da perspectiva de valor.

A média de T(t) das observações é de 1 hora e 43 minutos. Isso significa que, em média,

um usuário saindo do Fundão demora 1 hora e 43 minutos para chegar à Ipanema

pegando o ônibus da linha 485, com uma espera móvel média de 19 minutos. Ou seja,

em média, o ônibus fica circulando 19 minutos dentro do Fundão, para só depois seguir

rumo à Ipanema.

Novamente, o tempo padrão T(p) dividido pelo tempo total T(t) fornece o máximo de

valor que o serviço pode proporcionar ao cliente, como mostrado na tabela abaixo, sendo

28% de máximo de valor se comparado ao trajeto pelo Rebouças e 34% de máximo de

valor se comparado ao trajeto pelo St. Bárbara.

Tabela 7 - Resumo do Tempo Padrão T(p) nos trajetos de volta via Túnel Rebouças e Túnel Santa

Bárbara (elaboração própria)

Esse máximo de valor aconteceria se no processo só houvesse atividades que

agregassem 100% de valor ao cliente e não houvesse nenhum desperdício. Como não é

51

o caso, agrupou-se as atividades nas categorias de valor, desperdício incidental e

desperdício totalmente sem valor para obter a Tabela 8.

Tabela 8 - Percentual de valor agregado nas atividades de volta na linha de ônibus 485(elaboração

própria)

AtividadesValor ou

Desperdício% sem T(p) % X Rebouças % X St Barbara

Tempo em trânsito ônibus (sem espera móvel)

Total de Valor100% 50% 14% 17%

Tempo Parado (Embarque/Desembarque) 20% 3% 1% 1%

Tempo em trânsito cliente 80% 24% 7% 8%

Total Incidental 100% 27% 8% 9%

Esperas do cliente 19% 4% 1% 1%

Espera Móvel 81% 18% 5% 6%

Total Desperdício 100% 23% 6% 8%

% de Valor

A única atividade que agrega 100% de valor ao cliente é o ônibus em trânsito (1ª linha),

desconsiderando a espera móvel, que é o tempo em que o ônibus permanece em trânsito

ou parado dentro do Fundão.

As atividades que somam 100% de desperdício incidental são o ônibus parado para

embarque/desembarque (2ª linha) e o trânsito do usuário (3ª linha) para ir da sala de aula

ao ponto de ônibus e do ponto de ônibus até sua casa. Das atividades de desperdício

incidental total (4ª linha), 20% do tempo corresponde à atividade de ônibus parado para

embarque/desembarque e 80% do tempo corresponde à atividade de trânsito do cliente.

As atividades que somam 100% de desperdício totalmente sem valor (7ª linha) são a

espera do cliente pelo ônibus (5ª linha) e a espera móvel (6ª linha). Sendo que, dessas

atividades, 19% do desperdício totalmente sem valor corresponde à atividade de espera

do cliente e 81% corresponde à atividade de espera móvel.

No cálculo do percentual de valor ou desperdício que cada atividade contribui para o

serviço, foram apresentados os resultados não comparados a nenhum tempo padrão (3ª

52

coluna), resultados comparados ao tempo padrão no trajeto do Rebouças (4ª coluna) e

resultados comparados ao tempo padrão no trajeto do St. Bárbara (5ª coluna).

Portanto, existe 14% de valor no serviço da linha 485 para um estudante que mora em

Ipanema e deseja deslocar-se do Centro de Tecnologia no Fundão até sua casa, se

comparado a um trajeto feito de carro pelo Rebouças e 17% de valor no serviço se

comparado a um trajeto feito de carro pelo St. Bárbara.

4.3. ANÁLISE QUALITATIVA DA SITUAÇÃO ATUAL

As variáveis que exprimem a qualidade do serviço estudado e que foram apresentadas

no tópico 4.1.1 são a segurança, o conforto, a conveniência e a previsibilidade, e para

analisá-las sob o ponto de vista de geração de valor, foi feita uma análise multicritério

para avaliar o percentual de valor que o serviço de transporte urbano da linha 485 possui

na perspectiva dessas variáveis.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), realizado em 2012,

apresenta algumas causas comuns de insatisfação de usuários de ônibus, tais como o

tempo de espera pelo veículo, o não atendimento às solicitações de

embarque/desembarque, riscos envolvidos em direção perigosa ou conduta inadequada.

Ainda, o estudo apresenta as características necessárias para um bom transporte público

do ponto de vista de seus usuários, que inclui maior rapidez, disponibilidade, menor

custo e maior segurança.

Na análise das variáveis de qualidade, é importante levar em consideração que cada uma

delas possui uma importância diferenciada para o usuário frequente da linha 485 que

realiza o trajeto Ipanema – Fundão, cabendo à ele pesar o que mais e o que menos

importa para si.

O peso dessas variáveis foi atribuído segundo a escolha da usuária de ônibus moradora

de Ipanema, que forneceu sua perspectiva para o presente estudo, junto à percepção

extraída das pesquisas mencionadas neste e no tópico 4.1.1.

Assim, a análise não foi apenas subjetiva, mas baseada em um contexto. A estudante é

uma usuária frequente, que mora na cidade do Rio de Janeiro, onde a criminalidade é

uma questão delicada, estuda na Ilha do Fundão, não possui carro e faz trajetos de cerca

53

de 1 hora para ir e voltar da Faculdade, além de estar envolvida com atividades

extracurriculares e/ou estágios fora da Ilha.

Portanto, o valor de previsibilidade destoa dos demais em termos de importância

relativa, pois ela é fundamental para que a estudante possa comparecer aos

compromissos da Faculdade como provas, seminários e aulas, além de comparecer ao

estágio de forma pontual.

Tendo em vista que a usuária realiza o trajeto na linha de ônibus de ponta a ponta, ou

seja, da estação inicial até a estação terminal, a variável conforto foi tida como a segunda

mais relevante.

Do ponto de vista da segurança, considerando que muitas vezes a estudante leva

equipamento notebook para acompanhar as aulas e anotações diversas em cadernos,

existe uma importância relativa menor do que as já mencionadas, porém ainda relevante.

Por fim, à variável conveniência foi atribuída a menor importância relativa, tendo em

vista que a estudante não sofre com questões de mobilidade e possui uma saúde

adequada para a realização de caminhadas quando necessário.

Assim, a distribuição das variáveis segundo os pesos atribuídos a cada uma, de 0 a

100%, em que o somatório necessariamente deve atingir 100%, gerou o gráfico

apresentado na Figura 9.

Figura 9 - Distribuição das variáveis qualitativas (elaboração própria)

Previsibilidade; 40%

Conforto; 25%

Conveniência; 15%

Segurança; 20%

54

O resultado da análise multicritério é resumido na Tabela 9, em que a cada variável foi

atribuída uma pontuação, levando em consideração o quanto de valor é agregado ao

usuário de ônibus da linha 485 do ponto de vista de cada uma delas, sendo que 0 é a

pontuação mínima e 10 a pontuação máxima de valor.

As respectivas pontuações foram multiplicadas pelos pesos atribuídos a cada variável,

fornecendo uma pontuação ponderada por variável, que somadas fornecem o total de

valor que é agregado ao usuário da linha 485 em uma escala de 0 a 10.

Tabela 9 - Ponderação da análise multicritério para o ônibus (elaboração própria)

Variável Peso Pontuação 485 Ponderação

Previsibilidade 40% 6 2,4

Conforto 25% 2 0,5

Conveniência 15% 5 0,75

Segurança 20% 5 1

Total 100% 18 4,65

A pontuação atribuída a cada variável foi escolhida pela usuária frequente da linha 485,

que forneceu sua perspectiva para o presente estudo.

É importante salientar que esse foi o recorte adotado na presente análise, mas que para

haver resultados mais significativos seria necessária uma amostragem robusta o

suficiente que tivesse a capacidade de simular as preferências de toda a população

utilizadora do serviço da linha 485.

Portanto, sendo uma avaliação com nota 10 considerada 100% de valor para o cliente,

a avaliação acima mostra que, do ponto de vista da qualidade, o serviço fornece apenas

46,8% de valor ao cliente.

55

4.4. ANÁLISE DA ALTERNATIVA DE TRANSPORTE

Para chegar a uma solução idealizada, é importante analisar as alternativas de transporte

existentes no trajeto Ipanema-Fundão.

O carro pode apresentar-se a princípio como uma alternativa viável, contudo, para um

usuário poder de fato utilizá-lo, ele deve comprá-lo, desembolsar dinheiro com a compra

de seguro, IPVA, manutenção, etc.

Assim, decidiu-se escolher um meio de transporte mais acessível a qualquer pessoa e já

disponível para análise: o táxi. Embora aplicativos como o Uber ou Cabify apresentem

um custo para o usuário inferior ao táxi, essas alternativas não foram analisadas, pois

defeririam apenas neste quesito, não tornando-se relevantes para o estudo em questão.

4.4.1. Mapa atual do fluxo de valor da alternativa

O mapa atual do fluxo de valor da alternativa, o táxi, pode ser visto na Figura 10, com

atividades semelhantes às analisadas na situação atual, quando o usuário utiliza a linha

de ônibus 485.

Figura 10 - Fluxo de Valor de um usuário utilizando táxi (elaboração própria)

Caminhar até o local do táxi

(porta de casa ou ponto de táxi)

Chamar e esperar um táxi

Percorrer trajeto

Descer em um ponto e caminhar até destino final

Em trânsito

56

As atividades que podem ser encontradas no mapa de fluxo de valor da alternativa são:

Caminhar até o local do táxi;

Chamar um táxi;

Percorrer trajeto (em trânsito);

Caminhar até o destino final.

4.4.2. Variável transporte

Na análise da variável transporte foi utilizada a mesma metodologia aplicada na análise

da situação atual do ônibus, no tópico 4.2.

A Tabela 10 e a Tabela 11 resumem a análise do trajeto de ida, que foram comparadas

apenas ao tempo padrão do trajeto pelo Rebouças, já que o táxi tem a possibilidade de

escolher o melhor caminho a seguir, diferentemente do ônibus, que deve seguir um

trajeto pré-estabelecido independente das condições de trânsito.

Tabela 10 - Resumo do Tempo Padrão T(p) nos trajetos de ida de táxi via Túnel Rebouças

(elaboração própria)

Tabela 11 - Percentual de valor agregado nas atividades de ida em táxi (elaboração própria)

Atividades Média Valor ou

Desperdício% sem T(p) % X Rebouças

Tempo em trânsito do taxi 0:29 100% 83% 59%

Tempo em trânsito cliente 0:05 100% 14% 10%

Chamar e esperar o táxi (cliente) 0:01 100% 3% 2%

% de Valor

Por inferência e experiência, é possível notar que o tempo em trânsito no táxi é, em

média, maior do que o tempo em trânsito em um carro próprio, tendo em vista que

terceiros costumam ser mais cuidadosos ao levarem passageiros sob seus cuidados.

O tempo padrão T(p) dividido pelo tempo total T(t) fornece o máximo de valor que o

serviço pode proporcionar ao cliente, como mostrado na Tabela 10, sendo 71% de

57

máximo de valor que poderia existir no serviço se comparado ao trajeto de carro pelo

Rebouças se não existissem desperdícios.

A coluna “valor” na Tabela 11 refere-se ao percentual de valor ou desperdício

(incidental ou totalmente sem valor) que cada atividade possui. A primeira atividade

possui 100% de valor, a segunda 100% de desperdício incidental e a terceira 100% de

desperdício totalmente sem valor.

Portanto, do ponto de vista da variável transporte, existe 59% de valor atribuído para

um estudante ao utilizar o serviço de um táxi saindo de Ipanema e indo até o Centro de

Tecnologia no Fundão, se comparado a um trajeto feito de carro pelo Rebouças.

A Tabela 12 e a Tabela 13 resumem a análise do trajeto de volta.

Tabela 12 - Resumo do Tempo Padrão T(p) nos trajetos de volta de táxi via Túnel Rebouças

(elaboração própria)

Tabela 13 - Percentual de valor agregado nas atividades de volta em táxi (elaboração própria)

Atividades MédiaValor ou

Desperdício% sem T(p) % X Rebouças

Tempo em trânsito do taxi 0:31 100% 86% 69%

Tempo em trânsito cliente 0:05 100% 14% 11%

Chamar e esperar o táxi (cliente) 0:00 100% 0% 0%

% de Valor

Na volta, o desperdício totalmente sem valor para o cliente é zero (0%), pois existe um

ponto de táxi na saída do Bloco A do Cento de Tecnologia, permitindo que o usuário

não precise esperar por um táxi.

O tempo padrão T(p) dividido pelo tempo total T(t) fornece o máximo de valor que o

serviço pode proporcionar ao cliente, como mostrado na tabela acima, sendo 81% de

máximo de valor que poderia existir no serviço se comparado ao trajeto de carro pelo

Rebouças.

58

Portanto, do ponto de vista da variável transporte, existe 69% de valor para um estudante

ao utilizar o serviço de um táxi que sai do Fundão até sua casa se comparado a um trajeto

feito de carro pelo Rebouças.

4.4.3. Variáveis de qualidade

A análise das variáveis de qualidade foi realizada exatamente da mesma forma que a

anterior referente ao ônibus, com os mesmos pesos para cada variável e fontes de

informação, utilizando-se a metodologia apresentada no tópico 4.3.

Nesse caso, a estudante que forneceu a visão e pontuou as notas referentes a cada critério

para o ônibus, fez o mesmo para o táxi e o resultado da análise é apresentado na Tabela

14.

Tabela 14 - Ponderação da análise multicritério para o táxi (elaboração própria)

Variável Peso Pontuação Táxi Ponderação

Previsibilidade 40% 9 3,6

Conforto 25% 10 2,5

Conveniência 15% 8 1,2

Segurança 20% 8 1,6

Total 100% 35 8,9

Portanto, utilizar o táxi para o trajeto em questão fornece, do ponto de vista da qualidade,

89% de valor ao cliente, muito superior ao que o serviço de ônibus fornece.

4.4.4. Variável de custo

O custo de um táxi na ida do trajeto Ipanema-Fundão é de aproximadamente R$41,004

e o custo na volta é de aproximadamente R$43,00.

Para analisar o valor agregado ao cliente sob a perspectiva de custo, é necessário atribuir

um custo padrão ao percurso, custo esse que corresponde à uma passagem de ônibus de

R$3,80, já que, sendo o meio de transporte mais barato para realizar o trajeto, agrega

100% de valor ao cliente, conforme mencionado na introdução deste capítulo.

4 Valores referentes a julho de 2016.

59

Desta forma,

Portanto, o valor agregado ao cliente do serviço de táxi, tanto na ida, quanto na volta, é

de apenas 9% sob a perspectiva da variável custo, condizente com o fato de que a

utilização de meios de transportes privados é mais cara, se comparada aos meios de

transportes públicos e coletivos.

4.5. MAPA DO FLUXO DE VALOR IDEAL

A partir da análise da alternativa, é possível desenhar um mapa do fluxo de valor ideal

do serviço de transporte Ipanema-Fundão, retirando os desperdícios encontrados e

maximizando o valor gerado ao usuário. O mapa do fluxo de valor ideal encontra-se na

Figura 11.

Figura 11 - Fluxo de Valor ideal de transporte (elaboração própria)

Nesse mapa, há a eliminação completa dos desperdícios totalmente sem valor para o

cliente, que são as esperas pelo ônibus ou táxi e espera móvel, além da eliminação

máxima possível dos desperdícios incidentais, caracterizados em grande parte pelo

Caminhar até uma localidade próxima (porta de casa ou

ponto mais próximo de onde

estiver)

Entrar no veículo de transporte

Percorrer trajeto

Caminhar até destino final sendo

deixado na localidade mais

próxima

Em trânsito

𝐶𝑢𝑠𝑡𝑜 𝑝𝑎𝑑𝑟ã𝑜

𝐶𝑢𝑠𝑡𝑜 𝑡á𝑥𝑖 𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 =

60

tempo em que o cliente permanece em trânsito e o tempo em que o ônibus fica parado

para embarque e desembarque de passageiros.

4.6. MAPA DO FLUXO DE VALOR FUTURO

O mapa do fluxo de valor futuro, que esboça a solução proposta do presente estudo de

caso, será construído tendo como base o referencial teórico abordado no capítulo 3 e o

desenho do mapa de fluxo de valor ideal, presente no tópico 4.5 do presente capítulo.

Após analisar quanto de valor é gerado ao usuário de transporte urbano coletivo, sob a

perspectiva Lean, para se chegar a uma solução à problemática apontada é fundamental

seguir os outros três passos da metodologia enxuta aplicada ao transporte de passageiros,

explicitada no tópico 3.4, que são:

Fomentar ações que façam o valor fluir na cadeia.

Apenas realizar aquilo que é puxado pelo consumidor final, assim como no

sistema Just-in-Time.

Buscar a perfeição continuamente procurando diminuir os desperdícios.

No processo de manufatura, uma forma de aumentar a capacidade da linha de produção

é aumentar a capacidade de cada máquina. Fazendo uma analogia com o transporte de

passageiros, seria aumentar o tamanho dos veículos urbanos de forma que

comportassem mais pessoas. No entanto, essa abordagem mostrou-se insuficiente por si

só no seu propósito, pois poderiam haver outras questões que impactassem o fluxo

produtivo, impedindo a linha de atingir sua capacidade máxima.

Por conta dessas limitações na abordagem tradicional, a mentalidade enxuta mostrou-se

mais eficaz, pois tem como objetivo levar fluidez aos processos e cadeia de valor como

um todo. No caso do transporte de passageiros, é importante que se foque nas viagens,

buscando utilizar ferramentas que maximizem sua fluidez.

Na abordagem tradicional de transporte em massa, os usuários são transportados em

grandes lotes pouco personalizados, que acabam impactando diretamente na fluidez das

viagens, pois acabam-se adicionando muitas esperas, fazendo com que a perspectiva de

valor diminua para o usuário.

61

É fundamental, portanto, que a nova solução busque um aumento na fluidez e

diminuição dos desperdícios. No caso de um processo produtivo, o Lean Production

mostrou-se eficaz ao inserir oito ferramentais que possibilitam esse aumento na fluidez,

que são a metodologia 5 S, o Just in Time, a eliminação de desperdícios, a utilização de

kanbans, a padronização da produção, o nivelamento da produção, a qualidade no

processo produtivo e a melhoria contínua. Já para o transporte de passageiros, buscando-

se maximizar a fluidez das viagens, podem ser aplicados os conceitos de produção

“puxada”, ao começar o serviço somente no momento em que o usuário o aciona, o

nivelamento da quantidade de viagens em uma certa localidade, a padronização dos

sistemas modais existentes, bem como sua integração, eliminação de desperdícios,

sinalizados já no mapa da solução ideal, aumento da qualidade no processo e, por fim,

a melhoria contínua deve ser sempre incentivada.

Do ponto de vista do consumo, tendo em vista que ele ocorre junto à provisão no caso

de transporte de passageiros, é fundamental seguir os seguintes passos, presentes em

maiores detalhes no tópico 3.3 do capítulo 3:

Resolver os problemas do consumidor por completo, sem que ele precise

despender seu tempo para que ocorra.

Não gastar o tempo do consumidor.

Prover exatamente o que o consumidor deseja.

Prover o que o consumidor deseja, onde ele deseja.

Prover o que o consumidor deseja, onde deseja e quando deseja.

Continuamente procurar solucionar os problemas do consumidor.

Nesse caso, o foco é na redução dos desperdícios relacionados às esperas dos usuários

e na provisão daquilo que ele deseja, onde deseja e quando deseja.

A alternativa de solução, então, busca servir lotes menores, para que haja um pouco

mais de personalização e o consumidor consiga solicitar o serviço quando quiser e onde

quiser. Os custos acabam sendo um pouco mais elevados do que os utilizados no

transporte em massa, porém, ainda podem ser factíveis com a realidade dos usuários

frequentes, basta que os lotes não sejam únicos (como no táxi) e sim médios.

62

A solução proposta, então, ao analisar a situação ideal e buscar uma solução factível e

implementável no curto prazo que siga a metodologia Lean, é a adoção de vans como

alternativa de transporte no trajeto Ipanema-Fundão.

As vans trazem maior flexibilidade e eliminação da Espera Móvel, desperdício

totalmente sem valor para o cliente, pois podem haver pontos de vans em cada centro

do fundão (CT, CCS, Letras, Reitoria) e em localizações estratégicas em Ipanema/Lagoa

(bairros com melhor saída para o Túnel Rebouças), contribuindo para o valor

conveniência percebido pelo cliente. Além disso, os pontos de vans poderiam ser

conectados via aplicativo aos estudantes dos centros, para que eles pudessem solicitar o

serviço para a hora em que fossem sair do Fundão e, assim, obter o serviço onde e

quando desejassem, auxiliando o próprio planejamento logístico com uma abordagem

“puxada”.

Sem dúvida alguma o trajeto feito por vans é mais rápido e com menos paradas, pois há

menos passageiros mesmo em sua lotação máxima, cerca de 12 pessoas, contribuindo

para o valor transporte.

Os lotes médios, que acabam por ser menores que os de um ônibus, porém maiores que

os de um táxi, contribuem para o valor segurança, já que é mais fácil controlar a

segurança em lotes menores. Além disso, é proporcionado maior conforto aos clientes,

pois todos os passageiros vão sentados.

Por fim, a van possui ainda a possibilidade de utilização da melhor rota (ir pelo túnel

Rebouças para quem mora em Ipanema) e ainda assim obter passageiros suficientes.

É importante salientar que a solução apresentada também pode ser diferenciada em

outros trajetos. Uma análise elaborada a partir dos tempos de parada para desembarque

/ embarque de passageiros em cada bairro que o ônibus passa, detalhada no apêndice A,

forneceu os gráficos da Figura 12 e da Figura 13, de ida e de volta, respectivamente.

63

Figura 12 - Tempos de parada para desembarque/embarque de passageiros em cada bairro, ida

(elaboração própria)

Figura 13 - Tempos de parada para desembarque/embarque de passageiros em cada bairro, volta

(elaboração própria)

Na Figura 13 pode-se ver que no trajeto de volta o ônibus passa cerca de 50% do tempo

total de viagem viajando apenas dentro do Fundão, mostrando que o processo poderia

Copacabana; 40%

Botafogo; 19%

Laranjeiras; 14%

Catumbi; 1%

Centro; 25%

Fundão; 1%Copacabana

Botafogo

Laranjeiras

Catumbi

Centro

Fundão

Fundão; 50%

São Cristóvão; 2%

Centro; 12%

Catumbi; 7%

Laranjeiras; 8%

Botafogo; 8%

Copacabana; 13%

Fundão

São Cristóvão

Centro

Catumbi

Laranjeiras

Botafogo

Copacabana

64

ser facilmente melhorado com a adoção da alternativa proposta, em que ocorre a

eliminação total da espera móvel.

Tendo em vista que os bairros de Botafogo, Centro e Laranjeiras possuem demandas

comparáveis às de Copacabana, é perfeitamente viável que a solução proposta faça tanto

o trajeto pelo Rebouças, atendendo à demanda de Copacabana, Ipanema, Lagoa e

Leblon, quanto o trajeto pelo St. Bárbara, atendendo à demanda do Centro, Laranjeiras

e Botafogo. É notório, inclusive, que os bairros do Catumbi e de São Cristovão

correspondem a uma parcela mínima da demanda, e que muitas vezes os motoristas, já

sabendo desse fato por experiência prévia, simplesmente pulam as paradas nesses

bairros na busca de realizar um trajeto mais curto e chegar mais rápido no destino.

Separando os caminhos das vans em dois trajetos, com saídas de diversos centros do

Fundão, eliminando a passagem em bairros com demanda praticamente irrelevante, a

solução torna-se ainda mais atraente do ponto de vista de diferentes clientes, não apenas

do morador de Ipanema. A solução, portanto, apresenta-se não apenas local e específica,

mas também mais global e abrangente.

O mapa do fluxo de valor futuro é desenhado, então, baseando-se em um transporte feito

por vans e é mostrado na Figura 14.

Figura 14 - Fluxo de Valor de um usuário utilizando a solução proposta (elaboração própria)

Caminhar até o ponto de vans

Entrar na van

Percorrer trajeto

Caminhar até destino final

sendo deixado em uma localidade

próxima desejada

Em trânsito

65

Nesta representação do fluxo de valor, são eliminados os desperdícios relacionados à

variável transporte, como os tempos de parada para embarque e desembarque e os

desperdícios de espera pelo veículo, tendo em vista que a solução é projetada para

atender ao usuário quando ele precisar, sendo conectada por aplicativos e gadgets

tecnológicos, conforme explicado anteriormente.

Assim, essa solução promove um aumento na geração de valor ao usuário estudante que

deseja ser transportado de Ipanema até a Ilha do Fundão, pois, além de haver uma

maximização de valor relacionada ao transporte, as variáveis qualitativas são afetadas

de forma positiva de maneira geral, a exceção da variável segurança, em que não foram

constatadas mudanças significativas entre uma solução e outra, apesar da premissa de

que há maior segurança em lotes menores, podendo esta ser explorada em detalhes em

estudos futuros.

As variáveis conveniência e previsibilidade são amplificadas, tendo em vista que foram

eliminadas as esperas, e a variável conforto também tem seu valor aumentado, pois

todos os usuários passam a ir sentados nessa solução.

66

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os objetivos propostos com esse projeto, sendo em termos gerais a

análise de uma linha de ônibus que opera na cidade do Rio de Janeiro, do ponto de vista

de geração de valor aos usuários estudantes que a utilizam, e, em termos específicos, o

estudo da metodologia Lean em suas diversas variantes, como a utilização na

manufatura, em serviços e no transporte urbano, a análise de alternativas frente à

situação problemática atual e a proposição de uma situação futura que aja como uma

solução segundo a perspectiva Lean, o trabalho em questão atendeu o grau de

complexidade proposto e o resultado esperado.

A proposição de solução leva em consideração as particularidades da cidade do Rio de

Janeiro, e em sentido amplo, do Brasil, e não se baseia em apontamentos de Estado da

Arte que possam existir e sejam suficientes para atendimento à problemática apontada,

pois levou-se em consideração a aplicabilidade da solução proposta.

Uma solução existente hoje, chamada Personal Rapid Transit (PRT), é totalmente

alinhada à abordagem Lean, em que funciona na forma de um modo de transporte

público com pequenos veículos automatizados que operam em uma rede de vias-guia

construídas especificamente para esse propósito. O PRT é um tipo de trânsito de trilho-

guia automatizado, uma classe de sistema que também inclui veículos maiores, como

metrôs e trens (DUNNING e RICHERT, 2001). Nela, os veículos são feitos sob medida

para viagens em pequenos grupos, carregando normalmente de três a seis passageiros

por veículo. As vias-guia são organizadas em forma de rede, com frequentes pontos de

fusão ou divergentes. Essa abordagem permite viagens contínuas, ponto-a-ponto,

ignorando todas as estações intermediárias, além de serem acionadas a partir do

momento em que o usuário chega na plataforma, sendo comparadas a viagens de táxi.

(DUNNING e RICHERT, 2001).

Apesar da solução de Personal Rapid Transit ser suficiente para responder à

problemática apontada, é importante ressaltar sua complexidade e necessidade de altos

investimentos públicos e convergência de interesses públicos e privados para sua

implementação eficaz. Por conta disso, a solução de vans proposta atende

suficientemente o propósito do projeto, sendo que uma análise aprofundada, com estudo

67

de viabilidade econômico-financeira e estrutural da implementação de uma solução de

PRT no Rio de Janeiro poderia ser abordada em estudos futuros.

A análise do estudo de caso finaliza na construção do modelo futuro com apresentação

de uma solução que atende aos requisitos da filosofia Lean. No entanto, é importante

que haja um plano de implementação ou roadmap para que a situação atual consiga se

transformar na situação desejada para o futuro, em que são destrinchadas as ações

necessárias, responsáveis, tempos de execução, indicadores e métricas de avaliação do

andamento da implementação. Cabe salientar que na cidade do Rio de Janeiro existe a

Coordenadoria de Transporte Complementar, que cuida de questões relacionadas à

legalidade de transportes alternativos, como as vans. A etapa de implementação não foi

abordada no estudo de caso, sendo outra sugestão de desdobramento para futuros

projetos e análises, levando em consideração os atores e órgãos envolvidos.

Outra sugestão de abordagem futura é um estudo amplo dos modais presentes na Cidade

do Rio de Janeiro em que seriam analisadas as percepções de valor dos diversos usuários

de ônibus, com diferentes perfis, não sendo limitado apenas a estudantes, antes e após

as obras e mudanças realizadas para as Olimpíadas de 2016, como a ampliação do metrô

com a criação da linha 4, implementação de corredores de bus-rapid-transit (BRT)

diversos, racionalização de linhas de ônibus que passam pela Zona Sul da cidade, dentre

outras.

Por fim, cabe ressaltar que essa pesquisa contribuiu para ampliar os conceitos do

pensamento enxuto aplicado não apenas aos serviços, mas ao transporte público urbano

e coletivo, área ainda muito pouco explorada, tanto em termos de ganho de eficiência e

aumento da satisfação dos passageiros, quanto na utilização de metodologias inovadoras

como o Lean. É fundamental que os atores envolvidos no planejamento das cidades e

políticas públicas estejam cientes do ganho que poderiam obter ao focar no usuário dos

serviços ofertados. Alguns desdobramentos imediatos seriam a diminuição de

engarrafamentos, a diminuição da evasão de usuários dos transportes públicos para os

transportes privados e o aumento na facilidade em convergir esforços para suprir outras

demandas da população merecedoras de atenção.

68

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73

Apêndice A

Tempo do ônibus parado para embarque/desembarque em cada um dos bairros. O tempo

está escrito em minutos:segundos,milésimos de segundos.

Tempo parado em: 1 2 3 4 5 Total Média

Copacabana 01:43,7 01:22,1 02:49,7 02:03,8 03:46,9 11:46,1 02:21,2

Botafogo 01:00,5 00:15,8 01:38,3 00:29,9 02:11,2 05:35,7 01:07,1

Laranjeiras 00:12,6 01:17,7 02:09,8 00:15,8 00:06,2 04:02,0 00:48,4

Catumbi 00:00,0 00:00,0 00:07,9 00:07,4 00:00,0 00:15,3 00:03,1

Centro 04:13,2 00:55,0 01:02,4 00:21,2 00:50,3 07:22,1 01:28,4

Fundão 00:12,6 00:00,0 00:00,0 00:00,0 00:00,0 00:12,6 00:02,5

Bai

rro

s

Dia

Tempo parado em: 1 2 3 Total Média

Fundão 02:24,2 02:47,9 03:42,2 08:54,3 02:58,1

São Cristóvão 00:00,0 00:24,6 00:00,0 00:24,6 00:08,2

Centro 00:35,6 00:36,0 00:52,7 02:04,3 00:41,4

Catumbi 00:20,9 00:37,1 00:12,7 01:10,7 00:23,6

Laranjeiras 00:14,3 01:02,2 00:10,4 01:26,9 00:29,0

Botafogo 00:41,6 00:19,9 00:23,0 01:24,5 00:28,2

Copacabana 00:15,0 01:33,4 00:30,3 02:18,7 00:46,2

Dia

Bai

rro

s


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