UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
THIAGO LUIS CAVALCANTI CALABRIA
AÇÕES FORMATIVAS E A INTEGRAÇÃO DAS TDIC NA REDE PÚBLICA
ESTADUAL EM PERNAMBUCO: ENTRE A INCLUSÃO DIGITAL E
GARANTIA DO BOM DESEMPENHO
RECIFE
2017
THIAGO LUIS CAVALCANTI CALABRIA
AÇÕES FORMATIVAS E A INTEGRAÇÃO DAS TDIC NA REDE PÚBLICA
ESTADUAL EM PERNAMBUCO: ENTRE A INCLUSÃO DIGITAL E
GARANTIA DO BOM DESEMPENHO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, da
Universidade Federal de Pernambuco -
UFPE, como requisito para obtenção do
título de mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. José Batista Neto
THIAGO LUIS CAVALCANTI CALABRIA
AÇÕES FORMATIVAS E A INTEGRAÇÃO DAS TDIC NA REDE PÚBLICA
ESTADUAL EM PERNAMBUCO: ENTRE A INCLUSÃO DIGITAL E
GARANTIA DO BOM DESEMPENHO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, da
Universidade Federal de Pernambuco -
UFPE, como requisito para obtenção do
título de mestre em Educação.
Aprovado em 30/05/2017
Comissão Examinadora
_________________________________
Prof.Dr. José Batista Neto (Orientador)
_________________________________
Profª.Drª. Laêda Bezerra Machado (Examinadora Interna)
_________________________________
Prof.Dr. Sérgio Paulino Abranches (Examinador Externo)
A toda classe trabalhadora, particularmente aos profissionais da educação, que
enfrentam e superam todas as adversidades e seguem firmes na luta.
AGRADECIMENTOS
O conhecimento não é produzido individualmente, ele é fruto do esforço
coletivo. É a partir dessa certeza que registro meus sinceros agradecimentos a todos e
todas que contribuíram direta e/ou indiretamente para elaboração dessa pesquisa.
A Lucia Calabria, guerreira, educadora, rubro-negra e mãe. Deixo
oficialmente registrado minha gratidão por tudo. Em especial, por ter sido responsável
pela minha educação, por ser uma referência na minha vida e por ter dedicado tanto
amor, tempo e dinheiro ao longo desses 32 anos de convivência.
Ao meu orientador, Professor José Batista Neto, pelo suporte durante essa
trajetória transformadora que é o mestrado. Sua conduta enquanto orientador e professor
é fonte de inspiração para meu desenvolvimento pessoal e profissional. Agradeço pelas
indicações de leitura, pelos conselhos, por respeitar e incentivar minha autonomia, por
estar sempre presente, por ser uma fonte de segurança e pelas conversas sobre política
durante as reuniões de orientação.
A Dilma Roussef e Luiz Inácio Lula da Silva, pela defesa incondicional de
uma universidade, pública, gratuita e de qualidade para todos e todas. Gostaria de
registrar minha admiração pela nossa presidenta, legitimamente eleita, e que durante
todo o rito do golpe foi uma fortaleza.
Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em Educação
(UFPE) por todas as oportunidades de aprendizado. Particularmente a Professora Laêda
Bezerra Machado pelos produtivos ensinamentos na disciplina de Seminário de
Pesquisa.
Aos funcionários e funcionárias do Programa de Pós-Graduação em
Educação (UFPE) pelo esforço em atender a todos os pedidos solicitados.
Aos professores, professoras, técnicos, técnicas, gestores, gestoras,
vinculados a Secretária de Educação do estado de Pernambuco, pela acolhida e pela
disponibilidade no fornecimento dos dados necessários a essa pesquisa.
Aos companheiros e companheiras Amanda Ventura, Bia Lima, Bella Vale,
Carlos Padilha, Cati Vaz, Joaquim Henrique, Gabriela Pires, Karol Fontes, Leo
Lima, Lize Cunha, Luciana Walter, Yasmim Alves, Yvonne Carvalho por terem
ouvido minhas aflições, revisado meus textos, pelos debates e principalmente pelo
carinho.
Comportamento Geral
Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
E um Fuscão no juízo final
Você merece, você merece
E diploma de bem comportado
Você merece, você merece
Esqueça que está desempregado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Gonzaguinha
RESUMO
A pesquisa ―Ações formativas e a integração das TDIC na rede pública estadual em
Pernambuco: entre a inclusão digital e garantia do bom desempenho‖ teve como
objetivo analisar as ações formativas de professores desenvolvidas pela Secretária
Estadual de Educação de Pernambuco (SEDUC/PE) que têm como finalidade
possibilitar a integração das TDIC à prática de professores. Escolhemos como foco da
análise as ações formativas, que possuem como público alvo os professores da rede,
vinculadas aos programas MenteInovadora e ProInfo. Consideramos como ações
formativas, grosso modo, tudo aquilo que ofereça uma oportunidade de informação,
reflexão, discussão, trocas que favoreçam o aprimoramento profissional e pessoal
(GATTI, 2008). Nesse mesmo sentido nos filiamos ao pressuposto teórico que defende
a necessidade, tendo em vista a condição inacabamento do homem, da educação
permanente (FREIRE, 2002). A respeito das TDIC, adotamos o conceito apresentado
por Kinski (2012) que as compreende como instrumentos, suportes, ferramentas que
usam da linguagem oral, escrita e da síntese entre som e imagem para ampliar o acesso,
a produção e a propagação de informação e facilitar as interações entre pessoas e entre
as pessoas e o próprio saber. Optamos pela a abordagem qualitativa de pesquisa e a
coleta de dados foi realizada através de pesquisa documental. Utilizamos a técnica de
análise categorial de conteúdo (BARDIN, 1977) para a organização e análise de dados.
Nossa pesquisa analisou os Parâmetros de Formação Docente e o Plano Estadual de
Educação (2015-2015) enquanto documentos norteadores da política de formação
continuada da Rede Pública Estadual de Pernambuco. Realizamos uma pesquisa
exploratória para identificar quais ações formativa, desenvolvidas pela SEDUC e em
parceria com outras instituições, se enquadravam na temática central do nosso trabalho.
Dessa forma, organizamos e analisamos os dados contidos nos Relatórios de
Indicadores Educacionais do triênio 2013/2014/2015. Construímos três categorias de
análise: Lógica instrumental, lógica da performatividade e lógica crítica. Por meio delas,
estudamos os pressupostos teóricos, os objetivos e as estratégias contidos nas ações
formativas identificadas. Nossa pesquisa revelou que a natureza jurídica das instituições
(pública/privada) influencia no processo de elaboração e execução das ações formativas.
De acordo com os dados analisados, a iniciativa privada, promove um tipo de formação
associada as lógicas instrumental e da perfomatividade. Nesse tipo de formação o eixo
estruturante das ações são exames estandardizados. Por sua vez a formação, vinculada a
iniciativa pública, possui uma maior proximidade com a lógica crítica. A inclusão
digital surge como o eixo estruturante das ações. Por meio desse modelo de formação,
de viés crítico, identificamos uma nova articulação (TARDIF, 2002) entres os diversos
saberes que estão movimento no ofício docente.
Palavras-Chaves: Formação continuada. Formação de professores. Tecnologias Digitais
de Informação e Comunicação.
ABSTRACT
The aim of the research ―AÇÕES FORMATIVAS E A INTEGRAÇÃO DAS TDIC NA
REDE PÚBLICA ESTADUAL EM PERNAMBUCO: ENTRE A INCLUSÃO
DIGITAL E GARANTIA DO BOM DESEMPENHO‖ was to analyze the teachers
training campaigns developed by the Pernambuco State Secretariat for Education
(SEDUC/PE) that has as purpose the integration of the TDIC to the practice of the
teachers. We have chosen as the center of this analysis the training campaigns, which
has as target the teachers of the public educational system, related to the programs
MenteInovadora and ProInfo. We have considered as training campaigns every action
that offers an opportunity for information, reflection, discussion, exchanges that favor
professional and personal improvement (GATTI, 2008). In these terms, we sign up to
the theoretical assumption that supports the necessity of permanent education,
considering the human condition of incompleteness (FREIRE, 2012). Concerning the
TDIC, we embraced the concept presented by Kenski (2012), that perceive them as
instruments, supports, tools that use the oral and written language and the synthesis
among sound and image to widen the access, production and the spread of information,
as well as to ease the interaction between people and between people and the knowledge
itself. We have adopted the qualitative approach for the research and the data gathering
was held by the investigation of documents. We have used the conceptual content
analysis technic (BARDIN, 1977) for data organization and analysis. Our research
examined the Teachers Training Guidelines and the State Education Plan (2015-2015)
as the driving documents of the continuing training politics of the State of
Pernambuco‘s Public Educational System. We have carried out an exploratory research
aiming to identify which training campaigns, singly developed by the SEDUC or in
cooperation with other institutions, fit in the focus of our research. Therefore we have
organized and analyzed the data held in the Educational Indicators Report of the
triennium 2013/2014/2015. We developed three categories of analysis: instrumental
logic, performativity logic and critic logic. Through them we have studied the theoretic
assumptions, goals and strategies held in the identified training campaigns. Our research
has revealed that the legal nature of the institutions (public/private) influences the
process of elaboration and execution of the training campaigns. According to the
investigated data, private institutions foster a training associated with instrumental and
performativity logics. In this kind of training, the structuring axis of the campaigns are
standardized exams. By contrast, the training of public institutions has a greater
proximity with the critic logic. In such context, digital inclusion appears as the
structuring axis of the campaigns. By this training method, of critical bias, we identify a
new link (TARDIF, 2002) between the different knowledge in motion in the teacher‘s
practice.
Keywords: Teachers training. training campaigns. TDIC.
LISTA DE GRAFÍCOS, TABELAS E FIGURAS
a) Tabelas
Tabela 1: Total de participantes, ações e horas/aula de formação continuada
SEDUC/PE(2015) ..................................................................................................... p.106
Tabela 2 – Professores da rede estadual por vínculo e situação (2015) ....................p.106
Tabela 3 – Instituições ofertantes de ações de formação continuada por setor..........p.108
b) Gráficos
Gráfico 1- Professores efetivos da SEDUC/PE por titulação2015...............................p.98
Gráfico 2 - Ações Formativas Agrupadas por Conteúdo Específicos........................p.104
Gráfico 3 – Ações Formativas direcionadas aos Profissionais da Educação.............p.107
Gráfico 4 – Parceiros da SEDUC/PE na formação continuada de
Professores (2015) .....................................................................................................p.109
c) Figuras
Figura 1 – Ações Formativas........................................................................................p.46
Figura 2 - Organograma da Secretária de Educação de Pernambuco.........................p.110
Figura 3 - Objetivos do Programa MenteInovadora...................................................p.115
Figura 4 – Atividade do ProInfo.................................................................................p.143
Figura 5 – Atividade do ProInfo 2..............................................................................p.144
Figura 6 – Atividade ProInfo 3...................................................................................p.145
d) Quadros
Quadro 1 : Quadro de Análise: Lógicas, categorias e descritores categorial de análise
das TDIC.......................................................................................................................p.56
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ALEPE (Assembleia Legislativa de Pernambuco)
ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação)
BDTD (Biblioteca Digital de Teses e Dissertações)
CMR (Câmara Municipal de Recife)
CONFIS (Conselho Fiscal)
EREM (Escolas de Referência em Ensino Médio)
GT (Grupo de Trabalho)
ICT-CST (Padrões de Competência em TIC para Professores)
IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)
IFPE (Instituto Federal de Pernambuco)
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)
FMI (Fundo Monetário Internacional)
LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)
MEC (Ministério da Educação)
PIS (Programa de Integração Social)
PNE (Plano Nacional de Educação)
PEE (Plano Estadual de Educação)
PBM (Pesquisa Brasileira de Mídia)
PEC (Proposta de Emenda Constitucional)
PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais)
PIB (Produto Interno Bruto)
PROINFO (Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional)
PNE (Plano Municipal de Educação)
SE (Secretárias de Educação)
SEDUC (Secretaria de Educação)
TEO (Tecnologia Empresarial Odebrecht)
TEAR (Tecnologia Empresarial Aplicada à Educação: Gestão e Resultados)
TDIC (Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação)
TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação)
OCED (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)
UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
UNIVASF (Universidade do Vale do São Francisco)
UPE (Universidade de Pernambuco)
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................p.14
1.1Estado do conhecimento sobre formação continuada e as TDIC............................p.23
1.2Formação continuada para as TDIC, na rede pública estadual de ensino de
Pernambuco: Delimitação do problema, objeto, objetivos e o campo de
investigação..................................................................................................................p.27
2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES, FORMAÇÃO CONTINUADA E TDIC:
ELEMENTOS DO MARCO DE REFERÊNCIA ..................................................p.33
2.1Formação de professores: princípios, finalidades e pressupostos teóricos............. p.33
2.2Formação continuada de professores: perspectivas teóricas e seus significados... p.46
2.3 Lógicas e categorias de análise da Formação Continuada.....................................p.55
2.3.1Lógica Instrumental..............................................................................................p.56
2.3.2 Lógicas da Performatividade..............................................................................p.64
2.3.3 Lógica Crítica......................................................................................................p.71
2.4 Tecnologias digitais da informação e comunicação e a educação..........................p.76
3 PERCURSO METODOLÓGICO PROPOSTO..................................................p.89
3.1 Por que escolhemos a abordagem qualitativa? ......................................................p.89
3.2. Campo e sujeitos da investigação..........................................................................p.90
3.3 Procedimentos de coleta e de análise de informações............................................p.91
4 AÇÕES FORMATIVAS DESENVOLVIDAS PELA SEDUC/PE....................p.94
4.1Plano Estadual de Educação (2015 – 2025) ...........................................................p.96
4.2Parâmetros de Formação Docente...........................................................................p.99
4.2 Ações Formativas ................................................................................................p.107
5 AÇÕES FORMATIVAS: ENTRE A INCLUSÃO DIGITAL E GARANTIA DO
BOM DESEMPENHO.............................................................................................p.112
5.1 Programa MenteInovadora: apresentação e análise..............................................p.113
5.2 ProInfo: apresentação e análise............................................................................p.134
5.3 O diálogo entre os documentos norteadores e as ações formativas......................p.152
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................p.161
REFERÊNCIAS........................................................................................................p.166
ANEXO 1 – Lista de Ações Formativas : Relatório de Indicadores Educacionais
2015 (PERNAMBUCO)...........................................................................................p.174
ANEXO 2 - Entrevistas estruturadas com os técnicos da SEDUC/PE responsáveis
pelo acompanhamento dos programas...................................................................p.177
APÊNDICE 1 – Relação de objetivos específicos presentes no material didático do
ProInfo.......................................................................................................................p.178
14
1 INTRODUÇÃO
O desenvolvimento das tecnologias digitais da informação e comunicação
(TDIC) tem promovido mudanças significativas na sociedade. De acordo com análise
feita por Castells (1999, p.20), ―o que caracteriza a revolução tecnológica atual não é o
caráter central do conhecimento e da informação, mas a aplicação desse conhecimento e
informação a aparatos de geração de conhecimento e processamento da
informação/comunicação, em um círculo de retroalimentação acumulativa entre a
inovação e seus usos‖. O processo de desenvolvimento desse tipo de tecnologia tem
promovido alterações nas formas de comunicação, na produção e no consumo de
informações. Os dispositivos que promovem essa dinâmica se desenvolvem em ritmo
acelerado e provocam impactos que abrangem diversas áreas. Aspectos como a
penetrabilidade e recepção na/pela sociedade, a velocidade do fenômeno e a nova
dinâmica entre criadores e usuários torna essa revolução um processo complexo e novo.
Dentre as diversas influências na sociedade podemos identificar uma mudança
na forma como as pessoas se relacionam com o conhecimento. Autores como Levy
(2009) consideram que essas tecnologias promovem uma nova forma de acesso à
informação, novas formas de raciocínio, novas formas de construção do conhecimento
e, como uma consequência direta desses aspectos, novas formas de aprendizagem. Essas
transformações demandam novas metodologias de ensino que estejam em sintonia com
o potencial de compartilhamento das experiências vividas e dos saberes adquiridos,
tanto pelos professores como pelos alunos. Dentro desse contexto, o papel do professor,
assim como da escola, confronta-se com novas exigências e, quando busca observá-las,
tende a ganhar novos contornos. Levy ressalta que essas alterações demandam uma
mudança de paradigma por parte das instituições responsáveis pela formação dos
professores.
Ademais, as plataformas associadas à Web 2.01 (wikipedia, youtube, blogs) têm
promovido a participação e colaboração daqueles que a utilizam. Está no âmbito desses
serviços a produção e o consumo de conteúdos por parte dos usuários. De acordo com
1 ―A Web 2.0 é a segunda geração de serviços online e caracteriza-se por potencializar as formas de
publicação, compartilhamento e organização de informações, além de ampliar os espaços para a interação
entre os participantes do processo.‖ (PRIMO, 2007, p.1)
15
Demo (2009), nesses ambientes fica mais claro e possível o que poderíamos
compreender como uma pedagogia centrada no aluno. Juntos, professores e alunos
podem construir oportunidades de aprendizagem através do uso dessas plataformas. As
TDIC se destacam como ferramentas que alteram as antigas relações entre produtores e
consumidores de informação.
Jim Lengel (2014)2, por sua parte, esboça um paralelo entre o desenvolvimento
da sociedade e os modelos educacionais, sempre traçando uma correspondência entre
trabalho, economia e educação. De acordo com sua análise, uma sociedade marcada
pelo deslocamento reduzido, por reduzidas e lentas mudanças no universo de trabalho
de uma geração para outra, onde avós, pais e filhos aprendiam as mesmas coisas por
meio de um processo de educação não-formal, situava-se numa era caracterizada como
a da Educação 1.0. Com a revolução industrial, a relação entre mestre e aprendiz se
desfaz e mais pessoas começam a ir trabalhar em fábricas, gerando uma nova lógica no
mundo do trabalho. Essa nova economia, dominada pela indústria, demanda um novo
modelo de escola caracterizada pela padronização e pela fiscalização do
comportamento, recebendo o nome de Educação 2.0. Com o desenvolvimento das
tecnologias da informação e comunicação, novos ambientes e novas dinâmicas de
trabalho são gerados, exigindo novas competências a serem formadas nas/pelas pessoas.
Esse novo contexto é classificado como um ambiente de trabalho 3.0. Para Lengel, a
escola ainda funciona na lógica da economia essencialmente industrial, referente a um
ambiente de trabalho 2.0, gerando um descompasso entre a economia e o ambiente
escolar3. Cientes dessa disparidade, alguns grupos têm desenvolvido soluções que visam
promover uma maior integração entre tecnologias digitais e a escola, a exemplo do
Connecting Classrooms, do Google Learning Space e sua vertente brasileira, chamada
de Laboratório de Experimentação Didáticas. Essas opções ao ensino formal trazem
críticas ao modelo tradicional de ensino e têm se apropriado do discurso de inovação no
ambiente escolar por intermédio de paradigmas oriundos do campo profissional da
tecnologia da informação. Contudo, podemos perceber uma tendência a utilizar as
2Artigo publicado no caderno ―Educação‖, Estado de São Paulo, São Paulo. 07 novembros de 2012.
Disponível em http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,artigo-educacao-30,956582. Acessado em
18/07/2014. 3 Compreendemos que a escola, formada a partir da revolução industrial, assume um papel social de
reprodução da ordem vigente. Nesse sentido existe um viés de preparação prematura para o mercado de
trabalho. Identificamos nesse movimento uma associação entre a economia e a educação escolar.
Salientamos que a preparação para o mundo do trabalho deve ser algo abordado pelas escolas, contudo
esses valores não podem adquirir uma centralidade na definição de propósitos e objetivos da educação
16
exigências do mercado de trabalho como referência para o caminho que deve ser
trilhado por professores e alunos no decorrer de vivências na escola.
Apesar de certos avanços promovidos por essas experiências, principalmente no
que concerne à integração das TDIC ao ambiente escolar, a submissão às exigências do
mercado de trabalho em detrimento dos objetivos e metas referenciados nos esforços de
todos e todas que constroem a escola, reduz a instituição a uma ferramenta de
reprodução da ordem econômica instituída. Mesmo adotando uma metodologia não
tradicional, com foco na aprendizagem e centrada no aluno, a possibilidade de
esvaziamento político dessas ações educativas evidencia um modelo de educação que,
apesar da roupagem moderna e repleta de tecnologia, falho por não desenvolver uma
apreensão crítica da realidade. O processo de integração das TDIC, assim como a
própria discussão sobre tecnologia de uma maneira mais ampla, deveria passar por uma
reflexão sobre o contexto de produção, uso e propósitos dessas ferramentas.
Enquanto professor dos últimos anos da educação básica, atuante em redes de
ensino pública e privada, percebemos que a convivência de professor e de alunos com
as TDIC, tanto no ambiente escolar como fora dele, é intensa, principalmente por
consideramos a escola como um ambiente caracterizado por uma dinâmica temporal
particular. De acordo com José Pacheco4, nós temos uma escola oriunda do século XIX,
professores formados no século XX e alunos do século XXI. Toda essa dinâmica
temporal conflituosa exerce certa influência sobre as relações humanas. A metáfora
utilizada por José Pacheco serve para ilustrar o descompasso entre o desenvolvimento
da sociedade e o da escola, tendo em vista as poucas alterações que ocorreram na escola
moderna desde sua invenção.
Os impactos desse descompasso, entre escola e sociedade, repercutem
diariamente na prática docente e nem sempre têm a atenção que merecem. Uma forma
de pensarmos essa questão é discutir, por exemplo, como alunos e professores lidam
com a introdução dessas novas ferramentas em suas vidas. Para Demo (2009, p.5), é
―conhecida a atração avassaladora que tais aparatos exercem sobre as novas gerações,
bem como o fato marcante de que elas se dão bem com essas engenhocas, em geral
muito melhor que os adultos.‖ Dessa forma, por que os adultos, no caso os professores,
4 Em entrevista concedida ao programa ―Educação Brasileira‖ produzida pela UNIVESPTV, disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=rqZp6mYrbO4
17
lidam de forma diferente com as novas tecnologias? Porque alguns professores fazem
uso das TDIC em outros ambientes e não se sentem dispostos a utiliza-las em sala?
Autores como Prensky (2001) respondem a essas perguntas a partir da dicotomia
estabelecida entre nativos digitais (aqueles que nasceram nas últimas décadas e que
podem ser considerados nativos na linguagem digital), e imigrantes digitais (aqueles
que são anteriores ao processo de propagação dessa linguagem). Para o autor, a forma
como nos relacionamos como as TDIC acaba sendo condicionada pelo pertencimento a
um desses dois grupos. Vale salientar que não existe nada que inviabilize uma relação
proveitosa com essas tecnologias. Contudo, ser imigrante digital demandaria um esforço
maior para alguém adquirir fluência em tecnologia. Ter consciência dessa divisão já é
um grande passo em direção a uma convivência menos conflituosa entre as diferentes
dinâmicas vivenciadas na escola, por conta das distintas condições desses dois grupos.
Demo (2009) argumenta que, ao reagirmos ao processo de introdução de novas
tecnologias, facilmente assumimos posturas baseadas em excessos. Para o autor, aqueles
que acreditam, apreciam e defendem os benefícios dessas novas ferramentas, facilmente
poderiam adquirir uma postura baseada na tecnofilia. Em outro extremo, o da
tecnofobia, teríamos aqueles que, movidos por uma total descrença nas novas
tecnologias, rejeitam os usos e as possiblidades dessas novas ferramentas.
Essa tecnofobia provavelmente sempre existiu, uma vez que não há
sentimento mais natural do que desconfiar de tudo o que é novo e
apegar-se ao que foi ―testado e aprovado‖, ou seja, aquilo que já nos
acostumamos. A experiência histórica, porém, demonstra que a
aceitação da novidade é tão lenta e paulatina que a tecnofobia limita-
se a ser apenas uma espécie de extravagância que atrasa ainda mais o
progresso, aumentando a lentidão do que já é lento por natureza.
(ASIMOV, 2005, p.7)
Em ambos os extremos podemos perceber uma postura acrítica em relação às
novas tecnologias. Tendo em vista sua amplitude e seu grau de penetração em diversos
setores das nossas vidas, faz-se necessária a reflexão sobre os interesses associados ao
seu uso, ao seu processo de produção e, principalmente, quais sãos suas influências no
campo pedagógico.
Por ter nascido na década de 80, e por ser membro de uma família de classe
média que priorizava educação, tive a oportunidade de acompanhar de perto, enquanto
consumidor, o desenvolvimento das TDIC. Tive a oportunidade de usufruir, me
divertindo e aprendendo com a televisão, com o videogame e, sobretudo, com os
18
computadores de mesa (desktop). Através das aventuras que vivi, especialmente com os
jogos eletrônicos, pude aprender de forma rápida e divertida, coisas que a escola e meus
professores sequer comentavam. O máximo que escola me proporcionou, em termos de
informática, foi a utilização do sistema Logo5, que era chamado carinhosamente pelos
alunos de ―o joguinho da tartaruga‖. Reconheço os avanços e as boas intenções do
programa Logo, contudo, na minha restrita experiência, representou apenas um
programa pouco estimulante, inserido em uma atividade em uma aula de informática,
que suscitava pouco sentido para mim. Infelizmente, o sistema Logo nunca foi capaz de
concorrer, em termos de diversão e aprendizado, com os jogos eletrônicos do
Supernintendo.
No decorrer da década de 1990, a internet surgiu como uma novidade restrita,
tendo vista seu preço e qualidade de conexão, ainda discada. Ainda assim, sua inserção
na minha vida promoveu um alargamento de horizonte. Com o ICQ6 e o mIRC
7, tive
oportunidade de me comunicar, em tempo real, com pessoas em outras cidades, estados
e países. Pelo Napster8, descobri o real significado de compartilhamento de arquivos.
Inicialmente, com o site www.cade.com.br e, posteriormente, com outras plataformas de
busca, como Yahoo e Google, compreendi o universo de possibilidades que poderiam
ser acessado por meio da internet.
No entanto, hoje, atuando como professor de história, sinto a necessidade de
utilizar essas ferramentas como aliadas na construção de novos ambientes de
aprendizagem para professores e alunos. Tenho receio de cometer os mesmos erros dos
meus antigos professores de informática, que faziam do Logo a única opção viável para
a sala de aula. Sinto a necessidade de me dedicar ao tema para encontrar uma saída
lúdica e significativa para todos. No decorrer de minha carreira de professor, tive a
5 Para mais detalhes sobre o sistema em questão, recomendamos o sítio
eletrônico:https://pt.wikipedia.org/wiki/Logo#cite_note-artigoFractal-1 6 ICQ é um programa de comunicação instantânea pioneiro na Internet que pertence à companhia Mail.ru
Group. É um dos primeiros programas de mensagem instantânea da internet, criado em 1996. A sigla
"ICQ" é um acrónimo feito com base na pronúncia das letras em inglês (I Seek You), em português, "Eu
procuro você", porém é popularmente conhecido no Brasil como "i-cê-quê".
https://pt.wikipedia.org/wiki/ICQ, acesso em 04/02/2016. 7 mIRC é um cliente de IRC, shareware, para o sistema operacional Microsoft Windows, criado em 1995
e desenvolvido por Khaled Mardam-Bey com a finalidade principal de ser um programa chat utilizando o
protocolo IRC, onde é possível conversar com milhões de pessoas de diferentes partes do mundo. Ele era
utilizado somente para isto, mas evoluiu para uma ferramenta. https://pt.wikipedia.org/wiki/MIRC, acesso
em 04/02/2016. 8 Napster, criado por Shawn Fanning e seu co-fundador Sean Parker, foi um dos primeiros e mais
sucedidos programas de compartilhamento de arquivos em rede P2P criado em 1999.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Napster, acesso em 04/02/2016.
19
oportunidade de participar de várias ações formativas desenvolvidas pelo poder público
e por instituições privadas. Vale salientar que os temas das ações eram variados e a
participação nos encontros sempre foi obrigatória. Além da compulsoriedade da
participação, também fui vítima de temas decididos verticalmente e que pouco
dialogavam com a realidade em que eu e meus colegas estávamos inseridos. Um caso à
parte nessas ações formativas, foram os encontros que se propuseram a trabalhar o tema
das TDIC. De forma unânime, ao longo de 10 anos de docência, os momentos de
formação em que participei foram voltados para o uso de novos equipamentos e
programas. A lógica da imposição sempre me pareceu o pior caminho para se introduzir
novas ferramentas ou até mesmo alterar velhas práticas. Adaptar-se ao novo não é fácil,
pois demanda esforço e desapego ao que já foi sedimentado no cotidiano da prática
docente, principalmente quando esse novo nos foge ao controle e que, por sua vez, está
amplamente integrado ao cotidiano dos alunos.
Apesar da ampla difusão das TDIC no cotidiano, as conversas informais com os
docentes parecem deixar clara que os dispositivos móveis, em particular o smartphone,
são compreendidos como vilões da educação no século XXI. Alguns docentes apontam
que o uso de smartphone, em sala, é um dos principais fatores de dispersão por parte
dos alunos. Tal noção sobre a presença de dispositivos móveis em sala de aula tem dado
lugar tanto a iniciativas particulares de professores9, como por parte de autoridades
públicas. Um bom exemplo de como os aparelhos eletrônicos são compreendidos pelas
autoridades públicas e de certa forma pelos docentes, tendo em vista a boa recepção da
medida, é a Lei Estadual de nº 15.50710
, publicada em 21 de maio de 2015, promulgada
pelo Governador de Pernambuco, que regulamenta o uso de celular e de aparelhos
eletrônicos em sala. A Lei veda o uso desses dispositivos, só o permitindo quando feito
para fins pedagógicos. A Lei também impõe a utilização de avisos que deverão ser
fixados em local visível, em sala, para que haja a divulgação da mesma. É nesse ponto,
sobre a confecção das placas, que surge uma manifestação da forma como as
tecnologias estão sendo pensadas. A maioria das placas que tive oportunidade de ler
deixa clara a proibição e não menciona a exceção, o que deixa evidente que a lógica da
9 Matéria divulgada recentemente nas redes sociais dá conta de um professor de ensino superior, em São
Paulo, que passou a utilizar um bloqueador de sinal de celular em sala de aula, sob o argumento de que o
uso que fazem os alunos do dispositivo em sala é um impeditivo ao bom andamento da aula. ―Professor
usa bloqueador de sinal de celular em sala de aula em SP‖. Disponível em www.g1.globo.com/são–
paulo/notícias. Acessado em 25 de janeiro de 2016. 10
A lei deve origem no projeto apresentado pelo Deputado Professor Lupércio (SD)
20
proibição se sobrepõe ao esforço de se repensar o uso que tem sido dado a esses
aparelhos. Essa postura pode vir a contribuir ainda mais, não apenas para um maior
distanciamento entre a escola e o cotidiano vivenciado pelos alunos fora dela, como
também impedir que os efeitos benéficos sobre as aprendizagens, trazidos pelo uso de
dispositivos móveis, possam se fazer presentes.
A compreensão do processo de integração das TDIC como um fenômeno atual
perpassa a análise da sociedade nas últimas décadas e diversos são os fatores que devem
ser levados em consideração para se identificar o efeito das mudanças produzidas pela
informatização do cotidiano11
. Principalmente seus impactos no processo de ensino e
aprendizagem. É notório que alguns grupos são mais sensíveis que outros a tais
mudanças. Compreendemos também que alguns assumem um papel mais ativo, no que
tange ao controle do ritmo e à percepção da direção que essas mudanças podem tomar.
De acordo com Dowbor (2011), os polos de inovação tecnológica se concentram
em países mais desenvolvidos economicamente e, a partir deles, as inovações chegam a
regiões menos desenvolvidas. Do mesmo modo, os estratos mais ricos são os primeiros
a usufruir dessas inovações para tão somente depois os estratos menos favorecidos,
através de um processo de massificação, terem a oportunidade de usufruir de parte
dessas ―novidades‖. Vale salientar que não devemos considerar esse processo de
expansão da tecnologia como algo natural e desprovido de interesses. Essa massificação
não se apresenta anódina, porém, vem associada aos interesses de grupos dominantes,
de economias centrais e dos segmentos mais ricos de suas respectivas sociedades. Dessa
forma, adotar uma postura de aversão ao avanço dessas inovações pode constituir uma
perda de oportunidade de se mitigar importantes questões sociais. A inclusão digital
pode atuar de forma significativa no combate às desigualdades sociais, uma vez que não
se trata apenas de um esforço para conseguir melhores postos de trabalhos, mas sim
para democratizar o acesso à informação. Atualmente tramita no Congresso Nacional a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 479-A, de 2010, de autoria do Deputado
Sebastião Bala Rocha12
, que caracteriza o acesso à internet de alta em velocidade como
11
Conceito utilizado por CAZELOTO (2007), o termo remete a algo que vai além da penetração
ramificada das máquinas e equipamentos informatizados no cotidiano. Diz respeito ao papel de
intermediador que estes ocupam nas relações humanas, principalmente, nas práticas culturais por eles
mediadas, e que, de maneira geral, não fogem da lógica de hierarquização e de controle, distribuição de
privilégios, organização da vida cultural e da divisão de trabalho. 12
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=473827. Acesso em
30/06/2014.
21
direito fundamental do cidadão. Que melhor lugar senão na escola para se ajudar o
cidadão a compreender e usar a internet a favor da defesa da cidadania?
Outras políticas públicas desenvolvidas pelo governo federal também tentam
diminuir essa distância entre sociedade e escola. Como exemplo, nós temos o Plano
Nacional de Educação (PNE)13
, recentemente sancionado, contém vinte (20) metas a
serem atingidas e estratégias que devem ser utilizadas para se atingir os objetivos. A
meta de número 7 propõe uma melhoria na qualidade da educação básica e tem como
norte uma progressão 0,8 pontos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb) para todos os níveis de ensino. Dentre as estratégias adotadas pelo PNE, temos a
universalização do acesso à rede mundial de computadores e o aumento da relação
computador/aluno nas escolas da rede pública. Ambas as estratégias são importantes
para que se promova a inclusão digital desses alunos. Contudo, é preciso ir além da
instalação de computadores para de fato promover uma modificação positiva na
qualidade da educação básica. Acreditamos que a integração das TDIC, enquanto uma
ferramenta capaz de proporcionar oportunidades de aprendizagem, pode desempenhar
um papel fundamental no fomento à qualidade da educação básica.
A partir de minha vivência enquanto professor das redes pública e privada, pude
perceber que as ações formativas, em sua maioria cursos e reuniões desenvolvidos no
decorrer do ano letivo, abordam a temática da ―tecnologia‖ através do desenvolvimento
de habilidades técnicas, com a finalidade da apropriação tão somente do uso de um dado
aplicativo, software ou dispositivo. Levando em consideração a disponibilidade dos
professores, tanto em razão do tempo disponibilizado e do interesse, a escolha por esse
modelo pode parecer lógica. Parte-se de uma necessidade pontual para uma solução
pontual. Contudo, essa prática de formação promove resultados limitados, em seu
alcance e prazo de validade. Por melhor que seja o aplicativo ou dispositivo eletrônico,
com o tempo, todos tendem a ser substituídos por novos produtos. Pois do mesmo jeito
que os dispositivos eletrônicos estão em constante renovação, os conhecimentos
atrelados ao manuseio desses aparelhos também sofrem esse mesmo efeito. Dessa
forma, optar por uma formação voltada apenas para o desenvolvimento de
conhecimentos técnicos, é desperdiçar uma boa oportunidade de discutir questões, tais
como: os impactos da tecnologia no cotidiano escolar, a influência da tecnologia nas
13
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm
22
relações pessoais e na nossa relação com o conhecimento; alterações, em algum nível e
sentido, da emergência das TDIC na produção do conhecimento escolar.
De certa forma, privilegiar os conhecimentos técnicos envolvidos, em
detrimento de uma postura crítica em relação aos impactos do uso de tecnologia é
perpetuar uma formação para adultos, no caso, a prática de formação continuada de
professores, que não valoriza o desenvolvimento da autonomia na relação desses
profissionais com as tecnologias. Nesse caso, podemos identificar nessas práticas
formativas uma aproximação de traços de uma concepção de educação bancária (Freire,
1974), concepção denunciada pelo caráter vertical e antidialógico, que promove
apreensão espontânea e acrítica da realidade. Nesse sentido nos indagamos se é possível
desenvolver ações formativas que estimulem o uso consciente e crítico das TDIC se os
próprios docentes participam de formações que não priorizam a autonomia em relação
com o conhecimento? Essa é uma questão de partida que pretendemos considerar no
desenvolvimento da pesquisa.
Esse perfil de ação formativa, essencialmente instrumental, distante do chão da
escola e que constrói poucos canais de diálogos com as subjetividades dos professores e
professoras, não parece ser algo restrito à temática das TDIC. Poucas foram as ações
formativas, em que participei, na qual tive a oportunidade de contribuir ativamente na
sua elaboração e execução. A temática, a metodologia, a duração, o horário e os
formadores geralmente nos foram apresentados como pacotes prontos. Inclusive nas
ações formativas desenvolvidas em algumas escolas da rede privada o processo de
formação é organizado e efetivado a partir dos interesses das editoras que fecham
parcerias com as escolas, fornecendo livros e impondo um modelo de ensino. A lógica
de verticalização das ações, de acordo com minha participação nos cursos de formação
continuada, é algo comum às duas redes de ensino. As ações desenvolvidas pelas
Secretarias de Educação de Recife e Caruaru, assim como as da Secretaria Educação de
Pernambuco têm a tendência de adotar uma lógica de repasse de política pública de
formação. As ações são elaboradas pelo Ministério da Educação e são efetivadas pelas
respectivas secretarias com poucas alterações. Diante de um contexto de rica produção
acadêmica, tendo vista a existência de centros de pesquisa em áreas diversas como
Psicologia, Informática e Educação na UFPE, quais são as razões para manutenção da
lógica de ―repasse‖ das políticas públicas de formação adotada pela SEDUC/PE?
23
Ao tratarmos especificamente sobre o conteúdo das ações formativas voltadas
para a temática das TDIC percebemos que o uso de novas tecnologias tem como pré-
requisito o desenvolvimento de conhecimentos técnicos básicos. Contudo o seu
potencial de uso não poderia ficar restrito a um processo de transmissão de
procedimentos. A abordagem crítico reflexiva sobre o uso dessas tecnologias poderia
ajudar no processo de exploração do potencial dessas ferramentas.
Uma cultura tecnológica de base também é necessária para pensar as
relações entre a evolução dos instrumentos (informática e hipermídia),
as competências intelectuais e a relação com o saber que a escola
pretende formar. Pelo menos sob esse ângulo, as tecnologias novas
não poderiam ser indiferentes a nenhum professor, por modificarem as
maneiras de viver, de se divertir, de se informar, de trabalhar e de
pensar. Tal evolução afeta portanto, as situações que os alunos
enfrentam e enfrentarão, nas quais eles pretensamente mobilizam e
mobilizarão o que aprenderam na escola. (PERRENOUD, 2000, p.
138)
O processo de integração das TDIC à escola pode ser permeado por um debate
de caráter político sobre o uso dessas tecnologias e, principalmente, pela avaliação das
possibilidades de aprendizagem e de alteração das formas tradicionais de ensino. Vale
salientar que a presença de dispositivos eletrônicos em sala de aula não representa
necessariamente uma integração das TIC ao cotidiano escolar. No máximo podemos
evidenciar que sua presença não determina, necessariamente, um novo ambiente de
aprendizagem.
De acordo com Kenski (2012), vídeos, softwares, sites e os próprios dispositivos
eletrônicos que promovem o acesso a esses conteúdos podem dinamizar o espaço de
ensino-aprendizagem. Contudo, ainda que as tecnologias digitais da informação e
comunicação precisem ser compreendidas e incorporadas pedagogicamente pelas
escolas, a presença desses recursos pedagógicos não garante alterações significativas no
processo educativo.
1.1 Estado do conhecimento sobre formação continuada e as TDIC
Nossa revisão da literatura analisou as produções científicas que abordam as
TDIC através dos cursos de formação continuada para professores. Foram utilizados
como fontes as teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação
24
disponíveis no site da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologias (IBICT), trabalhos publicados nos
anais das reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED) e no Repositório Institucional da UFPE.
O estado do conhecimento foi realizado a partir, inicialmente, da análise dos
resumos das produções científicas que tratam sobre a temática. Utilizamos as seguintes
palavras-chaves para estruturar a investigação: formação, professores, TIC14
. Adotamos
como recorte temporal o período de 10 anos, 2005-2015. Levamos em consideração o
tempo de publicação efetiva dos trabalhos, assim como o ritmo de desenvolvimento das
TDIC. Desse modo, a preocupação da investigação se manteve em trabalhos que
tratassem de maneira articulada a formação continuada de professores e o uso das TIC
em sala de aula.
Nos trabalhos publicados nas reuniões da ANPED, no Grupo de Trabalho 8
(Formação de Professores), foram encontradas oito ocorrências distribuídas entre os
anos de 2006, 2007, 2008, 2009 (2), 2010, 2013, 2015. Dentre os trabalhos pesquisados,
destaca-se o realizado por Ezicléia Santos (2009) que procedeu a um levantamento dos
artigos apresentados no GT–8, no período de 2000 a 2008, que tratavam sobre formação
de professores para o uso das tecnologias digitais na educação. Apenas 5,1 % do total
dos trabalhos apresentados nesse GT tratavam especificamente sobre o tema. Mesmo
com percentual médio de publicação baixo, a autora identificou um crescimento
significativo das produções sobre o tema no recorte temporal indicado. Ezicléia Santos
(2009) concluiu que apesar da forte presença das TIC no cotidiano das pessoas, elas
ainda não estão sendo utilizadas de maneira efetiva no ambiente escolar. A autora
aponta como causa dessa situação uma formação inicial distante do uso dos recursos
tecnológicos e uma formação continuada aligeirada e centrada em questões técnicas
relacionadas ao computador.
Por outro lado, Analigia Silva (2013), ao apresentar os resultados de sua
pesquisa, indicava que os professores consideram que não possuem formação adequada
para o uso das TIC e essa carência no domínio das tecnologias surge como um dos
maiores impedimentos para o seu uso na prática pedagógica.
14
A pesquisa utilizou o termo “TIC” devido a sua antiga inserção no debate e à sua abrangência. É algo mais recente o acréscimo da letra “D”, que faz referência ao digital. Nesse sentido, encontramos na literatura que trata das tecnologias da informação e comunicação, bem como da educação para o uso dessas tecnologias, autores que utilizam TIC e outros TDIC. Salientamos que ambos os termos, nesta pesquisa, fazem referência aos mesmos dispositivos.
25
Lopes e Fürkotter (2010), por sua parte, ao analisar formação inicial em São
Paulo, constataram que apesar da presença das TIC em algumas disciplinas, obrigatórias
e optativas, dos currículos das universidades pesquisadas, ―as ocorrências assumem a
forma de conteúdos curriculares que veiculam conhecimentos somente sobre o
computador. Em disciplinas como ‗Didática‘ (Quadro 2), elas assumem a forma de
conteúdo a serem apenas discutidos‖ (p.14). Desarticulação no nível das propostas
curriculares prejudica o processo de desenvolvimento de práticas pedagógicas que
integrem, de forma efetiva, as tecnologias ao contexto da sala de aula, gerando, por
assim dizer, simulacros de prática.
Outra perspectiva sobre o mesmo tema é apresentada por Vosgerau (2012) ao
identificar um dos motivos dos fracassos das políticas públicas de formação para o uso
de tecnologia digital. Algumas ações formativas, em especial aquelas que são
semipresenciais, possuem uma carga horária elevada e o desenvolvimento individual
não é levado em consideração nos processos avaliativos.
Uma outra pesquisa, a de Adriana Silva (2007), analisou a forma pela qual o
computador é utilizado por professores instrutores (multiplicadores) e professores
regentes (participantes dos cursos) e evidenciou que os usos ―são reflexos de
concepções de ensino e de aprendizagem que refletem uma perspectiva tradicional do
ensino muito diferente do uso proposto pelas diretrizes dos cursos‖ (p.13). A partir
dessa análise, a autora identificou que existem certas contradições nas ações formativas.
Para a autora, a mais relevante, em todo processo de formação, é o caráter
essencialmente técnico dos cursos que formam os professores instrutores. Tendo em
vista que estratégia de formação em cascata é prática comum nas políticas públicas, o
processo de reflexão sobre a prática, e sua futura modificação por meio da introdução
das TIC, pelos professores regentes fica comprometida.
Por sua vez, o levantamento dos trabalhos científicos realizado na plataforma
BDTB gerou duzentos e vinte e seis (226) ocorrências. Desse montante, dos trabalhos
que tem relação com nossa pesquisa apenas sessenta e oito (68) são dissertações e vinte
e uma (21) são teses. Através desse estudo, verificamos uma concentração na produção
acadêmica no Sudeste, região onde 45% das teses e dissertações foram produzidas, em
segundo lugar está a região Sul, que responde por 28% da produção, seguida pela região
Nordeste com 15% da produção. As regiões Centro Oeste e Norte produziram o
equivalente a 10% e 2%, respectivamente.
26
A partir da análise dos resumos dos trabalhos encontrados na plataforma BDTD,
identificamos uma predominância da abordagem qualitativa e uma preferência por
pesquisas do tipo estudo de caso (12%) e pesquisa-ação (11%). Sobre as questões de
pesquisa exploradas, 45% investigam o problema na perspectiva de prática docente e
formação de professores e os outros 55% se distribuem entre currículo e políticas
públicas. A pesquisa no banco digital de teses e dissertações do Repositório
Institucional da UFPE encontrou cento e cinquenta e uma (151) ocorrências, contudo
após a análise dos resumos dos trabalhos encontrados, apenas onze (11) trabalham de
maneira articulada os termos chaves que orientaram o estado do conhecimento.
A partir dos trabalhos consultados, na BDTD e no Repositório Institucional da
UFPE, sobre as ações formativas que abordam o tema da nossa pesquisa ( Netto, 2013;
Carmo, 2012; Pocrifka, 2012; Aguiar, 2013), podemos perceber que as ações
formativas, em sua maioria, são desenvolvidas pelo poder público, a partir das
Secretárias de Educação (SE) de seus respectivos estados ou munícipios e, em alguns
casos, em parceria com o Ministério da Educação (MEC), possuem viés liberal
conservador (Maristela Silva, 2014), têm um caráter instrumental e privilegiam
orientações técnicas para o uso de equipamentos e de programas.
Essa proposta formativa, que privilegia o uso meramente instrumental das TIC,
constada pelas pesquisas, promoveria restrições às potencialidades dessas ferramentas,
como afirma Aristoteles da Silva Oliveira (2007). Contudo a adoção de outras
abordagens encontra, na cultura escolar tradicional, um forte limitante, pois para
Maristela Silva (2014, p.94),
É difícil para os professores integrarem as tecnologias na sua prática
docente sem mudança da cultura escolar. A mudança das concepções
dos docentes não é suficiente para promover a aprendizagem dos
estudantes com uso das tecnologias se a cultura escolar continua
conservadora.
De acordo com Maria Silva (2015), existe uma carência no domínio das
tecnologias e, para utilizá-las no processo educativo, os professores sentem a
necessidade de dominar, minimamente, os elementos técnicos que as integram.
Contudo, de acordo com Carmo (2012), o processo de integração das TDIC à prática
docente não ocorre apenas com o conhecimento da técnica e do acesso aos
equipamentos, mas sobretudo, por meio do conhecimento didático-pedagógico que
27
possibilitaria a necessária reflexão, base da tomada de decisão sobre a organização da
prática.
A falta de articulação entre as instâncias responsáveis pela formação é também
apontada como uma característica em comum entre as ações formativas desenvolvidas
pelos órgãos públicos (Brasiliano, 2013). As ações formativas são organizadas em
formato de cursos pontuais, que tem sua duração atrelada ao processo de distribuição
dos equipamentos (Brito, 2013), ofertados em espaços externos à escola e são centradas
no domínio do passo-a-passo dos programas (Maria, 2005). O formato dessas ações, a
inadequação estrutural e a má gestão escolar são fatores que dificultam o processo de
integração das tecnologias à prática pedagógica dos docentes, segundo Paulo André da
Silva (2007) e Maria Léa Guimarães da Silva (2015).
A partir dos trabalhos consultados, percebemos que ações formativas são
organizadas e executadas seguindo uma lógica verticalizada e afastada da realidade das
escolas. Ações pontuais, de curta duração, nas quais o acompanhamento dos docentes é
superficial e o diálogo com os docentes se faz ausente, por parte dos gestores da
formação, surgem como características negativas das políticas públicas e estariam entre
os motivos que concorrem para o fracasso dessas ações. O caráter compulsório, assim
como o horário em que elas ocorrem, também são apontados como um dos motivos de
insatisfação por parte dos docentes. Percebemos também uma predominância do caráter
instrumental (foco no uso dos equipamentos e de programas) dos currículos das ações.
Apesar de haver concordância quanto à necessidade de domínio dos conhecimentos
técnicos sobre informática, esses conhecimentos acabam ocupando um espaço
desproporcional em relação a outros que possibilitem abordagens mais críticas sobre a
produção, inserção no cotidiano das práticas sociais e o uso dessas ferramentas.
1.2 Formação continuada para as TDIC, na rede pública estadual de ensino de
Pernambuco, delimitação do problema, objeto, objetivos e o campo de investigação
Em 201515
, a Rede Estadual de Ensino era responsável por um mil e cinquenta
e duas (1.054) escolas, distribuídas por todo território Pernambuco. Desse quantitativo,
15
Ano do último relatório apresentado pela SEDUC/PE em conformidade com a Lei de Responsabilidade
Educacional de Pernambuco nº 13.273, de 5 de julho de 2007.
28
vinte e sete (27) são escolas técnicas, trezentas (300) são Escolas de Referência em
Ensino Médio (EREM) e setecentas e vinte e cinco (725) são escolas ditas regulares.
Oitenta e um por cento (81%) do total das escolas possuem laboratório de
informática e oitenta por cento (80%) bibliotecas, entretanto apenas quarenta e nove por
cento (49%) possuem quadra poliesportiva em sua estrutura física. A partir desses dados
podemos enxergar uma atenção diferenciada, pelo menos quando estamos tratando de
estruturas físicas, em relação à temática das TDIC.
Ainda de acordo com os dados oficiais, no de 2014 foram investidos ao todo
duzentos e vinte milhões de reais na Rede Estadual de ensino. Desses investimentos
cento e trinta milhões e noventa e seis mil de reais foram gastos com a aquisição de
equipamentos de informática, por sua vez, foram investidos setenta e nove milhões em
obras e instalações e dez milhões em móveis e utensílios. Novamente percebemos que
as TDIC ocupam um espaço diferenciado em relação as outras modalidades de
investimentos na educação pública estadual, pois sessenta e nova por cento (69%) do
montante investido foi direcionado para essa área.
Diante dos dados supracitados sobre as estruturas físicas e as opções de
investimentos surge a dúvida a respeito das justificativas que estão por atrás dessa
tomada de decisão. Quais são motivos que levaram o poder público estadual, por meio
da SEDUC, a priorizar os investimentos dos recursos públicos na construção de
estruturas físicas e na aquisição de produtos de informática?
Seguindo a mesma estratégia de ações, o Governo do Estado de Pernambuco
criou, com base na Lei de nº 13.686/2008, regulamentada pelo Decreto de nº
32.891/2008, o Programa Professor Conectado e pela Lei de nº 14.546/ 2011, o
Programa Aluno Conectado. As ações desenvolvidas pelo Estado visavam garantir a
inclusão digital de professores e alunos por meio da distribuição de notebooks e tablets.
O Programa Professor Conectado16
teve duas edições, 2008 e 2011, fornecendo
notebooks a, aproximadamente, vinte e oito mil professores efetivos, com um total
investido de, aproximadamente, cinquenta e sete milhões de reais17
. Contudo, estudos
realizados por Silva e Duvernoy (2014) apontam que, em ambos os programas, não
houve articulação entre a distribuição dos dispositivos móveis e as ações formativas.
16
Apenas os professores e os técnicos concursados foram beneficiados pelo programa. Atualmente, a rede
estadual de ensino conta com um total de 69.134 professores, destes, 17.853 (25,8%) são contratados de
forma temporária. 17
Fonte: http://www.pe.gov.br/blog/2011/12/27/educacao-lanca-segunda-edicao-do-programa-professor-
conectado/, acesso em 02/02/2016.
29
Em 2012, um ano após a distribuição, foram publicados sete fascículos digitais,
disponíveis no site da Secretária de Educação de Pernambuco18, da revista ―Tecnologias
na Escola – Conectando Ideias‖. Os textos disponibilizados abordam questões técnicas
de uso dos equipamentos, uso dos softwares, internet, robótica educacional e também
contém propostas pedagógicas centradas no uso dos equipamentos e softwares.
Ainda no que se refere à formação de professores, os primeiros contatos com o
campo de estudo, a partir de contatos informais e visitas à sede da Secretaria de
Educação do Estado de Pernambuco (SEDUC/PE), já sinalizaram para uma possível
desarticulação da política de formação continuada dos professores da rede estadual, pois
cada secretaria executiva19
tem autonomia para desenvolver suas ações formativas. Ao
todo, foram identificadas sessenta e cinco (65)20
ações formativas desenvolvidas pela
SEDUC/PE que atenderam a professores e técnicos. Cada ação tem abordagem própria,
público e conteúdo específico. Todas as ações formativas foram agrupadas no Relatório
de Responsabilidade Educacional onde constam também as ações desenvolvidas pelo
Programa de Formação e Valorização do Professor, em vigência desde 2007, que visam
―promover o bem-estar e comprometimento dos professores, bem como incentivá-los a
buscar o aperfeiçoamento profissional‖ (Pernambuco, 2014, p.19). As ações são
desenvolvidas pela própria Secretaria, em parceria com a UFPE, a UFRPE, o IFPE, a
UPE e a Univasf, bem como com instituições privadas, a exemplo do Instituto Ayrton
Sena, da Fundação Roberto Marinho e do MindLab21
.
Uma leitura prévia da lista de ações formativas, voltadas para a temática das
tecnologias digitais da informação e comunicação, permite identificar o MEC como o
principal parceiro no desenvolvimento e execução dessas ações formativas. Todas as
ações formativas fazem parte do Programa Nacional de Formação Continuada em
Tecnologia Educacional (ProInfo Integrado) que é pensado de forma a promover a
inclusão digital dos professores e gestores escolares, assim como melhorar a qualidade
18
http://www.educacao.pe.gov.br/portal/, acesso em 02/02/2016 19
A Secretaria de Educação de Pernambuco (SEDUC/PE) é subdivida em cinco secretárias executivas:
Secretaria Executiva de Gestão da Rede, Secretaria Executiva de Desenvolvimento da Educação,
Secretaria Executiva de Educação Profissional, Secretaria Executiva de Administração e Finanças,
Secretaria Executiva de Planejamento e Coordenação. Cada secretaria tem suas atribuições e áreas de
atuação delimitadas. Sendo assim, o campo de formação continuada integra as ações de 3 secretarias
executivas: Gestão de Rede, Educação Profissional e Desenvolvimento da Educação. 20
Ver Anexo 1. 21
Apesar da atuação das instituições privadas serem vinculadas ao PROFUNCIONÁRIO (Formação para
não docentes) encontramos Projetos, como os ―Travessia‖, ―Acelera‖, ―Mente Inovadora‖ que têm como
público alvo os docentes.
30
da educação básica. Sua execução ocorre através de quatro cursos semipresenciais:
―Introdução a Educação Digital‖, ―Tecnologias da Educação‖, ―Elaboração de Projetos‖
e ―Redes de Aprendizagem‖. O conteúdo dos cursos, vídeo aulas e apostilas estão
disponíveis nos sites Portal do Professor, Banco Internacional de Objetos Educacionais,
Domínio Público e pela TV Escola e DVD Escola.
A partir da análise dos títulos das ações e de seu público alvo, constantes do
Relatório de Responsabilidade Educacional do Programa de Formação e Valorização do
Professor, podemos identificar uma maior atenção aos temas e aos professores de língua
materna e língua inglesa (18%) e de matemática (10%). A temática da tecnologia
educacional, com foco nas TDIC, ocupa a terceira posição, com 8% do total.
As particularidades dessas ações tornam a rede pública estadual de ensino de
Pernambuco um campo de estudo interessante no que tange a políticas públicas,
concepções de uso de recursos didáticos tecnológicos e às práticas de formação
continuada de professores. As políticas públicas implementadas pelos programas
supracitados, tinham como objetivo incluir digitalmente professores e alunos por meio
do acesso aos equipamentos. Contudo, como se sabe, o acesso significativo à TDIC
―abrange muito mais do que meramente fornecer computadores e conexões à internet.
Pelo contrário, insere-se num complexo conjunto de fatores, abrangendo recursos e
relacionamentos físicos, digitais, humanos e sociais.‖ (Warschauer, 2006, p. 21). De
acordo com o autor, a disponibilidade de equipamentos e a conexão com a internet são
aspectos necessários, porém o desenvolvimento das capacidades de uso, por parte dos
usuários dessas ferramentas, surge como algo bem mais importante quando estamos
tratando sobre o processo de superação da exclusão digital. Lévy (1993) defende que a
inclusão digital é algo que vai além da instrumentalização e transmissão de informações
sobre o uso da informática. Mais do que somente saber como acessar, seria importante
saber por que, para que, para quem e o que acessar, pois qualquer tecnologia deve ser
inserida em um contexto maior de desenvolvimento de aprendizagens pessoais,
relacionais, produtivas e cognitivas.
Nesse sentido, é importante analisar as ações da SEDUC/PE, instância do Poder
Executivo estadual22
, no que tange ao tratamento dado à integração das TDIC à
22
A Frente Popular de Pernambuco (PSB, PMDB, PC do B, PV, PR, PSD, PPS, PSDB, SD, PPL, DEM,
PROS, PP, PEN e PTC), aliança partidária capitaneada pelo Partido Socialista de Brasileiro (PSB),
atualmente exerce o domínio político nos âmbitos dos executivos estadual e municipal (Recife). Também
conta com a maioria na Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE), 26 dos 49 assentos estão
31
educação escolar, pois acreditamos que o processo de melhoria da qualidade da
educação em Pernambuco está também relacionado com a inclusão digital de alunos e
professores. Por compreendermos que a inclusão digital se trata de um processo
complexo, e que vai além da distribuição de equipamentos, surge a dúvida sobre que
tipos de ação formativa têm sido desenvolvidos pela SEDUC/PE e como eles têm se
efetivado. Os sujeitos participantes das ações, o currículo, as abordagens metodológicas
e as próprias concepções de formação e tecnologia são pontos de interesse da nossa
pesquisa.
A partir dessas questões de partida, identificamos algumas possibilidades de
investigação que se colocam em relação a como as tecnologias estão presentes no
contexto escolar, como elas estão sendo integradas às práticas pedagógicas e, sobretudo,
qual relação podemos delinear entre as ações formativas e esse processo de
integração da TDIC? Sendo assim, delimitamos o problema de pesquisa com a
seguinte pergunta: quais e que tipo de ações formativas voltadas às docentes estão sendo
desenvolvidas, pela Secretária de Educação de Pernambuco, no que se refere à
integração das tecnologias digitais à prática pedagógica de professores do ensino
médio?
Elegemos como objeto de pesquisa as políticas públicas de formação e as
práticas formativas que abordam a temática das TDIC desenvolvidas pela SEDUC-PE,
com foco em dois programas concebidos e conduzidos por princípios e práticas
distintas, porque têm origem diferentes.
A pesquisa é conduzida considerando como objetivo geral analisar as ações
formativas de professores desenvolvidas pela Secretária Estadual de Educação de
Pernambuco (SEDUC/PE), por meio de suas Secretarias Executivas, que têm como
finalidade possibilitar a integração das TDIC à prática de professores.
Propomos como objetivos específicos, os seguintes: identificar as políticas
públicas de formação de professores desenvolvidas pelo poder público estadual, em
especial a SEDUC/PE; Analisar a inserção das TDIC nas políticas de formação
continuada da SEDUC/PE. Analisar os pressupostos teórico metodológicos que dão
sustentação às ações formativas de professores desenvolvidas pela SEDUC/PE relativas
à integração das tecnologias digitais à prática pedagógica de docentes;
ocupados pelos deputados da base do governo. Dessa forma, Geraldo Júlio (Prefeito de Recife) e Paulo
Câmara (Governador de Pernambuco) integram a mesma frente política que responde pela gestão das
redes de ensino da Capital e do Estado, articulando princípios, diretrizes e concepções semelhantes.
32
Adotamos a abordagem qualitativa e o principal instrumento utilizado para
coleta de dados foi a pesquisa documental. Utilizamos também a entrevista estruturada
com intuito de complementar as informações coletadas após o tratamento e análise dos
documentos. Por sua vez os dados foram trabalhados por meio da técnica de análise
categorial de Bardin (1977). Foram criadas três (3) categorias de análise: Lógica
instrumental, lógica da performatividade e lógica crítica. Por meio delas, estudamos os
pressupostos teóricos, os objetivos e as estratégias contidos nas ações formativas
identificadas.
Nossa pesquisa foi organizada em seis (6) capítulos. Na ―Introdução‖
apresentamos as questões que deram origem a nossa pesquisa, discutimos brevemente o
papel das TDIC no cotidiano e esclarecemos as relações entre o tema proposto e a
minha trajetória profissional. Delimitamos os objetos, objetivos gerais e específicos e
introduzimos nosso campo de pesquisa.
No segundo capítulo, intitulado ―Formação de professores, formação
continuada e TDIC: elementos do marco de referência‖, estabelecemos o referencial
teórico do trabalho. Debatemos os conceitos de formação de professores, formação
continuada e de TDIC.
No capítulo seguinte, ―Percurso metodológico‖, apresentamos e justificamos a
escolha dos instrumentos de coleta e análise de dados. Nesse sentido realizamos uma
discussão sobre as categorias de análise criadas para o tratamento dos dados coletados.
Na quarta parte da pesquisa, denominada ―Ações formativas desenvolvidas
pela SEDUC/PE‖, identificamos e analisamos a política de formação continuada
elaborada pela SEDUC. Nessa sessão apresentamos, com mais detalhes, nosso campo
de pesquisa.
No capítulo 5 apresentamos e analisamos as ações formativas executadas pelos
programas MenteInovadora e ProInfo. Nessa parte procuramos identificar os eixos
estruturantes das ações e como eles se relacionam com a natureza jurídica das
instituições que ofertam as formações. No último capítulo apresentamos nossas
considerações finais sobre a pesquisa.
33
2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES, FORMAÇÃO CONTINUADA E TIC:
ELEMENTOS DO MARCO DE REFERÊNCIA EM CONSTRUÇÃO
2.1 Formação de professores: princípios, finalidades e pressupostos teóricos
De acordo com Libâneo (1986), as tendências do pensamento pedagógico se
manifestam nas práticas escolares, nos currículos, na organização do ensino e nas
concepções pedagógicas adotadas pelos professores. As duas grandes categorias
propostas pelo autor, que reúnem diversas tendências, ―Pedagogias Liberais‖ e
―Pedagogias Progressistas‖, apesar das limitações impostas por qualquer modelo
classificatório e descritivo, facilitam a análise do desenvolvimento das concepções
sobre educação, assim como a compreensão da própria prática pedagógica.
―Reside aqui a compreensão de que a formação, enquanto política e prática
formadora apresenta princípios, finalidades e pressupostos teóricos que são
manifestados na dinâmica de organização e materialização das práticas formativas‖
(Edlamar Oliveira dos Santos 2010, p.21). O conteúdo das políticas, os objetivos, as
metas e as intenções expressam interesses políticos e pedagógicos que deveriam ser
esclarecidos e discutidos, pois possuem uma relação dialética com a construção da
própria realidade da educacional.
Dessa forma, o desenvolvimento das concepções sobre formação pode ser
compreendido como um processo complexo, que não se dá naturalmente e nem tão
pouco é homogêneo. As concepções pedagógicas caminham com avanços e retrocessos
que nem sempre preservam uma coerência interna. Geralmente as discussões sobre
certos temas não são traduzidas em políticas públicas concretas, contudo os debates
estimulam e promovem reflexões que ganham espaço na sociedade e aos poucos são
incorporadas às regulações dos sistemas de ensino e escolas.
―A legislação não nasce do nada, como inspiração ou insight
momentâneo, por desejo deste ou daquele; é resultante de um
processo histórico em que ações se desenvolvem e criam impasses
e questionamentos pela forma como são praticadas, o que pode
gerar movimentos de vários segmentos sociais, movimentos que
são levados aos órgãos reguladores, que se podem mostrar mais ou
menos atentos ou interessados nas questões levantadas, e que, em
situação de negociação em contexto político, procuram criar
34
balizas onde elas não existiam ou reformular orientações quando
estas parecem não mais atender às condições de qualidade
pensadas para as atividades desenvolvidas‖ (GATTI, 2008, p.68)
Dessa maneira, na metade final do século XX, no Brasil, podemos perceber a
predominância de uma pedagogia de cunho político-epistemológico liberal
constituindo-se como uma teoria a serviço da manutenção da ordem estruturada, na
defesa dos interesses individuais em detrimento dos coletivos e do recuo da presença do
Estado na formulação e execução de políticas públicas. As políticas de formação,
inspiradas em sua vertente tecnicista, característica dos anos 60 e 70, estruturada a partir
do tripé eficiência, racionalidade e produtividade, ganham novo fôlego e passam a
promover um conjunto de ações formativas (planos, programas e projetos) que visava
treinar os indivíduos para as exigências do mercado de trabalho através da imposição de
valores e normas vigentes. As influências do modelo de produção fordista/taylorista, até
então dominantes, impulsionaram uma visão funcionalista da educação, marcada pela
divisão social do trabalho e pela hierarquização do saber.
De acordo com Santos (2010), a década de 70 pode ser caracterizada como um
momento no qual a formação era compreendida como treinamento dos professores. O
modelo taylorista, que acentuou a divisão social do trabalho, promoveu uma perspectiva
de educação segundo a qual os professores exerciam o papel de técnicos educacionais,
pois seriam os responsáveis diretos pelo processo de aplicação das técnicas
desenvolvidas na universidade. ―Coube a essa formação a função de garantir a
instrumentalização técnica do professor, atribuindo-se um caráter de neutralidade, na
medida em que ela se fazia isolada dos aspectos políticos e sociais que envolvem o
ensino e processo formativo‖ (Santos 2010, p.78).
De acordo com Gomide e Miguel (2012), os pressupostos tecnicistas, que já
tinham um espaço relevante nas universidades, foram introduzidos na educação básica
por meio da Lei 5692/71 que regulamentou a formação técnica-profissional e instituiu o
ensino de 1º e 2º graus. A reforma do ensino superior, organizada a partir da Lei
5540/68 e legitimada a partir do discurso da eficiência e da flexibilidade administrativa
das universidades, instituiu a extinção das cátedras, a separação em departamentos, o
regime de créditos e a matrícula por disciplina.
Para Bonetti (2003), o processo de divisão social do trabalho nas escolas,
constituído a partir de relações hierárquicas de poder e saber, é produto de uma época
35
onde os aspectos políticos, sociais e antropológicos da educação eram desprivilegiados.
Nesse contexto, estrutura-se a subordinação entre produtores e reprodutores do saber
científico caracterizada pela transmissão vertical dos conhecimentos. Uma de suas
principais características, de ordem epistemológica, é a adoção da racionalidade técnico
científica. Nessa perspectiva, o trabalho docente é compreendido como uma prática de
ensino instrumentalizada que visava atingir objetivos por meio de um conjunto de
técnicas fundamentadas cientificamente. A qualidade da educação, independente de
contexto, deveria ser assegurada a partir da aplicação correta das técnicas
produzidas/reproduzidas por especialistas. Nesse sentido, Gomide e Miguel (2012, p.11)
argumentam que a ―escola cumpriu um papel social articulado à preparação de
indivíduos para ocupar um lugar na divisão social do trabalho, inculcando a ideologia
burguesa, baseada na ordem, na obediência, na competitividade e no mérito‖
O esvaziamento político das ações formativas no decorrer da década de 70, o
desgaste do regime militar e a rearticulação das forças sociais democráticas fomentaram
o debate sobre a educação e a retomada da compreensão de seu caráter político. De
acordo com Demerval Saviani (2011), a década de 1980 é caracterizada pelo
movimento organizativo-sindical dos docentes nos dois níveis de ensino e pelo foco das
produções acadêmicas na busca por alternativas para os problemas da educação em
articulação com a realidade brasileira. O processo de superação de um regime
autoritário que repelia qualquer forma de participação popular influenciou as propostas
que pretendiam promover a democratização política e, ao mesmo tempo, ampliar os
mecanismos de participação na gestão escolar e assegurar o acesso a uma escola pública
de qualidade.
Como uma reação a esse esvaziamento político das ações formativas, de cunho
tecnicista, o debate acadêmico sobre a formação no decorrer dos anos 80 ―passou a
privilegiar o caráter político da prática pedagógica e o compromisso do professor com
as classes populares‖ (Santos 2010, p. 79). Ainda de acordo com autora, houve também
a ampliação das questões contempladas pelo processo formativo, pois aspectos antes
negligenciados, como as condições de trabalho e o desenvolvimento da carreira docente,
passaram a ter maior relevância nas produções científicas e nos debates acadêmicos.
Nesse movimento, a associação entre os conhecimentos técnicos e o compromisso
político surge como um referencial no processo de formação docente.
36
A abertura política lenta e gradual gerou um processo redemocratização marcado
por uma estratégia de conciliação pelo alto e com a garantia de continuidade de uma
ordem socioeconômica estruturada durante o regime militar. Para Saviani (2011), a
ambiguidade política dessa fase de transição influenciou a elaboração e a tentativa de
implementação das propostas pedagógicas que se colocaram contra a ordem vigente.
Para o autor, um dos termos adequados para organizar o amplo espectro de propostas,
oriundas dessa época, é a designação de pedagogias de esquerda. De uma forma geral e
didática podemos dividir essa pedagogia em dois grandes grupos. O primeiro adota uma
tendência baseada nas ideias de Paulo Freire, na teologia da libertação e em alguns
conceitos de origem anarquista. Essa proposta tinha como referência uma pedagogia
―centrada no saber do povo e na autonomia de suas organizações e preconizava uma
educação autônoma‖ (Saviani, 2011, p.414). O segundo grupo, de referencial teórico
predominantemente marxista, se baseava em uma centralidade da educação escolar que
deveria oportunizar o acesso ao conhecimento científico às camadas populares.
Contudo, essas propostas pedagógicas não chegaram a se transformar em norma
legal ou produzir uma reforma educacional, pois o alinhamento político à doutrina
neoliberal, promovida pelos governos brasileiros no decorrer década de 90, passou a
orientar as políticas educacionais em outra direção. A superação das crises do capital e o
processo de consolidação do Brasil enquanto uma economia subalterna no jogo do
mercado globalizado colaborou com a manutenção de uma visão produtivista da
educação.
No campo específico da formação, Zeichner (2008) argumenta que a mudança
de concepção transitou de uma reflexão instrumental para uma reflexão prática,
passando a ser influenciada pelas contribuições das ciências cognitivas e por uma maior
aceitação da abordagem qualitativa nas pesquisas em educação. Contudo, o caráter
epistemológico dessa mudança não ocorreu à revelia do projeto político neoliberal. Para
o autor, as reformas educacionais promovidas no decorrer das décadas de 80 e 90 se
inserem no avanço das reformas neoliberais que visavam exercer um maior controle,
contudo mais sútil, sobre a prática docente.
A emergência da reflexão sobre a prática pode ser interpretada como uma reação
à instrumentalização do ensino promovida pela pedagogia liberal tecnicista das décadas
anteriores. Contudo, apesar da legitimidade de que ela se reveste e a urgência com que
foi assimilado esse tipo de olhar voltado para a prática, devemos levar em consideração
37
o contexto sociopolítico em que se deu essa mudança de paradigma que presidia a
formação, de modo que a ascensão da reflexão e seus derivativos podem ser também
assimilada, em algumas de suas traduções, como uma atualização de preceitos
tecnicistas.
A derrocada do socialismo no leste europeu abriu espaço para o livre
desenvolvimento das políticas neoliberais, tendo em vista a falência do socialismo real e
a sua substituição pela economia de mercado. A doutrina neoliberal foi adotada como
solução para as sucessivas crises do sistema capitalista, mascarando o real interesse do
capital financeiro em expandir e consolidar sua atuação nas economias emergentes da
América Latina e da Ásia. As crises foram tratadas com a ajuda financeira do Banco
Mundial e do FMI que defendiam uma cartilha de diminuição do estado e de uma
educação voltada para o Mercado.
Contudo, o pressuposto da importância da reflexão sobre a prática não surge
especificamente no final do século XX, apesar da importante contribuição da obra
―Educando o profissional reflexivo‖ de Donald Schön23
para as discussões sobre o fazer
profissional, pois autores como Freire e Habermas já haviam apontado, muito antes, por
diferentes razões e fundados em princípios distintos dos defendidos por Schön, para a
necessidade de se refletir criticamente sobre nossas ações. Segundo Zeichner (2008),
um dos primeiros a se debruçar sobre a questão da reflexão sobre a prática foi Dewey,
cuja obra seminal, HowWeThink24
, data de 1910.
Sendo assim, o que temos, no decorrer das duas últimas décadas do século XX, é
a reemergência das teses da reflexão sobre a prática educativa, articulada a um projeto
político neoliberal. Portanto, esse tipo de reflexão, mesmo dizendo-se estimulada por
uma crítica à instrumentalização da educação, desenvolveu uma análise associada a uma
23
Donald Schön (1930-1997),filósofo e pedagogo estadunidense, pesquisou sobre a reflexão na educação,
Difundiu sua produção sobre a reflexão na educação, nas seguintes obras: Educating the Reflective
Practitioner. San Francisco: Jossey-Bass, 1987, esta traduzida para o português sob o título de Educando
o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000 -,
The ReflectiveTurn: Case studies in andoneducationalpractice. New York: TeachersCollege (Columbia),
1991 e, em colaboração com MartinRein, Frame Reflection: Toward the Resolutionof Intractable Policy
Controversies. New York: Basic Books, 1994. Foi professor no Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(MIT) de 1968 até sua morte. A ―aprendizagem organizacional‖ e a ―eficácia profissional‖ são temas que
estiveram no centro de seu trabalho como pesquisador e consultor. Realizou trabalhos e consultorias tanto
em agências do governo, quanto em setores da indústria privada, em razão do que desenvolveu uma
abordagem de investigação da gestão para lidar com problemas e erros nas organizações. 24
Traduzido para o português com o título de ―Como pensamos: como se relaciona o pensamento
reflexivo com o processo educativo: uma reexposição.‖, publicado pela Companhia Editora Nacional, em
1959.
38
concepção de ensino, de aprendizagem e de entendimento da sociedade que pouco
contribuiu para a compreensão crítica dos fatores sociopolíticos que condicionam a
prática docente.
Num contexto em que medra a doutrina neoliberal, as ideias pedagógicas
assumem o fracasso da escola como algo inerente à incapacidade do Estado em
assegurar o bem comum. A partir dessa constatação, crescem as investidas da iniciativa
privada no setor educacional e a agenda neoliberal torna-se a referência no
desenvolvimento de políticas públicas que enxerga, na retração do Estado, uma saída
para as crises cíclicas da economia capitalista.
A passagem do modelo fordista/taylorista de produção para uma era de
acumulação flexível (Harvey, 2001) gerou novas demandas para a formação dos
trabalhadores. O entendimento sobre o papel desempenhado pela escola, no processo de
formação, modificou-se, pois, as novas características do mercado exigiam do
trabalhador uma maior flexibilidade nas habilidades do fazer de cada profissão. Antes, o
intuito era preparar o indivíduo para um mercado com necessidades de consumo
estáveis e de baixo grau de diversidade. Após a crise de 1970, o sistema produtivo
ganhou novos contornos, a produção em série deu lugar a um processo produtivo focado
em consumo específico e, com isso, desenvolveu-se um maior grau de exigência de
consumo e de produção. A lógica econômica deixa de ter um foco nas demandas
coletivas e uniformes e passa a ter como centro o indivíduo, com demandas não
uniformes.
Cada vez mais, as políticas sociais e educacionais estão sendo
articuladas e legitimadas explícita, direta e, muitas vezes,
exclusivamente em função do seu papel em aumentar a
competitividade econômica por meio do desenvolvimento das
habilidades, capacidades e disposições exigidas pelas novas formas
econômicas da alta modernidade. (BALL, 2004, p.1109)
Nesse contexto, anuncia-se a urgência em preparar o trabalhador para que possa
fugir da condição de excluído, por meio de vários cursos que visam atualizar as
competências necessárias aos novos cenários de trabalho. A tese dominante é a de que o
grau de empregabilidade terá relação estreita com o repertório acumulado de
competências e sua contínua atualização por parte do trabalhador. A responsabilidade de
se manter competente, logo com plenas condições de empregabilidade, torna-se um
fardo a ser carregado pelos indivíduos que devem viver a obsessão da eterna
39
atualização, tendo em vista a dinâmica das exigências de consumo e produção. Essa
transferência de responsabilidade, que tem como base a intenção de se reduzirem custos
das empresas e do próprio Estado, imputa ao indivíduo a culpa pela condição de
desempregado.
As reformas educacionais promovidas no decorrer da década de 1990 foram
fortemente influenciadas pelo ímpeto modernizante das forças neoliberais. As crises das
décadas de 70 e 80, responsáveis por modificar o sistema produtivo e o próprio capital,
ditam as novas exigências do mercado de trabalho e a dinâmica da relação entre
conhecimento, sujeito e tecnologia promoveram questionamentos sobre o modelo de
educacional vigente. A incapacidade da escola de reagir de maneira crítica aos
desdobramentos do desenvolvimento da sociedade contemporânea, gerou profundos
dilemas acerca da formação docente. Esse novo contexto exigiu da escola e dos
profissionais da educação novas formas de gestão e organização do trabalho, como
afirma Santos (2010). A modernização da escola, executada em parceria com
organismos multilaterais e fundamentada em uma reflexão prática, privilegiou uma
concepção de escola focada na eficácia, eficiência e produtividade. O bom desempenho
nas avaliações, efetivadas a partir de instrumentos internos e externos, tornou-se a
referência para a promoção do desenvolvimento da educação. A preocupação em
assegurar bons resultados (lógica da performatividade) reforçou ainda mais a
transposição da lógica de produção fabril para ambiente escolar.
Ao debater sobre a lógica de funcionamento das escolas e suas implicações na
identidade docente, Bonetti (2003) argumenta que a adoção de uma postura burocrática
acabou por priorizar o controle em detrimento da compreensão das necessidades
individuais, por parte dos docentes, e é fruto do convívio com a razão institucional da
escola. Conceitos como desenvolvimento atrelado a uma força externa, o sentido de
progresso a partir de uma lógica de acumulação, o caráter universalista da razão e sua
pretensa infalibilidade contribuem para a organização da razão institucional da escola e
servem de referência à padronização dos saberes e comportamentos.
A reemergência do paradigma tecnicista nas propostas educacionais veio
acompanhada de uma redefinição do papel do Estado, processo que foi compreendido
por Ball (2004, p.114) como ―acordo político do Pós-Estado da Providência‖. De acordo
com o autor, esse momento de transição teve alguns fatores centrais dignos de nota: a
mudança de papel do Estado, de provedor para regulador. O Estado, que antes buscava a
40
garantia do alcance desses objetivos através do controle, incentivo, direcionamento e
rígido controle, passa a fomentar o compartilhamento dos custos da educação com a
sociedade civil, em especial, com a iniciativa privada. O encolhimento do papel do
Estado e a ampliação das responsabilidades da sociedade civil são fenômenos
simultâneos e se organizam a partir da lógica privatizante do neoliberalismo. O Estado
regulador passa a descentralizar as responsabilidades, delegando-as a outras instituições,
mas também centraliza políticas no que tange à avaliação e definição de metas.
A compreensão, por parte do capital, dos serviços sociais enquanto oportunidade
de negócios também surge com um aspecto central em um processo de expansão e,
como pré-requisito, a mercantilização do não-mercado. Um terceiro aspecto faz
referência às aproximações de discurso, organização e práticas entre empresas e
instituições públicas. Podemos identificar nos esforços dos gestores e técnicos
educacionais de aprimorar os indicadores educacionais de suas escolas e cidades ou
Estados, os adotando com metas de produção anual, um movimento de transplante da
lógica empresarial para os setores públicos.
As políticas públicas de avaliação e definição de metas do Estado Pernambuco
servem como exemplo. De acordo com a SEDUC/PE, as Escolas de Estaduais de
Referência têm o seu ―planejamento estratégico‖ atrelado ao ―instrumento de gestão‖
chamado ―Tecnologia Empresarial Aplicada à Educação: Gestão e Resultados
(TEAR)‖25
. Essa estratégia de gestão foi desenvolvida a partir da junção entre a
Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO)26
e os pilares da educação propostos pela
Unesco e publicados em relatório organizado por Jacques Delors (1996)27
. Uma das
engrenagens essenciais para esse tipo de gestão é implementação ―de um sistema de
recompensas e sanções baseado na competição e na performatividade‖ (BALL, 2004,
p.1104). E um quarto e último fator, é mudança na relação entre Estado e cidadão, em
razão da qual a antiga posição de proteção assumida pelo Estado de Bem-Estar social
cede lugar a uma relação de consumo ativo dos serviços ofertados pelo Estado. O
cidadão é transformado em um consumidor de serviços. A viabilidade das políticas
sociais, aspecto determinado pela economia, associada a metas estabelecidas pelo
25
Disponível em: http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&men=70, acessado em 17/02/2016. 26
Disponível em: http://www.teargestao.com.br/?page_id=334, acessado em 17/02/2016. 27
DELORS, Jacques (org.). Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a Unesco da Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI. Editora Cortez, 1996.
41
Estado em parceria com organismos multilaterais (OCED, Banco Mundial, FMI,
UNESCO) redefinem as relações entre Estado e cidadão.
A eficiência e a produtividade vão ser asseguradas pela avaliação dos resultados.
Saviani (2011) aponta evidências, na LDB, desse novo papel desempenhado pelo
Estado ao tornar-se o grande responsável pela avaliação de todo sistema de ensino. Os
resultados obtidos por intermédio de instrumentos avaliativos passaram a servir como
critério para a distribuição de verbas públicas, instituindo-se o desempenho e os
resultados como instrumentos de política, orientada por uma lógica meritocrática. Esse
processo de esvaziamento teórico da formação e seu caráter fragmentado e
desarticulado, que prejudica as dimensões políticas e intelectuais das ações formativas,
tiveram seu respaldo teórico a partir de teses construídas em torno da noção de
―competência‖. De acordo com Santos (2010), as ideias de Perrenoud e Schön serviram
como referência para a elaboração de políticas educacionais, dentre as quais a de
currículo, supervalorizando as questões práticas do ensino em detrimento dos fatores
sociopolíticos e históricos que integram e envolvem o ambiente escolar. Vale salientar
que se atribui a tal concepção pedagógica a adoção de um entendimento particular e
restrito da prática docente. Dessa forma, elabora-se um raciocínio um tanto simplificado
segundo o qual para melhorar a educação bastaria apenas aprimorar a forma de se
ensinar, devendo-se para tanto investir na formação do professor.
A concepção fundamentada na noção de ―competência‖ tem filiação com o
paradigma de racionalidade técnica, no qual o papel da prática é supervalorizado, porém
compreendido a partir de uma perspectiva restrita. Para Saviani (2011), as práticas
conduzidas com base na ideia de competência têm por objetivo adaptar o indivíduo à
sociedade, constituída a partir da nova organização do processo produtivo, cabendo à
escola promover uma formação que visa tornar os sujeitos mais produtivos. Sendo
assim, a subordinação da educação às demandas do mercado surge do ―modelo de
competências‖ que condicionou diversas reformas educacionais no Brasil (Ferreti,
2002).
Nessa perspectiva, o lema ―aprender a aprender‖, algo precioso aos pensadores
da Escola Nova, passa por um processo de ressignificação para que pudesse dar
sustentação ao contexto das novas exigências mercado de trabalho. Saviani (2011)
argumenta que, no movimento da Escola Nova, o lema remetia à ―capacidade de buscar
conhecimentos por si mesmo, de adaptar-se a uma sociedade que era entendida como
42
um organismo em que cada indivíduo tinha um lugar e cumpria um determinado papel
em benefício de todo corpo social‖ (idem, p.432). A partir do pressuposto que as
mudanças no universo do trabalho demandariam novas habilidades dos trabalhadores, as
sociedades ocidentais promoveram, ―durante a última década daquele século (séc. XX),
um intenso movimento de reformas educacionais que viriam a atingir todos os níveis da
educação nacional‖ (Ferreti, 2002, p.300). Tendo em vista a mundialização da economia
e a imposição da gestão do imprevisível, a consigna do ―aprender a aprender‖ ganha um
novo contorno e se torna uma preocupação constante de atualização com fins de
desenvolver um alto grau de empregabilidade do sujeito. As instituições responsáveis
por promover a formação dos trabalhadores, e, nesse grupo, podemos inserir os
docentes, proporcionariam um desenvolvimento de conhecimentos e habilidades para
um mundo que vive em um processo de rápidas modificações. Dessa forma, para o
trabalhador garantir seu emprego não bastaria ter uma formação inicial sólida; o que lhe
restaria é desenvolver seu potencial de adaptabilidade a situações que ainda estão se
estruturando.
A concepção de educação que fundamenta a mudança de significado desse lema
é nomeada por Saviani (2011) de neoescolanovismo. Essa visão foi amplamente
difundida na década de 1990 e teve como referência o relatório coordenado por Jacques
Delors para a Unesco, já citado. As justificativas apresentadas no trabalho influenciaram
o desenvolvimento de políticas públicas implementadas na América Latina e
constituíram parte significativa da elaboração dos currículos. No Brasil, as propostas
encontradas em ―Educação: um tesouro a descobrir‖ fundamentaram a construção dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e contribuíram para disseminação da noção
de ―aprender a aprender‖.
Outra concepção sobre educação que influenciou a elaboração dos PCN, e que,
de certa forma, teve livre trânsito nos meios educacionais, foi o discurso
neoconstrutivista. Para Saviani (2011), o construtivismo teve sua base científica na
psicologia genética de Piaget e também foi resignificado nesse contexto da década de
90. Essa metamorfose, operada em sintonia com a crítica pós-moderna ao metarrelato,
desenvolveu-se a partir da valorização dos saberes docentes originados da prática. O
autor associa o neoconstrutivismo às ideias de competência e do professor reflexivo. A
crítica à concepção de formação que compreende a prática, dissociada de sua dimensão
43
sócio histórica, foi promovida pela pedagogia crítica que possui um entendimento
diferente sobre a prática pedagógica.
Nesse contexto de reformas, temos a edição da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB – n°9394/96), cujos dispositivos representam bem as disputas
políticas pela hegemonia de uma concepção de educação de qualidade. As pressões
exercidas pelos movimentos sociais conseguiram garantir a formação mínima em nível
superior como requisito para a docência na educação básica. Contudo, em atenção aos
interesses de grupos privatistas, essa mesma lei institui a criação dos Institutos
Superiores de Educação e do Curso Normal Superior, cuja regulamentação (Resolução
CNE n°02/1997) acaba por promover uma formação inicial aligeirada e distanciada dos
princípios que regem a universidade pública. A partir desse respaldo legal, as
instituições não universitárias, em sua maioria do setor privado, foram se apropriando
ainda mais a formação inicial de professores.
As reformas educacionais promovidas no decorrer da década de 90, que visavam
orientar a escola a partir das demandas de Mercado, deram continuidade à hegemonia da
racionalidade técnica e de um praticismo reflexivo nas ações formativas. A chave do
sucesso ou do fracasso da educação residia na mão dos docentes. Dessa forma, tivemos
o desenvolvimento de cursos de formação inicial e continuada que promoviam a
aquisição de conhecimentos e competências que solucionassem as questões práticas
relativas ao ensino. Apesar do entendimento restrito do desenvolvimento da educação à
responsabilidade do docente, situação que resultou na culpabilização dos professores
pelos sucessivos fracassos do sistema de ensino, observou-se um ganho político no que
tange ao reconhecimento do protagonismo dos professores no processo de mudança na
educação.
A partir dos anos 2000, assiste-se à consolidação da reflexão sobre a prática
como elemento essencial no desenvolvimento das ações formativas. Progressistas e
conservadores concordaram que a prática deveria ser repensada. Vale salientar esse
significativo ponto em comum: os dois grupos tinham concepções diferentes sobre o
entendimento do que seria a reflexão, mas concordavam que a prática era o objeto da
reflexão. Alarcão (2010) argumenta que o fascínio pelo paradigma do professor
reflexivo decorreu de uma série de fatores dentre os quais podemos citar: reação ao
tecnicismo, a falta de protagonismo docente nas reformas educativas, a relatividade
inerente à pós-modernidade e a valorização da epistemologia da prática. O slogan da
44
―reflexão sobre a prática‖ como algo necessário ao pleno desenvolvimento da educação
foi amplamente aceito por diversos setores da sociedade.
Serve-nos como exemplo o uso da reflexão para melhor reproduzir determinados
currículos e/ou métodos de ensino que são construídos sem a participação dos
professores e sem a compreensão de seu contexto. Esse tipo de reflexão ignora os
aspectos estruturais da prática docente, as condições sociais daqueles que compõem a
comunidade escolar e não promove a crítica sobre as concepções de educação e nem à
organização do sistema de ensino. Outra característica de reflexão ilusória é considerar
a prática como um processo focado exclusivamente no indivíduo, desassociando-a,
dessa forma, da observação das relações socais que a permeiam e que se dão nos
âmbitos escolar e familiar.
Ao desconsiderar esses fatores que influenciam substancialmente a prática
docente, esse tipo de reflexão contribui, na verdade, para uma espécie de apreensão
espontânea da realidade.
A este nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz
simplesmente a experiência da realidade na qual ele está e procura.
Esta tomada de consciência não é ainda a conscientização, porque esta
consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência.
(FREIRE, 1980, p.26)
Essa postura de reflexão, permeada de uma racionalidade técnica, restringe o ato
de refletir a questões imediatas e específicas ao ensino, promovendo, ademais, um
processo de aplicação de teorias que são exteriores aos sujeitos. Essa postura, através da
qual se ajustam os meios para se atingir determinados fins, estrutura-se em uma visão de
teoria separada da prática e que mesmo a ignora, fomentando uma concepção de ensino
pela qual se reduz o ensino a uma atividade técnica.
Santos (2010) argumenta que, no decorrer das décadas de 1990 e 2000, tivemos
um movimento complexo e contraditório no que se refere às concepções de formação,
que tiveram forte influência de um modelo pragmático instrumental. A competência
ganha destaque, nesse momento, por ter pautado as ações formativas de acordo com as
necessidades do Mercado, o que foi razão de inúmeras críticas por parte do movimento
de educadores, através de suas entidades representativas, mas também de pesquisadores
da formação de professores.
45
Em síntese, desde a perspectiva da reflexão prática, as atenções da formação
estão voltadas para a aquisição de competências necessárias ao desenvolvimento de um
ensino produtivo e eficiente. Parte-se de uma concepção sobre o papel do professor no
qual as questões práticas sobre o ensino assumem uma dimensão significativa e são de
exclusiva responsabilidade do professor, que deveria ser capaz de assegurar o bom
desempenho dos discentes por meio das competências adquiridas nas diversas ações
formativas. A valorização da prática na configuração do papel do docente não pode ser
vista como uma característica negativa, senão a afirmação de uma compreensão que se
fez de forma descontextualizada, portanto, uma compreensão da prática docente
dissociada do contexto no qual os sujeitos implicados estão inseridos. A
indissociabilidade entre das práticas e o contexto nas quais se inserem serve como base
para outra abordagem teórico metodológica, desta feita uma abordagem orientada pela
pedagogia crítica.
É no âmbito do paradigma da racionalidade crítica que surge a preocupação em
refletir sobre a prática, inserindo-a em um contexto sócio histórico. A compreensão de
que as práticas docente e de ensino se constituem também como uma prática social e
que os fatores estruturantes e condicionantes de contexto são construídos socialmente,
nos levam a enxergar a docência e sua formação como um processo mais amplo, que
não pode ser reduzido às questões restritas à sala de aula. O objetivo dessa abordagem
não se restringe, portanto, ao aprimoramento de técnicas por meio da aquisição de novas
competências, mas se inscreve no desenvolvimento de uma prática que promove
princípios democráticos e de justiça social (Zeichner, 1998).
Libâneo (2012), ao tratar sobre a formação de professores, identifica uma
questão com potencial para nortear a organização curricular, a prática pedagógica nas
universidades, e, como consequência, as práticas na educação básica: ―para entender
como se ensina um conteúdo para que os alunos se apropriem dele de modo
significativo, somente o conhecimento dos conteúdos disciplinares é insuficiente‖
(Libâneo, 2012, p.9) (grifo nosso). Nessa ótica, seria inconcebível um professor de
História que não tivesse domínio dos conteúdos de história, mas também que somente
detivesse conhecimentos históricos. O problema se estrutura quando se organiza uma
hierarquia de saberes nos processos pedagógicos, cujo resultado mais visível é
privilegiar um conteúdo em detrimento de outro. Sem deixar de reconhecer que
distorções na distribuição de carga horária entre os componentes curriculares, a
46
desvalorização da formação pedagógica e a separação entre bacharelado e licenciatura
sejam problemas importantes da formação inicial de professores, Libâneo (2012)
argumenta que a raiz do problema é de ordem epistemológica, pois os conteúdos são
trabalhados de maneira desarticulada e fragmentada.
2.2 Formação continuada de professores: perspectivas teóricas e seus significados
A partir de sua vivência profissional, os professores entram em contato com uma
vasta quantidade de ações formativas, designadas por termos os mais diversos, que se
desenvolvem após a sua formação inicial. Podemos considerar essas ações como um
campo heterogêneo, pois a diversidade de objetivos, conteúdos, métodos, concepções e
significados desse âmbito da formação tornam a definição de um termo próprio uma
tarefa necessária para o desenvolvimento da nossa discussão teórica.
Compreendemos ―ações formativas‖ (Figura 1) enquanto uma prática social
(Freire,1996), com incidência na prática docente, que se realiza de forma intencional
com a finalidade de promover o desenvolvimento profissional e pessoal dos sujeitos
participantes (Nóvoa,1992).
FIGURA 1 – AÇÕES FORMATIVAS
Nesse sentido, consideramos, grosso modo, que as ações formativas se
relacionam com tudo aquilo que ofereça uma oportunidade de informação, reflexão,
FONTE: AUTOR
47
discussão para os participantes das ações (Gatti, 2008). Entretanto se faz necessário
estabelecer um recorte entre os processos desenvolvidos durante o curso de graduação,
em nível superior, e após o seu término. Nesse trabalho iremos associar as ações
formativas ao período posterior a graduação. Consideramos enquanto exemplo de ações
formativas: palestras, seminários, workshops, congressos, cursos, seminários, rodas de
diálogo. No âmbito desta pesquisa, o termo ―ações formativas‖ designa um conjunto de
práticas de formação continuada, realizadas de forma intencional e sistemática,
organizadas em projeto, programa ou plano, ofertadas a professores da Educação
Básica, com vistas ao seu desenvolvimento profissional. As ações dão materialidade,
portanto, a uma concepção de formação continuada.
As ações desenvolvidas após a formação inicial, e que ocorrem ao longo do
exercício da docência, já foram designadas a partir de termos os mais diversos, como
―treinamento‖, ―reciclagem‖, ―capacitação‖ e ―atualização‖ (Candau, 1999; Nóvoa,
1995; Marin, 1991). Cada termo utilizado designa uma determinada compreensão de
formação. Dessa forma, alguns termos, no decorrer da história dos estudos sobre
formação, entraram em desuso e outros permaneceram no vocabulário corrente
institucional e profissional dos docentes. Os termos são datados, foram adotados para
definir essas ações e refletem diferentes concepções, propósitos relativos à educação, ao
ensino e à aprendizagem.
De acordo com Marin (1995), o termo ―reciclagem‖ foi predominante no
decorrer da década de 1980 e traz consigo uma conotação negativa, tendo em vista a
natural referência que pode ser feita ao esforço de reaproveitar algo que caiu em desuso,
que perdeu o valor, que teve seu ―ciclo‖ concluído. Ele alude aos saberes que,
adquiridos durante a formação inicial e desenvolvidos pelos professores no exercício da
profissão, perdem a serventia e devem ser reciclados, portanto, reiniciar um novo ciclo.
Por sua vez, o termo ―treinamento‖ estabelece uma relação direta com o
desenvolvimento de habilidades adquiridas através da repetição. Em determinados
contextos e para certos tipos de saberes, pode ser algo adequado. Contudo, por
tratarmos de algo que vai além de habilidades mecânicas, como é bem o caso do que se
exige e espera da formação de um professor, o uso do termo mostra-se inoportuno e
inadequado, portanto, bem aquém daquilo que pretende designar.
O termo ―atualização‖ se estrutura a partir de uma lógica de acumulação de
conhecimentos, proposta que promove uma dinâmica restrita às experiências individuais
48
e ainda reforça a passividade dos sujeitos diante do conhecimento. O termo parte do
princípio que certos saberes, assim como os próprios professores, possuidores desses
saberes, tornam-se obsoletos com o tempo, necessitando, por conseguinte, incorporarem
conhecimentos novos.
―Aperfeiçoamento‖, por sua parte, faz referência às atividades formativas que
visam tornar algo perfeito, sendo, portanto, um termo que suscita uma ideia linear e
progressiva de formação. O termo opõe-se, seguramente, à concepção freireana de
educação que compreende o homem como um ser inconcluso, inacabado e em processo
contínuo de construção.
A definição do termo ―capacitação‖ faz referência ao processo de tonar alguém
apto a determinada função. Ao empregarmos o termo ao contexto de professores que já
atuam na área, partirmos de um pressuposto da inaptidão ou inabilidade de profissionais
que já possuem certas vivências e, sobretudo, saberes que foram adquiridos no decorrer
de sua vida profissional.
De acordo com Nóvoa (1991), os termos supracitados manifestam uma
compreensão de formação de caráter pontual e disperso, que se preocupa pouco com o
desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes. Essas percepções sobre as práticas
formativas se estruturam a partir de uma racionalidade técnica que enxerga a prática
docente como um processo de solução de problemas. A docência nesse contexto surge
como um procedimento de aplicação de técnicas produzidas por especialistas, logo, por
um grupo externo aos docentes. Sugere, grosso modo, que bastaria seguir a ―cartilha‖
projetada por esse grupo e as soluções transmitidas através dos cursos, oficinas,
capacitações e seminários de formação para que se obtenha uma prática profissional
exitosa. Apesar dos conhecimentos técnicos, produzidos no meio científico, serem
fundamentais para a profissionalização e para a própria prática docente, outros aspectos
devem ser levados em consideração ao se debater as ações formativas.
Para Nóvoa (1991), a relação entre professores e especialistas tem se mostrado,
ao longo do tempo, fértil, necessária, mas também, problemática. Por um lado, a ruptura
entre a elaboração curricular (concepção) e concretização pedagógica (execução)
legitima a intervenção de especialistas.
Por outro lado, a dependência dos professores com os especialistas se estrutura a
partir do processo de proletarização da docência (Ginsburg apud Nóvoa, 1991),
caracterizando um movimento de degradação do estatuto profissional, do rendimento e
49
da autonomia do profissional docente. A degradação passaria pelo fato do professor,
para garantir um rendimento mensal digno, ter que aumentar as horas trabalhadas por
semana. A sobrecarga de atividade profissional empurra os professores a adotarem
estratégias de economia de esforços. Essa condição reforçaria a necessidade de se
encontrarem soluções ―pré-fabricadas‖, ―receitas de bolo‖ ou uma busca por ―soluções
mágicas‖ para as questões que emergem do cotidiano escolar. Nesse contexto, o
engajamento em uma atitude reflexiva sobre a própria prática, atitude capaz de produzir
os saberes necessários à docência são desconsiderados, pois os conhecimentos
produzidos no meio científico passam a se apresentar como uma solução mais cabível e,
também, mais poderosa frente às questões vivenciadas pelos professores.
Por concordamos com Freire (2002) em relação à condição de inacabamento do
ser humano e da necessidade de tomada de consciência sobre essa condição,
compreendemos que a necessidade de uma educação permanente, baseada em uma
reflexão crítica e dialógica, surge como um resultado desses dois elementos. Portanto,
educação permanente, educação continuada e formação continuada, termos que, de
acordo com Marin (1995), têm por base uma compreensão mais ampla dos processos
formativos, mostram uma maior aproximação com o contexto de nossa pesquisa. Vale
salientar que embora representem rupturas e avanços em relação às ideias de
―reciclagem‖, ―treinamento‖, ―atualização‖, ―aperfeiçoamento‖, o termo ―educação
permanente‖ tem significado distinto de ―educação continuada‖ e ―formação
continuada‖.
―Educação permanente‖ tem a ver com o fundamento ontológico do ser humano
e expressa nossa condição humana e da própria educação enquanto prática social, pois,
para Freire (2008, p.14), ―a educação tem um caráter permanente. Não há seres
educados e não educados. Estamos todos nos educando. Existem graus de educação,
mas estes não são absolutos‖. Tendo em vista sua condição de ser inconcluso e
inacabado, cabe ao homem/a mulher, tornar-se sujeito de sua própria educação. Essa
busca permanente, realizada coletivamente, é um caminho para sermos mais.
Tomando como referência esse princípio geral, as noções de ―formação
continuada‖ e ―educação continuada‖ fundamentam-se na valorização dos saberes
construídos pelos docentes que não se concluem com a titulação que autoriza o
exercício profissional e na certeza de que a educação é um processo que se estende por
toda a vida.
50
A partir do exposto, consideramos a formação continuada como um conjunto de
ações formativas, pensadas e executadas individual e coletivamente, construídas por
meio do diálogo (fala e escuta), contando com a ampla participação dos docentes e que
podem ser desenvolvidas dentro e fora da escola, ao longo da vida profissional. Essas
ações adotariam o paradigma de reflexão crítica e teriam como finalidade o
desenvolvimento pessoal e profissional dos professores, nas suas dimensões técnica,
científica, política, cultural e ética.
O propósito da formação é desenvolver os conhecimentos, saberes, habilidades
necessárias à vida em sociedade e, inserido nessa amplitude, podemos falar também do
saber e do fazer específicos de cada profissão. De acordo com Dubar (2009), os
conhecimentos necessários ao fazer específico de cada profissão não podem ser
entendidos como uma aplicação de procedimentos preestabelecidos ou de algo restrito à
execução mecânica de instruções. Se assim pensarmos, a formação é uma prática que
estaria muito mais atrelada ao trabalho prescrito, desconectada, portanto, do trabalho
real e das necessidades do cotidiano, fato que a faria perder seu significado e entrar em
crise. Muito embora seja um crítico da formação orientada pela lógica da racionalidade
técnica, Dubar (2009) sustenta que o nível de empregabilidade de um profissional vai
estar atrelada ao conjunto de competências adquiridas, não mais na sua formação, mas
sim no exigente processo de adaptação às necessidades do mercado. Então como
adquirir essas competências? Quem é responsável por desenvolver essas habilidades? O
empregador ou empregado? Para Dubar (2009), nem a escola e nem empresa possuem
essa responsabilidade, pois cabe ao trabalhador manter-se em estado de competência.
Compreendemos que a fonte de lucro das empresas possui uma relação direta com
exploração da mão de obra da classe trabalhadora. Nesse sentido a responsabilidade de
desenvolver as competências e habilidades necessárias a produção deve ser das
empresas.
Ao transferirmos essa discussão para ao campo da educação, podemos perceber
algumas aproximações com as análises que tem feito Gatti (2009) sobre o caráter
compensatório que tem assumido os cursos de formação continuada. As razões para tal
podem estar associadas às debilidades do processo de formação inicial, à precarização
das condições de trabalho, à pluralidade de contextos das escolas públicas e privadas e à
própria estrutura do sistema educacional. Ainda segundo a autora, outros aspectos
também influenciam as ações formativas: o insucesso e abandono escolar, a escola
51
inclusiva, a pluralidade da população escolar, a gestão escolar e as tecnologias da
informação e comunicação. Todas essas questões constituem demandas geradas pelo
desenvolvimento da sociedade, cujo desdobramento é a ampliação dos propósitos de
ações formativas, as quais, em face de uma formação inicial deficitária, acabariam por
demandar uma formação continuada de caráter compensatório.
Devido ao seu caráter de flexibilidade de formato e conteúdo, a formação
continuada se apresenta como uma resposta mais dinâmica às questões geradas pela
sociedade, as quais demandam ainda respostas por parte da escola e de seus
profissionais. Mesmo com essas características positivas, as ações de formação
continuada não têm logrado êxito no processo de desenvolvimento da educação
brasileira. A partir das considerações de Freire (1980), Gatti (2003, 2011), Aguerrondo
(2003), Estrela (2003), Zainko (2003), Falsarella (2004) e Imbernón (2009), podemos
concluir que as razões dos frequentes fracassos podem ser agrupadas em dois eixos:
financiamento da educação e estratégia de elaboração.
Ao tratarmos sobre financiamento, um dos principais fatores que deve ser levado
em consideração é a relação entre a formação e a precarização das condições de
trabalho. No Brasil, observa-se um discurso genérico de valorização do profissional
docente. Contudo, essa suposta valorização nunca foi traduzida em ganhos salariais e na
construção de plano de cargos, carreiras e salários sólidos e estimulantes. Esse
descompasso entre o discurso e a prática pode ser evidenciado nas batalhas travadas
pelos professores, para citar um exemplo, no processo de implantação da lei do piso28
,
nos estados e munícipios.
Um dos fatores importantes para se compreender as questões atreladas ao
processo de formação é a análise do crescimento da oferta dos cursos de graduação por
instituições de nível superior e, em especial, aquelas vinculadas à esfera privada. A
deliberada escassez de recursos teve reflexos negativos no desenvolvimento da
educação no Brasil, para suprir a demanda de professores, através de faculdades de
formação específicas. Como consequência, diversos profissionais foram formados e
ingressaram no mercado de trabalho sem ter tido um processo de formação inicial de
28
Lei n° 11.738/2008. Serve como exemplo a Ação Direta de Inconstitucionalidade assinada pelos
governadores Roberto Requião (Paraná), Yeda Crusius (Rio Grande do Sul), Luiz Henrique da Silveira
(Santa Catarina), André Puccinelli (Mato Grosso do Sul), Cid Gomes (Ceará) e apoiada pelos
governadores José Serra (São Paulo) e Antônio Anastacia (Minas Gerais). O argumento utilizado pelos
governadores foi o de que a regulamentação do vencimento básico, através da incorporação das
gratificações e a redução da carga horária em sala, geraria um impacto nos gastos com pessoal, no
orçamento, de tal monta que impossibilitaria o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
52
qualidade. Os grupos que tratam a educação enquanto mercadoria tiveram um ambiente
propício, a partir dos anos 90, para consolidar sua inserção nesse campo
Para Barroso (2003), nesse mesmo recorte temporal, tivemos um processo de
massificação da escola. A ampliação do acesso foi garantida pelo Estado, através de
investimentos diretos no setor público e de incentivos para o setor privado, porém a
qualidade não foi assegurada. A oferta escolar, que ainda tem sua organização
pedagógica baseada em um público mais homogêneo, teve que se inserir em uma nova
dinâmica impulsionada por um púbico mais heterogêneo. A tradicional estrutura
escolar, com seu discurso e prática também tradicionais, entra em choque com a
amplitude cultural e social desse novo público. Ao se debater a qualidade é preciso ter
como referência a construção de uma escola ―para todos, com todos e de todos‖.
A década de 90 e a primeira década do século XXI são diferentes no que tange
aos investimentos públicos na educação. Com base em informações do Inep, Almeida
(2001, p.142) demonstra que ―o gasto, como porcentagem do PIB, apresenta dois
patamares para o período: abaixo de 4% até 1997 e, em 1998 e 1999, em torno de 4,2%
do PIB‖. Contudo, o investimento público brasileiro em educação tem aumentado
fortemente desde 2000 e, atualmente, é um dos mais altos entre os países membros da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 11 anos,
os gastos públicos com educação dobraram e o Brasil sem mantem acima da média, que
é de 13% de investimentos públicos, em relação ao orçamento anual, dos países
membros da OCDE, por destinar 19% do total dos recursos públicos nesse setor.
Atualmente o Brasil gasta 6,2% do seu PIB em educação e, com a sanção da Lei nº
12.858, de 9 de setembro de 2013, ficam destinados 75% dos royalties do petróleo.
Com a aprovação do PNE 2014-2024, estão previstos 10% do PIB alocados na
educação, constituindo-se, portanto, num aumento significativo dos recursos destinados
à educação. Vale a ressalva que qualidade não se constrói apenas com aumento de
recursos financeiros. É preciso discutir e construir políticas públicas que assegurem o
pleno desenvolvimento de todos e todas.
Dentre as inúmeras opções e formas de investimentos encontramos a formação
continuada. Contudo Gatti (2003) afirma que a formação continuada não pode ser
considerada como único caminho para se promover o desenvolvimento profissional
docente e nem tão pouco ser eleita como a solução para os insucessos da educação. A
adoção dessa lógica coloca em segundo plano o contexto no qual os professores estão
53
inseridos, aspectos como infraestrutura, salário, plano de cargos e carreiras,
instrumentos de decisão devem ser levados em consideração quando falamos em
melhoria do quadro de professores.
As ações formativas ofertadas pelas secretarias de educação, pelas universidades
e por instituições privadas geralmente envolvem oficinas, palestras, seminários, cursos
de curta e média duração, podendo ser presenciais, semipresenciais ou a distância. O
grau de participação dos professores, no processo de formulação das propostas de
formação, é restrito. Apesar da existência de alguns casos, onde um maior grau de
protagonismo docente no processo de elaboração de estratégias é observado, para Gatti
(2003) as ações formativas são predominantemente transmissivas, obedecendo a uma
lógica vertical que pouco dialoga com os diferentes contextos escolares. As iniciativas
fazem uso do chamado ―modelo em cascata‖, que conta com a participação de
especialistas que, num primeiro momento, formam diversos profissionais, com vínculo
efetivo com as redes de ensino, que funcionam, na sequência, como agentes
multiplicadores da formação. Essa proposta tem suas vantagens. Contudo, tem
apresentado resultados insuficientes. O processo de seleção dos formadores varia de
acordo com as secretarias de educação de cada estado. Geralmente, são escolhidos entre
os técnicos e professores da rede pública ou são profissionais vinculados instituições
públicas ou privadas de ensino superior.
Ultimamente, a construção dessas propostas formativas tem tomado como
referência os resultados do desempenho dos alunos obtido com a aplicação de
instrumentos avaliativos internos e externos estandardizados e de larga escala. Diversas
secretarias de educação pesquisadas por Gatti (2003) admitem fazer uso desses
resultados para identificar supostas deficiências e, a partir daí, estruturarem as ações
formativas. Essa postura torna evidente o processo de estreitamento entre os objetivos
de formação e os resultados colhidos após aplicação desses instrumentos avaliativos. O
bom desempenho nos processos avaliativos surgiria como resultado da adoção de boas
práticas. Contudo, o que tem se verificado, em geral, é a construção de um tipo
formação que tem como finalidade preferencial o bom desempenho nas avaliações
internas e externas.
Outro indício que fortalece esse argumento é o foco da formação nas áreas de
ensino que são alvo das avaliações de rede e que são de ordinário as de maior prestígio
no currículo, as matemáticas e a língua materna. Temas transversais como gênero,
54
sexualidade, inclusão, relações étnicorraciais, tecnologias da informação e
comunicação, que por sinal geralmente não são objeto de avaliação, não são
considerados e constituem conteúdos de presença irregular nas ações formativas. Tais
temas transversais expressam conceitos e valores importantes no desenvolvimento da
cidadania e na consolidação da democracia. Essas temáticas carregam, ainda, uma
possibilidade de aproximação entre a escola, os professores, os alunos e a comunidade,
pois abordam questões urgentes para a nossa sociedade. A compreensão de que a
educação é um meio de transformação social se relaciona com o desenvolvimento de
práticas pedagógicas que problematizem a realidade daqueles/as que constroem a
escola. O processo de democratização da escola passa pela problematização dessas
questões, pois são assuntos pautados por movimentos sociais, são objetos de disputa
política entre os diversos segmentos representados no Legislativo e são amplamente
abordados pela mídia. A discussão sobre as questões de gênero, por exemplo, foi objeto
de disputa política na Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE) e na Câmara
Municipal de Recife (CMR), tendo sido suprimidas do Plano Municipal de Educação
(PNE) e do Plano Estadual de Educação (PEE).
Na mesma linha de disputa política, temos a aprovação do projeto de Lei
Estadual de nº 15.507, de 21 de maio de 2105, que regulamenta o uso de celular e outros
aparelhos eletrônicos em estabelecimentos de ensino público e privado. A lei propõe o
uso pedagógico como exceção à proibição desses aparelhos e institui o papel da direção
como agente de fiscalização e conscientização das interferências prejudiciais na prática
educativa. Em ambos os casos, da teoria de gênero e do uso de celular, temas
transversais foram segregados do cotidiano escolar por conta de decisões tomadas pela
força de determinados grupos de pressão em detrimento do conjunto da população. O
conteúdo dessas questões e a sua presença no cotidiano de todos apontam a sua
importância e a necessidade de que sejam amplamente debatidas na escola.
Dentre os problemas referidos por técnicos de secretarias de educação
participantes de pesquisa coordenada por Gatti (2003) para a oferta e execução das
ações formativas estão o déficit na formação inicial, a insuficiência de tempo para a
formação continuada, a resistência dos professores para falar sobre a sua própria prática
e a qualidade dos professores formadores.
Nos termos da perspectiva crítica, as propostas formativas que visavam
capacitar, atualizar e reciclar teriam dado lugar a propostas que estabelecem um diálogo
55
com as vivências acumuladas pelos docentes. A valorização dos conhecimentos
adquiridos através da prática promove o protagonismo docente no processo de educação
continuada. A observação, o diagnóstico e a definição das demandas dos profissionais
contribuíram de maneira positiva na elaboração das ações formativas. Para se alcançar
êxito na mudança de postura dos professores seria necessário que a mudança tivesse um
mínimo de significado para aqueles para qual ela é proposta. A construção desse
significado pode ser oportunizada ao se ouvir, observar e analisar essas demandas.
O excesso de ofertas de cursos de formação acaba gerando mais problemas do
que soluções. A amplitude da oferta, por mais legítima que seja a diversidade, não se
constitui um fator preponderante para o alcance dos objetivos das ações formativas. A
continuidade das ações, assim como um acompanhamento efetivo durante e,
principalmente, após as vivências dos cursos, é apontada por Gatti (2003) como
aspectos relevantes na consolidação desses objetivos. Os cursos que pretendem lograr
êxito no processo de modificação na prática docente devem levar em consideração que
ações pontuais de curta duração acabam gerando alterações de curta duração também.
Se a lógica de observação das necessidades se apresenta como uma pré-condição
para o êxito das ações formativas, o contexto profissional docente, a escola, a
comunidade e a relação com as instâncias gestoras das redes de ensino (secretaria de
educação), também devem ser pensados, discutidos e analisados de forma a promover
condições estruturais e institucionais para se efetivar os objetivos da formação
continuada.
2.3 Lógicas e categorias de análise da Formação Continuada
O desenvolvimento das concepções sobre formação docente, categoria na qual
podemos inserir a formação continuada, pode ser compreendido como um processo
complexo e heterogêneo. As concepções se fazem de avanços e retrocessos que nem
sempre observaram a coerência interna. Em alguns casos, mesmo com uma estrutura
argumentativa de superação das contradições anteriores, podemos identificar
permanências que reverberaram tanto na elaboração de políticas públicas de formação
de professores como na prática docente.
Por compreender essa complexidade resolvemos agrupar as categorias de análise
de conteúdo em três grandes grupos que denominamos de lógicas (QUADRO 1).
56
Salientamos que as categorias criadas serão utilizadas no processo de tratamento,
sistematização e análise das informações presentes nos documentos coletados durante a
pesquisa.
Dessa forma cada um dos grupos possui aspectos estruturantes (categorias) e
descritores. Salientamos que as duas primeiras lógicas estão fundamentadas em uma
racionalidade técnica, por isso possuem certa proximidade e, em alguns aspectos, certo
grau de complementaridade. Por sua vez, a lógica crítica, fundamentada em uma
racionalidade crítica, se coloca em evidente oposição às concepções de formação
associadas aos dois primeiros grupos. Dessa forma, iremos dissertar sobre as lógicas e
explicar seus aspectos estruturantes.
QUADRO 1 – LÓGICAS, CATEGORIAS E DESCRITORES DE ANÁLISE
Perspectivas Categorias Descritores
Lógica Instrumental
a) A prevalência do conhecimento
científico sobre outros
conhecimentos
b) Reflexão superficial, imediatista e
descontextualiza da prática docente
e de ensino
c) Formato Verticalizado
Razão Instrumental / Eficiência,
racionalidade e produtividade /
Reflexão sobre a prática/
Praticismo / monoculturalismo/
centrado conhecimento científico/
hierarquia entre sujeitos
formadores e formandos
Lógica da
Performatividade
a) Centralidade da avaliação
b) Sentido da Inclusão Digital
b) Inovação conservadora
c) Treinamento
Razão institucional/ Centralidade
da Avaliação / Indicadores
Educacionais / Paradigma
tecnicista Inovação Conservadora /
Treinamento / Habilidades técnicas
/ Ações verticalizadas
/Informatização da educação
bancária
Lógica Crítica
a) Valorização dos saberes
experienciais
b) Prática Reflexiva
c) Diversidade, horizontalidade e
protagonismo
Razão crítica, apreensão crítica,
reflexão-na-ação, paradigma
inovador
2.3.1 Lógica Instrumental
Analisando o desenvolvimento das concepções pedagógicas no Brasil, nas
últimas duas décadas do século XX, identificamos um esforço de desconstrução da
hegemonia tecnicista. Mesmo com a reação dos pesquisadores em educação, através de
Fonte: Autor
57
suas entidades associativas, do movimento sindical dos professores e da afirmação do
caráter político da educação, características apontadas por Saviani (2011) como
aspectos distintivos da década de 80, os pressupostos tecnicistas (eficiência,
racionalidade e produtividade), entronizados desde os anos 1960, conseguiram
sobreviver e ainda encontraram um terreno fértil para se desenvolver no contexto das
reformas educacionais da década de 90 e seguinte, porém atualizados.
Nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI, o Brasil vivenciou
mais um momento de ampliação da escolarização. O processo de crescimento
quantitativo, fruto do projeto político do regime militar (1960/1970), não havia
priorizado a qualidade da oferta da educação pública. Nesse sentido, os indicadores
referentes à taxa de matrícula eram positivos, mediante a ampliação da oferta, contudo a
educação era vítima de um ensino baseado em uma tendência pedagógica Liberal
Tecnicista (Libâneo, 1985). O desempenho da educação, e nesse sentido do governo, a
partir do indicador de matrícula permitia um resultado positivo na avalição de instâncias
internacionais de concessão de créditos e empréstimos. A ampliação quantitativa de
alunos matriculados nas redes de ensino por todo o país, de acordo com Esteban (2012),
foi acompanhado de alterações estruturais que colocaram em evidência um conflito
intercultural. A mudança de perfil socioeconômico de professores e de alunos
proporcionou uma nova dinâmica entre o projeto educacional hegemônico
(monocultural) e a realidade das escolas (multicultural). Esteban (2012) argumenta
também que a existência de um padrão idealizado de aluno, de aprendizagem e, de certa
forma, de vida, acabou servindo como uma referência para as práticas desenvolvidas nas
escolas.
As reformas educacionais dos anos 1990 promoveram uma ampliação do acesso
à educação e garantiram, ao mesmo tempo, a sobrevivência de um paradigma tecnicista,
gerando também uma nova dinâmica dentro das escolas. Bonetti (2003) pondera sobre
essa questão evidenciando a adoção de uma postura, por parte dos agentes públicos, que
acabou priorizando o controle em detrimento da compreensão das necessidades
individuais e coletivas. Essa postura se fundamenta em conceitos como:
desenvolvimento atrelado a uma força externa (hierarquia entre sujeitos formadores e
formandos), o sentido de progresso a partir de uma lógica de acumulação
(conteudismo), o caráter universalista da razão científica e sua pretensa infalibilidade
(centralidade do conhecimento científico).
58
A sobrevivência de aspectos tecnicistas nas perspectivas pedagógicas também
pode ser relacionada com um modelo de sociedade predominante até meados da década
70. O fordismo/taylorismo, a partir de suas características específicas de produção,
influenciou a educação e, em certo sentido, a formação de professores ao estruturar
concepções, procedimentos e orientações, estabelecendo uma ponte, nem sempre
explícita, entre a indústria e as escolas.
Nesse sentido, teríamos os produtos (alunos) que deveriam passar pela esteira de
produção (séries, ou anos, ou ainda ciclos) para serem moldados pelos operários
(professores). Caso o produto não estivesse adequado às normas e especificações
(planejamento de ensino) devidamente aferidas (por notas) na fábrica (escola) o mesmo
deveria voltar sumariamente ao início da esteira (ciclo produtivo). O processo de
fabricação do produto obedeceria a um conjunto de técnicas elaboradas com fins
específicos, de modo que, bastaria seguir os procedimentos, independente de contexto,
que os objetivos seriam alcançados.
―Coube a essa [modalidade] de formação a função de garantir a
instrumentalização técnica do professor, atribuindo-se um caráter de neutralidade, na
medida em que ela se fazia isolada dos aspectos políticos e sociais que envolvem o
ensino e processo formativo‖ (Santos 2010, p.78). É nessa perspectiva que o trabalho
docente é compreendido como uma prática de ensino orientada por uma lógica
instrumental, que visa atingir objetivos por meio da aplicação de um conjunto de
técnicas fundamentadas cientificamente.
A lógica instrumental, fundamentada em uma racionalidade técnica, parte da
certeza de que métodos, procedimentos e técnicas são capazes de assegurar a qualidade
do ensino. A prática pedagógica deve ser submetida a um padrão que se apresenta como
neutro e dissociado de questões políticas. Por isso, podemos identificar uma tendência
de homogeneização das práticas e o desvio é considerado como uma disfuncionalidade e
o fator determinante nos insucessos dos professores.
As ações formativas estruturadas por meio dessa lógica teriam uma tendência a
seguir um padrão de oferta. Seja por questões de custo ou praticidade, as ações
dialogariam pouco com a realidade dos docentes, das escolas e da própria rede de
ensino. Particularmente as ações ofertadas por instituições privadas seguiriam um
modelo racional, ou seja, o grau de adaptação às realidades locais tenderia a ser baixo.
59
Compreendemos que a lógica instrumental presidiu/preside o processo de
elaboração e execução das ações formativas. Nesse sentido, iremos expor seus
elementos constituintes com intuito de possibilitar a análise de práticas por meio das
seguintes de categorias:
a) A prevalência do conhecimento científico sobre outras categorias de conhecimentos
A hegemonia de um projeto político neoliberal, na qual estamos inseridos,
―subverte a prática do conhecimento‖ (Severino, 2010, p.155) ao ocultar meandros de
sua construção e reduzi-lo a um produto pronto, acabado e de consumo imediato. Essa
condição dificulta a compreensão de que o conhecimento científico é fruto de um
esforço coletivo. Homens e mulheres contribuem de maneiras diferentes para o
progresso da ciência. A apresentação do conhecimento (produto) reforça a relação de
passividade entre sujeitos (professores/alunos) e objeto (realidade). Para Severino
(2010), a ciência, de um lado, acaba se restringido a um conhecimento ―técnico‖ e, por
outro lado, busca se afirmar com um valor acima de outras formas de saber.
Nesse mesmo sentido, Milton Santos, ao debater sobre o papel do professor
enquanto intelectual argumenta sobre a emergência de uma forma específica de se fazer
ciência
O nosso tempo consagra a união da técnica com a ciência e marca
uma grande mudança histórica, com a emergência do que se chama de
―tecno-ciência‖. Agora, e de um modo geral, já não é a ciência que
comanda a técnica, mas esta que comanda a ciência. E como as
técnicas acabam sendo comandadas pelo mercado, o trabalho de
pensamento dos homens torna-se limitado o estreito. É essa a tragédia
da atividade científica na era da globalização. (MILTON SANTOS,
1998, p.2)
Essa concepção restrita de ciência ou de tecno-ciência, para usar o termo
supracitado, deriva de um paradigma conservador fundamentado na fragmentação, na
redução e no racionalismo. O próprio conhecimento é concebido a partir de uma razão
funcional e utilitária. As influências dessa forma de pensar impulsionaram uma visão
funcionalista da educação, marcada pela divisão social do trabalho e pela hierarquização
do saber.
60
O paradigma conservador tem suas origens no pensamento newtoniano-
cartesiano e exerce, como dito, influência significativa no campo educacional,
condicionando abordagens teórico metodológicas que remontam ao século XIX e
avançam ao longo do século XX. São exemplos, as abordagens pedagógicas
denominadas de Tradicional, Tecnicista e Escolanovista. Apoiadas por esse paradigma,
elas condicionam a prática pedagógica de diversos professores no tempo presente
(Behrens, 2005).
A persistência do paradigma conservador, analisado por meio de um filtro de
ordem epistemológica, é considerado por Bonetti (2003) como um reflexo da adoção de
uma racionalidade técnico científica. A adoção desse tipo de racionalidade condiciona,
de certa maneira, a relação entre os diferentes tipos de saberes e, como uma
consequência direta, as dinâmicas entre a universidade e os professores. Ao analisarmos
os processos formativos, podemos também identificar uma relação conflituosa entre
especialistas e leigos. Para Nóvoa (1991), essa relação tem se mostrado, ao longo do
tempo, fértil, necessária, mas também, problemática. O problema se origina das
precárias condições de trabalho dos docentes e da hegemonia do paradigma conservador
no processo de formação inicial e continuada.
A sobrecarga de atividades, condição de sobrevivência imposta pelo mercado
aos docentes, é apontada como um dos elementos condicionantes na atratividade por
soluções prontas, acabadas e de fácil consumo. Falta tempo e sobram ―receitas de bolo‖
para as demandas de professores e alunos. Essa condição abre espaço para uma maior
dependência em relação aos conhecimentos produzidos na/pela universidade por
―especialistas‖.
De acordo com Pimenta (2002), a formação profissional, por meio de um
currículo normativo, se propõe a. inicialmente, transmitir os conhecimentos científicos.
Depois, passa ao processo de aplicação e, por último, à própria aplicação desses
conhecimentos pelos alunos. Contudo, o profissional formado através dessa dinâmica
não consegue resolver as questões do cotidiano de sua profissão. Cresce, nesse sentido,
o entendimento de que as soluções apresentadas por meio dos conhecimentos
acumulados nos anos de graduação não são suficientes para resolver essas situações. A
suposta inutilidade do conhecimento acumulado promove um questionamento e, de
certa maneira, uma crise em relação ao papel desempenhado pelas instituições
responsáveis por formar esses profissionais. Em meio a essa crise da formação
61
profissional surge um movimento contrário de profissionalização dos trabalhadores da
educação (Tardif, 2002).
Esse processo tem como princípio estruturante a relação de dependência entre os
professores e os especialistas, a universidade e a escola, os saberes científicos e a
saberes docentes. Um dos caminhos para se debater essa dependência é através do
reconhecimento das particularidades da relação entre universidade e formação de
professores. A academia, instituição reconhecida pela sociedade como lócus
privilegiado de produção de conhecimento, possui um papel central nas ações
formativas (inicial e continuada). Um bom exemplo de tal questão é a apresentação da
categoria de ―formação continuada‖ elaborada por Nóvoa (1992). O modelo
estruturante, o qual ainda exerce uma hegemonia na forma de elaboração/execução das
ações formativas, é caracterizado pelo papel central desempenhado pelas instituições
que tradicionalmente são responsáveis pela produção do conhecimento científico
(universidade). O propósito último desse modelo é assegurar a transmissão, a
acumulação e a retenção desse tipo específico de conhecimento. Dessa maneira
podemos afirmar que o modelo do bom professor (especialista) é aquele que possui um
acúmulo de conhecimentos disciplinares (história, geografia, português, química) e tem
a capacidade de explicá-los com coerência e clareza aos alunos.
A própria formação inicial feita sob o ―modelo 3+1‖ (Gatti, 2010) também nos
serve como exemplo da centralidade dos conhecimentos científicos. Nesse modelo, os
graduandos passam 3 anos acumulando conhecimentos específicos de suas respectivas
áreas para só depois ter 1 ano de formação pedagógica. Essa organização curricular
evidencia uma hierarquia clara entre a pesquisa e o ensino. Outro aspecto evidente nessa
dinâmica é a influência do aplicacionismo. Segundo esse princípio, primeiro se aprende
a teoria para depois ir-se aplica-la na prática. Nesse sentido, a prática é um campo de
aplicação de uma teoria previamente concebida.
Para concluir o raciocínio quanto à esta categoria, podemos argumentar que a
divisão social do trabalho, organizada a partir de uma estrutura fordista/taylorista,
dividiu, no campo educacional, os sujeitos entre os que produzem e aqueles que
reproduzem/transmitem o conhecimento científico. Nessa perspectiva, o trabalho
docente é compreendido como uma prática de ensino instrumentalizada que visava
atingir objetivos por meio da aplicação de um conjunto de técnicas fundamentadas
cientificamente.
62
b) Reflexão superficial, imediatista e descontextualiza da prática de ensino
As reformas educacionais promovidas no decorrer da década de 90 deram
continuidade e aprofundaram a hegemonia da racionalidade técnico científica e, como
traço distintivo de períodos anteriores, entronizou uma espécie de praticismo reflexivo
nas ações formativas. De acordo com Zeichner (2008), a reemergência da reflexão sobre
a prática se desenvolveu a partir de uma reação a um modelo tecnicista de educação,
porém esse movimento não foi capaz de superar a hegemonia da racionalidade técnica.
O que pode ser observado foi uma sobrevida desse tipo de racionalidade que começou a
se integrar à prática pedagógica por meio do princípio da reflexão.
De acordo com Zeichner (2008), existe uma intenção emancipadora na formação
docente que assume como princípio a reflexão sobre a prática. Contudo, diante da boa
recepção do slogan da ―reflexão sobre a prática‖, diferentes grupos com perspectivas
conservadoras de ensino, de aprendizagem e da própria educação formal absorveram e
ressiginificaram o conceito, destituindo a noção de qualquer intenção emancipadora.
Para o autor, a reflexão tornou-se um mecanismo de análise e modificação da
prática ensino com finalidade de se efetivar o currículo proposto ou até mesmo garantir
um melhor desempenho dos estudantes em exames estandardizados. Estrutura-se dessa
forma um modelo de formação que concentra seus esforços em discutir o ensino a partir
de uma perspectiva individual e isolada do contexto social. A finalidade dessa reflexão é
aprimorar a prática por meio de pesquisas produzidas por terceiros. Salientamos que,
nesse aspecto, podemos observar um ponto de aproximação entre a prevalência dos
conhecimentos científicos e o praticismo reflexivo.
Outro elemento comum a essa proposta de reflexão é o esvaziamento das questões
políticas relativas ao processo educacional. Questionamentos que tratam sobre os fins e
propósitos da educação, sobre as condições de trabalho, assim como outros
condicionantes sociais da prática pedagógica são negligenciados durante esse tipo de
processo de reflexão. A ausência desse tipo de questionamento promove uma associação
entre a qualidade da educação e qualidade do ensino. Esse tipo de compreensão
responsabiliza, a partir de um critério de exclusividade, os professores pelo sucesso ou
fracasso do desempenho dos alunos.
Nesse sentido, amparadas na racionalidade técnica surgem propostas
pedagógicas que supervalorizam as questões práticas do ensino em detrimento de outros
63
tipos de questionamentos. Santos (2010) argumenta que as ideias de Perrenoud e Schön
também foram utilizadas no Brasil como referência na elaboração de políticas de
formação de professor que supervalorizavam as questões práticas do ensino, bem como
a tese de que a qualidade da educação depende da melhoria do ensino, donde a
necessidade e a prioridade dada à formação do professor.
Essa espécie de praticismo reflexivo estrutura uma concepção de formação, cujo
foco está na aquisição de competências necessárias ao desenvolvimento de um ensino
produtivo e eficiente, de um ensino de resultados. Através desse tipo de raciocínio,
tivemos o desenvolvimento de ações formativas que promovem a aquisição de
conhecimentos e competências que visam solucionar as questões práticas relativas ao
ensino. Nesse formato de ação formativa, existe pouco espaço para reflexões mais
profundas sobre o contexto onde se inserem os sujeitos e suas práticas. Essa abordagem
também comporta o entendimento de que as questões imediatas relativas ao ensino são
de responsabilidade exclusiva dos docentes.
Compreendemos que a distância instituída entre a prática docente e seus
condicionantes sociopolíticos gerou um tipo de reflexão superficial, imediatista e
descontextualizada. Nesse sentido, podemos associar a lógica instrumental à
compreensão, por parte dos agentes públicos, de que existe uma relação direta e isolada
entre a forma de se ensinar e a qualidade da educação.
c) Formato Verticalizado
O grau de participação dos professores, no processo de formulação das
propostas de formação e de sua execução, é restrito. Apesar da existência de alguns
casos, onde um maior grau de protagonismo docente no processo de elaboração de
estratégias é observado, para Gatti (2003), as ações formativas são predominantemente
transmissivas, obedecendo a uma lógica vertical que pouco dialoga com os diferentes
contextos escolares, tampouco faz dialogar os sujeitos implicados no processo
formativo (formador e formando).
A iniciativa privada tem ocupado um importante espaço na política de formação
de professores ao ofertar serviços de formação padronizados, em uma amplitude local,
regional e/ou nacional, que também pouco dialoga com as necessidades locais e
profissionais do quadro de professores. O processo de proletarização da profissão
64
docente, Mark Ginsburg apud Nóvoa (1991), algo comum à realidade brasileira, é
caracterizado pela degradação das condições de trabalho, com queda dos rendimentos e
limitações à sua autonomia. Especificamente o processo de proletarização é estruturado
a partir de 4 elementos que nos sãos úteis para entender os fatores que impedem
protagonismo docente na elaboração e execução das ações formativas: separação entre
concepção e execução, estandardização das tarefas, redução dos custos de contratação
da mão-de-obra e maior grau de exigência da prática do trabalho.
De acordo com Behrens (2007), poucas são as ações formativas em que os
professores, coletiva ou individualmente, têm a oportunidade de discutir e encontrar
formas para transformar a sua própria prática pedagógica. Essa falta de autonomia e, em
alguns casos, de oportunidade de diálogo é fruto da separação entre o processo de
concepção das ações e de sua execução. A falta de diálogo com os professores tem sua
origem, em certa medida, na centralidade do conhecimento científico e na divisão no
campo educacional entre produtores e reprodutores de conhecimento. Essa relação
permite o estabelecimento de uma lógica verticalizada de formação que reforça uma
dependência estrutural entre professores e especialistas.
As instituições, tanto públicas como privadas, adotam posturas semelhantes no
que tange a algumas estratégias de formação. O ―modelo de cascata‖, que conta com a
participação de diversos profissionais que funcionam como agentes multiplicadores da
formação, também pode ser associada com um formato verticalizado de formação.
2.3.2 Lógica da Performatividade
De acordo com esta lógica, a busca pela qualidade da educação acaba se
referenciando em um processo de padronização dos saberes e comportamentos
(monoculturalismo) que não é capaz de dialogar com a diversidade dos sujeitos que
frequentam a escola.
O discurso oficial, apoiado na necessidade de melhorar a qualidade da
educação, propõe a avaliação fundamentalmente como um mecanismo
de controle, direcionado à mensuração do desempenho dos estudantes
por meio de exames em larga escala. A busca de uma medida objetiva,
capaz de expressar de modo claro e neutro o nível de desempenho,
orienta a formulação de procedimentos cujas preocupações são
eminentemente técnicas. (ESTEBAN, 2012, p.576)
65
O bom desempenho nas avaliações, efetivadas a partir de instrumentos internos e
externos, tornou-se o ponto central na promoção do desenvolvimento da educação. A
preocupação em assegurar bons resultados, lógica da performatividade, reforçou ainda
mais a permanência de concepções tecnicistas da educação.
A reemergência do paradigma tecnicista nas propostas educacionais veio
acompanhada também de uma redefinição do papel do Estado, que antes concretizava
suas ações através do incentivo, do direcionamento e do controle político ideológico, e
agora passa a fomentar o compartilhamento dos custos com a sociedade civil, através da
parceria e do voluntariado. As diferentes modalidades de privatizações, a multiplicidade
de naturezas jurídicas das instituições e as diversas formas de financiamento da
iniciativa privada são evidências que nos permitem identificar a nova roupagem do
Estado e da relação com a sociedade. Dentro dessa nova dinâmica temos um processo
de descentralização das responsabilidades e uma centralização do processo de avaliação
e definição de metas.
As reformas educacionais gestadas no final do século XX e efetivadas no início
do XXI seguiram um padrão internacional e contaram com suporte de organizações
multilaterais. Salientamos que as reformas afetaram os diferentes países com
intensidade e amplitude díspares. Os países da América Latina, por exemplo, passaram
por processos mais intensos e danosos do que alguns países na Europa. Contudo, os
sistemas educacionais, em ambos os continentes, foram assediados pelos interesses
específicos do Mercado.
Após a restruturação do sistema produtivo, em particular a passagem da
hegemonia da produção e consumo fordista/taylorista para um modelo de acumulação
flexível (Harvey, 2001), houve uma alteração nas demandas de formação da classe
trabalhadora. O Mercado antes cobrava do trabalhador um rol de habilidades e
competências estanques. Após a crise de 1970, como afirma Harvey, as exigências são
outras. O grau de empregabilidade do trabalhador é proporcional a sua capacidade de
manter-se atualizado. Salientamos que grau de empregabilidade não é garantia de
emprego. A obsessão por manter-se atualizado adquirindo habilidades e competências
variadas imputa ao indivíduo a responsabilidade pela própria formação. Essa inversão
de valores e responsabilidades também gerou crises nas instituições responsáveis por
oportunizar esses espaços formativos.
66
A modernização da escola foi executada em parceria com organismos
multilaterais (UNESCO, OCDE, FMI, BM), voltando a privilegiar, como se fizera nos
anos 1960 e 1970, uma concepção de escola orientada pela racionalidade, eficiência e
produtividade (Saviani, 2011). Esse tripé, oriundo da abordagem tecnicista, pavimenta
uma aproximação de discurso, organização e práticas entre empresas e instituições
públicas.
Esse novo contexto de aquisição de competências e habilidades variadas e, de
certa maneira, imprevisíveis promoveu uma aproximação no modus operandi das
escolas e universidades. Ball (2002) denuncia essa aproximação a partir de análise de
aspectos em comum entre as reformas educacionais que se espalharam pelo mundo.
Dentre eles, destacamos a performatividade que, no entendimento do autor, é
considerado como:
[...] uma tecnologia, uma cultura e um modo de regulação que se serve
de críticas, comparações e exposições como meios de controle, atrito e
mudança. Os desempenhos (de sujeitos individuais ou organizações)
servem como medida de produtividade e rendimento, ou mostras de
qualidade ou ainda ―momentos‖ de promoção ou inspeção.
Significam, englobam e representam a validade, a qualidade ou valor
de um indivíduo ou organização dentro de um determinado âmbito de
julgamento e avaliação (BALL, 2002, p.4).
Compreendemos que as lógicas instrumental e da performatividade dialogam e
possuem aspectos comuns e orientadores na elaboração e na execução das ações
formativas. Dessa forma, iremos expor a seguir os elementos constituintes da lógica da
performatividade.
a) Centralidade da avaliação
Uma das soluções encontradas pelos gestores públicos para atingir as metas, em
particular o bom desempenho nos exames estandardizados, foi o viés da formação
continuada direcionada para a preparação, de alunos e professores, visando o bom
desempenho em exames estandardizados. Gatti (2003) encontrou uma tendência de
elaboração de ações formativas, por parte das secretarias de educação, que utilizam o
desempenho nos exames como referência. A maioria dos exames estandardizados cobra
dos alunos conhecimentos nas áreas de português e matemática, o que fazia com que
houvesse uma predominância dessas duas disciplinas quando tratamos dos conteúdos
67
trabalhados nas ações formativas. Informações como a quantidade de ações, carga
horária e número de participantes podem servir como indício para identificar a
relevância das áreas nas políticas de formação continuada.
Sendo assim, a qualidade da educação, independente de contexto, estaria
assegurada a partir da aplicação correta de técnicas produzidas/reproduzidas por
especialistas. Compreendemos que as ações formativas acabam atuando como um
mecanismo de transmissão dessas técnicas para os docentes que visam assegurar o
desenvolvimento da educação e a associam a essa aplicação.
Podemos identificar nos esforços dos gestores e técnicos educacionais o
interesse em aprimorar os indicadores educacionais de suas escolas, cidades ou Estado,
os adotando como metas de produção anual, um movimento de transplante da lógica
produtivista (performativa) empresarial para os setores públicos, em particular os
sistemas educacionais e a escola.
b) Sentido da inclusão digital
Compreendemos a inclusão digital a partir da definição de Cazeloto (2008) que a
enxerga como ―[...] um conjunto de discursos e práticas cujo objetivo é levar a
informatização a grupos sociais que, sem esses procedimentos, muito provavelmente
não teriam condições de acesso às ferramentas informáticas‖ (p.125). A inclusão digital
pode ser compreendida como um mecanismo de diminuição das desigualdades sociais
tendo em vista que o processo se propõe a garantir a cidadania ao facilitar o acesso à
informação e aprimorar a comunicação entre as pessoas.
Contudo, ao ponderarmos que a inclusão digital se dá, em caráter prioritário, por
meio da posse de determinados aparelhos, podemos inferir que também existe nesse
movimento um estímulo ao consumo. Bauman (2008) elabora uma crítica contundente a
nossa sociedade ao argumentar que o padrão de consumo tornou-se um elemento central
na definição do estilo de vida que almejamos.
Sendo assim, as ações formativas, fundamentas na inclusão digital, vivem entre
dois polos em tensão: (1) acesso à cidadania e (2) reprodução do capital através do
consumo. O processo de inclusão digital dos professores parte do pressuposto que a
própria inclusão das TDIC na prática pedagógica pode trazer um salto qualitativo na
prática docente e como consequência na qualidade da aprendizagem.
68
Sancho (2006) argumenta que o objetivo da formação, que aborda essa temática,
acaba se estruturando por meio de uma concepção reducionista do uso das tecnologias.
Essas ações formativas partem de um princípio de que a simples presença das TDIC já
seria suficiente para que acontecesse a superação dos antigos problemas, a falta de
interesse, por exemplo. Esse pressuposto, no qual a tecnologia adquire o status de
―panaceia‖, é comumente associado a uma lógica instrumental. Essa dinâmica torna o
processo de formação um mecanismo de transmissão de técnicas de uso de certos
dispositivos ou programas. Compreendemos que essa abordagem estimula a formação
de consumidores ao invés de desenvolver a cidadania a partir de uma abordagem mais
crítica do uso das TDIC.
O sentido da reprodução do capital também pode ser identificado nas ações
formativas quando elas se propõem a desenvolver habilidades e competências voltadas
prioritariamente para inserção no mercado de trabalho. Certas vagas de trabalho
demandam um mínimo de conhecimentos técnicos de uso de certos equipamentos e/ou
programas. Algumas ações formativas, elaboradas e executadas por empresas, são
ofertadas às secretarias de educação e às escolas particulares com o objetivo de
implementar o uso da robótica em sala. Nesse caso em particular, quais são os reais
interesses em desenvolver as ações formativas? Kenski (2010) argumenta que devemos
questionar o modelo de ensino e de aprendizagem vinculado direta ou indiretamente à
fluência no emprego de equipamentos, programas ou serviços.
Além dos fatores supracitados podemos analisar os objetivos das ações a partir
das disciplinas que são privilegiadas. Nesse sentido, identificamos uma tendência a
priorizar as associações entre tecnologia e área de exatas, particularmente física e
matemática. Poucas são as ações formativas que se preocupam em articular diferentes
áreas do saber. Ponderamos que a implementação de ações formativas que se originam a
partir de um paradigma conservador, que reproduz uma hierarquia em diferentes
campos do saber, não se propõe dessa forma a desenvolver indivíduo na sua
integralidade. Concordamos que o uso de tecnologia deve ser estimulado, contudo o
processo de integração deve ser acompanhado de uma reflexão crítica sobre o uso.
A inclusão digital que se identifica, enquanto argumento e prática, com um
processo de desenvolvimento da cidadania deveria promove um questionamento crítico
de integração das TDIC na escola e, principalmente, na vida dos sujeitos. Autores, como
Valente (1993), Sancho (2006), Papert (2008) e Kenski (2010), argumentam que o
69
propósito das ações formativas não é contribuir para a transformação de professores e
alunos em técnicos e nem tampouco em consumidores finais de serviços e produtos de
tecnologia da informação. O propósito da inclusão digital, como uma consequência a
integração das TIDC, deveria visar o desenvolvimento do protagonismo desses sujeitos
num contexto de construção do conhecimento e, dessa forma, a promoção da cidadania
crítica.
c) Inovação conservadora
No decorrer do século XX e no início do XXI tivemos a inserção de novas
tecnologias (rádio, televisão, microcomputador, smarthphone) que foram apresentadas
como soluções para antigos problemas. A análise de Cuban (1983) apud Cyneiros
(1999) sobre o ciclo de inovação tecnológica nas escolas evidencia que o problema não
reside na tecnologia em si, mas na adequação da mesma à estrutura e às práticas
tradicionais enraizadas no ambiente escolar.
Nesse sentido, compreendemos que o simples uso dessas ferramentas, adequadas
ao modelo de ensino tradicional, promove uma inovação conservadora, isto é, dotada
de uma roupagem modernizante, mas superficial, o que, na verdade, apenas reproduz
velhas práticas com novas ferramentas, constituindo-se uma prática de ilusão da
inovação tecnológica em termos de comunicação e informação.
O processo de inserção dessas tecnologias, por meio da ação direta do Estado e
em alguns casos em parceria com a inciativa privada, nem sempre dialoga diretamente
com a formação docente. Sancho (2006) identifica uma tendência, por parte de
programas institucionais, de adoção de uma estratégia de atuação que prioriza a
infraestrutura e os equipamentos e apenas depois, e em alguns casos, promove ações
formativas para alterar a prática de ensino. O autor também argumenta que uma das
principais de dificuldades em melhorar a educação por meio da integração das TDIC é a
ausência de uma reflexão crítica e ampla por parte daqueles que atuam direta e
indiretamente na educação, sobre outros aspectos não relacionados diretamente com as
TDIC. As ações formativas poderiam ser espaços de discussão e construção de
caminhos para se transformar as práticas de ensino. A imposição do uso de técnicas,
métodos ou de tecnologias parte da suposição da passividade e subserviência dos
docentes.
70
Esse movimento, caracterizado por Valente (1993) como informatização dos
processos de ensino tradicionais, facilitou a introdução do computador na escola através
de uma abordagem onde o formador e, posteriormente, o professor fazem uso dos
dispositivos como uma simples ferramenta de transmissão de conhecimento. Nessa
linha, a formação dos professores para o uso da ferramenta em situações educativas
assume o preparo técnico como seu principal objetivo.
Para que as TDIC proporcionem novas formas de aprendizagem, como afirma
Kenski (2003), é necessário harmonizar os objetivos de ensino com as ferramentas a
serem utilizadas. Seu alto grau de flexibilidade de uso permite ações que podem
transitar entre diferentes perspectivas de ensino.
d) Treinamento/Instrucionismo
Autores, como Valente (1993), Sancho (2006), Papert (2008) e Kenski (2010),
são taxativos ao afirmar que as ações formativas que visam fomentar o uso de
tecnologias de informação e comunicação em escola, se estruturam a partir de uma
lógica de treinamento O formato verticalizado, de caráter pontual e com o propósito de
―ensinar a usar‖ determinadas tecnologias (dispositivos e programas) são características
comuns às ações formativas que se estruturam a partir da lógica de treinamento. A
ausência de discussões e críticas sobre as condições de uso, as finalidades de uso e a
própria relação entre usuários e tecnologia promove uma formação que pouco dialoga
com a realidade na qual professor e alunos estão inseridos.
A respeito desse formato de formação, Papert (2008) considera viável chamar de
treinamento, pois a meta é transmitir habilidades técnicas. Promover ações formativas
que visam transmitir conhecimentos técnicos sobre software, aplicações e dispositivos
específicos se constitui como algo necessário. Contudo, resumir os esforços educativos
apenas a esse tipo de ações, faz com que a formação assuma um viés instrucionista,
além de contribuir para a manutenção de práticas educativas tradicionais. Ademais, esse
viés torna ainda o processo formativo algo datado, com fortes riscos de se tornar
defasado, tendo em vista o rápido desenvolvimento da indústria da tecnologia da
informação.
Outra forma de se caracterizar esse modelo de ação formativa é através do
conceito de educação bancária (Freire, 1987), uma vez que, o processo de elaboração
71
dos currículos da formação e a execução de ações verticalizadas, geralmente, não levam
em consideração o contexto da escola e os saberes dos professores. Dessa forma,
podemos designar o fenômeno de informatização da educação bancária.
Existe uma tendência de se considerar os baixos índices de utilização das
tecnologias como um reflexo das fragilidades da formação docente. Podemos também
associar essa compreensão ao caráter compensatório que a formação continuada assume
diante das supostas deficiências da formação inicial (Gatti, 2011). Contudo, o professor
que se recusa a usar determinadas tecnologias em sala é o mesmo sujeito que fora dela
usa e abusa de utilizar o smarthphone ou acessa a internet quando quer se informar ou
compreender o significado de algo, ou ainda é aquele que prepara as aulas acessando a
internet. A transmissão das habilidades técnicas que, em teoria, poderia garantir o uso
de dispositivos e programas em sala, perde o significado e tem reduzido seus efeitos
quando acontece por intermédio dos formadores que depositam nos docentes os
conteúdos técnicos relativos ao funcionamento dos dispositivos e programas. Logo, a
reprodução dessas práticas e a ilusão de inovação tecnológica, associadas ao uso das
TDIC, refletem a reiteração de um paradigma pedagógico centrado apenas na
transmissão, centrada no uso da exposição.
2.3.3 Lógica Crítica
A perspectiva crítica, ancorada nas contribuições de Zeichner (1993), Nóvoa
(1992), Alarcão (1996), Tardif (1997) e Freire (2008) influenciou o desenvolvimento do
campo educacional como um todo. Particularmente achamos necessário ressaltar as
influências sobre os propósitos e fins da educação, a compreensão do ser
professor/aluno e, principalmente, a elaboração e execução de ações formativas.
Essa abordagem se estrutura a partir das críticas ao modelo de formação
referenciada na racionalidade técnico científica e tem como princípio a reflexão crítica
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de
conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de
reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente
de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa
e dar um estatuto ao saber da experiência. (NÓVOA, p. 20, 1991)
72
Zeichner (1993) argumenta que reflexão crítica é um processo amplo que
incorpora análises sociais e políticas. É por meio dela que se estrutura o que o autor
chama de ―formação docente reflexiva‖. Essa proposta de formação tem como foco o
desenvolvimento profissional coletivo através da superação de uma lógica individualista
e isolada de reflexão. O processo de confronto e transformação dos aspectos estruturais
que condiciona o contexto profissional docente ganha a devida atenção, pois a prática
social de reflexão deve ser feita de maneira coletiva e ancorada na realidade na qual
todos estão inseridos.
A epistemologia da prática reflexiva, cujas raízes remontam as proposições
teóricas de John Dewey, se fundamenta também no reconhecimento da importância da
experiência dos professores forjada no decorrer dos anos de profissão. Essa concepção
defende que o caminho de melhoria da educação deveria passar necessariamente, mas
não de forma exclusiva, pela reflexão sobre os conhecimentos oriundos dessas
vivências. Existe uma preocupação em se desenvolver as habilidades necessárias para
aprender a partir de suas próprias experiências.
Nesse sentido, iremos delimitar as categorias, estruturantes da lógica crítica, para
nos servir como instrumento de análise das ações formativas desenvolvidas pela
Secretaria de Educação de Pernambuco.
a) Valorização dos saberes experiências
Tardif (2002), ao argumentar sobre os saberes que servem de base para o ofício
docente, os caracteriza como algo que se insere entre o individual e o social, e é algo
partilhado, temporal e diverso. A sua compreensão não deve ser separada dos
condicionantes e do próprio contexto do trabalho. Esses saberes emergem das dinâmicas
entre professores e alunos se relacionam diretamente com a pessoa, com sua identidade,
sua experiência de vida. ―O saber dos professores é plural, compósito, heterogêneo,
porque envolve, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e um saber fazer
bastante diverso, proveniente de fontes variadas e, provavelmente, de natureza
diferente‖ (TARDIF, 2002, p.8).
No conjunto de saberes docentes, destacamos os saberes experienciais. Eles são
oriundos do acúmulo de vivências dos docentes e ocupam um lugar de destaque na
prática dos professores. Contudo, esses mesmos saberes são poucos valorizados e
73
explorados no processo de formação de professores. Nesse sentido, Tardif (2002)
defende a construção de uma nova articulação e harmonia entre os saberes produzidos
pela universidade e os produzidos pelas experiências vividas pelos docentes.
A lógica crítica, estruturada a partir da valorização da reflexão crítica sobre os
saberes experienciais, tenta promover um diálogo entre as experiências vividas pelos
docentes no chão da escola e os conhecimentos produzidos pela comunidade acadêmica.
Caminhando dessa forma para uma tentativa de superação da hierarquia entre os
diferentes saberes que compõe a base do ofício docente. Essa articulação tenta
promover uma nova dinâmica entres os diferentes tipos de conhecimentos e seus
respectivos produtores.
b) Prática reflexiva
De acordo com Zeichner (2008), a prática reflexiva, enquanto princípio
estruturante da formação docente, surge como uma reação ao modelo de educação
tradicional (ações formativas verticalizadas/racionalidade técnica/professor enquanto
participante passivo). A reflexão, dentro dessa perspectiva, é caracterizada como um
processo amplo e irrestrito, conduzida de maneira individual, contudo sem deixar de
contar com a colaboração de outros companheiros de trabalho. Para o autor, os
questionamentos formulados por meio desse princípio não ficariam restritos ao
aprimoramento de currículos ou métodos de ensino, por se tratar de um movimento
mais amplo, nos quais aspectos como, as condições sociais da educação, fins e
princípios pedagógicos e a própria construção da identidade do docente, passam pelo
devido processo de crítica e reconstrução. Não existe uma negação das contribuições
dos conhecimentos científicos, contudo a exclusividade da universidade enquanto fonte
emissora desses saberes busca ser superada.
Esse princípio estimula o protagonismo docente na definição de propósitos e
finalidade das ações formativas, reconhece a necessidade da superação da situação de
subserviência entre os docentes e os especialistas e valoriza as experiências dos
professores como uma fonte rica de conhecimentos sobre a prática ensino. A formação
referenciada na prática reflexiva preocupa-se em desenvolver nos professores a
disposição e as habilidades necessárias para refletir e aprender a partir de suas próprias
experiências.
74
Por meio dessa formação, estruturada na prática reflexiva, temos a construção do
conceito de ―professor reflexivo‖. Alarcão (2010) compreende que a aceitação dessa
concepção de professor é oriunda de fatores como a reação ao tecnicismo, a falta de
protagonismo docente nas reformas educativas, a relatividade inerente à pós-
modernidade e a própria valorização da epistemologia da prática.
De acordo com Freire (1996), a prática educativa, da qual a formação continuada
é uma materialização, implica a existência de objetivos (finalidades), sujeitos
(professores/alunos), objetos (conteúdos) e métodos (técnicas/materiais). Dentre esses
aspectos constituintes, o mais evidente seria o objeto. Por outro lado, o que está oculto,
mas igualmente presente, são os objetivos, porque são guias da prática. Nele residem os
ideais, fins e propósitos da educação. Nesse sentido, compreendemos, a partir de Freire
(1996) que sem a devida reflexão sobre essas quatro dimensões, corremos o risco de
reproduzir a ordem vigente na sociedade. É por meio do entendimento e da própria
reflexão, numa dimensão ampla e crítica, que os professores podem resignificar sua
prática. ―Como professor preciso me mover com clareza na minha prática. Preciso
conhecer as diferentes dimensões que caracterizam a essência da prática, o que me pode
tornar mais seguro no meu próprio desempenho." (FREIRE,1996, p.28).
Com base em Freire (1996), compreendemos que ensinar não é transmitir
conhecimentos, mas sim produzir as possibilidades para a sua construção. Nesse
sentido, a reflexão sobre a prática surge como uma possibilidade emancipadora na qual
os docentes têm a oportunidade de transformar a curiosidade ingênua em uma
curiosidade epistemológica. Para tal, seria necessária mais do que uma defesa discursiva
da reflexão crítica, seria preciso garantir um movimento dialético entre o ―fazer‖ e
―pensar sobre o fazer‖. Essa capacidade não se adquiri por meio de transmissão, mas
sim por meio de um desenvolvimento pessoal, ancorado na análise da realidade e em
comunhão com os professores. A formação permanente tem como elemento
fundamental a reflexão crítica sobre a prática, pois é ―pensando criticamente a prática de
hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico,
necessário à reflexão crítica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunde com a
prática‖ (FREIRE,1996, p.22).
75
c) Diversidade, horizontalidade e protagonismo
Compreendemos o protagonismo docente por meio do imperativo ético do
respeito à autonomia e à dignidade dos sujeitos participantes dos processos educativos
(FREIRE, 1996). O processo de desenvolvimento de uma apreensão crítica da realidade
parte da necessidade de superar a condição de passividade, fundamentada na
compreensão ingênua da realidade, na qual os indivíduos se encontram. A construção de
um sujeito curioso e crítico da realidade se estrutura por meio de uma postura ativa em
relação à construção do conhecimento.
O professor, a partir da lógica crítica, é compreendido enquanto sujeito ativo,
construtor e protagonista de sua prática. Essa compreensão se relaciona diretamente
com uma postura reflexiva e consciente do valor dos saberes experiências que tem.
Dessa forma estrutura-se uma compreensão de ações formativas que devem ser espaços
de reflexão e de produção pedagógica. Com o propósito de transformação de sua
prática, sem deixar, contudo, de modificar também os fatores sociais condicionantes de
sua profissão. Essa abordagem estimula os professores a assumir responsabilidade,
nunca de maneira isolada e exclusiva, do seu próprio desenvolvimento profissional e
pessoal.
A proposta de formação que dialoga com esse elemento estruturante promove a
participação dos professores na elaboração e execução das ações formativas. As
diferentes contribuições dos docentes promovem um movimento de resistência contra a
padronização vigente nas ações estruturadas por meio das lógicas instrumental e da
performatividade. Organiza-se dessa forma um modelo de formação que leva em
consideração os condicionantes sociais que se relacionam direta e indiretamente com
prática pedagogia.
Salientamos que a participação não deve ficar restrita ao registro das
inquietações e sugestões dos professores sobre as reformas educacionais, as políticas
públicas e da própria elaboração das ações. É necessária uma participação real e ativa
no sentido de atender as necessidades dos professores. Nesse sentido, enxergamos que
existe uma certa horizontalidade entre os diferentes segmentos sociais que participam da
elaboração e execução das ações formativas. Esse formato horizontal leva em
consideração os saberes produzidos pelos docentes, assim como a particularidades
locais.
76
2.4 Tecnologias digitais da informação e comunicação na educação
De chofre, entendemos necessário delimitar o significado do termo ―tecnologias
digitais da informação e comunicação‖ (TDIC). Adotamos o conceito apresentado por
Kenski (2012) que as compreende como instrumentos, suportes, ferramentas que usam
da linguagem oral, escrita e da síntese entre som e imagem para ampliar o acesso, a
produção e a propagação de informação e facilitar as interações entre pessoas e entre as
pessoas e o próprio saber. A partir dessa definição ampla, podemos inserir como parte
integrante das TDIC os seguintes dispositivos eletrônicos: rádio, televisão, computador
(desktop/note/net/ultrabook), tablet, smarthphone, smarthwatch, entre outros. Devemos
destacar que, dentre os aparelhos citados, aqueles que fazem uso da linguagem binária
para transmitir e processar informação podem ser caracterizados como dispositivos
digitais.
Compreendemos também que o termo ―inclusão digital‖ possui um papel
importante nas discussões sobre TDIC na educação. Sendo assim, adotamos como
definição a abordagem de Cazeloto (2008) que a enxerga como ―[...] um conjunto de
discursos e práticas cujo objetivo é levar a informatização a grupos sociais que, sem
esses procedimentos, muito provavelmente não teriam condições de acesso às
ferramentas informáticas‖ (p.125). Para o autor, o esforço da inclusão digital é
considerado como um consenso social, no intuito de diminuir a desigualdade social.
Como uma consequência lógica, a exclusão digital (apartheid digital, tecno-apartheid,
digitaldivide, abismo tecnológico ou outra denominação que se queira dar) é tida como
um fator de ampliação das desigualdades sociais.
Esse esforço pode ser de caráter público e/ou privado e se manifesta através de
diferentes ações: acesso coletivo, criação de subsídio, oferta de cursos
profissionalizantes, difusão de softwares livres, entre outros. Contudo, é notório que
existe uma maior concentração de energia e iniciativas por parte do Estado (Cazeloto,
2008). A compreensão de que a inclusão digital pode ser um fator de promoção de
cidadania serve como referência para o discurso e a implementação de políticas públicas
do Governo Federal:
O governo eletrônico também atua por meio da inclusão digital para
que o cidadão exerça a sua participação política na sociedade do
conhecimento. As iniciativas nessa área visam garantir a disseminação
e o uso das tecnologias da informação e comunicação orientadas ao
77
desenvolvimento social, econômico, político, cultural, ambiental e
tecnológico, centrados nas pessoas, em especial nas comunidades e
segmentos excluídos. (BRASIL29
)
Nessa linha, diversos programas sociais de inclusão digital foram desenvolvidos
pelo Governo Federal. As ações são desenvolvidas e implementadas em regime de
colaboração entre os ministérios e a iniciativa privada. Utilizaremos, como exemplo, as
ações executadas em colaboração entre Ministério da Educação e Ministério da Ciência
e Tecnologia: Banda Larga nas Escolas, Inclusão Digital da Juventude Rural, Proinfo
Integrado, Um Computador por Aluno.
Cazeloto (2008), em sua perspectiva peculiar, afirma que os programas de
inclusão digital surgem como um mecanismo de inserção social, porém, na verdade, não
como uma ferramenta de modificação social, mas como um cruel elemento de
reprodução do capital. Vivemos em uma sociedade em que a posse de equipamentos
digitais é sinal de distinção social, pois é através do consumo deles que se tem acesso a
certos estilos de vida. Bauman (2008) defende a ideia de que nossa sociedade enquadra
seus integrantes na condição básica de consumidores e a partir desse processo reforça
estilos de vida pautados em estratégias de consumo.
Inseridos entre esses dois polos de tensão, (1) acesso a cidadania ou (2)
reprodução do capital através do consumo, temos a escola e os professores. Projetos
como o ProInfo (Programa Nacional de Informática na Educação) visam incluir
digitalmente os professores para, dessa forma, promover a integração das TDIC no
ambiente escolar e na própria prática pedagógica docente e, como consequência disso,
promover também a inclusão dos alunos. Contudo, a que tipo de interesse essas ações
de inclusão atendem? Esse questionamento pode nos servir como ponto de partida para
analisar as ações formativas que visam promover a integração das TDIC na prática
pedagógica docente.
Devido ao desenvolvimento da indústria ligada às tecnologias da informação,
estamos vivenciando um processo de convergência de comunicação entre os mais
variados tipos de dispositivos. Um exemplo relevante nesse contexto é o rápido
progresso da ―Internet das Coisas‖ que proporciona a comunicação entre os mais
diferentes tipos de dispositivos. Televisão, rádio, máquina de lavar, geladeira e até
algumas peças de vestuário já permitem a conexão entre si por meio da Internet. Dessa
29
Disponível em: http://www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/inclusao-digital, acessado em
10/02/2016.
78
forma, percebemos que o acesso à Internet surge como um ponto em comum entre as
características dos dispositivos digitais citados.
Em pesquisa recente, solicitada pela Secretaria de Comunicação Social da
Presidência da República (SECOM)30
, para compreender como o brasileiro se informa,
foi constatado que a televisão continua sendo o meio de informação predominante entre
os brasileiros de 16 a 65 anos, em segundo lugar temos o rádio e em terceiro a Internet.
Pela pesquisa, 48% dos entrevistados afirmam já ter utilizado a Internet, a média de
acesso diário é de 4,5 horas e os dois principais meios são os computadores para 71%
dos entrevistados e os celulares para 66%. Fatores como grau de escolaridade, renda e
idade influenciam diretamente na frequência de acesso. Apesar de não ocupar a
liderança como meio de comunicação, a Internet apresenta um ritmo de crescimento
acelerado em relação aos seus antecessores. Não seria exagero supor que, em poucos
anos, essas posições podem se inverter. E isso parece já se configurar para o caso da
imprensa escrita, uma vez que todos os jornais e revistas de grande circulação já
migraram para uma plataforma digital. Vale salientar que as TDIC não se resumem à
Internet, sendo importante assinalar que o processo de barateamento e ampliação do
acesso e da própria qualidade de conexão promoveram alterações significativas na
produção e consumo dos dispositivos digitais.
Pontuamos também, a partir dos estudos de Barreto (2003), que as TDIC são
ferramentas produzidas em um contexto de relações sociais e com objetivos exteriores
ao campo educacional, logo a sua devida integração deve passar por um processo de
recontextualização ao campo pedagógico. Sendo assim, ao iniciarmos essa discussão,
adotamos como premissa a tese exposta por Sancho (2006), segundo a qual a principal
dificuldade encontrada, hoje, para melhorar a educação, por meio das TDIC, é a
ausência de uma reflexão crítica e ampla por parte daqueles que atuam direta e
indiretamente na educação, sobre outros aspectos não relacionados diretamente com as
TDIC, como, por exemplo, a estrutura física das escolas, a carreira docente, o papel da
avaliação, as concepções de currículo, a compreensão de como se ensina e como se
aprende e o próprio modelo de gestão dos sistemas de ensino e da escola. A integração
das TDIC ou sua simples presença não podem ser compreendidas como uma solução
definitiva para os diversos problemas do nosso modelo educacional. A ela cabe um
30
Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 (PBM 2015). Disponível em
http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-
atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf
79
papel importante, mas nunca um fim, uma meta ou um objetivo final. Compreendemos
que o efeito deslumbramento, devido ao seu imenso potencial, possa causar má
interpretações sobre suas possibilidades de uso. Logo, somos taxativos ao afirmar que a
solução para educação ainda reside nas pessoas e não nas ferramentas criadas por elas.
Sancho (2006), ao argumentar sobre o caráter transformador das TDIC, enumera
três tipos de efeitos que a sua incorporação proporcionou à sociedade. Uma alteração na
organização dos interesses, no mundo do trabalho, na produção científica, na cultura e
lazer. O processo de ampliação da memória para além do sistema nervoso, dinâmica que
teve início com as primeiras marcações nas paredes das cavernas e foi se desenvolvendo
até chegarmos ao armazenamento de dados em ―nuvem‖. O repertório de signos e os
sistemas de armazenamentos e o acesso à informação cresceram. Assim, o segundo
efeito se relaciona com a mudança no caráter dos signos. Um terceiro efeito diz respeito
à mudança da natureza da comunidade. As facilidades de comunicação promovidas
pelas TDIC superaram, de certa forma, os limites territoriais e hoje temos espaços
virtuais de convivência que alteraram a forma como nos relacionamos.
Acreditamos também que, ao se discutir as relações entre as TDIC e os
processos educacionais, devemos levar em consideração dois princípios básicos,
também explicitados por Sancho (2006): as tecnologias da informação e comunicação já
são uma realidade palpável e têm proporcionado mudanças significativas na sociedade;
o uso e o desenvolvimento dessas tecnologias não atingem a todos do mesmo jeito, pois
as mesmas estão inseridas em mundo cheio de valores e interesses que criou uma
organização social que não favorece a maioria da população. Mesmo com sua difusão,
as TDIC não foram integradas de maneira adequada ao contexto escolar. Esse processo
é desigual, como desiguais são as relações sociais que nos constituem. O
desenvolvimento do ainda inexplorado potencial educativo das TDIC e sua futura
integração ao ambiente escolar requerem um questionamento do nosso modelo de
educação e de ensino, o que, por uma questão de tradição e costume, já parece ter sido
aceito naturalmente como o único possível, como afirma Sancho (2006).
De acordo com Moran (2013), o processo de integração das TDIC nas escolas
teria passado por três momentos. Inicialmente, os recursos foram utilizados para
melhorar as práticas e os procedimentos já existentes. Geralmente, o uso dessas
ferramentas estava atrelado a questões burocráticas e administrativas. Logo diminuir
custos, diminuir tempo, automatizar processos ditaram a lógica de inserção dessas
80
tecnologias. Na segunda etapa, as TDIC começaram, aos poucos, a se inserirem no
projeto político pedagógico da escola através de aulas de informática, do uso como
ferramentas de pesquisa, como plataformas de comunicação e sua presença foi se dando,
então, a partir da regulamentação dos espaços e das oportunidades de uso. Todos esses
aspectos ainda estavam subordinados a uma lógica de ensino tradicional. No terceiro
momento, após um processo de amadurecimento do uso e de uma compreensão mais
apurada de suas possibilidades, surgiu a necessidade de se repensar o projeto
pedagógico da escola. Novas metodologias, flexibilização do currículo, organização de
atividades presenciais e a distância. Mesmo com os esforços de setores públicos e
privados, o que vimos até agora, salvo raras exceções, são escolas e sistemas de ensino
que teriam atingido o segundo momento nesse processo.
Apesar de sua incontestável presença no nosso cotidiano e do seu potencial de
inovação, as TDIC continuam sendo utilizadas como um recurso didático submetido ao
um modelo tradicional de educação. A finalidade da escola tradicional, construída nos
moldes liberais e adequada a um modelo de produção marcadamente industrial, se
concentra na adaptação à vida em sociedade, na formação voltada para a inserção no
mercado de trabalho e no desenvolvimento técnico-científico. Esses são aspectos que
possuem relevância, mas não contribuem para a modificação concreta da realidade em
que vivemos. Nesses aspectos, percebemos uma tendência à conservação da ordem
estabelecida. A partir dessas considerações, Kenski (2010) percebe um propósito de
formar os alunos e, em certos casos, os professores para serem usuários/consumidores
finais de produtos de tecnologia da informação. O desenvolvimento econômico, numa
sociedade onde a informação se apresenta como uma valiosa mercadoria, depende da
formação de um cidadão com um mínimo de escolaridade voltada para o consumo.
Concordamos que o mercado de trabalho é algo a ser levado em consideração, tendo em
vista que a sobrevivência da grande maioria passa por sua inserção num mundo do
trabalho onde essas tecnologias se fazem, cada vez mais, presentes. Contudo, devemos
questionar um modelo de ―aprendizagem instrumental de normas e competências
ligadas ao domínio e a fluência no emprego de equipamentos e serviços‖ (KENSKI,
2010, p.66).
Sancho (2006) argumenta que o ensino centrado no professor, no qual o mesmo
desempenha um papel de fonte transmissora de informações e que parte do pressuposto
da passividade dos alunos, é incompatível com o caráter essencialmente colaborativo e
81
plural das novas tecnologias. De acordo com a autora, a maioria dos programas
institucionais, públicos ou privados, adota uma lógica de atuação que prioriza a
infraestrutura e os equipamentos e apenas depois, e em alguns casos, promove ações
formativas para alterar a prática de ensino. É evidente que implementar ações que visam
modificar a estrutura e fornecer equipamentos são mais simples, diretas e têm uma
maior visibilidade política do que promover alterações na base da escola, no sistema de
ensino, no currículo e na própria formação docente. A introdução de novas ferramentas,
sem um devido processo de reflexão de sua utilidade e dos interesses envolvidos no
processo, não é o suficiente para alterar práticas docentes e de ensino já naturalizadas.
Promover ações formativas que visam transmitir conhecimentos técnicos sobre
software, aplicações e dispositivos específicos se constitui como algo necessário.
Contudo, resumir os esforços educativos apenas a esse tipo de ações, de viés
instrucionista, além de contribuir para a manutenção de práticas educativas tradicionais
ainda torna o processo formativo como algo datado, com fortes riscos de se tornar
defasado, tendo em vista o rápido desenvolvimento da indústria da tecnologia da
informação. Esse movimento, caracterizado por Valente (1993) como informatização
dos processos de ensino tradicionais, facilitou a introdução do computador na escola
através de uma abordagem onde o formador e, posteriormente, o professor fazem uso
dos dispositivos como uma simples ferramenta de transmissão de conhecimento. Nessa
linha, a formação dos professores para o uso da ferramenta em situações educativas
assume o preparo técnico com seu principal objetivo.
Em muitos sistemas escolares, o que é oferecido como preparo aos
professores que usarão os computadores é com muita propriedade
denominado de treinamento, pois consiste em um pequeno número
de sessões de duas horas erroneamente chamadas de workshop ou
seminários, cuja meta é transmitir habilidades técnicas. (PAPERT
2008, p.76) (grifos nossos)
Autores, como Valente (1993), Sancho (2006), Papert (2008) e Kenski (2010),
têm defendido que o propósito não é formar professores e alunos para serem técnicos e
nem consumidores finais de serviços e produtos de tecnologia da informação, mas sim
desenvolver ações formativas que permitam o desenvolvimento do protagonismo desses
sujeitos num contexto de construção do conhecimento. O simples uso dessas
ferramentas, adequadas ao modelo de ensino tradicional, promove uma inovação
conservadora, isto é, dotada de uma roupagem modernizante, mas superficial, o que, na
82
verdade, apenas reproduz velhas práticas com novas ferramentas, constituindo-se uma
prática de ilusão de inovação.
Atualmente a inovação conservadora mais interessante é o uso de
programas de projeção de tela de computadores, notadamente o
PowerPoint©, com o qual o espetáculo visual (e auditivo) pode
tornar-se um elemento de divagação, enquanto o professor solitário na
frente da sala recita sua lição com ajuda de efeitos especiais,
mostrando objetos que se movimentam, fórmulas, generalizações,
imagens que podem ter pouco sentido para a maioria de um grupo de
aprendizes. A inatividade (física e mental) do aprendiz é reforçada
pelo ambiente da sala, geralmente à meia luz e com ar condicionado.
Como veremos mais adiante, tais tecnologias amplificam a capacidade
expositiva do professor, reduzindo a posição relativa do aluno ou
aluna na situação de aprendizagem. (CYNEIROS, 1999, p.6)
A reprodução dessas práticas e a ilusão de inovação, associadas ao uso das
TDIC, refletem a reiteração de um paradigma pedagógico centrado apenas na
transmissão, centrada no uso da exposição, como a melhor das estratégias didáticas na
relação entre ensino e aprendizagem. Podemos caracterizar esse processo de adequação
das tecnologias da informação e comunicação como uma espécie de informatização da
educação bancária. E isso parece valer tanto para as atividades de sala de aula,
organizadas e conduzidas pelo professor, como para as atividades de formação,
organizadas e conduzidas por formadores de professor.
Devido a essa lógica, as ações formativas que visam incorporar as TDIC ao
cotidiano de alunos e professores não promoveriam algo imprescindível ao
desenvolvimento de qualquer profissão que é o questionamento sobre as antigas práticas
transmissivas do conhecimento e sua relação com as novas ferramentas. As muitas
ações formativas costumam ser verticalizadas, porque não se leva em consideração o
contexto da escola e dos professores, não se discute as limitações do currículo vigente.
Como consequência, Sancho (2006) adverte que ―[...] a introdução das TIC na escola
não promove formas alternativas de ensinar e aprender, pelo contrário, costuma reforçar
as estruturas preexistentes de conteúdo do currículo e das relações de poder‖ (p.23).
Enquanto isso, no âmbito da sociedade, o rápido acesso a uma quantidade
excepcional de informação é algo caraterístico dos tempos em que vivemos e as TDIC
servem de instrumento de mediação nessa relação. Passamos de um contexto
transmissivo, de poucas opções e interatividade, para um momento em que se
evidenciam e se possibilitam um grande fluxo de informação, a interação, a colaboração
83
e o compartilhamento de textos e de imagens (Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat,
Wikipedia). A incompatibilidade entre um modelo de ensino tradicional, estruturado na
passividade do indivíduo e de caráter transmissivo, e as atuais dinâmicas de nossa
sociedade com suas novas tecnologias nunca foram tão evidentes. Para Alarcão (2010),
vivemos em um contexto de riqueza informativa sem precedentes, com amplos canais
de informação, onde o acesso, a gestão e qualidade das fontes surgem como aspectos
relevantes para a efetivação da cidadania. Para a autora, o livre e responsável exercício
da cidadania exige das pessoas a capacidade de decidir com base em informações e
conhecimentos sólidos. No atual contexto de crise de representatividade política, o
empoderamento do cidadão passa necessariamente pelo desenvolvimento de um
pensamento independente e crítico, baseado na capacidade de aprender a organizar esse
intenso fluxo de informação. A escola também deve assumir o papel de facilitadora do
acesso à informação, promovendo oportunidades de desenvolvimento de competências
relativas à produção, ao tratamento e ao uso dessas informações. Alarcão pontua que a
infinidade de recursos informativos precisa ser melhor utilizada por professores e alunos
para concretizar uma ação direta na realidade em que vivemos. Dessa forma, o contexto
de pluralidade de fontes de informação exige de nós, consumidores/produtores desse
fluxo intenso, habilidades no processo de tratamento e produção de informações. A
autora também pondera que as TDIC possuem potencialidades de uso que podem
atender a interesses, assim como qualquer outra tecnologia, de libertação ou controle.
Assim sendo, competiria ao cidadão aprender a discernir entre os valores de liberdade,
solidariedade, opressão e alienação associados a esses recursos tecnológicos. Por
estarmos tratando de uma sociedade marcada por um alto grau de recursos informativos,
compreendemos que essa noção de uso e interesses associados aos recursos se apresenta
como algo imprescindível ao desenvolvimento da educação.
A justo título, Sancho (2006) argumenta que a história da educação está repleta
de expectativas não cumpridas, estruturadas a partir de ondas de inovação tecnológica.
Servem como exemplo o livro de bolso, o rádio, a televisão e o computador de mesa
(desktop). Com base nos estudos de Cuban (1983) apud Cyneiros (1999), percebemos
que existe um padrão no processo de incorporação de artefatos tecnológicos na escola.
Tudo parece ter início com pesquisas científicas que promovem o debate sobre os usos,
as possibilidades e as vantagens de determinada ferramenta. Associado a essa dinâmica,
temos um discurso de legitimação do uso a partir de críticas dentre as quais desponta a
84
obsolescência das práticas educativas tradicionais nas escolas. As novas tecnologias são
apresentadas, então, como a solução para problemas antigos. A partir desse primeiro
passo, temos a elaboração de políticas públicas que visam promover o uso dessas novas
tecnologias. O insucesso dessas políticas, fato evidenciado pela baixa frequência de uso,
é compreendido pela academia a partir de fatores limitantes como a infraestrutura, a
ausência de equipamentos adequados, a resistência dos docentes e a burocracia
institucional. Como a roda da história não para, surgem novas tecnologias e o ciclo
recomeça com uma promessa de sucesso, pautado no acúmulo teórico diante dos
fracassos anteriores.
Atualmente, vivemos ainda o entusiasmo com as possibilidades pedagógicas dos
dispositivos digitais e da própria internet. Contudo, mesmo com seu impressionante
ritmo de disseminação, ainda não observamos mudanças significativas na estrutura da
escola e nem tão pouco no modelo de ensino vigente. Para Moran (2013), as relações
entre a Internet e a educação têm promovido alterações em um ritmo diferente do
desejado. De acordo com o autor, ainda não temos resultados expressivos sobre os
benefícios dos usos das TDIC na educação escolar, haja vista que escolas com poucos
recursos podem ter bons desempenhos e outras com uma ampla variedade de recursos
podem apresentar resultados insatisfatórios.
Empresas, instituições internacionais e órgãos públicos se movimentaram em
defesa de uma educação voltada para as novas exigências da chamada sociedade do
conhecimento. As bases dessa ―nova educação‖ não se estruturam em algo inédito.
Valores como criticidade, autonomia, versatilidade, capacidade comunicativa,
colaboração e convivência harmoniosa já são exigências desde meados do século XX,
portanto num momento em que as TDIC sequer haviam sido concebidas. O ―novo‖ se
configura a partir da necessidade de construção de competências para a utilização das
TDIC, como algo essencial ao desenvolvimento da sociedade. A escola e os próprios
professores são considerados como fatores essenciais no desenvolvimento dessa suposta
―nova educação‖. Documentos financiados por organismos internacionais, a exemplo de
―Padrões de Competência em TIC para Professores (ICT-CST)‖, financiado pela
UNESCO em parceria com a Microsoft, deixam claro que o objetivo dessa ―nova
educação‖ é associá-la aos interesses da economia e facilitar a inserção dos alunos no
mercado de trabalho. Denotam essa intenção trechos como o que afirma que a ―meta
política é preparar uma força de trabalho capaz de adotar novas tecnologias para apoiar
85
a produtividade econômica‖, [...] ―é aumentar a habilidade da força de trabalho para
agregar valor ao resultado econômico [...]‖ e ―é aumentar a produtividade criando uma
força de trabalho permanentemente envolvida com a criação de conhecimento e
inovação, beneficiando-se dela.‖ (UNESCO, 2009, p.9-17). Os trechos selecionados
evidenciam o viés de adequação às exigências da economia e do mercado.
Nessa ótica, a escola tradicional, baseada em princípios e diretrizes de uma
organização industrial, onde as exigências do mercado de trabalho ainda servem como
referência, deve ser reformada, reconstruída e as TDIC contribuiriam para esse
processo. Podemos construir uma escola que estimule alunos e professores a terem uma
relação ativa com o conhecimento, pesquisando, interagindo e compartilhando o que foi
desenvolvido, dentro e fora da sala de aula. É necessário romper com os limites de
atuação dos desenvolvedores de aplicações, dos técnicos em educação, dos acadêmicos,
dos gestores, dos professores e dos alunos. Aposta-se em um trabalho conjunto e
integrado, com amplos canais de comunicação e onde as partes envolvidas tenham
direito a voz e suas necessidades sejam compreendidas e respeitadas. As políticas
educacionais não podem continuar tratando os educadores como aplicadores de técnicas
e os alunos e professores como usuários finais de produtos de tecnologia da informação.
Apesar das críticas, expostas acima, concordamos com a compreensão de Demo
(2009, p.6) sobre as TDIC ao afirmar que elas ―não aposentaram as teorias vigentes de
aprendizagem. Antes, as reconstroem, como é sempre o caso: teorias não se adotam, se
usam, desconstruindo e reconstruindo‖. Nesse sentido podemos debater certas
possibilidades de uso dessas ferramentas no contexto escolar.
Moran (2013), por sua parte, defende que aprender exige envolvimento, ir atrás,
produzir, comunicar. Descobrir tudo isso são movimentos que exigem um maior
protagonismo daqueles que se propõem a aprender e também a ensinar. O processo de
integração das TDIC pode facilitar o desenvolvimento desse protagonismo. Moran
(2013) argumenta ainda que as escolas devem levar em consideração que tipo de relação
os alunos estabelecem com as mídias, quais são suas preferências, como interagem para
poder incentivar uma ampliação de visão de mundo, senso crítico e estético. Para Papert
(2008), o computador pessoal surge como uma ferramenta essencial para o
desenvolvimento intelectual das crianças, pois diminui os laços de dependência com os
adultos (transmissores de informação), no que tange ao acesso à informação. Com o
86
desenvolvimento de habilidades básicas (ler, digitar e pesquisar), as crianças iniciariam
o longo caminho em direção à autonomia para se relacionar com conhecimento.
Um bom exemplo, nesse novo processo de construção da autonomia, são as
oportunidades de aprendizagem da web 2.0. Demo (2009) argumenta que esse tipo de
plataforma pode promover uma nova dinâmica em relação à produção de conteúdo. A
autoria, comportamento ativo em relação ao conhecimento, princípio valioso para as
diversas teorias da aprendizagem, é uma de suas características fundantes. Inserido
nesse contexto de web 2.0 temos o software do tipo Wiki31
, base para a construção de
sites como a Wikipedia, que proporciona a construção, publicação e correção de
conteúdos de forma coletiva e extremamente rápida, fazendo jus a origem do seu nome
que significa rápido em havaiano.
Para que as TDIC proporcionem novas formas de aprendizagem, como afirma
Kenski (2003), é necessário harmonizar os objetivos de ensino com as ferramentas a
serem utilizadas. Seu alto grau de flexibilidade de uso permite ações que podem
transitar entre diferentes perspectivas de ensino. Se a proposta é transmitir informações
para um grande número de pessoas, partir de uma única fonte, o uso de vídeos
(televisão, cinema, youtube) torna-se adequado, desde que se respeitem as
especificidades dos suportes tecnológicos assim como as especificidades do público.
Por outro lado, se a proposta prevê interações entre as pessoas ou entre elas e o
conhecimento, a internet surge como uma opção viável. O potencial pedagógico dessas
ferramentas pode ultrapassar as habilidades desenvolvidas a partir dos processos de
memorização, compreensão e análise. Para Kenski (2003, p.7), ―[...]o ensino mediado
pelas NTICs se caracteriza pelo envolvimento de todos esses procedimentos, em um
processo de síntese e o surgimento de novos estilos de raciocínio - como a simulação e
o compartilhamento de informações - além do estímulo ao uso de novas percepções e
sensibilidades.‖
Ao estudar tecnologias da informação e comunicação e, em particular, o
computador (desktop), Valente (1998) afirma que na educação o computador tem sido
utilizado tanto para ensinar sobre a própria informática (ensino de computação), como
para ensinar qualquer disciplina (ensino através da computação). Poucas são as ações
pedagógicas que visam promover as habilidades de programação, sendo comum o foco
31
―Software colaborativo que permite a edição coletiva dos documentos usando um sistema que não necessita que o conteúdo seja revisto antes da sua publicação‖. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Wiki#cite_note-wrox-1, acessado em 19/02/2016
87
no desenvolvimento de habilidades básicas de uso de determinados softwares. A
indefinição do currículo e da proposta pedagógica do ensino de informática na educação
básica é vista por Valente (1998) como uma estratégia de marketing para atrair
investidores e/ou alunos.
Vale salientar que essa modalidade de ensino entrou em desuso devido ao
processo de massificação dos artigos de informática. Não podemos dizer que o
computador se tornou um produto acessível a todos os trabalhadores, contudo ações
públicas de redução de impostos (PIS e CONFIS) e o desenvolvimento da informática
contribuíram para uma redução significativa do preço desse produto. Resultados de uma
pesquisa32
realizada pela Intel Brasil apontam que houve uma redução de 61,2% no
preço dos computadores na última década (2000-2010).
De acordo com Valente (1998), o ensino mediado pelo computador pode
promover o desenvolvimento de uma ampla variedade de conceitos atrelados aos mais
variados domínios do conhecimento. Quando o foco está no ensino através do
computador podemos delimitar duas abordagens pedagógicas caracterizados pelo autor
como instrução auxiliada pelo computador e exploração autodirigida. O primeiro grupo
tem suas origens no modelo tradicional de ensino onde a lógica da transmissão se
sobrepõe aos outros processos de aprendizagem. Já para o segundo grupo o computador
é visto como uma ferramenta de resolução de problemas e realização de atividades
(escrever, desenhar, pesquisar).
O universo de possibilidades de uso das TDIC na educação encontra respaldo e
espaço em diversos setores na sociedade. Para os empresários, ela se apresenta como
mais uma rentável oportunidade de negócios, para os políticos um elemento marketing
de gestão e para certos educadores uma solução e para outros mais um modismo. Por
isso, tentamos através da nossa pesquisa promover questionamentos que se propõem
avançar para além da dicotomia entre o entusiasmo e o pessimismo. Compreendemos
que a integração das TDIC, assim como qualquer outro recurso tecnológico, deveria
passar por processo de reflexão coletiva protagonizado pelos professores. Discutir o
processo de integração, a partir de uma reflexão crítica sobre a prática, pode ser um bom
caminho para questionar certas tradições. Defendemos que a tomada de consciência
sobre o contexto da docência deve partir de um movimento coletivo, sendo assim as
32
Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/computadores-ficaram-61-mais-baratos-nos-ultimos-10-anos-8685856, acessado em 16/02/2016.
88
ações formativas que abordam a temática das TDIC surgem como mais uma
oportunidade de desenvolvimento pessoal e profissional.
89
3 PERCURSO METODOLÓGICO PROPOSTO
Nessa sessão da pesquisa iremos apresentar e justificar as nossas escolhas
metodológicas. Com intuito de organizar o percurso metodológico dividimos esse
capítulo em três (3) partes. O primeiro tópico aponta as justificativas pela adoção da
abordagem qualitativa. Na sequência, delimitamos o campo de pesquisa e os sujeitos
que contribuíram para nosso trabalho. Na terceira parte, discutimos o processo de
coleta, tratamento e análise dos dados.
3.1 Por que escolhemos a abordagem qualitativa?
De acordo com Demo (1985), o objeto de estudo das ciências sociais é
socialmente condicionado e essencialmente histórico. Portanto, estudar os fenômenos de
maneira isolada, sem levar em consideração as dinâmicas entre sujeito e objeto
inseridos na história, pode promover uma visão inadequada da realidade. Para Minayo
(1994) ao fazer uso de instrumentos próprios, as ciências sociais quando abordam
aspectos qualitativos, buscam a compreensão, a interpretação das expressões humanas,
sem contudo trabalhar o objeto de forma completa. Essa aproximação, visando o
descobrimento da realidade, requer critérios particulares. Logo, as ciências sociais
devem ter como referência paradigmas próprios que orientam a abordagem e a escolha
dos instrumentos de coleta de dados e métodos de análise.
Yin (2001) defende que uma das mais importantes etapas no processo de seleção
das estratégias de pesquisa é a delimitação do problema. Perguntas do tipo ―quem‖, ―o
que‖, ―como‖ e ―porque‖ devem estar em harmonia com o tipo de abordagem a ser
adotada. As perguntas geradoras do problema demandam respostas que se manifestam
na elaboração dos objetivos da pesquisa. Quanto mais clara for a delimitação do
problema, mais coerente se torna a escolha metodológica. Minayo (1994) pontua
algumas características próprias dos objetos de estudo das ciências sociais: ser histórico
e ter consciência histórica, existência de uma identidade entre sujeito e objeto, ser
intrínseca e extrinsecamente ideológica e, por fim, ser preferencialmente qualitativa.
Dessa forma, a abordagem qualitativa se faz necessária, pois o ―objeto não é um
dado inerte e neutro, ele está possuído de significados e relações que sujeitos concretos
criam em suas ações‖ (Chizzotti, 1998, p.79). A compreensão da realidade passa por um
90
entendimento de quem somos e de onde estamos inseridos. É nessa dinâmica de ter/ser
o objeto de estudo que torna o pesquisador um agente importante no processo de
produção do conhecimento, pois, ao mesmo tempo que se debruça sobre o objeto a ser
pesquisado, de certa forma, também estuda a si mesmo. Uma das vantagens da
abordagem qualitativa é a ampla variedade de instrumentos de coleta de dados que o
pesquisador pode dispor. Análise documental, história de vida, entrevistas,
questionários, revisão bibliográfica, pesquisa documental e observação são técnicas
adequadas a esse tipo de abordagem. A exposição dos critérios para seleção dos
instrumentos é parte crucial nesse processo e vai ter vinculação direta com os
paradigmas defendidos pelo pesquisador.
A escolha desse tipo de abordagem tem como base o pressuposto que a
educação, enquanto prática social, está inserida em um contexto dinâmico e rico em
relações humanas. Compreendemos que esse processo seria melhor estudado por uma
abordagem que privilegia as intenções e os significados que são inerentes aos atos.
Sendo assim nossa proposta se concentra em estudar as opiniões e as percepções dos
professores sobre as ações formativas, sobre a prática e sobre as relações entre elas. A
análise dessas vivências, em particular aquelas diretamente relacionadas com a
integração das TDIC, se constituem como um processo conduzido por pessoas e por tal
torna-se um fenômeno complexo e repleto de significados. As intenções, escolhas,
compreensões e o próprio uso das tecnologias são questões que permeiam o objeto de
estudo e, para melhor entendê-los, decidimos adotar uma abordagem que tem como base
uma compreensão mais ampla da realidade.
3.2. Campo e sujeitos da investigação
Elegemos como campo de estudo a rede ensino pública estadual de Pernambuco,
como parte integrante do sistema estadual de ensino, gerido pela Secretaria de Educação
e Esportes e suas respectivas secretarias executivas. A SEDUC/PE se apresenta como
um campo de interesse de estudo devido aos investimentos públicos para aquisição de
bens de informática que representaram, em 2014, cinquenta e nove por cento (59%) dos
gastos públicos daquele ano33
, ultrapassando os investimentos em obras de
33
Relatório 2014 da Lei de Responsabilidade Educacional elaborado pela SEDUC/PE e apresentado à Comissão de Educação da ALEPE em 19/08/2015
91
infraestrutura e aquisição de móveis. Contudo, em flagrante contradição, o Estado de
Pernambuco que investe na aquisição e distribuição massivas de notebooks e tablets a
professores, alunos e gestores, é o mesmo Estado que defende e oficializa uma
legislação que restringe o uso desses dispositivos no ambiente escolar.
Outro fator levado em consideração na escolha do campo foram os resultados
das pesquisas conduzidas por Silva e Duvernoy (2014) e por Lasalvia (2012), que
apontam indícios de falta de articulação entre a distribuição desses equipamentos e as
ações formativas que visam promover a reflexão sobre o seu uso.
A pesquisa contou como fontes de informação técnicos responsáveis pelo
acompanhamento das ações formativas e gestores de gerências e de Secretarias
Executivas da Secretaria de Educação de Pernambuco. Foram critérios adotados para a
escolha desses sujeitos: disponibilidade para contribuir para a pesquisa, compor o
quadro de servidores envolvidos, direta ou indiretamente, com as ações formativas
promovidas pela SEDUC/PE ou em parceria com outras instituições, deterem
informações sobre programas, projetos ou ações formativas de professores, em especial
aquelas que tinham por objetivo a inserção das TDIC na prática pedagógica escolar.
3.3 Procedimentos de coleta e de análise de informações
A primeira etapa do nosso trabalho consistiu em uma pesquisa exploratória com
intuito de fazer o levantamento das ações formativas, seus respectivos participantes e as
propostas curriculares que orientaram essas ações executadas pelas Secretárias
Executivas e suas respectivas gerências, todas subordinadas à Secretária de Educação do
Estado de Pernambuco (SEDUC). O principal procedimento de coleta de informações
foi a pesquisa documental, que ganhou centralidade no desenho metodológico da
pesquisa
Nessa etapa, a pesquisa documental resultou no levantamento de leis e propostas
curriculares que serviram de referência às ações formativas desenvolvidas pelas
respectivas secretarias. A análise que, em seguida, procedemos dessas fontes tornou
possível ampliar a compreensão sobre as intenções, os objetivos e as concepções de
formação de professor, em especial, de formação continuada adotados pelas instituições
responsáveis pelas políticas públicas formação e também facilitou o entendimento das
relações entre as ações formativas e a integração das TIDC inseridas no contexto da
92
prática pedagógica. De acordo com Sá-Silva et al (2009), a análise documental pode ser
utilizada como um instrumento metodológico complementar ao processo de
interpretação e reconstrução críticas de dados.
Ainda nessa etapa, utilizamos a entrevista como outro instrumento
complementar de coleta de dados. De acordo com Fraser e Gondim (2004, p.140), esse
instrumento favorece ―a relação intersubjetiva do entrevistador com o entrevistado, e,
por meio de trocas verbais e não-verbais que se estabelecem neste contexto de interação,
permite uma melhor compreensão dos significados, dos valores e das opiniões dos
atores sociais[...]‖. Por se tratar de uma técnica que se concentra em compreender a
realidade a partir do discurso do emissor podemos ter acesso aos significados que os
sujeitos atribuem às experiências vividas. Para Duarte (2004, p.215), as entrevistas são
adequadas quando o intuito da investigação é ―mapear práticas, crenças, valores e
sistemas classificatórios de universos sociais específicos [...]‖.
Sendo assim esse instrumento foi adotado, pois entendemos que a entrevista com
os técnicos e os gestores nos permitiria ter acesso às observações e percepções sobre o
curso, a organização, a convocação, o currículo, as práticas de formação, as
possibilidades de introdução das aprendizagens e sugestões colhidas no curso na escola
e em sala de aula.
Na segunda etapa foram selecionadas, dentre as ações formativas listadas,
aquelas que abordam de maneira, direta ou indireta, a temática das TDIC. Foi utilizado
como critério de seleção a presença dos termos ―TIC‖, ―TDIC‖, ―Informática‖ no título,
na apresentação e nos objetivos das ações formativas. A partir dessa escolha, foram
identificados e analisados quais eram os seus princípios estruturantes, buscando
evidenciar, dessa forma, que pressupostos teóricos serviam de fundamentação para
elaboração e execução das ações. Foram também identificadas quais foram as
instituições responsáveis pela oferta das ações formativas e que tipo de relação seria
possível delimitar entre a natureza jurídica das instituições, públicas ou privadas, e a
forma como as ações se estruturavam. Nessa etapa da pesquisa, foram adotados como
fontes, os relatórios elaborados pelas secretarias executivas e suas respectivas gerências,
os sítios eletrônicos das instituições parceiras, os projetos pedagógicos que serviram
como referência teórica para o desenvolvimento das ações, os currículos das ações
formativas e os materiais, impressos ou digitais, que foram adotados como recurso
didático das ações formativas.
93
Os dados coletados foram interpretados e organizados a partir da análise do
conteúdo (AC) proposta por Bardin (1977), que a define como um conjunto de técnicas
de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens. Berelson (1952) apud Oliveira (2008), ao
argumentar sobre as exigências fundamentais para a aplicação dessa técnica, propõe os
seguintes critérios: objetividade, sistematicidade, foco no conteúdo manifesto e
quantificação das informações.
Dentre o conjunto de técnicas que compõe a AC, utilizamos a análise categorial
ou temática que é executada através de ―operações de desmembramento do texto em
unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos‖ (Bardin, 1977 p.153). De
acordo com Oliveira (2008), essa técnica proporciona uma compreensão ampla do texto
a partir de um processo que leva em consideração a frequência ou ausência de itens de
sentido.
Minayo (2007) compreende que a análise temática deve seguir as seguintes
etapas: (1) pré-análise, processo de definição do corpus de análise e (re)formulação de
pressupostos; (2) exploração do material, manipulação dos dados brutos em unidades de
registro, unidades de contextos e de categorias; (3) inferência e intepretação, evidenciar
a informação a partir da quantificação simples da frequência ou ausência das unidades
anteriormente definidas.
O quadro de análise categorial (Quadro 1, pág. 54), assim como suas lógicas,
categorias, descritores foram apresentados na subseção ―2.3 Lógicas e categorias de
análise da Formação Continuada‖.
94
4 AÇÕES FORMATIVAS DESENVOLVIDAS PELA SEDUC/PE
Nesse capítulo, apresentamos um quadro geral das ações formativas
direcionadas aos professores de rede pública estadual de Pernambuco. Para tal,
analisamos o Programa de Formação e Valorização dos Profissionais da Educação. O
programa em questão reúne todas as ações formativas desenvolvidas pela SEDUC, em
parceria com outras instituições. Nesse sentido, identificamos as lógicas estruturantes
das ações formativas e como elas influenciam na elaboração e execução da política
pública de formação.
Utilizamos como fonte os documentos oficiais, relatórios e as informações que
estão disponíveis no sítio eletrônico da SEDUC. Em caráter complementar às
informações coletadas, através dos documentos, realizamos visitas e entrevistas com
técnicos e gestores da secretaria em questão.
Os Relatórios Anuais de Indicadores Educacionais34
de 2013, 2014 e 2015
organizam a apresentação das ações formativas do Programa de Valorização e
Capacitação dos Docentes (2013 e 2014) e do Programa de Formação e Valorização dos
Profissionais da Educação (2015).
As denominações usadas para designar a política pública estadual de formação
de professores demonstram uma alteração em relação à concepção de formação. Os
primeiros termos fazem referência à ―capacitação‖. De acordo com Marin (1991), termo
faz referência ao processo de tornar alguém apto à determinada função. Ao
empregarmos o termo ao contexto de professores em serviço, partirmos de um
pressuposto da inaptidão ou inabilidade de profissionais que já possuem certas vivências
e, sobretudo, saberes que foram adquiridos no decorrer de sua vida profissional. O
termo capacitação se estruturaria a partir de uma lógica instrumental, pois a
compreensão da condição de ―apto à determinada função‖ dialoga com a transmissão de
técnicas, métodos, procedimentos determinados por especialistas. Cabe ao professor se
apropriar dessas informações, superando a condição de incapaz e aplica-las no seu
ambiente de trabalho. Nóvoa (1991) argumenta que esse modelo de formação se filia a
34
A lei de Responsabilidade Educacional, Lei nº 13.273, de 5 de julho 2007 e LEI Nº 15.362, DE 2 DE
SETEMBRO DE 2014 (PERNAMBUCO) obriga a SEDUC a apresentar um relatório contendo uma série
histórica dos indicadores educacionais da rede pública de ensino. O relatório deve ser apresentado, pelo
secretário de educação em exercício, para Comissão de Educação da Assembleia Legislativa de
Pernambuco.
95
uma compreensão de prática baseada em uma racionalidade técnica. Por meio desse
entendimento, a prática docente se resume à solução de problemas através do emprego
de receitas, cartilhas e manuais.
Por sua vez, o uso do termo ―formação‖ se relacionaria com uma lógica crítica,
pois dialogaria com um entendimento mais amplo desse processo. A adoção desse
termo pode ser interpretada como uma aproximação teórica com o conceito de educação
permanente (Freire, 2008). Nesse sentido, o termo se fundamenta na valorização dos
saberes construídos pelos docentes e na certeza de que a educação é um processo
inconcluso, que se estende por toda a vida. O pressuposto da condição de inacabamento
do ser humano serve como base para a necessidade de ações formativas constantes que
contribuam para o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes. Essa
aproximação teórica com a perspectiva freireriana de educação, oportuniza uma
reflexão sobre os processos formativos e suas consequências para a efetivação da prática
formativa.
Salientamos que a simples adoção de determinados termos não configura,
necessariamente, a defesa de certas tendências de pensamento pedagógico. Contudo,
concordamos com Libâneo (1986) quando, em suas análises sobre as tendências
pedagógicas, sustenta que os pressupostos teóricos se manifestam nas práticas escolares,
nos documentos oficiais, na organização do ensino e nas concepções pedagógicas
adotadas pelos professores. Por isso, nos dedicamos a pesquisar quais são os
documentos oficiais que norteiam a elaboração e execução das ações formativas
desenvolvidas pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco (SEDUC/PE) e
em parceria com outras instituições.
Após o processo de coleta de dados junto à SEDUC, estranhamos não ter
encontrado nenhuma referência ao Programa de Formação e Valorização dos
Profissionais da Educação para além dos relatórios supracitados. Contudo, existem dois
documentos disponibilizados pela SEDUC que servem como base para o
desenvolvimento e efetivação das ações formativas:
1 - Plano Estadual de Educação 2015–2025 (PERNAMBUCO, 2015)
2 - Parâmetros de Formação Docente (PERNAMBUCO, 2012)
96
4.1 Plano Estadual de Educação (2015 – 2025)
O Plano Estadual de Educação (PEE) (2015/2025), regulamentado pela Lei nº
15.533, de 23 de junho de 2015 (PERNAMBUCO), estabelece diretrizes, metas e
estratégias que visam assegurar o direito à educação de qualidade no estado de
Pernambuco, no decorrer de 10 anos. O Plano foi formulado a partir de Conferências
Municipais, Intermunicipais e Estaduais, do Ciclo de Debate da Semana Nacional de
Mobilização da CONAE e de Audiências Públicas na ALEPE. O PEE apresenta vinte
(20) metas distribuídas em seis (6) eixos:
1 - Direito à educação básica com qualidade
2 - Valorização da diversidade e enfretamento das desigualdades
3 - Valorização dos profissionais da educação: formação e condições de trabalho
4 - Elevação da oferta de educação superior
5 - Gestão Democrática
6 - Financiamento da Educação
As metas presentes no PEE possuem estratégias alinhadas ao Plano Nacional de
Educação. O dimensionamento das metas , assim como o plano de ação para efetivação
das metas (estratégias), foi estruturado a partir da realidade educacional de Pernambuco
que por sua vez foi elaborado com base nos dados apresentados pelas seguintes
entidades: Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Salientamos que o documento em questão se
constitui enquanto uma política de Estado, algo que transcende políticas de governo,
pois se fundamenta em um compromisso assumido pelo Estado, em todas as suas
instâncias, e pela sociedade civil.
O Eixo 3 ―Valorização dos Profissionais da Educação: formação e condições de
trabalho‖ contém quatro (4) metas que abordam a formação inicial e continuada dos
97
profissionais da educação básica35
, as condições de trabalho, a carreira, salário e
remuneração.
Meta 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de um ano de
vigência deste Plano Estadual de Educação, política nacional de
formação e valorização dos profissionais da educação, assegurando
que todos os professores e as professoras da educação básica
possuam formação específica de nível superior, obtida em curso
de licenciatura na área de conhecimento que atuam.
Meta 16: Formar, em nível de pós-graduação, 37,4% (trinta e sete
vírgulas quatro por cento) dos professores da educação básica até o
último ano de vigência deste Plano Estadual de Educação - PEE, e
garantir a todos os profissionais da educação básica a formação
continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades,
demandas e contextualizações dos sistemas de ensino.
Meta 17: Valorizar os (as) profissionais do magistério das redes
públicas da educação básica, a fim de equiparar o rendimento médio
aos demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do
sexto ano de vigência deste PEE.
Meta 18: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de
carreira para os (as) profissionais da educação básica e superior
pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos
profissionais da educação básica pública, tomar como referência o
piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos
do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal. (PERNAMBUCO,
2015, p. 75 – 83) (grifos nossos)
A formação, interpretada a partir da meta 15 do PEE, é compreendida como um
mecanismo de valorização da carreira docente com fins de certificação por meio das
instituições formadoras, ou como um meio de atualização dos conhecimentos. ―Essa
ação fortalece e possibilita aos professores oportunidades de se atualizarem nas suas
respectivas áreas de conhecimento‖ (Pernambuco, 2015, p.77).
A formação, quer seja inicial ou continuada, por certificação, é necessária em
razão de existência de um percentual, até elevado ainda, segundo a região, de
professores leigos, isto é, destituídos da titulação necessária ao exercício da atividade
35
De acordo com Lei Nº 12.014, de 6 de agosto de 2009 (BRASIL), são profissionais da educação básica
professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos
fundamental e médio; trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação
em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de
mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso
técnico ou superior em área pedagógica ou afim.
98
profissional. Ao inserir esta meta, a SEDUC assume uma posição no sentido de afirmar
a profissionalização docente como uma política de estado.
Uma leitura apurada das 49 estratégias, referentes às duas metas, evidencia a
centralidade dos conhecimentos científicos, transmitida via universidade, em detrimento
dos saberes experienciais dos docentes (Tardif, 2002). No texto referente às estratégias
não foram encontradas termos ou referências diretas ou indiretas à valorização das
experiências ou dos conhecimentos produzidos pelos docentes.
Existe uma concepção, também presente no PEE, de que o aprimoramento da
qualidade de ensino teria uma relação direta com a titulação dos docentes. ―A ambição
da meta (15) proposta pelo PEE é condizente com a necessidade de melhorar o perfil
das funções docentes de todos os níveis e modalidades de ensino do conjunto da rede
pública de educação básica no Estado‖ (Pernambuco, 2015, p.77).
Tendo em vista que 71,08% (Gráfico 1) dos docentes atualmente possuem um
título de pós-graduação latu senso, o estado de Pernambuco acena com a necessidade de
ampliar a titulação do quadro de professores para o nível de mestres ou doutores.
Gráfico 1 - Professores efetivos da SEDUC/PE por titulação - 2015
Outro aspecto do conceito de formação expresso pelo Plano Estadual de
Educação do Estado de Pernambuco, que se associa ao sentido de certificação,
evidencia-se por meio da necessidade de atualização de concepções, saberes e práticas
dos professores, com a finalidade de melhorar o ensino. ―Essa ação fortalece e
Fonte: Relatório de Indicadores Educacionais 2015 (PERNAMBUCO)
99
possibilita aos professores oportunidades de se atualizarem nas suas respectivas áreas de
conhecimento‖ (PERNAMBUCO, 2015, p.77).
De acordo com Marin (1995), o termo ―atualização‖ se estrutura a partir da
premissa de que os saberes, assim como os próprios professores, possuidores desses
saberes, tornam-se obsoletos com o tempo, necessitando, por conseguinte, incorporarem
novos conhecimentos e técnicas. Essa atualização acontece por meio de dinâmicas entre
os desatualizados (professores) e os ―atualizadores‖ (especialistas). Nesse sentido, a
universidade assume um papel relevante enquanto detentora de saberes e definidora do
que é atual. Essa lógica instrumental, baseada na transmissão e aplicação de novos
conhecimentos e técnicas, reforça o caráter de submissão e passividade dos docentes a
serem atualizados.
A formação compreendida nesses termos, não promove algo essencial ao
processo de compreensão e transformação da prática de ensino que é a superação da
condição de sujeitos passivos. De acordo com Freire (1996), o processo de superação
dessa condição de passividade passa pelo desenvolvimento de uma postura crítica e
curiosa em relação à realidade. Ao tratarmos especificamente do contexto docente,
compreendemos que a valorização dos saberes experienciais (FREIRE, 1996; TARDIF,
2002), associada a uma postura de reflexão crítica (FREIRE, 1996; ZEICHNER, 2008)
pode contribuir para a construção de profissionais conscientes de suas necessidades e
protagonistas na transformação de sua própria realidade.
4.2 Parâmetros da Formação Docente
Os Parâmetros da Educação Básica do Estado de Pernambuco foram
desenvolvidos com intuito de ―[...] garantir uma educação de qualidade para todos‖
(Pernambuco, 2012, p. 13). São compostos por três documentos que serviram como
referência para a elaboração e efetivação do currículo, como norte teórico das políticas
de formação continuada e para o desenvolvimento da prática de avaliação.
a) Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco: Parâmetros
Curriculares (PERNAMBUCO, 2012)
b) Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco. Parâmetros na
sala de aula (PERNAMBUCO, 2013)
100
c) Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco
(PERNAMBUCO, 2014)
- Parâmetros de Formação Docente. Ciências da Natureza e Matemática
- Parâmetros de Formação Docente. Línguas, Arte e Educação Física
- Parâmetros de Formação Docente. Ciências Humanas
A elaboração dos Parâmetros da Educação Básica do Estado de Pernambuco
contou com a participação de professores da rede estadual, das redes municipais, de
universidades públicas do estado de Pernambuco e do Centro de Políticas Públicas e
Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz Fora/CAEd. O documento não
deixa claro como se organizou a participação dos professores e nem a taxa de conversão
entre o que foi proposto pela categoria e o que, de fato, foi agregado à proposta final do
documento. Dentre os documentos apresentados, apenas os Parâmetros Curriculares
esclarecem como se deu o processo de participação dos docentes. De acordo com o
documento, aproximadamente 4.000 professores, vinculados às 17 Gerências Regionais
de Ensino (GRE), se reuniram em grupos organizados por áreas de conhecimento e
preencheram questionários de avaliação, fichas de transposição e escreveram sínteses
das discussões. A primeira versão desse documento, considerada pela SEDUC como
―sugestões‖, passou pela análise de consultores. ―As sugestões foram consolidadas
pelos consultores, preservando-se as sugestões propostas pelos grupos de professores e
somente excluindo aquelas em desacordo com aspectos legais e com princípios
norteadores definidos pela proposta preliminar‖ (Pernambuco, 2012, p, 56). Após essa
etapa de consolidação por consultores externos, as propostas voltaram para os
professores que, seguida da devida análise, aprovaram o material.
Esse movimento entre os professores da rede e os consultores é considerado por
Nóvoa (1991) como fértil, necessária e, ao mesmo tempo, problemática. Tendo em vista
que o paradigma conservador, estruturado numa concepção de ciência positivista, e que
se apresenta enquanto saber fragmentado, ainda exerce certa hegemonia nas relações
entre os diferentes sujeitos que integram a dinâmica de formulação dos currículos
oficiais, podemos inferir que o trabalho de validação das sugestões apresentadas pelos
docentes aos consultores denota certos traços de hierarquia entre ―especialistas‖ e
―professores‖. Nesse sentido, se o objetivo de fato fosse estabelecer uma construção
101
coletiva e dialógica, as oficinais, nas quais se discutiram e decidiram as propostas,
poderiam ter contado com a participação dos consultores.
A preocupação em manter um canal de diálogo entre o poder público estadual,
as universidades e os professores denota um reconhecimento da importância do
protagonismo docente, mesmo que mínima, na formulação de objetivos e estratégias das
ações formativas. Nesse sentido, percebemos, apesar de certa contradição, a presença de
certos aspectos da lógica crítica na elaboração desses documentos.
Contudo, os documentos deixam transparecer, no que tange à concepção de
ações formativas, certas características do formato verticalizado, característica marcante
nas ações formativas desenvolvidas no Brasil (GATTI, 2003). A articulação entre esses
documentos, a partir de uma dinâmica entre o currículo, a avaliação e a formação,
constitui um outro princípio orientador e é celebrada enquanto um movimento inovador.
Contudo, destacamos a presença de termos, como ―o que ensinar‖ e ―como ensinar‖,
algo que denota que, nos documentos, a inovação possui certos limites práticos.
A inovação dos Parâmetros para a Educação Básica no Estado de
Pernambuco é a articulação entre os Parâmetros Curriculares (o que
ensinar), os Parâmetros na Sala de Aula (como ensinar), a avaliação
dos estudantes, por meio dos Padrões de Desempenho, e os
Parâmetros de Formação Docente. (Pernambuco, 2014 , p.35)
Compreendemos que o movimento de associação entre os Parâmetros
Curriculares e a expressão ―o que ensinar‖ remete a uma concepção de currículo restrita
ao processo definição de conteúdos a serem ensinados e aprendidos. Nessa mesma linha
de argumentação, ao buscar associar a ideia de Parâmetros curriculares na sala de aula
ao termo ―como ensinar‖, o que na literatura didática alude a métodos e técnicas de
ensino, restringe-se o espaço escolar de maior visibilidade (a sala de aula) a um lugar
eminentemente de ensino e a prática docente à escolha de métodos e técnicas.
Dessa forma, de acordo com as expressões citadas, percebemos que a formação
é orientada por meio das lógicas instrumental e da performatividade. A formação
continuada é apresentada como um mecanismo que visa atingir metas por meio da
aplicação (instrumental) de um conjunto de técnicas fundamentadas cientificamente.
Os objetivos propostos pela SEDUC, mesmo que tendo contado com um certo
grau de participação docente, se originam da necessidade de se garantir a efetivação do
currículo oficial e, dessa forma, garantir o ―Padrão de Desempenho‖, por ele definido.
102
Em consonância com esta percepção, a Secretaria de Educação e
Esportes de Pernambuco – a partir do diálogo com a comunidade
acadêmica, com especialistas de diversas áreas, com as secretarias
municipais e com os professores da rede pública do estado – definiu
os Parâmetros Curriculares da Educação Básica e os Padrões de
Desempenho Estudantil, voltados para o estabelecimento das
expectativas de aprendizagem dos estudantes em todas as etapas da
Educação Básica, com o intuito de auxiliar o professor em sua prática
docente e assegurar o direito de todo estudante a aprender.
(Pernambuco, 2014, p.13)
O desempenho dos estudantes em exames estandardizados é compreendido
como um mecanismo concreto para auxiliar gestores e professores na garantia do direito
a uma educação de qualidade ou, dito nas palavras do texto oficial, ―assegurar o direito
de todo estudante a aprender‖. O principal objetivo desses ―Padrões‖ é, vinculados ao
desempenho nos exames, fornecer ―informações pedagógicas‖ que tornem possível o
estabelecimento de ―metas concretas‖ e ―tangíveis‖. Cumprir com as metas tornou-se o
objetivo último para se concretizar uma educação de qualidade. A análise do
desempenho dos alunos é considerada como uma ―condição fundamental para a
formulação de diretrizes curriculares que permitam um melhor acompanhamento dos
estudantes e um planejamento mais sistematizado de ações por parte dos gestores e
professores, que assegurem o direito à aprendizagem‖ (PERNAMBUCO, 2014, p.14).
Os principais instrumentos de avaliação interna da rede pública de educação são:
o Sistema de Avaliação da Educação Básica de Pernambuco (SAEPE), o Censo Escolar
e os questionários sobre perfil socioeconômico dos alunos e sobre infraestrutura das
escolas.
O SAEPE utiliza a prova como instrumento de avaliação nas áreas de Língua
Portuguesa e Matemática que são aplicadas aos alunos dos Anos Iniciais e Finais do
Ensino Fundamental, do Ensino Médio e dos programas de correção idade-série. Outras
fontes de informação para a elaboração do IDEPE (Índice de Desenvolvimento da
Educação de Pernambuco)36
são os índices de matrículas e de evasão (fluxo escolar).
Visando assegurar o bom desempenho nos exames estandardizados,
particularmente os vinculados ao SAEPE (Sistema de Avaliação da Educação Básica de
36
O IDEPE permite medir anualmente a qualidade da educação de Pernambuco, tendo em conta tanto os
resultados da avaliação do SAEPE, em Língua Portuguesa e Matemática, dos alunos das 4ª e 8ª séries
do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio, como também a média de aprovação dos alunos.
103
Pernambuco)37, a SEDUC orientou as ações de formação continuada de modo que a
preparação de alunos e professores para o êxito nesses exames fosse o viés. De acordo
com Gatti (2003), essa uma prática comum em várias secretárias de educação no Brasil
e serve como uma explicação plausível para a predominância de ações formativas que
abordam as disciplinas presentes nos exames (Português e Matemática).
Uma das soluções encontradas pelo estado e pelos gestores públicos para atingir
as metas, em particular o bom desempenho nos exames estandardizados, foi imprimir
um viés na formação continuada direcionando-a para a preparação, de alunos e
professores, para os exames. Gatti (2003) descreveu em pesquisa de abrangência
nacional uma tendência de utilização do desempenho nos exames como referência na
elaboração de ações formativas de professores, por parte das secretarias de educação. A
maioria dos exames estandardizados cobra dos alunos conhecimentos nas áreas de
Português e Matemática, o que faz com que haja uma predominância, como pode ser
visto no Gráfico 2, dessas duas disciplinas quando tratamos dos conteúdos trabalhados
nas ações formativas.
37 Criado no ano 2000, o SAEPE tem como seus principais objetivos: produzir informações sobre o grau
de domínio dos estudantes nas habilidades e competências consideradas essenciais em cada período de
escolaridade avaliado; monitorar o desempenho dos estudantes ao longo do tempo, como forma de avaliar
continuamente o projeto pedagógico de cada escola, possibilitando a implementação de medidas
corretivas, quando necessário; contribuir diretamente para a adaptação das práticas de ensino às
necessidades dos alunos, diagnosticadas por meio dos instrumentos de avaliação; associar os resultados
da avaliação às políticas de incentivo com a intenção de reduzir as desigualdades e elevar o grau de
eficácia da escola; compor, em conjunto com as taxas de aprovação verificadas pelo Censo Escolar, o
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de Pernambuco – IDEPE.
104
Gráfico 2 Ações Formativas Agrupadas por Conteúdo Específico
Fonte Relatório Indicadores Educacionais (2015)
O Gráfico 2 foi elaborado para facilitar a visualização do quadro geral das ações
de formação desenvolvidas pela própria Secretaria de Educação de Pernambuco ou em
parceria com outras instituições, tanto públicas como privadas. As ações foram
agrupadas de acordo com os conteúdos que constam na descrição constante do Relatório
de Indicadores Educacionais de 2015. Optamos por essa categoria de agrupamento, pois
a divisão por conteúdos proporciona uma visão do espaço que cada disciplina ocupa na
política de formação. Dessa forma, podemos, por exemplo, evidenciar as relações entre
os exames estandardizados e as propostas formativas.
Pontuamos que, no presente documento, não aparecem ações formativas, ou
qualquer tipo de alusão às disciplinas de Filosofia, Sociologia, Física e Química. A
categoria ―Ciências‖ faz referência aos estudos de Biologia. Dessa forma, salientamos
também que o público alvo dessas ações são os professores de todos os níveis e
modalidades de ensino, técnicos da SEDUC e gestores. Destacamos nesse sentido a
discrepância entre as ações voltadas, especificamente, para a Língua Portuguesa (12) e
para Matemática (12), enquanto as formações para as áreas de História, Filosofia,
Ciências, Educação Física aparecem apenas com uma única ação, cada uma, com
exceção de Artes que aparece com duas (2) ações.
105
Outra evidência do espaço de que as disciplinas de Matemática e Português
ocupam no desenvolvimento da política de formação da SEDUC são os objetivos, das
ações voltadas para os professores do ensino médio, apresentados pela Gerência de
Políticas Educacionais do Ensino Médio (GEPEM):
- Subsidiar os professores no seu saber-fazer pedagógico tendo
em vista a análise e construção de atividades que promovam
autonomia e a proficiência dos estudantes.
- Motivar e fornecer materiais pedagógicos aplicados em
Língua Portuguesa e Matemática no sentido de promover a
construção do fazer docente. (PERNAMBUCO, p.11, 2015)
(grifo nosso)
Se adotarmos como critério de análise apenas a quantidade de ações por
disciplina específica, percebemos que existe, assim como Gatti (2003) pontua para o
âmbito nacional, uma predominância de ações voltadas aos professores de Português e
de Matemática. Compreendemos que essa diferença numérica, assim como a declaração
direta evidenciada nos objetivos, tem como base a centralidade da avaliação no processo
de desenvolvimento e execução de ações formativas. Existiria, assim, uma relação direta
entre o currículo, os exames estandardizados e as ações formativas.
A utilização dessa metodologia não se processou de forma acrítica.
Foram considerados aspectos específicos da realidade
pernambucana, bem como a experiência do Estado com avaliação
externa de larga escala, expressa no Sistema de Avaliação
Educacional de Pernambuco (SAEPE). A inovação desse processo
está na participação efetiva dos docentes que estão em exercício na
sala de aula como protagonistas, o que possibilitou definir padrões de
desempenho mais condizentes com a realidade dos estudantes,
estabelecer, de forma mais clara, a relação entre currículo e
avaliação, além de possibilitar a definição de novos rumos para a
formação docente. (Pernambuco, 2014. P.34) (grifos nossos)
Contudo, o processo de delimitação do quadro geral do desenvolvimento de
ações formativas não pode ficar restrito a um único critério, pois aspectos como número
de participantes, estrutura curricular, carga horária e recursos investidos também devem
ser levados em consideração. Nesse sentido, evidenciamos uma tendência da política de
106
formação, estruturada a partir das lógicas instrumental e perfomatividade, de privilegiar
as disciplinas de Português e Matemática com fins de obter um melhor desempenho nos
exames estandardizados.
A discussão sobre o número de participantes, outro critério pertinente na
compreensão da política de formação, deve ter como norte o quadro geral de docentes
que atualmente trabalham nas escolas da rede pública estadual de ensino. Portanto,
apresentamos a Tabela 1 e 2 com o objetivo de construir uma relação entre a quantidade
de professores da rede e o número de participantes das ações formativas.
Tabela 1 – Total de participantes, ações e horas/aula de formação continuada –
SEDUC/PE - 2015
Fonte: Relatório de Indicadores Educacionais, 2015.
Tabela 2 – Professores da rede estadual por vínculo e situação – 2015
Fonte: Relatório de Indicadores Educacionais, 2015.
As ações formativas são ofertadas tanto para professores efetivos como para
professores temporários. A categoria capacitação faz referência à quantidade de ações
realizadas. O cruzamento de informações entre a quantidade de participantes e o número
107
total de professores da rede (efetivos + temporários) nos permite, inicialmente, concluir
que o índice participação é alto. Se utilizarmos o ano de 2015 (destaque em vermelho)
como referência e considerarmos apenas os números absolutos, tal como são
apresentados nos relatórios de gestão, temos um índice de participação de
aproximadamente 87% (oitenta e sete por cento) do total de professores. Porém a nota
explicativa (Tabela 3) deixa claro que um mesmo professor pode participar de mais de
uma ação, inviabilizando dessa forma a análise da efetiva abrangência das ações, em
termos de percentual de professores participantes, por meio das informações
apresentadas.
4.3 Ações Formativas
A política de Formação e Valorização dos profissionais da Educação38
(Gráfico 4)
se divide em duas grandes categorias:
1. Formação continuada em polos e formação em serviço (chão da escola)
2. Formação Interinstitucional
Gráfico 3 – Ações Formativas direcionadas aos Profissionais da Educação
Fonte: Relatório de Indicadores Educacionais, 2015.
38
A lista completa está disponível no Anexo 1.
108
Fonte: Relatório de Indicadores Educacionais, 2015,
A divisão proposta pela SEDUC/PE utiliza como critério de agrupamento a
responsabilidade pela elaboração e execução das ações formativas. A primeira categoria
(Formação continuada em polos e formação em serviço (chão da escola)) é constituída
apenas por quarenta e quatro (44) ações que foram elaboradas e executadas pela própria
Secretaria por meio de seus gestores, técnicos e formadores. Nessa categoria, podemos
incluir cursos de aperfeiçoamento, congressos, seminários, palestras e oficinas que
ocorreram de forma pontual e descentralizada em todo o estado de Pernambuco.
Por sua vez a segunda categoria (Formação Interinstitucional) é formada por
vinte e cinco (25) ações elaboradas e executadas em parceria com instituições públicas e
privadas. Nesse grupo também se incluem os mesmos tipos de ações da primeira
categoria, contudo podemos acrescentar a modalidade EAD (Educação a distância).
Na Tabela 4 e no Gráfico 5 abaixo, temos a relação das instituições e quantidade
de ações que foram desenvolvidas que desenvolveram parcerias com a SEDUC/PE.
Tabela 3 – Instituições ofertantes de ações de formação continuada por setor
Instituições Privadas Instituições Públicas
Better World (1)
EDACOM (1)
Fundação Roberto Marinho (1)
Fundação Mapfre (1)
Instituto Ayrton Senna (2)
IREX Maker (1)
Mind Lab (1)
Universidade do Oregon (1)
DETRAN (1)
MEC
Ministério Público de Pernambuco
(1)
Secretaria de Justiça e Direitos
Humanos Secretaria da Fazenda (1)
UFPE / UFRPE / Univasf, IFPE,
UPE (5)
109
Gráfico 4 – Parceiros da SEDUC/PE na formação continuada de professores – 2015
Fonte: Relatório de Indicadores Educacionais, 2015.
A elaboração do gráfico adotou como critério a quantidade de ações
desenvolvidas em parceria com a SEDUC. Dessa forma, apresentamos, no gráfico,
apenas os cincos (5) maiores parceiros. Os dados apontam que o principal parceiro no
desenvolvimento de ações é o Ministério da Educação que está presente em 42% das
ações ofertadas em parceria com a Secretaria de Educação. Se somarmos as
contribuições das Instituições de Ensino Superior Públicas (26%) podemos concluir que
a grande maioria (68%) das ações interinstitucionais foram de responsabilidade do MEC
e das IES.
A sistematização da quantidade de ações não pode ser compreendida como único
critério para determinar o grau de importância da parceria. Nesse sentido, não podemos
concluir que o Governo Federal ocupa um lugar de destaque no desenvolvimento das
ações formativas. Devemos levar em consideração outros fatores como carga horária,
recursos investidos e o número de participantes para caracterizar ou não o protagonismo
do Estado no processo de oferta de ações formativas.
110
Por sua vez, as ações desenvolvidas pelo estado de Pernambuco, por meio da
SEDUC, devem ser compreendidas também por meio das instâncias responsáveis por
sua elaboração e execução. Logo, a execução das ações fica sob a responsabilidade das
Gerências Regionais. Já a elaboração, a fiscalização e a coordenação são de
responsabilidade das Secretarias Executivas (FIGURA 1).
As Secretarias Executivas, assim como suas respectivas Gerências e
Superintendências, possuem autonomia para desenvolver ações formativas. Existe um
nível elevado de liberdade e autonomia na elaboração e execução das ações. Não
encontramos restrições em relação ao formato e/ou tema das formações. Contudo,
identificamos dois critérios de organização na execução das ações formativas.
Figura 2 – Organograma da Secretária de Educação de Pernambuco
O primeiro deles diz respeito ao nível de ensino. Assim, as ações direcionadas
aos docentes do ensino fundamental ficam sob a responsabilidade da Gerência de
Políticas Educacionais da Educação Infantil e Ensino Fundamental, assim como as
ações voltadas aos docentes da Educação de Jovens e Adultos é uma prerrogativa da
Gerência de Educação de Jovens e Adultos. Nesse mesmo sentido, as ações voltadas
para os professores do ensino médio ficam sob a tutela da Gerência de Políticas
Educacionais do Ensino Médio. Todas as gerências supracitadas estão submetidas ao
controle da Secretária Executiva de Desenvolvimento da Educação.
Fonte: http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&men=169
111
Outro critério encontrado diz respeito à divisão entre as Escolas Regulares e as
Escolas de Referência. A gestão das Escolas de Referência, assim como suas respectivas
ações formativas, é de responsabilidade da Secretaria Executiva de Educação
Profissional. Essa Secretaria Executiva, que possui autonomia administrativa e
financeira, foi criada em 2009 com objetivo de gerir as políticas públicas da Educação
Integral e da Educação Profissional.
Compreendemos que autonomia das Secretarias Executivas fornece uma maior
agilidade na elaboração e execução das ações formativas. Nesse mesmo sentido também
observamos que a divisão por nível de ensino promove uma maior proximidade entre a
formulação da política pública e a realidade dos professores.
Contudo, considerando os objetivos de elevação da qualidade da educação na
rede pública estadual de ensino, o quantitativo de docentes a ela integrados, o debate
social e acadêmico em torno da formação continuada e sua importância, a inexistência
de um documento que regulamente a política de formação de continuada de professores
da rede pública estadual nos chama atenção. O Programa de Formação e Valorização
dos Profissionais da Educação, no qual estão inseridas as ações voltadas para os
professores, sofre ainda de uma ausência de identidade. Não existem entre os
documentos estudados, com exceção dos relatórios, referências ao programa.
Avaliamos, dessa forma, que ações formativas parecem terem sido reunidas para deram
origem ao programa, fazendo assim com que se cumpra um dos itens da Lei de
Responsabilidade Educacional. Quando, na verdade, a existência do programa deveria
preceder à elaboração e execução das ações. Devido a sua existência estar atrelada,
segundo parece, exclusivamente, ao feitio dos relatórios de indicadores educacionais, a
descentralização das ações não é algo planejado, mas sim fruto de uma fragilidade em
na política pública de formação. Nas próximas seções que compõe o capítulo seguinte
iremos analisar especificamente as ações que envolvem as TDIC, para, na penúltima
seção, trabalharmos no sentido de identificar as relações das ações formativas
direcionadas a essas tecnologias com os documentos norteadores.
112
5 AÇÕES FORMATIVAS: ENTRE A INCLUSÃO DIGITAL E GARANTIA DO
BOM DESEMPENHO
A pesquisa exploratória identificou sessenta e nove (69) ações formativas
desenvolvidas pela SEDUC e em parceira com outras instituições, no ano de 2015.
Dentre as ações listadas encontramos três que trabalham a temática das TDIC:
1 - Programa Mente Inovadora
2 - Robótica Lego
3 - ProInfo
As ações formativas, direcionadas aos professores da rede, estão vinculadas
aos programas supracitados. A prerrogativa de elaboração e/ou aquisição, execução e/ou
acompanhamento das ações é das Secretarias Executivas. Nesse sentido, esclarecemos
que o Programa MenteInovadora e a Robótica Lego, ambos elaborados e executados
pela iniciativa privada, estão vinculados a Secretaria Executiva de Desenvolvimento da
Educação, por sua vez, o ProInfo, de origem pública, está subordinado à Secretaria
Executiva de Educação Profissional. Os três programas não foram elaborados pela
Secretaria de Educação, eles se estruturam a partir de uma lógica de repasse ações
formativas. Compreendemos, no mesmo sentido do que Gatti (2013) sustenta, que essa
lógica pode ser identificada a uma estratégia verticalizada de política formativa. Uma
instituição pública ou privada, elabora as ações formativas e depois as mesmas são
efetivadas pelas secretarias de educação. O papel do Estado, enquanto responsável pela
formação do seu quadro de funcionários, pode variar entre o executor da política de
formação ou o regulador/fiscal da execução das ações. Nesse modelo de formação,
essencialmente verticalizado, existe um pequeno grau de adaptação às realidades locais.
Mas, no geral, as ações formativas são ofertadas enquanto um produto pronto e
padronizado para todo o país. Apesar da verticalização e da homogeinização serem
características em comum entre as ações ofertadas pelo Estado ou pela inciativa privada
existem outros aspectos que devem ser analisados quando estamos tratando de formação
continuada.
Portanto, iremos identificar quais são os eixos estruturantes dessas ações,
analisar aspectos como conteúdos, objetivos, estratégias e o papel conferido às
113
tecnologias digitais da informação e comunicação. Na parte final do capítulo, em uma
seção específica, iremos estabelecer relações entre as ações formativas ofertadas e por
fim discutir as relações entre natureza jurídica (público/privado) das instituições e as
formações. Dessa forma, escolhemos como representante da esfera pública, no que
tange a elaboração e execução, o ProInfo. Por sua vez, o Programa MenteInovadora foi
selecionado como expressão da presença das instituições privadas na condução das
ações formativas de professores. Utilizamos como critério de seleção a disponibilidade
de informações sobre o programa e sua inserção na rede pública estadual. O processo de
coleta, tratamento e análise das informações referentes aos dois Programas estudados
teve como fontes os seguintes documentos:
Projeto Pedagógico MindLab, produzido pelo grupo MindLab e disponível do
sítio eletrônico oficial do grupo;
Relatório de Apresentação do Programa MenteInovadora, produzido a partir da
parceria entre SEDUC/PE e grupo MindLab;
Relatório de Indicadores Educacionais (2015/2014/2013), produzido pela
SEDUC/PE;
Sítios eletrônicos oficiais:
http://www.menteinovadora.com.br/
http://www.mindlab.net/
http://portal.mec.gov.br/proinfo/proinfo
http://www.fnde.gov.br/programas/programa-nacional-de-tecnologia
educacional-proinfo/proinfo-perguntas-frequentes
Decreto nº 6.300, (BRASIL, 2007)
Portaria nº 522 (BRASIL, 1997)
Material Didático:
Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC (Guia do
Formador / Guia do Cursista) (2007)
Introdução a Educação Digital Guia do Formador /Guia do Cursista (2010)
Entrevistas estruturadas com os técnicos da SEDUC/PE responsáveis pelo
acompanhamento dos programas (Anexo 2)
114
5.1 Programa MenteInovadora: apresentação e análise
A empresa Mind Lab, fundada no ano de 1994, em Israel, apresenta-se como
uma organização especializada em sistemas de aprendizagem. Um dos principais
objetivos defendidos pela empresa, conforme o site oficial, é desenvolver ―tecnologias
educacionais inovadoras, de abordagem interacionista, que atuam na capacidade da
pessoa se modificar e aprender novas habilidades.‖39
A empresa firmou parceria com
instituições públicas e privadas em diversos países e informa ter ―capacitado‖ mais de
50.000 professores em diversos países.
No Brasil, a empresa começou a atuar em 2006 no campo educacional, tanto na
esfera pública como privada, por meio do Programa Mente Inovadora. Atualmente, a
empresa está inserida em aproximadamente 665 escolas públicas, municipais e
estaduais, distribuídas em 14 estados. Em Pernambuco, a partir de 2014, a empresa
estabeleceu parcerias com a rede pública estadual e as Prefeituras Municipais de
Caruaru, Petrolina, Timbaúba e Recife.
No ano de 2016, o Programa MenteInovadora estava inserido em 80 escolas da
rede pública estadual de Pernambuco. Ao todo, 56.636 alunos participaram do programa
e 346 professores foram alvo de ações formativas continuada elaboradas pela Mind Lab.
O método desenvolvido pela empresa Mind Lab, aplicado no Programa Mente
Inovadora, é executado por meio de uma proposta curricular, da Educação Infantil ao
Ensino Médio, através de jogos, apresentados enquanto recurso didático, para o
desenvolvimento de ―habilidades cognitivas, emocionais, sociais e éticas‖40
. O
programa pode se inserir na matriz curricular como uma disciplina da parte
diversificada ou como uma atividade vinculada a outro componente curricular.
Independente da sua forma de inserção no currículo, o programa possui objetivos gerais
e específicos e material didático próprio destinado tanto ao professor como aos alunos.
O Programa tem como meta o desenvolvimento de habilidades específicas para cada
nível de ensino:
39
http://www.mindlab.com.br/mindlab/index.php/mind-lab/empresa/. Acessado em: 26/12/2016, às
12h19. 40
Idem
115
Figura 3 - Objetivos do Programa MenteInovadora
Na Figura 2, destacamos os objetivos referentes ao nível de ensino onde se
insere o Programa MenteInovadora. Contudo, ressaltamos que os objetivos, referentes
aos outros níveis de ensino, não ficam restritos ao desenvolvimento de habilidades.
Observamos, na Figura 3, temáticas gerais da educação, como ética e cidadania;
temáticas clássicas da didática, como planejamento e trabalho em equipe; temáticas de
administração, como gerenciamento de riscos, investindo recursos e tomada de
decisões.
Uma análise geral do que é proposto, a partir do que manifestado na Figura 2,
nos permite identificar uma inserção de valores, objetivos, habilidades comuns ao meio
empresarial. Os mecanismos de atuação da iniciativa privada não ficam restritos ao
estabelecimento de metas, algo comum na gestão educacional em Pernambuco. Eles
também se inserem nas propostas pedagógicas por meio das temáticas que podem ser
identificas no decorrer Ensino Fundamental 2 e do Médio, a exemplo de:
Fonte: Projeto Político Pedagógico. Mind Lab, vol. 1, p.10.
116
―gerenciamento de recursos‖, ―tomada de decisões‖, ―investindo recursos‖. Ressaltamos
que as temáticas presentes manifestam os valores do meio empresarial de forma difusa e
implícita.
A metodologia apresentada pelo programa é estruturada por meio de três
pilares: Jogos de Raciocínio, Métodos Metacognitivos e Professor Mediador. Os pilares
se relacionam da seguinte forma: primeiro se aprende o jogo de raciocínio, em seguida
fomenta-se a compreensão das estratégias, meios, técnicas e caminhos para a superação
dos desafios encontrados nos jogos e, por último, se trabalha a aplicação desses valores,
absorvidos nos jogos, para a ―vida real‖.
Os jogos de raciocínio, com fins pedagógicos, são apresentados como uma
opção lúdica de aprendizado e ocupam um papel central, enquanto ferramenta
pedagógica, na proposta do programa Mente Inovadora. Os jogos trabalhados são
produtos criados pelo grupo Mind Lab, a exemplo de ―Hora do Rush‖ ou são adaptações
de jogos conhecidos, tais como ―Damas Olímpicas‖. Todos os jogos compartilham um
aspecto em comum, a solução de desafios.
O método, baseado em jogos, é apresentado também como uma forma
inovadora, eficiente e que respeita as diferentes formas de aprendizagem dos alunos.
Através das experiências com os jogos, se desenvolvem habilidades cognitivas
consideradas necessárias à superação dos problemas da vida em sociedade.
Os jogos de raciocínio criam um ambiente de aprendizado
empolgante, em que os alunos lidam com desafios cognitivos,
emocionais, sociais e éticos. A Metodologia possibilita construir
ferramentas para se lidar com estes desafios, ajuda-os a familiarizar-se
com estratégias de jogo e aprender conceitos importantes, como por
exemplo: pontos-chave para administrar recursos, adiar recompensas
para alcançar o objetivo principal, usar táticas para propor e resolver
situações-problema, trabalhar em cooperação, buscar estabelecer o
equilíbrio, entre outros. (Projeto Pedagógico MindLab, p.9)
Por meio da reflexão, mediada pelos professores, os alunos discutem, analisam
e aprendem as estratégias e os conceitos vivenciados nas práticas dos jogos. Esse
processo é denominado pelo grupo Mind Lab como metacognição. Os caminhos,
estratégias e formas encontradas pelos alunos para resolver os desafios colocados pelos
jogos são sistematizados e ganham nomes, a exemplo de ―Método da Árvore‖. Cada
método possui um conjunto de habilidades específicas que devem ser desenvolvidas
pelos alunos. No caso do Método da Árvore, pretende-se desenvolver as seguintes
117
habilidades: analisar várias possibilidades de ação e suas implicações para tomar
decisões, perceber a influência de algumas variáveis diante da imprevisibilidade do
futuro e ter consciência da complexidade das situações e agir de modo crítico.
A proposta de aprendizagem mediada pelos professores é defendida pelo
Programa MenteInovadora como uma solução para as abordagens tradicionais que
temos nas escolas. Cabe ao professor auxiliar os alunos no processo de compreensão
dos jogos e, principalmente, na superação dos desafios encontrados nas atividades. A
transposição do que foi vivenciado para o contexto exterior a sala de aula é apresentada
como algo fundamental para o sucesso do método.
O processo propõe estabelecer conexões entre estes aspectos por meio
de uma construção mediada, considerando-se o aluno, as habilidades
do entorno do jogo e o professor mediador. Tem início com o jogar e
termina com a utilização das habilidades priorizadas em situações do
cotidiano. (Projeto Pedagógico MindLab, p.8)
Para que o papel de mediador seja bem vivenciado, o programa sugere uma
lista de orientações práticas (atitudes) de como os professores devem proceder diante
das mais variadas situações. Citamos como exemplo as seguintes orientações, presentes
no Projeto Pedagógico do Programa MenteInovadora : a postura do docente em sala de
aula (―seja divertido e interessante‖, ―seja paciente e tranquilo‖); sobre a aparência
(―tenha uma aparência bem cuidada‖); sobre como os professores devem utilizar os
recursos didáticos (―No início da aula, a lousa deve estar limpa e não deve ter o
conteúdo de uma aula anterior.‖); sobre como os professores devem abordar os assuntos
(―Uma das melhores maneiras de apresentar um assunto novo é conduzir uma discussão
em classe sobre um tópico com o qual os alunos podem se relacionar, ampliando as
reflexões por meio de perguntas‖ e ―Ao ensinar as regras, elas devem ser claras e estar
estruturadas e numeradas hierarquicamente.‖).
Segundo o desenho do programa, a Mind Lab é responsável por fornecer os
equipamentos, os programas e as ações formativas para os professores que irão trabalhar
com a metodologia do programa. Vídeos, imagens e, principalmente, jogos digitais são
disponibilizados aos docentes para trabalharem as propostas pedagógicas. As
tecnologias digitais da informação e comunicação se inserem no programa Mente
Inovadora como um instrumento para a prática de jogos de raciocínio digital. O uso das
TDIC se inscreve na proposta pedagógica a partir do ensino médio e ocupa um papel
118
auxiliar nas atividades. Como não constituem o foco do programa, não é também o foco
das ações formativas. Devemos lembrar que o principal recurso didático são os jogos.
Nesse sentido, existe uma preocupação em estimular o acesso ao sítio eletrônico
(http://www.mindlab.net/). Nesse endereço encontramos todos os jogos de raciocínio
digital ofertados pelo programa Mente Inovadora.
O Programa MenteInovadora desenvolveu seu próprio método de ensino e
aprendizagem a partir das contribuições dos seguintes autores: Antoni Zabala, Edgar
Morin, David Ausubel, Paulo Freire, Lev Vygotsky, Jean Piaget, Howard Gardner
Reuven Feuerstein, John Dewey. Salientamos que a lista de autores apresentada pela
proposta pedagógica do grupo Mind Lab encontra-se no sítio http://www.mindlab.net/
na sessão ―Fundamentação teórica‖.
Por se tratar de uma proposta pedagógica que visa desenvolver habilidades por
meio da superação de desafios vivenciados em jogos de raciocínio, esperávamos um
maior destaque para as contribuições de Perrenoud. Contudo, o autor é mencionado
apenas nas referências do Projeto Pedagógico do Programa MenteInovadora. Apesar da
ausência de citações diretas, as contribuições do autor ocupam um espaço significativo
na proposta do programa. Por exemplo, pontuamos a presença da associação entre a
solução de situações problema com o desenvolvimento de habilidades cognitivas e não
cognitivas. Existe uma preocupação em desenvolver um tipo específico de raciocínio
que deve promover um tipo específico de atitude. Podemos identificar nesse movimento
a adesão a uma lógica instrumental, com ênfase aplicacionista, que compreende os
processos educacionais de maneira descontextualizada e que privilegia os meios em
detrimento dos fins educacionais.
O conceito central da Metodologia é baseado no princípio de que os
jogos de raciocínio funcionam como uma importante ferramenta no
aprimoramento de habilidades cognitivas e para a criação de uma
consciência do processo de pensamento. Jogos de raciocínio também
ajudam o aluno a lidar melhor com situações emocionais, sociais e
éticas. (Projeto Pedagógico, Mind Lab, p. 5) (grifo nosso)
São caminhos-recursos criadores, organizadores e mobilizadores do
pensar, do fazer e do posicionar-se diante de situações-problema,
que podem ser utilizados nas mais diferentes situações da vida. Os
métodos contribuem no desenvolvimento de atitudes mais
responsáveis e construídas por meio do raciocínio, o que implica em
planejamento e tomada de decisões com mais qualidade. (Projeto
Pedagógico Mind Lab, p.22) (grifos nossos)
119
Os termos em destaque estão inscritos numa visão perrenoudiana, segundo a
qual a educação deveria assumir como referência a dinâmica de mobilização de recursos
(conhecimentos/habilidades/competências) para solucionar problemas. Nesse sentido, o
sucesso da educação teria relação direta com a capacidade dos alunos em tomar boas
decisões. Apesar da presença do termo ―qualidade‖, não existe uma definição sobre em
que sentido essas decisões devem ser tomadas ou até mesmo o que de fato seria uma
educação de qualidade.
Dentre os diversos elementos constituintes dessa visão, identificamos como
fundamental a relação entre situações problema e a mobilização de recursos cognitivos.
Dessa forma, tomando como base Perrenoud (1999), podemos definir situações
problemas como oportunidades, previamente organizadas, de fomentar o
desenvolvimento de recursos cognitivos (esquemas/habilidades/competências). O uso
estrutural dessa ideia, através da metodologia que usa jogos de raciocínio (situações-
problema) com fins pedagógicos específicos (desenvolvimento de habilidades
cognitivas), nos permite associar o programa Mente Inovadora ao modismo educacional
designado de ―Pedagogia das Competências‖ (Saviani, 2011).
Duarte (2001) compreende a proposta pedagógica de Perrenoud (1999) a partir
de uma lógica de treinamento (coaching). De acordo com Duarte (2001) a ―pedagogia
das competências‖ se organiza por meio de um princípio simples que compreende o
processo de construção de competências como uma dinâmica de resolução de
problemas. Nesse sentido, as únicas formas apresentadas para garantir essa construção
seriam a repetição e a aplicação. Outro aspecto distintivo apresentado por Duarte (2001)
é ênfase na transmissão de um método de aquisição de conhecimentos. Para o autor,
existe uma relação valorativa entre os conteúdos e os métodos de aquisição. Cabe ao
educador promover as oportunidades para os educandos desenvolverem a capacidade de
―aprender a aprender‖. Esse processo deve ter como base as necessidades individuais e
se insere em uma perspectiva pragmática dos fins educacionais.
O uso de ―resolução de problemas‖ como eixo estrutural do currículo do
Programa MenteInovadora pode ser observado no trecho a seguir:
Na Metodologia do Programa Mente Inovadora, entende-se por
situação-problema aqueles momentos em que alunos e professores se
veem diante de desafios, de obstáculos pelos quais devemos passar
para atingir um outro nível. Resolver problema corresponde, em um
primeiro momento, reconhecer a existência de um problema. É por
120
meio da ação de problematização da realidade, do mundo e da vida
que somos chamados a experimentar outros pensamentos, a mobilizar
outras experiências, para que possamos transpor uma determinada
situação. Resolver problemas significa ter uma visão geral da
situação-problema e mobilizar aprendizagens anteriores (que
conectadas à situação atual transforma-se em uma outra e nova
aprendizagem) para alcançarmos um determinado objetivo, uma
determinada meta. (Projeto Pedagógico Mind Lab, vol.1, p.31)
Salientamos que a ―resolução de problemas‖ não é o único eixo estruturante do
currículo do programa. O documento também outros eixos: Planejamento e
gerenciamento de recursos e Tomada de decisões e Cooperação.
Os eixos ―Planejamento e gerenciamento de recursos‖ e ―Tomada de decisões e
Cooperação‖ são reflexos do processo de transferência da lógica de mercado para os
processos educacionais. De acordo com Peroni (2013), a lógica de mercado, por meio
de parceiras com o terceiro setor, tem sido gradativamente inserida no campo
educacional. A expansão da lógica de mercado não fica restrita apenas às políticas
públicas, pois existe também uma clara presença nos currículos escolares e nas ações
formativas ofertadas aos docentes. De acordo com Ball e Youdell (2008) apud Caetano
(2015), esse movimento pode ser considerado como um processo de endoprivatização41
Esse transplante de ferramentas, mecanismos e lógica de operação, típicas do setor
empresarial, pode ser identificado no repasse de responsabilidade que outrora eram do
Estado e que agora estão sobre a tutela de instituições privadas. Os valores do mundo
empresarial acabam influenciando o desenvolvimento de ações formativas para os
docentes, pois os programas elaborados pela iniciativa privada precisam de agentes que
atuem na sua aplicação em sala. A imposição desses valores caminha no sentido da
adaptação prematura ao mercado de trabalho por partes dos alunos. É nesse movimento
de transplante da lógica que podemos inserir o Programa MenteInovadora, pois os seus
eixos estruturantes, vazios de contexto político, atuam de forma a reproduzir a lógica de
funcionamento do Mercado. De acordo com Gomide e Miguel (2012), a escola dessa
forma cumpre um papel social de reprodução da ordem vigente ao transmitir valores
como ordem, obediência, competitividade e mérito. Valores estes necessários a uma
adaptação ao mercado de trabalho.
Dessa forma, a partir desse fio condutor, compreendido na dinâmica de
aplicação das experiências acumuladas nos jogos, identificamos outros aspectos, que
41
De acordo Ball e Youdell (2008) apud Caetano, a endoprivatização é o processo de instalação de
mecanismo típicos do mercado na elaboração e execução de políticas públicas.
121
caracterizam a proposta pedagógica, assim como sua influência nas ações formativas,
relacionando-os com as lógicas instrumental e da performatividade encontradas no
Programa MenteInovadora
O primeiro dos aspectos é a prevalência dos conhecimentos científicos em
detrimento de outros tipos de saberes. Observamos que esse aspecto é uma característica
encontrada na estrutura argumentativa dos documentos que apresentam o programa. O
grupo Mind Lab oferta, por meio do Programa MenteInovadora, um método
desenvolvido em parceria com a Universidade de Yale (Estados Unidos), Universidade
de Northumbria (Inglaterra), Instituto IPRASE (Itália) e Instituto INADE (Brasil) e
também por pesquisas desenvolvidas pelo próprio grupo. A eficiência do programa
também é defendida através de ―estudos científicos‖ que comprovam os resultados da
aplicação do método.
O Programa MenteInovadora vem sendo continuamente avaliado por
meio de estudos científicos em parceria com renomados institutos e
universidades ao redor do mundo. Os resultados comprovam uma
evolução significativa no desempenho dos alunos nas disciplinas
regulares do currículo e no desenvolvimento de habilidades cognitivas
e não cognitivas. (Http://www.menteinovadora.com.br/programa-
menteinovadora, acessado em 11/01/2016, às 10:22)
A participação das universidades supracitadas na elaboração do projeto e da
constante avaliação através de ―estudos científicos‖ denota a preocupação em legitimar
o programa a partir de uma parceria com essas institutições. O sentido da legitimação
apresentado dialoga com uma realidade comum aos cursos de formação ofertados por
instituições privadas. De acordo com Nóvoa (1992), uma das principais características
do Modelo de Formação Estruturante é o protagonismo das instituições, sejam públicas
ou privadas, responsáveis pela produção do conhecimento científico no processo de
elaboração das ações formativas. Nesse modelo de formação, os professores são
destituídos do papel de sujeito de sua própria prática ao serem silenciados por essas
instituições. Esse tipo de proposta aprofunda a separação entre especialistas e leigos, no
caso, cientistas e professores. Salientamos também que essa dinâmica fomenta a lógica
do ―aplicacionismo‖ ao separar produtores e reprodutores dos conhecimentos.
Outro aspecto estruturante é o tripé formado por jogos de raciocínio,
metacognição e aplicabilidade. Identificamos esse tripé como um alicerce da proposta
pedagógica do programa.
122
O domínio conceitual que rege a Metodologia do Programa
MenteInovadora, juntamente com a descrição de como isso funciona
na prática, implica considerar três aspectos: aprender um jogo de
raciocínio; aprender os métodos de raciocínio relacionados; aplicá-los
na vida real. (Projeto Pedagógico Mind Lab, vol.1, p.8) (grifos
nossos)
A elaboração e a difusão do método têm como princípio estruturante o
transplante das experiências vividas, em sala, durante os jogos para cotidiano dos
alunos. Essa lógica de funcionamento parte do princípio que o contexto, no qual os
alunos inseridos, é homogêneo, pois o sucesso do método, independente da história de
vida e das condições materiais dos sujeitos, tem relação direta com a possibilidade de
aplicação daquilo que foi aprendido no jogo. É nesse movimento de transplante que se
insere a mediação, papel dos professores em face da aprendizagem. Cabe aos docentes
―[...] promover essas conexões entre as experiências vividas nas situações de jogo e as
possíveis transcendências para o cotidiano.‖ (Projeto Pedagógico Mind Lab, vol.1, p.8).
O método, no qual a mediação assume um papel central, propõe tornar o aluno
um "cidadão, autônomo, criativo, independente‖ e defende que a ―melhor forma disso
acontecer é por meio da mediação da aprendizagem‖ (Projeto Pedagógico Mind Lab,
vol.1, p.8). A concepção de mediação apresentada pelo programa é estruturada por meio
dos conceitos de aprender e conhecer.
A aprendizagem é compreendida como um processo sociocultural baseado na
mediação e na internalização. De forma complementar, também se compreende a
aprendizagem como ―um movimento de problematizar a própria vida, o próprio mundo,
os modos de ser e estar no mundo, de entender e significar aquilo que passa por
realidade, por real, por verdade e por verdadeiro‖ (Projeto Pedagógico Mind Lab, vol.1,
p.15). Inicialmente podemos identificar, no conceito supracitado, uma certa filiação a
uma lógica crítica ao fomentar uma problematização sobre o contexto no qual os alunos
estão inseridos. É nesse processo de reflexão sobre o contexto que se insere o professor
enquanto um agente de mediação da aprendizagem.
Outro aspecto que nos permite associar, no plano do texto escrito e tão somente
neste plano, o conceito de mediação a uma dada característica da lógica crítica,
associação apresentada pelo programa em análise, é a compreensão do conhecimento
enquanto um processo que está em constante construção. De acordo com Severino
123
(2010), a apresentação do conhecimento enquanto produto pronto, acabado e de
consumo imediato promove um ocultamento do seu processo de produção. Essa postura
dificulta o entendimento de que o conhecimento é fruto de um esforço coletivo. O
Programa MenteInovadora parece promover a compreensão contrária ao exposto por
Severino (2012), no plano do texto escrito e tão somente neste plano, repetimos, ao
argumentar que o ato de conhecer se apresenta como movimento de ―criação, produção
e não apenas memorização, repetição e reprodução. É uma postura de transformação dos
saberes historicamente acumulados.‖ (Projeto Pedagógico Mind Lab, vol.1, p.16).
Novamente, identificamos uma preocupação em se discutir o contexto no qual os
indivíduos estão inseridos. Nesse sentido, podemos inferir que a concepção de
aprendizagem, associada ao conceito de conhecer, tenta diminuir a distância entre
produtores e consumidores do conhecimento ao reconhecer a necessidade de
ressignificar aquilo que é apresentado aos alunos.
Outro conceito importante, que se relaciona com a proposta de mediação, é o
de permanente construção das nossas identidades.
Isso implica considerar que, como seres históricos e culturais,
não nascemos sujeitos, não nascemos prontos. Ou seja, vamos nos
tornando sujeitos ao longo da nossa vida, nas interações sociais,
nos circuitos culturais, nas tramas de significação nas quais nos
inserimos. (Projeto Pedagógico Mind Lab, vol.1, p.16) (grifos
nossos)
O esvaziamento político, identificado por meio da ausência de discussões sobre
o contexto onde as práticas pedagógicas se inserem, vai cedendo espaço para uma
proposta mais próxima da lógica crítica. A concepção de formação da identidade, ao
reconhecer o caráter de incompletude dos sujeitos e de sua condição de seres históricos
e culturais, dialoga com a compreensão da condição humana apresentada por Freire
(2002).
Apresentamos até agora os conceitos estruturantes que fundamentam a
proposta de medição defendida pelo Programa MenteInovadora. A seguir trabalharemos
os critérios de mediação apresentados na proposta de pedagógica do programa.
Salientamos que apesar da mediação da aprendizagem ser apontada como a
―melhor forma‖ de se garantir o pleno desenvolvimento dos alunos, não conseguimos
encontrar definições ou citações diretas, na proposta pedagógica do programa, que
esclareçam o termo. O único documento que apresenta uma definição de mediação é
124
uma pesquisa produzida por Sandra Regina Rezende Garcia e Anita Lilian Zuppo Abed,
ambas funcionárias do grupo Mindlab, intitulada ―A Metodologia do Projeto
MenteInovadora no desenvolvimento de habilidades em alunos de 5º ano do Ensino
Fundamental: o professor faz a diferença nas demandas do Século XXI‖42
.
A mediação da aprendizagem é um tipo especial de interação
entre alguém que ensina (o mediador) e alguém que aprende (o
mediado). Essa interação deve ser caracterizada por uma interposição
intencional e planejada do mediador que age entre as fontes externas
de estímulo e o aprendiz. A ação do mediador deve selecionar, dar
forma, focalizar, intensificar os estímulos e retroalimentar o aprendiz
em relação às suas experiências a fim de produzir aprendizagem
apropriada intensificando as mudanças do sujeito. (Meier e Garcia,
2007 apud Abed e Garcia, 2010, p.14)
Destacamos que a definição de mediação, afastada de maiores discussões
sobre o contexto social, diverge dos conceitos estruturais (aprender e conhecer)
apresentados anteriormente. Essa incompatibilidade entre conceitos surge como uma
característica da proposta pedagógica do programa. A composição da proposta
pedagógica é bem heterogênea e, por vezes, contraditória. Conseguimos identificar
aspectos que a relaciona as três lógicas delimitadas no quadro de análise categorial.
Contudo as contradições se apresentam de forma mais evidente nas discussões sobre o
conceito de ―mediação da aprendizagem‖.
O foco no desenvolvimento de um tipo especifico de raciocínio, oriundo das
vivências dos jogos em sala, é uma preocupação constante do documento norteador do
Programa. Nesse sentido, o pragmatismo utilitário das experiências vividas nos jogos e
o suposto desenvolvimento de habilidades vinculadas ao se refletir sobre as experiências
do jogo demandam uma prática docente específica. A formação acaba se estruturando
com um propósito específico para se assegurar um comportamento padrão por partes
dos docentes, algo identificado por Zeichner (2008) como praticismo reflexivo. O
desenvolvimento de ações formativas que restringe a reflexão sobre a prática através de
um viés imediatista e reducionista se associa a uma lógica instrumental ao conduzir o
processo de formação para assegurar a aplicação de técnicas desenvolvidas por
especialistas.
Salientamos que prevalece uma compreensão de uma suposta separação entre o
que é vivido na escola, por meio dos jogos, e que pode ser vivenciado na vida fora da
42
Documento disponível em : http://www.mindlab.com.br/mindlab/wp-
content/uploads/2012/04/Ensinando-para-o-Seculo-XXI.pdf, acessado em 22/02/2017, as 10:58
125
escola É por meio dessa separação, defendida pelo programa, que se torna possível o
princípio da aplicabilidade. O jogo é compreendido como um simulacro da realidade,
um ambiente estrategicamente construído, controlado e que atende a propósitos
específicos.
O jogo mostra-se como recurso privilegiado para o professor mediar
todas as dimensões do ser-no-mundo, uma vez que promove situações,
―ao vivo e a cores‖, riquíssimas e intensas, que podem e devem ser
transpostas para a vida. (Projeto Pedagógico Mind Lab, vol.1, p.25)
(grifos nossos)
O domínio conceitual que rege a Metodologia do Programa
MenteInovadora, juntamente com a descrição de como isso funciona
na prática, implica considerar três aspectos: aprender um jogo de
raciocínio; aprender os métodos de raciocínio relacionados; aplicá-los
na vida real. (Projeto Pedagógico Mind Lab, vol.1, p.20) (grifo
nosso)
Explorando exemplos de sua aplicabilidade, os conteúdos das aulas do
Programa tornam-se recursos internos tanto para os estudantes como
para os professores, colaborando para a formação de cidadãos mais
críticos, íntegros, felizes. Ressalta-se a importância do professor-
mediador para promover essas conexões entre as experiências vividas
nas situações jogo e as possíveis transcendências para o cotidiano.
(Projeto Pedagógico Mind Lab, vol.1, p.9)
A valorização do jogo enquanto recurso privilegiado se relaciona com seu
aspecto de transposição para vida. É nesse movimento que se insere a prática docente.
Para o programa MenteInovadora, a medição deve servir como ponte entre os jogos e a
vida real. Por meio dessa prática percebemos um sentido de treinamento tanto de alunos
como de professores. Estrutura-se dessa forma uma noção de que os jogos servem como
um treinamento para a vida fora da escola.
O pragmatismo utilitário presente nos pressupostos teóricos da Pedagogia das
Competências influenciou o desenvolvimento da proposta pedagógica do programa. A
defesa da dinâmica de aplicação, do que é vivido nos jogos para a vida real, serve como
uma condição relevante para as atividades. Para o Programa MenteInovadora, o jogo é
algo bom, no sentido pedagógico, porque produz experiências que podem contribuir
para a vida fora da escola.
É dessa apropriação que o aluno, e também o professor, passarão a
jogar bem, que implica fazer extrapolações, aplicar o que foi
estudado em outras situações de jogo, mas também da vida e do
cotidiano, estabelecendo transcendências nas situações mais
imediatas e naquelas que requerem mais abrangência de pensamento,
126
pensando sobre o próprio pensamento, identificando os seus erros e
indo além. (Projeto Pedagógico Mind Lab, vol.1, p.28)
Se levarmos a discussão para o âmbito da formação e da prática docente,
percebemos que a lógica instrumental se faz presente nos pressupostos teóricos e na
estrutura das ações formativas. O Programa defende uma prática docente pautada no uso
de jogos e na reflexão sobre as experiências vividas nessas atividades. Os docentes
devem ficar responsáveis por auxiliar os alunos, incialmente, na transmissão das regras
dos jogos e, posteriormente, mediar a aprendizagem, buscando significados e possíveis
aplicações na vida cotidiana. Nesse sentido, as ações formativas se propõem a transmitir
a metodologia através de orientações que tratam sobre os pontos específicos da prática
docente.
Estas orientações têm como objetivo oferecer ao mediador referências
práticas para planejar e executar a aula da melhor maneira possível.
Estão divididas em dez partes, cobrindo várias orientações para o
professor mediador colocar em prática os critérios de mediação.
(Projeto Pedagógico Mind Lab, p. 38)
Ao todo, contabilizamos cinquenta e duas orientações que devem ser adotadas
pelos docentes. As orientações versam sobre diversos aspectos da prática docente,
contudo não encontramos questionamentos, discussões e ponderações sobre os aspectos
sociais e culturais que condicionam os processos pedagógicos. Abaixo, selecionamos
algumas orientações que nos servem como exemplo:
1- Para promover a cultura dos jogos, é importante passar para os
estudantes um bom modelo: chegue no horário, tenha uma aparência
bem cuidada, seja paciente e tranquilo, demonstre respeito para com
os estudantes, com o Programa em geral, com os jogos e os acessórios
(p.41).
2- Primeiramente, faça um rascunho da estrutura básica da aula e
tempo estimado de cada parte. Isto fará com que você considere
maneiras de adaptar a aula para se ajustar às necessidades dos
estudantes de uma turma específica (p.42).
3- Leia atentamente e compreenda o conteúdo proposto: as noções e
conceitos, as habilidades priorizadas e os objetivos da aula. Recapitule
as regras do jogo, estude previamente as estratégias, as situações-
problema e as posições nos diagramas do jogo. Jogue com amigos ou
familiares e faça perguntas pertinentes (p.43).
4- Se você chegar na sala de aula com um cartaz feito à mão, uma
cópia de uma história ou poema, ou um exemplo relacionado ao tema
127
que está trabalhando, você aumenta a qualidade da aula, mostrando
aos estudantes que eles merecem esta preparação extra (p.45).
5- Ao caminhar entre os grupos durante os momentos de jogo,
incentive-os a internalizar este hábito. Ao ver um estudante replicando
imediatamente o movimento de seu oponente, gentilmente segure sua
mão e peça a ele para colocar as mãos no colo e pensar um pouco
mais antes de fazer a próxima jogada (p.50).
Compreendemos que essa abordagem é fundamentada em uma reflexão
superficial, imediatista e descontextualizada da prática docente, pois se concentram em
tratar de questões relacionadas à postura do professor no trato com o aluno, a como gerir
conflitos interpessoais em sala e a sugestões de material didático. Nenhuma das
cinquenta e duas orientações trata sobre fatores sócio culturais externos que se vinculam
e influenciam a sala de aula. O conteúdo das orientações supracitadas destitui o
professor da condição de sujeito de sua própria prática, tornando-o um mero aplicador
de recomendações dos ditos especialistas.
Dessa forma afirmamos que o modelo de formação, no qual se estrutura o
programa MenteInovadora, não dialoga com a proposta de ―formação docente
reflexiva‖ de Zeichner (1993). A ausência de discussões sobre os aspectos estruturais
que condicionam o contexto profissional docente inviabiliza o desenvolvimento de uma
postura crítica acerca na realidade na qual todos estão inseridos.
O imediatismo das ―orientações‖ do programa MenteInovadora ao optar em
não debater os aspectos constituintes da prática educativa (objetivos, objetos, métodos,
sujeitos) promove uma reprodução da ordem vigente. Discussões mais amplas que
tratarem sobre dos propósitos e fins da educação, da política pública de educação, sobre
as práticas pedagógica e carreira docente, sobre política pública ou até mesmo sobre o
próprio contexto das escolas não estão presentes nas orientações. Compreendemos que
as orientações se organizam através de um padrão de professor e de prática docente
supostamente neutro e dissociado de questões políticas.
Sendo assim observamos, com base em Freire (1996), que o programa
MenteInovadora perde uma excelente oportunidade de garantir um movimento dialético
entre o ―fazer‖ e o ―pensar sobre o fazer‖ ao restringir as reflexões sobre o processo de
formação apenas as questões pontuais e imediatas da prática pedagógica.
Compreendemos, novamente com base em Freire (1996), que formação de professores
deve ter como aspecto fundamental o desenvolvimento de uma reflexão de dimensão
128
ampla e crítica. É nessa certeza que se estrutura a oportunidade emancipadora de
ressignificação da prática pelos próprios professores.
As orientações, apesar de serem apresentadas como referências, são escritas
com o modo verbal imperativo, como por exemplo: ―termine‖, ―prepare‖, ―organize‖,
―verifique‖, ―explique‖. Para além das escolhas verbais, o próprio conteúdo das
orientações não abre espaço para questionamentos sobre o método, sua validade ou até
mesmo oportunidades de adaptações.
Existe um foco no ―como fazer‖, ―como se comportar‖, ―como ensinar‖ em
sala de aula, denotando a ênfase sobre a prática. Um bom exemplo é a orientação sobre
como transmitir as regras de um jogo. Na subseção das orientações temos o tópico
―Explique o jogo de forma clara e organizada‖ (Projeto Pedagógico Mind Lab, p. 47 - 50),
nele encontramos o comando que sugerem os três passos a serem observados pelo
professor: ―Explique as regras de forma pausada e clara‖, ―Coloque na lousa o objetivo‖
e ―Apresente: os componentes do jogo (tabuleiro e peças), o objetivo do jogo (como se
ganha), as regras de colocação, as regras de movimento, as regras de captura, as regras
―especiais‖ (quando houver)‖.
A associação entre o modo verbal e o conteúdo com um teor de manual de
instrução reforçam um modelo de formação verticalizado. Dessa forma, a ações
formativas adquirem uma dinâmica transmissiva com poucas oportunidades de diálogo
e com um sentido de aplicação de um método específico. Esse modelo de formação,
fundamentado em uma racionalidade técnica, se propõe a garantir a qualidade da
educação por meio de uma rigorosa aplicação de metodologias específicas.
A opção por um formato verticalizado é algo comum quando a oferta da ação
formativa é elaborada e executada por uma instituição privada. A aquisição de ―pacotes
de formação padronizados‖, com metodologia específica, material didático próprio,
formadores próprios representa um avanço do setor privado sobre as políticas de
formação de professores das redes públicas. De acordo com Ball e Youdell (2008) apud
Caetano (2015) esse movimento pode ser caracterizado como um processo de
endoprivatização. A contratação de serviços privados como consultorias, avaliações,
desenvolvimento curricular e formação de professores se enquadram como uma
inserção de mecanismo, ferramentas, métodos e princípios do mercado na esfera
pública. Essas mudanças se filiam a um contexto geral de reformas na gestão pública
que se organizam a partir dos princípios gerenciais (CAETANO, 2015). Princípios estes
129
que se inserem nas propostas curriculares, transmitidas por meio das ações formativas, e
dos materiais didáticos ofertados pelas instituições contratadas.
O grupo Mind Lab, através do Programa MenteInovadora, está presente em
oitenta escolas da rede pública estadual de Pernambuco. Tendo em vista que o total de
unidades escolares é de mil cento e cinquenta e quatro43
podemos concluir que o grau de
inserção na rede é pequeno. Em 2016, trezentos e quarenta e seis professores de
matemática do ensino médio participaram das ações formativas desenvolvidas pelo
grupo. Nesse sentido, identificamos a inexistência de um caráter inclusivo e
democratizante do programa ao privilegiar apenas um único segmento de professores,
alunos e escolas.
A opção por fornecer a formação apenas para professores de matemática e
física nos chamou atenção, pois a proposta do programa é apresentada ―[...] com um
caráter ―a disciplinar‖ dos jogos de Raciocínio, ou seja, eles não são inscritos e situados
exclusivamente nessa ou naquela disciplina escolar, nesse ou naquele componente
curricular‖ (Mind Lab, p15.) Mesmo com a apresentação de uma proposta marcada pela
pluralidade de conteúdo, no sentido de não ficar restrito apenas a uma disciplina, o
programa MenteInovadora, desenvolvido na rede pública estadual de Pernambuco, atua
exclusivamente na formação dos professores de Matemática e Física. O público alvo das
formações foi definido pela SEDUC/PE, assim como as escolas a serem beneficiadas,
foram escolhidas a partir dos resultados obtidos no IDEPE. Foram selecionadas apenas
as unidades que apresentaram o índice de desenvolvimento de educação abaixo do
esperado.
O critério de seleção das escolas, assim como a ênfase em matemática se insere
na lógica da performatividade ao utilizar a avaliação com a principal referência.
Devemos pontuar que o IDEPE é estruturado por meio da combinação do desempenho
dos alunos do 4º ano, 8º ano e do 3º ano do ensino médio nas provas de matemática e
português e do fluxo escolar. Nesse sentido, podemos traçar uma relação entre o
programa, onde o desenvolvimento do raciocínio matemático por meio dos jogos é
privilegiado, juntamente com a preocupação com desempenho dos alunos em avaliações
internos.
As ações formativas desenvolvidas pela SEDUC, em parceria com instituições
públicas e privadas, assumem um viés de preparação de alunos e professores para os
43
Conforme o Relatório de Indicadores Educacionais 2015 elaborado pela SEDUC/PE.
130
exames estandardizados ao privilegiar as disciplinas de matemática e português. Os
professores vinculados a essas disciplinas dispõem, assim, de mais oportunidades de
formação. A centralidade da avaliação, enquanto referência no desenvolvimento de
políticas públicas de formação de professores e da própria qualidade da educação, é um
reflexo da transposição de valores do setor produtivo para educação. A opção por
escolas com desempenho abaixo do esperado no IDEPE e a ênfase de formação em
professores de matemática nos servem como indícios de que a lógica da
performatividade estaria orientando a política e prática de formação de professores na
rede pública de ensino.
Associado a mesma lógica de performatividade, identificamos que papel o
desempenhado pelas TDIC no desenvolvimento do Programa MenteInovadora é de um
instrumento auxiliar na transmissão e aplicação da metodologia do projeto.
Em nosso mundo de alta tecnologia, um dos meios de se conectar ao
universo dos estudantes é através do computador. É possível
desenvolver várias atividades por meio de recursos tecnológicos,
ensinando regras dos jogos e métodos de raciocínio em vários níveis.
(Projeto Pedagógico Mind Lab, p. 38)
Professores e alunos, ao adotarem a metodologia do programa
MenteInovadora, são instados a usar os jogos desenvolvidos pelo grupo Mind Lab. Os
jogos de raciocínio digitais estão localizados a um portal44
e para ter acesso a todos
jogos é necessário um cadastro prévio ofertado apenas as escolas vinculadas ao
programa. Durante as ações formativas, os professores são instruídos sobre como
acessar o portal, sobre como jogar e, principalmente, como estabelecer relações entre as
experiências vivenciadas nos jogos e suas possíveis aplicações em outros espaços.
Partindo do princípio que um dos pilares do projeto são os jogos de raciocínio,
particularmente os jogos digitais, quando se trata do ensino médio, percebemos dessa
forma uma ênfase no treinamento e na inclusão digital com viés reducionista. Não
encontramos nas fontes pesquisadas conteúdos que tratem sobre o papel da TDIC na
sociedade, a relação entre usuário e produtores de tecnologias digitais ou qualquer
preocupação em desenvolver a autonomia dos docentes no uso da TDIC. Sancho (2006)
argumenta que uma das principais dificuldades em melhorar a educação por meio da
44
Disponível em : http://www.mindlab.net/
131
TDIC é a ausência de discussões mais amplas, e em certo sentido mais críticas, sobre os
fins e as suas possibilidades de uso.
A imposição do uso de técnicas, métodos e de tecnologias, algo que
identificamos no programa MenteInovadora, parte da suposição da passividade e
subserviência dos docentes. Essa postura é caracterizada por Valente (1993) como um
movimento de informatização do ensino tradicional. A obrigatoriedade do uso dos
jogos digitais, aspecto fundamental do programa para o ensino médio, inviabiliza
qualquer questionamento sobre o papel das tecnologias no processo de desenvolvimento
de alunos e professores.
As ações formativas apresentam os jogos e suas respectivas associações com os
métodos Metacognitivos, contudo os docentes ficam responsáveis por treinar, por meio
de prática repetitiva e constante, os diferentes jogos. O ―ensinar a usar‖ é uma das
características de um modelo de formação que se estrutura a partir do treinamento. Por
meio desse modelo, as ações se organizam com o intuito de transmitir habilidades
técnicas específicas e fomentar o uso de dispositivos, softwares, aplicativos e jogos
desenvolvidos pela instituição responsável pela formação, ferramentas que serão
vendidas às redes públicas de ensino, seu consumidor no mercado da informática.
Para aprimorar a sua proficiência como mediador da Metodologia
Mind Lab, você precisa adquirir grande experiência com os jogos.
Aprender os jogos de maneira aprofundada exige bastante tempo e
energia. Jogue a maior variedade de jogos possível. Jogue contra o
computador, com os amigos, familiares, na Internet etc. Quanto mais
você jogar, mais crescerá a sua confiança, sua habilidade com os
jogos e sua compreensão do Programa. Quanto mais um professor
jogar, mais dominará os jogos e a Metodologia. (Projeto Pedagógico
Mind Lab, p. 38)
Esse modelo se insere numa perspectiva de ―inclusão‖ digital para poucos e ainda
por cima reproduz um padrão de consumo. Os professores, e como consequência os
alunos, são estimulados a aprender a usar o computador e/ou tablet com fim um
específico, que no caso, se trata de consumir os jogos produzidos pelo grupo Mind Lab.
Essa abordagem reduz o potencial das TDIC ao limitar seu uso e principalmente por não
promover uma discussão mínima sobre o papel que elas ocupam na sociedade
contemporânea.
O resgate do uso pedagógico de jogos é recente, mas a ideia não é
nova. Já nos primórdios da sociedade ocidental, Platão apresentou
132
reflexões sobre o lúdico e suas influências na educação e a
importância dos jogos no desenvolvimento das crianças como
facilitador no seu processo de aprendizagem do raciocínio lógico.
(Projeto Pedagógico Mind Lab, p. 25)
O foco do programa MenteInovadora é de fato a utilização de jogos enquanto
recurso didático e as TDIC se inserem apenas enquanto instrumentos facilitadores desse
tipo de atividade. Nesse sentido, compreendemos que o uso das TDIC surge apenas
como um elemento secundário, porque instrumental, no desenvolvimento das ações
formativas.
Os jogos digitais são apresentados como uma ruptura com o modelo tradicional de
ensino ao promover uma formação global e de base lúdica. A inovação, algo que o
programa faz menção no nome ―MenteInovadora‖ e na forma como é apresentado :
Motivada pelo desafio da transformação, a Mind Lab tem perseguido
a inovação e consolidou-se como líder mundial em pesquisa e
desenvolvimento de tecnologias educacionais inovadoras, presente em
mais de 25 países. (grifo nosso)
As atividades de tal grupo baseiam-se em estudos e aplicações de uma
Metodologia que apresenta uma abordagem inovadora para o
desenvolvimento de habilidade cognitivas, sociais, emocionais e
éticas, recursos para a vida, por meio de jogos de raciocínio. (grifo
nosso) (Projeto Pedagógico Mind Lab, p. 5)
A associação entre jogos digitais e mediação da aprendizagem é abordada com
uma roupagem modernizante. Contudo, os propósitos do programa, assim como as
ações formativas desenvolvidas, evidenciam aspectos de um tipo ensino verticalizado,
de viés transmissivo, focado demasiadamente na prática e com uma dependência no
treino para se obter o sucesso. A escolha das escolas e dos professores de matemática
deixa transparecer que o real objetivo do programa é melhorar o rendimento nas
avalições institucionais. Nesse ponto, concordamos com Cunha (2003), para quem as
políticas avaliativas tornaram-se um dos principais fatores de retração da inovação.
Nesse mesmo sentido, compreendemos que os exames estandardizados promovem uma
homogeneização de paradigma ao impor um modelo único de qualidade que serve de
referência para o desenvolvimento curricular, de ações formativas e práticas
pedagógicas.
Dessa forma, ao discutirmos o conceito de inovação devemos levar em
consideração aspectos como: uma postura mais crítica em relação ao uso de
133
determinados recursos didáticos, a centralidade dos conhecimentos científicos em
detrimento de outros saberes, o modelo verticalizado de formação e baixo grau de
protagonismo docente no próprio processo formativo são características que indicam
uma adequação ao modelo tradicional de ensino. A própria restrição de oferta de
formação aos professores de matemática também denota uma associação ao modelo
tradicional, pois direciona os propósitos do Programa MenteInovadora para com o
desempenho nos exames estandardizados. Outra evidência de associação ao modelo
tradicional de ensino é a lógica de aplicação do método do programa que foca apenas
nas questões de ensino, negligenciando dessa maneira os aspectos sociais que
condicionam as relações em sala de aula. Dessa forma, avaliamos que a proposta
pedagógica do Programa MenteInovadora promove uma inovação conservadora ao
reproduz velhas práticas com novas ferramentas. Essa ilusão de inovação é utilizada
como uma estratégia para ―vender‖ e legitimar as ações formativas ofertadas.
5.2 ProInfo: Apresentação e Análise
O Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo)45
foi criado e
regulamentado pelo Decreto Federal de nº 6.300 de 12 de dezembro de 2007 (BRASIL),
com o objetivo de fomentar o uso pedagógico das tecnologias digitais da informação e
comunicação nas escolas da educação básica da rede pública de todo o país. O programa
atendeu e atende a escolas que se localizam em áreas rurais e urbanas e que ofertam os
ensinos fundamental e/ou médio. O Ministério da Educação através de parcerias com os
governos estaduais e municipais promove a implementação do programa de forma
descentralizada por meio de Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE) de cada Estado
ou cidade. As ações são articuladas a partir de três componentes: instalação de
ambientes tecnológicos nas escolas, formação de professores e outros agentes
educacionais e disponibilização de conteúdos e recursos educacionais.
Uma das peças fundamentais no desenvolvimento do ProInfo são os Núcleos
de Tecnologia Educacional (NTE), que são unidades operacionais vinculadas às
secretarias de educação, estaduais ou municipais, cuja as funções envolvem formar
professores e técnicos, prestar suporte pedagógico e técnico às escolas, realizar
45
Originalmente, o PROINFO (Programa Nacional de Informática na Educação) foi criado pelo MEC por
meio da Portaria de nº522 de 9 de abril de 1997.
134
pesquisas e compartilhar experiências no âmbito da rede pública. Os NTE são
compostos por professores multiplicadores, técnicos em (informática), técnicos em
(educação) e gestores.
O Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional,
ação complementar que surge como uns componentes estruturais do ProInfo, é pensado
de forma a promover a inclusão digital dos professores e gestores escolares, assim como
melhorar a qualidade da educação básica. Sua execução ocorre através de três cursos
semipresenciais: Introdução à Educação Digital, Tecnologias da Educação e,
Elaboração de Projetos. O conteúdo dos cursos, os vídeos aulas e as apostilas, estão
disponíveis nos sites ―Portal do Professor‖, ―Banco Internacional de Objetos
Educacionais‖, ―Domínio Público‖ e pela TV Escola e DVD Escola.
A distribuição de dispositivos eletrônicos, outro importante componente do
programa, é efetuada por meio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE). Inicialmente, o objetivo era montar um laboratório de informática
em todas as escolas beneficiadas pelo programa. Contudo, devido ao desenvolvimento
da informática e de seus diferentes usos, o Governo Federal mudou a estratégia e,
atualmente, incentiva a distribuição de computadores portáteis através do Programa Um
Computador por Aluno (PROUCA). Outra iniciativa pública federal, que atua de formar
complementar ao ProInfo, é o Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE). Essa
iniciativa, também de responsabilidade do governo federal, desta feita em parceria com
empresas privadas de telecomunicação, prevê a instalação de Internet de banda larga nas
escolas públicas.
Em Pernambuco, as ações formativas desenvolvidas pelo ProInfo, no ano de
2015, atenderam a 2.561 funcionários da SEDUC, dos quais 2.258 são professores,
educadores de apoio e professores multiplicadores. A participação dos professores foi
voluntária, não existindo restrição quanto às disciplinas que ele ministra. Os cursos
foram ofertados a cada ano, de acordo com a demanda da rede. Os NTE têm autonomia
para ofertar os cursos e formar as turmas. Os encontros presenciais ocorriam na sede
dos NTE de cada Gerência Regional de Educação (GRE). Os multiplicadores (Professor
Formador) responsáveis pelo NTE e pelos cursos, foram selecionados entre os
professores da rede pública que fizeram o Curso de Especialização em Informática na
Educação ofertado pela UFPE, em parceria com SEDUC. Salientamos que a seleção
inicial dos multiplicadores atendeu ao critério supracitado, contudo com o
135
desenvolvimento do ProInfo, os multiplicadores (iniciais) afastaram-se por motivos
diversos. Por isso, atualmente, alguns NTE têm multiplicadores que não fizeram o curso
de especialização citado. A escolha dos professores multiplicadores é uma prerrogativa
da SEDUC e, atualmente, não apresenta critérios objetivos para a seleção dos
professores que assumem essa função.
O Decreto de nº 6.300, de 12 de dezembro de 200746
, responsável por
regulamentar o ProInfo, constitui-se em um documento norteador dos propósitos do
programa, estabelece as responsabilidades do regime de parceria firmado entre as
esferas federal, estadual e municipal de governo, interessadas em aderir ao programa e,
por último, estabelecer o financiamento do projeto por meio do FNDE. A respeito dos
objetivos do programa, o decreto institui o seguinte:
Art. 1º O Programa Nacional de Tecnologia Educacional - ProInfo,
executado no âmbito do Ministério da Educação, promoverá o uso
pedagógico das tecnologias de informação e comunicação nas
redes públicas de educação básica.
Parágrafo único. São objetivos do ProInfo:
I - promover o uso pedagógico das tecnologias de informação e
comunicação nas escolas de educação básica das redes públicas de
ensino urbanas e rurais;
II - fomentar a melhoria do processo de ensino e aprendizagem com o
uso das tecnologias de informação e comunicação;
III - promover a capacitação dos agentes educacionais envolvidos
nas ações do Programa;
IV - contribuir com a inclusão digital por meio da ampliação do
acesso a computadores, da conexão à rede mundial de computadores e
de outras tecnologias digitais, beneficiando a comunidade escolar e a
população próxima às escolas;
V - contribuir para a preparação dos jovens e adultos para o mercado
de trabalho por meio do uso das tecnologias de informação e
comunicação; e
VI - fomentar a produção nacional de conteúdos digitais
educacionais. (Brasil. MEC, 2007) (grifos nossos)
Identificamos, nos objetivos do programa, uma preocupação em promover a
inclusão digital de professores, técnicos e alunos de redes públicas de ensino. O
46
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6300.htm,
acessado em 25/01/2017 às 17:19.
136
processo de inclusão digital, compreendido como uma forma de assegurar a cidadania a
grupos sociais historicamente excluídos, pode assumir um viés de reprodução do capital
ao estimular o consumo e/ou promover uma formação voltada exclusivamente para o
mercado de trabalho ou pode caminhar no sentido de diminuir desigualdades
promovendo acesso à informação e, com isso, fomentar a autonomia dos usuários
(CAZELOTO, 2008).
Ao tratarmos do ProInfo, notamos uma intenção que dialoga com o viés de
emancipação dos sujeitos envolvidos no programa, pois, dentre os objetivos listados,
notamos a necessidade de promover o uso pedagógico das TDIC, de forma ampla e sem
especificações de programas ou dispositivos por parte, não só da comunidade escolar,
mas também das populações próximas às escolas. A proposta do programa não tem
como objetivo exclusivo fomentar o uso de um programa em particular ou de transmitir
algum método específico, mas sim promover o acesso às tecnologias digitais. Por meio
dessa postura, podemos identificar um intento de democratizar o acesso e, com isso,
promover a cidadania.
Salientamos que a simples inserção das TDIC no contexto educacional não
pode ser considerada como a mais nova solução para antigos problemas, pois se trata de
ferramentas produzidas em um contexto de relações sociais e com objetivos exteriores
ao campo educacional, como afirma Barreto (2003). Reconhecemos a necessidade de
promover uma integração, a partir de uma reflexão sobre fins e formas de uso, ao
contexto de educacional. Dessa forma, o termo ―uso pedagógico‖, apesar da difícil
definição, surge como uma pré-condição no processo de inclusão digital que consta nos
objetivos do programa.
Kenski (2010), ao argumentar sobre o processo de adequação das TDIC ao
modelo de ensino tradicional, aponta para uma tendência observada na formação de
professores e de alunos de tentar transformá-los em usuários/consumidores de produtos
finais de tecnologia da informação. Algo semelhante pode ser identificado nos pacotes
de formação ofertados por instituições privadas às secretarias de educação. Contrário a
essa lógica de consumo, percebemos no ProInfo uma intenção de desenvolvimento da
produção nacional de conteúdos digitais e, em particular, de conteúdos educacionais,
como pode ser observado na relação dos objetivos supracitados e, principalmente, na
137
liberação do código-fonte47
do ambiente virtual do e-ProInfo. Além disso, os
computadores que foram instalados nos laboratórios de informática das escolas e das
secretarias de educação, assim como aqueles que foram distribuídos aos alunos, utilizam
como sistema operacional o Linux Educacional48
.
Dentre as estratégias de atuação do programa existe o Programa Nacional de
Formação Continuada em Tecnologia Educacional (ProInfo – Integrado) que agrupou
ações formativas direcionadas a professores, técnicos e gestores das redes públicas de
ensino. Desse agrupamento, destacamos duas ações, pois tratam especificamente da
temática da pesquisa: Introdução à Educação Digital, curso semipresencial de 40 horas;
Tecnologias da Educação: Ensinando e Aprendendo com as TIC, curso semipresencial
de 100 horas. A integração das TDIC surge como um ponto central do Programa, algo
que deve ser alcançado por meio dos seguintes objetivos gerais encontrados na
―Apresentação‖ e ―Mensagem aos cursistas‖ dos respectivos cursos:
O curso Introdução à Educação Digital tem como objetivo contribuir
para a inclusão digital de profissionais da educação básica dos
sistemas públicos de ensino (professores e gestores escolares). Tem
também a intenção de promover a reflexão sobre o impacto das
transformações provocadas pela evolução das mídias e da tecnologia
na sociedade e, a partir do uso de recursos tecnológicos do
computador, dinamizar as práticas pessoais e pedagógicas. (MEC,
2008, p.9) (grifos nossos)
Queremos convidá-lo(a) para uma fascinante aventura que o levará a:
(i) refletir sobre algumas características da época em que vivemos;
(ii) tomar consciência do papel da tecnologia na vida cotidiana;
(iii) compreender a construção do conhecimento na sociedade da
informação; (iv) e descobrir como participar mais efetivamente desse
processo e como inseri-lo em sua ação profissional de educador,
contribuindo para a qualidade da educação e da inclusão social de
crianças, jovens e adultos brasileiros. Assim, convidamos você a
participar do curso Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo
com as TICs (100h). (MEC, 2010, p.7) (grifos nossos)
Autores como Valente (1993), Papert (2008) e Kenski (2010) concordam que o
objetivo das ações formativas, tanto para professores como para alunos, não deve ser
formar técnicos e/ou consumidores de produtos e serviços de tecnologia da informação,
47
A liberação do código-fonte permite mudar o programa de acordo com o interesse e a necessidade de
cada instituição. Todas as alterações devem ser registradas e disponibilizadas livremente. Essa
autorização foi anunciada no 7º Fórum Internacional de Software Livre. 48
O LE Cardeal (versão atual do Linux Educacional) foi desenvolvido pela UFPR, no Centro de
Computação Científica e Software Livre (C3SL), e tem como objetivo aprimorar o uso das TDIC nas
escolas públicas.
138
mas sim contribuir para o desenvolvimento do protagonismo desses sujeitos em um
contexto de compreensão e produção do conhecimento. Esse processo de
desenvolvimento deve ter como base uma reflexão crítica sobre os impactos do uso e o
próprio espaço que as TDIC ocupam na nossa sociedade. Nesse movimento de reflexão
crítica, o próprio contexto, no qual as práticas pedagógicas estão inseridas, torna-se uma
pauta de discussão. Nesse sentido, dialogando com uma lógica crítica, identificamos
essa preocupação com os objetivos específicos dos cursos de ―Introdução á Educação
Digital‖ e ―Tecnologias na Educação‖:
- Refletir sobre inclusão digital e social e a contribuição do curso
Introdução à Educação Digital nessa direção, como parte de política
pública de formação continuada de professores e gestores escolares.
- Estimular a superação de representações ingênuas e equivocadas
com relação à tecnologia e seu papel no contexto da dinâmica social,
com seus modismos tecnológicos, recursos e materiais didáticos
vistosos que seduzem, mas nem sempre têm a adequada qualidade
pedagógica. (MEC, 2008. p.11) (grifos nossos)
-Planejar estratégias de ensino e aprendizagem integrando recursos
tecnológicos disponíveis e criando situações de aprendizagem que
levem os alunos à construção de conhecimento, à criatividade, ao
trabalho colaborativo e que resultem, efetivamente, na construção dos
conhecimentos e habilidades esperados em cada série;
-Utilizar as TICs na prática pedagógica, promovendo situações de
ensino que aprimorem a aprendizagem dos alunos (MEC, 2010,
p.10) (grifos nossos)
As ondas de inovação tecnológica e seu complexo processo de inserção na
escola formam uma história repleta de expectativas frustradas, como afirma Sancho
(2006). O rádio, a televisão e o computador de mesa compõem a lista de artefatos
tecnológicos que supostamente revolucionariam a educação. Os modismos tecnológicos
têm um certo grau de atratividade, geram grandes expectativas e, com isso, acabam por
conquistar vultosos recursos. Contudo, nem sempre conseguem corresponder às
expectativas geradas por meio das suas possibilidades de uso. O ProInfo, ao promover
discussões sobre a superação de ―representações ingênuas e equivocadas com relação à
tecnologia‖, lança luz sobre um tema pertinente, associando-se dessa forma com um
sentido de inclusão digital que dialoga com valores emancipatórios. Discutir o ―papel da
tecnologia no contexto da dinâmica social‖ é problematizar a realidade na qual os
139
sujeitos estão inseridos e, nesse movimento, podemos identificar algo apontado por
Freire (1996) como essencial à educação, que é o desenvolvimento de uma apreensão
crítica da realidade. As reflexões sobre inclusão digital e social, assim como o estímulo
à superação das representações ingênuas e equivocadas sobre tecnologia nos permitem
vincular os objetivos do ProInfo a uma lógica crítica de formação.
Contudo, também podemos identificar, nos fundamentos que indicam uma
―ênfase na aplicação prática‖, uma filiação a uma lógica instrumental e uma relação
constante de ―ação/reflexão/ação‖. Compreendemos que essas características se
fundamentam no princípio formativo de professores a partir do qual se estimula a
reflexão sobre a própria prática (ZEICHNNER, 2008), algo comumente associado ao
um mecanismo de análise, transferência e modificação da prática docente. O caráter
instrumental ficaria evidente a partir da intenção de se realizar uma elaboração teórica
para sua posterior aplicação (solução de problemas). As ações formativas serviriam
como meio de transferência das teorias para os professores
Gostaríamos de salientar outro aspecto encontrado na documentação referente
ao programa que são os fundamentos da Proposta Pedagógica do Curso de Introdução à
Educação Digital:
- Formação contextualizada significativa que busca envolver o
cursista na análise e solução de problemas/questões que fazem parte
de sua vivência.
- Promoção da autonomia do sujeito.
- Interação na aprendizagem e construção do conhecimento
- Tecnologias como meio e não como fim.
- Relação ação/reflexão/ação constante.
- Ênfase na aplicação prática no trabalho docente.
(MEC, 2008. p.11) (grifos nossos)
Novamente encontramos características que nos permitem afirmar que os
objetivos do curso em questão estão voltados para uma lógica crítica de formação.
Associação entre a promoção da autonomia e o entendimento de uma formação
contextualiza são características que dialogam com valores como o protagonismo,
respeito à autonomia e à dignidade dos sujeitos participantes das ações formativas.
Destacamos também a concepção de formação apresentada pelo programa:
A concepção de formação do ProInfo Integrado tem como base as
noções de subjetividade - isto é, o protagonismo do aluno e do
professor na ação pedagógica - e de epistemologia da prática, ou
seja, o conjunto de saberes utilizados pelos profissionais da educação
140
em seu espaço de trabalho cotidiano, para o desempenho de todas as
suas tarefas. (MEC, 2010. p.16)
Outro aspecto que nos permite associar os objetivos do Proinfo a uma lógica
crítica de formação de professores é a valorização dos saberes provenientes das
experiências vividas pelos docentes. Tardif (2002), ao dissertar sobre os saberes, destaca
um tipo que é proveniente do acumulo de vivências. Esse tipo de saber, em particular, é
denominado de saber experiencial e, de acordo com autor, é pouco valorizado e
explorado/trabalhado em processos de formação de professores e, no entanto, se
constitui como um guia para a prática e uma referência para a avaliação do que é válido
ou não em uma prática. Tardif (2002) argumenta que os saberes docentes, de uma forma
geral, possuem natureza e fonte de origem diferenciadas. Nesse sentido, o processo de
compreensão e possível valorização dos saberes não pode ser separado dos
condicionantes sociais e nem do próprio contexto do trabalho. O resgate dos
conhecimentos adquiridos no decorrer da vida dos professores serve como um elemento
a ser discutido, problematizado e valorizado no processo de formação.
Diante da inserção das TDIC no nosso cotidiano, quer seja através de uma
relação direta ou indireta, é pouco provável que os professores, público alvo das ações
formativas, não tenham tido qualquer tipo de contato com essas tecnologias. Logo, ao
começar um curso, os docentes trazem consigo certas experiências de uso que podem
ser trabalhadas no sentido de facilitar o processo de integração das TDIC à prática
docente. Essa premissa valoriza a experiência, a partir da qual se tenta construir uma
ponte entre o que foi vivido e que pode ser estudado, e pode ser encontrada nos trechos
abaixo:
Inúmeras pesquisas avançam nesta direção, reconhecendo que a
tecnologia educativa tem potencial para dinamizar os processos de
ensino e de aprendizagem à medida que valoriza a autonomia e os
conhecimentos informais do aprendiz, deslocando-se a ênfase do
ensinar para o aprender, para a aprendizagem por livre descoberta,
colaborativa, cooperativa e construtivista, realimentando e
redimensionando a prática de professores, alunos e gestores,
fazendo com que a escola extrapole seus limites físicos interagindo
efetivamente com o que se passa dentro e fora dela. (MEC, 2008,
p.13) (grifos nossos)
Entre os cursistas encontram-se professores e gestores de várias áreas
curriculares, provenientes de lugares diferentes com sexo, idade, tipos
e tempos de experiências profissionais variados. Tal variedade de
141
perfis dos cursistas deve servir de referência ao planejamento, oferta,
resultados e avaliação do curso (MEC, 2008, p.12) (grifo nosso)
De um lado, tomamos por base que a maioria dos futuros cursistas
tem, pelo menos, contato indireto com as Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TICs) nas atividades da vida
cotidiana, por exemplo: realizar compras e pagamentos em bancos ou
lotéricas, manter comunicações telefônicas, ouvir músicas, assistir a
programas de rádio, de televisão, etc. (MEC, 2008, p.14) (grifos
nossos)
As experiências prévias dos cursistas têm, com efeito, de ser
consideradas e valorizadas, num quadro de inclusão e de
multiculturalidade; e as novas aprendizagens devem ser objeto de
integração contínua, construindo-se o conhecimento como uma espiral
aberta que, em cada etapa do curso, retoma e ressignifica o conjunto
das experiências do sujeito a respeito da temática desenvolvida.
(MEC, 2010, p.17) (grifos nossos)
Salientamos que o ProInfo, ao assumir a postura de reconhecer a existência
desses saberes e sugerir que os mesmos devem servir como ―referência ao
planejamento, oferta, resultados e avaliação do curso‖, orienta as ações formativas para
uma tentativa de superação da hierarquia entre os diferentes saberes que compõe a base
do ofício docente.
A lógica crítica, estruturada a partir da valorização da reflexão crítica sobre os
saberes experienciais, tenta promover um diálogo entre as experiências vividas pelos
docentes no chão da escola, e de certa forma fora dela, e os conhecimentos produzidos
pela comunidade acadêmica. Tardif (2002) sugere a necessidade de se construir uma
nova articulação entre os saberes produzidos pela universidade e os produzidos pelas
experiências vividas pelos docentes. Essa articulação tenta promover uma nova
dinâmica entres os diferentes tipos de conhecimentos e seus respectivos produtores.
Outro indicativo encontrado na proposta pedagógica do programa, da construção dessa
nova articulação entre os diferentes tipos de saberes, é o reconhecimento da escola
como lócus privilegiado da formação continuada.
- O lócus da formação será a escola e a formação será feita pelo
NTE, em todas as escolas que têm o ProInfo (MEC, 2008. p.16)
- Finalmente, cumpre notar que a escola é o lócus por excelência da
formação continuada de qualquer profissional da educação, pois, à
medida que se trabalha e estuda ao mesmo tempo, tem-se mais
oportunidades de receber orientação e acompanhamento da prática e,
142
sobretudo, de se ter acesso a um material mais rico para completar o
ciclo da ação - reflexão - ação aperfeiçoada. (MEC, 2010, p.17)
Os conteúdos presentes nos materiais didáticos do ProInfo Integrado abordam
questões específicas sobre o uso dos dispositivos eletrônicos e de softwares vinculados
ao ProInfo, assim como aspectos mais amplos que tratam sobre a prática pedagógica e
sobre as questões sociais que condicionam o uso das TDIC, como se pode observar na
lista do conteúdo programático dos dois cursos mencionados.
Introdução a Educação Digital
Unidade 1: Tecnologias no cotidiano: desafios à inclusão digital
Unidade 2: Navegação, pesquisa na Internet e segurança na rede
Unidade 3: Comunicação mediada pelo computador: correio
eletrônico
Unidade 4: Debate na rede: bate papo, lista e fórum de discussão,
netiqueta
Unidade 5 :Elaboração e edição de textos
Unidade 6: Apresentações para nossas aulas
Unidade 7: Criação de Blogs
Unidade 8: Cooperação e interação em rede
Unidade 9: Solução de problemas
(MEC, 2008, p.25)
Tecnologias na Educação
Unidade 1:Tecnologia na sociedade, na vida e na escola
Unidade 2:Internet, hipertexto e hipermídia
Unidade 3:Currículo, projetos e tecnologia
Unidade 4: Prática pedagógica e mídias digitais
(MEC, 2010, p. 18)
O material impresso do curso semipresencial Introdução à Educação Digital
possui um texto-base que contém artigos, diretrizes, objetivos das unidades, instruções
de uso, orientações de atividades e sugestões de leitura para o aprofundamento dos
temas trabalhados. Algo que pode ser observado na relação entre as unidades e os
conteúdos apresentados é predominância de assuntos relacionados diretamente com o
uso da TDIC.
Pesquisas científicas como os trabalhos de Aguiar (2013), Brito (2013), Neto
(2012), Carmo (2012) Pocrifka (2012), assim como a produção autores como Valente
(1993), Papert (2008) e Kenski (2010), referências no debate sobre as TDIC,
evidenciam uma tendência das ações formativas privilegiarem os conhecimentos
técnicos de uso das tecnologias em detrimento a outros tipos de saberes. Os cursos
143
―Introdução à Educação Digital‖ (2008) e ―Tecnologias na Educação: ensinando e
aprendendo com as TIC‖ (2010) possuem diferenças fundamentais no que tange a
natureza dos conteúdos, ao nível de complexidade do conteúdo, ao tipo de exercício e
ao perfil do cursista.
Uma análise dos conteúdos abordados pelo curso de ―Introdução à Educação
Digital‖ nos permite constatar algo semelhante ao que a produção acadêmica sobre o
tema tem indicado, ou seja, a predominância de conhecimentos técnicos para o uso.
Contudo, assim como a constatação presente nos trabalhos supracitados, concordamos
com a compreensão de que o processo de inclusão digital deve passar necessariamente
por esse tipo de conhecimento, pois, sem os mesmos, o uso dos dispositivos eletrônicos
torna-se algo difícil.
Os conhecimentos técnicos trabalhados pelo curso abordam questões de níveis de
complexidade variados. Nas primeiras unidades são tratadas questões básicas, tais como
instruções para o uso do computador, como por exemplo: ―Como ligar o computador‖,
―Como usar um mouse‖ (Figura 4), ―Como usar um teclado‖ .
Figura 4 – Atividade do ProInfo
Fonte: MEC , 2008 , p. 26.
144
Por sua vez as últimas questões trabalho aspectos mais específicos de uso de
softwares, a exemplo de ―Como compartilhar conteúdo na internet‖, ―Como inserir
funções em planilhas‖ (Figura 5). Percebemos nesse desenvolvimento curricular uma
variação gradativa de complexidade de conhecimentos técnicos.
Figura 5 – Atividade do ProInfo 2
Compreendemos que o curso ―Introdução à Educação Digital‖, aborda, dado o
seu caráter introdutório, como o próprio título do curso indica, temas superficiais e que
são destinados a apresentar as TDIC aos professores. Dessa forma, consideramos que os
conteúdos possuem um teor mais técnico e instrumental, servindo de base para futuras
discussões, com natureza e grau de complexidade diferentes, algo que julgamos ser
Fonte: MEC , 2008 , p. 26.
145
predominante no curso ―Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as
TIC‖.
O Curso de Introdução à Educação Digital não é pré-requisito
para o Curso Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo
com as TICs. Os cursistas devem, no entanto, estar cientes da
evolução, logicamente organizada, nas atividades curriculares
entre os três cursos. No curso de Introdução à Educação Digital, as
atividades são realizadas, predominantemente, em encontros
presenciais e focalizam um processo investigativo pessoal dos
cursistas, buscando desenvolver uma cultura de uso e reflexão acerca
das TICs. Na continuidade, o curso de Tecnologias na Educação:
ensinando e aprendendo com as TICs proporciona a evolução da
prática pedagógica, com atividades predominantemente a distância,
que visam à aplicação dos saberes com turmas de alunos. (MEC,
2010, p.10) (grifos nossos)
Salientamos que apesar de não existir uma relação de ―pré-requisito‖ entre os
cursos, algo identificado no trecho acima, compreendemos que os conhecimentos
trabalhados no primeiro curso são essenciais para a compreensão do segundo. Algo que
é apontado pelo próprio material como uma evolução curricular, ―logicamente
organizada‖.
O curso ―Tecnologias na Educação‖ promove uma discussão mais complexa
sobre as TDIC, pois trata sobre temas como: A escola diante deste novo panorama da
sociedade; A internet como espaço de autoria: Wikipédia, Wikcionário, vivendo em
comunidade e Analisando o panorama do uso das mídias nas nossas escolas.
Compreendemos que o curso em questão possui uma abordagem de menor ênfase nos
aspectos técnico instrumentais. Ainda podemos identificar a existência de conteúdos
voltados para o uso específicos de alguns programas presentes nos computadores
distribuídos, contudo as discussões focam na integração entre a prática pedagógica
(figura 6) e o uso das TDIC.
Figura 6 – Atividade ProInfo 3
Fonte: MEC, 2010 , p. 26.
146
A distinção entre uma abordagem caráter instrumental e uma crítica pode ser
evidenciada ainda partir de uma comparação entre os objetivos específicos das unidades
presentes nos dois cursos (Apêndice 1)
Com o intuito de realizar uma análise comparativa entre a natureza dos
objetivos específicos, presentes nas unidades de ambos os cursos, criamos duas
categorias de agrupamento. A primeira categoria denominamos de objetivos
instrumentais (1): são aqueles que visam uma ação específica de uso do computador ou
de um programa em particular. A escrita desse tipo de objetivo se faz por meio de
verbos, como ―salvar‖, ―enviar‖, ―editar‖, ―utilizar‖. É um exemplo: criar uma
apresentação de slides usando um plano de trabalho e os recursos básicos do BrOffice
Impress (MEC, 2008 , p.90)
A outra categoria, denominada de objetivos crítico reflexivos (2), caracteriza-
se pela ênfase no desenvolvimento de reflexões sobre as práticas de uso das tecnologias,
sobre a prática pedagógica e, principalmente, pela reflexão sobre o processo de
integração das TDIC no ambiente escolar. Em sua formulação observa-se a presença de
verbos como ―instigar‖, ―recontextualizar‖, ―refletir‖, ―provocar‖, ―propiciar‖. Um
exemplo: refletir sobre as possibilidades de interação e interatividade na rede mundial
de computadores, colaborando na produção de documentos textuais (MEC, 2010, p. 20).
No material do curso ―Introdução à Educação Digital‖, foram identificados
quarenta e três (43) objetivos específicos, sendo vinte e nove (29) caracterizados como
instrumentais e quatorze (14) como críticos reflexivos. Por sua vez, o material do curso
―Tecnologias na educação: ensinando e aprendendo com as TIC‖ apresenta vinte e dois
(22) objetivos, constam dois (02) objetivos instrumentais e vinte (20) crítico reflexivos.
Nesse sentido, com base na análise dos objetivos e dos conteúdos de ensino,
consideramos que o ProInfo possuiu/possui uma organização curricular pautada em uma
lógica crítica de formação, pois promove algo que vai além transmissão de
conhecimentos técnicos. Existe de fato uma preocupação em debater a prática docente
associada ao processo de integração das TDIC.
Outro aspecto que nos permite fazer esse tipo de associação é a tentativa,
encontrada nos textos base dos cursos, de se estabelecer uma ponte entre os
147
conhecimentos prévios dos professores, acumulados por meio da experiência de uso dos
dispositivos eletrônicos, e os conhecimentos técnicos de uso sistematizados no material
didático do curso.
Na sociedade contemporânea, pós-moderna, a tecnologia e,
principalmente, a informática estão presentes em toda parte. Na hora
de votar, por exemplo, a urna eletrônica é um computador. Para sacar
dinheiro, muitas vezes usamos um caixa automático. Nos dois
casos, apertamos botões, dando instruções que precisam ser cumpridas
para que as máquinas executem as ações desejadas. Que tal conhecer
alguns recursos básicos do computador? (MEC, 2008, p.20) (grifos
nossos)
Nessa perspectiva, os processos formativos voltados para o uso das
TICs devem assentar-se em situações contextualizadas e reais. As
experiências prévias dos cursistas têm de ser consideradas e
valorizadas, num quadro de inclusão e de multiculturalidade, e as
novas aprendizagens devem ser objeto de integração contínua,
construindo-se o conhecimento como uma espiral aberta que, em cada
etapa do curso, retoma e ressignifica o conjunto das experiências do
sujeito a respeito da temática desenvolvida (MEC, 2010, p.16) (grifos
nossos)
A proposta de valorização das experiências prévias dos professores e de
articulação entre os dois de tipos de conhecimentos se fundamenta na premissa de que
todos os cursistas já entraram, em algum momento anterior, em contato com algum tipo
os dispositivos eletrônicos, e que isto precisa ser considerado e valorizado no
desenvolvimento da prática formativa (planejamento, execução e avaliação do curso).
Por meio de um contato inicial, estrutura-se toda uma discussão sobre a tecnologia,
sobre seu uso e sobre espaço por ela ocupada na sociedade contemporânea.
Compreendemos que nesse movimento de articulação reside uma lógica crítica de
formação, pois o ProInfo promove um processo formativo que valoriza outros tipos de
saberes que não aqueles produzidos pelos especialistas.
Outro aspecto que nos permite identificar a filiação do ProInfo a uma lógica
crítica é o tipo de reflexão estimulada pelo o material didático. A prática reflexiva, algo
apontado por Zeichner (2008) como um princípio estruturante da formação docente, é
fomentada a partir de questionamentos que compõem a estrutural textual do material
didático.
Que coisas você vê? Imagine quais são as suas funções. Que coisas
podem ser feitas num computador? O que você gostaria de aprender a
fazer num computador? O computador pode contribuir para
148
melhorar os processos de ensino e aprendizagem? Como utilizá-lo
para estes fins? (MEC, 2008, p. 21) (grifo nosso)
Que recursos você gostaria de buscar na Internet para melhorar
sua prática profissional? Sobre que assuntos? (MEC, 2008, p. 58)
(grifo nosso)
Quantas vezes nos reunimos presencialmente para trocar ideias a
respeito de um tema que nos inquieta! Você já está acostumado a
participar desse tipo de discussão, seja na vida cotidiana, seja na vida
escolar. Pode-se fazer o mesmo através da rede de computadores?
Será que muda alguma coisa nesse processo quando se debate e
conversa com outras pessoas pelo computador? (MEC, 2008, p.
101) (grifo nosso)
Que vantagens sua turma poderia ter em participar de uma lista
de discussão com estudantes de outras escolas, cidades, países? E
com outros professores e gestores? (MEC, 2008, p. 111) (grifo nosso)
O curso ofertado pelo ProInfo adota como estratégia formativa a leitura de
textos que tratam sobre as TDIC de uma forma abrangente, promovendo discussões
conceituais e trabalhando informações técnicas de uso sobre os dispositivos eletrônicos.
Outro aspecto da estratégia de formação dos cursos são as atividades que visam
verificar a aprendizagem. As atividades podem ser individuais ou em grupo, presenciais
ou a distância, utilizando ou não o computador. Consideramos que não podemos
analisar as estratégias de verificação da aprendizagem de forma pontual. Os exercícios
devem ser analisados em conjunto, pois as unidades abordam os conteúdos e promovem
diferentes tipos de exercícios com natureza e propósitos diferentes.
O curso ―Tecnologias na educação: ensinando e aprendendo com as TIC‖
visaria desenvolver no professor capacidades que pode ser categorizadas em quatro
dimensões, de acordo com a natureza das atividades:
a) Reflexão – Atividade que promove a reflexão pedagógica, social ou pessoal.
b) Conceitual - Atividade que favorece a compreensão e análise dos conceitos
estudados.
c) Intervenção na prática - Atividade que estimula intervenções na prática
pedagógica
d) Instrumentação - Atividade voltada para a aquisição de conhecimento técnico
e/ou habilidade prática sobre uso de ferramenta.
149
Salientamos que a análise do material do curso denota a proposição de vintes e
três exercícios. Constatamos que eles podem ser identificados com uma categoria, por
explorarem mais de uma dimensão. As atividades propostas estimulam a leitura de
textos, a pesquisa em sites, a produção e compartilhamento de textos, planejamento de
atividades e a discussão dos temas geradores em grupo.
Atividade 12 - Planejando uma atividade com hipertexto ou internet
1. A primeira tarefa será montar grupos de trabalho
2. Escolhido o grupo, planejem uma atividade, em que sejam usados
alguns dos recursos de que tratamos nas semanas anteriores, para ser
desenvolvida com os alunos. Alguns exemplos de atividade podem
ser: - criação de blogs com links para coisas pelas quais tenham
interesse na internet; - navegação e pesquisa na internet, orientada por
uma webQuest; - criação de um hipertexto coletivo formado por
pequenas histórias intercaladas, produzidas por duplas ou trios de
estudantes [...]
3. Descrevam a atividade com o maior número possível de detalhes,
coloquem em um texto no BrOffice.org Write e publiquem na área
de troca: na Biblioteca, em material do aluno com o tema ‗Planejando
Atividade com Hipertexto‘, para que seja acessível a seus colegas.[...]
4. Em seguida, cada grupo analisa o trabalho de outra equipe, para não
só fazer sugestões que possam melhorar ou ampliar a atividade
planejada, como também para ter mais elementos e ideias que
ampliem a sua atividade.
5. De posse dos comentários dos colegas, cada grupo deve dar uma
forma final ao que planejou.
6. O trabalho de seu grupo será levado para o encontro presencial para
ser discutido por todos, aperfeiçoado coletivamente e, por fim,
experimentado concretamente com seus alunos na semana seguinte.
[...] (MEC, 2010, p. 106) (grifos nossos)
O exercício supracitado nos serve como exemplo de atividade que é estruturada
a partir de mais de uma dimensão classificatória. Nele, identificamos aspectos de
―Instrumentação‖ (uso do BrOfffice) e de ―Intervenção Pedagógica‖ (Planejamento de
atividade). Contudo, o que nos chama a atenção é o processo de reflexão coletiva. Na
atividade os professores são estimulados a compartilhar o planejamento de atividade na
qual se observa um movimento de reflexão sobre prática. Nesse sentido, a reflexão
coletiva e o protagonismo identificados nos permitem associar a atividade em questão,
assim como as demais atividades do curso, a uma lógica crítica.
Outro aspecto que nos permite seguir nessa linha de argumentação são as
reflexões sobre os temas, que são guiadas por perguntas como: O que é ser professor
hoje? - Quem sou eu (professor) neste contexto? (MEC, 2010, p. 40); Qual é a
150
impressão que a navegação no Portal do Professor deixou em cada grupo? Que
diferenças de percepção resultaram? (MEC, 2010, p. 86); Será que você já vislumbra
alguma possibilidade de exploração dos hipertextos como suporte para provocar a
aprendizagem? (MEC, 2010, p. 90); Você notou que, em cada verbete, há uma aba cujo
nome é ‗editar‘? Discutam, no grande grupo, o que essa aba significa. (MEC, 2010, p.
123); Que outras aprendizagens comuns serão possíveis atingir com este tipo de projeto
no grupo? (MEC, 2010, p. 174).
Nesse sentido, percebemos que os professores são estimulados a usar as TDIC,
a refletir sobre as possibilidades de aprendizagem e, desse jeito, a analisar a própria
prática, que os levaria, principalmente, a falar sobre suas experiências de uso.
Desenvolver a reflexão, quer seja de maneira individual ou coletiva, por meio da análise
das experiências de uso, nos permite associar esse conjunto de exercícios a lógica
crítica. A instrumentação faz parte da estrutura dos exercícios, contudo não se apresenta
como elemento hegemônico no desenvolvimento das atividades. Salientamos que apesar
do caráter introdutório de algumas atividades, como as que apresentam a Wikipedia ou
BlogSpot, não identificamos um viés de treinamento.
O curso de ―Introdução a Educação Digital‖, por sua vez, apresenta em seu
material didático quarenta e dois exercícios, divididos entre os seguintes tipos:
Atividade de Execução (5), Atividade de Elaboração (4), Atividade de Navegação (4),
Atividade de Pesquisa (4), Atividade de Prática (13), Atividade de Pesquisa (4),
Atividade de Reflexão (1), Atividade de Elaboração (4), Atividade a Distância (3).
A maioria das atividades se organiza a partir da lógica da perfomatividade,
pois visam transmitir habilidades técnicas (PAPERT, 2008). Os exercícios se estruturam
com fins de ―ensinar a usar‖ determinados programas e periféricos (mouse/teclado).
Devemos salientar que o caráter introdutório do curso em questão acaba privilegiando
os aspectos instrumentais em detrimento aos aspectos crítico do processo formativo.
Compreendemos que a instrumentação, no que tange a introdução de novas tecnologias,
é uma etapa necessária.
ATIVIDADE DE EXECUÇÃO: Vamos usar o mouse? Movimente-o
para a direita, esquerda, para cima e para baixo. Observou que a
setinha se moveu de acordo com seus movimentos no mouse (MEC,
2008 p.24)
ATIVIDADE DE ELABORAÇÃO: É possível guardar arquivos em
vários locais: No Linux Educacional - na sua pasta Home, no disco
151
rígido, em uma unidade de rede, em um disquete, em um CD gravável,
etc. No Windows – na pasta ―Meus documentos‖. Crie sua pasta.
(MEC, 2008p.33)
ATIVIDADE DE NAVEGAÇÃO: Clique no botão INICIAR,
existente no rodapé da tela. Em seguida, procure Internet no menu que
se abre e clique, um novo menu surgirá, procure o navegador Web
Icewealsel. Digite na linha de endereço o seguinte:
http://webeduc.mec.gov.br .No teclado, em seguida, pressione a tecla
Enter. (MEC, 2008, p.58)
ATIVIDADE A DISTÂNCIA: Use o e-mail e comunique-se com
outras pessoas. Agora que você sabe como proceder para escrever
mensagens e enviá-las, execute: Abra o navegador de Internet, n
acesse o provedor de sua conta de correio eletrônico. Digite seu nome
de usuário e senha e clique em acessar. Uma vez que a página de sua
conta esteja na tela, procure o comando Escrever e-mail ou Novo e o
sistema abrirá uma janela para que possa escrever. Preencha os
campos do destinatário, assunto, corpo da mensagem e clique em
Enviar mensagem. O tema é livre e os destinatários também.
Aproveite para se apresentar, cumprimentar e contar suas expectativas
em relação ao curso. (MEC, 2008 p.94)
ATIVIDADE DE PRÁTICA: Crie uma apresentação de slides usando
o BrOffice Impress para um seminário para os seus alunos. Nesta
etapa você vai precisar revisar o seu plano de produção à luz das
funcionalidades do BrOffice Impress. Utilize como referência as
orientações e dicas apresentadas para que a apresentação seja um
recurso útil, de apoio à explanação de um tema e não apenas um meio
de evitar ter que escrever no quadro. Utilize os recursos que você
selecionou para montar sua apresentação no Impress. Guarde o seu
trabalho como arquivo no seu portfólio, na sua pasta de usuário.
(MEC, 2008 p.205)
Identificamos também no material do curso ―Introdução à Educação Digital‖
outro tipo de atividade que se organiza de outra forma. Os exercícios denominados de
―Atividade de Reflexão‖ e algumas etapas das ―Atividades de Prática‖ promovem
discussões sobre o uso das TDIC e tentam debater suas influências na prática
pedagógica dos cursistas.
ATIVIDADE DE REFLEXÃO: Aproveite para iniciar a reflexão
sobre o uso das tecnologias na escola e o papel do educador diante
dessa nova realidade. Leve em conta a importância da interação,
pensando como ela pode afetar e modificar as relações entre alunos e
professores. (MEC, 2008 p.80)
ATIVIDADE DE PRÁTICA: Entre no site indicado pelo formador,
onde estará disponível o fórum de discussão. O tema dessa discussão é
o papel do educador e as mudanças ocorridas com a inserção da
152
tecnologia na sala de aula. Veja a pergunta que orientará a discussão
de todos: O computador na sala de aula modifica a forma de dar
aulas? Nisso, provavelmente, todos concordam que sim. Mas o que
exatamente muda? Vamos pensar nas relações entre as pessoas, entre
professores e alunos. O que poderíamos destacar como mudanças
provenientes do uso das tecnologias, principalmente do uso do
computador e da Internet? [...] (MEC, 2008 p.104) (grifos nossos)
ATIVIDADE DE PRÁTICA: Vamos usar cada vez mais os recursos
do computador e dos programas nas atividades de sua prática
pedagógica e na vida cotidiana. Que tal propor-se a organizar uma
publicação com seus alunos? Que tema escolher? Você poderia
explicar sobre as tecnologias, a contribuição que pode dar à
solução de problemas da comunidade escolar, como melhorar a
infraestrutura tecnológica da escola, a participação da família, a
violência na escola, a gravidez na adolescência, problemas da falta de
saneamento básico, a coleta seletiva do lixo, entre outros. [...] (MEC,
2008 p.46) (grifos nossos)
Apesar da existência desse tipo de atividade devemos ressaltar que elas não
representam a maioria dos exercícios. Diante de um número reduzido de atividades, ao
todo foram encontradas cinco atividades, podemos concluir que elas surgem como
exceções ao padrão de exercício proposto pelo material didático. As atividades
identificadas estimulam a produção textual por meio das TDIC. Nesse sentido, o que
torna as atividades diferentes das demais é o tema gerador das produções. As atividades
de ―Reflexão‖ e de ―Prática‖ adotam como tema as relações entre as TDIC e o contexto
escolar. Contudo, identificamos nesse tipo de atividade (Atividade de Reflexão) uma
preocupação em problematizar o contexto no qual professores e alunos estão inseridos,
o papel das TDIC na prática pedagógica dos professores cursistas e por tal motivo,
podemos caracteriza-las como associadas a uma lógica crítica.
O ProInfo promove uma ação formativa onde a inclusão digital, a partir de um
viés desenvolvimento da cidadania, tem um espaço central. Essa associação entre
inclusão digital e cidadania fornece um norte pedagógico importante para definição dos
objetivos do programa. Nesse mesmo sentido a participação voluntária e sem restrições
no que tange a disciplina na qual os docentes estão vinculados, a valorização dos
saberes experienciais e alternância entre atividades focadas na instrumentação e na
reflexão crítica nos permite associar, em sentido geral, o programa a uma lógica crítica
de formação. Na próxima secessão iremos dissertar sobre as relações entre as ações
formativas, ProInfo e MenteInovadora, e os pressupostos teóricos e metodológicos que
servem de norte pedagógico para a SEDUC.
153
5.3 O diálogo entre os documentos norteadores e as ações formativas
As ações formativas de professores que abordam a temática das TDIC
desenvolvidas pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, executadas em
parceria com a iniciativa privada e/ou com instituições públicas, se organizam a partir
de pressupostos teóricos e metodológicos que nem sempre estão explícitos em seus
documentos oficiais. Em alguns casos, encontramos também a presença de autores,
termos e estratégias, nesses documentos, que demonstram existir uma clara
incompatibilidade entre as perspectivas que orientam a formação. Citamos como
exemplo a tentativa de conciliar uma abordagem neotecnicista, abordagem que conjuga
as noções e práticas de responsabilização social, meritocracia e privatização, com
princípios de uma educação libertadora. Compreendemos que as contradições surgem
como um resultado da pluralidade de concepções do campo educacional. Contudo, a
análise da concepção de formação apresentada pela SEDUC e das concepções que
estruturam as ações elaboradas pelas instituições parceiras se faz necessária para a
construção de propostas que dialoguem melhor com o contexto no qual elas estão
inseridas.
Nesse sentido, iremos identificar e analisar os princípios estruturantes, os
pressupostos teóricos e metodológicos, presentes nos documentos oficiais que
estruturam as ações formativas da SEDUC, realizadas no âmbito do ProInfo e do
Programa MenteInovadora, buscando aproximações e distanciamentos de suas
concepções e práticas, tendo em vista que ambas são elaboradas por instituições
parceiras de natureza jurídica diferentes, uma pública (MEC) e outra privada (empresa
MindLab). Iremos concentrar a discussão em como as lógicas de formação (crítica,
instrumental e da perfomatividade), adotadas pelos programas supracitados, se
manifestam nas seguintes categorias: conteúdos, objetivos, estratégias e o papel
conferido às tecnologias digitais da informação e comunicação.
Iremos também estabelecer comparações entre os pressupostos presentes nas
ações formativas com as concepções adotadas pelos documentos norteadores elaborados
pelo Governo do Estado de Pernambuco. Por tal, utilizaremos como fonte de
informação o Plano Estadual de Educação (2015/2025) e os Parâmetros de Formação
Docente (2012, 2013 e 2014).
154
De acordo Gatti (2003), existem duas características fundamentais para se
compreender a política de formação continuada desenvolvida pelo poder público no
Brasil, nas últimas décadas. A primeira delas é o caráter compensatório que estruturam
as ações. Para autora, a formação continuada se organiza por meio da necessidade de se
compensar as fragilidades da formação inicial ofertadas pelas Instituições de Ensino
Superior. A outra característica diz respeito à centralidade que os exames
estandardizados, nacionais, estaduais ou internacionais, integrantes de sistemas de
avaliação das redes de ensino, ocupam no processo de definição dos conteúdos das
ações. Nesse sentido, os conteúdos referentes às disciplinas de Português e Matemática
surgem como o foco das ações formativas justamente por serem aqueles cobrados nos
exames que avaliam o desempenho os alunos.
Em Pernambuco, a articulação entre a proposta curricular, a avaliação e ações
formativas da rede pública estadual é apresentada como um movimento inovador e
necessário no processo de garantia do direito do aluno à aprendizagem.
Compreendemos que existe uma necessidade de articulação entre os aspectos citados.
Contudo, devemos evidenciar que a avaliação tem adquirido, cada vez mais, um
protagonismo desproporcional à sua função. A pressão para atingir metas, verificadas a
partir dos resultados de exames estandardizados e das taxas de matrícula e evasão,
informa um tipo de gestão com foco nos resultados, algo típico do mundo empresarial,
portanto, com princípios e valores originários do setor privado, logo estranho à esfera
pública a que se destinam.
Freitas (2012) argumenta que umas das consequências desse tipo de política,
que promove aproximações entre o público e o privado, e até a contaminação do
primeiro pelos valores do segundo, é o estreitamento curricular. A partir do momento
que o objetivo último da educação escolar é aprimorar o desempenho em exames,
estrutura-se uma espécie de afunilamento de conteúdos e, como consequência, também
se organizam novos processos formativos para os docentes onde o foco é garantir a
elevação dos níveis de desempenho dos alunos.
Inserido nessa mesma lógica da perfomatividade, que visa assegurar o bom
desempenho nos exames, temos a fixação de critérios do processo de seleção das
escolas e professores beneficiados pelo programa MenteInovadora. O processo de
seleção das unidades de ensino é uma prerrogativa da SEDUC, particularmente da
Secretaria Executiva de Desenvolvimento da Educação.
155
Dentre os critérios estipulados, destacamos a nota atribuída à escola pelo
IDEPE que deve estar entre 3,0 a 3,5. O outro critério destacado faz menção ao público
alvo que seria composto pelos professores responsáveis pela disciplina de Matemática.
Segundo informações colhidas junto à Gerência de Política do Ensino Médio,
vinculada à Secretária Executiva de Desenvolvimento da Educação, realizadas as
atividades de formação em uma escola e, havendo melhora do desempenho nos exames,
as ações do programa são direcionadas para outra escola, desde que ela esteja com a
nota de avaliação dentro dos parâmetros fixados. Os critérios de seleção e de
permanência no programa denotam uma preocupação com o desempenho dos alunos.
Restringir a participação apenas para os professores de Matemática é uma forma de
estreitamento curricular, pois o foco do programa MenteInovadora é aprimorar a
performance dos professores, através do uso de jogos (digitais) de raciocínio, e, como
consequência, dos alunos, nas avaliações que abordam os conteúdos matemáticos.
Esse princípio que estabelece uma relação direta entre a ação de formação dos
professores, a prática de docente e o desempenho dos alunos pode ser identificado com
uma concepção de educação que se orientaria pelo neotecnicismo. De acordo com
Freitas (1995), três elementos são essenciais para caracterizar essa vertente pedagógica:
responsabilização, meritocracia e privatização. Associar o desempenho dos alunos, a
partir de uma relação direta, com a prática docente, desconsiderando dessa forma
aspectos socioeconômicos, é despolitizar a relação de ensino e aprendizagem. A
ausência de discussões sobre o contexto, no qual professor/aluno/escola e suas relações
estão inseridos num dado cotidiano escolar, serve como alicerce para responsabilizar os
docentes, e, em certa medida, a escola pública pelos resultados alcançados. É por meio
desse movimento de triagem dos ―culpados‖ que as soluções, organizadas pela iniciativa
privada, ganham espaço. Transferir a responsabilidade de formação dos professores a
empresas através da compra de pacotes de formação, é um fenômeno característico do
acordo político do Pós-Estado da Providência (BALL, 2004). Nesse movimento,
podemos identificar um Estado que se furta a promover algo que seria de sua
responsabilidade, no caso a formação continuada, e delega à iniciativa privada o
protagonismo no processo. Dessa forma, o papel do Estado se desloca da função de
provedor de formação para a de regulador.
Por sua vez, o ProInfo não possui um caráter restritivo no processo de seleção
de escolas e professores, e, como consequência disso, existiria uma maior amplitude
156
curricular. Qualquer professor, vinculado a qualquer unidade de ensino, pode participar
das ações formativas do programa. Nesse sentido, percebemos que não existe uma
centralidade estruturante dos exames estandardizados em relação à proposta curricular
das ações formativas pertencentes os programas. Os conteúdos, selecionados e presentes
nos cursos vinculados ao ProInfo, organizam-se entorno da efetivação da inclusão
digital.
No que tange à estratégia, a proposta do programa MenteInovadora aproximar-
se-ia da lógica instrumental ao promover o que consideramos uma prática marcada pelo
―aplicacionismo‖. Essa opção de abordagem se estrutura partir de uma hierarquia entre
diferentes tipos conhecimentos, e, como consequência, a forma como são produzidos. A
separação entre aqueles que produzem o conhecimento e aqueles que o reproduzem, por
meio da aplicação em sala, é algo evidente nessa abordagem. Nóvoa (1992) caracteriza
essa abordagem enquanto um modelo estruturante de formação, pois o objetivo último é
transmitir e assegurar, primeiramente, a apropriação de conhecimentos específicos
produzidos por especialistas, para depois se ter sua aplicação. Essa opção possuiu uma
maior proximidade com a proposta de formação continuada defendida pelos
documentos norteadores da SEDUC.
A inovação dos Parâmetros para a Educação Básica no Estado de
Pernambuco é a articulação entre os Parâmetros Curriculares (o que
ensinar), os Parâmetros na Sala de Aula (como ensinar), a avaliação
dos estudantes, por meio dos Padrões de Desempenho, e os
Parâmetros de Formação Docente. (Pernambuco, 2014, p.35)
Nesse sentido, o programa em questão concentra esforços em transmitir um
método de ensino próprio (―como ensinar‖), desenvolvido por ―especialistas‖, chamado
de Método Metacognitivo. O método proposto é apresentado aos docentes, através da
leitura de textos, e, depois, é vivenciado enquanto um instrumento de interpretação das
experiências vivenciadas por meio dos jogos eletrônicos (―o que ensinar‖). Salientamos
que a participação dos professores nas ações formativas desenvolvidas pelo programa
MenteInovadora, após escolha da unidade de ensino, é obrigatória, assim como a
aplicação do método MindLab.
De acordo com Moran (2013), o processo de integração das TDIC ao contexto
escolar pode ser compreendido por meio de três fases distintas. Na primeira fase, as
TDIC surgem como uma ferramenta atrelada à automatização de questões burocráticas e
157
administrativas. A informatização das matrículas, elaboração dos boletins com as notas,
digitação e impressão dos comunicados internos e externos servem como exemplo dessa
fase inicial. Por sua vez, na segunda fase, existe um movimento de inserção das TDIC
no projeto político pedagógico das escolas. Nesse sentido, as aulas de informática, o uso
de computadores para pesquisa pedagógica, a substituição das ―transparências‖ pelos
slides a serem exibidos em datashow, o quadro pela lousa digital e por um uso intenso
das plataformas de comunicação (email, redes sociais, whatsapp), são manifestações
concretas dessa fase. A última fase, marcada pelo amadurecimento do uso e de uma
compreensão mais apurada das possibilidades, se caracterizaria pela adoção de novas
metodologias, flexibilização do currículo, organização de atividades presenciais e a
distância. O processo de amadurecimento deveria passar por apropriação crítica do uso
das TDIC, algo que deve ser discutido em sua integralidade, contextualizando os
diversos fatores que influenciam o processo. As discussões sobre os usos das TDIC têm
uma tendência a ficarem restritas às questões imediatas da prática docente. Os fatores
que aparentemente são externos, como a formação profissional, o projeto político
pedagógico, a estrutura física e burocrática da rede de ensino, carreira docente, são
silenciados quanto tratamos da temática das TDIC. Para se efetivar mudanças, no que
tange a novas formas de aprendizagem, como afirma Kenski (2003), é necessário
harmonizar os objetivos de ensino com as ferramentas a serem utilizadas. O processo de
harmonização deve fomentar uma reflexão crítica sobre a educação e não ficar restrita
apenas à prática docente.
Avaliamos, ainda em sintonia com as afirmações de Moran (2013), que existe
uma tendência das escolas, salvo raras exceções, estarem situadas na segunda fase do
processo de integração. Essa etapa também pode ser caracterizada como um momento
de ―inovação conservadora‖, pois a modernização de antigas tecnologias não implica
mudanças significativas nos processos de ensino e aprendizagem. O processo de
modernização dos recursos didáticos, organizado enquanto um processo de substituição
por novas tecnologias, tem se manifestado enquanto um imperativo na busca de
soluções para antigos ―problemas‖ no campo educacional. Seu alto grau de flexibilidade
de uso permite ações que podem transitar entre diferentes perspectivas de ensino. O
processo de harmonização, como afirma Kenski (2003), tem sido pautada pela
adaptação às estruturas tradicionais das escolas. Dessa forma, sua força de adaptação
158
pode ser evidenciada nos pressupostos teóricos, nos objetivos e nas estratégias das ações
formativas em questão.
Em concordância com a tendência supracitada, as TDIC assumem um papel
secundário no desenvolvimento das ações formativas do programa MenteInovadora.
Não identificamos objetivos que dialoguem com discussões sobre o processo de
integração das TDIC à prática docente. Contudo, compreendemos que saber usar as
TDIC surge como um pré-requisito, logo como algo obrigatório para se acessar os jogos
digitais. Portanto, a compreensão das TDIC adotada pelo programa pode ser associada a
uma lógica instrumental que visa exclusivamente assegurar a aplicação de um método.
Ao analisarmos as estratégias das ações formativas desenvolvidas pelo ProInfo
identificamos um esforço para se promover uma articulação entre os saberes produzidos
pelos ―especialistas‖ e os produzidos pela experiência dos docentes (TARDIF, 2002). O
princípio defendido pelo programa de que todos os professores se relacionam
diretamente com as TDIC dentro ou fora escola, e por isso já possuem saberes
relacionados ao tema, promove uma abordagem de valorização das vivências dos
cursistas. Essa compreensão dialoga com o sentido geral do curso que é promover a
inclusão digital dos professores e uma concepção de inclusão que considera os saberes
dos formandos. Vale destacar, ainda que os textos escolhidos pelo ProInfo, assim como
os exercícios, preocupam-se em apresentar as TDIC como mais um recurso para auxiliar
o pleno desenvolvimento de professores, alunos e os demais integrantes da comunidade
escolar.
Ao concentramos a análise no uso das TDIC como elemento central, podemos
afirmar que os programas MenteInovadora e ProInfo são essencialmente diferentes. O
programa desenvolvido pela MindLab instrumentaliza as TDIC ao restringir seu uso
apenas aos jogos digitais. A integração das TDIC, na prática docente, torna-se
obrigatória, assim como a aplicação do método característico do programa.
Depreendemos daí que a autonomia dos professores cursistas é cerceada desde o início
do programa. O processo de seleção das escolas, assim como dos professores que vão
participar das ações, é uma prerrogativa da SEDUC. Uma vez definida a escola, cabe ao
gestor fiscalizar a participação dos professores responsáveis pela disciplina de
Matemática (foco do MenteInovadora). Nesse sentido, avaliamos, com base no
entendimento de Sancho (2006), que esse processo de introdução das TDIC nas escolas,
159
ao invés de renovar ou inovar, tem reforçado certas estruturas preexistentes de currículo
e de relações de poder.
A aplicação do método Metacognitivo, objetivo não declarado do programa,
denota uma estratégia formativa verticalizada. A hierarquia entre sujeitos formadores e
formandos, algo característico de uma educação bancária (FREIRE, 1974), dificulta o
desenvolvimento pessoal e profissional dos sujeitos participantes das ações. A
obrigatoriedade do uso das TDIC, assim como de um método específico, reforça a
condição de passividade no processo de apreensão da realidade na qual os sujeitos estão
inseridos. A estratégia do MenteInovadora reproduz um padrão de formação
essencialmente transmissiva, algo predominante nas ações formativas (GATTI, 2003).
Outro aspecto inerente ao formato verticalizado, é a padronização das
formações. A proposta do grupo MindLab é a mesma, da Zona da Mata ao Sertão.
Existem diferenças entre essas duas mesorregiões e que acabam não sendo valorizadas
por conta da estrutura verticalizada do programa. Os formadores, assim como os
formandos, têm poucas oportunidades para adequarem o ―pacote de formação‖ à
realidade das escolas. A estrutura da ação formativa, fundamentada na participação
compulsória e, principalmente, na aplicação em sala, não permite questionamentos
sobre sua finalidade, utilidade, pertinência ao contexto das escolas e aos objetivos da
proposta pedagógica da escola. Percebemos nessa abordagem uma busca por padronizar
saberes e comportamentos, algo que se fundamenta em preocupações eminentemente
técnicas (ESTEBAN, 2012). Seguir o padrão estabelecido pelo método Metacognitivo,
associa o programa MenteInovadora a uma lógica da perfomatividade.
Por sua vez, o ProInfo apresenta o uso das TDIC enquanto uma possibilidade
pedagógica. Compreendemos que adotar a inclusão digital como princípio estruturante
das ações formativas promove um processo de integração das TDIC que visa fomentar a
autonomia dos professores cursistas. Salientamos que a participação voluntária nas
ações, além de um traço distintivo do programa, também é um desdobramento desse
princípio estruturante. A compressão de que as TDIC podem ser um valioso recurso
pedagógico na construção de uma educação de qualidade pode ser identificado na
presença de exercícios que visam ―ensinar a usar‖, mas também não se furtam em
discutir o ―porque usar‖. A reflexão sobre as diferentes possibilidades de uso das TDIC,
algo característico do programa em questão, nos permite associar as ações formativas a
uma lógica crítica de formação.
160
Dessa forma, consideramos que os dois programas possuem princípios
estruturantes díspares. O Programa MenteInovadora, ofertado e implementado pela
MindLab, se organiza tendo por centralidade a avaliação em larga escala, ao pôr em
evidência o desempenho de professores e alunos em exames estandardizados. O critério
de seleção das escolas e dos professores cursistas, assim como a permanência no
programa, é o desempenho no IDEPE. Esse movimento proporciona um estreitamento
curricular que privilegia a disciplina de Matemática. Apesar dos objetivos, constantes da
proposta pedagógica do programa, não dialogarem diretamente com essa meta, outras
evidências tais como o caráter compulsório da participação, o uso instrumental das
TDIC, conteúdos voltados para desenvolvimento de raciocínio lógico, nos levam a
concluir que o ―pacote‖ de formação ofertado visa garantir apenas um bom
desempenho, por parte dos alunos, nos exames em larga escala institucionais. Nesse
caso, a prerrogativa de fornecer a formação aos professores da rede pública agora reside
nas mãos da iniciativa privada, cabendo ao Estado agir como agente
regulador/fiscalizador dessa relação.
Em contrapartida, o ProInfo adota como princípio estruturante a inclusão
digital. É por meio dele que se organizam os objetivos e as estratégias das ações
formativas que visam fomentar a cidadania, não só de professores, mas também da
comunidade escolar. Encontramos uma associação entre consumo/produção de
informação, através do uso das TDIC, e a efetivação da cidadania. A integração das
TDIC na prática docente é sugerida enquanto um recurso, de uso não obrigatório, que
visa subsidiar o acesso à informação. Nesse sentido, podemos associar o sentido da
inclusão digital, adotada pelo ProInfo, com a compreensão de Alarcão (2010) sobre as
condições necessária ao livre exercício da cidadania. De acordo com autora, o nosso
contexto social, rico em informações, está a nos exigir a capacidade de organizar e
interpretar esse intenso fluxo. Caberia à escola desenvolver habilidades e competências
necessárias à produção, tratamento e uso dessas informações. Nesse caso, o Estado
assume a responsabilidade de fornecer a formação aos professores que atuam na rede
pública e também assegurar a estrutura e os equipamentos necessários para efetivação
da inclusão digital da comunidade escolar.
161
6. CONSIRAÇÕES FINAIS
A pesquisa teve como objetivo geral analisar as ações de formação continuada
de professores desenvolvidas pela Secretária Estadual de Educação de Pernambuco
(SEDUC/PE), por meio de suas Secretarias Executivas, que têm como finalidade
possibilitar a integração das TDIC à prática de professores. Nosso trabalho foi
organizado no sentido de identificar e caracterizar a política de formação continuada,
analisando os pressupostos teórico metodológicos contidos nos documentos
norteadores, de modo a compreender as práticas de formação relativas à temática das
TDIC, desenvolvidas pela SEDUC.
O processo de identificação e caracterização da política de formação
continuada para professores da rede pública estadual, por meio do levantamento das
ações desenvolvidas no decorrer de 3 anos (2013, 2014 e 2015) teve como referência os
documentos oficiais disponibilizados pela própria SEDUC. O primeiro grupo de
documentos, aqueles que servem como norte teórico, adota uma concepção
neotecnicista (FREITAS, 2012) de educação. Os Parâmetros da Educação Básica
servem como ponto de articulação entre os Parâmetros Curriculares (PERNAMBUCO,
2012), os Parâmetros para Sala de Aula (PERNAMBUCO, 2013) e os Parâmetros de
Formação Docente (PERNAMBUCO, 2012) Apesar da existência de um discurso de
inovação, defendido pela SEDUC, no que tange a articulação entre os parâmetros
supracitados, identificamos posturas, estratégias e concepções tradicionais no que
pertine a educação. Os Parâmetros Curriculares são identificados, pelos próprios
documentos da SEDUC, pela expressão ―O que ensinar‖. Nesse mesmo sentido, os
Parâmetros de Sala de Aula estão associados a expressão ―Como ensinar‖. Por sua vez,
os Parâmetros de Formação Docente funcionam como um mecanismo de
transmissão/aplicação dos outros dois Parâmetros. O processo de implementação dos
parâmetros depende necessariamente da formação continuada dos professores. Dessa
forma, consideramos que a política de formação docente, adotada pela SEDUC, é
compreendida como um mecanismo de aplicação dos parâmetros. Esse viés
instrumental nos permite associar a política de formação continuada a uma concepção
neotecnicista de educação.
Outro aspecto que nos chamou a atenção é o Programa de Formação e
Valorização dos Profissionais da Educação. A única referência encontrada a esse
162
programa encontra-se nos Relatórios de Indicadores Educacionais de 2013, 2014 e
2015. Salientamos também que a responsabilidade da elaboração e execução das ações
estão pulverizadas entre as secretarias executivas e suas respectivas gerências. Diante da
inexistência de referências, nos documentos norteadores, e da descentralização da
responsabilidade de elaboração e execução das ações, temos fortes suspeitas de que o
Programa existe apenas nos relatórios, enquanto uma categoria de agrupamento de
ações. Nesse sentido, podemos indicar que essa fragilidade na política de formação
continuada de professores permitiria a existência de ações formativas com objetivos,
estratégias, métodos variados e que nem sempre dialogam entre si. Uma política
formativa sem identidade, logo sem um critério bem delimitado que serviria de
referência ao processo de elaboração e execução das ações formativas, permitiria um rol
de ações que talvez não fossem de interesse público. Assim, é por meio dessa
fragilidade, que a iniciativa privada, com seus ―pacotes de formação‖, encontra um
meio de se inserir nas políticas de governos.
Um segundo grupo de documentos, por sua vez, é constituído de diversos
relatórios elaborados pelas Secretarias Executivas da SEDUC. Juntos eles formam o
Relatório de Indicadores Educacionais (2013, 2014 e 2015) que se tornou nossa
principal fonte de informações sobre as ações formativas desenvolvidas pelo governo do
estado de Pernambuco. A partir dessa fonte identificamos a existência tipos diferentes
de ações formativas. Cursos com duração variada, palestras, oficinais, congressos, aulas
presenciais ou a distância são modalidades de ações presentes na política pública de
formação continuada. Observamos também uma amplitude temática das ações e por isso
consideramos que existe um movimento de valorização dos assuntos que podem ser
classificados como transversais ao currículo oficial. Educação ambiental, educação no
trânsito, educação financeira, formação para os professores que trabalham com os
movimentos sociais, conteúdos que abordam a temática da educação para a inclusão,
formação para os professores que trabalham com alunos que cumprem medidas
socioeducativas, formação voltada para as relações étnico raciais e formações que
abordam a temática das TDIC, servem como exemplo dessa amplitude. Contudo, as
ações que podem ser associadas à temática transversal ao currículo têm uma tendência a
serem pontuais. Em sua maioria são palestras, oficinas e congressos que não possuem
uma periodicidade.
163
As ações com maior frequência, por sua vez, são ofertadas todos os anos e
podem ser associadas, diretamente, ao currículo formal da rede pública. Dentro desse
grupo se destacam as ações formativas direcionadas aos professores das disciplinas de
português e matemática. Os dados coletados e analisados pela pesquisa nos permitem
afirmar que existe uma predominância, no que tange a quantidade de ações, dessas duas
disciplinas. Em concordância com Gatti (2013), que evidencia a tendência das
secretarias de educação de estruturar as formações com intuito de melhorar desempenho
dos alunos em exames estandardizados, avaliamos que a rede pública estadual de
Pernambuco também organiza as ações formativas nesse sentido. A centralidade que a
avaliação institucional ocupa nas ações formativas, assim como na orientação das
políticas públicas educacionais, nos permite, novamente, associar essa postura com uma
concepção neotecniscista de educação.
O papel desempenhado, em termos de orientação para a formulação e execução
de políticas públicas e para as práticas de formação, pelos os exames em larga pode ser
associado ao um processo de endoprivatização da rede pública estadual de Pernambuco.
A urgência por atingir ―metas‖, algo interpretado como uma garantia de qualidade na
educação, tem se tornado um eixo estruturante das ações do governo. A lógica
empresarial, fundamentada no mérito, na gestão voltada para resultados e na
responsabilização dos trabalhadores ganha espaço nas estratégias de governo e se
reflete, dessa forma, no desenvolvimento das políticas públicas de formação.
Nossa pesquisa encontrou dois de tipos de formações, associadas a naturezas
jurídicas diferentes (um convênio com uma instituição pública e um contrato com uma
organização privada), voltadas para a temática das TDIC. O Programa MenteInovadora,
ofertada pelo grupo MindLab (privado), promove uma formação voltada para o uso
instrumental e obrigatório das TDIC. Nesse tipo de ação formativa existe pouco espaço
para as reflexões sobre a prática docente e, dessa forma, pouco espaço para as
discussões sobre as possibilidades de uso das TDIC. O Programa se estrutura por meio
de uma lógica ―aplicacionista‖ no qual o método Metacognitivo é apresentado como
uma garantia de educação de qualidade. Caberia ao professor aplicar corretamente o
método transmitido nas formações. Salientamos que a ―qualidade‖ almejada é restrita a
um melhor desempenho do SAEPE. A formação, verticalizada na sua oferta e
instrumental na sua natureza, reduziria a autonomia docente ao não priorizar o
desenvolvimento de uma reflexão crítica sobre a prática. A oferta de uma solução
164
pronta, acabada e elaborada por ―especialistas‖ reforçaria as estruturas tradicionais da
escola. Logo, a formação ofertada pelo grupo, apesar de se apresentar como algo
inovador/moderno, não dialogaria com o ―novo‖, não promoveria mudanças no plano da
escola e práticas de professor e de ensino. Dessa forma, podemos associar a proposta
pedagógica em questão como um processo de ―inovação conservadora‖. Velhas práticas
com uma roupagem modernizante (TDIC).
A formação ofertada pelo ProInfo (público) adotaria como eixo estruturante, a
inclusão digital. É por meio dela que ocorre a sugestão de integração das TDIC à prática
docente. Encontramos nas ações formativas, vinculadas ao referido programa, um viés
crítico de formação, pois os textos base e os exercícios presentes nos materiais didáticos
fomentam reflexões sobre as possibilidades de uso das TDIC, valorizam os diferentes
tipos de saberes, relacionados à prática docente, e por proporcionar discussões
ancoradas no contexto onde se insere a comunidade na escolar. Salientamos também
que não existe um caráter obrigatório de uso e na participação dos professores nas ações
formativas ofertadas pelo ProInfo. Compreendemos que a participação, motivada pelo
interesse em aprender, deveria ser interpretada como um pré-requisito para a elaboração
e a execução de ações formativas. A estratégia de formação associada à lógica de
cascata, onde se formam professores formadores com o objetivo de promover a
formação de outros docentes, integrantes da rede estruturada a partir dos NTE (Núcleos
de Tecnologia Educacional) se apresentam como um mecanismo de adaptação do curso
às realidades regionais. Nesse sentido, identificamos um esforço em se tentar superar o
formato verticalizado típico das ações formativas desenvolvidas no Brasil.
Acreditamos que para se estabelecer uma relação de causa e efeito entre as
ações formativas e as alterações na prática docente, se faz necessário acompanhar, por
meio de uma observação sistemática, os professores que participaram das ações
formativas. O uso das TDIC ou sua ausência deve ser discutido a partir da observação
da prática docente e, principalmente, a partir da análise de que a formação e, de certa
forma, o uso que os professores dão as TDIC.
Compreendemos também que o movimento de privatização, ou de alteração do
papel desempenhado pelo Estado, pode ser melhor estudado no sentido de se identificar
e discutir as influências dos valores, típicos da gestão empresarial, no campo
educacional. Nesse sentido, a centralidade das avaliações, no processo de definição das
políticas e práticas formativas, também surge como um fator de destaque.
165
O processo de elaboração e finalização da pesquisa nos permitiu uma maior
compreensão acerca das ações formativas que abordam a temática das TDIC. Nesse
sentido apontamos que outros aspectos, sobre o tema, podem ser trabalhados.
Avaliamos que os recursos destinados, assim como o próprio processo licitação, que
envolve a aquisição dos ―pacotes de formação‖ surge como algo pertinente no
desenvolvimento de outras pesquisas; investigar o processo de endoprivatização,
promovendo o recorte das políticas de formação, da rede de ensino pública estadual de
Pernambuco também pode acrescentar informações valiosas sobre o tema; salientamos
que a relação entre os professores e as TDIC, no que tange ao impacto das formações na
prática docente, também surge algo necessário a ser pesquisado.
166
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Reunião anual da ANPED. Caxambú, MG 2009
ZAINKO, M. A. S. & GISI, M. L. (org) Políticas e Gestão da Educação Superior.
Curitiba: Champagnat/ INSULAR, 2003
ZEICHNER, K. M. Uma Análise Crítica Sobre a “Reflex o” como Conceito
Estruturante na Formação Docente. Educação & Sociedade, Campinas, vol. 29,
n.103 p.534-555 maio/ago 2008
WARSCHAUER, Mark. Tecnologia e inclusão social: A exclusão digital em debate.
São Paulo,SP:Editora Senac São Paulo, 2006. 214 p.
174
ANEXO 1 – Lista de Ações Formativas :
Relatório de Indicadores Educacionais 2015 ( PERNAMBUCO)
Formação Continuada ―Ciência na Escola‖ Formação Continuada ―Educando com a
Horta Escolar e a Gastronomia‖ (Parceria com o Universidade de Brasília – UNB) /
Formação ―Ciência Jovem‖. (Parceira com o Espaço Ciência) / Formação Continuada
―Doação de Sangue‖ (Parceria com HEMOPE)/ Formação Continuada do ―Programa
Saúde na Escola‖ (Parceria com a Secretaria Estadual de Saúde, Ministério da Saúde e
Estratégia de Saúde da Família –USB/ESF) / Formação Continuada em Língua
Portuguesa/ Formação Continuada ―Olimpíadas da Língua Portuguesa‖/ Formação
Continuada para ―Elaboração dos Cadernos de Ação de Fortalecimento da
Aprendizagem em Língua Portuguesa‖/ Formação Continuada em
Matemática/Formação Continuada ―Olimpíadas Brasileira de Matemática das Escolas /
Formação Continuada ―Elaboração dos Cadernos de Ação de Fortalecimento
Aprendizagem em Matemática‖ /Formação Continuada ―Projeto: Construindo conceitos
e operacionalizando frações com materiais concretos‖ – Olimpíada Interescolar de
Matemática/ Formação Continuada em Língua Inglesa / Formação Continuada em
Educação Física/ Formação Continuada em Ensino Religioso /Formação Continuada em
Arte / Formação Continuada em História e Geografia /Formação Continuada em
Coordenação Pedagógica/Educador de Apoio/ Formação Continuada ―Programa
MaisEducação‖ (Parceria com a Secretaria de Educação Básica - SEB/MEC)/ Formação
Continuada ―Programa Mais Cultura nas Escolas‖ (Parceria com SEB/MEC e MinC)/
Formação Continuada em Biblioteca Escolar/ Formação Continuada em Cinema e
Literatura/ Formação Continuada em Educação Infantil/ Formação Continuada ―Uso
prático do ambiente virtual de aprendizagem ePROINFO‖ Programa Nacional de
Formação Continuada em Tecnologia Educacional (Parceria com MEC e UFPE –
Proinfo Integrado)/ Oficinas Digitais - Programa Nacional de Formação Continuada em
Tecnologia Educacional (Parceria com MEC – Proinfo Integrado)/ Programas Projovem
Campo-Saberes da Terra e Educação Escolar Quilombola (Parceria com UFPE -
Campus Agreste - Convênio com o MEC)/ Formação Continuada ―Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil‖ (Parcerias com o Fórum Est. Para Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil - FEPETIPE, Tribunal Superior do Trabalho – TST,
Tribunal Regional do Trabalho - TRT6, Centro Dom Helder Câmara - CENDHEC,
175
Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, Ministério Público do Trabalho – MPT)/
Formação Continuada em Coordenação de Polos de Apoio Presencial ao Sistema
Universidade Aberta do Brasil – UAB – Modalidade à Distância(Parceria com
Capes/MEC, UFPE, UFRPE, UPE, IFPE e UMIVASF)/ Formação Continuada ―II
Curso de Pós- Graduação, em nível de Especialização em Coordenação Pedagógica -
Programa Nacional da Escola de Gestores da Educação Básica Pública‖ (Parceria com
SEB/MEC e UFPE)/ Formação Continuada – ―Curso de Pós- Graduação em nível de
Especialização em Treinador de Futebol‖(Parceria com Instituto Brasileiro de Gestão e
Marketing Ltda – IBGM)/ Formação Continuada em Tecnologia Educacional -
Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional (ProInfo
Integrado) (Parceria MEC) /Formação Inicial para professores da Educação Básica -
Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) – (Parceria
com Capes/MEC, UFPE, UFRPE, UPE e IFPE) /Formação Bimestral em Língua
Portuguesa e Matemática /Formação na Escola em Língua Portuguesa /Formação na
Escola em Matemática/ Formação em Ciências Humanas (Parceria com o Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano – IAHGP) / Formação sobre
software P3D /Formação e Imersão em Espanhol 50 professores do Ensino Médio
/Formação para Professores de Língua Inglesa /PDPI – Programa de Desenvolvimento
Profissional para Professores de Língua Inglesa nos Estados Unidos Médio/ PROEMI -
Programa de Ensino Médio Inovador /Formação do Programa Mente Inovadora/
Formação Continuada para os professores do Normal Médio/ Formação em Cooperação
Técnica e Financeira com a Universidade de Georgetown e o Estado de Pernambuco
para os Professores de Língua Inglesa/ Formação em Educação Escolar Indígena
/Formação em Direitos Humanos / Formação em Educação Ambiental 68
professores/técnicos/ Formação para o Programa de Fortalecimento da Escolarização
dos Centros de Atendimento Socioeducativo (CASES)/ Formação para o Programa
Escola Aberta /Formação Inicial e Continuada dos Programas Se Liga e Acelera/
Formação Inicial e Continuada dos Programas Travessia Fundamental e Médio/
Formação Inicial e Continuada do Programa Alfabetizar com Sucesso/ Formação
Continuada em Legislação Educacional/ Formação Sistema Braille Editoração e
Impressão Formação de Atualização em Sinais de Libras /Formação em Educação
Especial Formação em Educação Inclusiva /Formação do Programa Pacto pela Inclusão
176
Seminário de Formação Intersetorial do BPC na Escola - Benefício de Prestação
Continuada de Assistência Social/ Formação sobre Introdução à Tecnologia Assistiva/
Formação Inicial e Continuada do Programa Chapéu de Palha/ Formação Inicial e
Continuada do Programa Projovem Urbano /Formação Inicial e Continuada do
Programa Mãe Coruja Pernambucana/ Formação Inicial e Continuada da Modalidade da
Educação de Jovens /Formação Inicial e Continuada da Educação do Campo / Aula
Inaugural (Palestras) para Professores da Rede Estadual de Ensino /Formação Inicial e
Continuada do Programa Paulo Freire
177
ANEXO 2 - Entrevistas estruturadas com os técnicos da SEDUC/PE responsáveis
pelo acompanhamento dos programas
1- Quando começou o convênio com a SEDUC?
2- O programa é uma disciplina curricular? Qual é carga horária? Quem é
responsável por ela?
3- O programa é exclusivo para professores de Matemática e Física?
4- Qual o critério de escolha das escolas?
5- Quais foram os equipamentos destinados as escolas beneficiadas pelos
programas?
6- Qual a carga horária da formação inicial e continuada?
7- Como é o acompanhamento após a formação inicial?
8- Como são as aulas das ações formativas?
178
APÊNDICE 1 – Relação de objetivos específicos presentes no material didático do
ProInfo
a)Objetivos Específicos por Unidade – Introdução a Educação Digital (2008)
Unidade 1
1 - Conceituar o que são mídias e tecnologias e a evolução desses conceitos.
2 - Refletir sobre a utilização e a importância dos computadores e da Internet na sua
vida e na educação.
3 - Conhecer alguns recursos básicos do computador.
4 - Elaborar um texto contendo reflexões sobre o papel da tecnologia na sua vida e na
formação de professores e gestores escolares.
Unidade 2
1 - Navegar pela Internet com o software livre de navegação, Iceweasel, prevenindo-se
de riscos.
2 - Refletir sobre a importância da navegação na Internet na sua vida e na educação.
3 - Identificar procedimentos de segurança na web.
4 - Utilizar recursos básicos e simples para realizar pesquisa na Internet.
5 - Armazenar os sites visitados no recurso favoritos do navegador.
6 - Exportar textos como arquivo pdf no editor de texto.
7 – Salvar o documento com outro nome no editor de texto.
Unidade 3
1 - Criar conta de e-mail num provedor gratuito.
2 - Enviar mensagens eletrônicas pelo webmail.
3 - Refletir sobre as possibilidades de utilização do correio eletrônico nas atividades
escolares.
4 – Elaborar texto cooperativo por meio do correio eletrônico.
Unidade 4
1 - Utilizar ferramentas de comunicação.
2 - Listar e distinguir as ferramentas de comunicação via Internet: bate-papo (chat),
fórum, lista de discussão.
3 - Refletir sobre as transformações que essas ferramentas de comunicação provocam na
sala de aula e na interação professor/aluno.
4 - Elaborar texto contendo as reflexões sobre as várias ferramentas de comunicação.
5 - Elaborar proposta de utilização pedagógica das ferramentas aprendidas.
6 - Conhecer procedimentos de segurança e etiqueta para comunicação na Internet.
Unidade 5
1 - Utilizar o editor Writer, do BrOffice, para editar textos, inserir tabelas e gráficos,
criar referências das fontes para imagens e citações retiradas de materiais de outros
autores,
2 - Salvar documentos e exportar documentos, como arquivos htm
3 - Conscientizar sobre o cuidado com os direitos autorais, citando sempre as fontes de
onde foram retirados os materiais (trechos de textos, citações, imagens, tabelas, etc.)
que utilizamos
4 - Enviar mensagens eletrônicas com anexos.
5 - Utilizar o Google Documents.
179
6 - Identificar outros serviços de editoração disponíveis na Internet.
Unidade 6
1 - Refletir sobre os efeitos que uma apresentação produz sobre os participantes e sobre
sua aprendizagem.
2 - Identificar características da linguagem visual que os softwares permitem aproveitar
ao preparar apresentações.
3 - Conhecer os recursos do site Slideshare.
4 - Criar uma apresentação de slides usando um plano de trabalho e os recursos básicos
do BrOffice Impress.
5 - Transformar slides em panfletos, folhetos explicativos ou folhetos de eventos e em
cartazes sobre um tema voltado para a escola em que atua.
Unidade 7
1 - Conhecer características dos blogs.
2 - Criar um blog.
3 - Visitar blogs de colegas e outras pessoas como repertório de possibilidades de
escrita digital.
4 - Refletir sobre o impacto dos blogs sobre a aprendizagem e a comunicação.
5 - Utilizar blogs em atividades de prática pedagógica.
Unidade 8
1 - Refletir sobre a relação entre tecnologias e seus reflexos sobre a aprendizagem.
2 - Refletir sobre as possibilidades de interação e interatividade na rede mundial de
computadores, colaborando na produção de documentos textuais.
3 - Incorporar em documentos e apresentações de slides, vídeos de sites que prestam
serviços de armazenamento.
4 - Utilizar ferramentas do software BrOffice Impress para criar e publicar textos no
formato html para Web.
Unidade 9
1 - Criar planilhas eletrônicas.
2 - Refletir sobre o potencial das ferramentas do software Calc na sistematização de
dados para solucionar problemas concretos.
TOTAL DE OBETIVOS : 43
OBJETIVOS INSTRUMENTAIS : 21
OBJETIVOS CRÍTICOS REFLEXIVOS :
b)Lista de Objetivos Específicos - Tecnologias na educação: ensinando e aprendendo
com as TIC (2010)
Unidade 1
1 - Apresentar e discutir a proposta do curso.
2 -Contextualizar a temática da Unidade 1: Tecnologia na sociedade, na vida e na
escola.
3 - Propiciar reflexões sobre a identidade do professor e sobre a necessidade de
aprendizagem contínua.
4 - Instigar a observação sobre a própria escola em relação ao uso das tecnologias
disponíveis.
180
5 - Apresentar e discutir as possibilidades de uso das tecnologias no trabalho por
projetos.
6 - Recontextualizar o uso dos recursos computacionais, inclusive do ponto de vista
pedagógico, tais como editores de textos e de apresentações, gerenciamento de arquivos,
internet
Unidade 2
1 - Apresentar a internet como espaço de colaboração e de publicação (passível de ser
espaço tanto para pesquisa como para publicização do que se faz na escola).
2 - Apresentar espaços de pesquisa e de colaboração na internet; entre eles, Wikipédia e
blogs
3 - Apresentar os hipertextos como modalidade típica de registro na internet e convidar
os cursistas a navegar por alguns.
4- Apresentar o conceito de hipertexto como a forma de representação não linear do
conhecimento, uma forma de representação popularizada pela tecnologia
computacional.
5 - Promover algumas reflexões iniciais sobre a relação entre esta forma de
representação (o hipertexto), os novos processos de leitura e escrita gerados e as práticas
pedagógicas correspondentes.
6 - Provocar o exercício de criação de alguns hipertextos simples, utilizando os blogs
como possíveis ferramentas de edição de hipertextos.
Unidade 3
1- Contextualizar o tema de que trata a Unidade 4: Currículo, projetos e tecnologias, a
partir das contribuições das tecnologias — em especial da tecnologia digital — ao
desenvolvimento de projetos.
2 - Propiciar o planejamento e aplicação de ações na perspectiva da pedagogia por meio
de projetos.
3 - Identificar as características do currículo construído por meio do desenvolvimento de
projetos, com o uso de tecnologias. 4 - Propiciar a identificação das concepções de currículo e sua ressignificação diante das possibilidades de integração da escola com diferentes espaços de produção de conhecimento.
Unidade 4
1 - Apresentar algumas possibilidades de exploração de mídias digitais.
2 - Conhecer algumas das novas possibilidades pedagógicas trazidas pelas mídias
digitais.
3 - Apresentar os repositórios de mídias da internet, em particular, os do MEC.
4 - Apresentar o Portal do Professor como ambiente em que se podem encontrar
sugestões de uso de mídias, debater formas de uso, bem como colocar disponíveis para
terceiros as experiências que os cursistas vierem a desenvolver.
5 - Estimular o uso de recursos de autoria em mídias digitais – programas,
equipamentos e linguagens – para a síntese e expressão de conhecimentos construídos
no desenvolvimento de projetos.
6 - Apresentar as etapas e os recursos essenciais na produção de imagem, áudio e vídeo
digitais.