UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES
CURSO DE GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
HABILITAÇÃO EM JORNALISMO
Dandara Souza Costa
INSTAGRAM: FOTOGRAFIA E MEMÓRIA
João Pessoa
2015
Dandara Souza Costa
INSTAGRAM: FOTOGRAFIA E MEMÓRIA
Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado na Universidade Federal da
Paraíba como requisito básico para a
conclusão do Curso de Comunicação Social -
habilitação em Jornalismo.
Orientador: Prof. Ms. Matheus Andrade
João Pessoa
2015
DANDARA SOUZA COSTA
INSTAGRAM: FOTOGRAFIA E MEMÓRIA
O presente trabalho foi submetido à avaliação da banca examinadora, em cumprimento às exigências da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, na Universidade Federal da Paraíba.
Aprovado em __/__/__
Banca examinadora
____________________________________
Professor Ms. Matheus Andrade
Orientador – UFPB
____________________________________
Professora Drª Margarete Almeida
Examinadora – UFPB
____________________________________
Professora Ms. Agda Aquino
Examinadora – UFPB
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por tudo.
À minha orientadora da vida, meu mais especial obrigada. A mulher mais
incrível que conheço, sem dúvidas, é aquela em quem sempre me espelhei e
de quem herdei o DNA.
A Lourdes, Márcia, Bruna, Lucas, Sarah e Davi, que me ensinaram, com
todo o amor do mundo, o significado – e o valor – da palavra família.
Ao meu orientador, pela paciência, incentivo, pela confiança e pelo
tempo comigo gasto. Sua orientação ímpar e estimulante foi um fator
determinante para a conclusão deste trabalho.
Àqueles com quem tive o prazer de estar em sala de aula, que não só
ensinaram, mas também inspiraram, motivaram e, sobretudo, estimularam-me
a tomar gosto pela vida acadêmica. Com destaque para Margarete, Carmélio,
Mousinho, Cândida, Zulmira, Thiago e Glória (os mestres que tenho no
Facebook).
A Verinha, a quem sou demasiadamente grata por sempre se fazer
presente, iluminando o cotidiano por vezes doloroso.
Agradeço por fim aos amigos que me ajudaram a realizar este trabalho
quando, a pedidos, deixaram de me chamar para sair. Em especial a Thais,
Rafaella, Gabriella, Thereza Helena e Janaina, aquelas que, seja onde
estiverem, estão sempre enviando as mais positivas das energias.
Fotos de família retratam rostos
sorridentes (...). As pessoas tiram fotos dos
momentos felizes em suas vidas. Alguém que
olha através do nosso álbum de fotografias
concluiria que nós tivemos uma existência
alegre, descontraída, livre da tragédia.
Ninguém nunca tira uma fotografia de algo
que eles querem esquecer.
Trecho retirado do filme “Retratos de uma obsessão”
RESUMO
COSTA, Dandara. Instagram: fotografia e memória, 2015, 52 p.
O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem o propósito de evidenciar o aplicativo de dispositivos móveis Instagram como uma ferramenta de construção de memória através do repositório de fotografias compartilhadas por seus usuários. Traçado um panorama geral sobre a evolução da fotografia, de seu surgimento até a atualidade, tratamos em seguida da fotografia como instrumento de recordação e sobre o que ela representa nas redes sociais. Por fim, foi realizada uma análise com três usuários do Instagram com a finalidade de ilustrar a construção identitária que ocorre entre os adeptos das redes sociais através da fotografia. Palavras-chaves: Fotografia; Instagram; Construção de memória; Redes sociais.
ABSTRACT
COSTA, Dandara. Instagram: photography and memory, 2015, 52 p.
The aim of the following Term Paper is to highlight the Instagram characteristics as a tool of memory construction through the photo’s repository publish by the users of the application software. After tracing an overview of the evolution of photography, from its beginnings to the present, we worked with photography as an instrument of memorization and what it represents across social networks. Finally, a case study was conducted with three Instagram users to illustrate the identity construction that takes place between the supporters of social networks through photography. Keywords: Photography; Instagram; Memory construction; Social networks.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Vista da janela em Le Gras ....................................................................... 15
FIGURA 2 – Câmera Kodak Brownie número 2 ...... ..................................................... 19
FIGURA 3 – Câmera Polaroid OneStep ........................................................................ 39
FIGURA 4 – Logotipo do Instagram ...... ....................................................................... 40
FIGURA 5 – Print scream do perfil da cantora Beyoncé ...... ........................................ 44
FIGURA 6 – Print scream do perfil do fotógrafo Augusto Pessoa ...... .......................... 45
FIGURA 7 – Print scream do perfil de Annie, a usuária número 3 ...... ......................... 46
FIGURA 8 – Conjunto de fotos de Beyoncé ...... ........................................................... 48
FIGURA 9 – Conjunto de fotos de Augusto ...... ............................................................ 50
FIGURA 10 – Conjunto de fotos de Annie ...... .............................................................. 51
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11
CAPÍTULO I - FOTOGRAFIA: TECNOLOGIA E PRÁTICAS SOCIAIS ...................... 14
2.1 TÉCNICAS E CAPTURA DA IMAGEM FOTOGRÁFICA ................................................. 14
2.2 A ERA DIGITAL: ACESSIBILIDADE E MOBILIDADE ..................................................... 20
CAPÍTULO II - FOTOGRAFIA, ENCENAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE SI .................... 24
3.1 O RETRATO FOTOGRÁFICO: A CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM DE SI .................. 24
3.2 FOTOGRAFIA E MEMÓRIA ............................................................................................ 30
CAPÍTULO II – IMAGEM FOTOGRÁFICA NAS REDES SOCIAIS .............................. 35
4.1 FOTOGRAFIA E REDES SOCIAIS ................................................................................. 35
4.2 INSTAGRAM ................................................................................................................... 39
CAPÍTULO IV - ANÁLISE DE PERFIS NO INSTAGRAM ............................................ 43
4.1 SELEÇÃO DE PERFIS .................................................................................................... 43
4.2 SUJEITOS ....................................................................................................................... 43
4.2.1 Usuária número um .................................................................................................. 43
4.2.2 Usuário número dois ................................................................................................. 44
4.2.3 Usuária número três ................................................................................................. 46
4.3 ANÁLISE DOS PERFIS .................................................................................................. 47
4.3.1 Beyoncé .................................................................................................................... 47
4.3.2 Augusto .................................................................................................................... 49
4.3.3 Annie ........................................................................................................................ 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 52
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 54
11
INTRODUÇÃO
Passada a primeira década do terceiro milênio, as redes sociais consolidaram-se
como esfera de circulação da fotografia digital. Resta superado o período em que a
fotografia só poderia ser pensada sob o enfoque do ato trinitário de registro, revelação
e impressão. Os sais de prata das primeiras imagens fotográficas, o celuloide e o
nitrato de celulose dos filmes da fase terminal da fotografia analógica são elementos
dispensáveis no processo de formação dos atuais arquivos fotográficos informáticos.
Em vez do laboratório de revelação temos computadores dotados de programas de
tratamento de imagem.
Na modalidade do retrato, a fotografia mostrou-se um importante vetor da
subjetivação idealizada, característica observável já na produção dos ateliês dos
primeiros fotógrafos, isto é, nos retratos dos representantes da burguesia, a classe
protagonista da sociedade industrial. Essa tendência pode ser encontrada no retrato
resultante do aperfeiçoamento da técnica, passando pela febre das câmeras portáteis –
com as coleções de fotos de viagens e os álbuns de família – e desaguando na foto
digital.
A pesquisa que deu substrato a este trabalho deteve-se, inicialmente, na
encenação dos modelos fotográficos dos primórdios, a fim de estabelecer um vínculo
entre a produção visual de memória do século XIX e a veiculação instantânea, porém
não menos contaminada pela idealização, do retrato fotográfico da pós-modernidade.
Na linha dessa proposta, o primeiro capítulo inicia-se com um breve percurso da
invenção da fotografia e desdobra-se na análise dos avanços por que passou a
fotografia analógica. Todo o panorama da chamada era digital foi igualmente
explorado, a fim de mostrar que a progressão da tecnologia, em pouco mais de trinta
anos, sinaliza com o iminente fim da fotografia analógica.
O segundo capítulo aborda as técnicas e os artifícios empregados na captura de
poses previamente estudadas para levar ao expectador das imagens fotográficas o
entendimento do caráter do modelo. O foco dado ao trabalho de Nadar, com base,
sobretudo, nos escritos de Annateresa Fabris, justifica-se por ser ele sobejamente
ilustrativo da deliberada construção de identidades e de memórias sem perder de vista
12
o realismo, havendo assim uma proximidade teórica entre os retratos do alvorecer da
técnica fotográfica e as fotografias digitais que proliferam nas redes sociais tendo como
propósito evidenciar particularidades e memórias personalistas. O outro tópico do
Capítulo II aborda o conceito de memória e tangencia as narrativas que a produzem,
mostrando a importância da produção audiovisual, com ênfase para os filmes e as
fotografias de reportagem e de eventos da esfera íntima, na anamnese tanto histórica
quanto pessoal.
Ao compartilhar fotos pelas redes sociais, os indivíduos exercem o poder de
criação da autoimagem, eis que dispõem do excessivo e sempre renovado material dos
arquivos digitais, o que lhes garante as escolhas apropriadas para moldar sua
identidade e criar um memorial que pode perfeitamente prescindir das amarras com a
realidade.
Esse abundante material fotográfico é paradoxalmente desprovido de efetiva
materialidade ou de suporte no mundo real. Mas ainda que radicada no universo virtual,
a miríade de fotos que circula pelas redes sociais, notadamente através do aplicativo
Instagram, foi ali instalada para dar materialidade aos catálogos publicitários
particulares cuja elaboração supõe um entrelaçamento dos acontecimentos da vida
privada com o contexto histórico-cultural. Ocorre que essa pressuposição nem sempre
se mostra válida, dada a predominância de uma subjetividade rasa, padronizada e
despida de verdadeira originalidade, frustrando eventuais expectativa de contribuições
enriquecedoras para a tessitura da vida sob um ponto de vista global e inclusivo.
A relação estreita entre Instagram, fotografia e memória foi o objeto de estudo
que embalou a elaboração dos dois últimos capítulos deste trabalho. A dinâmica da
comunicação pela internet, a formação das redes sociais e a criação do Instagram
como repositório de fotos e consequente sucedâneo dos álbuns encontram-se
detalhadas no Capítulo III. Foram dessa forma esboçadas as premissas indispensáveis
ao estudo de três perfis constantes do Instagram.
O propósito deste estudo reside na tentativa de retratar a ferramenta Instagram
como um importante meio de construção de memória na pós-modernidade. Os
objetivos específicos se bifurcam nas seguintes vertentes: (1) na comparação entre o
antigo álbum de fotografias e as publicações de fotos nas redes sociais e (2) na
13
tentativa de entender a relação interpessoal que cada indivíduo tem com seu perfil
público (o avatar da rede social).
A metodologia utilizada para alcançar as metas propostas foi dividida em duas
partes: a primeira delas consistiu na pesquisa bibliográfica sobre fotografia, memória,
sociedade do espetáculo e redes sociais; a segunda parte ficou reservada à análise de
perfis de três usuários do Instagram, objetivando mostrar a relação entre rede social,
memoria e construção de identidade.
14
CAPÍTULO I
FOTOGRAFIA: TECNOLOGIAS E PRÁTICAS SOCIAIS
Aquela época em que tirar fotos demandava um aparato caro e complicado – o passatempo dos hábeis, dos ricos e dos obsessivos – parece, de fato, distante da era das cômodas câmeras de bolso que convidam qualquer um a tirar foto.
Susan Sontag
1.1 Técnicas e captura da imagem fotográfica
As primeiras tentativas de fixação de imagens de perfis ou objetos em
superfícies impregnadas de nitrato de prata tinham como escopo a descoberta de
materiais fotossensíveis que possibilitassem, em primeiro lugar, uma impressão não
deteriorável. A questão relativa à reprodução das imagens a partir de um negativo só
seria pensada num estágio posterior, embora nem de longe se pudesse imaginar a
condição atual, propiciada pela fotografia digital, de proliferação infinita das fotografias,
tampouco o total rompimento das barreiras do espaço e do tempo na difusão das
imagens.
Vista da janela em Le Gras, de 1826, a fotografia mais antiga que perdura até
nossos dias, apresenta a paisagem do vilarejo exterior à janela do inventor francês
Joseph Nicéphore Niépce. Ela foi fixada em uma placa de estanho revestida de
betume, após oito horas de exposição, tendo sido produzida a partir das experiências
de Niépce com a câmara escura, artefato cujo princípio remonta a Aristóteles no século
IV a.C.
15
Figura 1 - Vista da janela em Le Gras (1826-7)
Fonte: Joseph Nicéphore Niépce1
A câmara escura, utilizada regularmente no século XVIII, possibilitava apenas a
projeção de uma imagem de objetos ou pessoas para que se pudesse desenhá-la com
maior verossimilhança. A evolução dessa técnica para se chegar à fotografia supunha
a descoberta de uma substância sensível à luz.
Na verdade Niépce, que chamou seus trabalhos de “heliografias”, obtivera
resultados favoráveis desde 1822, data presumida de “A mesa posta”, imagem
conhecida através de uma cópia reproduzida e publicada em 1893. Antes de Niépce,
outros interessados no processo fotográfico fizeram experiências e publicaram ensaios,
merecendo realce a parceria entre Thomas Wedgwood e Humphrey Davy na utilização
de sais de prata em superfícies de papel ou de couro para criar fotogramas, imagens
observáveis apenas na penumbra, posto que a luz as modificava. A pesquisa da dupla
foi publicada no ano de 1802, embora inconclusa quanto ao objetivo de garantir a
integridade das imagens.
No que se refere ao primeiro negativo preservado até os dias atuais, ele foi
produzido em 1835 por William Henry Fox Talbot ao fotografar, com uma pequena
câmera de madeira, a janela de sua biblioteca utilizando, além de nitrato de prata,
1
https://en.wikipedia.org/wiki/File:View_from_the_Window_at_Le_Gras,_Joseph_Nic%C3%A9phore_Ni%C3%A9pce.jpg#globalusage, acessado em 15 de junho de 2015.
16
cloreto de sódio como fixador da imagem. Na referida máquina fotográfica, “de acordo
com a objetiva utilizada, eram necessários de 30 minutos a uma hora de exposição”
(OLIVEIRA e VICENTI, 2009, p.10).
Dessa forma, a invenção da fotografia moderna (negativo-positivo) pode ser
creditada a Talbot. Sua técnica foi inicialmente denominada “desenho fotogênico” e,
após aperfeiçoamentos, em 1841, Talbot registrou a respectiva patente sob o nome de
calótipo. Foram lançadas as bases para a reprodução de imagens a partir de um
negativo, obviamente sem qualquer vislumbre das possibilidades de mobilidade
instantânea e multiplicação ad infinitum hoje oferecidas pela fotografia digital
(superação das limitações espaço-temporais).
A nomenclatura utilizada até os dias de hoje surge pouco tempo depois das
tantas experiências de fixação da imagem luminosa gerada em uma surpefície estável.
“A palavra fotografia, do grego „escrever com luz‟, foi utilizada por John Hershel em
1840, para padronizar os vários nomes até então existentes como daguerreotipia,
calotipia e heliografia” (OLIVEIRA e VICENTI, 2009, p.14).
Na França, as pesquisas de Niépce – morto em 1833 – tiveram
prosseguimento pelas mãos do artista plástico Louis-Jacques-Mandré Daguerre, que já
utilizava a câmara escura em seu teatro adaptado para mostrar cenas pintadas em
movimento, o Diorama. Numa linha de pesquisa voltada para a obtenção de imagens
nítidas e ricas em detalhes sobrepostas em superfícies lisas de placas de metal,
Daguerre produzia positivos diretos utilizando recursos óticos e reduzindo o tempo de
exposição necessário para a fixação da imagem. Seu método, batizado com o nome de
daguerreotipia, foi divulgado em agosto de 1939 perante as Academias das Ciências e
de Belas Artes, oficializando o que fora noticiado desde janeiro do mesmo ano, ou seja,
proclamando que o daguerreótipo permitia a captura das imagens vistas na câmara
(OLIVEIRA e VICENTI, 2009).
Na época em que o governo francês adquiriu e tornou pública a invenção de
Daguerre, o primitivo aparelho fotográfico juntamente com seus acessórios pesava
cerca de 50 quilos e tinha o custo equivalente a oito meses do salário de um operário.
Em 1841, se esse mesmo operário francês quisesse obter um retrato, teria de
despender uma semana de seu salário.
17
Enquanto o desenho fotogênico de Talbot poderia ser usado para produzir várias
cópias positivas em papel, sem a inversão lateral, o daguerreótipo era um objeto único
irreprodutível, isto é, sem negativo, consistindo numa imagem em uma placa de metal.
Sua vantagem em relação ao calótipo (evolução do desenho fotogênico) era a riqueza
de detalhes aliada ao tamanho maior da imagem fixada no metal.
Os retratos foram monopolizados pelo daguerreótipo até início dos anos 1850,
em que pese a exigência de um longo tempo de exposição – até trinta minutos –, a
ponto de se criar uma trave para sustentação da cabeça e dos braços da pessoa
retratada. O predomínio do daguerreótipo deve-se à multiplicidade de objetos por ele
captáveis, indo do nu ao panorâmico, sem falar da extrema nitidez de suas imagens.
Destinava-se, contudo, ao consumo das classes abastadas dado o elevado preço de
seu material e dos processos químicos implicados em sua produção. Tal característica,
embora em menor escala, aplica-se ao calótipo o qual, considerado não muito
adequado ao retrato, foi inicialmente canalizado para fotografar paisagens e naturezas
mortas, sendo utilizado também na arquitetura.
Foi a técnica do colódio úmido que abriu espaço para a produção de fotografias
direcionadas às camadas sociais menos afortunadas. Trata-se de um método de
criação de negativos mediante a utilização de placas de vidro banhadas em sais de
prata e colódio. Finalizava-se com a impressão em papel albuminado lustroso. O
colódio, com a redução do tempo de exposição e a minoração dos custos para os
retratos, é utilizado por mais de trinta anos até a criação das películas (filmes) à base
de celuloide e nitrato de celulose. O ano de 1880 é tido como o marco temporal do
desaparecimento do colódio; a partir de então, são comercializadas máquinas
fotográficas portáteis (detective cameras).
A popularização da fotografia só se deu após a invenção do filme fotográfico,
criado em 1888 pelo fundador da Kodak, George Eastman. Foi a partir da câmera de
filme que o ato de fotografar e principalmente o processo de revelação de fotografias foi
simplificado, tornando-se mais prático, rápido e menos custoso. Segundo o teórico
francês André Rouillé:
18
Embora as primeiras experimentações datem de 1870, é preciso esperar até 1890 para que o gelatino de brometo [de prata] se torne prática corrente, e realize-se o sonho da instantaneidade que martelou os intelectos durante meio século (ROUILLÉ, 2009, p.89).
Antes disso, aquele que quisesse eternizar sua imagem precisaria gastar uma
quantia considerável de dinheiro, e quem optasse pela profissão de fotógrafo, por sua
vez, haveria de ter conhecimento de química, física e manusear um grande, caro e
trabalhoso equipamento. O processo de fotografar desenvolvido por Eastman foi de tal
importância que perdurou por quase um século sem aperfeiçoamento, sendo
ultrapassado pela tecnologia digital cerca de 77 anos mais tarde.
Remonta igualmente a 1888 a criação da máquina Kodak n° 1, tornada célebre
inclusive pela divulgação da marca de um império que se estendeu por todo o século
XX. “Aperte o botão, nós fazemos o resto” era o famoso bordão da câmera Kodak, que
tornou a fotografia ainda mais acessível aos amadores.
Já a primeira câmera fotográfica idealizada para ser comercializada entre as
massas foi a Kodak Brownie – lançada em 1900 –, que consistia em um caixa de
papelão de um dólar e que fazia oito fotografias por filme. Em uma publicação de 2010
da revista Photography Monthly, ela foi considerada a câmera fotográfica mais
importante de todos os tempos, ocupando o primeiro lugar na lista das 50 melhores
câmeras. A Brownie é tida como a grande propulsora da popularização da fotografia.
19
Figura 2 – Câmera Kodak Brownie número 2
Fonte: Håkan Svensson2
O flash de lâmpada surge em 1929 e, um ano à frente, as alemãs Leica e
Ermanox – trazidas ao púbico em 1923 e em 1924 respectivamente – aparecem com
objetivas intercambiais e filme 35 mm de 36 exposições, contribuindo bastante para o
desencadeamento do fotojornalismo moderno.
Foi durante o século XX que a fotografia caiu no gosto da sociedade e
conquistou espaço na mídia impressa, no formato de propagandas, passando a fazer
parte, pouco a pouco, do cotidiano das pessoas, com destaque para os álbuns de
família e recordações de viagens.
Em 1943, a fotografia instantânea foi concebida por Edwin Land, possibilitando a
revelação de imagens logo depois que elas haviam sido fotografadas, dispensando a
necessidade de enviar os filmes para laboratórios de revelação. A câmera Polaroid
começou a ser vendida em 1948 por US$ 89,95 e até hoje é comercializada.3 O
logotipo do Instagram, inclusive, faz referência à Polaroid, evidenciando a ideia de que
2 https://pt.wikipedia.org/wiki/Brownie_(c%C3%A2mera)#/media/File:Brownie2_overview.jpg, acessado
em 17 de maio de 2015. 3 http://www.polaroid.com/about-us, acessado em 7 de novembro, de 2015.
20
as fotos devem ser compartilhadas no aplicativo assim que tiradas. O próprio Instagram
oferece filtros e bordas que fazem alusão à máquina inventada por Land há mais de
seis décadas.
1.2 A era digital: acessibilidade e mobilidade
A tecnologia digital emitiu suas primeiras imagens no ano de 1965, passando a
ser comercializada em 1981 e ganhando notoriedade no século XXI. Embora tenha
surgido precariamente em meio a equipamentos de alto preço e baixa qualidade, se
comparada às câmeras analógicas, a fotografia digital e a evolução dos equipamentos
apontam para a gradual extinção da fotografia analógica.
Se tivéssemos que escolher um responsável pelo desenvolvimento da
tecnologia fotográfica digital, este seria o programa espacial norte-americano, que
surgiu no mesmo período da Guerra Fria. Foi graças a ele que foram feitas as primeiras
imagens capturadas sem filme, tiradas pela sonda Mariner 4, em 1965, revelando 22
imagens em preto e branco da superfície de Marte. Cada uma das imagens tinha, na
época, 0,04 megapixels (ou 400 pixels) e elas só chegaram à Terra quatro dias depois
de serem feitas. Por utilizarem os princípios analógicos de captura do sistema
televisivo, as referidas imagens ainda não eram tecnicamente digitais.4
Apenas um ano antes, estava sendo desenvolvido, nos laboratórios da RCA
(Radio Corporation of America), o primeiro circuito CMOS (Complementary Metal Oxide
Semiconductor) que é tido como o antecessor do CCD (Charged Coupled Device),
equipamento embutido nas câmeras digitais dos dias de hoje, substituto do filme
químico (negativo). O CMOS é largamente a tecnologia mais utilizada na fabricação de
circuitos internos; ele armazena informações como hora, data e parâmetros de
configuração de sistemas e tem a vantagem de consumir pouquíssima energia, sendo
usado em aparelhos portáteis e computadores, como também em relógios digitais,
calculadoras e demais dispositivos alimentados por pequenas baterias.
4 http://tecnologia.uol.com.br/produtos/ultnot/2006/12/08/ult2880u269.jhtm, acessado em 19 de outubro
de 2015.
21
Depois de ser desenvolvido pela Bell Labs em 1969, o CCD teve sua primeira
versão comercial fabricada quatro anos mais tarde pela Fairchild Imaging, em 1973,
sob o nome de 201ADC, sendo capaz de capturar imagens com resolução de 0,01
megapixels (100 pixels).
Foi com base no CCD da Fairchild Imaging que a Kodak apresentou o primeiro
protótipo de câmera sem filme no ano de 1975. O aparelho, que pesava cerca de
quatro quilos, gravava as imagens em uma fita cassete. A própria Fairchild lançou, no
ano posterior, a MV-101, que viria ser a primeira câmera sem filme para uso comercial
da história.5
A Fairchild All-Sky Camera, primeira câmera totalmente digital, surgiu no
Canadá como resultado de um experimento realizado pela Universidade de Calgary.
Ela foi baseada no CCD 201ADC da Fairchild e foi categorizada como digital por ter
sido a pioneira a usar um microcomputador (Zilog Mcz1/25) para processar imagens.
No entanto, o mercado só recebeu a primeira câmera digital para comércio em 1981,
quando a Sony lançou o modelo Mavica (Magnetic Video Camera), que tinha
capacidade para armazenar até 50 fotos de 0,3 megapixels (300.000 pixels) cada em
Mavipaks ou disquetes de duas polegadas, e custava algo por volta de doze mil
dólares. Basicamente, ela era uma câmera de TV que congelava imagens.6
Mas foi só na década de 1990 que a fotografia digital foi se popularizando de
fato e que as empresas começaram a disputar avanços tecnológicos. E apenas no
começo do século XXI ela passou a ser comercializada entre as massas. Hoje,
celulares, tablets, computadores e outros gadgets quase que obrigatoriamente vêm
acompanhados de uma câmera digital e é a essa tendência que podemos atribuir a
democratização da fotografia a uma maior parcela da população, que em outro
momento era alheia a esse “ritual”. Essa acessibilidade pode ser compreendida a partir
da seguinte afirmação:
5 http://stoa.usp.br/escolafocus/weblog/category/escola+focus/skip=20, acessado em 19 de outubro de
2015. 6 http://tecnologia.uol.com.br/guia-produtos/todos/2007/08/29/ult2880u406.jhtm, acessado em 27 de
novembro de 2015.
22
Em época recente, a fotografia tornou-se um passatempo quase tão difundido quanto o sexo e a dança – o que significa que, como toda forma de arte de massa, a fotografia não é praticada pela maioria das pessoas como uma arte. É sobretudo um rito social, uma proteção contra a ansiedade e um instrumento de poder (SONTAG, 2004, p.18).
As inovações relativas aos aparelhos móveis merecem destaque enquanto
aspecto da evolução tecnológica no que diz respeito à fotografia. Tais inovações
devem-se em grande parte à competição entre as multinacionais por novos
consumidores. Hoje, celulares caminham para alcançar a qualidade das fotos das
câmeras digitais compactas. Há celulares que tiram foto debaixo d‟água e que
possuem câmera frontal, mecanismo que possibilita a realização de selfies com mais
facilidade, sendo atualmente tão obrigatória quanto o flash. Chegamos então não ao
fim da evolução da fotografia digital, mas ao maior combustível de selfies da
atualidade: a câmera frontal.
Outro equipamento fotográfico responsável por desencadear novas modalidades
de foto é a GoPro, câmera pensada para o público aventureiro e esportista. A ideia de
criar uma câmera que capturasse ângulos profissionais para fotos tiradas pelos
próprios praticantes de esportes radicais veio de Nicholas Woodman, que criou a
marca em 2002. De acordo com Woodman, o objetivo da empresa atualmente é
equipar o maior número possível de consumidores com GoPros, “para que eles
possam documentar suas vidas e compartilhar online”7. Dentre os inúmeros
equipamentos comercializados pela empresa, estão os chamados selfie stick, ou
bastões para seflies, popularmente conhecidos como “pau de selfie”.
Podemos perceber o poder de sedução que a fotografia exerce sobre as
pessoas se tomarmos como exemplo o turismo. É a câmera que torna real os prazeres
de uma viagem; é ela que documenta “as sequências de consumo realizadas longe dos
olhos da família, dos amigos, dos vizinhos” (SONTAG, 2014, p. 20).
O exemplo do fascínio que envolve a fotografia está no papel desempenhado
pelo álbum de família, que nada mais é do que “uma crônica visual” que cada família
constrói de si mesma (SONTAG, 2004, p.19). Com a substituição da fotografia
7 https://gopro.com/about-us, acessado em 17 de maio de 2015.
23
analógica pela fotografia digital, o álbum de família converteu-se em álbuns de redes
sociais. Apesar da mudança de formato, ambos compartilham a função de recordação.
É inevitável a comparação entre o fotógrafo profissional do século XIX, que era
um misto de pesquisador, artista, manipulador de produtos químicos e empresário da
maquinaria pesada necessária à produção das primeiras fotografias, e a grande massa
populacional do mundo inteiro que, em virtude de possuir telefones móveis, é composta
por fotógrafos em potencial, mesmo que se abstraia a distinção – ainda válida – entre o
fotógrafo amador e o profissional.
A evolução dos aparatos tecnológicos propiciou inúmeras mudanças nas
práticas fotográficas. Vemos que nos primórdios da fotografia a concretização de
imagens fotográficas dependia do trabalho de verdadeiros “alquimistas”, egressos, em
sua maioria, da categoria dos pintores e miniaturistas, enquanto nos dias atuais
qualquer pessoa que leve consigo um aparelho celular pode fotografar paisagens,
objetos e pessoas indistintamente.
Houve uma grande evolução das poses à fotografia em movimento, dos
autorretratos regulares às selfies, da foto de família às paisagens. Filtros, angulações,
cortes e coloração agora são realizados em pouquíssimo tempo e por qualquer pessoa,
uma vez concluído o longo percurso que levou à mais absoluta democratização da
fotografia. Há atualmente incontáveis possibilidades de se fotografar graças à
constante melhoria dos processos fotográficos.
24
CAPÍTULO II
FOTOGRAFIA, ENCENAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE SI
As modalidades de representação do indivíduo estabelecidas pelo século XIX permeiam ainda hoje a concepção de retrato.
Annatereza Fabris
2.1 O retrato fotográfico: a construção de uma imagem de si
O retrato fotográfico foi realizado no início pelos fotógrafos que vinham do meio
artístico ou que ao menos frequentavam os ateliês, compartilhando sua formação com
os artistas. Esses fotógrafos dos primórdios, herdeiros da tradição pictórica, primavam
pela forma e pela qualidade das imagens na tentativa de aproximar a recente técnica
(mecânica) da sacralizada habilidade manual dos artistas. Um processo inverso
também foi experimentado: artistas fizeram esboços fotográficos a título de preparação
e auxílio à sua pintura; por outro lado, alguns fotógrafos especializaram-se em produzir
fotos que servissem como material de estudo ou modelo para os pintores (HACKING,
2012, p. 82).
Nas primeiras décadas que se seguiram à invenção da fotografia, predominou a
produção de retratos em atendimento às demandas da burguesia ascendente ansiosa
por fixar seus traços identitários com vistas à posteridade. Nesse período, o
daguerreótipo permitia apenas um original da fotografia, pois o negativo-positivo não se
aplicava às placas de metal. Tal singularidade do daguerreótipo era um dos fatores da
sacralidade da imagem fotográfica. Além disso, o longo período de exposição exigido
pela técnica inaugural acarretava o efeito de zonas luminosas compondo-se
harmoniosamente com áreas sombreadas no rosto fotografado (FABRIS, 2004, pp. 21
e 22).
25
Desde que um grande número de fotógrafos se voltou para o retrato como
prática fotográfica, pouco demorou até o aparecimento de elementos decorativos,
agregando à composição das imagens aspectos dos retratos renascentistas. Nestes
moldes, a ideia de retrato passa a englobar não apenas a fisionomia do modelo mas
também elementos de seu cotidiano. Surgem então as representações de interiores e
fundos animados por imagens de exteriores naturais.
É possível identificar homologias entre os métodos empregados por Nadar, no
trato com seus modelos, e a encenação para a pose fotográfica que remanesce nos
dias atuais. Nadar, nome com que ficou conhecido o fotógrafo Gaspard-Félix
Tournachon, notabilizou-se por sua aptidão em transpor para os retratos fotográficos o
que chamou de entendimento moral do sujeito, isto é, a revelação do que há de melhor
em seu caráter, com base em suas ideias e atavismos, incluindo os relativos à
profissão. Em suas memórias, Nadar registrou um imenso desejo de idealização
evidenciado, sem nenhum recato, por sua clientela (FABRIS, 2004, p. 24).
Autodenominado fotógrafo-artista, Nadar deixa seu trabalho de jornalista e
caricaturista para se dedicar à fotografia a partir de 1853, obtendo êxito comercial e
artístico, o que se deve a sua capacidade de estabelecer empatia e de extrair dos
modelos a pose e o olhar que levariam à posteridade uma imagem ideal imobilizada no
retrato. Pela mesma razão, tornou-se o retratista preferido da intelectualidade de sua
época, produzindo imagens ao mesmo tempo fidedignas e expressivas dos traços de
caráter mais nobres de cada um de seus modelos, traços esses que para ele
concentravam-se no rosto. Lançava mão do recurso da pose, que era composta com a
participação espontânea dos clientes, assim obtendo imagens que caíam no gosto
destes, sem a necessidade de retoques, salvo para pequenos ajustes de ordem técnica
(FABRIS, 2004, p. 25).
Ao perseguir uma imagem que expresse tanto a singularidade do caráter quanto
a extração social de seus clientes, Nadar bebeu na fonte do realismo fotográfico, mas
ainda assim atendeu ao propósito de entregar ao modelo a imagem idealizada que este
tinha de si e que desejava expor ao deslumbramento alheio.
Fabris trabalha com as categorias de retrato como história e retrato como
romance as quais Baudelaire propôs para o retrato pictórico daqueles pintores que
26
detinham a primazia da tarefa de retratar os membros da aristocracia e da alta
burguesia, anteriormente à descoberta do processo fotográfico. A autora sustenta que
a atmosfera aurática apontada por Benjamin nos retratos de pioneiros como Hill, Julia
Cameron e Nadar é indício de que ele os inscreveu na categoria do retrato como
romance, “cuja característica principal é o uso dramático do contraste entre claro e
escuro, que permitia conferir profundidade à fisionomia do modelo.” Já o retrato como
história encontra-se representado por Disdéri e sua “fórmula tipológica, na qual irá se
espelhar a burguesia ascendente em busca de seu atestado de existência” (FABRIS,
2004, pp.15, 16 e 20).
Em 1854, André-Adolphe-Eugène Disdéri patenteia a carte de visite, técnica que
condensava até oito retratos distintos em uma só placa, cada um no tamanho
aproximado de 6x10 cm, nas mesmas dimensões de um cartão-de-visita, viabilizando o
hábito de colecionar e trocar fotografias (HACKING, 2012, p. 101). Nota-se aí o
princípio embrionário da circulação de fotografias nas redes sociais.
A partir de 1857, iniciou-se a produção do retrato fotográfico em escala
industrial, pois o cartão-de-visita, com menor custo de produção, expandiu-se além da
alta burguesia, tornando-se objeto de consumo de outras classes sociais. Do ponto de
vista dos estúdios fotográficos, o sucesso financeiro obtido foi sem precedentes, mas
tais estúdios rapidamente padronizaram, por meio de manuais, a pose para a fotografia
de corpo inteiro e outros artifícios teatrais.
André Rouillé professa uma imbricação entre a fotografia-documento e o
racionalismo da sociedade industrial, traçando o seguinte panorama da convergência
entre o retrato fotográfico no formato cartão-de-visita e os valores modernistas de tal
sociedade.
27
Será preciso esperar o início dos anos 1860 para que se estabeleça o que chamamos hoje em dia o “padrão” da carte de visite: não se trata de uma verdadeira invenção, mas da adaptação às leis de mercado de uma prática já existente, o retrato fotográfico. Durante uns dez anos, a carte de visite fará um enorme sucesso, e vai tornar-se uma verdadeira mania entre as classes burguesas, do alto dignitário ao pequeno empregado (...). Muito barata, de pequeno formato, e impressa em vários exemplares – ela era entregue às dúzias ou às centenas -, a carte de visite fotográfica difundiu enormemente os retratos de personalidades (mais ou menos) célebres nas áreas política, militar, econômica, industrial, financeira, religiosa, musical, literária, etc. (ROUILLÉ, 2009, p. 53).
Rouillé prossegue dizendo que “Disdéri elabora assim um procedimento técnico
e, em segundo plano, um esquema estético, a fim de adaptar os retratos às condições
sociais e econômicas vigentes” (ROUILLÉ, 2009, p. 54). Compondo a estética do
cartão-de-visita e do retrato oitocentista de modo geral, destacam-se a pose, o
vestuário e o desprestígio da frontalidade, contributos da construção da identidade da
burguesia.
Sem perder de vista a herança conceitual que atravessa o século XX e chega
aos nossos dias marcando o retrato fotográfico como um poderoso artifício de
construção de personagens e de representação de arquétipos sociais, é preciso atentar
para a recodificação proposta por André Rouillé para as imagens fotográficas
elaboradas na atual sociedade da informação, em que as linhas de força do culto ao
referente rompem-se em prol da autonomia das imagens frente ao mundo real.
Especificamente quanto ao retrato, ele corrobora seu pensamento nos seguintes
termos: “O retrato não é a representação, cópia ou simulacro, de um rosto-coisa-
modelo supostamente preexistente à imagem, mas a atualização fotográfica de um
rosto-acontecimento em perpétua evolução” (ROUILLÉ, 2009, pp. 72 e 73).
Em suma, da invisibilidade da imagem – onipresença do referente – à sua total
autonomia – aptidão para criar novas realidades –, o retrato manteve sua ancoragem
na encenação, adaptando-se a todos os veículos pelos quais expressa e
continuamente constrói e desconstrói identidades, desde o álbum de família ao
vertiginoso repositório das fotografias digitais.
28
Foi graças à fotografia instantânea, datada de 1888, que os fotógrafos da época
ficaram livres para transgredir as normas da pose estática e inventar novos estilos, sem
a preocupação em enquadrar o corpo todo do referente.
A dura lei do instantâneo, o reino do efêmero, que obriga a ver e a agir rápido, vem acompanhada de uma nova figura: o corte intempestivo. Ao contrário da fotografia posada, onde (como em pintura, aliás) os cortes eram sempre convencionais, reportando-se a um conjunto bem estabelecido de regras estéticas, os cortes da fotografia instantânea são muitas vezes incontroláveis e frequentemente mutilantes indiferentes a fisionomias, corpos e coisas (ROUILLÉ, 2009, p. 91).
Imagens com pessoas sem pernas, braços ou cabeças eram desconhecidas até
o ano de 1890. Os burgueses que frequentavam estúdios cederam seus postos para os
capitalistas da “classe de lazer”, que nada mais representam que o produto da
ascensão do capital financeiro.
Os instantâneos dos ricos amadores do ano de 1890 não apresentam mais personagens centralizados, isolados e imóveis, porém cenas e indivíduos em ação, muitas vezes flagrados de surpresa ou sem que percebam (...). Ao contrário dos retratos de estúdios, os clichês são feitos no decorrer de atividades lúdicas e mundanas em grandes mansões burguesas, nas pistas de corrida, por ocasião de manifestações esportivas, ou no cenário de luxuosas estações balneárias (ROUILLÉ, 2009, p. 92).
Embora o instantâneo tenha mitigado a importância da pose, não perdeu de
vista o horizonte da construção identitária dos representantes da elite, que gravitavam
em torno do lazer, do esporte e da moda. Trata-se de uma identidade de ostentação,
montada através da fotografia, objetivando a elaboração de uma memória pessoal
calcada no parecer. “O instantâneo, aliás, tem necessidade de tais indivíduos para os
quais o parecer e o ser se confundem; indivíduos em perpétua representação que,
estando sempre expostos, não precisam nem mesmo posar.” (ROUILLÉ, 2009, pp. 92
e 93).
Essa característica ostentatória, que já fora diagnosticada nas poses elaboradas
e valorizadas pelos fotógrafos do século XIX, é vista até hoje em fotos publicadas nas
redes sociais. Neste último caso, o diferencial reside no fato de que tais redes
29
albergam uma multidão de pessoas que, apesar da banalidade de seus cotidianos,
partilham o anseio de elaborar uma memória visual particular, mesmo que não haja
correspondência com a realidade.
De acordo com Barthes “toda fotografia é um certificado de presença”
(BARTHES, 2011, p. 129), e por trás dessa presença há algo ou alguém, de modo que
toda fotografia conta uma história, mas ela pode nem sempre ser fiel à realidade, visto
que a imagem figurada na fotografia depende tanto do ponto de vista do espectador
como do enquadramento dado pelo fotógrafo. Este por sua vez pode escolher um
ângulo que favoreça ou não o referente e ainda modificar a iluminação, fazer retoques
após a revelação etc. Além disso, tratando-se de um modelo dono de gostos e
vontades, muitas vezes ele próprio altera a “realidade” da fotografia e,
consequentemente, a recordação repassada pela referida imagem – ao sorrir, ajeitar o
cabelo, posar e afins. Essa alteração é decorrente do anseio que cada um tem de se
apresentar ao mundo e ser visto pelo olhar dos outros.
No dizer de Fabris, “todo retrato é, ao mesmo tempo, um ato social e um ato de
sociabilidade” (FABRIS, 2004, p. 155); tal sociabilidade expressa-se na vontade que a
pessoa fotografada tem de repassar uma imagem idealizada se si – ao mesmo tempo
em que ela quer impressionar, ela também está construindo uma nova identidade – ,
tornando a fotografia assim produzida um autêntico produto da sociedade do
espetáculo. Para Guy Debord (1997, p. 16), o espetáculo é uma simples aparência:
O conceito de espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes. As suas diversidades e contrastes são as aparências organizadas socialmente, que devem, elas próprias, serem reconhecidas na sua verdade geral. Considerado segundo os seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana, socialmente falando, como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do espetáculo descobre-o como a negação visível da vida; uma negação da vida que se tornou visível.
O espetáculo é produzido com a finalidade de criar memórias ideias sobre o
passado. E isso pode ser visto em inúmeras fotografias publicadas nas redes sociais,
conforme as considerações dos capítulos subsequentes.
30
2.2 Fotografia e memória
Parece que estamos vivendo cada vez mais sem história. O passado, como presente, é fraturado por divisão e indiferença. O mundo tardo-moderno se reinventa à noite pelo drama de costume e pela falsa memória. (...) Contudo, somos o que lembramos, como nações e como indivíduos; e a memória é o lugar, agora, de lutas por identidade e pela posse de um passado.
Roger Silverstone
Do período histórico que engloba o século XVII até os dias atuais, a imagem
manifesta a capacidade de encarnar a realidade, ao mesmo tempo em que impressiona
o espectador por seu poder de fortalecer as estruturas das relações sociais
(DAVALLON, 1999, p. 27). Assim, o estudo da fotografia no contexto das produções
culturais coloca-a na condição de importante produtora de memória.
Mas o que seria a produção de memória e de onde ela surge? A esse respeito,
Jean Davallon afirma em um texto publicado no livro Papel da Memória que:
Uma primeira constatação se impõe imediatamente: para que haja memória, é preciso que o acontecimento ou o saber registrado saia da indiferença, que ele deixe o domínio da insignificância. É preciso que ele conserve uma força a fim de poder posteriormente fazer impressão. Porque é essa possibilidade de fazer impressão que o termo “lembrança” evoca na linguagem corrente. (DAVALLON, 1999, p. 25).
Memória nada mais é que o elo responsável por nos localizar no tempo e
espaço, seja ela oriunda do âmbito privado ou público. “Com o declínio da cultura oral”
(SILVERSTONE, 2005, pp. 231 e 234) houve o deslocamento da memória social das
cabeças pensantes para as mídias como consequência do surgimento da imprensa e
de uma recente evolução tecnológica, levando-se em consideração sobretudo a
melhoria dos meios de registro de imagens e sons (DAVALLON, 1999, p. 23).
Ainda segundo Davallon, “a imagem é antes de tudo um dispositivo que
pertence a uma estratégia de comunicação” (1999, p. 30), seja para representar
passagens e personagens históricos - reforçando, então, as relações sociais -, seja
31
para compor peças publicitarias. Diferentemente do que acontece com retratos de
figuras que entraram para a história, que são logo associados a algum período
memorável, a publicidade utiliza a imagem para conduzir o leitor a acreditar em uma
ideia, procedimento semelhante ao que ocorre nas redes sociais. As imagens
compartilhadas online não entraram para a história, elas lá estão como representação
de uma memória escolhida, de modo que as redes sociais podem ser comparadas a
um grande catálogo publicitário que cada um faz de si próprio.
Para se tornar uma lembrança, segundo Davallon (apud Halbwachs), a
“reconstrução de um acontecimento passado (...) necessita da existência de pontos de
vista compartilhados pelos membros da comunidade e de noções que lhes são
comuns”. Quando compartilhamos com nossos amigos uma foto em uma rede social,
estamos dividindo uma lembrança privada que optamos por dividir com outras pessoas.
Ainda que ela não seja interpretada pelo receptor como uma recordação importante,
aquela memória estará salva na internet para ser visualizada a qualquer hora.
Para Roger Silverstone, “memória é energia que tanto cria como destrói a
individualidade, o self” (2005, p. 232), ela é tida como um recurso para a história e para
a psicanálise, ambas ciências do passado que não podem oferecer certezas. Tanto a
psicanálise trava uma batalha com a história por considerá-la um conto literal e
singular, como a historia acusa a psicanálise pela síndrome da falta de memória (2005,
p. 232). Isso pode ser explicado pela pluralidade da memória e da realidade, tendo em
vista que a memória:
É onde os fios privados do passado se entrelaçam no tecido público, oferecendo uma visão alternativa às versões oficiais da academia e do arquivo. Essas memórias inauguram outros textos, não menos históricos do que os primeiros, mas não obstante outros. Eles emergem do popular e do pessoal e são o produto de nossos próprios tempos. Na fluidez de fluidez de tais memórias, o passado surge como uma realidade complexa, e não singular; e como outros já disseram, a pluralidade da memória, é, ela mesma, prova da pluralidade da realidade, e não, em algum sentido, um engano (SIVERSTONE, 2005, p. 233).
Enquanto gênero literário, a memória não se ajusta à acepção restrita do termo,
pois a atualização a cargo do memorialista comporta sempre uma dose de ficção. No
32
que tange às narrativas dos historiadores, embora a construção ficcional seja rejeitada,
é certo que o ponto de vista dos vencedores tende a prevalecer. Nas duas hipóteses, a
despeito das criações e das parcialidades, o registro efetivado tanto pelo memorialista
quanto pelo historiador sempre poderá ser revisitado com o propósito de reapropriação
de dados e fatos do passado. Ocorre que mais do que simples retorno ao passado, a
memória é indissociável dos processos do cotidiano (presente) e das projeções do
futuro.
O professor Márcio Seligmann-Silva, do Instituto de Estudos da Linguagem da
Unicamp, em uma entrevista concedida ao Jornal da Unicamp em abril de 2008, disse
que “a teoria da memória perpassa na verdade todos os debates relacionados às
ciências humanas”. Indagado a respeito de como isso se dava, ele sinteticamente
formulou o seguinte conceito de memória:
A memória tem a ver com o presente, embora sempre seja vista como coisa do passado. Ela é uma construção do presente, está sempre voltada para questões atuais. Se você silencia os discursos da memória, você está na verdade silenciando potenciais agentes de poder. O teatro da memória é eminentemente político.8
Assim como “as memórias clássicas, renascentista e romântica dependiam de
imagens” (SILVERSTONE, 2005, p. 235) como forma de representação de seu
conteúdo e estrutura a fim de serem lembradas nos anos posteriores, as pessoas hoje
fazem uso de fotos para registrar momentos e ao mesmo tempo marcar presença em
meio a tantos outros acontecimentos.
Raphael Samuel, citado por Silverstone, esclarece que a memória não se
restringe a um sistema de armazenamento de imagens, ela é “uma força ativa,
formadora; que é dinâmica – o que ela consegue sintomaticamente esquecer é tão
importante quando o que ela lembra – e que tem uma relação dialética com o
pensamento histórico”. Ainda de acordo com Samuel, Aristóteles chamou o “ato
consciente de recordação” de anamnese, que pode ser resumido no trabalho intelectual
empreendido pelo historiador.
8 www..unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalIPDF/ju391pag05.pdf, acessado em 24 de outubro de
2015.
33
Se trouxermos o conceito de seleção consciente engendrado por Aristóteles
para o século XXI, constataremos que o que é feito no Instagram e nas demais redes
sociais é um tipo de anamnese pós-moderna, onde os usuários selecionam as
memórias que querem divulgar e que consequentemente ficarão arquivadas como
recordações.
Uma vez que “as lembranças variam no recordar e no contar” (SILVERSTONE,
p. 233), podemos fazer um paralelo entre memórias em um prisma hollywoodiano e
memórias nas redes sociais.
O filme A lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg, que foi produzido a
partir do livro de Tanto Kinneally - que por sua vez foi inspirado nos relatos de Poldek
Pfefferberg, um dos sobreviventes do Holocausto9 – é um exemplo de memórias
particulares que vieram a ser do meio geral graças ao livro e ao filme. Enquanto alguns
sobreviventes atestam a veracidade chocante da destruição do gueto de Cracóvia e
das cenas nas câmaras de gás, cabe a nós aceitar o filme como verdade (embora seja
claro que todas as atrocidades cometidas pelo partido alemão nazista não sejam
mostradas por completo em um filme de 3 horas e 15 minutos). “E o que Hollywood faz
com a verdade é contê-la. Ele arranca seu agulhão. (...) O Holocausto se torna o filme.
O filme se torna o Holocausto” (SILVERSTONE, p. 241). As partes mais impactantes
das memórias pessoais são selecionadas para impressionar o público.
Comparativamente, é isso que ocorre nas redes sociais, onde nos tornamos o que
escolhemos publicar online, seja a memória que queremos guardar, seja a mensagem
que iremos repassar.
As fotos publicadas no Instagram têm, em sua maioria, o propósito de encenar
uma realidade escolhida a dedo; elas representam um momento que merece ser
guardado e, sobretudo, compartilhado com outras pessoas. Portanto as referidas
lembranças podem ser chamadas de mediadas, uma vez que passam por um filtro
antes de serem compartilhadas. Nas palavras de Siverstone: “as linhas entre o público
e o privado, o self e o outro, o presente e o passado, a verdade e a falsidade não são,
por consequência, nem singulares nem claras”.
9 http://www.australianbiography.gov.au/subjects/keneally/bio.html, acessado em 26 de outubro de 2015.
34
Assim como a mídia, o Instagram também é uma ferramenta de articulação da
memória, seja intencionalmente ou não, e esta, por sua vez, é sempre parcial. A visão
que se oferece do passado, sobretudo pela mídia, não é completamente real; ela é
uma visão que inclui, mas que também exclui. O foco de estudar a relação da mídia e
redes sociais com a memória não é querer negar as raízes do evento que despertou
uma recordação, mas sim investigar a capacidade midiática de construir um passado
público ou para o público (SILVERSTONE, 2005, p. 237).
35
CAPÍTULO III
IMAGEM FOTOGRÁFICA NAS REDES SOCIAIS
(...) a sociedade imunda avança como um único Narciso para contemplar a sua imagem trivial sobre o
metal.
Charles Baudelaire, sobre a inauguração de estúdios fotográficos
3.1 Fotografia e Redes Sociais
Encontramo-nos na “era da conexão” (WEINBERGER, 2002), que pode ser vista
como a fase subsequente à era da informação, cuja característica chave, segundo
Castells (apud Lemos), é a completa informatização das sociedades contemporâneas e
a convergência tecnológica. Essa mudança teve início na década de 1980 a partir da
popularização da internet, e recentemente se ratifica com o aprimoramento das
“tecnologias nômades”, dentre elas smartphones, tablets, notebooks e demais redes de
acesso à internet sem fio (LEMOS, 2005). São mudanças de práticas sociais acerca do
modo pelo qual consumimos e produzimos informação. De maneira onipresente, a
cibercultura faz “com que não seja mais o usuário que se desloque até a rede, mas a
rede que passa a envolver os usuários e os objetos numa conexão generalizada”
(LEMOS, 2005).
O desenvolvimento da cibercultura se dá com o surgimento da microinformática nos anos 70, com a convergência tecnológica e o estabelecimento do personal computer (PC). Nos anos 80-90, assistimos a popularização da internet e a transformação do PC em um “computador coletivo”, conectado ao ciberespaço, a substituição do PC pelo CC. Aqui, a rede é o computador e o computador uma máquina de conexão. [...] Estamos na era da conexão. Ela não é apenas a era da expansão dos contatos sobre forma de relação telemática. Isso caracterizou a primeira fase da internet, a dos “computadores coletivos” (CC). Agora temos os “computadores coletivos móveis (CCm)” (LEMOS, 2005).10
10
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/r1465-1.pdf, acessado em 22 de novembro de 2015.
36
Até agora, um dos passos mais significativos na evolução da internet foi dado
pelo inglês Tim Berners-Lee, que em 1989 propôs o primeiro modelo da Web, hoje
conhecido como Word Wild Web (www)11. O formato de internet que nos acostumamos
a usar foi sendo aperfeiçoado no início dos anos 2000, quando surgiu a Web 2.0.12 Nas
palavras de Romaní e Kulinski (Apud Avrella), “nessa nova web, a rede digital deixa de
ser uma simples vitrine de conteúdos multimídia e se converte em uma plataforma
aberta, construída sobre uma arquitetura baseada na participação dos usuários”.
Os editores da Web estão criando plataformas ao invés de conteúdo. Os usuários estão criando conteúdo [...] No modelo 1.0, um editor (seja um site de notícias ou um site pessoal no GeoCities) colocava o conteúdo num site da Web para que muitos outros lessem, mas a comunicação terminava aí. O modelo 2.0 não apenas permite que “muitos outros” comentem e colaborem com o conteúdo publicado, como também permite que os usuários coloquem, eles mesmos, material original (BRIGGS, 2007, p. 28).
Dentre as mudanças que ocorreram na sociedade após o advento da internet, a
que mais nos interessa é “a possibilidade de expressão e sociabilização através das
ferramentas de comunicação mediada pelo computador (CMC)”. E temos nas redes
sociais ferramentas onde as interações interpessoais podem ser reconhecidas através
de rastros que são deixados na rede de computadores; através deles podemos
perceber padrões de tais conexões sociais (RECUERO, 2009, p. 24).
A sociedade em rede constitui um sistema aberto altamente dinâmico e, nas
palavras de Castells, é “uma estrutura social baseada em redes operadas por
tecnologias de comunicação e informação fundamentadas na microelectrônica e em
redes digitais de computadores que geram, processam e distribuem informação”. A
base de tais informações é o conhecimento que já ficou acumulado entre pontos-
chaves, ou nós, dessas mesmas redes. Assim, a relação entre pessoas no âmbito de
uma rede é possível desde que elas compartilhem códigos de comunicação entre si.
O conceito de rede social se estende além do ciberespaço de acordo com
Raquel Recuero (2007, p. 24):
11
http://webfoundation.org/about/vision/history-of-the-web/, acessado em 24 de novembro de 2015. 12
http://decom.cesnors.ufsm.br/tcc/files/2011/09/TCC-barbara.pdf, acessado em 24 de novembro de 2015.
37
Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais) (Wasserman e Faust, 1994; Degenne e Forse, 1999). Uma rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das conexões estabelecidas entre os diversos atores. A abordagem de rede tem, assim, seu foco na estrutura social, onde não é possível isolar os atores sociais e nem suas conexões (RECUERO, 2009, p. 24).
Boyd & Ellison (apud RECUERO, 2009, p. 102) definem os sites de redes
sociais como “[...] aqueles sistemas que permitem i) a construção de uma persona
através de um perfil ou página pessoal; ii) a interação através de comentários; e iii) a
exposição pública da rede social de cada ator”. Segundo Recuero (2009), as redes
sociais compõem um meio de comunicação intermediado pelo computador,
diferenciado de demais ferramentas por sua característica de exposição pública.
Fotolog, My Space, Orkut e Facebook são exemplos de redes sociais que
surgiram no início dos anos 2000 como plataformas de interação entre os jovens. De lá
para cá, o que começou como sites utilizados majoritariamente por adolescentes
transformou-se em uma febre mundial. Possuir no mínimo uma rede social é quase
obrigatório à maioria das pessoas que têm o hábito de acessar internet.
Além de representar um eficiente, prático e barato meio de comunicação, as
redes sociais desempenham o papel do antigo álbum de fotografias; mais que isso,
elas são a compilação de recordações que se supõe serem merecedoras de exposição
publica. Hoje, inúmeros internautas utilizam-nas como portfólios online, onde expõem
seus trabalhos fotográficos, musicais, literários e de demais categorias. São espaços
nos quais cada um pode publicar ideias, fotografias, músicas, como também
compartilhar pensamentos de outras pessoas e repassar notícias, atualidades e
supérfluos para um público indiferenciado.
No Brasil, quase metade da população acessa a internet regularmente. Desses
internautas, 92% utilizam uma ou mais redes sociais, sendo as mais acessadas,
38
segundo a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Facebook
(83%), Whatsapp (58%), YouTube (17%) e Instagram (12%). 13
É patente que após a popularização dos aparelhos fotográficos digitais e
também das redes sociais, a quantidade de casas fotográficas decaiu
vertiginosamente. São poucos aqueles que ainda se importam em revelar e copiar
fotografias objetivando guardá-las para posterior manuseio. Atualmente tudo tem que
ser publicado de imediato. Se uma mãe tira a foto de um filho e não a compartilha
publicamente no mesmo dia em que o retrato foi feito, em menos de um mês aquele
registro de memória é, na prática, descartável. Apesar de essa foto parar naturalmente
em um Back Up na nuvem ou em um computador, é bastante provável que ela continue
“escondida” lá por muito tempo, por anos até. O que importa são as imagem publicadas
online, seja no Facebook, no Instagram ou em um blog pessoal e afins. As fotos
divulgadas nas redes sociais estão para as que em outra época eram reveladas como
os smartphones estão para as câmeras analógicas; os álbuns virtuais são a
repaginação do álbum de família.
As pessoas estão se empenhando cada vez mais em compartilhar o aqui e o
agora – seja para mostrar o prato que pediram no restaurante y, seja para mostrar
onde passaram as férias de janeiro, ou ainda para publicar a popular selfie – com o
objetivo de interagir com os outros usuários, receber curtidas e ser visto. O importante
é não deixar de registar nada. Tudo, ou quase tudo, é motivo de um post e merece ser
registrado e dividido publicamente.
Uma recente rede social ganhou notoriedade por compartilhar fotos e vídeos que
são apagados assim que vistos ou que têm a opção de ficar visíveis por apenas 24
horas. O Snapchat, um dos aplicativos mais valiosos do momento, é utilizado por 100
milhões de pessoas todos os dias. O que começou apenas como uma rede social de
compartilhamento de vídeos e fotos tornou-se um negócio avaliado em cerca de 16
bilhões de dólares (de acordo com o G114
) em apenas quatro anos. Em contraposição
ao Instagram, que é um mecanismo de construção de memória, o Snapchat não foi
13
http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf, acessado em 24 de outubro de 2015. 14
http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/10/aos-25-anos-fundador-do-snapchat-e-o-bilionario-mais-jovem-do-mundo.html, acessado em 22 de outubro de 2015.
39
idealizado para ser um álbum online, de maneira que seus posts devem ser
consumidos em um curto espaço de tempo.
3.2 Intagram
Nascido em outubro de 2010, o Instagram é um aplicativo gratuito para
smartphones e tablets, que foi desenvolvido pela dupla de engenheiros de software
composta pelo norte-americano Kevin Sytrom e pelo brasileiro Mike Kriger15. Seus
usuários podem tirar fotos e gravar vídeos, aplicar filtros e demais efeitos fotográficos e
compartilhar com sua rede de amigos. Além disso, o aplicativo permite que as imagens
sejam publicadas ainda em sites como Facebook, Twitter, Tumblr e Flickr.
O nome Instagram vem da junção das palavras instant (instantâneo)
e telegram (telegrama)16. A plataforma oferece vários filtros e bordas para deixar as
fotos com um ar retrô, fazendo alusão à antiga Polaroid (ver figuras 3 e 4).
Figura 3 – Câmera Polaroid OneStep
Fonte: Batendo uma chapa17
15
https://instagram.com/about/us/, acessado em 22 de outubro de 2015. 16
http://www.ufjf.br/facom/files/2013/11/Monografia-Filipe-Mello_Vers%C3%A3o-Final-revisto-GB.pdf, acessado em 22 de outubro de 2015.
40
Figura 4 – Logotipo do Instagram
Fonte: TechTudo18
Na realidade o Instagram veio da simplificação do Burbn, um aplicativo que unia
diversas funções, como check-ins (marcação feita através de geolocalização),
compartilhamento de fotos e vídeos e ainda uma contagem de pontos por encontros
com amigos. O aplicativo, no entanto, fez pouco sucesso por ser bastante complicado.
O que seus desenvolvedores notaram foi que o recurso de publicação de imagens foi
largamente utilizado pelos usuários do Burbn. A partir daí eles passaram a trabalhar na
criação de uma rede social focada em fotografia.19
O aplicativo é a maior rede social de compartilhamento de imagens e vídeos da
atualidade e conta com a presença de 400 milhões de usuários.20 Em 2012 ele foi
comprado pelo Facebook por US$ 1 bilhão e hoje é avaliado em US$ 35 bilhões.21
17
https://batendoumachapa.wordpress.com/tag/funcionamento-polaroid/, acessado em 26 de novembro de 2015. 18
http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/12/instagram-anuncia-contas-verificadas-para-celebridades-atletas-e-marcas.html, acessado em 26 de novembro. 19
http://www.theatlantic.com/technology/archive/2014/07/instagram-used-to-be-called-brbn/373815/, acessado em 22 de agosto de 2015. 20
http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2015/09/instagram-supera-400-milhoes-de-usuarios-brasil-impulsiona-downloads.html, acessado em 24 de novembro de 2015. 21
http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/instagram-vale-35-bilhoes-de-dolares-segundo-banco, acessado em 24 de novembro de 2015.
41
Há uma célebre frase de Jacques Beuchard (apud FABRIS, 2004) que retrata
perfeitamente a relação dos usuários do Instagram entre si: “multidão densa de
indivíduos próximos, mas subjetivamente separados”. Perfis de celebridades, de
músicos, de fotógrafos e de usuários comuns estão todos juntos no mesmo espaço,
numa só rede, entretanto, isso não significa que exista alguma interatividade entre eles.
A maioria dos usuários segue um padrão em seus perfis. Há aqueles que
compartilham fotos em que aparecem em meio aos amigos e familiares; há os que
tendem a postar mais selfies; outros só compartilham material profissional; existem
ainda aqueles que misturam tudo e postam um pouco de cada tipo de fotografia.
Percebemos aí “a lógica estrutural da diferenciação”, descrita por Baudrillard (apud
FABRIS, 2004, p. 121) “que produz os indivíduos como „personalizados‟, isto é,
diferentes uns dos outros mas em conformidade com modelos gerais e de acordo com
um código aos quais se conformam, no próprio ato de se singularizarem”.
Como uma rede social, o Instagram apresenta atores e conexões, sendo eles os
usuários, seguidos por suas interações. Desde que seu perfil seja aberto ao público,
qualquer usuário, de qualquer país, poderá ver seu álbum virtual de fotos, curtir,
comentar e copiar suas imagens e, sobretudo, criar uma ideia a respeito de quem você
é a partir de suas memórias selecionadas. Nessa perspectiva, em termos de Instagram,
a realidade por trás das fotografias é, quase sempre, mediatizada pelo desejo que as
pessoas têm de se apresentar perante o público. “A realidade do tempo foi substituída
pela publicidade do tempo”, de acordo Debord (1997, p.13), que afirmou:
A realidade considerada parcialmente reflete em sua própria unidade geral um pseudo mundo à parte, objeto de pura contemplação. A especialização das imagens do mundo acaba numa imagem. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não vivo.
Corroborando essa linha de raciocínio, Sontag (2004, p.196) escreve que:
Consumimos imagens num ritmo sempre mais rápido e, assim como Balzac suspeitava que as câmeras exauriam camadas do corpo, as imagens consomem a realidade. As câmeras são o antídoto e a doença, um meio de apropriar-se da realidade e um meio de torná-la obsoleta.
42
As redes sociais funcionam como combustível para autoestima de seus
usuários, sendo, por vezes, mais importante para o indivíduo o sentimento de aceitação
pela comunidade virtual do que o hábito de usar a internet para se informar sobre
assuntos gerais. Temos no Instagram uma ferramenta de construção de memória, uma
vez que as imagens nele publicadas ficam guardadas para serem apresentadas como
um portfólio publicitário que cada um faz de si. O aplicativo é um exemplo da sociedade
autocentrada, onde, majoritariamente, receber curtidas importa mais que repassar e
absorver conteúdos relevantes.
Partindo da compreensão do Instagram como categoria pós-moderna de
produção e repositório de memória, julgamos necessária uma pesquisa minimamente
empírica. No próximo capítulo selecionamos perfis públicos no Intagram para analisar e
comparar o comportamento e os padrões de três tipos de usuários da rede social em
questão: um perfil de celebridade, um de um anônimo e outro de um fotógrafo
profissional.
43
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DE PERFIS NO INSTAGRAM
4.1 Seleção de perfis
Para demostrar como funciona o universo do Instagram, optou-se por trabalhar
nesta monografia com análise de perfis da rede social. Os usuários foram escolhidos
por diferentes razões para propiciar uma maior diversificação nas amostras. A cantora
Beyoncé foi escolhida como usuária número um por se enquadrar no status de
celebridade. O fotógrafo pessoense Augusto Pessoa foi selecionado como o segundo
usuário pelo fato de seu perfil ter fins exclusivamente profissionais. A sueca Annie,
considerada uma usuária anônima, foi a escolhida como o perfil número três devido à
sua nacionalidade e ao número de seguidores. Os perfis em questão são abertos ao
público.
As amostras apresentadas foram retiradas diretamente dos perfis dos usuários
escolhidos, a partir de print screens realizados em novembro de 2015. O objetivo é
evidenciar as particularidades que distinguem as tipologias de memórias construídas
no Instagram, o que justifica a escolha de três diferentes nacionalidades: Estados
Unidos, Brasil e Suécia.
4.2 Sujeitos
4.2.1 Usuária número um
Beyoncé Giselle Knowles Carter é uma famosa cantora estadunidense de R&B,
conhecida no Intagram por sua grande quantidade de seguidores, assim entendidos
aqueles indivíduos que escolheram ficar a par de todas as publicações da artista,
sendo um total de 51,8 milhões de pessoas ao redor do globo. Apesar do colossal
montante de seguidores, Beyoncé não segue nenhum outro perfil no aplicativo, ou seja,
ela não recebe nenhuma foto em seu feed de imagens (lista de fotos de amigos da
rede social que é atualizada com frequência).
44
O que chama atenção no álbum da cantora é a frequente aparição de fotos em
ambientes privados, tiradas em férias com a família, por exemplo. Na primeira imagem
(figura 5) reconhecemos três características de imediato: ela não segue outros perfis;
até a data do print ela havia compartilhado 1212 arquivos entre vídeos e imagens; ela é
seguida por 51,8 milhões de pessoas de todo o mundo.
Figura 5 – Print scream do perfil da cantora Beyoncé
Fonte: Instagram22
4.2.2 Usuário número dois
O fotógrafo paraibano Augusto Pessoa figura em nossa seleção por ter um perfil
que pode ser visto como um portfólio de seu trabalho. Em sua descrição,
22
https://www.instagram.com/beyonce/, acessado em 20 de novembro de 26 de novembro de 2015.
45
diferentemente do que ocorre com Beyoncé que só mostra seu nome e site, Augusto se
apresenta como “fotógrafo e jornalista”, explica que trabalha com fotojornalismo pelo
mundo há 16 anos e deixa seu contato telefônico. Há também o endereço eletrônico
de seu site pessoal.
O fotógrafo, até a data do print, havia publicado 490 fotos, juntado 1382
seguidores e seguia 1663 perfis de usuários.
Figura 6 – Print scream do perfil do fotógrafo Augusto Pessoa
Fonte: Instagram23
23
https://www.instagram.com/augustopessoa1/, acessado em 26 de novembro de 2015.
46
4.2.3 Usuária número três
Annie, a usuária intitulada de anônima, tem uma média de fotos menor que a
dos usuários anteriores. Suas publicações somam 346 unidades, e seus seguidores e
amigos a quem segue são 270 e 245 respectivamente. Ela escolheu se apresentar na
rede social apenas com um caractere de coração. Nem nome nem site fazem parte de
sua descrição.
Figura 7 – Print scream do perfil de Annie, a usuária número 3
Fonte: Instagram24
24
https://www.instagram.com/annieuttberg/, acessado em 26 de novembro de 2015.
47
4.3 Análise dos perfis
Para este tópico, selecionamos quatro fotos de cada usuário, também através de
prints, para retratar o Instagram como mecanismo de construção de memória. Além da
frequência e dos tipos de postagens, para uma comparação empírica, analisamos que
tipo de memória é repassada por seus álbuns virtuais.
4.3.1 Beyoncé
Dos três perfis selecionados, o da cantora Beyoncé é onde a frequência de
postagens é maior, evidenciando que usuários com mais seguidores tendem a postar
mais para maior “interação”. A aparição de vídeos também se destaca por ser em
maior quantidade que as dos demais perfis, com gravações “caseiras” e com
performances artísticas. Queen B, como é conhecida entre os fãs, costuma publicar
fotos retratando ambientes privados, nos quais “demonstrações públicas de afeto” são
trocadas entre ela e os membros da família. Encontramos várias fotos de viagens em
que aparecem o Marido Jaz Z e a filha Blue Ivy, esta atualmente com 3 anos de idade.
Tendo em vista que as redes sociais são um importante meio de publicidade e
que representam, ao mesmo tempo, um elo entre os artistas e o público, o pensamento
de que uma figura pública aproveite esse tipo de conexão para apresentar aos fãs uma
imagem diferente daquela repassada pela mídia é implícito e fatídico. Através de fotos
pessoais, a cantora Beyoncé ratifica a ideia de que seus fãs podem fazer parte de sua
vida íntima, mesmo que distantes e ainda que só através de curtidas. Escolher publicar
fotos com sua filha de apenas três anos mostra certo desapego ao privado, dando a
entender que sua vida é totalmente aberta aos fãs. Entretanto, impossível não
esclarecer que por trás da maioria das pessoas com vida pública há uma quantidade
enorme de assessores (de impressa, RP e agora os mídias digitais) contratados
justamente para cuidar da publicidade e de detalhes técnicos como redes sociais. A
foto do perfil do Instagram da cantora – uma imagem azul –, inclusive, remete ao
serviço de streaming de músicas e vídeo do rapper Jay Z, o Tidal.25
25
http://rollingstone.uol.com.br/noticia/madonna-kanye-west-e-rihanna-manifestam-apoio-novo-servico-de-streaming-de-jay-z/, acessado em 23 de novembro de 2015.
48
Mesmo que as fotos que retratam Beyoncé e seu marido juntos sejam tiradas
por fotógrafos profissionais em momentos dignos de pose, o fato de ela compartilhar
isso publicamente passa a impressão de que a performer quer dividir um momento
íntimo com os seguidores. Isso indica ainda que ela quer se apresentar publicamente
não apenas como uma artista intangível, mas como uma mulher apaixonada, mãe, filha
e irmã. Além disso, novos seguidores serão atraídos ao se identificarem com o lado
pessoal da artista, que come, bebe, tira férias e se diverte.
Figura 8 – Conjunto de fotos de Beyoncé
Fonte: Instagram
49
4.3.2 Augusto
Menos ativo que Beyoncé, porém mais que Anne, Augusto posta uma
média de sete fotos por semana as quais têm em média 80 curtidas. À primeira vista,
só pelo telefone para contato deixado em sua descrição, o fotojornalista mostra que
está na rede com o intuito de exibir sua produção e atrair propostas de trabalho. Das
quase 500 fotos de seu álbum, Augusto não aparece sequer em uma delas. A única
pista a respeito de seus traços fisionômicos encontra-se na foto do perfil, ainda assim
ele aparece escondido atrás de uma câmera fotográfica.
Todas as imagens publicadas no perfil de Augusto têm caráter artístico;
elas retratam paisagens, pessoas e objetos em meio a tons vibrantes. Pouquíssimas
são as fotos de cunho pessoal. Seu álbum de recordações é na verdade um portfólio
social, onde as pessoas interagem ao comentar e curtir as fotos. Podemos inferir que a
mensagem que ele quer passar através do Instagram é que ele está sempre em
sintonia com a fotografia, quer dizer, com sua profissão, como se fosse impossível de
dissociar o profissional do indivíduo, diferentemente da proposta da conta de Beyoncé,
que além de registros profissionais, oferta uma variedade de fotografias pessoais.
50
Figura 9 – Conjunto de fotos de Augusto
Fonte: Instagram
4.3.3 Annie
A última usuária da lista, Annie, é também aquela que menos atualiza sua conta
no Instagram, com uma média de duas publicações por semana. Suas fotos são
majoritariamente entre amigos, refeições e viagens. Com a aparição de uma selfie aqui
e uma paisagem acolá. Percebemos rapidamente que as recordações de Annie giram
em torno do seu cotidiano, com destaque para os highlights.
Ao contrário de Augusto e de Beyoncé, o assunto que Annie deixa à parte da
visão do público é justamente seu conteúdo de trabalho. Muito sorriso, muita comida e
muitos amigos, esse é um resumo das fotos de Annie e essa é a memória que seu
Instagram transmite a seu respeito, que ela é uma pessoa feliz e que vive para
51
aproveitar a vida com os amigos. E isto é basicamente a ideia que a maioria das
pessoas tem sobre uma rede social: compartilhar os bons momentos sempre.
Figura 10 – Conjunto de fotos de Annie
Fonte: Instagram
52
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fotografia é um ritual que se impregna cada dia mais nos hábitos da
sociedade. No passado recente, para mostrar uma foto feita em um casamento, em
uma viagem ou em um aniversário, era necessário revelar negativos, o que demandava
algum tempo. Com a ascensão da fotografia analógica para a digital e a dos
computadores para dispositivos móveis, a vida privada passou a ser reproduzida em
grande escala em virtude da atual facilidade de envio de imagens pela internet.
Enquanto as fotografias analógicas reproduziam apenas fragmentos de ocasiões
especiais – e eram vistas também em momentos seletos –, as imagens digitais são
espalhadas rápida e massivamente, resultando na espetacularização da vida privada.
Apesar da evolução tecnológica, o papel designado à fotografia desde a época
do daguerreótipo, de eternizar memórias, ilustrar épocas e preservar rostos,
permanece até os dias atuais com a fotografia digital. A grande mudança advinda da
democratização das câmeras fotográficas é que agora a reprodução de imagens
cresceu em proporções alarmantes, tendo em vista o fluxo massivo de fotos que estão
sendo publicadas diariamente nas redes sociais. Se em outra época registrávamos
momentos em negativos fotográficos, hoje compartilhamos na internet imagens digitais
de ocasiões que merecem ser recordadas.
Temos no Instagram, em particular, um novo meio de construção de memória,
tarefa antes deixada – em parte – a cargo dos álbuns de família. As imagens nele
publicadas têm a finalidade de suporte de memória pessoal e de exposição e, ao
mesmo tempo, podem ser comparadas a subjetividades idealizadas.
A utilidade do aplicativo se estende além do posto de instrumento de
socialização comum às redes sociais. Ele atende à demanda nunca saciada do
indivíduo pós-moderno de exposição. O Instagram permite que seus usuários
construam uma identidade, através da publicação de imagens cotidianas de cada um,
com a finalidade de atrair curtidas e ser benquisto pelos amigos virtuais.
Essa nova identidade é montada a partir de idealizações que cada um tem de si.
Na sociedade do espetáculo, o que importa é parecer, e é esse o dilema que muitos
53
enfrentam atualmente em meio à abundancia de possibilidades de “ser” propiciadas
pela fotografia e pelos inúmeros e acessíveis mecanismos de tratamento de imagem.
54
REFERÊNCIAS
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