Universidade de Brasília
Instituto de Artes
Departamento de Artes Cênicas
Natália Cristina Vinhal e Silva
DIÁLOGOS INTERARTÍSTICOS:
as experiências artístico-pedagógicas de mediação teatral no projeto IdAs e
Vindas.
Brasília, 2014.
NATÁLIA CRISTINA VINHAL E SILVA
DIÁLOGOS INTERARTÍSTICOS:
as experiências artístico-pedagógicas de mediação teatral no projeto IdAs e
Vindas.
Trabalho de conclusão do curso de Artes Cênicas,
com habilitação em Licenciatura, do Departamento
de Artes Cênicas do Instituto de Artes da
Universidade de Brasília.
Orientadora: Prof.ª Cecília de Almeida Borges.
Brasília, 2014.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho de conclusão de curso começou a ser feito em Maio de 1986
quando meus pais resolveram construir uma vida juntos. Graças ao esforço, ao
companheirismo e ao trabalho deles, eu tive a oportunidade de estudar Artes Cênicas.
Este trabalho não poderia ser concluído sem o apoio incondicional dos meus queridos
pais, Dácio e Angela, e do meu querido irmão, Matheus, exemplo de dedicação.
Obrigada por serem excelentes exemplos e serem a base de tudo.
À toda minha grande família e aos meus amigos, por sempre me apoiarem e me
incentivarem a continuar nessa trajetória.
À Cecília de Almeida Borges que, muito mais do que uma orientadora, foi uma
grande parceira nestes dois últimos anos. Obrigada por confiar em mim e por
compartilhar diariamente o seu amor pelo teatro e por todas as potencias que ele pode
gerar.
À todos os professores e colegas do Departamento de Artes Cênicas da
Universidade de Brasília por compartilharem comigo a grandeza da nossa área.
Agradeço, em especial, aos colegas do NUTRA – Núcleo de Trabalho do Ator – e do
IdAs e Vindas, por todas as experiências compartilhadas que me ajudaram a trilhar um
caminho mais completo e rico dentro da UnB.
À todos, muito obrigada!
Somos os propositores; somos o molde; a vocês cabe
o sopro, no interior desse molde: o sentido da nossa
existência.
Somos os propositores: nossa proposição
é o diálogo. Sós, não existimos; estamos a vosso
dispor.
Somos os propositores:
enterramos a obra de arte como tal e solicitamos a
vocês para que o pensamento viva pela ação.
Somos os propositores: não lhes propomos nem o
passado nem o futuro, mas o agora.
Lygia Clark, “Nós somos os propositores”, Livro-obra, 1964.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 6
1. MEDIAÇÃO TEATRAL 8
1.1 A ida ao teatro como um espaço potente para o ensino-aprendizado 12
1.2 A Mediação Teatral do IdAs e Vindas e a Abordagem Triangular 13
2. A MEDIAÇÃO TEATRAL NO IDAS E VINDAS 16
2.1 “Á flor da pele” e as diferentes tribos da sociedade 18
2.2 “Dodecaedro” e a proximidade com o público 20
2.3 “Rosa Vermelha” e a pluralidade de interpretações 22
2.4“K- Processo n° 2013” e a mediação dentro do processo de montagem de um espetáculo 24
2.5 “Cabaré de palhaços” e a diversidade teatral 26
2.6 As Vindas e a desmistificação da UnB 28
2.7 Alguns números do IdAs e Vindas 31
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 33
4. REFERÊNCIAS 34
5. ANEXOS
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi desenvolvido a fim de sistematizar e compreender as ações
culturais e pedagógicas, através do processo de mediação teatral, do projeto IdAs e
Vindas: diálogos interartísticos.
O projeto IdAs e Vindas é vinculado ao Instituto de Artes da UnB e engloba os
departamentos de Artes Cênicas, Artes Visuais, Desenho Industrial e Música. O projeto
teve início em 2011 e visa, prioritariamente, estabelecer diálogos, através de produções
artísticas, entre os alunos da rede pública de ensino do DF das comunidades nas quais se
localizam os novos campi da Universidade de Brasília (Gama, Ceilândia e Planaltina) e
o conjunto de docentes e discentes dessas áreas de saberes, do campus Darcy Ribeiro.
Meu ingresso no IdAs e Vindas aconteceu no início de 2012 como bolsista na
área de produção de Artes Cênicas. Durante as reuniões semanais da equipe do projeto,
comecei a ter contato com a mediação teatral e logo me interessei por este tema que
ainda é novo e está em ascensão não só no curso de Artes Cênicas da UnB, mas no meio
artístico-pedagógico como um todo.
Em Junho de 2013, tive a oportunidade de integrar a coordenação geral do IdAs
e Vindas iniciando um estágio de Produção Cultural. Na coordenação da produção, pude
entender toda a parte operacional de um projeto cultural e como todas as partes devem
estar conectadas para o bom andamento das ações. Como o IdAs e Vindas é um projeto
que lida com três grandes frentes (os departamentos do IdA/Darcy Ribeiro; os novos
campi da UnB e as escolas do ensino público do DF), foi uma experiência riquíssima.
Porém, mesmo coordenando a produção do projeto, não me desvinculei da área de
mediação teatral, resultando assim este presente trabalho de conclusão de curso.
Como dito anteriormente, esta monografia visa sistematizar e compreender as
ações culturais do projeto IdAs e Vindas. Para isso, tomarei como ponto inicial da
análise a minha entrada no projeto em 2012, pois foi também nesse ano que começamos
a ter treinamentos e um planejamento maior voltado para a mediação teatral.
Para o embasamento teórico desta pesquisa, teremos como referência principal a
Pedagogia do Espectador, estudada por Flávio Desgranges, e também a Abordagem
Triangular, sistematizada pela arte-educadora Ana Mae Barbosa. Alguns procedimentos
artísticos e pedagógicos adotados pelo IdAs e Vindas serão descritos para melhor
compreensão teórico-prática da mediação teatral. Questionários aplicados para os alunos
da rede pública de ensino nas edições do projeto IdAs e Vindas também serão
analisados, assim como relatos de grupos que se apresentaram e também relatos da
equipe de mediação de Artes Cênicas.
1. MEDIAÇÃO TEATRAL
As primeiras estratégias de mediação cultural surgem, inicialmente, ligadas ás
Artes Visuais. Quando os grandes museus começam a desenvolver práticas com o
intuito de aproximar o público das obras expostas, o aspecto pedagógico da arte começa
a ser mais valorizado. Com a criação dos setores educacionais dos museus – no Brasil,
em grande ascensão a partir dos anos 1990 - várias metodologias e estratégias foram
sendo criadas e experimentadas posteriormente com o público.
De acordo com Flávio Desgranges, nos países europeus, entre a década de 1960
e 1970, houve uma movimentação de artistas com o objetivo inicial promover uma
‘democratização cultural’ (Desgranges, 2010, p. 45), no sentido de propagar a arte para
o maior número de pessoas. As diferentes atividades desenvolvidas desejavam
aproximar a arte teatral de pessoas que não tinham contato com essa linguagem, seja por
falta de condição financeira ou por falta de um hábito cultural.
Os artistas que começaram a desenvolver essas atividades de popularização do
teatro buscavam uma conscientização social e política dos espectadores e utilizavam o
teatro como meio para isso.
Esse movimento baseava-se na convicção de que todas as pessoas têm
plena capacidade e direito de ver e fazer arte. A difusão das práticas
artísticas ao mesmo tempo que ampliava o círculo de conhecedores,
tinha por objetivo subverter a ordem estabelecida. A arte – e o teatro
funcionava como um dos principais instrumentos de ação cultural –
era veículo primordial de questionamento e transformação da
sociedade. (Desgranges, 2010, p. 46)
Além do desejo de expandir a arte para todos, já nessa época havia também uma
preocupação com as crianças e jovens, que, ao longo do tempo, passaram a ser o
público-alvo das atividades propostas pelos grupos, que acreditavam que os jovens, que
passavam por essa proposta de formação, seriam os adultos conscientizados do futuro.
Essas atividades desenvolvidas nas escolas, nomeadas de animações teatrais, foram
amplamente estudadas e classificas por Roger Deldime, sociólogo belga, grande
estudioso teatral.
A classificação de Deldime conta com as animações teatrais autônomas e as
animações teatrais periféricas. As animações autônomas são aquelas que não estão,
necessariamente, ligadas a um espetáculo teatral. Eram oficinas desenvolvidas que
tinham como objetivo introduzir alguns aspectos da linguagem teatral para que o
público pudesse ficar mais familiarizado com alguns processos que permeiam os
espetáculos teatrais e também para desenvolver a criatividade e expressão dos alunos.
As animações teatrais periféricas estavam ligadas a um espetáculo que seria
apresentado. As atividades poderiam oferecer informações adicionais sobre a peça ou
eram atividades ligadas á encenação.
O conceito de mediação teatral surge apenas nos anos 1990, substituindo assim o
conceito das animações teatrais. A mediação teatral começa então a surgir por ser um
conceito mais abrangente e que permite outras formas de aproximação entre o público e
a arte teatral. A mediação teatral engloba não só as atividades de animações teatrais
listadas por Desgranges em seu livro (2010), mas engloba também toda e qualquer ação
que facilite o encontro do espectador, que é parte fundamental para que essa linguagem
aconteça, com o teatro.
É considerado procedimento de mediação toda e qualquer ação que se
interponha, situando-se no espaço existente entre o palco e a plateia,
buscando possibilitar ou qualificar a relação do espectador com a obra
teatral. (Desgranges, 2010, p.65)
A mediação teatral promove o acesso do público ao teatro, seja o acesso físico
ou o acesso linguístico. O acesso físico é toda ação que facilite a ida do público ao
teatro ou a ida do teatro ao público. Estas ações podem ser desde o barateamento dos
ingressos até o acontecimento dos espetáculos nas regiões menos favorecidas ou a
construção de grandes centros de artes nessas regiões. O acesso linguístico, como o
próprio nome sugere, diz respeito á linguagem teatral. Consiste em, através de
diferentes atividades, oferecer caminhos para que o espectador possa estabelecer
diferentes relações com a obra apresentada.
O acesso linguístico visa o olhar diferenciado do que é colocado no palco. Não é
apenas receber as informações, mas criar pontes e possibilidades de diálogos com tudo
que o cerca no seu cotidiano. Visa reconhecer as formas e os símbolos que são
cuidadosamente criados pelos artistas e colocados em cena sempre por alguma razão.
Sobre o acesso linguístico, Ingrid Koudela fala:
Lidamos aqui com a relação que o espectador estabelece com a cena
teatral, da conquista de sua autonomia crítica e criativa. A autonomia
refere-se à construção de sentidos que nasce a partir da experiência
sensível, a elaboração de significações que constituem o ato pessoal e
intransferível do espectador. Esta autonomia precisa ser construída.
(Koudela, 2010, p.5)
Como esse processo de autonomia não é algo intrínseco ao homem e sim um
processo a ser descoberto e construído, surge então a figura do mediador cultural. O
mediador deve ser um provocador. Não é uma pessoa que detém todas as respostas, mas
uma pessoa que sabe gerenciar os assuntos e sabe lidar com os diferentes caminhos para
abrir e fechar pontos a serem discutidos.
(...) autonomia na constituição de critérios de interpretação. A
organização deste potencial de sentidos que surge na experiência
artística, a elaboração de significações que constituem o ato pessoal e
intransferível do espectador, como sabemos, não se limita a um talento
natural, mas precisam ser antes de tudo compreendidos como
conquistas culturais. Conquistas nem um tanto imediatas ou evidentes,
mas que, ao contrário, solicitam esforço para se efetivar. (Desgranges,
2008)
Poderíamos distinguir então, conforme já escrito por Desgranges, que o acesso
físico diz respeito à formação de público, ou seja, procura aumentar o número de
frequentadores do teatro e criar um hábito cultural voltado para essa linguagem. Já o
acesso linguístico diz respeito á formação de espectadores; procura criar uma intimidade
do espectador com o teatro para que assim ele possa ser um espectador ativo, que
participa da peça, criando diferentes relações com o que lhe apresentado.
Ambos os tipos de mediação teatral são importantes. Não são aspectos
excludentes, mas podem ser complementares. No Brasil, hoje, a ida ao teatro não faz
parte do hábito da grande maioria dos brasileiros. As pessoas se interessam por aquilo
que elas conhecem. Se não existe o acesso á cultura, elas não se interessarão em buscar
isso e muito menos fazer a ida ao teatro virar um hábito.
Projetos e ações culturais, como o IdAs e Vindas, são importantes por facilitar
não só o acesso físico do público, mas também por introduzir aspectos iniciais das
linguagens artísticas para que o espectador possa fruir uma obra artística.
Não adianta ter uma grande oferta de peças em cartaz se o público não tem
vontade e curiosidade em participar do evento teatral. Como ressaltado por Desgranges,
o prazer advém da experiência, o gosto pela fruição artística precisa ser estimulado,
provocado, vivenciado, o que não se resume a uma questão de marketing (Desgranges,
2010, p.29). É preciso oferecer caminhos concretos para que o público sinta no teatro,
além do prazer artístico, uma possiblidade de crescimento, baseada na sua liberdade
interpretativa e na construção de sua autonomia.
1.1 A IDA AO TEATRO COMO UM ESPAÇO POTENTE PARA O ENSINO-
APRENDIZADO.
Muitos educadores criaram propostas e métodos educacionais visando o
processo de ensino/aprendizagem de alunos como um processo libertário, construído a
partir da realidade do aluno e da construção da sua autonomia crítica. Anísio Teixeira e
Paulo Freire são grandes exemplos de educadores que acreditavam em uma educação
que extrapolasse o limite da sala de aula e dos conteúdos ministrados. Paulo Freire via
na educação uma grande chance de tornar os alunos sujeitos críticos, para que assim
eles pudessem interferir da realidade.
No âmbito teatral, Bertold Brecht e Augusto Boal são grandes exemplos de
artistas que viam na arte um caminho potente para também tornar o cidadão mais crítico
e ativo no seu dia-a-dia.
Com a criação da Lei 9394/96, que determinou a obrigatoriedade do ensino de
arte em todas as séries da Educação Básica no Brasil, houve uma maior valorização das
linguagens artísticas dentro das escolas e também da arte como um campo de
conhecimento. Com isso, e também com a criação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, entre os anos 1997 e 1998, as pesquisas sobre o ensino/aprendizado da arte
vem crescendo cada vez mais.
Percebemos então o papel importante da escola no processo de familiarização
dos alunos com as linguagens artísticas. A escola não é o único caminho para esta
aproximação, porém é sim o meio mais rápido de acesso. Mesmo que o ensino de artes
tenha virado lei, este ensino ainda é muito falho. Ainda vemos, em várias escolas, a
existência do professor polivalente, que ministra aulas de várias linguagens artísticas
mesmo tendo, na maioria das vezes, apenas uma formação. Problemas como a não
distinção das linguagens artísticas e a grande valorização da história da arte como sendo
apenas a história das artes visuais, dificultam a aprendizagem e também o
aproveitamento dos alunos. Por isso, a grande necessidade de ligar ações socioculturais
e as escolas.
1.2 A MEDIAÇÃO TEATRAL DO IDAS E VINDAS E A ABORDAGEM
TRIANGULAR
A arte-educadora Ana Mae Barbosa, durante os anos em que esteve na direção
do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, sistematizou a
Abordagem Triangular.
Mesmo tendo sido sistematizada em um ambiente não-formal, a Abordagem
Triangular é amplamente utilizada para o ensino de artes nas escolas. Motivada pela
necessidade de estabelecer uma leitura crítica diante da rapidez de imagens que
possuímos na nossa atual sociedade, Ana Mae Barbosa apresenta três pilares dentro da
sua sistematização: o contextualizar, o fazer e o fruir.
Em nossa vida diária, estamos rodeados por imagens impostas pela
mídia, vendendo produtos, ideias, conceitos, comportamentos, slogans
políticos etc. Como resultado de nossa incapacidade de ler essas
imagens, nós aprendemos por meio delas inconscientemente. A
educação deveria prestar atenção ao discurso visual. Ensinar a
gramática visual e sua sintaxe através da arte e tornar as crianças
conscientes da produção humana de alta qualidade é uma forma de
prepará-las para compreender e avaliar todo tipo de imagem,
conscientizando-as de que estão aprendendo com estas imagens.
(BARBOSA, 1998, p. 17).
Mesmo que haja diferenças entre a mediação em artes visuais e em artes cênicas,
essa necessidade de uma leitura crítica diante do que é apresentado, seja obra de arte ou
não, também guia alguns princípios da mediação teatral.
Para melhor relacionar o aspecto pedagógico da mediação cultural no teatro e o
projeto IdAs e Vindas é importante identificar os pontos em comum com a Abordagem
Triangular, principal fonte de inspiração para esse projeto.
Dentro do IdAs e Vindas entendemos a contextualização de uma obra não
apenas pela sua contextualização histórica, muito usada na Abordagem Triangular. Na
mediação teatral podemos entender a contextualização de um espetáculo também como
o diálogo sobre o seu processo de formação, suas fontes e inspirações. No IdAs e
Vindas, contamos também com uma breve contextualização histórica no encarte
principal do projeto e também com algumas palavras-chaves dentro do teatro como, por
exemplo, coringamento, gesto, espaço dramático e ritmo. Este encarte é entregue aos
alunos sempre antes de qualquer ação do IdAs e Vindas. Tudo isso aliado a exposição
de algumas metodologias, exercícios de improvisação e técnicas utilizadas pelos grupos,
pode ser entendido como a contextualização do projeto IdAs e Vindas dentro da
Abordagem Triangular.
Sobre o aspecto do fazer da Abordagem Triangular, o IdAs e Vindas oferece
várias oficinas aos alunos. São oferecidas oficinas de iniciação ao teatro, com jogos
teatrais e de improvisos, e também oficinas de iniciação á linguagens teatrais específicas
como, por exemplo, a oficina de iniciação ao teatro de formas animadas e a oficina de
iniciação á mimica que aconteceram durante o ano de 2013.
Entendemos o fruir não apenas como a possibilidade do espectador estar em
contato com a obra, mas também como todo o processo de construção das relações que
são estabelecidas neste encontro. O fruir então, dentro do projeto IdAs e Vindas,
engloba o acesso físico e o acesso simbólico.
A mediação cultural – em todos os ambientes que ela pode ser oferecida – pode
proporcionar, além da experiência artística, um momento no processo de ensino-
aprendizagem para os alunos. A mediação no teatro, e no IdAs e Vindas, se aproxima da
Proposta Triangular a medida que também visa iniciar um processo de construção da
autonomia de cada participante de uma ação cultural, seja na escola ou em projetos
sociais.
2. A MEDIAÇÃO TEATRAL NO IDAS E VINDAS
O projeto IdAs e Vindas: diálogos interartísticos oferece tanto o acesso físico
quanto o acesso simbólico ao seu público. Por ser um projeto financiado pelo REUNI,
em sua primeira edição, conseguimos, através de um edital aprovado, um grande
ônibus, com capacidade para 42 pessoas, para o uso, prioritário, do projeto. Desta
forma, além de levarmos as produções artísticas do Instituto de Artes para cidades
afastadas e com menos circulação de arte, também buscamos os alunos das escolas da
rede pública e os levamos para o campus da UnB onde é realizada cada edição do
projeto.
O IdAs e Vindas visa, além do processo artístico-pedagógico oferecido aos
alunos, estreitar o contato intercampi da UnB e divulgar os cursos do Instituto de Artes.
São realizadas quatro edições por ano: as IdAs, que acontecem quando as produções
artísticas do IdA são levadas para os outros campi da UnB – situados na Ceilândia,
Gama e Planaltina - e as Vindas, quando as produções artísticas destas cidades e dos
próprios alunos da rede pública vem se apresentar no Darcy Ribeiro - principal campus
da UnB. Desta forma, além da experiência artística, os alunos também conhecem os
campi da universidade, desmistificando assim a UnB como um espaço restrito á
comunidade acadêmica e á elite.
A mediação em Artes Cênicas não tem, nem nunca terá, um formato único ou
correto a ser seguido. Todas as escolhas dependerão do espetáculo e também da
natureza de cada projeto, com seus objetivos e público-alvo. Porém, no IdAs e Vindas
temos algumas premissas que norteiam a construção da mediação teatral.
Durante uma conversa bem informal feita, por exemplo, ainda no ônibus, no
trajeto da escola até o campus da UnB, realizamos uma sondagem inicial sobre as
experiências da turma com o teatro: quem já foi ao teatro? Vocês tem aula de artes na
escola? Quando pensamos em teatro, qual a primeira coisa que vem a sua mente? As
respostas recebidas são variadas e não existe uma resposta certa ou errada, apenas
aquelas respostas que desenham melhor o fluxo da conversa para que cheguemos ao
ponto inicial da nossa mediação: o que é fundamental para que o teatro aconteça?
Listando algumas situações como, por exemplo, os espetáculos que acontecem na rua, a
possível ausência de figurino ou iluminação e também a potencia do corpo como fala,
queremos assim ressaltar a importância do público dentro do evento teatral. O público é
parte fundamental do teatro; só com a presença do espectador é que o teatro se faz
presente. Com essa conversa inicial, esperamos quebrar a formalidade que se estabelece
naturalmente em projetos desse tipo, deixando os alunos mais a vontade para fazerem
perguntas e exporem suas opiniões durante todo o processo.
Seguindo orientações da coordenadora de Artes Cênicas do IdAs e Vindas,
professora Cecília de Almeida Borges, a mediação teatral do IdAs e Vindas acontece
através de questionamentos e provocações feitas aos alunos e segue um fluxo de acordo
com as respostas. Queremos, através desta metodologia, que os alunos reflitam sobre o
ponto discutido, assimilando suas opiniões e experiências com o assunto em questão.
Desta forma, a mediação teatral visa focar um assunto, mas não conduzir as respostas.
Exemplificaremos algumas estratégias de mediação adotadas pela equipe do
IdAs e Vindas. Vabe lembrar que os espetáculos apresentados nas Idas – primeira etapa
do projeto - são frutos de disciplinas ou projetos de extensão do curso de Artes Cênicas
da UnB.
Um dos pontos positivos da mediação teatral no IdAs e Vindas é que podemos
perceber os resultados rapidamente, mesmo que o acesso linguístico a uma linguagem
artística seja um processo sempre em construção. Percebemos os resultados não só pelo
diálogo e pelas relações que são criadas entre o espetáculo e o público, mas percebemos
também através dos questionários aplicados ao final de cada atividade cênica do projeto.
Durante os exemplos de estratégias adotadas pelo IdAs e Vindas, falas dos alunos-
espectadores serão descritas para melhor entendimento do resultado das ações.
2.1 “Á FLOR DA PELE” E AS DIFERENTES TRIBOS DA SOCIEDADE.
Este espetáculo gira em torno do universo feminino, mas não se prende somente
a esse público. O espetáculo conta com quatro personagens principais extremamente
diferentes entre si que se encontram em uma sala de espera de uma sessão de terapia. A
partir daí, vários julgamentos são feitos e várias histórias pessoais apresentadas. Porém,
ao longo da peça, outras personalidades aparecem em meio a crises pessoais e
questionamentos que proporcionam ao público uma identificação imediata.
Para introduzir esse universo feminino antes do espetáculo e também para lançar
algumas provocações para o diálogo posterior, durante o trajeto da escola até o campus
do Gama, levamos a música “Cor de rosa choque”, interpretada pela cantora Rita Lee,
para os alunos escutarem. A letra da música apresenta, várias vezes com um tom crítico
ao estereótipo de sexo frágil, uma mulher essencialmente feminina, porém que possui
toda força necessária para conduzir suas mudanças e seus planos.
O ponto principal da mediação para esse espetáculo girou em torno dos
estereótipos e padrões estéticos altamente presentes na nossa sociedade. Quem dita
esses padrões? Precisamos mesmo nos adequar a eles? O que torna uma mulher bonita?
Essas questões foram lançadas aos alunos e o debate foi riquíssimo. Queríamos
questionar esses padrões, o que foi fácil devido à quantidade de diferenças - não só
físicas, mas também emocionais - das personagens da peça. Questionada sobre o que
tinha achado do espetáculo e, posteriormente, do projeto IdAs e Vindas, uma aluna do
Ensino Médio, 16 anos, respondeu: “Foi ótimo, porque eu consegui me colocar no lugar
de uma delas. E foi bom, porque eu me achava sem cor, feia, mas vi que apenas
precisava ser eu mesma. (...) foi muito importante pra mim, eu consegui ver além de
tudo.”
As expectativas do lugar da mulher na sociedade e também o que significa esse
‘sexo frágil’ que ouvimos tanto há tantos anos, mesmo tendo vários exemplos de
grandes mulheres que conseguem conciliar sua vida profissional e pessoal, foram
questões também levantadas no diálogo pós-espetáculo. Sobre isso, uma aluna, 16 anos,
responde: “(...) traz a realidade por completo na vida da mulher, e vemos também que a
mulher não é só o sexo frágil e sim um conjunto de humores.” Sobre as impressões que
teve do projeto IdAs e Vindas, ela continua: “É uma ótima forma de as pessoas
conhecer (sic) qualidades de outros mundo, não sendo o seu”
Por fim, como em todas as mediações realizadas pelo IdAs e Vindas, abrimos o
diálogo para falar do processo de montagem do espetáculo. Metodologias, exercícios,
inspirações e angústias relacionadas à profissão são sempre relatadas pelos artistas e
também curiosidades constantes dos alunos. Com esse espetáculo, aproveitamos para
ressaltar a possiblidade de uma reflexão crítica em peças com grande teor humorístico.
Aluna do CEM 02 – Gama – durante a mediação do espetáculo “Á flor da pele”
2.2 “DODECAEDRO” E A PROXIMIDADE COM O PÚBLICO.
Essa peça contou com vários contratempos mesmo antes de sua apresentação.
Foi difícil encontrar um elo para realizar a mediação, pois a história apresentava-se de
forma, muitas vezes, confusa. Também tivemos alguns problemas operacionais, devido
a difícil locomoção do cenário e o atraso de alguns atores. No campus, as adversidades
começaram quando o grupo achou o espaço do auditório reservado para a apresentação
muito pequeno. Tivemos que correr em busca de um novo lugar, que acabou sendo um
vão bem amplo no andar de cima de um dos prédios do campus da Ceilândia. Durante
toda a minha experiência dentro do IdAs e Vindas - principalmente nos últimos 6 meses
quando coordenei a produção – pude notar que o aspecto operacional mais complexo
dentro da produção do projeto é o contato com o campus. Sempre temos que nos
adaptar aos horários e salas disponíveis. As opções disponibilizadas pelos campi são
sempre insuficientes para as necessidades do projeto, mas, desde o início em 2011, o
IdAs e Vindas nunca deixou de acontecer por falta de espaço ou por qualquer outro
problema operacional.
Apresentação do espetáculo “Dodecaedro”
Logo na chegada dos alunos ao vão era possível perceber o espanto e a
curiosidade sobre aquele espaço não habitual para um espetáculo de teatro. Os
cochichos só foram interrompidos quando o diretor da peça, Paco Leal, fez uma breve
fala para ambientar melhor a situação e o local em que se encontravam os personagens.
Vários aspectos da peça chamaram a atenção dos alunos e foram pontualmente
discutidos pelo público e pelos atores: a troca de figurinos ser feita ali mesmo, na frente
dos espectadores; a sonoplastia da peça ser feita ao vivo; a participação dos alunos em
uma cena de celebração e dança; a pequena distância entre os atores e o público; o
improviso de algumas cenas e, principalmente, como ressaltou uma aluna, “o fato da
peça não acontecer em um ambiente fechado, tradicional”.
Todos os temores da equipe de mediação deixaram de existir no primeiro minuto
do diálogo. A turma respondeu muito bem a todos os pontos colocados não só pelas
mediadoras, mas também pelos artistas. As cenas sexuais, aparentemente, não chocaram
ninguém e, dentro de uma peça com quesitos tão diferentes, esse foi o menos falado
pelos alunos. Após a apresentação do espetáculo, já no retorno para o campus Darcy
Ribeiro, pude notar a empolgação e o entusiasmo dos atores e do diretor da peça depois
desta experiência no IdAs e Vindas. O interesse dos artistas por aquele encontro que
acabara de acontecer foi tanto que todos os questionários foram lidos ali mesmo dentro
do ônibus.
Percebi então a grande oportunidade que o IdAs e Vindas oferece aos artistas:
além da experiência de circulação dos espetáculos e da saída do meio acadêmico, o
retorno do público é imediato. Sobre essa experiência o ator Lupe Leal escreve:
O nosso espetáculo, Dodecaedro, uma livre adaptação do conto
homônimo de Caio Fernando Abreu, nasceu e cresceu no ambiente
universitário. Segue crescendo. O desafio que tivemos a sorte de
enfrentar por meio do IdAs e Vindas na cidade de Ceilândia
representou um forte contributo nesse sentido. O espetáculo despido,
por assim dizer, de tudo que lhe é acessório, revelou a oportunidade de
reencontrar no trabalho do ator a única via de conexão com os alunos
das escolas públicas que foram ao nosso encontro naquele dia. Apesar
de entendermos que os recursos e elementos da encenação
(iluminação, cenografia, etc) jogam ao nosso favor, foi uma imensa
felicidade nos depararmos com a necessidade de preservar o coração
do trabalho a despeito da ausência eventual de qualquer recurso que
não o ator presente. Para além de representar apenas UM encontro: o
do público (da comunidade externa à Universidade) com arte que se
produz no ambiente acadêmico, percebi que nesse exercício de
aprimoramento do nosso trabalho se dá, sim, um DUPLO encontro: de
nós com nossa própria poética e dela com o público, num evidente
processo elucidativo, educativo e surpreendente para todos os
envolvidos.
2.3 “ROSA VERMELHA” E A PLURALIDADE DE INTERPRETAÇÕES.
Este espetáculo, apresentado em 2012, exigiu uma atenção especial (e várias
reuniões da equipe do projeto) pela sua temática e também pelas fortes cenas de
agressão. O tema da peça era apresentado por três personagens de classes sociais, gostos
e características diferentes, porém que passavam pelo mesmo drama: a violência
doméstica.
Como o tema principal do espetáculo por si só já poderia render vários pontos a
serem discutidos na conversa pós-espetáculo, resolvemos, na mediação, atentar para os
elementos da encenação teatral. O cenário da peça era feito com vários tipos de caixas e
barbantes brancos e vermelhos. Como provocação anterior ao espetáculo, pedimos para
que os alunos observassem estes elementos do cenário e a relação deles com a peça.
Cena do espetáculo “Rosa Vermelha”
As interpretações e as relações que eles estabeleceram foram diversas. Quando
questionados sobre o que as caixas poderiam significar, eles falaram que pareciam
coisas como: cemitérios, os segredos que são guardados ou os casos que simplesmente
viram números ou são arquivados. Sobre os barbantes, disseram: os problemas que são
crescentes virando uma bola de neve, os nós que são difíceis de serem desfeitos e, pela
coloração, veio a imagem de sangue, do sofrimento das vítimas.
Podemos perceber nessa mediação a construção de imagens do público a partir
dos signos colocados em cena e sua relação com o tema da peça. Estes elementos
auxiliam na interpretação e na criação de sentidos do público.
Um dos pontos desejados pelo IdAs e Vindas dentro do acesso linguístico da
mediação teatral é que o público percorra um caminho claro para estabelecer relações
com a peça. É desejável que, através de alguns procedimentos da mediação teatral, o
público reconheça o signo, o decodifique e, por fim, o interprete. Este é o processo que
podemos considerar como o início para a autonomia crítica de um espectador não só
diante de uma obra artística, mas também em outros aspectos do cotidiano.
Terminamos a mediação deste espetáculo ressaltando as infinitas possibilidades
de interpretação de uma obra artística e que o espetáculo não precisava ter um único
significado. O que representavam as caixas e os barbantes era uma interpretação
própria. A mediação cultural pode, através de procedimentos artísticos-pedagógicos,
potencializar as interpretações do espectador e essa pluralidade de interpretações é o que
enriquece uma mediação cultural.
2.4 “K – PROCESSO N° 2013” E A MEDIAÇÃO DENTRO DO PROCESSO DE
MONTAGEM DE UM ESPETÁCULO.
Este espetáculo, fruto da disciplina Interpretação e Montagem, foi baseado na
obra “O Processo”, de Franz Kafka. O livro narra a saga de um homem que sofre um
longo processo durante a trama e que é preso sem nenhum motivo aparente. A obra,
publicada em 1925, mostra algumas questões como a burocracia, as relações de poder
estabelecidas em um ambiente de trabalho e a religião. A adaptação feita pela turma
trouxe esses temas ainda tão presentes em nosso dia-a-dia de forma cômica. A
comicidade nesta peça foi usada com o intuito de promover um distanciamento do
público em relação ao que era apresentado para que isso favorecesse uma reflexão
crítica a respeito de temas tão sérios e cotidianos. Sobre isso, uma aluna, 15 anos, diz:
“Eu admirei o uso da comédia para tratar de assuntos tão sérios o que pode-se
compreender tudo (sic)”
A conversa pós-espetáculo girou em torno, basicamente, de uma cena em que
uma entidade chamada “Pretinho Baby” aparece dando conselhos diversos para os
personagens. “Pretinho Baby” foi uma referência ao Preto Velho, entidade presente na
Umbanda. Porém, o fato do personagem ser chamado de Pretinho causou certo
desconforto em alguns alunos presentes na apresentação. Com isso, várias opiniões
foram expostas e o racismo foi o tema mais discutido.
Expor o processo de montagem da peça e as metodologias usadas para compor
os personagens foi uma das alternativas encontradas para aproximar mais os alunos das
temáticas abordadas e também das escolhas estéticas utilizadas na peça.
Este encontro com o público e o grande debate que aconteceu depois foi bastante
significante para a turma de Interpretação e Montagem. A experiência reverberou de
forma que alguns alunos passaram a questionar vários aspectos da peça, enquanto outros
afirmavam a necessidade daquelas provocações.
Abre-se então outra oportunidade dentro da mediação teatral, além do acesso
físico e linguístico: o retorno que a mediação pode oferecer durante o processo de
montagem dos espetáculos. Além de ter algumas respostas do público referente às
questões estéticas e temáticas, a mediação também pode guiar mudanças durante todo o
processo de montagem. Surge a oportunidade de unir várias vertentes de evento teatral:
o ensaio aberto, aliado ao acesso físico e linguístico; reforçando assim a importância do
espectador dentro dessa linguagem.
Como um livro que só existe quando alguém o abre, o teatro não
existe sem a presença desse outro com o qual ele dialoga sobre o
mundo e sobre si. Sem espectadores interessados nesse debate, o
teatro perde conexão com a realidade que se propõe a refletir e, sem a
referência desse outro, seu discurso se torna ensimesmado,
desencontrado, estéril. Não há evolução ou transformação do teatro
que se dê sem a efetiva participação dos espectadores. (Desgranges,
2010, p.27)
Sobre a experiência, uma aluna do campus, 32 anos, disse: “Ótimo, porque
trouxe temas atuais e polêmicos que nos faz pensar no sistema em que vivemos”. Sobre
as impressões que teve do projeto: “É maravilhoso, pois nos possibilita novas visões de
mundo, abrindo debate de forma divertida e reflexiva.”.
Elenco do espetáculo “K – Processo n° 2013”
2.5 “CABARÉ DE PALHAÇOS” E A DIVERSIDADE TEATRAL.
Um espetáculo bastante apresentado no IdAs e Vindas é o “Cabaré de Palhaços”.
Mesmo que o nome remeta á linguagem do palhaço, o espetáculo apresenta vários
esquetes de outras linguagens como a mímica e contação de histórias, por exemplo.
No “Cabaré de Palhaços”, apresentado no segundo semestre de 2013, a
mediação pode trabalhar com vários aspectos da linguagem teatral. Como os dois
números de palhaços apresentados não tinham falas, a questão do gesto construído pelos
atores e da expressividade do corpo foi algo bem comentado pelos alunos. Sobre isso,
uma aluna, 15 anos, comentou: “Gostei bastante (do espetáculo) e achei bem diferente a
forma de utilizar o humor sem falar muitas palavras”. A apresentação dos palhaços teve
bastante interação com a plateia, o que também chamou a atenção dos alunos, fazendo
com que eles se sentissem parte daquele evento.
Outra questão abordada pelos alunos do Ensino Médio foi que mesmo com a
simplicidade da peça, que não contava com cenário e iluminação, eles puderam
visualizar vários personagens, em diferentes situações e lugares. O comentário de uma
aluna, 15 anos, ilustra a afirmação: “Eles conseguiram envolver o público na história,
fez todos rirem (sic) sem nada no cenário, somente caracterizados. Se transformaram em
várias pessoas ao mesmo tempo e foram felizes com seu trabalho.”. A equipe de
mediação pode então reforçar os elementos essenciais, de acordo com o IdAs e Vindas,
para que o teatro aconteça: ator, público e uma ação.
Nitiel Fernandes, Izabela Parise e Cecília Borges durante a mediação do espetáculo.
Durante a conversa pós-espetáculo, a fala de uma aluna me chamou bastante
atenção. Ela dizia que estava surpresa com o espetáculo, pois percebeu que arte não era
só aquilo que eles viam na escola. Ela pode perceber que a arte pode ser muito mais do
que fazer um boneco ou escrever um poema (situações exemplificadas pela aluna,
durante a conversa). Nos relatórios, a fala de uma aluna, 15 anos, também elucida essa
questão: “O projeto fez com que eu pensasse que o teatro não era tão chato como eu
imaginava. Foi ótimo.”.
2.6 AS VINDAS E A DESMISTIFICAÇÃO DA UNB.
Durante as IdAs, enquanto conversávamos com os alunos sobre os cursos do IdA
e também sobre o campus Darcy Ribeiro, era comum ouvir perguntas como: mas eu
posso entrar lá? Não tem que ter carteirinha? Não é um prédio fechado? A impressão de
muitos alunos é de que a UnB é um prédio fechado e restrito á comunidade que dela
participa. Durante as mediações realizadas pelo IdAs e Vindas sempre tentamos
ressaltar que a UnB é pública e que uma das missões da Universidade é estabelecer
contato com as comunidades externas, oferecendo cursos, palestras e oportunidades
diversas de contato.
As Vindas – segunda etapa do projeto – exigem uma produção e uma logística
operacional maior do que as IdAs, pois temos que conciliar as escolas participantes das
três cidades satélites, onde localizam-se os outros campi da UnB, os artistas dessas
regiões e os poucos espaços físicos destinados ao projeto.
Esta etapa do IdAs e Vindas acontece durante a Semana Universitária anual
promovida pela Universidade de Brasília. É uma semana também voltada para os alunos
das escolas do Distrito Federal, onde eles podem ter acesso á cursos, palestras,
demonstrações e visitas guiadas ao campus. É uma ótima iniciativa, porém com vários
problemas organizacionais. São mais de 600 atividades acadêmicas inscritas e, mesmo
tendo vários monitores com uma lista de atividades indicadas para as escolas, alguns
professores decidem mudar de última hora a atividade planejada. Com isso, há uma
desorganização geral dentro do evento; o que acaba reverberando também no projeto
IdAs e Vindas.
Nas experiências que tivemos com as Vindas, em 2012 e 2013, lidamos com
duas situações extremas relacionadas ao público: em 2012, recebemos mais de 300
alunos em uma manhã de atividades na tenda instalada em frente ao Departamento de
Artes Cênicas e, em 2013, não sabíamos ao certo se teríamos ou não público para as
nossas atividades, tendo até que cancelar uma apresentação de música pela falta de
espectadores. Esta inconstância de público dentro da Semana Universitária acaba
deixando as atividades do IdAs e Vindas um pouco instáveis, porém, a cada edição, o
projeto vai encontrando seus próprios meios de garantir seu público, fazendo com que
cada atividade cumpra com seus objetivos artísticos-pedagógicos.
Na última edição, vale ressaltar dois momentos importantes para o IdAs e
Vindas. O primeiro momento é o da abertura da edição no Departamento de Artes
Cênicas. O que era para ser uma abertura tradicional, com a fala dos coordenadores de
cada área e um pequeno coffee-break, acabou se transformando em uma grande festa
dos alunos do departamento com os alunos de uma escola pública da Ceilândia que
participaram da abertura apresentando uma banda formada por eles. No final da
abertura, podemos presenciar uma aluna do Ensino Médio comentando com sua amiga:
“É pra cá que eu quero voltar”. Percebemos também uma repercussão maior do projeto
dentro do Departamento de Artes Cênicas. Vários alunos que não conheciam o IdAs e
Vindas vieram perguntar como era o projeto e quando acontecia, demonstrando grande
interesse em ingressar no projeto.
O segundo momento é a apresentação do espetáculo “O bem-amado”, da Cia
Língua de Trapo, dirigida pela professora Isabel Cavalcante. Isabel coordena a Sala de
Altas Habilidades em Artes da rede pública de ensino do DF, em Planaltina, há mais de
20 anos. Ela realiza várias montagens com seus alunos e também ministra aulas de
teatro durante todo o ano letivo. Houve uma grande troca entre a Cia Língua de Trapo e
o projeto IdAs e Vindas, pois a professora Isabel Cavalcante realiza um trabalho
diferenciado dentro da Secretaria de Educação, utilizando o teatro como ferramenta,
mostrando como pode existir uma grande ligação entre a arte e licenciatura, através de
projetos de experimentações artísticas.
Isabel Cavalcante e o elenco do espetáculo “O Bem-Amado”.
2.7 ALGUNS NÚMEROS DO IDAS E VINDAS.
As edições do projeto IdAs e Vindas acontecem durante cinco dias (de segunda a
sexta) em cada campus da UnB, totalizando quatro edições por ano. Trabalhamos no
período matutino e vespertino, recebendo, além do público do campus, em média 30
alunos das escolas da rede pública do DF por turno. Sendo assim, o IdAs e Vindas
recebeu em suas atividades mais de 1.000 alunos por ano; número bastante expressivo
se pensarmos que, em Brasília, existem poucos projetos de formação de público.
O gráfico a seguir foi elaborado a partir dos questionários aplicados nos cinco
espetáculos descritos acima. A pergunta era: com qual frequência você vai ao teatro?
Gráfico elaborado pela discente.
Perceber-se que a grande maioria dos espectadores do IdAs e Vindas nunca
foram ao teatro ou não vão com frequência. Durante a sondagem inicial das
experiências teatrais das turmas, vários alunos contam que nunca foram ao teatro e os
que já foram, assistiram peças de comédia ou peças infantis.
Frequentemente Poucas vezes De vez em quando Nunca
Durante uma das reuniões semanais da equipe de Artes Cênicas do IdAs e
Vindas, a professora Cecília Borges atentou para o fato de que, se fosse feito um
acompanhamento a longo prazo com os alunos espectadores do IdAs e Vindas, com o
tempo, poderíamos medir a adesão desses alunos na UnB. Não só nos cursos do
Instituto de Artes, mas em outros cursos também. Isso porque, além da experiência
artístico-pedagógica, os alunos também desmistificam a UnB como uma oportunidade
não provável para eles, aumentando assim o desejo de fazer parte daquele ambiente que
se torna tão mágico para eles, durante a visita promovida pelo projeto IdAs e Vindas.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Os espaços culturais na cidade são ilhas de liberdade diante
da ocupação da fantasia pela mídia e a sociedade de consumo.”
(Koudela, 2010)
Em um mundo cada vez mais globalizado, onde a televisão e a internet são os
meios de comunicação mais utilizados, projetos socioculturais tornam-se cada vez mais
necessários por difundir outras linguagens artísticas e também por propiciar
experiências diversas que podem se transformar em novos conhecimentos.
A sensibilidade artística existe em todas as pessoas, basta apenas oferecer
oportunidades para que, a partir da experiência artística, novos conhecimentos sejam
criados e perpetuados. O projeto IdAs e Vindas corrobora apresentando-se como um
canal de diálogos interartísticos que também facilita o acesso do público á obras
artísticas, propondo a descentralização das produções, tanto para os graduandos quanto
para os alunos da rede pública de ensino.
Dentro da experiência de dois anos no projeto IdAs e Vindas, percebe-se que a
Mediação Teatral, aliada ás atividades escolares, pode ser uma metodologia viável para
oferecer estímulos concretos e circunstâncias favoráveis para o desenvolvimento de uma
autonomia criativa e crítica dos alunos. Uma autonomia crítica não só relacionada ás
produções artísticas, mas que, a partir delas, transfere-se para a realidade do espectador,
como desejava Ana Mae Barbosa ao propor a Abordagem Triangular.
4. REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 2007.
____.A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1994.
BARSOBA, Ana Mae e COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/Educação como mediação
cultural e social. São Paulo: Editora Unesp, 2009.
DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do espectador. 2 edição. São Paulo: Hucitec,
2010.
____. Pedagogia do Teatro: provocações e a dialogismo. 3 edição. São Paulo: Hucitec:
Edições Mandacaru, 2011.
____. Quando o teatro e educação ocupam o mesmo lugar no espaço. Caminho das
Artes/ A arte fazendo escola, V. 1: São Paulo, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários á prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
KOUDELA, Ingrid. Jogos teatrais, 7 edição. São Paulo: Perspectiva, 2009.
____, Ingrid. A ida ao teatro. Sistema Cultura é currículo. São Paulo, 2010. Disponível
em: <http://culturaecurriculo.fde.sp.gov.br/Escola%20em%20Cena/>. Acesso em: 15
ago. 2013.
PUPO, Maria Lucia. Para alimentar o desejo do teatro. Revista Sala Preta, São Paulo,
vol. 9, p. 269-278, 2009.
____. Mediação artística, uma tessitura em processo. Revista Urdimento, vol. 17, p.
113-121, Florianópolis, 2011.
READ, Herbert. A Educação pela Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
TIBURI, Márcia. Aprender a pensar é descobrir o olhar. Jornal do Margs, vol. 103,
Porto Alegre, 2004.
VIDOR, Heloise Baurich. De como D. Quixote enfrentou os monstruosos moinhos: a
mediação teatral e a escola na perspectiva da ação cultural. Revista Sala Preta, São
Paulo, vol. 12, p. 78-87, 2012.