UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOMOTRICIDADE
A RELAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE E A NATAÇÃO
ANDRÉA HECKER MARQUES
RIO DE JANEIRO
JUNHO / 2002
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOMOTRICIDADE
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A RELAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE E A NATAÇÃO
ANDRÉA HECKER MARQUES
Monografia apresentada à Universidade Candido
Mendes como requisito para a conclusão do curso de
pós-graduação em Psicomotricidade.
RIO DE JANEIRO
JUNHO / 2002
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RESUMO
O desenvolvimento da personalidade da criança , que compreende as mudanças
ocorridas no organismo durante o processo de crescimento e desenvolvimento
(comportamento motor, percepção, construção da inteligência, afetividade, aprendizagem)
tem merecido ultimamente uma atenção cada vez maior por parte dos investigadores. A cada
dia novas escolas de natação são abertas oferecendo a prática dessa atividade a todas as faixas
etárias, incluindo-se aí desde os recém-nascidos (3 meses) até idosos. Os pais matriculam
seus filhos ainda bebês em programas de adaptação ao meio líquido esperando que com isso
os mesmos aprendam a nadar. Mas o que muitos não têm em mente é que os benefícios de um
programa de natação infantil vão muito além do saber nadar. Sem via de dúvida, a natação
infantil é o primeiro e mais eficaz instrumento de aplicação da Educação Física no ser
humano, assim como excelente elemento para iniciar a criança na aprendizagem organizada.
Similarmente, é possível afirmar, no que diz respeito, por exemplo, ao desenvolvimento
psicomotor, sua decisiva participação na construção do esquema corporal e seu papel
integrador no processo de maturação. Nesse sentido, a natação infantil não se detém somente
ao fato de que a criança aprenda a nadar, mas sim, que contribua para ativar o processo
evolutivo psicomorfológico da criança, auxiliando o desenvolvimento de sua
psicomotricidade e reforçando o início de sua personalidade. O raio de ação da natação
infantil, continuam os especialistas, envolve desde a ativação das células cerebrais da criança,
até um melhor e mais precoce desenvolvimento de sua psicomotricidade, sociabilidade e
reforço do sistema cardiovascular morfológico. A natação como agente educativo quando
aplicada a crianças em idade pré-escolar assumirá um papel formativo e totalizador, levando
as mesmas crianças que participaram de um programa de adaptação ao meio líquido a se
desenvolverem melhor e mais rapidamente, o que fará do posterior processo de
alfabetização algo simples e bem sucedido.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 05 2. O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR 07 3. A PSICOMOTRICIDADE 15 3.1 O objeto de conhecimento da Psicomotricidade 22 4. A NATAÇÃO 26 5. A RELAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE E A NATAÇÃO 28 5.1 As habilidades motoras aquáticas 29 5.2 As habilidades motoras aquáticas básicas 30 6. CONCLUSÃO 35 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 37
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1. INTRODUÇÃO
A coordenação psicomotora é uma qualidade diretamente ligada à expressão do corpo,
porque todo movimento tem uma conotação psicológica de sensações. Nos movimentos, serão
expressos sentimentos de frustração, desagrado, prazer, euforia, como dimensão de um estado
emocional, reconstruindo, assim, uma memória afetiva desde os gestos iniciais da criança.
À medida que o indivíduo domina melhor seu corpo e sentimentos, gradativamente ele
irá conduzir-se com mais segurança no seu meio ambiente, e, desta forma, movimentar-se
adequadamente dentro de todo um processo educativo e social.
É através da atividade psicomotora, principalmente nos jogos e atividades lúdicas, que
a criança irá explorar o mundo que a cerca, diferenciando aspectos espaciais, re-elaborando
seu espaço psíquico, suas ligações afetivas e domínio de seu corpo.
A natação é a atividade física mais completa que existe; com ela aprende-se e
desenvolve-se a harmonia, flexibilidade, equilíbrio, coordenação, ritmo, força, potência,
velocidade, resistência ..., e praticando diáriamente ou regularmente, trabalha todos os
mecanismos fisiológicos como: capacitade respiratória (pulmonar) e o sistema cardiovascular.
O processo de aprendizagem da criança, segundo Santos, citado por Ramaldes (1997),
é iniciado a partir de uma programação que se baseia inicialmente no interesse das crianças
que vão praticar o esporte e de seus respectivos pais e/ou responsáveis.
Aprender a nadar deve ser uma atividade agradável para qualquer idade, de bebê até a
terceira idade. A aprendizagem deve ser gradativa, sendo do mais fácil para o mais difícil
(complexo) e do conhecido para o desconhecido. As atividades devem despertar o interesse e
a atenção do aluno.
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O novo e o desconhecido podem exercer sobre a criança uma atração irresistível,
desde que o processo de adaptação não seja acelerado ou bloqueado por uma experiência
infeliz vivida fisicamente.
A natação não deve ser utilizada com objetivo principal de formar campeões, mas sim
fazer com que seus praticantes gostem e tenham prazer pela água. Durante anos, professores
de natação aplicaram métodos de aprendizagem baseados na intuição, utilizando modelos de
treinamento. Isto ocorreu pelo fato de que os primeiros professores de natação foram
orientados por treinadores e realizaram cursos ministrados por treinadores. Através deste fato,
ainda encontramos modelos mecanicistas no ensino da natação, onde os detalhes são
preconizados em detrimento ao todo do movimento.
Para uma criança assimilar uma braçada, necessariamente não precisa realizar os
movimentos da braçada e sim movimentos semelhantes, desenvolvendo a "sensibilidade" da
criança pela água.
A história da natação no Brasil, nos mostra que iniciamos ao contrário. Primeiro
vieram os técnicos e depois os professores, ou seja, primeiro a técnica e depois a pedagogia,
motivo por encontrarmos até hoje modelos mecanicistas e detalhistas.
Ao nível do desenvolvimento motor da criança, cada etapa do seu desenvolvimento
tem diversos estádios de aquisição. A maturação e o desenvolvimento da motricidade corporal
são, não só, decisivos para a eficiência da motricidade manual e da motricidade lingüística,
como ainda para as funções cognitivas, dependendo ainda que a motricidade manual, a
motricidade ocular e a percepção visual estão intimamente associadas.
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2. O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR
O cérebro, como órgão central da motricidade, é o mais complicado objeto que a
ciência tentou compreender, conforme diz Fonseca (1998), pois assegura, em todos os
vertebrados, o deslocamento do seu corpo no seu habitat específico, e é o resultado da
integração de vários sistemas motores de complexidade gradual ao longo da evolução. Além
disso, ao contrário das outras espécies, o ser humano tem de aprender e aperfeiçoar a maioria
dos padrões motores.
Segundo Fonseca (1998) a emergência do sistema piramidal (vias córtico-espinais,
oriundas do córtex motor e também do córtex sensorial parietal) e da área suplementar motora
que proporcionaram a motricidade precisa, delicada, seletiva, construtiva, intencional,
planificada e transformadora, decorre, efetivamente, da mais viável organização e controle
informático-sensorial da musculatura de relação, cujas unidades motoras são altamente
individualizadas e diferenciadas neurologicamente. Só assim o cérebro humano se tornou
filogeneticamente num miraculoso sistema total sensório-motor com ilimitados graus de
liberdade.
Segundo este autor, o estudo da mais importante etapa da filogênese, ou seja, o
antropomorfismo, conduz à análise comparativa morfofuncional entre os grandes símios e os
Hominídeos que dominam a postura vertebral bípede. Além disso, a evolução do Homem é
inseparável da evolução da sua motricidade e do seu cérebro, pois ambos são tributários de
libertações anatômicas, que abriram, através da motricidade, o caminho e o acesso a novos
sistemas funcionais cerebrais.
A capacidade de movimentar associando com o seu todo "corpo" é a relação com
fenômeno dos processos mentais do indivíduo juntamente com a alma, espírito e mente.
Movimentar um gesto simples de excussão fazendo parte de nossa vida para o todo sempre.
Com isso com decorrer de nosso crescimento à necessidade de desenvolver, criar e
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aperfeiçoá-lo, para uma melhoria harmônica corporal. Portanto, para que ocorra sempre uma
harmonia corporal temos que dar valor aos movimentos criados desde do nascimento da
criança, nunca esquecendo que o trabalho em conjunto será sempre importante. E a
psicomotricidade nos leva a ter sempre uma progressão e integração no plano social do
indivíduo. Assim, segundo Ramos (2001), o desenvolvimento motor caracteriza também em
conjuntos ligados a área psicomotoras:
Percepção
Coordenação motoras
Orientação espaço temporal
Orientação Temporal
Lateralidade
O trabalho de desenvolvimento motor juntamente com as qualidades físicas básicas
tornará mais adequado a aprendizagem motora da criança. Alguns princípios devem ser
respeitados, cada um no seu lugar, segundo Ramos (2001):
Primeiro: os movimentos são simples, onde há a valorização de cada gesto. E que
também dever ser muito explorado.
Segundo: a estruturação ósseo-muscular vai se tornando mais rígidas, o seu lado
emocional já faz parte de cada movimento realizado.
Terceiro: a necessidade de associar os movimentos realizados anteriormente, bem
como seu lado social, tornado os mais complexos possíveis pois isso irá o acompanha-la por
toda sua vida.
De acordo com Fonseca (1995), a significação do corpo sofreu inúmeras
transformações, desde a civilização oriental à civilização ocidental, e dentro desta, desde a
civilização grega passando pela Idade Média, até os dias atuais. Entretanto, só no século XIX
o corpo começa a ser estudado inicialmente por neurologistas, por necessidade de
compreensão das estruturas cerebrais e, posteriormente, por psiquiatras, para clarificar fatores
patológicos. Além disso, um dos objetivos da psicomotricidade é o descobrimento do próprio
corpo, de suas capacidades em ordem de movimento, descobrimento do outro e de seu meio.
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O aspecto de aprendermos comportamentos que não repartimos com mais nenhuma
espécie é o ponto de partida para a compreensão do desenvolvimento da criança, embora seja
necessário analisar os padrões de desenvolvimento e a organização funcional do cérebro.
Ainda, segundo Fonseca (1995), são exclusivos do ser humano:
A herança hereditária do ser humano inclui estruturas neurológicas únicas, aparentemente
superimpostas sobre as estruturas básicas dos mamíferos;
No ser humano, é só depois do nascimento que tais centros neuronais, que medeiam os
comportamentos humanos exclusivos, começam a funcionar. A herança genética está
presente apenas como potencial no momento do nascimento. Desenvolvimento num
envolvimento estável e fisiologicamente regulável e, posteriormente, num meio social
complexo, progressivamente mais variável. Oportunidades de experiência mediada;
Autoconscientização: Capacidade par ser um objeto dentro do campo perceptivo do
próprio indivíduo. Auto-referência (somatognosia);
Produção de um mundo sócio-cultural. Noção de "envolvimento invisível" ("segundo
envolvimento"). Envolvimento complexo da aprendizagem. Comunicação interpessoal.
Necessidade gregária. Relação mãe-filho. Conforto tátil. Emoção. Imitação. Linguagem
falada. Escrita. Civilização.
Portanto, este autor ressalta que a grande inovação da herança psiconeurológica
humana está nesse último axioma, pois muito do comportamento humano é influenciado por
este novo envolvimento criado pela civilização e pela história social. Assim, devido ao novo
envolvimento criado pela ação consciente do ser humano, a criança ascende à sua
autoconscientização (somatognosia).
A psicomotricidade é controle mental sobre a expressão motora e objetiva obter uma
organização que pode atender de forma consciente e constante as necessidade do corpo. Esse
tipo de educação é justificado quando qualquer defeito localiza o indivíduo à margem das
normas mentais, fisiológicas, neurológicas ou afetivas. É, também, a percepção de um
estímulo, interpretação deste elaboração de uma resposta adequada.
Ao mesmo tempo que psicomotricidade, ciência da educação que educa o
movimento, põe em jogo as funções da inteligência. A partir desta posição, pode-se ver a
relação que intrínseca das funções motoras cognitivas e que, também pela afetividade,
encaminha o movimento. Movimento é o deslocamento de qualquer objeto e na
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psicomotricidade o importante não é o movimento do corpo como o de qualquer outro objeto,
mas a ação corporal em si, a unidade biopsicomotora em ação. A psicomotricidade está
associada à afetividade e personalidade, porque o indivíduo utiliza seu corpo para demonstrar
o que sente , e uma pessoa com problemas motores passa a ter problemas de expressão
(Fonseca, 1995).
O desenvolvimento psicomotor se caracteriza por uma maturação que integra o
movimento, o ritmo, a construção espacial e também o reconhecimento dos objetivos, das
posições (aquilo que reunimos sob a categoria das gnosis): a imagem o esquema corporal do
nosso corpo e, por fim, a palavra (atividade verbo-motriz).
O estabelecimento das tabelas cronológicas do desenvolvimento psicomotor tem um
interesse evidente, que não precisa justificação. Entretanto, os indícios das fases devem ser
considerados os resultados de um processo racional e relacional complexo, e não fixos
segundo um quadro de maturação automática . Só poderá tratar-se de identificar os meios, na
observação de um processo dinâmico, de determinismo não-linear (Fonseca, 1995).
Aos três anos de vida, as aquisições da criança são consideráveis: partiu do
paracitismo e do inconsciente absoluto e possui, então, todas coordenações neuromotoras
essenciais: andar, correr, pular, o jogo, o sentido do bem e do mal . Essas aquisições são, sem
dúvida, o resultado de uma maturação orgânica progressiva, mas, sobretudo, os frutos da
experiência pessoal. São apenas parcialmente um produto da educação: elas foram obtidas e
são complementadas progressivamente ao tocar, apalpar, andar, cair e ao comparar. A
corticalização em si mesma é uma estreita função das experiências vivenciadas. A criança
passa sucessivamente por diferentes estágios:
Estado de impulsividade motora, contemporânea ao nascimento: os atos são simples
descargas de reflexos ou de automatismo.
Estados emotivos: as primeiras emoções aparecem no tônus muscular, na função postural .
As situações são conhecidas não por si mesma e sim , pela agitação que produzem .
Estado sensitivo-motor: coordenação mútua de percepção diversas (andar, formação da
linguagem).
Estado progetivo: advento da mobilidade internacional dirigida para o objeto.
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Em todos esses estados, o dinamismo motor é estreitamente ligado à atividade mental :
do ato motor à representação mental graduam-se todos os níveis de relação entre o organismo
e o meio.
De acordo com Le Boulch (1995), a tonicidade está relacionada com as respostas
adaptativas à gravidade e com todas as aquisições antigravíticas que postulam o
desenvolvimento da protomotricidade e da paleomotricidade, onde se incluem os padrões
hierarquizados do controle da cabeça ao controle da postura de bípede. Essa maturação
neurológica reflete a expressão de duas leis invariáveis do desenvolvimento nos vertebrados,
que são:
a lei cefalocaudal: relaciona-se com o esqueleto axial, ou seja, com a maturação
neuromuscular da coluna;
a lei próximo-distal: associada com o esqueleto apendicular, ou seja, relacionada com a
maturação neuromuscular das extremidades, pés e mãos.
O desenvolvimento motor é o resultado da maturação de certos tecidos nervosos,
aumento em tamanho e complexidade do sistema nervoso central, crescimento dos ossos e
músculos. São, portanto, comportamentos não aprendidos que surgem espontaneamente desde
que a criança tenha condições adequadas para exercitar-se. Um processo continuo na vida da
pessoa envolvendo vários aspectos: físico, mental, e socio-social. De acordo com a maioria
dos teóricos, o desenvolvimento motor acontece de forma continua e seqüencial segundo a
direção:
maturação - modificações físicas e comportamentais;
desenvolvimento céfalo-caudal - da cabeça aos pés;
desenvolvimento próximo-distal - eixo central – periferia;
desenvolvimento individual.
O processo do desenvolvimento motor revela-se primeiramente, através das mudanças
no comportamento motor. As partes do corpo crescem em proporções diversas em diferentes
épocas, desde a primeira infância até a maturidade. Primeira infância vai do nascimento até os
três anos de vida da criança juntamente com ela desenvolve a fase sensorial, fase motora e
fase glóssica dos três anos aos seis anos forma-se a Segunda infância da criança e dos seis aos
dez anos a terceira infância temos também a fase pubertária e adolescência. O
desenvolvimento motor é como conhecimento das capacidades físicas da criança e sua
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aplicação da performance de várias habilidades motoras, de acordo com a idade, sexo e classe
social.
Segundo Ajuriaguerra (apud Le Boulch, 1995), a amplitude dos movimentos, o grau
de aproximação e de afastamento máximo de um músculo, o nível de resistência ao
movimento passivo, a atividade flexora e extensora peculiar dos diferentes músculos
permitem objetivar o grau de organização tônica de um músculo. Por isso, Ajuriaguerra
sugere o estudo do tônus de suporte com base na extensibilidade e na passividade, o que
permite definir a propensão à hipotonia ou hipertonia, cuja significação psiconeurológica é de
grande importância.
A atividade motora é um dos fatores de suma importância para desenvolvimento da
criança em seus primeiros anos de vida, onde a criança explora o mundo que a rodeia com os
olhos e as mãos. A criança nos seus primeiro anos de vida adquire um sistema mental
maravilho que fornece aos meios para realizações de coisas inesperadas bem como calcular
perigo, defender-se e superá-los.
O desenvolvimento motor é um processo desde o nascimento até a fase adulta da
pessoa nunca terminando e sempre renovando. Sendo que não podemos acelerar o andamento
desse processo pois cada instante depende de outro instante para que ele tenha uma vida mais
harmoniosa junto do movimento. Desta forma, vivemos em constante movimento. Durante a
primeira infância, a motricidade e psiquismo são suportados, fundidos, são dois indissociáveis
do funcionamento de uma mesma organização. Na segunda infância surgem em
funcionamento territórios nervosos ainda adormecidos (mielinização): as aquisições motoras,
neuromotoras e perceptivomotoras efetuam-se, então, no ritmo rápido: tomada de consciência
de seu próprio corpo afirmação da dominância lateral, orientação a si mesmo, adaptação ao
mundo exterior . Este período de 3 - 4 anos a 7-8 anos é, ao mesmo tempo, o período de
aprendizagens essenciais e de integração progressiva no plano social, onde a ligação
motricidade - psiquismo, vai se diferenciando. A psicomotricidade tem por objetivo o
descobrimento do próprio corpo, de suas capacidades em ordem de movimento,
descobrimento do outro e de seu meio.
A afetividade inconsciente ocorre quando a criança está imersa e totalmente
dependente. Ela se expressa de modo simbólico e através do imaginário. Assim, da investida
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afetiva do mundo nascerá sua investida racional, na medida em que esta afetividade puder ser
superada e não rechaçada. Desta forma, qualquer bloqueio afetivo, em nível de uma noção,
contrariará e em alguns casos impedirá o processo de intelectualização. Um bloqueio na
investida afetiva torna impossível a constituição da noção e seu excesso impedirá seu
despreendimento racional.
A educação deve permitir o passo progressivo de uma a outra, através de situações
simbólicas progressivamente desinvestidas do afeto. Na medida em que se efetue essa
separação relativa entre o racional e o afetivo, entre o real, o simbólico e o imaginário, poderá
se desenvolver a afetividade consciente. Por este procedimento, a criança passará do
pensamento mágico ao lógico (Lapierre 1982).
A noção de esquema corporal é fruto de uma progressão que leva a uma indagação
sobre as percepções do corpo. O reconhecimento do corpo na criança se dá desde o
nascimento. A criança não nasce completamente madura, o que a coloca dependente das
pessoas que a cercam. Portanto, os seus primeiros comportamentos se inscrevem num
contexto sócio-relacional. Graças às manipulações a que os outros submetem seu corpo é que
a criança se identificará gradualmente, realizando os primeiros movimentos com mãos de
outras pessoas.
De acordo com Papalia & Olds (1981), em todas as idades, a capacidade de correr,
pular e arremessar está intimamente relacionada com o tamanho e a formação do corpo. O
efeito de maturação pode ser visto na melhoria, com a idade, do equilíbrio e da coordenação,
que têm pouco relacionamento com o físico ou o vigor. As capacidades das crianças em uma
atividade se correlacionam com suas habilidades em outra, e que alguns corredores também
tendem a ser bons também em arremesso e saltos.
O esquema corporal, que por muitos anos ficou escondido pelo desconhecimento,
desinteresse e até mesmo repressão da sociedade, onde o corpo era instrumento de trabalho
(homem) e de reprodução (para a mulher), toma na atualidade outro vulto através do
descobrimento da sua integração como um todo e não como parte de um ser independente do
mesmo.
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Portanto, de acordo com Tani et al (1988), o sucesso do movimento motor depende
das experiências motoras, e não da precocidade dessas experiências. Segundo esses autores, a
partir do nascimento até cerca de 6 anos de idade é a fase que corresponde a um período de
aquisição de aprendizagem, havendo um refinamento e combinação desses padrões após os
seis anos. A partir da segunda infância, o desenvolvimento se torna mais lento, com uma
escala maturacional, não ocorrendo da noite para o dia por ser um processo contínuo,
avançando cada fase seqüencial e ordenadamente.
Esses autores acrescentam que as experiências motoras iniciadas na infância são de
suma importância para o desenvolvimento cognitivo, e os movimentos fornecem o principal
meio pelo qual a criança explora, relaciona e controla seu ambiente. Para Eckert (1993), as
crianças aprendem a natureza dos objetos, o que a torna capaz de pensar e desenvolver-se nos
aspectos cognitivos e motor através das explorações contínuas tanto do espaço quanto das
coisas.
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3. A PSICOMOTRICIDADE
O Termo psicomotricidade tem sido utilizado por diversos autores ora para se referir a
um dos aspectos do desenvolvimento do ser humano, ora para se referir a uma proposta de
trabalho, substituindo os termos: reeducação psicomotora ou terapia psicomotora. É por isso
que ouvimos falar: "Essa criança faz psicomotricidade" . Na verdade isso quer comunicar que
a criança faz um trabalho de educação psicomotora ou de terapia psicomotora uma vez que o
neurologista percebeu dificuldades em seu desenvolvimento psicomotor.
Primeiro com Tissié (1894), com Dupré (1925), depois com Janet (1928), e
fundamentalmente com Wallon (1925, 1932 e 1934), a Psicomotricidade ganha
definitivamente o reconhecimento institucional. Ela é uma prescrição habitual da medicina
psiquiátrica e tem lugar nas terapêuticas das doenças mentais e do comportamento desviante,
onde atua e previne pelo movimento, os "efeitos perversos de tensões e energias mal
orientadas", onde através dele, e pela inerência à função simbólica a que ele se deve
referenciar, as condutas agressivas, desviantes e atípicas se organizam progressivamente.
Outros precursores como Itard (1801) e Seguin (1846), inspirados nos alienistas e nos
teóricos da idiotia e da histeria, desenvolvem também aproximações aos conceitos básicos da
Psicomotricidade.
Neles o sensualismo, é considerado como a origem da vontade. Os métodos que
desenvolveram, consubstanciavam-se nas implicações das sensações sobre as funções da
atenção e sobre os centros psico - motores (aqui sustentando ainda um paralelismo funcional e
não uma integração sistêmica), considerados como a sede da vontade, ou melhor, como
centros onde as idéias se convertiam em ações.
Nos nossos dias, esta perspectiva neurofuncional, respeitadas as necessárias distâncias
de fundamentação, é atualmente designada por integração sensorial (J.Ayres, 1972 e 1979,
Fisher et al. 1991), e que constitui hoje uma metodologia terapêutica inovadora,
internacionalmente reconhecida no contexto da intervenção precoce.
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A partir destes conteúdos mal definidos e delimitados, emerge de certa forma, o
movimento médico-pedagógico que influenciou massivamente as teorias do "duche psíquico"
e das "ortopedias mentais", sacerdócios da renovação e da recuperação do organismo através
das reeducações psicofísicas, pressupondo que as regiões do cérebro que presidem ao
movimento voluntário, se poderiam desenvolver pelo exercício físico.
Tal ideologia voluntarista, defendida por exemplo por Petat (1942), que transportou
para a reeducação física as idéias neurológicas de Babinsky (1934), baseava-se numa prática
em que o simples exercitar do movimento era tido como elemento de construção da razão.
Foi assim, com tais pressupostos, que o exercício físico foi ganhando reconhecimento
institucional. A recuperação dos "iletrados físicos" e dos deficientes, visando fins
retificadores, corretivos e também sociabilizadores segundo os seus defensores, foi-se
impondo à margem dos conceitos psicomotores mais puristas. A era dos Centros de Ginástica
Corretiva (Walther, 1948), de Reeducação da Atitude e de Reeducação Física (Lapierre,
1968), teve então e tem ainda hoje, um desenvolvimento disputado e cerrado entre
fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e professores de educação física.
A discussão e a rivalidade entre a Educação Física e a Cinesiologia, entre a
Reeducação Física e a Cinesioterapia, foi-se dividindo, e subsequentemente divergindo, entre
um "corpo físico, higienista e em esforço" hipotecado ao anatómico e ao fisiológico,
defendendo um paralelismo psico-físico desintegrado de que são exemplos paradigmáticos as
afirmações "mens sana in corpore sano" e "um cérebro irrigado por meio do exercício físico
funciona melhor", e um "corpo afetivo, emocional e relacional" mais próximo dos
fundamentos psicomotores wallonianos e ajuriaguerrianos.
Guilmam (1935), discípulo de Wallon, em centros de reeducação de jovens com
problemas de comportamento, fora dos contextos institucionais da escola regular e dos centros
de reeducação física, desenvolve uma Sistemática da Psicomotricidade essencialmente
dirigida aos instáveis, aos impulsivos, aos paranóicos ligeiros, aos emotivos, aos obsessivos,
aos apáticos e mesmo aos delinqüentes. A sua visão de exame psicomotor e de motricidade
perturbada no contexto das perturbações do comportamento, retoma a essência do pensamento
walloniano, onde a gênese dos atos irrefletidos, da instabilidade e da impulsividade, das
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facetas da turbulência, da incontinência motora, das perturbações afetivas e das emoções
descontroladas, é concebida como distorções da maturação tônica e da integração do esquema
corporal.
Esta aplicação original do pensamento walloniano e ajuriaguerriano, mais ou menos
negligenciada nos centros de formação de educação e reeducação física, está na origem das
formulações da Reeducação Psicomotora, onde se põe em realce as relações entre a
afetividade, a vigilidade e a motricidade, relações estas postas em dúvida por muitos
especialistas. Mas, defendidas por outros, nomeadamente por psiquiatras, que criam em 1961,
pela primeira vez na Europa, exatamente no Hospital Henri Rousselle, o 1º Centro de
Formação Superior em Psicomotricidade com o diploma de reeducador da psicomotricidade,
aberto a cinesioterapeutas, educadores, professores de ginástica etc., onde Soubiran e Jolivet
(1967) se confirmam como os principais mentores de uma nova profissão.
A Educação Física alheia a este movimento no contexto da saúde e da higiéne mental,
recupera o pensamento walloniano fundamentalmente com a Educação Física Estruturalista
de Parlebas (1970), com a Psicocinética de Le Boulch (1967 e 1972), e com a Pedagogia
Institucional de Mérand (1970), correntes de pensamento que se cruzam numa matriz teórica
do movimento humano assumido mais como, instrumento de utilização que é preciso educar,
aperfeiçoar, dominar e controlar, do que como unidade e totalidade do ser que busca
conteúdos na psiquiatria, na psicologia, na neurologia, na fenomenologia ou na patologia.
Em síntese, a Psicomotricidade com o seu pluralismo histórico, fixa a sua origem nas
práticas no esquema corporal, conceito chave ainda hoje, do seu edifício terapêutico e
reeducativo. A importância da sua vivência e da consciencialização, do papel da acção na
emergência das noções fundamentais à volta das quais se organiza a linguagem (Quirós &
Schrager, 1978) e o pensamento, constitui o seu paradigma crucial.
A Psicomotricidade, ao contrário das concepções de Educação Física não privilegia o
"físico", hipotecando-o ao anatômico, ao fisiológico e ao morfofuncional, reforçando um
paralelismo psico-físico ou psico-cinético, nem tão pouco valoriza os segmentos corporais e
os componentes musculares, visando a excelência da prestação física, a destreza, o alto
rendimento ou a pura proficiência motora.
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Em Psicomotricidade, o corpo não é entendido como fiel instrumento de adaptação ao
meio envolvente ou como instrumento mecânico que é preciso educar, dominar, comandar,
automatizar, treinar ou aperfeiçoar, pelo contrário, o seu enfoque centra-se na importância da
qualidade relacional e na mediatização, visando a fluidez eutônica, a segurança gravitacional,
a estruturação somatognósica e a organização práxica expressiva do indivíduo. Privilegia a
totalidade do ser, a sua dimensão prospectiva de evolução e a sua unidade psicossomática, por
isso está mais próxima da neurologia, da psicologia, da psiquiatria, da psicanálise, da
fenomenologia, da antropologia etc.
Os seus paradigmas principais, abordam a significação do corpo e da motricidade na
disontogênese, na despersonalização, na dismorfofobia, nas dificuldades adaptativas etc.. A
simbologia do movimento, apesar das formulações avançadas por Wallon 1925 ("L'énfant
turbulent"), 1934 ("Les origines du caractére chez l' énfant"), e apesar da visão inovadora
sobre o esquema corporal introduzida pela psicanálise, cuja falta do corpo está na base do
fantasma original que ilustra o seu conceito nuclear de terapia, apesar de lhe sugerir um
bradicineticismo, tende a perder pertinência contextual entre os anos 30 e os anos 60.
Nos nossos dias, a Psicomotricidade estando rodeada por uma profusão
incomensurável de práticas corporais desconceitualizadas e com discursos teóricos pouco
consistentes, espalha-se por uma neurologia de tipo restritivo, por uma psicologia ora do tipo
racional, ora do tipo relacional, e por temáticas, que se prendem com as emoções e os afetos,
sem contudo ter ainda definido os seus contornos conteudísticos, os seus paradigmas e
problemas essenciais e os seus objetos de pesquisa.
A inflação psicomotora que abusivamente graça nos nossos dias, ao ponto de evocar
que toda a atividade corporal é psicomotora, complica o seu quadro de esclarecimento teórico.
As tentativas de abordagem epistemológica à motricidade humana, alicerçada em análises
filosóficas atraentes e em correntes de pensamento contemporâneo, que passam ao lado de
fundamentos neurológicos, psicológicos, psiquiátricos e patológicos básicos, tornam o objeto
de estudo da Psicomotricidade um desafio mais sério de integração teórica.
Na enciclopédia universal, o termo psicomotricidade, é abordado com certo equívoco,
explorando a ambigüidade dos conceitos a que ela se associa, assim como a significação dessa
associação. A Psicomotricidade é nela definida de forma muito ampla e vaga: "campo de
todas as tentativas para analisar e realizar a perfeição do comportamento".
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De onde vem esta concepção? As teses de Piaget (1947, 1956, 1962 e 1976), e de
Wallon (1925, 1932, 1934, 1956 e 1969), sobre a gênese da inteligência e do pensamento da
criança, são um ponto de referência indispensável ao conhecimento em devir da
psicomotricidade.
Quer um, quer outro, como tentamos demonstrar nos livros "Contributo para o estudo
da gênese da psicomotricidade" e "Escola, escola, quem és tu?" (Fonseca, 1975 e 1976)
sublinham, cada um com a sua visão singular de Psicomotricidade com um método e uma
conceitualização destintas.
Ambos reforçam que o psiquismo e o motor não são duas categorias ou realidades
estranhas, fechadas, separadas ou submetidas uma às leis do pensamento puro e outra aos
mecanismos físicos e fisiológicos, mas bem pelo contrário, enfocam a Psicomotricidade como
a expressão bipolar e circular, dum só e único processo, ou seja, a adaptabilidade humana.
É Ajuriaguerra (1974, 1970 e 1952) um dos primeiros autores a integrar os saberes
destes dois pioneiros da psicologia genética e os modelos clínicos de Reich, Schilder, Lacan e
M. Klein, tendo construído uma aplicação, não meramente teórica ou conceptual, mas sim
terapêutica, ressaltando mais a significação relacional, afetiva e mediatizadora dos problemas
psicomotores do que a sua infraestrutura anátomo-fisiológica.
É com base nesta concepção neuropsiquiátrica integradora original que emerge a sua
definição de reeducação psicomotora: " técnica que, pelo recurso ao corpo e ao movimento, se
dirige ao ser humano na sua totalidade. Ela não visa a readaptação funcional ou a
supervalorização do músculo, mas sim, a fluidez do corpo no envolvimento. O seu fim é
permitir uma melhor integração e um melhor investimento da corporalidade, uma maior
capacidade de se situar no espaço, no tempo e no mundo dos objetos e facilitar e promover,
uma melhor harmonização na relação com o outro " (Ajuriaguerra e Soubrian, 1959).
Definida desta forma a Psicomotricidade é uma forma de terapia que pode incluir
técnicas psicossomáticas, métodos expressivos, métodos de relaxação, atividades lúdicas, ou
seja, processos de ação inspirados na psicanálise e na psicoterapia (Vayer 1961, 1971). Uma
20
espécie de exegése que sofre de limites mal fixados e que ampliam a sua ambigüidade, mas
que nã deixam de reforçar a sua utilidade psicoeducacional.
Do "corpo corrigido" do princípio do século, com um passado tenebroso sobre as
relações entre o espírito e o corpo (Buytendjk, 1957), caminhamos para um "corpo
informacional" característico da última década (Fauché, 1993).
O psíquico e o motor do presente enunciam um evangelismo epistemológico, a
identidade da Psicomotricidade e a validade dos conceitos que emprega para se legitimar,
revelam uma síntese inquestionável entre o afetivo e o cognitivo, que se encontram no motor,
i. é. , a lógica do funcionamento do sistema nervoso, em cuja integração maturativa emerge
uma mente que transporta imagens e representações e que resulta duma aprendizagem
mediatizada dentro dum contexto sócio-cultural e sócio-histórico (Fonseca, 1989).
Esta opção epistemológica, certamente superadora do dualismo cartesiano que
Damásio (1995), desmascara com tanto brilhantismo, mais não desejam do que por em prática
em termos educativos, reeducativos, habilitativos e terapêuticos, as relações ativas, eficientes
e modificabilizadoras entre o corpo e as atividades mentais, intelectuais e afetivas. Atividades
essas que devem ser balizadas por uma neuropsicologia evolutiva, por uma psiquiatria e uma
psicanálise, por uma psicofisiologia e uma psicossomática atuais, que assumam uma
integração teórica e viabilizem uma prática multidimensional e multifacetada.
Muitas dificuldades de teorização nascerão, muitos conflitos da prática se
equacionarão, mas a evolução da Psicomotricidade não pode deixar de ter como orientação
básica que o ser humano é único, total e evolutivo, e que ela na sua essência interventiva, lhe
deve facilitar o acesso a um funcionamento psíquico normal otimizado.
A história do saber da Psicomotricidade, representa já um século de esforço de ação e
de pensamento, a sua cientificidade na era da cibernética e da informática, vai-nos permitir
certamente, ir mais longe na descrição das relações mútuas e recíprocas da convivência do
corpo com o psíquico. Esta intimidade filogenética e ontogenética, representa o triunfo
evolutivo da espécie humana, um longo passado de vários milhões de anos de conquistas
psicomotoras.
21
A Psicomotricidade, em síntese, atreve-se a clarificar o paradigma da evolução da
espécie humana, de certa forma a única, que pode atingir uma meta-motricidade, dado que os
outros animais desfrutam conosco também, duma motricidade, dum corpo e dum cérebro em
interacção com o seu habitat específico (Fonseca, 1989).
Cada vertebrado possui uma motricidade própria cuja evolução neuroanatômica
materializa uma interação entre o seu corpo, o seu cérebro e o seu habitat, mas só o ser
humano, o vertebrado dominante (Fonseca 1989), desenvolveu uma motricidade pensante e
transcendente, que reflete uma complexidade organizacional única no ecossistema, uma
construção integrada de substratos neurológicos (o neo-córtex), desde a protomotricidade dos
reflexos à neomotricidade da reflexão Fonseca (1992 e 1989).
A emergência de uma motricidade intencional e planificada, portadora de significações
extra-motoras, extra-biológicas e extra-somáticas, de distância interior e de consciencialização
entre o pensamento e a ação, está na base da criação dum mundo civilizacional, acrescentado
à natureza, por meio de uma nova motricidade e por uma praxiologia, cuja complexidade é
desconhecida na motricidade animal.
O surgimento de uma inteligência criadora, só pode ser compreendida à luz da
evolução de uma inteligência sensório-motora e vertebrada, que permitiu à espécie humana
através da sua inteligência corporal e quinestésica (Gardner, 1995), transformar a natura e
acrescentar-lhe cultura. A inteligência neste contexto, não se pode distanciar das condições
sócio-históricas concretas de onde ela emergiu, ou seja, ela é o corolário de uma motricidade
que se interiorizou Ajuriaguerra e Hecaen (1964) e Bernstein (1967).
A fronteira que separa a motricidade animal da humana, é em tese, a transformação e a
transcendência de uma motricidade inacessível ao animal, não só por características únicas
que deram origem a libertações anátomo-funcionais, mas por aquisições de novas capacidades
intencionais delas surgidas.
Ao perspectivar a evolução humana numa complexa espiral que decorre da ação ao
pensamento (Wallon, 1969), do gesto à palavra, a motricidade libertada do corpo e nele
provocando impressionantes alterações morfológicas (Fonseca, 1992), torna-se cada vez mais
dependente das intenções criadas pelo homem (Damásio, 1979).
22
3.1 O objeto de conhecimento da Psicomotricidade
A Psicomotricidade na sua essência, não é só a chave da sobrevivência, como se
observa no animal e na espécie humana, mas é igualmente, a chave da criação cultural, em
síntese a primeira e última manifestação da inteligência. A Psicomotricidade, em termos
filogenéticos, tem portanto, um passado de vários milhões de anos, porém uma história
restrita de apenas cem anos. A motricidade humana, a única que se pode denominar por
psicomotora, é distinta da motricidade animal por duas características: é voluntária e possui
novos atributos de interação com o mundo exterior (Eccles, 1989).
Para Sperry (1979), prêmio Nobel da Medicina, a atividade mental, e como tal a
inteligência, é um meio para executar ações, em vez de se evocar que a motricidade é apenas
uma forma subsidiária projetada para satisfazer os pedidos e as necessidades dos centros
nervosos superiores.
Em Bernstein (1967), o estudo da ação não interessa só à performance motora, mas
sim a todas as formas de realização de comportamentos significativos, só possível de
concretizar através da planificação e da resolução de problemas, envolvendo para o mesmo
autor não só uma iniciação eferente (problema) como uma finalização aferente (solução) com
conseqüências sensoriais.
Para ambos, "não agimos para conhecer, antes conhecemos para agir". É esta
separação ou retardamento teleonômico, entre os estímulos e as respostas, entre objetivos e
fins, entre as gnosias e as praxias, que no fundo está na base do surgimento da inteligência, é
uma distância que converte a informação intrassomática (eu) e extrassomática (não-eu), em
estados de consciencialização, um intermediário poderoso, numa palavra, o âmago do ser, i.
é., a somatognósia, dirigido por intenções manejadas pelo sujeito (Damásio, 1995 e Fonseca
1997).
Esta capacidade de intencionalidade inerente à motricidade humana, modificou por
completo a vida mental da espécie humana e modifica de forma construtiva e co-construtiva a
vida mental da criança ao longo do seu desenvolvimento psicomotor.
23
Nesta linha de pensamento, Gardner (1994), uma das maiores autoridades actuais
sobre inteligência humana, concebe a mesma com múltiplos componentes ("The Theory of
Muliple Intelligences"), exactamente sete tipos de inteligência, donde destaca a inteligência
quinestésico-corporal, por ele definida como: "controlo do corpo, de objetos e de situações,
envolvendo movimentos globais ou movimentos delicados dos dedos, produzindo acções
altamente diferenciadas para fins expressivos, expositivos ou intencionais".
Neste objeto de estudo, o mesmo autor considera a inteligência quinestésico-corporal,
como a base da evolução, não só no seu papel na caça e na fabricação de ferramentas, mas
também como apogeu da arte, como domesticação da motricidade animal, como emergência
da linguagem não verbal e da consciência e como berço do pensamento reflexivo.
Desenvolvendo esta perspectiva de inteligência quinestésico-corporal, na qual deve
radicar hoje a natureza do objeto do conhecimento da Psicomotricidade, Gardner (1994),
considera a inteligência quinestésico-corporal como uma família de procedimentos para
traduzir a intenção em ação, donde resulta um produto final criador e transformador, i. é., a
práxia, cuja complexidade é certamente semelhante à linguagem, quer em termos
filogenéticos quer ontogenéticos.
Para o mesmo autor, a práxia, depende da combinação integrada e sistêmica de três
funções que presidem à sua execução: a função receptiva (controle receptivo, captação de
sinais, interpretação da ação, atenção etc.); a função elaborativa (integração, planificação,
calibração, gestão de rotinas, padrões de sequencialização etc.); a função expressiva (efeito
fugal, controle da ação, melodia cinestésica manifestação práxica, referência etc.).
Em suma, a motricidade transformou a anatomia, a fisiologia e a psicologia do ser
humano, modificou as suas funções, e com ela a inteligência que a utiliza. A motricidade
humana, por analogia a única susceptível de se designar por psicomotricidade, exige a tomada
de consciência, uma vontade motivacional e um sistema de representações, com ela, o ser
humano inventou e fabricou com o corpo biológico, corpos artificiais, tendo adquirido por
meio dela "órgãos" muito especializados que trabalham por ele com mais rendimento e
disponibilidade. Para os paleontologistas a motricidade é o traço significativo e crucial da
Evolução Humana (Fonseca, 1994).
24
O acesso a uma motricidade para todo o serviço (MURCIA, 1980), liberta de
especializações biológicas restritas, converteu o corpo numa maravilha da engenharia
biológica, numa virtuosa morfologia e em sofisticados e complexos programas de ação,
comunicação e criação, sem a qual não seria possível ascender à inteligência superior.
Em analogia com a concepção de inteligência de Sternberg (1985), a motricidade
humana, pode ser entendida numa teoria triárquica, subentendendo um complexo e
multifacetado conhecimento distribuído por três subteorias básicas:
a subteoria multicomponencial, por se referir à dimensão do mundo interior do indivíduo e
aos componentes do ato psicomotor, que se baseia no processamento de informação (input
sensorial - integração e elaboração - output motor) onde se têm que mencionar a
disponibilidade, a interação e a acessibilidade dos metacomponentes do processo
executivo (performance), da planificação espaço-temporal entre os objetivos e os fins e da
monitorização e modulação estratégica de fatores tônico-posturais e gnoso-práxicos para
produzir soluções a problemas;
a subteoria multiexperencial, por se referir à familiarização, à prática e à aprendizagem
integrada, donde emerge o potencial de flexibilidade e de plasticidade ou de rigidez e
restrição de rotinas e automatismos que encerram a utilização dos componentes
psicomotores em concordância com a sua dimensão mnésica e ontogenética, e
concomitantemente disontogenética (Gubay, 1975, Fonseca, 1995), encarando a dialética
dos diversos períodos de desenvolvimento, do bebê ao idoso; e finalmente,
a subteoria multicontextual, por se relacionar com o mundo exterior e com os
ecossistemas onde decorre a evolução psicomotora, referindo a eficiência dos vários
sistemas biopsicossociais como reflexo da adaptabilidade dos contextos às características
dos indivíduos, desde a família, à escola, à sociedade e às suas organizações.
A Psicomotricidade, não pode ser analisada fora do comportamento e da
aprendizagem, e este para além de ser uma relação inteligível entre estímulos e respostas, é
antes do mais, uma seqüência de ações, ou seja, uma seqüência espaço-temporal intencional,
para usar uma expressão piagetiana.
A organização da ação humana contém propriedades gerais que lhe dão coerência: em
primeiro lugar, porque as ações são, na sua maioria, seqüencializadas; em segundo lugar,
porque as ações ocorrem num dado tempo, daí a importância dum plano, da emergência de
pré-condições e da previsibilidade da sua interrupção e dos seus lapsos; e em terceiro lugar, a
25
noção de que os objetos exigem ações apropriadas para os manipular, ou seja, a propriedade
final das ações é que elas têm um contexto apropriado.
Em síntese, a psicomotricidade é tributária de uma arquitetura funcional que se
desenvolveu filogeneticamente e que se estrutura ontogeneticamente (Fonseca, 1989 e 1994),
só possível numa dialética biopsicossocial, com a qual foi possível acrescentar à natureza uma
civilização, e é possível acrescentar aos reflexos motores uma reflexão psicológica que
decorre dum processo de aprendizagem dependente de uma mediatização que se opera num
contexto social concreto.
26
4. A NATAÇÃO
Tradicionalmente as aulas de natação são centradas no ensino-aprendizagem das
técnicas formais de nado, de partida e de viragem.
No entanto, antes das aulas de natação se centrarem nesses conteúdos é acute;
necessário que os alunos adquiram um conjunto de habilidades, comportamentos e
conhecimentos específicos do meio aquático.
Langendorfer e Bruya (1995) denominam esse processo de aquisição da "prontidão
aquática", porque antes de se aprender as habilidades motoras específicas de cada atividade
aquática, o indivíduo terá de apropriar-se de comportamentos, habilidades e conhecimentos
que o preparem para as aquisições subseqüentes. Já Carvalho (1984; 1985; 1992) e Mota
(1990) denominam esse processo de "adaptação ao meio aquático".
Ou seja, só após a adaptação ao meio aquático é que se inicia a aprendizagem das
habilidades motoras específicas das diversas atividades aquáticas, como por exemplo, da
Natação Pura, do Pólo Aquático, da Natação sincronizada, dos Saltos para a Água ou, da
Hidroginástica, entre muitas outras atividades.
Se usualmente se assumia que a adaptação ao meio aquático deveria ser realizada a
partir do momento em que a criança passava a freqüentar o Ensino Pré-Escolar, ou seja, ao
terceiro ano de vida; hoje em dia, freqüentemente, o processo de adaptação ao meio aquático
ocorre bem mais cedo, ainda em bebê.
Na realidade, é freqüente, a utilização de outras denominações, em alternativa, como
por exemplo, "Adaptação ao meio aquático na primeira infância", "Natação precoce",
"Actividades aquáticas do bebê", etc.. Para alguns autores, ao referir-se a aulas de "natação"
para bebês, a comunidade em geral, inclusive os pais, associaria esta atividades ao ensino
27
precoce das técnicas formais de nado. Daí que optem usualmente pela utilização de outras
denominações.
No entanto, atualmente, o conceito de saber nadar é diferente do que se tinha no
passado. Numa concepção tradicional, "saber nadar" consiste em saber-se deslocar, no meio
aquático, usando as técnicas de Crol, de Costas, de Bruços ou de Mariposa. Todavia, segundo
Carvalho (1985; 1992) e Moreno e Sanmartín (1998), saber nadar não é saber as técnicas
formais de nado. Mais do que isso, é saber estar no meio aquático, de evidenciar uma boa
relação com a água, sabendo adotar os comportamentos adequados face ao meio em questão.
28
5. A RELAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE E A NATAÇÃO
O modelo de desenvolvimento das habilidades motoras mais divulgado parece ser o de
Gallahue (1982). A representação esquemática do modelo de Gallahue (1982) encontra-se
ilustrado na Figura 1. Graficamente, o modelo pode ser representado por uma pirâmide,
colocando-se na base, ou seja, no primeiro estádio os movimentos reflexos, característicos dos
recém-nascidos e, apresentando no topo os movimentos desportivos. Nos patamares
intermédios o sujeito passa por um estádio de movimentos rudimentares, como sejam,
gatinhar ou marchar e, de movimentos fundamentais, como por exemplo, correr, saltar ou
lançar.
Figura 1. Modelo de desenvolvimento das habilidades motoras (adaptado de Gallahue, 1982).
No entanto, o desenvolvimento das habilidades motoras quer no meio terrestre, quer
no meio aquático, é resultado das contínuas interações entre determinados fatores genéticos e
as experiências prévias do sujeito com o meio envolvente (Moreno e Sanmartín, 1998).
No caso particular da aquisição das habilidades motoras aquáticas específicas, o
sucesso dessa apropriação também dependerá da prévia aquisição de determinadas
29
habilidades aquáticas básicas (Langendorfer e Bruya, 1995; Moreno e Garcia, 1996; Crespo e
Sanchez, 1998; Moreno e Sanmartín, 1998). Ou seja, antes da abordagem de habilidades
motoras aquáticas específicas como são por exemplo, as técnicas de nado, as técnicas de
remada da Natação Sincronizada ou da rectropedalagem no Pólo Aquático, será necessário
antes de mais, adquirir e consolidar um conjunto de habilidades aquáticas básicas.
5.1 As habilidades motoras aquáticas
Tal como no meio terrestre, a aquisição de habilidades motoras mais complexas e
específicas depende da prévia aquisição, apropriação e domínio de habilidades mais simples.
Consequentemente, Langendorfer e Bruya (1995), sugerem a adaptação do modelo de
desenvolvimento das habilidades motoras proposto por Gallahue (1982), para as actividades
realizadas no meio aquático. A representação esquemática da adaptação do modelo de
Gallahue (1982), proposto por Langendorfer e Bruya (1995), encontra-se ilustrado na Figura
2.
Figura 2. Adaptação do modelo de desenvolvimento das habilidades motoras
de Gallahue (1982), de acordo com Langendorfer e Bruya (1995)
Assim, a aquisição das habilidades aquáticas básicas terá como objectivo: (i) promover
a familiarização do sujeito com o meio aquático (Catteau e Garoff, 1988; Mota, 1990;
Carvalho, 1994; Navarro, 1995; Crespo e Sanchez, 1998; Moreno e Sanmartín, 1998); (ii)
promover a criação de autonomia no meio aquático (Catteau e Garoff, 1988; Mota, 1990;
Carvalho, 1994; Crespo e Sanchez, 1998; Moreno e Sanmartín, 1998) e; (iii) criar as bases
30
para posteriormente aprender habilidades motoras aquáticas específicas (Langendorfer e
Bruya, 1995; Crespo e Sanchez, 1998; Moreno e Sanmartín, 1998).
5.2 As habilidades motoras aquáticas básicas
Vasconcelos Raposo (1978), apenas se refere ao equilíbrio e à respiração, como
elementos a abordar no processo de adaptação ao novo meio. Todavia, tradicionalmente são
consideradas como componentes da adaptação ao meio aquático, ou seja, como sendo
habilidades aquáticas básicas: a respiração, o equilíbrio - que inclui as rotações e os saltos - e
a propulsão (Catteau e Garoff, 1988; Mota, 1990; Carvalho, 1982; 1994).
Isto é, serão considerados como elementos indispensáveis para uma posterior
abordagem de habilidades desportivas, no meio aquático, o domínio dos fatores relacionados
com o equilíbrio, a respiração e a propulsão. Contudo, a estas habilidades aquáticas básicas,
Moreno e Garcia (1996) acrescentaram os lançamentos e as recepções, o ritmo, os reboques, a
flutuação e a familiarização inicial com o meio. Mais tarde, Moreno e Sanmartín (1998)
procuraram uma melhor sistematização destas habilidades. Assim, propuseram a abordagem
das rotações, dos deslocamentos (que incorporam a propulsão e os saltos), das manipulações
(que incluem os lançamentos e as recepções) e dos equilíbrios (também abarcando as
flutuações e a respiração).
Por sua vez, Navarro (1995), sugere a abordagem nesta fase dos saltos, das rotações,
dos deslocamentos, do equilíbrio e, dos lançamentos e das recepções. No entanto, segundo o
autor em questão, são fatores essenciais para a posterior prática da Natação numa perspectiva
utilitária e desportiva, a respiração, a flutuação e a propulsão.
Em síntese, aparentemente, serão habilidades aquáticas básicas a serem abordadas no
decurso dos programas de adaptação ao meio aquático: (i) o equilíbrio, incluindo a flutuação e
as rotações; (ii) a propulsão, onde se integram os saltos; (iii) a respiração e; (iv) as
manipulações, que também abrangem os lançamentos e as recepções.
- Equilíbrio
31
O domínio do equilíbrio no meio aquático está intimamente ligado com o domínio da
propulsão (Mota, 1990). Isto porque a posição mais vantajosa para o deslocamento neste meio
é a horizontal. Assim, será necessário que o indivíduo refaça um conjunto de referências,
procurando-se adaptar à nova posição. No Quadro 1 comparam-se as alterações de
comportamentos no meio terrestre e no meio aquático, em termos de equilíbrio, de acordo
com Mota (1990).
Para mais, no meio aquático, o equilíbrio de um corpo depende da inter-relação das
Forças de Impulsão Hidrostática e de Gravidade (Abrantes, 1979). Logo, o equilíbrio é
alterável através da respiração e da modificação da posição relativas dos segmentos corporais
(Abrantes, 1979). Ou seja, ao aumentar-se o volume de ar inspirado, aumenta-se o volume
corporal imerso, pelo que também se aumenta o volume de água deslocada e, portanto, a
intensidade da Força de Impulsão Hidrostática. Por outro lado, alterando a posição relativa
dos diversos segmentos corporais, altera-se a localização do centro de massa e do centro de
impulsão e, portanto, a relação entre as forças envolvidas na determinação do equilíbrio.
Quadro 1. Comparação das alterações de comportamentos no meio terrestre
e no meio aquático, em termos de equilíbrio (adaptado de Mota, 1990).
Intimamente relacionado com este fenômeno está um outro: a flutuação. A flutuação é
a expressão mecânica entre a densidade de um corpo e a densidade do líquido onde esse corpo
se encontra mergulhado (Vilas-Boas, 1984). Pode-se mesmo dizer que a flutuabilidade é
determinada pela inter-relação entre as intensidades da Força da Gravidade e da Força de
Impulsão Hidrostática. Assim, um corpo apresenta uma flutuabilidade positiva quando a sua
densidade é igual ou inferior à densidade do líquido. Por outro lado, a flutuabilidade é
negativa quando a densidade do corpo é superior à densidade do líquido onde se encontra
mergulhado. Ou então, que a flutuabilidade é positiva quando a intensidade da Força de
Impulsão Hidrostática for igual ou superior à magnitude da Força da Gravidade e; pelo
32
contrário, a flutuabilidade é negativa quando a intensidade da Força de Impulsão Hidrostática
é inferior à intensidade da Força da Gravidade.
A abordagem da flutuação nesta fase é importante, para criar nos alunos uma
conscientização dessa possibilidade no meio aquático, a qual não é "vivenciável" no meio
terrestre (Mota, 1990; Moreno e Garcia, 1996).
Finalmente, serão também incluídas nesta categoria de habilidades aquáticas básicas as
rotações. O motivo para a sua inclusão neste tipo de habilidades justifica-se pelo fato das
rotações não serem mais do que alterações momentâneas do equilíbrio adquirido, ou seja, de
alterações esporádicas do equilíbrio atingido. Essas rotações poderão ser efetuadas sobre
diferentes tipos de eixos (internos e externos) e sobre diversos planos (sagital, frontal e
transverso).
A abordagem nesta etapa da formação das rotações será decisiva para a apropriação
mais tarde, por exemplo, das técnicas de viragem na Natação Pura Desportiva.
- Propulsão
Como já foi referido, as alterações em termos de equilíbrio, devem-se a diferenças no
mecanismo propulsivo utilizado no meio aquático. No Quadro 2 apresentam-se as alterações
em termos de propulsão que se verificam no meio aquático, segundo Mota (1990).
A Força Propulsiva Efectiva, em condições de escoamento estável, decorre da
componente na direcção do deslocamento da resultante entre a Força de Arrasto Propulsivo e
da Força Ascensional (Schleihauf, 1979). Já em condições de escoamento instável, a
propulsão explica-se devido à produção de vórtices (Colwin, 1992).
Acresce-se que quanto menor for a intensidade da Força de Arrasto Hidrodinâmico
oposta à direção de deslocamento do sujeito, maior será a velocidade de nado para uma dada
intensidade de Força Propulsiva. Assim, o aumento da velocidade de nado decorre do
aumento da intensidade da Força Propulsiva e da diminuição da intensidade das diversas
componentes da Força de Arrasto Hidrodinâmico oposta à direção do deslocamento do
sujeito, isto é, do Arrasto de Fricção, do Arrasto de Pressão e do Arrasto de Onda.
33
Quadro 2. Comparação das alterações de comportamentos no meio terrestre
e no meio aquático, em termos de propulsão (adaptado de Mota, 1990).
Por sua vez, os saltos poderão ser considerados como o método de deslocamento de
um indivíduo do meio terrestre para o meio aquático. Isto porque, nas atividades aquáticas, os
deslocamentos não são necessariamente efetuados sempre em contacto com a água. Daí a sua
inclusão neste grupo de habilidades, embora alguns autores refiram que os saltos deverão
fazer parte do equilíbrio (Vasconcelos Raposo, 1978; Catteau e Garoff, 1988; Carvalho, 1982;
1994).
- Respiração
Uma das principais limitações impostas pela passagem à posição horizontal, relaciona-
se com a necessidade de imersão da face, a qual se constitui como uma limitação da função
ventilatória (Holmér, 1974). Ou seja, o mecanismo respiratório sofre algumas alterações
quando o sujeito se encontra no meio aquático, devido à face se encontrar temporariamente
imersa e das características físicas desse mesmo meio, nomeadamente o fato deste ser mais
denso que o ar. Logo, o trabalho de aperfeiçoamento da respiração pressupõe a criação de um
automatismo respiratório necessariamente diferente do automatismo inato (Mota, 1990).
No Quadro 3 comparam-se as principais características do mecanismo respiratório no
meio terrestre e no meio aquático, de acordo com Mota (1990).
Quadro 3. Comparação das principais características do
mecanismo respiratório no meio terrestre e no meio aquático (adaptado de Mota, 1990).
34
- Manipulações
As manipulações consistem em manter uma relação de interação entre o indivíduo e
um ou vários objetos, permitindo explorá-lo(s) e, simultaneamente, explorar todas as suas
possibilidades (Moreno e Sanmartín, 1998). No caso concreto das atividades aquáticas, esses
objetos são usualmente materiais auxiliares como por exemplo, as placas, as barras para
efetuar imersões ou, os flutuadores.
São considerados casos particulares de manipulações aquelas que são realizadas com
as bolas, como sejam os lançamentos, os passes e as recepções. Os lançamentos podem ser
realizados a um determinado alvo - ou não - com o próprio corpo ou com outro(s) objeto(s).
No caso do objeto ser lançado a um outro indivíduo que por sua vez o recebe, denomina-se de
passe. Já as recepções poderão ser efetuadas com determinada parte do corpo, parado ou em
movimento.
No decurso do processo de adaptação ao meio aquático deverão ser abordadas diversas
habilidades motoras aquáticas básicas, as quais permitirão a posterior aquisição e assimilação
de habilidades motoras aquáticas específicas de diversas atividades aquáticas.
35
6. CONCLUSÃO
No domínio da aprendizagem e do desenvolvimento motor, as habilidades motoras
básicas são um pré-requisito para a aquisição, a posteriori, de habilidades mais complexas,
mais específicas, como são as desportivas.
Este fenômeno é justificável pelo fato do processo de desenvolvimento inter-
habilidades se dar por fases, numa seqüência previsível de mudança qualitativa. Por outro
lado, essa seqüência de desenvolvimento é tida como universal e invariante, dado que todo o
ser humano passa pelas mesmas fases e na mesma ordem, ocorrendo a progressão segundo o
ritmo de desenvolvimento específico de cada sujeito.
Esta concepção teórica é conhecida como a teoria dos estádios, baseando-se no modelo
de desenvolvimento cognitivo de Piaget. Assim, as mudanças observáveis de estádio para
estádio deverão ser entendidas como uma "reconstrução" do sistema nervoso, em que cada
mudança de estádio não será mais que a substituição de um programa neural obsoleto, por um
mais atual. Isto é, a passagem de um determinado estádio para outro, representa a passagem
de um nível rudimentar de execução para um nível superior.
Dessa forma é função da educação física trabalhar com a educação psicomotora mas
para isso é necessário que o professor conheça o desenvolvimento da criança para que possa
se aproximar de seu mundo infantil.
Através da psicomotricidade a criança chega a consciência de seus limites e
possibilidades, acaba conhecendo melhor o seu esquema corporal, e consegue relacionar-se
socialmente com outras crianças.
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O professor deverá trabalhar as seguintes áreas: esquema corporal, a motricidade e
percepção, de forma que desempenhe apenas o papel de facilitador do processo de interação
da criança e não o domínio sobre ela.
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