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Universidade de So Paulo Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
Transferncias interna e externa de renda do agronegcio brasileiro
Adriana Ferreira Silva
Tese apresentada para obteno do ttulo de Doutor em Cincias. rea de concentrao: Economia Aplicada
Piracicaba 2010
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Adriana Ferreira Silva
Bacharel em Cincias Econmicas
Transferncias interna e externa de renda do agronegcio brasileiro
Orientador: Prof. Dr. GERALDO SANTANA DE CAMARGO BARROS
Tese apresentada para obteno do ttulo de Doutor em Cincias. rea de concentrao: Economia Aplicada
Piracicaba 2010
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao
DIVISO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAO - ESALQ/USP
Silva, Adriana Ferreira Transferncias interna e externa de renda do agronegcio brasileiro / Adriana Ferreira
Silva. - - Piracicaba, 2010. 137 p. : il.
Tese (Doutorado) - - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2010.
1. Agribusiness 2. Comrcio exterior 3. Distribuio de renda 4. Rendas - Transferncia Ttulo
CDD 338.13 S586t
Permitida a cpia total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte O autor
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minha me: meu maior exemplo!
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeo a Deus pelo amparo no apenas neste trabalho, mas ao que
representam todos estes anos de estudo.
Agradeo minha me que, por sempre acreditar na educao, se tornou minha primeira e
maior educadora. Devo a ela todos os meus sonhos realizados. Aos meus irmos e sobrinhos
tambm agradeo pelo amor e afeto sempre incondicionais;
Ao prof. Geraldo, no h palavras que expressem minha gratido e carinho pelas horas a
fio dedicadas realizao deste trabalho. Seus ensinamentos foram alm de conhecimentos
tcnicos e me mostraram que pesquisa se faz com persistncia e entrega. A mim, foi e sempre
ser uma honra trabalhar com o senhor.
Aos professores do Programa de Ps-graduao pelos ensinamentos. Agradeo de forma
particular aos professores Mrian Bacchi, Humberto Spolador, Lucilio Alves pela disponibilidade
irrestrita em colaborar com crticas e sugestes para a realizao do presente trabalho;
A toda equipe do CEPEA pela acolhida, em especial ao Arlei Fachinello, Ana Paula
Silva, Luciane e Elisngela pelo carinho e companheirismo em nosso dia-a-dia;
A todos os funcionrios do Departamento de Economia, Administrao e Sociologia da
Esalq, em especial Maielli e Cristina, a quem sou profundamente grata pela inestimvel
ateno e carinho; ao lvaro, Silvana, Ligiana e Helena agradeo pela presteza no atendimento;
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES, pela bolsa
de estudos;
Aos amigos Andria Adami, Luiza Meneguelli, Maurcio J. P. Sousa, Karlin Saori Ishii,
Silvia Kanadani, Julcemar Bruno Zilli, pela amizade e companheirismo. s amigas Maria,
Priscila, Anglica e a todos os demais moradores e hspedes da nossa vila, pelos momentos
de alegria e descontrao partilhados nas festas e almoos em nossas casas. Em especial,
agradeo Rochinha pela acolhida e carinho dedicados a mim e Marina, minha companheira
ausente de repblica, mas sempre presente em ateno e afeto;
Agradeo afetuosamente ao meu namorido Flvio que sempre me apoiou nos momentos
difceis. Sua serenidade e alegria de viver so meu espelho!
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SUMRIO
RESUMO........ .............................................................................................................................9
ABSTRACT ...........................................................................................................................11
LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................13
LISTA DE TABELAS ...............................................................................................................17
1 INTRODUO.......................................................................................................................19
1.1 Debates sobre transferncia de renda na economia brasileira ..............................................19
1.2 Objetivos...............................................................................................................................28
2 REVISO BIBLIOGRFICA................................................................................................29
2.1 O agronegcio no Brasil: um breve histrico.......................................................................29
2.2 As mudanas no cenrio mundial e seus reflexos no agronegcio nacional ........................34
3 REFERENCIAL TERICO....................................................................................................41
4 METODOLOGIA....................................................................................................................49
4.1 Procedimentos para o clculo do PIB...................................................................................49
4.2 Computando a transferncia .................................................................................................55
4.3 Captao dos choques de oferta e demanda .........................................................................57
4.3.1 Modelo econmico ............................................................................................................57
4.3.2 Definies e funes bsicas do modelo econmico.........................................................58
4.3.4 Obteno da taxa de crescimento das variveis.................................................................62
4.4 Procedimentos economtricos ..............................................................................................63
4.5 Origem e descrio dos dados ..............................................................................................69
5 RESULTADOS .......................................................................................................................73
5.1 A evoluo do PIB do agronegcio brasileiro......................................................................73
5.2 Produto x PIB: a relao entre a renda gerada e a renda apropriada no agronegcio ..........83
5.3 A decomposio da transferncia sob a tica do mercado interno e externo .....................100
5.4 Resultados da anlise economtrica dos choques de oferta e demanda .............................110
6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................127
REFERNCIAS .......................................................................................................................131
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RESUMO
Transferncias interna e externa de renda do agronegcio brasileiro
A partir de 1995, as melhorias advindas da estabilizao monetria e a expanso de programas de transferncia de renda, em adio ao crescente padro de comrcio internacional, refletiram em reduo da concentrao de renda e da pobreza no Brasil. Acredita-se que o agronegcio, ao assumir posio estratgica para o controle da inflao e gerao de divisas no comrcio exterior, possa ter tido participao relevante nesta trajetria. Perante tal cenrio, procura-se neste trabalho contribuir para a compreenso do papel do agronegcio no processo de distribuio de renda, particularmente em relao s transferncias de renda para os demais setores da economia domstica e tambm para o mercado externo. Transferncia aqui entendida como a perda ou ganho de renda em decorrncia de mudana nos preos relativos. Buscou-se, assim, averiguar as relaes existentes entre a renda gerada pelo agronegcio e a renda efetivamente apropriada pelo setor, devido s variaes de preo reais ocorridas no perodo de 1995 a 2008. Os resultados indicaram que a evoluo do produto foi sempre superior do Produto Interno Bruto - PIB a preos reais correntes e, portanto, que o produto cresceu com preos reais decrescentes. A queda de preos somada ao aumento da produo representou uma perda de renda potencial do agronegcio, que foi absorvida pela sociedade. Tal ocorrncia se deu de forma mais marcante no ramo da pecuria do que para o das lavouras. No acumulado do perodo R$ 837 bilhes foram transferidos pelo agronegcio brasileiro, dos quais: (a) 47% provieram do segmento bsico (dos quais 46% das lavouras e 54% da pecuria); (b) 38% vieram do segmento de distribuio; (c) 20% saram da agroindstria (62% da indstria de base vegetal e 38% da indstria de processamento animal); (d) o segmento de insumos foi receptor lquido de renda (R$ 41 bilhes). Diretamente a sociedade brasileira, a maior transferncia (R$ 641 bilhes) veio do segmento bsico, sendo 67% das lavouras e o restante da pecuria. O benefcio de quedas reais de preo recebido pela sociedade, quedas estas comparveis ou superiores s observadas aos produtores rurais, indicou que os segmentos agroindustrial e de distribuio tambm colaboraram no processo de aumento do produto a preos decrescentes. Ao final, o aumento do produto, simultneo queda de preos reais, foi um indicador de aumento de produtividade no agronegcio. As anlises economtricas corroboraram essa constatao, sendo produtividade a fonte mais importante de variaes no produto do agronegcio no perodo estudado. Palavras-chave: Agronegcio; Distribuio de renda; Transferncia de renda
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ABSTRACT
Internal and external transfers of income from brazilian agribusiness
Since 1995, the monetary stabilization and expansion of programs related to income transfer, in addition to the growing standard of international trade, have reflected in a reduction of the concentrated wealth and poverty in Brazil. It is believed that the agribusiness has taken a strategic position in order to be able to control inflation and foreign currency earnings in foreign trade, might have been of great relevance in this process. Therefore, the main point of this work is to contribute to the understanding of the role of agribusiness regarding income distribution, mainly as to income transfers for the other sectors of domestic economy as well as for the export market. Transfer is here understood as the gain or loss of income due to changes in prices. Thus, one tried to establish the relationship between the income generated by agribusiness and the income effectively appropriated by the sector, due to shift in prices which took place in the period from 1995 to 2008. The results indicated that the evolution of the product was always higher than the Gross Domestic Product (GDP) at real current prices, and that there was an increase in production with real declining prices. The fall in prices added to the increased production resulted in a loss of potential income of agribusiness, which was absorbed by society. This result proved to be more noteworthy in the business of livestock than in crops. In the accumulated period, R$ 837 billion were transferred by the agribusiness, where: a) 47% came from primary segment (of which 46% from crops and 54% from livestock), (b) 38% came from the distribution segment, (c) 20% came from agroindustry (62% of agricultural industry and 38% from livestock industry), (d) the inputs segment was the one receiving income of R$ 41 billion. Directly to the Brazilian society, the largest transfer (R$641 billion) came from the primary segment, being 67% from crops and 33% from livestock, respectively. The benefit towards society of the actual fall in price, comparable to or higher than the ones observed in rural products, indicated that both the industrial and distribution segments also collaborated in the process of the increase in product with declining prices. The increase of the product, combined with the actual fall in prices was an indicator of increased productivity in agribusiness. The econometric analysis corroborated in this finding, being productivity the most important source of variations in the product of agribusiness in the period studied.
Keywords: Agribusiness; Income distribution; Income transfer
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Preos internacionais de produtos agrcolas: alimentos e no-alimentos/metais......21
Figura 2 ndice de preos em dlar do trigo............................................................................22
Figura 3 ndice de preos em dlar do milho ..........................................................................22
Figura 4 ndice de preos em dlar do arroz ...........................................................................22
Figura 5 Produtividade da agricultura mundial em toneladas por hectare ..............................23
Figura 6 Margem entre preos mundiais e preos ao consumidor em seis pases...................24
Figura 7 Produtividade total de fatores....................................................................................25
Figura 8 Preos Reais aos Produtores Rurais - IPR e da Alimentao ao Consumidor - IPC 26
Figura 9 Preos recebidos em reais e preos internacionais convertidos pelo cmbio efetivo59
Figura 10 PIB do agronegcio brasileiro em R$ milhes de 2008 1995 a 2008..................74
Figura 11 Taxa de crescimento do agronegcio brasileiro 1995 a 2008 ..............................75
Figura 12 PIB dos segmentos da agricultura em R$ milhes de 2008 1995 a 2008 ............78
Figura 13 PIB dos segmentos da pecuria em R$ milhes de 2008........................................80
Figura 14 Participao do PIB agrcola e pecurio no agronegcio nacional1995 a 2008 ...81
Figura 15 Taxa de crescimento do PIB do agronegcio e do PIB total brasileiro 1995 a
2008...........................................................................................................................81
Figura 16 Participao dos segmentos na formao do PIB do agronegcio nacional ...........82
Figura 17 Produto do agronegcio brasileiro em R$ milhes de 2008 1995 a 2008............83
Figura 18 PIB e produto do agronegcio brasileiro em R$ milhes de 2008 .........................86
Figura 19 Transferncia de renda pelo agronegcio de 1995 a 2008, em R$ milhes de
2008...........................................................................................................................87
Figura 20 Transferncia anual dos setores agrcola e pecurio, em R$ milhes de 2008 1995
a 2008.........................................................................................................................88
Figura 21 Transferncia acumulada dos setores agrcola e pecurio, em R$ milhes de 2008
1995 a 2008................................................................................................................89
Figura 22 Renda transferida pelos segmentos do agronegcio nacional, em R$ milhes de
2008 1995 a 2008.....................................................................................................90
Figura 23 Renda transferida no acumulado do perodo pelos segmentos do agronegcio
nacional, em R$ milhes de 2008 1995 a 2008.....................................................90
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Figura 24 Renda transferida pelos segmentos do agronegcio da agricultura, em R$ milhes
de 2008 1995 a 2008..............................................................................................91
Figura 25 Renda transferida pelos segmentos do agronegcio da pecuria, em R$ milhes de
2008 1995 a 2008 ..................................................................................................92
Figura 26 Preo mdio real recebido pelos produtores agrcolas e pecurios (em R$ 2008)..93
Figura 27 ndice do preo mdio real pago pelos insumos agropecurios em R$ de 2008.....95
Figura 28 Evoluo dos preos reais da agroindstria vegetal e animal (R$ de 2008)...........97
Figura 29 Evoluo dos preos reais dos segmentos do agronegcio pecurio (R$ de 2008)..
..................................................................................................................................98
Figura 30 Evoluo dos preos reais dos segmentos do agronegcio agrcola (R$ de 2008)...
..................................................................................................................................99
Figura 31 Balana comercial e transferncia externa, em R$ milhes de 2008....................101
Figura 32 ndice de Preo de Exportao do agronegcio - IPE, ndice de Volume Exportado
- IVE, taxa efetiva de cmbio do agronegcio brasileiro - IC e ndice de
Atratividade das Exportaes - IAT .......................................................................102
Figura 35 Resumo das transferncias de renda acumulada segundo setores e segmentos do
agronegcio em milhes de R$ 2008 .....................................................................108
Figura 36 Evoluo anual do Produto, PIB e renda transferida ............................................109
Figura 37 Funo acumulada de resposta ao impulso a choques na prpria varivel (fora da
porteira) ..................................................................................................................120
Figura 38 Funo acumulada de resposta ao impulso a choques na prpria varivel (dentro da
porteira)....................................................................................................................121
Figura 39 Funo acumulada de resposta do Produto, a choques nos preos, produtividade,
salrio e exportaes (dentro da porteira) ..............................................................122
Figura 40 Funo acumulada de resposta do Produto, a choques nos preos, produtividade,
salrio e exportaes (fora da porteira) ..................................................................123
Figura 41 Funo acumulada de resposta a choques nos preos, produtividade, salrio e
exportaes (dentro da porteira) .............................................................................124
Figura 42 Funo acumulada de resposta a choques nos preos, produtividade, salrio e
exportaes (fora da porteira).................................................................................124
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Figura 43 Decomposio histrica do erro de previso do produto dentro e fora da porteira..
................................................................................................................................125
Figura 44 Distribuies acumuladas dos erros de previso do produto baseadas nos choques
de preos e de preos mais produtividade ..............................................................126
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Concentrao de mercado dos maiores fornecedores mundiais de insumos agrcola
..................................................................................................................................38
Tabela 2 PIB do agronegcio brasileiro em milhes R$ 2008................................................79
Tabela 3 Produto gerado pelo agronegcio brasileiro em milhes R$ 2008 ..........................85
Tabela 4 Resultados dos testes de raiz unitria de Dickey-Fuller .........................................111
Tabela 5 Resultados do Teste de co-integrao de Johansen sobre as sries de preos,
produtividade e PIB................................................................................................112
Tabela 6 Coeficientes da matriz de relaes contemporneas com produtividade, preos e PIB
dentro e fora da porteira .........................................................................................114
Tabela 7 Decomposio da varincia dos erros de previso dos preos agropecurios........115
Tabela 8 Decomposio da varincia dos erros de previso da Produtividade dentro da
porteira....................................................................................................................115
Tabela 9 Decomposio da varincia dos erros de previso do salrio mnimo ...................115
Tabela 10 Decomposio da varincia dos erros de previso do produto.............................116
Tabela 11 Decomposio da varincia dos erros de previso das exportaes a preos
constantes........ .......................................................................................................116
Tabela 12 Decomposio da varincia dos erros de previso dos preos agropecurios......117
Tabela 13 Decomposio da varincia dos erros de previso da Produtividade fora da
porteira....................................................................................................................118
Tabela 15 Decomposio da varincia dos erros de previso do produto.............................118
Tabela 16 Decomposio da varincia dos erros de previso das exportaes a preos
constantes........ .......................................................................................................119
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1 INTRODUO 1.1 Debates sobre transferncia de renda na economia brasileira
Procura-se neste trabalho compreender o papel da transferncia de renda do agronegcio
para o processo de melhora da distribuio de renda havido no Brasil a partir de meados da
dcada de 1990. O enfoque tanto sobre as transferncias de renda do agronegcio para os
demais setores da economia domstica quanto para o setor externo ao pas.
Transferncia aqui entendida como a perda ou ganho de renda em decorrncia da
mudana de preos relativos (preos reais). Ou seja, quedas de preos relativos sem reduo ou
com aumento de produo constituem transferncias de renda aos mercados nacional e
estrangeiro. As transferncias referem-se, pois, s diferenas entre o Produto (valor adicionado)
setorial avaliado a Preos Constantes - PPC, de um momento de referncia e o Produto Interno
Bruto - PIB avaliado a preos reais ao longo de um perodo.
Assume-se que o processo de redistribuio de renda e reduo de pobreza a curto prazo -
como no caso recente do Brasil - reflete fatores atuantes do lado da demanda e da oferta do
produto gerado na economia. Do lado da demanda, o controle da inflao assegura o poder mdio
da moeda, colocando disposio dos consumidores maior e mais estvel poder de compra.
Entretanto, fica a questo dos preos relativos. Ao receber mais renda, a sociedade ir us-la para
a compra de bens e servios conforme seu padro de consumo. Se o uso da renda adicional for
direcionado para bens cujos preos relativos estejam em alta, a transferncia de renda real no se
d. Esse possvel aumento de preos relativos em uma dada categoria de bens e servios pode
resultar de um processo de ajuste no setor produtor como queda de produtividade ou do
prprio fato de a redistribuio de renda elevar a demanda pelos bens do setor.
Assim, se os beneficirios do controle da inflao e dos programas de transferncia de
renda despendem grande parte de sua renda em bens de origem agropecuria, em especial
alimentos, para que a distribuio seja efetiva, importante que os preos relativos desse setor
no cresam ao tempo em que se do as transferncias. Alis, se a produo estiver em
crescimento com aumentos de produtividade, a distribuio poder ultrapassar as metas ao
beneficiar o pblico-alvo com queda de preos relativos.
Focam-se nesta anlise os anos de 1995 a 2008, perodo em que vm sendo detectadas
redues na concentrao da renda nacional e no grau de pobreza, processos para os quais as
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transferncias aqui estudadas podem ter tido papel relevante. Como exemplo, podem ser
mencionados os estudos de Paes de Barros (2009), que apontam para queda no coeficiente de
Gini de desigualdade de renda no Brasil de 0,599 para 0,552 entre 1995 e 2007. Indicam ainda
que, de 2001 a 2007, a renda per capita dos 10% mais pobres cresceu a 7% ao ano, enquanto a
renda mdia crescia a 2,5%. Neste ltimo perodo, a extrema pobreza que atingia mais de 17,3%
da populao passou a representar pouco mais de 10,1%.
A economia brasileira passou por importantes mudanas a partir dos anos 1980. Trata-se,
em primeiro lugar, do perodo em que se inicia a redemocratizao do Pas aps mais de 20 anos
de governo militar. No decorrer daquela dcada, esgotou-se a capacidade de poupar do setor
pblico, at ento a mola mestra da economia e que sustentava o regime poltico autoritrio.
A partir de 1986, iniciaram-se os esforos para melhorar o controle das atividades
governamentais dos pontos de vista fiscal e monetrio com a unificao oramentria e a
extino da conta movimento entre o Banco Central e o Banco do Brasil e, com isso, combater
o processo inflacionrio, que se achava entranhado na economia e caminhava para uma escalada
descontrolada. A partir dos anos 1990, passaram a ser implementados maior abertura comercial
da economia brasileira, programas de privatizao de empresas estatais e desregulamentao de
mercados. O Plano Real de 1994 mostrou-se eficaz no controle da inflao, complementado ao
longo do tempo com a lei da responsabilidade fiscal, a liberalizao (flutuao) cambial e o
estabelecimento do regime de metas de inflao.
Duas caractersticas, pelo menos, predominaram durante a primeira dcada desse perodo
de mudanas (1985-95). Por um lado, o ritmo de crescimento econmico mudou para patamar
mais baixo em comparao aos anos 1970. Por outro, o padro de distribuio da renda nacional
permaneceu to ou mais concentrado do que antes. Aps essa fase (de 1995 em diante), embora o
ritmo de crescimento no tenha se alterado significativamente, passou-se a observar paulatina
melhora, ou seja, reduo da concentrao de renda e da pobreza no Brasil. Essa fase marcada
pela estabilizao monetria e pela expanso de programas de transferncia de renda, os quais
foram unificados no chamado Bolsa Famlia. Em adio, uma melhora no padro de comrcio
internacional verificada, com o que a dificuldade de superao das crises internacionais,
freqentes no perodo, foi diminuda.
A agricultura ou, mais amplamente, o agronegcio, pode ter tido papel relevante na
trajetria da economia brasileira no perodo a ser analisado. Acredita-se que o setor tenha sido
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estratgico para o controle da inflao (ncora verde), para gerao de divisas no comrcio
exterior e no processo de desconcentrao da renda nacional e reduo da pobreza.
No geral, a queda de preos agropecurios no decorrer do sculo XX um fenmeno
mundial. Na Figura 1 pode-se notar uma queda de preos reais agrcolas em dlares aps o pico
alcanado em meados dos anos 1970. Um padro parecido tambm se observou para preos de
commodities em geral, inclusive o petrleo.
Alimentos
Petrleo
Figura 1 - Preos internacionais de produtos agrcolas: alimentos e no-alimentos/metais Fonte: Fundo Monetrio Internacional FMI (2009)
No caso dos alimentos, a queda real de preos superou os 70%. As Figuras 2, 3 e 4
ilustram o comportamento dos preos reais de trs alimentos importantes: milho, trigo e arroz,
todos com queda acima de 60% a partir de 1900. O fator explicativo para esse comportamento
nos preos dos alimentos tem sido a evoluo favorvel da produtividade. Para Ruttan (2002), at
o incio do sculo XX, a maior parte do crescimento agrcola mundial provinha da expanso da
rea utilizada. J no fim desse sculo, o crescimento vinha predominantemente da produtividade
por hectare. Na verdade, o fenmeno comeou nas atuais economias desenvolvidas na segunda
metade do sculo XIX. Na maioria dos pases atualmente em desenvolvimento, o crescimento da
produtividade agrcola comeou na segunda metade do sculo XX. Nos pases mais pobres,
porm, o processo ainda no comeou.
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Figura 2 - ndice de preos em dlar do trigo Fonte: Eberstadt (2008)
Figura 3 - ndice de preos em dlar do milho Fonte Eberstadt (2008)
Figura 4 - ndice de preos em dlar do arroz Fonte: Eberstadt (2008)
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A Figura 5 mostra a evoluo da produtividade da agricultura mundial partir de 1960, em
toneladas por hectare. O crescimento mais acelerado se deu na sia do Leste e do Pacfico, que
triplicou de 1960 a 2005; nos pases desenvolvidos, a produtividade cresceu 150% e, na Amrica
Latina e Caribe, mais do que dobrou. O caso preocupante o da frica Subsaariana, cuja
produtividade agrcola permaneceu quase estagnada.
1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005
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Figura 5 - Produtividade da agricultura mundial em toneladas por hectare Fonte: World Bank (2008)
Para Barros (2006a), o mercado internacional em expanso associado ao processo de
globalizao permitia que parte dos aumentos de produo do agronegcio, matrias-primas e
produtos processados, fosse exportada, evitando maiores quedas de preos decorrentes da
inelasticidade da demanda domstica, que poderiam inviabilizar o processo de crescimento do
setor. O mercado para o agronegcio expandido pelas exportaes viabilizava esse crescimento,
para o qual aumentos de escala de produo eram importantes, tanto no segmento primrio como
nos demais. Tratava-se de estratgia importante para competir num mercado mundial em que os
preos decresciam sistematicamente devido ao crescimento da produtividade, mas tambm pelo
alto grau de protecionismo adotado por diversos pases, principalmente os mais desenvolvidos,
que contavam com recursos para bancar esse custoso procedimento.
A propsito do protecionismo, Morisset (1998) demonstrou para o perodo de 1970 a
1994 o afastamento entre os preos de mercado internacional e os praticados no varejo,
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decorrente de polticas de pases e da atuao de empresas comerciais atravs de aplicao de
tarifas alfandegrias, subsdios e da prtica de two-tier-pricing1. Na Figura 6 esto as margens
entre preos mundiais e preos ao consumidor em pases desenvolvidos (Alemanha, Canad,
Frana, Estados Unidos, Itlia e Japo) para os alimentos (acar, arroz, caf, carne bovina e
trigo) e para esse mesmo grupo de commodities somado o petrleo.
Todas Commodities
Excluindo Petrleo
Todas Commodities (mdia mvel)
Figura 6 - Margem entre preos mundiais e preos ao consumidor em seis pases Fonte: Morisset (1998)
Especificamente no Brasil, Gasques et al. (2008) estimaram que a produtividade total de
fatores triplicou de 1975 a 2005 (Figura 7). Ainda no Brasil, como indicado mais adiante,
detectou-se queda de 2/3 nos preos recebidos pelos produtores rurais entre 1975 e 2007, sendo
que o grosso da reduo se deu at meados dos anos 1990. H, assim, correspondncia entre as
quedas de preos reais em escala mundial e a queda observada domesticamente, ambas na casa
dos 60% a 70%, nos ltimos 30 anos - at cerca de 2005. A queda dos preos dos alimentos no
Brasil parece ter se dado de forma mais ampla do que unicamente uma queda ao produtor rural.
1 Este termo se refere a assimetria entre os preos praticados no mercado domstico e no resto do mundo, devido a ao de polticas, custos de processamento, transportes e comercializao.
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Figura 7 - Produtividade total de fatores Fonte: Gasques et al. (2008)
Segundo Margarido et al. (2006), o papel dos preos agrcolas como fator relevante na
estabilidade de preos ao longo da dcada de 1990 esteve ligado basicamente a duas vertentes. A
primeira pode ser representada por Mendona de Barros, Rizzieri e Pichetti (2001), segundo os
quais a reduo de preos dos alimentos no decorrer deste perodo deveu-se ao expressivo ganho
de produtividade da prpria atividade agrcola. Para esta vertente, as inovaes tecnolgicas
ocorridas naquele perodo elevaram a produtividade da terra, sendo possvel a ampliao da
quantidade ofertada de alimentos e, como resultado, reduo de seus preos.
A outra vertente tem como base o trabalho de Farina e Nunes (2004), segundo o qual,
embora se reconhea a importncia dos ganhos de produtividade da agricultura como fatores
explicativos da reduo de preos dos alimentos ao produtor no perodo de 1994-2001, estes no
foram os principais responsveis pela queda de preos dos alimentos ao consumidor. Na Figura
8, mostra-se que as quedas de preos de produtos animais, das lavouras e da alimentao ao
consumidor foram de magnitudes comparveis de 1975 a 2006, referendando a observao desse
trabalho.
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2005
IPR ANIMAL IPR LAVOURAS IPC ALIMENTAO Figura 8 - Preos Reais aos Produtores Rurais - IPR e da Alimentao ao Consumidor - IPC Fontes: Fundao Getlio Vargas - FGV (2008) *, Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas FIPE (2008) **
* para IPR e IGP ** para IPC-Alimentao
Com base no comportamento dos preos de produtos agrcolas e industriais no atacado,
Farina e Nunes (2004) buscaram mostrar que, entre 1994 e 2001, o setor industrial da economia
contribuiu mais significativamente para a estabilidade de preos do que o setor agrcola. Ao se
comparar o preo dos alimentos industrializados com os preos agrcolas, os autores verificaram
uma tendncia consistente de reduo dos preos relativos dos alimentos. Alm disso, o preo de
varejo cresceu menos do que os preos no atacado, indicando que o varejo tambm teve papel
relevante.
Portanto, no que tange existncia de reduo de preos dos alimentos ao consumidor
final, as vertentes concordam entre si, sendo, na verdade, esse o ponto de partida dos
questionamentos acima. Os trabalhos mencionados concordam tambm que houve um processo
de transferncia de renda entre os setores ligados produo agroalimentar. Entretanto, qual elo
transferiu maior parcela de sua renda ao consumidor final persiste enquanto centro da discusso
entre as duas correntes.
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27
Segundo Barros (2006b)2, a forte concentrao e verticalizao a montante e a jusante da
produo agropecuria associado consolidao dos supermercados e da agroindstria tm
gerado um mecanismo pelo qual, aos produtores agropecurios, resta a absoro dos impactos de
custos de comercializao, j que aumentos de preos so evitados de todas as formas a jusante
das cadeias produtivas. Portanto, a reduo dos preos dos produtos agroalimentares teria como
base a presso sobre os produtores, que se torna suportvel face reduo de custos advinda dos
aumentos de produtividade. Tendo em vista a reduo de preos medida que a produtividade e a
eficincia crescem, os produtores rurais, consequentemente, ficam sem condies de se
capitalizarem a partir das as redues de custos que obtm.
digno de nota que essas redues de preo viabilizadas pelos aumentos de produtividade
foram repassadas aos consumidores a despeito da concentrao dos mercados agroindustriais e
varejistas. Mais significativo ainda que esses agentes de mercado tenham contribudo para
redues de preos que vo alm das observadas ao produtor rural. um sistema de transferncia
de renda dos produtores e do agronegcio sociedade. claro que ao mesmo tempo, cresce em
termos reais a renda da populao mais pobre, abrindo novas oportunidades de consumo a serem
exploradas pelo varejo em geral e pelo prprio sistema financeiro (BARROS, 2006a).
Scucato (2005) destacou a tendncia mundial de transferncia de renda para os setores
urbanos da economia e arrocho sobre o setor primrio. Citando um estudo da FAO nos pases
emergentes, mostrou que, em geral, o retorno de investimento de 67% para o setor secundrio,
22% para o tercirio e apenas 11% para o campo.
Para Souza (2005), medida que se promove a transferncia de recursos do agronegcio
para a sociedade, os produtores rurais parecem ser mais vulnerveis, face ao menor nvel de
capitalizao. A transferncia de poder de compra, quando em excesso ao incremento de
produtividade, pode debilitar o produtor rural, prejudicando seus investimentos e inibindo o uso
de insumos modernos do processo produtivo. Aqueles produtores de menor porte podem ser mais
atingidos por deixarem de acompanhar os avanos tecnolgicos e de investirem suficientemente.
Grandes contingentes acabam se retirando da agropecuria.
2 BARROS, G.S.C. Economia da comercializao agrcola, Piracicaba, 2006b. 220 p.
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28
Frente a este contexto, o padro de crescimento agropecurio pode se dar com
deslocamento expressivo de agricultores para o meio urbano, nas metrpoles ou cidades de
menor porte, no interior. Segundo Souza (2005), esse fato acarreta prejuzo ao desempenho da
agricultura, refletindo-se no desenvolvimento industrial. De outra parte, os agricultores podero
ficar desestimulados em investir na agricultura comercial, medida que parcelas crescentes de
seu excedente vo sendo extradas, seja mediante o mecanismo de preos seja por outras formas
compulsrias de transferncia.
No h consenso de como as mudanas no segmento agroalimentar influenciaro agentes
tradicionais do setor (isto , atacado, comerciantes e empresas de pequeno porte) a longo prazo.
Tais caractersticas apontam a importncia de aes especficas sobre os diferentes segmentos do
agronegcio, j que a forma com que tais mudanas afetam os diferentes segmentos pode variar.
1.2 Objetivos
O principal objetivo deste trabalho calcular a transferncia de renda do agronegcio
brasileiro aos demais setores da economia e ao exterior, devido s variaes de preo reais
ocorridas no perodo de 1995 a 2008. Busca-se, assim, averiguar as relaes existentes entre a
renda gerada pelo agronegcio (e seus segmentos) e a renda efetivamente apropriada pelo setor.
De forma especfica, os objetivos so:
Estimar sries mensais do PIB do Agronegcio para o perodo de 1995 a 2008; Identificar a relao entre o valor gerado pelos segmentos do agronegcio a preos constantes
(classificado, no presente trabalho, por produto a preos constantes - PPC) e o correspondente
valor da parcela realmente apropriada (classificado, no presente trabalho, por PIB a preos
reais);
Estudar o comportamento da transferncia de renda por segmentos do agronegcio (Insumos, Bsico, Indstria e Distribuio), atravs da evoluo em seus preos reais;
Desagregar as estimativas da transferncia do setor sob a tica do mercado interno e externo, investigando, dessa forma, o destino (ou origem) da renda transferida (ou recebida) pelo
agronegcio sociedade;
Investigar o efeito dos choques de oferta e demanda sobre o PIB do agronegcio, frente ao comportamento dos preos reais e produtividade do setor do perodo em anlise.
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29
2 REVISO BIBLIOGRFICA
2.1 O agronegcio no Brasil: um breve histrico
A atividade agropecuria no Brasil sempre esteve em pauta nas discusses sobre o
crescimento e desenvolvimento do pas. Em diversas ocasies, foi encarada como caminho ao
dinamismo da economia, alm da principal fonte geradora de riquezas e divisas ao pas. Em
outras, viu-se a inverso de tal tica, passando a assumir o papel de vil da inflao e obstculo
ao desenvolvimento nacional.
At meados da dcada de 1960, grandes ciclos econmicos ligados produo
predominaram na economia brasileira, entre eles, destacam-se, os ciclos da cana-de-acar, da
borracha e do caf, todos dirigidos para a exportao. Tais ciclos, ao mesmo tempo em que foram
responsveis pela gerao de riquezas e prsperos anos, tambm geraram amplos prejuzos e
profundas crises economia. A no diversificao da produo, alm de gerar dependncia
externa, constitua os principais pontos fracos desse sistema.
Como exemplo, pode-se destacar as conseqncias da grande depresso de 1929. Neste
perodo, a agricultura brasileira era regida pelo comrcio mundial cafeeiro, e, portanto,
fortemente voltada para a exportao. Diante da drstica reduo nas compras de bens nacionais e
corte nos emprstimos externos, o Brasil se viu exposto. A crise que teve origem nos Estados
Unidos atingiu praticamente todos os setores produtivos nacionais.
Segundo Campa (1990), os pases da Amrica Latina foram os primeiros atingidos pela
depresso de 1929, sendo a reduo nas entradas de capital estrangeiro, o decrscimo no volume
exportado e a acentuada queda nos preos de exportao, as principais dificuldades enfrentadas.
O cenrio criado neste perodo levou os pases latino-americanos a mudar seu modelo de
crescimento, que passou, ento, a ser orientado pela tica do processo de substituio de
importaes.
Por muito tempo, as grandes discusses poltico-econmicas passaram a tratar da
necessidade de se corrigir a baixa diversificao da pauta produtiva e reduzir a dependncia
externa, que causavam tantos problemas perante crises. De acordo com Mendona e Pires (2002),
o modelo de colonizao adotado pelos portugueses no Brasil desde seu incio visava gerao
de excedentes para o comrcio mundial a partir da produo de artigos oriundos de atividades
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30
primrias, assim o desenvolvimento do pas no era compatvel criao de uma forte estrutura
industrial.
Segundo Braick (2003), o deslocamento da oligarquia cafeeira em meados da dcada de
1930, criou condies para o revigoramento de um poder central, que priorizava polticas
desenvolvimentistas, tendo no Presidente Getlio Vargas, o lder que implementou as bases de
um modelo de industrializao. Essas bases compreendiam novas instituies, novos
instrumentos legais, redefinio do papel do Estado e do capital externo na economia, re-
estruturao dos fluxos de comrcio dentro do conjunto de setores econmicos, estratgias de
ocupao do territrio nacional.
Para Mendona e Pires (2002), a morte de Getlio Vargas significou a derrocada do
projeto nacionalista e a breve administrao de Caf Filho no teve fora poltica suficiente para
implantar um projeto que provocasse profundas mudanas no modelo de desenvolvimento
vigente. Entretanto, entre os anos de 1956 e 1960, Juscelino Kubitschek - JK implementou seu
Plano de Metas, no qual amplos investimentos (pblicos e privados) em infra-estrutura foram
realizados visando acelerao da industrializao brasileira. Lacerda et al. (2005) afirmam que,
contrariamente ao projeto nacionalista de Vargas, o Plano implantado por JK aceitava de forma
clara a predominncia do capital externo, limitando ao capital nacional, o papel de scio menor
desse processo, se estruturando, assim, um modelo de desenvolvimento tido como associado e
dependente.
Segundo Barros et al. (2006a), j em meados de 1960 as melhores e mais bem servidas
terras, localizadas no Sul, Sudeste j se mostravam incapazes de atender demanda vigente. Ao
mesmo tempo, a urbanizao e a industrializao dependiam de crescentes quantidades de
matrias-primas da agropecuria, que no podiam ser obtidas nas reas tradicionais. As
conseqncias foram a inflao e a escassez de alimento, que emperravam o processo de
desenvolvimento.
No setor agropecurio predominava um sistema de produo tradicional e de baixa
produtividade, sendo esttico dos pontos de vista tecnolgico e empresarial. Para romper tal
inrcia, a estratgia concebida por Juscelino Kubitschek e assumida tambm pelos governos
militares foi um grande programa para modernizar a agropecuria e apoiar sua transmutao do
Sul e do Sudeste para o Centro-Oeste e Norte do Pas. Investimentos em infra-estrutura, na
formao de pesquisadores e em instituies geradoras de tecnologia foram realizados;
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financiamentos e preos subsidiados foram oferecidos para a agropecuria. Novas tecnologias
foram criadas e outras j existentes em outros pases foram adaptadas (BARROS, 2006a).
Para Gama (2003), graas a esses incentivos, pode se observar um importante crescimento
e modernizao da agricultura, que logo resultaram em aumento das exportaes. Ao mesmo
tempo, o volume de emprstimos externos superou o montante utilizado para financiar o
crescimento, havendo, assim, grande acmulo de reservas cambiais.
Entre os anos de 1969 e 1973, perodo caracterizado pelo Milagre Econmico, a indstria
nacional passou por acelerado crescimento, com taxas que variavam entre 11% e 18% em
diversos setores. A indstria de bens durveis (automveis e eletrodomsticos) era a de maior
destaque. De acordo com Barros (2006a), em 1960, cerca de 9,5% das residncias urbanas tinham
televiso, mas em 1970 esse valor j chegava a 40%.
A classe mdia urbana se expandia vertiginosamente, enquanto se observava intenso
xodo rural, decorrente da compresso de mo-de-obra marcava o setor rural. Fortes estmulos ao
uso de insumos modernos, inclusive mecanizao, mais aplicao de legislao trabalhista mais
rgida resultavam num modelo de produo poupador de mo-de-obra na agricultura.
O processo de substituio de importaes com financiamento externo inclusive de
insumos e bens intermedirios que permitia elevadas taxas de crescimento encontrou barreira
intransponvel quando o choque do petrleo e o aumento nas taxas de juros internacionais, no
final dos anos 70, reverteram o cenrio de prosperidade da economia nacional. A inflao
disparou medida que a sistemtica de indexao acelerava os efeitos dos choques de oferta. Os
crditos externos se reduziram e ficaram mais custosos. O peso da dvida externa, acumulada ao
longo dos anos do milagre, passou a ser duramente sentido. O Brasil entrou em forte recesso. A
concesso de incentivos pelo setor pblico foi caindo.
Os recursos pblicos se esgotaram e a onda de liberalizao econmica talvez mais por
falta de alternativas do que por opo estratgica atingiu com atraso a Amrica Latina e o
Brasil, em particular. Em 1980, as aplicaes da Unio na agricultura correspondiam a 8% do
oramento, cifra que tambm vigorou em 1988. Segundo Barros (2006a), j em 1989, a cifra caiu
para 2% concretizando-se assim o afastamento do setor pblico dos mercados agropecurios e do
financiamento agrcola.
Na verdade, ao longo dos anos 1980, ao tempo em que foram se exaurindo os recursos do
setor pblico, com dvidas pblicas interna e externa sinalizando falta de sustentabilidade, o
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processo de industrializao completava um ciclo, sem que se divisasse o prximo a inflao
galopava num mecanismo de indexao auto-alimentado. Ficava claro que a inflao alcanava
nveis no tolerados pela sociedade, de forma que a poltica econmica volta seu foco para o
combate dessa inflao, para o que foram acionados sucessivos e malsucedidos aparatos
heterodoxos, que lograram desestruturar boa parte do sistema econmico.
Barros (2006a) destaca que a dcada de 1990 veio acompanhada de antigos e novos
problemas e, ao mesmo tempo, de novos temas. Globalizao e formao de blocos regionais
tornaram-se constantes nos debates sobre comrcio internacional. No Brasil, o Plano Real
fazendo uso de criativo mecanismo de desindexao - conseguiu por a inflao sob controle. A
abertura e desregulamentao econmica em andamento na ocasio-, conjuntamente
manuteno de altas taxas de juros falta de um controle fiscal consistente e cmbio
conseqentemente sobrevalorizado, ao tempo que continham a inflao, impuseram ao pas
situao de desvantagem frente ao mercado externo.
Segundo Silva (2000), tendo de enfrentar termos de troca desfavorveis, o agronegcio
brasileiro foi drasticamente compelido a aumentar a produtividade para sobreviver. Muito
embora o setor tenha se beneficiado de preos favorveis no mercado externo, inegavelmente o
crescimento do complexo do agronegcio nacional refletiu a ocorrncia de elevados ganhos de
produtividade atravs da modernizao de mtodos e processos.
Para Kageyama (1996), a modernizao da agricultura brasileira, em meados da dcada de
1990, foi de forma geral, resultado de trs fatores: utilizao crescente de insumos modernos e
mudanas das relaes de trabalho; mecanizao em todas as fases do processo produtivo em
substituio s habilidades manuais do trabalhador; e internacionalizao dos setores produtivos
de insumos, mquinas e equipamentos para a agricultura.
Uma anlise crtica da modernizao da agricultura brasileira nesse perodo, realizada por
Silva et al. (1993 apud SOUZA; LIMA, 2003), considera que o padro tecnolgico implantado se
direcionou basicamente expanso do complexo agroindustrial e no o foi absorvido
completamente pelos pequenos produtores. Nesse processo, teve importncia o crdito rural
subsidiado, cujos benefcios foram maiores para a regio Centro-Sul do que para a Norte-
Nordeste, favorecendo essencialmente os produtores modernos e utilizadores de tecnologias mais
avanadas, alm de privilegiar os grandes produtores em detrimento dos pequenos (SOUZA;
LIMA, 2003). O crdito subsidiado era visto como estmulo modernizao e ao investimento e
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tambm como medida compensatria aos impostos incidentes sobre o setor, inclusive
exportao, bem como s taxas cambiais sobrevalorizadas que usualmente eram vigentes. A
compensao acabava por ser desigual em razo da desuniformidade da distribuio do crdito.
Alm da tecnologia, alguns aspectos da estratgia poltica podem ter favorecido o
agronegcio. Por exemplo, a ncora cambial que ajudava o controle de preos permitiu ao setor
ampliar o processo de modernizao atravs da aquisio de mquinas, equipamentos e
defensivos agrcolas importados necessrios para a modernizao (FONSECA, 2007).
Ademais, o governo adotou medidas visando uma maior agilidade s operaes de
comrcio exterior. Em 1991, foi estabelecida uma legislao sobre medidas compensatrias para
reduzir a demora na anlise de casos antidumping, e foram eliminados os impostos nas
exportaes. O Imposto sobre Comercializao de Mercadorias e Servios - ICMS s foi retirado
das exportaes em 1996 (Lei Kandir) e representava em mdia, 12% do valor adicionado
(GASQUES et al., 2004).
O forte protecionismo nos principais mercados consumidores, ao derrubar os preos
agropecurios internacionais, induzia os pases produtores - em condies de faz-lo a adotar
estratgias alternadas de reduo de custos via aumentos de produtividade ou atravs da escala de
produo. O aumento de produtividade tem sido visto como alternativa ocupao de maiores
extenses territoriais. A dificuldade para o agronegcio brasileiro era agravada pela
sobrevalorizao macroeconmica de ento. O Brasil foi bem sucedido (em meio a tais
dificuldades) ao alcanar seu principal objetivo de manter o agronegcio em crescimento
produzindo alimentos, fibras, energia alternativa que ajudava a conter a inflao e gerava
divisas providenciais numa fase de grandes dficits em conta corrente. Entretanto, em outros
aspectos relevantes, a situao se agravou: do ponto de vista ambiental, o desmatamento e
emisso de gases poluentes cresceram, os conflitos sociais (principalmente ligados terra)
permaneceram a estrutura agrria marcada pela concentrao da propriedade - pouco se alterou,
muitos pequenos agricultores tiveram de deixar a atividade.
Crrea e Figueiredo (2006) apontam que o rpido aumento na intensidade do uso de
capital e da produtividade, pilares da modernizao agrcola teve como ponto negativo desse a
manuteno das discrepncias regionais j existentes quanto ao uso da tecnologia, de crdito e
investimento.
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Alm disso, a economia mais aberta e menos regulamentada propiciou a entrada de
grandes grupos internacionais, aumentando a concentrao dos setores o que, ao final, passou a
exigir uma maior atuao do governo sob a tica de regulao do mercado. Segundo Leme e
Souza (2000), o Estado passa, ento, a priorizar aes que visam promoo e defesa da
concorrncia sem, no entanto, serem necessariamente intervencionistas, como no passado.
Atualmente, o desafio para a poltica pblica facilitar a insero do produtor nacional
nos mercados de exportao atravs de investimentos em infra-estrutura e logstica, defesa
sanitria, sistemas de rastreabilidade e certificao de qualidade, alm de continuar com uma
agenda agressiva de liberalizao do comrcio agrcola internacional nas negociaes
multilaterais e regionais (CHADDAD; JANK; NAKAHODO, 2008).
De uma forma geral, o resultado dessas mudanas tem exigido de todos os agentes
produtivos novas posturas perante o mercado, pois, ao mesmo tempo em que esse novo ambiente
viabiliza o acesso da produo nacional a novos e diversificados mercados, exige competncia na
produo e na concretizao das transaes.
2.2 As mudanas no cenrio mundial e seus reflexos no agronegcio nacional
As transformaes ocorridas no cenrio mundial, ao longo dos ltimos anos, tm sido
responsveis por profundas mudanas nas relaes entre os setores econmicos. A conjuno
entre rpida circulao de informaes, difuso tecnolgica e industrializao dos processos
produtivos imps uma nova realidade competitiva aos agentes, que passaram, de forma cada vez
mais ampla e diversificada, a realizar suas transaes em nvel mundial.
Simultaneamente, mudanas na organizao e padres da sociedade em todo mundo
tambm vm ocorrendo. Em muitos pases, a acelerada urbanizao e o crescente nmero de
mulheres no mercado de trabalho mudaram o padro de demanda dos consumidores. A rotina
alimentar em um mundo globalizado exigiu adequaes, pois, ao mesmo tempo em que a renda
mdia per capita das famlias se elevou, devido participao da mulher no mercado de trabalho,
o tempo para realizao das refeies diminuiu. Como conseqncia, a busca por alimentos de
qualidade e de fcil preparo, ou mesmo pr-prontos, tornaram-se caractersticas primordiais na
deciso de compra dos consumidores nos maiores centros urbanos.
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A indstria de alimentos, e, bem assim, o sistema de distribuio, percebendo tais
mudanas, passou a criar e diversificar seus produtos e se reestruturar economicamente, atravs
de fuses e incorporaes tanto horizontal quanto verticalmente. Alto grau de investimento,
associado ao desenvolvimento de novas tecnologias, desde praticidade e eficincia das
embalagens, ao grau de nutrientes contido nos produtos, resultou em uma enorme gama de
opes de consumo dispostos nos supermercados.
Para Ges (2005) o sistema de alimentos capitalizou a problemtica do mundo
globalizado, oferecendo solues para reduzir o gasto de tempo com a alimentao. Alimentos
pr-cozidos, congelados e enlatados foram criados, reduzindo as tarefas de preparo da
alimentao. Na rea de servio, entregas em domiclio, drive-thru, fast food, formaram opes
para o consumo imediato. Segundo dados de Senauer e Venturini (2001), a participao de
alimentos processados no comrcio agroalimentar subiu de 27% em 1970 para 58% em 1999.
A realidade trazida por tais mudanas permite visualizar a formao de duas tendncias
simultneas: enquanto a alimentao tradicional vem perdendo espao, novas prticas alimentares
tm ganhado ascenso.
Como ressaltado por Ramos et al. (2007), as produes agropecurias ficam cada vez
mais determinadas por exigncias que envolvem aspectos que vo muito alm da porteira. Os
elos da cadeia inclusive os produtores agropecurios esto mais submetidos s
recomendaes e percepes do varejo. Em grande medida isso vem decorrendo das novas
dimenses do consumo de bens pelo ser humano, tais como o respeito s exigncias sociais e
ambientais, acarretando novas normas produtivas, ampliando a diversificao e a diferenciao,
aprofundando as segmentaes dos mercados e criando novas oportunidades de negcios
(RAMOS et al., 2007).
Ademais, a conseqncia direta desse cenrio tem sido o aumento na parcela de
processamento e embalagem no valor do produto final e, portanto, uma queda na participao da
matria-prima, o que tem gerado um distanciamento entre o que os produtores recebem pelo seu
produto e o que consumidor final paga pela compra de bens.
De acordo com Barros (2006b), o mercado de bens agropecurios costuma se dividir em
trs nveis. O mercado produtor, em que os produtores oferecem sua produo aos intermedirios,
o mercado atacadista, onde as transaes mais volumosas ocorrem e o mercado varejista,
responsveis por colocar a mercadoria no momento, na forma e no lugar desejados pelos
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consumidores. Conduzidos por ganhos de economia da escala e pela globalizao do setor de
alimento, os agentes envolvidos no agronegcio, em todos esses nveis, tm passado por
adequaes em seus processos, o que, ao final, pode gerar um afastamento ainda maior entre o
consumidor final e os produtores.
O processo de transformao do sistema agroalimentar tambm influenciado pelo
comrcio internacional de commodities agrcolas e alimentos processados. Em 2000, o comrcio
internacional de produtos agrcolas foi avaliado em US$ 449 bilhes, representando um valor
duas vezes maior que em 1980. Entretanto, esse crescimento foi inferior ao comrcio de produtos
manufaturados, que triplicou no mesmo perodo. As tarifas consolidadas para produtos agrcolas
permanecem altas, com uma mdia de 40%, enquanto a mdia para produtos manufaturados fica
em 10% (FAO, 2005 apud CHADDAD; JANK; NAKAHODO, 2008).
Conforme Silva (2005) as mudanas ocorridas no setor do agronegcio vm sendo
classificadas por muitos como industrializao da agricultura mundial uma vez que a tendncia
entre os produtores tem sido de aumento do tamanho de suas unidades produtivas (e reduo no
nmero de firmas), adoo de processos de produo parecidos s prticas de empresas
manufatureiras e desenvolvimento de laos mais prximos aos processadores, varejistas e a
outros atores ao longo da cadeia produtiva. No nvel institucional, tem-se observado a formulao
de regulamentos mais rgidos e a reduo do papel do setor pblico. Para Silva (2005), tais
mudanas tm se consolidado em nvel mundial e seus efeitos so ilimitados, uma vez que em um
mundo globalizado, onde as informaes circulam de forma ampla e rpida, atravs dos pases e
dos continentes, suas conseqncias tornam-se de longo alcance e abrangncia.
Wilkinson (1995), apud Reardon e Barrett (2000), afirma que o processo de
agroindustrializao est relacionado a basicamente trs conjuntos de mudanas: (1) crescimento
das atividades de agroprocessamento, distribuio, e incluso de atividades de fora da porteira
para dentro da porteira, sendo estas interpretadas como "firmas agroindustriais"; (2) mudana
institucional e organizacional na relao entre firmas e fazendas agroindustriais, tal como o
aumento da coordenao vertical; e (3) simultneas mudanas no setor agrcola, tal como
alteraes na composio de produto, tecnologia, e estrutura setorial e mercadolgica. Ademais,
Reardon e Barret (2000) consideram que, pelo fato do processo de agroindustrializao se tratar
de um fenmeno muito recente, existem ainda diversas falhas no entendimento de como e porque
esse processo vem ocorrendo e o que isso implicar ao desenvolvimento.
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No Brasil no tem sido diferente. A agroindstria nacional j vem h tempos
experimentando tendncias de verticalizao e aumento na concentrao ao longo de toda sua
cadeia produtiva. Como observado por Aguiar (1994), para o caso da soja, o aumento no tamanho
mdio das plantas com maior capacidade de produo e processamento em detrimento das plantas
menores (ganho de escala), j vem ocorrendo desde a primeira metade da dcada de 1980, o que
tem ganhado ainda mais fora nos perodos mais recentes.
Outro exemplo refere-se ao setor canavieiro, que segundo Marques et al. (1992),
aumentou seu grau de integrao vertical para trs, com as unidades agroindustriais participando
com maior parcela de cana prpria no total modo. Como conseqncia, Viegas (2005) destaca os
rumos tomados pela indstria citrcola que, preocupada com o avano da cana-de-acar sobre a
laranja no Estado de So Paulo, tambm entrou num processo de verticalizao e concentrao.
Como resultado, a cadeia de suco de laranja vem se consolidando em uma das maiores formaes
industriais do agronegcio.
As cadeias do caf, acar e lcool, tem sido alvo da expanso de empresas
multinacionais num processo de consolidao. Ao longo dos anos 2000, os atos administrativos
do Conselho Administrativo de Defesa Econmica - CADE, contra a formao de cartel nas
indstrias de processamento de suco de laranja e carne bovina sugerem que a concentrao
industrial afeta a conduta das empresas, podendo levar a abusos de poder de mercado em
detrimento da renda dos produtores agrcolas (CHADDAD; JANK; NAKAHODO, 2008).
Em relao ao setor de insumos, como fertilizantes, defensivos e sementes, tambm tem
se observado a crescente tendncia a concentrao, associada a ampliao de participao de
capital estrangeiro. Segundo Silva (2000), no caso da indstria de fertilizantes, a maior exposio
competio externa, dos anos 90 contribuiu para a reduo dos preos reais, mas a subseqente
reestruturao, que implicou em fuses e incorporaes de empresas, parece ter resultado em
elevao do poder de mercado grau de monoplio da indstria, uma vez que, a partir de 1994, os
preos voltaram a subir em termos reais. Na rea de sementes, at 1997, duas empresas lderes
controlavam cerca de 57% do mercado, sendo uma de capital nacional. O restante era distribudo
entre cerca de 60 pequenas e mdias empresas. Como resultado das fuses e incorporaes
realizadas nos ltimos anos, uma nica empresa de capital estrangeiro absorve, agora, cerca de
63% do mercado. Trs outras multinacionais absorvem 22%, restando, para as empresas
nacionais, cerca de apenas 15% do mercado (SILVA, 2000).
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Como ressaltado por relatrio do Banco Mundial (WORLD BANK, 2008), fornecendo
insumos tais como pesticidas, sementes, e tecnologia gentica de cultivo, grandes multinacionais
vem-se consolidando horizontalmente e verticalmente em um pequeno nmero de firmas no
setor de insumos do agribusiness. A Tabela 1 demonstra o pequeno nmero de empresas que vem
ocupando uma alta parcela de mercado no setor.
Tabela 1 Concentrao de mercado dos maiores fornecedores mundiais de insumos agrcolas Agroqumicos Sementes Biotecnologia
Empresas Vendas 2004 ($milhes)
Parcela de Mercado (%)
Vendas 2004 ($milhes)
Parcela de Mercado (%)
Nmero de Patentes Americanasa
Parcela de Mercado (%)
Monsanto 3180 10 3118 12 605 14 Dupont/Pioneer 2249 7 2624 12 562 13 Syngenta 6030 18 1239 5 302 7 Bayer Crop Sciences 6155 19 387 2 173 4 BASF 4185 13 - - - - DowAgrosciences 3368 10 - - 130 3 Limagrain - - 1239 5 1425 - Outros/Privados 7519 23 16593 68 1037 34 Setor Pblico - - - - - 24 Concentrao de mercado CR4(2004) 60 33 38 CR4(1997)b 47 23
Fonte: Banco Mundial (2008) a = Nmero de patentes de biotecnologia agrcola americanas, entre 1982-2001. b = Fulton e Giamakas
Em 1997, a parcela de mercado das quatro maiores companhias de agroqumicos e de
sementes, dada pelo CR4, foi de 47% e 23% respectivamente. Em 2004 esses valores alcanaram
60% para agroqumicos e 33% para sementes. J o CR4 para patentes em biotecnologia foi de
38% em 2004. Como resultado pode-se destacar a possvel reduo na rivalidade entre as firmas,
e como conseqncia a distoro nos preos e volumes oferecidos no mercado, uma vez que
poucas empresas dominam o mercado.
Segundo Benetti (2004), informaes sobre recentes movimentos de fuses e aquisies
na cadeia de fertilizantes permitem identificar a ocorrncia de uma intensa reestruturao
patrimonial, conduzindo a um processo de concentrao da atividade industrial do setor. O
objetivo de integrar o setor visa, alm do poder de mercado, ao controle das fontes de recursos
naturais e da produo de matrias-primas bsicas para a formulao de adubos.
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Em relao ao segmento de distribuio dos produtos agroalimentares, o varejo, em
especial o setor supermercadista, perante o grande volume de capital estrangeiro atrado pela
abertura econmica, passou a apresentar um expressivo crescimento no nmero de lojas e, ao
mesmo tempo, um acelerado processo de concentrao, resultante de fuses e aquisies.
Segundo dados da Associao Brasileira de Supermercados ABRAS (2007), em 1994 as cinco
maiores cadeias de supermercados do Brasil representavam 23% do faturamento bruto do
segmento, j em outubro de 1999 essa participao passou para 40%. Em 2006, apesar da
manuteno das cinco primeiras empresas do setor em termos do percentual de faturamento, com
40% de participao, percebeu-se no quadro uma melhora significativa no faturamento das outras
empresas que compem o grupo das 50 maiores.
Segundo relatrio da FAO (2007), a crescente tendncia de concentrao e coordenao
vertical nos setores ligados ao agronegcio certamente prosseguir a nvel mundial, como j se
observa no Brasil. Nesse sentido, a reformulao de polticas agrcolas, instituies e agncias
ligadas ao agronegcio so requeridas o mais breve possvel, assumindo, assim, papel primordial
na promoo do desenvolvimento das agroindstrias de seus pases.
Para Barros et al. (2006a), o aumento na concentrao do agronegcio associa-se a ganhos
de eficincia graas economia de escala e viabilizao de novas tecnologias. Resta,
portanto, o desafio de compatibilizar tais benefcios a jusante e a montante da agropecuria
possivelmente necessria para a competitividade global e para os investimentos em qualidade
para acesso a mercados e benefcio do consumidor com a partilha dos ganhos com os
produtores espalhados atomizadamente por todo o territrio nacional.
As tendncias tm mostrado que o recente desenvolvimento do agronegcio pode elevar a
capacidade competitiva dos pases, tanto no mercado domstico quanto no internacional, o que
aumenta as oportunidades de desenvolvimento dos pases. Entretanto, vale ressaltar que tais
mudanas trazem consigo particulares riscos a todos os elos da cadeia produtiva, podendo os
benefcios gerados no serem compartilhados entre todos.
Partindo dos pequenos produtores, passando pelos comerciantes e processadores e
chegando aos mercados atacadistas e varejistas, todos esto expostos. Para os pequenos
produtores, as dificuldades esto ligadas ao curto prazo, pois necessitam se encaixar de forma
rpida, aos novos padres e exigncias contratuais do setor. Os pequenos processadores cada vez
mais tero que competir com os grandes fabricantes, que, por sua vez, podem se beneficiar das
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economias de escala em tecnologias de processamento. Ao mesmo tempo, os comerciantes locais
se vem cada vez mais espremidos pelo crescimento de prticas especializadas e de produtos
certificados (FAO, 2007).
Para Rodrigues (2001), tanto a tendncia de fuses no setor de insumos quanto o processo
de incorporao na indstria de alimentos afetam a renda dos produtores rurais, negativamente.
Afetam tambm, positivamente, o oramento dos consumidores, que tm sua disposio
produtos cada vez mais baratos e de melhor qualidade. Este cenrio resulta na transferncia de
renda do campo para a cidade, o que, segundo o autor, exige polticas de renda rural.
De forma geral, o que se tem visto so mudanas que partem basicamente de duas frentes:
do lado da demanda, os consumidores tm exigido produtos de alta qualidade, valor nutritivo e de
fcil preparo; do lado da oferta, uma nova estrutura, com grandes empresas verticalizadas
negociando volumes cada vez maiores, com poder de compra e venda na realizao de suas
transaes. Ao final, resta saber qual a extenso e a velocidade com que tais mudanas afetaro
os diferentes elos do agronegcio e como a ao de cada um influenciar os ganhos e perdas do
setor.
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3 REFERENCIAL TERICO
O termo agribusiness (agronegcio), estabelecido por Davis e Goldberg (1957), foi a
primeira definio formal que caracterizou as relaes intersetoriais da agricultura com os demais
setores da economia. Baseado nos fundamentos da matriz insumo-produto de Wassily Leontief,
esse conceito engloba os agentes de cada elo da cadeia produtiva, tendo como ponto de partida o
mercado de insumos e fatores de produo (antes da porteira), passando pela unidade agrcola
produtiva (dentro da porteira) e chegando ao processamento, transformao e distribuio (depois
da porteira). Assim, o agronegcio dado pela soma total das operaes de produo e
distribuio de suprimentos agrcolas; das operaes de produo na fazenda; do armazenamento,
processamento e distribuio dos produtos agrcolas e itens produzidos a partir deles.
Zylbersztajn (1995) ressalta que este conceito faz convergir as definies de filire, da
escola francesa e de agribussines commodity system, na tradio norte-americana. Sob a tica
francesa, os sistemas agroindustriais referem-se a uma seqncia de operaes que conduzem
produo de bens, onde as relaes de interdependncia ou complementaridade entre os agentes
so ditadas por foras hierrquicas. Na escola americana, um sistema de commodities engloba
todos os atores envolvidos com a produo, processamento e distribuio de um produto, at a
entrega ao consumidor final. Para Zylbersztajn (1995), o conceito francs privilegia as relaes
tecnolgicas, enquanto a americana enfatiza a coordenao. Definidos em momentos diferentes e
dentro de concepes tericas distintas, eles concentram os mesmos aspectos definidos por Davis
e Goldberg (1957).
Para Marques (2002), o conceito de Cadeia Agroindustrial - CAI, ao mesmo tempo em
que procura englobar todos os vnculos intersetoriais do segmento agrcola, desloca o centro de
anlise de dentro, para fora da fazenda, substituindo, assim, a anlise parcial dos estudos sobre
economia agrcola, pela anlise sistmica da agricultura. Da o surgimento da denominao
Complexo Agroindustrial.
De acordo com Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico - BNDES (1988), o CAI
define-se como: um conjunto de atividades relacionadas entre si, em que se destaca
o duplo vnculo da agropecuria com o setor industrial: com a indstria fornecedora de mquinas e insumos, que tem na agropecuria o seu mercado, e com a indstria e organizaes comerciais compradoras de matrias-primas agropecurias, que necessitam de produtos em quantidade
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e qualidade e custo compatveis com suas atividades (BNDES, 1988, p 10).
Como ressaltado por Porsse (2003), a construo e utilizao do conceito do CAI esto
associadas evoluo natural do setor agropecurio. Originalmente, o setor era essencialmente
primrio, adquirindo insumos dentro do prprio setor (sementes e animais) para gerar uma
produo cuja maior parcela de seu valor tinha como destino a demanda final. H tempos, essa
dinmica no representa sua realidade, pois se observou um crescimento das operaes fora da
porteira, seja pela ampliao da participao de produtos no rurais em seu conjunto de insumos
(adubos, fertilizantes, defensivos, etc.), seja pela ampliao e pelo aperfeioamento das operaes
de processamento e transformao da produo rural para somente depois direcion-la demanda
final (PORSSE, 2003).
Ainda nessa dinmica, tambm assumem importncia o contedo tecnolgico dos
processos produtivos, tanto para a produo agropecuria como para a agroindustrial (tratores,
implementos agrcolas, mquinas-ferramentas, etc.), os instrumentos de financiamento da
produo (servios financeiros), as atividades de pesquisa e desenvolvimento e, como j citadas,
as atividades de comercializao, armazenagem e transporte dos produtos rurais e agroindustriais
(PORSSE, 2003).
Sorj (1980), estudando o ciclo histrico de expanso agroindustrial brasileiro, apresentou
uma srie de dados que corrobora a intensidade das relaes entre agricultura/indstria. Nessa
anlise, a estrutura do Complexo Agroindustrial e as diferentes formas de insero da produo
agrcola, englobaram setores que iam desde a indstria de insumos para a agricultura at o setor
de supermercados.
O conceito de agronegcio para Sorj (1980) tem como base o conjunto formado pelos
setores produtores de insumos e maquinarias agrcolas, de transformao industrial dos produtos
agropecurios e de distribuio, e de comercializao e financiamento nas diversas fases do
circuito agroindustrial. Para este autor, as relaes entre os segmentos so um acontecimento
contemporneo, e o surgimento do Complexo Agroindustrial s foi possibilitado pelo
desenvolvimento agrcola anterior e se transformou no maior acelerador das transformaes na
agricultura.
Ramalho (1988) tambm utilizou esta perspectiva intersetorial do complexo
agroindustrial. Segundo o autor, tal procedimento permite analisar a evoluo da agropecuria
atravs dos ncleos pressionadores do seu dinamismo e evidenci-los. Alm disso, essa forma de
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mensurao permite uma melhor avaliao das relaes intersetoriais, alm explicitar o papel do
progresso tcnico como um elemento de modernizao da estrutura agropecuria.
Tomando por base as matrizes insumo-produto de 1980 a 1994, Furtuoso (1998) delineou
uma metodologia de clculo do PIB para o complexo agroindustrial brasileiro em quatro
agregados (Insumos para agricultura e pecuria, Agropecuria, Agroindstria e Distribuio
Final). Para tanto fez uso dos conceitos de ndices de ligaes, para a definio de setores-chave e
desenvolveu um procedimento, a partir do ndice Puro de Ligaes Interindustriais, visando
identificao dos componentes do complexo agroindustrial.
Nunes e Contini (2001), visando estimar a magnitude da estrutura do CAI, bem como a
respectiva participao no PIB brasileiro, utilizaram as informaes das Contas Nacionais, para
obter viso sistmica das inter-relaes entre os agentes. Os resultados foram apresentados em
trs grandes grupos: (i) Ncleo do CAI: Agropecuria; (ii) Antes da Porteira: Insumos e
Mquinas para a Agropecuria; e (iii) Depois da Porteira: Agroindstria e Servios. De acordo
com tais autores, a metodologia utilizada permitiu a eliminao das atividades no constitutivas
do complexo, mesmo quando estavam agregadas a alguma de suas atividades, obtendo-se, assim
um resultado isolado do CAI quando comparado aos demais setores da economia.
O procedimento realizado por Guilhoto, Furtuoso e Barros (2000) na estimativa mensal do
PIB do Agronegcio brasileiro adotou a tica do valor adicionado a preos de mercado, obtido
pela soma do valor adicionado a preos bsicos aos impostos indiretos lquidos de subsdios
sobre produtos e subtrao da dummy financeira. Como base metodolgica utilizou-se
informaes provenientes das matrizes insumo-produto calculadas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica - IBGE (correspondente ao perodo de 1985 a 1996) e integradas ao Novo
Sistema de Contas Nacionais - NSCN. O refinamento metodolgico adotado nesse trabalho evita
o problema de dupla contagem apresentado comumente em estimativas do gnero.
O mtodo de trabalho adotado por Montoya e Finamore (2001) sintetizou diversas
metodologias para o clculo da produo do agronegcio. Nesse mtodo, a estrutura divide-se em
trs partes: a) Agregado I: parte anterior produo rural, que engloba o conjunto de setores
fornecedores de insumos e fatores de produo para os produtores rurais; b) Agregado II:
produo rural; c) Agregado III: setores que recebem a produo dos produtores rurais para
armazen-la, process-la e distribu-la no mercado.
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Porsse (2003) mostra que, embora haja certo consenso entre os trabalhos mais recentes
quando se trata do critrio de classificao setorial dos segmentos fornecedores de insumos
agropecurios a montante (uma vez que na sua grande maioria so fundamentados na estrutura
insumo-produto de Leontief), o mesmo no ocorre na classificao setorial a jusante. O Quadro 1,
extrado de Porsse (2003) apresenta, de forma resumida, a diversidade na classificao dos
setores a jusante dos trabalhos mais recentes.
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Descrio dos Setores Furtuoso
(1998)
Guilhoto,
Furtuoso &
Barros
(2000)1
Nunes &
Contini
(2001)
Montoya &
Finamore
(2001)
Agroindstria
Siderurgia X X
Madeira e mobilirio X X X
Papel e grfica X X
Borracha X
Elementos qumicos no petroqumicos
X X X X
Indstria txtil X X X X
Vesturio e acessrios X X
Calados, couros e peles
X X
Indstria do Caf X X X X
Beneficiamento de produtos vegetais
X X X X
Abate e preparao de carnes
X X X X
Leite e Laticnios X X X X
Indstria do acar X X X X
leos vegetais e gorduras
X X X X
Outras indstrias alimentares e de bebidas
X X X X
Distribuio e servios
Comrcio X X X X
Transporte X X X X
Comunicaes X
Instituies financeiras X
Servios Prestados s famlias
X X X
Servios prestados s empresas
X X X
Aluguel de imveis X
Administrao pblica X X
Quadro 1 - Classificao setorial a jusante dos trabalhos selecionados Fonte: Porsse (2003) 1 Em funo da inexistncia de uma definio clara dos setores que compem a distribuio e servios do CAI,
reproduziu-se aqui a classificao de Furtuoso (1998), principal referencial em Guilhoto, Furtuoso e Barros (2000).
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Segundo Arajo Neto e Costa (2005), a utilizao da estrutura de insumo-produto de
Leontief a forma mais lgica para a realizao do clculo do CAI, uma vez que esse
instrumental permite identificar as relaes de interdependncia entre a agropecuria e os demais
setores da economia. Entretanto, as abordagens de clculo possuem, individualmente,
particularidades importantes, a serem avaliadas na deciso de clculo do PIB. Como exemplo,
Furtuoso (1998) contribui para aliviar o grau de subjetividade inerente s classificaes de
agregados. Por outro lado, a preocupao de Nunes e Contini (2001) em excluir do valor
adicionado dos setores agroindustriais, as parcelas associadas a produtos que no pertencem ao
CAI, favorece a elaborao de estimativas mais acuradas.
Para Marques (2002) e Guilhoto, Furtuoso e Barros (2000), ao adotarem o mtodo de
fracionamento matricial, como procedimento analtico de delimitao dos componentes do
complexo do agronegcio brasileiro, permitiram uma mensurao mais precisa do agronegcio e
tambm uma identificao das inter-relaes entre as atividades agropecurias e os demais
setores, em termos dos impactos diretos e indiretos.
O Centro de Estudos Avanados em Economia Aplicada - CEPEA da Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz - ESALQ, da Universidade de So Paulo - USP, utilizando-se da
metodologia de Guilhoto, Furtuoso e Barros (2000), realiza o clculo das taxas de crescimento
mensal do PIB do Agronegcio brasileiro. importante salientar que estes ndices contabilizam
no apenas a variao do volume, usualmente levada em considerao nas estimativas do PIB,
mas tambm os preos dos produtos. Esse procedimento faz com que o crescimento do PIB
setorial do Agronegcio expresse a renda no sentido de poder de compra dos agentes
econmicos envolvidos na produo agropecuria. Faz-se, assim, distino entre as modalidades
de clculo da produo entre (a) a que visa mensurao do volume - a preo constante, que
importa ao consumidor ou sociedade como um todo; e (b) a que visa a captar renda (poder
aquisitivo) dos produtores de cada segmento das cadeias. Para efeito deste trabalho,
convencionou-se que a produo quando aferida pela tica do volume recebe o nome de Produto;
quando medida pela tica da renda dos produtores chamada de PIB.
Em suma, a relevncia da anlise sistmica do Agronegcio j amplamente disseminada
na literatura brasileira, onde h um crescente reconhecimento da importncia de uma perspectiva
intersetorial na economia agrcola em substituio aos enfoques tradicionais de anlise
econmica que utilizam a tica de setores primrio, secundrio e tercirio na economia. Sendo
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assim, o conceito analtico de agribusiness ou agronegcio se afigura como unidade de anlise
adequada para se estudar a dinmica da agricultura considerando as mltiplas relaes do setor
rural com a indstria e os correspondentes mercados (GUILHOTO; FURTUOSO; BARROS,
2000).
importante salientar que o conceito de agronegcio no exclui nenhuma categoria de
produtor rural, ou beneficiadoras e processadoras, qualquer que seja o seu tamanho (em termos
de rea ou volume e tipo de produo). Ou seja, agronegcio inclui o que tem sido referido como
agricultura empresarial ou comercial, pequena agricultura, agricultura familiar, etc. Sendo um
conceito agregado, no distingue essas categorias, assim como o PIB de um pas no especifica
sua distribuio entre patres e empregados, ou entre pequenas, mdias ou grandes empresas ou
negcios.
A opo pelo conceito de negcio proposital, no sentido de que, quaisquer que sejam as
formas e escalas de organizao ou arranjo das atividades produtivas, econmica e
financeiramente, trata-se de negcios estruturados para consecuo da produo de bens e
servios a partir de recursos produtivos. Tais negcios tm de ser viveis e sustentveis para que
propiciem condies de manuteno do nvel de vida e progresso econmico e social ao longo do
tempo. O PIB um indicador da evoluo desses negcios, isto , da medida em que esses
objetivos esto sendo atendidos potencialmente.
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4 METODOLOGIA
4.1 Procedimentos para o clculo do PIB
Segundo Barros, Fachinello e Silva (2009)3, existem trs abordagens ao considerar o PIB
de agronegcio, para regies ou setores, sendo que essas abordagens obrigatoriamente levam s
mesmas estimativas do PIB.
1. Uma primeira alternativa seria calcular o valor da produo de bens e servios finais, ou
seja, que vo at o consumidor final, aos estoques ou ao exterior. Para fazer isso, seriam
somados os valores de (a) consumo das famlias, (b) bens de capital novos e de reposio,
(c) as variaes nos estoques, (d) as compras governamentais e (e) as exportaes; do
total, seria subtrado o valor dos bens adquiridos do exterior (importaes). Este
procedimento seria recomendado quando se pretende calcular o PIB de um pas ou regio,
sem referncia s contribuies de cada segmento ao longo das cadeias produtivas;
2. Uma segunda alternativa seria, partindo das Matrizes de Insumo Produto - MIP, calcular o
valor adicionado em cada segmento de cada setor da economia. Esse valor adicionado o
PIB do segmento referido e obtido a partir do Valor Bruto da Produo (volume
produzido vezes preo de mercado). Por definio, valor adicionado de um segmento o
VBP menos o valor dos bens e servios adquiridos ou seja, insumos que desaparecem
(ou melhor, so transformados completamente no produto no perodo considerado). A
economia ento um grande conjunto de cadeias produtivas, que sequencialmente
envolve diversos segmentos, que produzem insumos para a o segmento seguinte. Por
exemplo, o segmento de insumos agrcolas (fertilizantes, p.ex.) vende sua produo ao
segmento da agropecuria. As compras da agropecuria constituem o VBPi do segmento
dos insumos. O PIBi dos insumos o VBPi menos os seus prprios insumos (materiais
adquiridos para fazer fertilizante, p. ex.). J o PIBa da agropecuria ser o VBPa desse
segmento menos o valor dos insumos adquiridos do segmento a montante (segmento de
insumos) ou seja, VBPi menos os estoques, caso haja.
3BARROS, G.S.C.; FACHINELLO, A.L.; SILVA, A.F. Conceitos e mtodos sobre o PIB do agronegcio: Brasil, estados e cadeias produtivas. Piracicaba, 2009. 7 p.
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3. A terceira maneira de medir o PIB seria somar as remuneraes recebidas pelos fatores de
produo de cada segmento, ou da cadeia como um todo, ou mesmo o conjunto delas,
formando o agronegcio. Assim, o PIB seria constitudo pela remunerao ao trabalho
(salrios e equivalentes), capital fsico (juros e depreciao), terra (aluguel ou juros), e
lucro. Quando o PIB cresce, os detentores do trabalho, capital e terra, bem como o
empresrio, podem repartir entre si uma renda real maior.
A metodologia adotada no presente trabalho segue a segunda estratgia, sendo os
procedimentos metodolgicos descritos por Guilhoto, Furtuoso e Barros (2000). Tal mtodo
envolve as MIP4, as quais representam os fluxos de produo, de consumo e de gerao de renda
e, ao abordar de forma sistmica os componentes do PIB do agronegcio brasileiro, bem como a
tica do valor adicionado a preos de mercado, permite anlises desagregadas essenciais aos