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XXXVI CONGRESSO NACIONAL DOS PROCURADORES DE ESTADO
MACEIÓ - ALAGOAS
DIREITO FINANCEIRO
Gestão Social das Finanças Públicas.
Tese: A ADMINISTRAÇÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA
COMO INSTRUMENTO PROMOTOR DO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO-SOCIAL.
2010
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A ADMINISTRAÇÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA COMO
INSTRUMENTO PROMOTOR DO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO-SOCIAL
A tese apresenta tema relacionado à Advocacia Pública
Estadual atinente ao direito financeiro a ser submetida à
Comissão de Avaliação de Teses e, se aprovada, encaminhada
à Comissão Temática para apresentação no XXXVI Congresso
Nacional de Procuradores de Estado em Maceió – Alagoas.
2010
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Resumo
O trabalho versa sobre as dificuldades práticas para a concretização das normas constitucionais concessoras dos direitos fundamentais sociais. Narra a crise internacional do modelo de Estado Social e os reflexos na triste realidade brasileira caracterizada por abismos entre as classes sociais. Considera a escassez dos recursos públicos para fazer frente às muitas despesas públicas necessárias à erradicação da miséria e a redução das desigualdades social. Preconiza sejam priorizadas as políticas públicas sociais a serem executadas com ampla participação popular como forma de lhe conferir legitimidade. E discorre sobre as fases da atividade pública orçamentária e financeira, deste a elaboração das propostas das leis orçamentárias passando pela gestão da receita e despesa públicas até o controle e avaliação das metas, com o objetivo de buscar meios para viabilizar que o Estado possa bem cumprir o dever constitucional de assegurar o mínimo existencial indispensável à vida digna. Trata-se de uma provocação aos Procuradores dos Estados da Federação para que fortaleçam sua atuação como agentes promotores da Justiça Social.
Palavras-chave: Direitos sociais, finanças públicas, participação popular, desenvolvimento
econômico-social, justiça social.
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SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO...........................................................................................................05
2- A CRISE DO ESTADO SOCIAL DE DIREITO.....................................................06
3- A REALIDADE BRASILEIRA.................................................................................07
4- OS RECURSOS PÚBLICOS E SUAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS,
LEGAIS E FÁTICAS.................................................................................................10
5- O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO-SOCIAL.............................................13
6- A ADMINISTRAÇÃO DAS FINANÇAS PÚBLICAS............................................14
6.1. AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS - O planejamento a longo, médio e curto prazo na
gestão dos recursos públicos.............................................................................................16
6.2. AS RECEITAS VINCULADAS: a expressão material da priorização
constitucional dos direitos sociais....................................................................................24
6.3. A EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA PARTICIPATIVA: a participação popular
como elemento legitimador da gestão financeira...........................................................26
7.CONCLUSÃO................................................................................................................29
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A Administração Orçamentária e Financeira como instrumento promotor
do desenvolvimento econômico-social: Gestão Social das Finanças Públicas.
1. Introdução
No início do Século XX a concepção de justiça evoluiu
humanizando-se. A noção do que é justo fluiu em movimento antropocêntrico provocando o
crescimento dos direitos sociais e ocasionando a transformação dos entes públicos com o
surgimento do denominado Estado Social. Tal mutação teórica caracterizada pela consagração
do pensamento igualitário provocou grande alteração no sistema normativo brasileiro, com a
inclusão de normas assecuratórias dos direitos sociais; todavia, não houve proporcional
concreção fática, ou seja, as mudanças não foram suficientes para transmutar a realidade
brasileira que padece com grandes desigualdades sociais.
A previsão constitucional dos direitos sociais na nossa Carta Magna
não teve o condão de, por si só, reduzir a pobreza e a desigualdade social. A concreção da
teoria encontra muitos obstáculos, inclusive de prosaica natureza orçamentária e financeira.
A presente tese visa analisar, de modo pragmático, algumas das
questões peculiares ao direito financeiro com o escopo de enfrentar as dificuldades
operacionais na prestação dos direitos sociais, tudo com o firme propósito de preconizar pela
gestão social das finanças públicas. Pautado por esse desiderato, o trabalho inicia com sucinto
relato da crise que assola o modelo de Estado Social para, após, reportar a triste realidade
brasileira, com foco nas dificuldades da prestação dos direitos sociais. Por fim, preconiza pela
gestão social das finanças públicas ao propugnar pela participação popular, na atividade
financeira dos entes públicos, como fator promotor da justiça social. Tudo com o firme
propósito de fomentar o desenvolvimento econômico-social.
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2. A crise do estado social de direito
O Estado Social de Direito, também denominado Estado Providência,
Estado de Bem-Estar-Social, Estado-social, Estado Social Democrático de Direito, Estado do
Bem-Estar encontra-se em crise histórica. Os juristas não atribuem idêntico significado a
essas denominações; todavia, a maioria partilha do entendimento de que a este modelo de
Estado se caracteriza por certo grau de inserção do Estado na ordem econômica visando
garantir as condições materiais mínimas à existência digna.
A crise deste modelo de Estado afeta sobremaneira a sociedade; a
qual, neste momento, vivencia profundas mudanças das relações de trabalho, insuficiência das
prestações sociais, sucessivo incremento de exigências para obtenção do direito ao benefício
previdenciário, tudo a provocar insegurança na maioria da população.
Neste cenário a globalização econômica fortalece a dominação dos
mercados financeiros favorecendo o poder econômico supranacional, cujas injunções
repercutem na economia interna gerando o fenômeno da desterritorização da política
econômica. Assim, a econômica do país abala-se, freqüentemente, devido à especulação do
mercado financeiro mundial, o que afeta e enfraquece a soberania e a territorialidade e
fortalece o poder do capital financeiro, tornando instável a economia real interna do país. Este
poder volátil e virtual do capital internacional ao submeter a soberania e o território estatal
rompe com dogmas tradicionais, acirrando a intranqüilidade social e comprometendo a figura
do Estado.
O nível da crise estatal é diretamente proporcional aos efeitos da
globalização econômica refletindo-se no grau de atendimento dos direitos fundamentais,
provocando o reducionismo da prestação dos direitos sociais básicos (saúde, educação,
previdência e assistência social) e causando a denominada flexibilização dos direitos
trabalhistas e previdenciários.
Os direitos fundamentais mais afetados com a decadência do Estado
podem ser divididos em direitos de defesa que se caracterizam pela obrigação de abstenção do
Estado que, no plano jurídico subjetivo, corresponde ao direito à conduta omissa dos entes
públicos, com fulcro em normas de natureza negativa, que coíbem o poder público de ingerir
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na esfera individual. Esses caracterizam as denominadas liberdades sociais cujo respectivo
direito de defesa serve a proteção dos direitos fundamentais de primeira geração.
Os direitos fundamentais sociais prestacionais, geralmente,
positivados de forma ampla, por intermédio de redação vaga e aberta, apresentam cunho
positivo vinculados à disponibilidade de meios materiais. Eles exigem conduta comissiva e
postura ativa do Estado para prestação jurídica material, tais como: a criação, destinação e
distribuição e redistribuição de serviços e bens materiais. Assim, sua prestação repercute
economicamente dado que sua efetivação exige a realização de despesa pública e, portanto, é
limitado por questões de ordem orçamentária e financeira. Estes são objeto do presente
exame.
Os direitos fundamentais de defesa e de prestação diferem quanto sua
estrutura jurídico-normativa.
A regra geral determina que as normas definidoras de direitos e
garantias fundamentais tem aplicação imediata (art. 5°, parágrafo segundo, da CF\88).
Todavia, este preceito constitucional não tem condições de gerar plenos efeitos sem a
conjunção de vários fatores. Assim sendo, no âmbito dos direitos fundamentais encontramos
normas de conteúdo eminentemente programático.
Cumpre aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a atribuição
constitucional de garantir plena eficácia aos direitos fundamentais promovendo as condições
para concretizar tais direitos e garantias. No exercício desta competência constitucional
devem planejar, inserir nas suas leis orçamentárias (plano plurinanual, lei de diretrizes
orçamentárias e lei orçamentária anual) ações, projetos e programas sociais, com as
respectivas fontes de receita, as correlatas dotações orçamentárias para, por fim, bem executar
as políticas públicas voltadas aos direitos sociais.
3. A realidade brasileira.
A constituição de 1934 inaugurou a inserção dos direitos sociais no
constitucionalismo brasileiro e a constituição de 1988 fortaleceu estes direitos outorgando ao
Estado o poder de intervir da iniciativa privada como agente normativo e regulador com
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fundamento na prevalência do direito social e quando mediante situações caracterizadoras de
abuso do poder econômico. E, estipula que os princípios da liberdade de iniciativa e da livre
concorrência, típicas do regime capitalista, estão limitados pelo objetivo de promoção da
justiça social.
O nosso país, além de sofrer as mencionadas influências externas,
ainda, padece das incongruências internas.
O país retratado na Constituição Brasileira não é o Brasil. Muitas das
normas constitucionais positivadas não se concretizaram até agora e, por si só, o texto não
terá o condão de transformar nossa realidade.
Atualmente, o Brasil continua apresentando graves problemas de
desigualdades sociais. Existe uma legião de brasileiros miseráveis padecendo com a fome,
com o desemprego, com a falta de medicamentos, com a carência de atendimento médico-
hospitalar e com as deficiências educacionais. Estamos bem distantes das metas fixadas pela
Organização das Nações Unidas quanto aos índices de mortalidade infantil, embora estejamos
evoluindo positivamente como a maioria dos países.
A taxa de mortalidade infantil é um índice muito representativo por
refletir as carências estruturais que comprometem a sobrevida. O alto índice de mortalidade
infantil é um problema comum a muitos países, acirrado naqueles países em desenvolvimento
e nos subdesenvolvidos.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE acompanha a
evolução e o desempenho nacional, apontando para a redução dos índices de mortalidade
infantil no Brasil. No ano de 1998 atingimos o índice de 33,2 crianças mortas antes de
completar um ano para mil crianças nascidas vivas. Mesma fonte indica1 que no ano de 2008
este índice chegou a 23,3/1000. Entretanto, a meta fixada pela UNO corresponde a uma média
de óbitos infantis na proporção de 15 mortes para 1000 nascidas vivas.
1 http://www.ibge.gov.br/series_estatisticas/exibedados.php?idnivel=BR&idserie=POP324. Em 26/09/2010.
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O desatendimento ou o atendimento parcial dos direitos sociais
propicia sofrimento individual do cidadão desrespeitado e gera a sensação desamparo e
grande desgaste emocional dos integrantes da sociedade, com o compartilhamento do
sentimento de impotência e de insegurança coletiva cuja contabilidade financeira não
conseguiria traduzir em números. Este relevante custo, que não passível de expressão
numérica, deve ser sopesado.
A prestação insatisfatória dos direitos sociais por parte do Poder
Executivo, o desatendimento do direito à saúde, a assistência, a educação, a previdência
social, a segurança, ao meio ambiente sustentável tem provocado o acesso ao Poder
Judiciário, por intermédio de inúmeras, diversificadas e, por vezes, abusivas demandas
ajuizadas em busca da prestação jurisdicional dos direitos sociais. Tal meio empregado
resolve a lide e oferta solução ao conflito nos estreitos limites do processo julgado, atingindo
o interessado ou ao grupo de interessados postulantes; aliás, nem poderia ser de outra forma.
O magistrado garante a prestação jurisdicional em relações
específicas e em dimensões deveras restritas e, assim fazendo, não atende a questão social. O
administrador público, ao cumprir decisão judicial desta natureza, destina recursos e realiza
despesa pública em favor de solução pontual, de modo pessoal e casuístico.
Conclui-se, com segurança, que a prestação jurisdicional do direito
social não é a melhor via para seu atendimento, até por ser mais onerosa, pois, além do custo
da prestação do direito social agrega-se todo o custo da prestação jurisdicional.
O Poder Judiciário ao ordenar a prestação destes direitos
fundamentais responde a função jurisdicional; todavia, as funções finalísticas deste Poder
poderiam melhor servir a sociedade. Da mesma forma suas atribuições administrativas
também podem propiciar este atendimento. Atualmente, o Poder Judiciário contribui para a
justiça social pressionando e exigindo dos gestores públicos o atendimento àqueles que
postulam a prestação jurisdicional.
O Administrador Público ao cumprir decisão judicial deste jaez e
realizar a respectiva despesa pública responde, com exclusividade, pela execução do gasto
efetuado independentemente de previsão orçamentária, de suficiência de recurso financeiro,
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da apreciação da conveniência e da oportunidade, e, ainda, de modo alijado ao princípio da
economicidade, ou seja, a despeito do binômio custo-benefício. Desta maneira, o Estado tem
destinado volumosas receitas públicas para o atendimento de poucos enquanto muitos
padecem, dando margem à distribuição injusta dos recursos públicos e agravando a
desigualdade existente. Por outro lado, a busca da via judicial é justificada pela inoperância
das vias administrativas, em círculo vicioso e nefasto a resolução do problema e a efetiva
redução das desigualdades.
Desta forma os recursos públicos inicialmente alocados no orçamento
para programas ou projetos sociais são redirecionados para atendimento de casos específicos e
individuais em destinação alheia à visão do todo e de forma independente das políticas
públicas. Por conseqüência, a despesa pública realizada em cumprimento desse tipo de
decisão judicial deve ser contabilizada para atingir os percentuais constitucionais das
respectivas receitas públicas vinculadas, conforme o direito social material atendido.
A prestação dos direitos de primeira geração ou primeira dimensão,
em especial o direito a vida, pode dar margem e vazão à quebra de vários dogmas e
paradigmas jurídicos, tais como: a ordem dos precatórios judiciais, a impenhorabilidade dos
bens públicos, o seqüestro do dinheiro público e tantas outras inovações de cunho
jurisprudencial. Contudo, nenhuma dessas construções teóricas e mesmo práticas teve força
para melhorar nossa realidade de país em desenvolvimento com uma multidão de miseráveis
sem as mínimas condições de vida digna.
O enfrentamento das questões sociais exige visão e atuação ampla e
conjunta dos Poderes Estatais, em prol de vias menos onerosas e mais expeditas que otimizem
os resultados, abrangendo maior volume de beneficiados, para que o Estado possa fazer mais
com o mesmo volume de recursos públicos o que, certamente, seria mais profícuo para a
sociedade.
4. Os recursos públicos e suas limitações constitucionais, legais e fáticas.
Os direitos sociais prestacionais estão sujeitos a previsão
orçamentária e disponibilidade financeira, ou seja, sua concreção sujeita-se a reserva do
orçamento que representa um limitador inafastável.
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O jurista Ricardo Lobo Torres2 defende a necessidade de observância
da reserva do orçamento que limita, inclusive, ao Poder Judiciário que poderia compelir aos
demais Poderes a praticar os atos necessários ao ajuste orçamentário para garantir o mínimo
existencial. Acresce, com maestria, o doutrinador que a previsão orçamentária deve ser
somada a viabilidade financeira, como expõe nos seguintes termos:
No Brasil, portanto (a reserva do possível), passou a ser reserva fática, ou seja, a
possibilidade de adjudicação de direitos prestacionais se houver disponibilidade
financeira que pode compreender a existência de dinheiro somente no caixa do
Tesouro, ainda que destinado a outras dotações orçamentárias.
A afirmação transcrita prevê que a limitação da dotação orçamentária
ou de recursos financeiros não constituem óbices oponíveis a realização da despesa pública. E
o texto avança apresentando as seguintes justificativas:
Como o dinheiro público é inesgotável, pois o Estado sempre pode extrair mais
recursos da sociedade, segue-se que há permanentemente a possibilidade fática de
garantia de direitos, inclusive na via do seqüestro da renda pública!
Com todo o respeito que o nobre doutrinador faz por merecer é
possível discordar da afirmativa referente ao volume infinito dos recursos públicos seja
porque existem limitações constitucionais ao poder de tributar, seja porque há restrições
operacionais na arrecadação ou, ainda, porque existem várias despesas compromissadas em
virtude de contratos e/ou convênios, receitas vinculadas pelo texto constitucional, despesas de
pessoal, dívida pública e, ainda, as despesas correntes destinadas ao atendimento dos
interesses secundários de manutenção da máquina administrativa, indispensável à prestação
dos serviços públicos. i
Consigno, ainda, a divergência do entendimento de que as limitações
orçamentárias e financeiras não constituem óbices à realização da despesa pública por
compreender que esses são pressupostos inarredáveis a realização da receita e da despesa
públicas por força das normas que vinculam a gestão dos recursos públicos. O gestor público
tem a obrigação de obedecer aos princípios da legalidade, da prudência, do equilíbrio, da
economicidade, da impessoalidade, entre outros. Enfim, os recursos públicos são finitos e sua 2 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, p.100, 2009.
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disponibilidade requer o atendimento dos ritos legais necessários à segurança e controle do
erário.
Neste sentido me louvo do pensamento desenvolvido pelo Procurador
do Estado do Rio de Janeiro Dr. Ricardo Amaral que esclarece, in verbis:
Nada que custe dinheiro pode ser absoluto. Nenhum direito cuja efetividade
pressupõe um gasto seletivo dos valores arrecadados dos contribuintes pode,
enfim, ser protegido de maneira unilateral pelo judiciário sem considerações às
conseqüências orçamentárias pelas quais, em última instância, os outros dois
poderes são responsáveis.3
Partindo da compreensão da limitação dos recursos públicos cumpre
eleger e definir as prioridades e critérios para sua alocação.
A prestação dos direitos sociais pode atender o caso individual
(objeto da demanda judicial) ou a situação global (objeto das políticas públicas). O segundo
modo é mais abrangente atingindo a coletividade, apresentando-se mais adequada aos fins que
se destina. A individualização da prestação gera vantagem pessoal e, acarreta a diminuição
dos recursos que seriam destinados a muitos, prejudicando a universalidade peculiar a
prestação destes direitos. O planejamento destinado a otimizar a execução e a atingir ao maior
número de beneficiados, com a redução das desigualdades, em busca do tratamento isonômico
dos administrados pode assegurar solução mais eficiente e justa.
A obrigação de redução das desigualdades sociais é imposta ao
Estado, a sociedade e o mercado abrangendo a atividade financeira, em geral, seja estatal ou
privada, ambas, devem fomentar o desenvolvimento econômico e social. A redução das
desigualdades no mercado implica eliminação da pobreza com a distribuição eqüitativa da
riqueza produzida, como bem destaca Alexandrino4.
No âmbito privado a restrição da liberdade de iniciativa econômica,
com o escopo de garantir o atendimento dos ditames da justiça social, encontra amparo no 3 AMARAL, Gustavo. Direto Escassez & Escolha - Critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2° edição, p. 42, 2010. 4ALEXANDRINO, Marcelo et al..Direito constitucional descomplicado, São Paulo: Método, 4° Edição, p. 933, 2009.
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disposto no inciso VII, do artigo 170 da CF/885. Desta forma, a economia privada encontra-se
limitada pelos princípios constitucionais norteadores da ordem econômica e financeira,
previstos no artigo 170 da CF\88; o que não se verifica na prática. Ademais, o Estado não
exige tal atendimento embora pudesse, excepcionalmente, fazê-lo por via da intervenção
estatal no domínio econômico para reprimir o abuso do poder econômico que resulte ou possa
resultar a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência ou o aumento arbitrário do
lucro (art. 173, parágrafo 4°, da CF\88).
Melhor sorte não se vislumbra no setor público, no denominado
Estado Social Fiscal, onde a gestão da atividade financeira estatal exige que o manejo dos
recursos públicos fomente o desenvolvimento econômico-social, o que na prática não tem se
mostrado satisfatório.
5. O desenvolvimento econômico-social
O desenvolvimento econômico-social é objeto de diversas definições
que variam conforme o enfoque abordado. Considerando que essa celeuma não contribuiria
para o enfrentamento do tema proposto não se adentrará no exame. No entanto, cumpre
reportar o conceito de economia definida como sendo a ciência do abastecimento que trata da
arte da aquisição, consoante Aristóteles. A definição clássica de economia foi traçada por
Robbins, segundo RAMOS6, ao explicar que se trata da ciência que estuda o comportamento
humano como um relacionamento entre fins e meios escassos que tem usos alternativos.
Assim, a economia está imbricada com a sociedade, pois, se trata de ciência social voltada a
gestão de recursos limitados.
Tratar de recursos limitados para fazer frente a necessidades
ilimitadas é versar sobre econômica, em especial, sobre a microeconomia que se dedica às
limitações e se propõe a retirar o máximo de proveito dos recursos escassos7.
5 O Supremo Tribunal Federal exarou elucidativo julgamento que tratou das limitações constitucionais da atividade econômica em favor da justiça social. Adin n° 319. Rel. Min. Moreira Alves. D.J. 10.03.1993. 6 RAMOS, José Maria Rodriguez. Lionel Robbins: Contribuição para a metodologia da economia. São Paulo: Editora USP, – Econ 4, pág. 161, 1993. 7 PINDYCK, Robert S. et al. Microeconomia, tradução Eleutério Prado e Thelma Guimarães, São Paulo: Person – Prentice Hall, sexta edição, p. 4,2005.
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Considerando ser a economia a “ciência da escassez” na esteira do
pensamento de Clarissa Ferreira Macedo D`Isep8 comungo do entendimento de serem as
finanças públicas entranhadas da ciência econômica que cuida da produção, circulação e
distribuição de bens e serviços e como tal indissociável do exame da prestação dos direitos
sociais.
Não há como praticar a justiça social sem abordar a questão da
alocação dos recursos públicos já que muitas são as teorias que se revelam sucessivas cartas
de intenções sem expressão fática. A singela noção geral da economia, com foco no binômio:
limitação de recursos e necessidades ilimitadas, é pressuposto para a boa gestão dos recursos
públicos em prol do desenvolvimento da economia, com enfoque na sociedade.
O desenvolvimento econômico-social é aqui considerado como sendo
o crescimento econômico qualificado pelo propósito de redução das desigualdades e dos
níveis de segregação social. Tal finalidade está contemplada na Constituição Federal onde a
República Federativa do Brasil erigiu como princípio fundamental a dignidade da pessoa
humana e, dentre seus objetivos fundamentais, a erradicação da pobreza e da marginalização e
a redução das desigualdades sociais e regionais.
A forma de promover a redução das desigualdades via crescimento
econômico também é controversa. O economista Priest defende que o crescimento econômico
consiste no crescimento do valor econômico dos recursos, inclusive dos recursos humanos e
sustenta que o crescimento é maximizado quando o cidadão tem oportunidades de melhor
contribuir na economia, aumentando sua capacidade de geração de renda.9 A presente
proposta propugna pela promoção da redução da desigualdade, em cada etapa da gestão das
finanças públicas para que, conjuntamente, seja assegurado o mínimo para a existência digna
e a capacitação do cidadão para inseri-lo no processo econômico.
6. A administração das finanças públicas
8 D`ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito Ambiental e Econômico e a ISSO 14000. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2005. 9 PRIEST, George L. Pobreza, desigualdade e crescimento econômico: princípios básicos. Belo Horizonte:Revista de Direito Público da Economia, RDPE, vol. 08,abril/junho, p. 139/151, 2010.
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No final da época do feudalismo e na fase do Estado Patrimonial e
Absolutista surge a necessidade de periódica autorização para lançar tributos e efetuar gastos
(Inglaterra CM 1215/França, Espanha, Portugal). Com o Liberalismo e as grandes revoluções
constitui-se o Estado Orçamentário, caracterizado pelo incremento das receitas e despesas
públicas e pela constitucionalização do orçamento, tal como na França, nos EUA e no Brasil
(constituição de 1824, art. 172). Assim, o denominado Estado Orçamentário adveio com o
Estado Moderno.
Atualmente, as normas constitucionais financeiras compreendem três
grandes grupos: normas orçamentárias, normas financeiras e normas monetárias. As normas
orçamentárias, por sua vez, estão formalmente subdivididas em quatro tópicos, quais sejam:
os orçamentos (arts. 165 a 169 CF\88), as normas de execução orçamentária (arts. 70 a 75
CF\88), o orçamento e o Poder Judiciário (art. 99 CF\88) e, por fim, a fiscalização dos
Municípios (art.31 CF\88).
O Estado Orçamentário é uma dimensão do Estado Democrático de
Direito alicerçado, principalmente, nas receitas de natureza tributária que são a principal fonte
de recursos públicos. Ele fixa no orçamento as receitas tributárias e patrimoniais que farão
frente às despesas públicas.
A atividade financeira estatal abrange a capacidade arrecadatória, a
gestão da receita pública, a administração e conservação do patrimônio público e o gasto
público, ou seja, a aplicação dos recursos públicos em prol das finalidades legais. E todas
estas fases da atividade financeira devem ser desenvolvidas de modo a promover o bem
comum.
As metas prioritárias devem ser voltadas ao atendimento dos direitos
fundamentais e sua restrição somente se justifica caso atendido o mínimo assecuratório da
dignidade da pessoa humana. O gestor público deve buscar a visão global observando o
princípio da impessoalidade e assegurando o tratamento isonômico dos administrados,
alinhado às diretrizes de redução das desigualdades. As metas dirigidas a atender mais e
melhor aos mais carentes, garantindo-lhes o mínimo indispensável à vida digna, devem pautar
os atos peculiares à gestão financeira.
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O fortalecimento dos direitos sociais, positivados na Constituição
Federal de 1988, impôs aos entes públicos deveres estatais, cujo atendimento importa
acréscimo de despesa pública; todavia, a Carta Magna nada propôs quanto ao incremento das
receitas públicas para fazer frente às inovadoras despesas. Assim sendo, cumpre ao gestor a
árdua tarefa de bem gerir as receitas públicas para prestar os direitos sociais não excedendo as
verbas públicas disponíveis e mantendo o equilíbrio entre as receitas e despesas públicas.
As políticas públicas sociais traçam as diretrizes contidas nas
propostas orçamentárias que geram as respectivas leis que prevêem as receitas e fixam as
despesas públicas necessárias a realização dos deveres estatais sociais.
6.1. As leis orçamentárias – O planejamento a longo, médio e curto prazo da gestão dos
recursos públicos.
As normas gerais que disciplinam as finanças públicas são objeto da
Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n° 101\2000), exaradas pela União, no
exercício de sua competência legislativa concorrente, subsistindo a competência suplementar
aos Estados da Federação.
A questão da natureza da lei orçamentária é controversa e existem
três principais correntes doutrinárias que defendem posições distintas.
A teoria da natureza formal do orçamento sustenta que a lei
orçamentária não estabelece direitos subjetivos, tipificando-se como lei formal que prevê
receitas e autoriza gastos, sem criar ou modificar direitos subjetivos, consistindo mera
autorização do parlamento para prática de atos administrativos.
A teoria da natureza material do orçamento, por sua vez, compreende
que a lei orçamentária tem natureza material criadora de diretos. Originária da Itália esta
teoria defende ser o orçamento um instrumento jurídico para atuação administrativa.
Por fim, mas não menos relevante, a terceira corrente parte da
concepção de que a lei orçamentária não é lei material ou formal é lei sui generis.
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Duguit segundo CAMPOS10 assevera que a lei orçamentária é ato
administrativo na despesa e lei quanto a receita e nesta linha toma o orçamento como ato-
condição quanto a despesa e lei material quanto a autorização de cobrança de tributos.
A doutrina majoritária conclui que o orçamento é lei somente do
ponto de vista formal, pois, tem natureza de ato-condição por se circunscrever a autorizar a
realização de despesa e prescrever o montante da receita sem criar diretos subjetivos.
As leis orçamentárias anuais são deveras peculiares. Considero
adequada a posição que enquadra a LOA como lei em sentido material por possuir caráter de
generalidade e abstração. Trata-se de lei geral por alcançar uma série ou classe de pessoas e
abstrata por se repetir sem exaurimento. Dito em outras palavras, as leis orçamentárias anuais
contem a previsão legal da denominada ação-tipo e a cada ocorrência fática do tipo legal
opera-se a subsunção e concretiza-se a hipótese da incidência da norma, sem esgotar o seu
conteúdo. A aplicação da norma ao evento típico se repete tantas e quantas vezes o fato
ocorrer.
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A luz desta compreensão sustenta-se que o diploma orçamentário
inova no mundo jurídico ao produzir efeitos na realidade, criando, transformando direitos ou
obrigações, ou seja, ele intervém na realidade à medida que contém carga de eficácia.
O STF ao examinar a natureza da lei orçamentária concluiu que ela é
passível de controle de constitucionalidade por tratar-se de norma típica com caráter geral e
abstrato. A lei de diretrizes orçamentárias, contrariamente, caracteriza-se como uma típica
norma concreta, ou seja, uma lei que prevê uma ação historicamente determinada.
O orçamento público, ou lei de meios, é um instrumento juspolítico
que contém as diretrizes e as decisões oriundas das políticas públicas cumprindo função
jurídico-normativa. E a medida que especifica os valores pecuniários das tarefas que a
sociedade incumbiu ao Estado reflete a democracia substantiva.
10 CAMPOS, Marco Aurélio Morais at al..Transparência dos gastos federais: o controle externo sobre os recursos aplicado por meio de suprimento defundos. http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/1190777. PDF. acesso em 15/09/2010.
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O poder estatal de gerir os recursos públicos é limitado formalmente
e materialmente pelas normas constitucionais e leis orçamentárias.
A constituição de 1988 tornou o processo de elaboração da norma
orçamentária mais democrática ao ampliar a participação do legislativo e facultando a
apresentação de emendas parlamentares às leis orçamentárias. Entretanto, o poder de
iniciativa do processo de formação das leis é exclusivo do Poder Executivo que, em regra,
recebe as propostas do Poder Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Procuradoria-Geral
do Estado, Defensoria Pública e as compila. Nesta fase cumpre sejam realizadas audiências
públicas para que haja ampla participação popular de modo a legitimar as escolhas e as
decisões a serem consignadas na proposta legislativa elaborada o que, atualmente e em regra,
não ocorre.
O Poder Legislativo detém o poder de emendar os projetos de lei
orçamentária exercendo prerrogativa de ordem político-jurídica, inerente ao exercício da
atividade legislativa. Os membros desse Poder podem apresentar emendas parlamentares que
não importem em aumento da despesa, propor relocação de recursos e apresentar supressões,
de modo a priorizar os projetos sociais participando ativamente da elaboração da lei, desde
que a emenda apresentada guarde afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição
original e que emendas observem as restrições fixadas no art. 166, §§ 3º e 4º da Carta
Política.11
O Chefe do Poder Executivo pode vetar eventuais emendas
legislativas reaproveitando as possíveis receitas disponíveis em decorrência do veto para
outras finalidades, como créditos especiais ou suplementares, desde que com prévia
autorização legislativa. Neste caso cumpre sejam acompanhadas as justificativas de veto e a
respectiva destinação a ser conferida aos recursos decorrentes da emenda vetada, tudo em
vigilante controle social.
A lei de diretrizes orçamentárias estabelece as metas, elege as
prioridades e as despesas de capital para o próximo exercício financeiro fixando as
11RTJ 36/382,385. RTJ 37/113. RDA 102/261.ADI 865/MA, Rel. Min. Celso de Mello. ADI 1.050-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/04/04.
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orientações para a elaboração da lei orçamentária anual que se divide em três orçamentos: o
fiscal, o de investimento das estatais e o de seguridade social.
As leis orçamentárias tendem a tecnoburocratização, dado o emprego
de terminologia própria e peculiar; assim, sua interpretação exige conhecimentos gerais de
contabilidade pública, de administração e de econômica. Em regra, a compreensão das leis
orçamentárias é acessível apenas aos iniciados, como bem expressa Ana Amorim Valente12.
Entretanto, a linguagem utilizada nestes diplomas legais pode ser aclarada para facilitar o
conhecimento da sociedade, transparecendo a destinação dos recursos públicos, permitindo
maior participação e engajamento popular nesse processo, em prol da promoção da justiça
social.
O orçamento possibilita o controle da atividade financeira pública, na
medida em que estabelece como serão gerenciados os recursos públicos e, desempenha
funções políticas e econômicas. O orçamento é político por conter a tradução numérica das
políticas públicas viabilizando seu controle, inclusive político a ser exercido pelo parlamento
que julga as contas dos administradores. A função econômica do orçamento decorre de seu
objeto, qual seja: a dotação13 dos recursos financeiros, perfeitamente identificados e
quantificados, mantido o equilíbrio entre receita e despesa.
As prioridades sociais, os programas, os projetos e as atividades
devem ser contemplados no orçamento de modo a atender aos interesses sociais da maioria;
tudo de maneira democrática.
Os princípios orçamentários tem por propósito reforçar a utilização
do orçamento como instrumento de controle parlamentar e servem para orientar a elaboração,
aprovação e execução do orçamento.
O princípio da exclusividade, previsto no artigo 165, parágrafo 8°, da
CF\88, estabelece limites ao conteúdo programático que deve ser restringir a receita e despesa
12 VALENTE, Ana Paola de Morais Amorim, Transparência e opacidade do SIAFI no acesso à informação orçamentária. Belo Horizonte.p. 153,2010. 13 Dotação em sentido amplo é o recurso fixado no orçamento para atender às necessidades de determinado
órgão, fundo ou despesa.conforme define Hely Lopes Meireles, Finanças municipais, p. 183.
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consignadas.A exceção reside nos casos de autorização para abertura de crédito suplementar e
contratação de operação de crédito quando a lei poderá conter dispositivos de outra natureza.
O princípio da programação orçamentária refere-se ao orçamento
como elemento da estrutura de planejamento. Os objetivos (especificação dos bens ou
serviços com os quais as entidades públicas pretendem satisfazer as necessidades públicas,
assim atingindo as metas estabelecidas) são vinculados aos meios que devem consistir em
instrumentos suficientemente hábeis para atingir os objetivos sociais eleitos. O programa de
trabalho social consiste no conjunto de projetos e atividades a serem executados por uma
unidade orçamentária ou órgão, em determinado exercício financeiro.
O Princípio do equilíbrio orçamentário14 exige que a peça
orçamentária e sua execução primem pelo equilíbrio entre as receitas e despesas públicas.
Trata-se de relevante princípio contemplado desde a CF/67, tendo sido retirado pela emenda
constitucional de 69 que permitia o desequilíbrio; mas, limitava o endividamento. Este
princípio fundamenta a vedação das operações de crédito que excedam as despesas de capital
visando, desta maneira, limitar os investimentos e operações de capital.
A lei orçamentária tem sua vigência marcada no tempo em virtude do
princípio da anualidade ou periodicidade que estabelece um período de tempo orçamentário15.
O.princípio da unidade orçamentária coíbe a elaboração de mais de
um orçamento no âmbito de cada ente público federado e impõe que todas as contas
orçamentárias (receitas e despesas) constem em um único documento, de um único caixa. E, o
princípio da universalidade preconiza que todas despesas e receitas constem no orçamento
14 A constituição Federal estabelece no art. 167 que são vedadas a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionai. E regulamentando a transição no artigo 37 do ADCT dispõe que o déficit excedente às despesas de capital que configure despesas de manutenção –operacionais, deve ser reduzido em 05 anos, na base mínima de 1/5 por ano. Assim, no momento atual, o déficit público deve estar zerado, sendo exigível o equilíbrio por ter passado a fase de transição. Acresça-se que a Lei de responsabilidade fiscal no art. 1°, parágrafo primeiro, veio a reforçar este princípio constitucional. 15 A CF\88, no art. 166, III determina que a vigência do orçamento fica limitada a um ano (orçamento anual). O Dec. 200/67 já fixava tal periodicidade e a Lei Federal n° 4.320/67 estabelece que no âmbito público o exercício financeiro coincidirá com o ano civil. Significando dizer que o orçamento brasileiro terá vigência de 1° de janeiro até 31 de dezembro.
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pelos seus totais. Ambos possibilitam a visão total da gestão dos recursos no ano financeiro,
de modo a permitir sejam vislumbradas todas as ações voltadas à redução das desigualdades.16
O princípio da legalidade é próprio do Estado de Direito e foi
reafirmado no artigo 165 da CF que exige legislação para o plano plurianual, a lei de
diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual e determina que toda e qualquer despesa
deve estar escudada em prévia previsão legal autorizativa. Desde forma viabilizando a
discussão parlamentar de toda a gestão financeira.
O principio da transparência fiscal é consabidamente mais amplo que
o princípio da publicidade e, portanto, melhor adequado às exigências da efetividade.
Enquanto o atendimento da publicidade se satisfaz mediante mera publicação, a observância
da transparência fiscal exige seja disponibilizado amplo conhecimento dos motivos e das
finalidades dos atos fiscais, possibilitando seu efetivo controle. E, para assegurar o
conhecimento do ato pelo administrado é necessário mais do que a mera publicação formal,
ou seja, é preciso que se viabilize, ao leigo, a plena compreensão dos motivos e fundamentos
do ato.
Tal princípio agregou valores ao princípio da publicidade, somando
conteúdo à forma, emprestando eficiência à eficácia. Assim, a Constituição Federal introduziu
um novo princípio, também expressamente contemplado na lei de responsabilidade fiscal.17
16 O Art.165, parágrafo 5° respalda a universalidade ao reunir os orçamentos e proceder uma interligação com os mesmos por intermédio do PPA. A Lei n° 4320/67, artigo 2° dispõe que a lei do orçamento conterá a
discriminação da receita e da despesa, de forma a evidenciar a política econômico – financeira.
17 Art. 48 da LRF dispõe sobre os instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos. Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no
respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação
pelos cidadãos e instituições da sociedade.
Parágrafo único. A prestação de contas da União conterá demonstrativos do Tesouro Nacional e das agências
financeiras oficiais de fomento, incluído o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social,
especificando os empréstimos e financiamentos concedidos com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da
seguridade social e, no caso das agências financeiras,avaliação circunstanciada do impacto fiscal de suas
atividades no exercício.
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A lei orçamentária possui peculiaridades em seu processo legislativo
dado o prazo peremptório para encaminhamento da proposta legislativa do executivo ao
legislativo (art. 35, parágrafo 2°, do ADCT) e garantias de controle prévio legislativo, uma
vez que não pode ser objeto de lei delegada (art. 68, par.1 inc. III, da CF\88). A iniciativa
exclusiva compete ao Poder Executivo (art. 84, XXIII, da CF\88); porém, a respectiva matéria
é limitada em seu mérito (art. 167 da CF\88). Em contrapartida, a constituição garante a
autonomia do Executivo ao limitar o poder de emendas parlamentares (art. 166, parágrafo 3°,
da CF\88) e ao impor responsabilidade em caso de descumprimento (art. 85, VI, da CF).
O ciclo das leis orçamentárias começa com o Plano Plurianual que
prevê programas de duração continuada com diretrizes programáticas das políticas de governo
para um período de 04 (quatro) anos.
O chefe do executivo tem o dever de encaminhar à assembléia
legislativa, no prazo de, até 04 meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro
do mandato, na data limite de 31 de agosto, a proposta legislativa do PPA que deve ser
devolvido ao Poder Executivo até o encerramento da sessão legislativa (dia 05 de dezembro).
O PPA começa a viger no início do segundo ano de mandato do
Chefe do Executivo e perdura até o final do primeiro ano do mandato subseqüente. Assim, no
primeiro ano da gestão o Chefe do Executivo Federal, Estadual ou Municipal executa o PPA,
cuja proposta foi gerada pelo administrador anterior e, a partir de então, no segundo ano o
administrador estará a cumprir o PPA originário de sua proposta legislativa. Desta forma esta
lei propicia a continuidade da administração pública uma vez que sua execução perdura entre
diferentes ordenadores.
O Plano Plurianual tem por finalidade traçar as diretrizes, os
objetivos e as metas da administração pública, de modo regionalizado contendo os programas
de duração continuada e despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e
transferência). Caracteriza-se como instrumento técnico de planejamento que orienta os
demais planos e programas de governo e orçamentos subseqüentes e serve para retratar os
objetivos constantes do plano de governo, podendo ser ajustado e revisado, anualmente.
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A característica regionalizada do plano plurianual serve para
demonstrar os programas de longo prazo para redução das desigualdades regionais, as
medidas a serem executadas para propiciar o nivelamento das regiões e os índices adotados
para avaliar e medir a diminuição do nível de disparidade.
O investimento público cuja execução ultrapasse o exercício
financeiro só pode ser executado se previamente incluído no PPA. Assim, as grandes ações
dos três Poderes do Estado devem estar contidas neste planejamento de longo prazo; o qual
deve ser amplamente debatido pela sociedade.
As normas definitivas da elaboração e organização do PPA deveriam
estar regradas em lei complementar conforme previsão do art.165, parágrafo. 9°, inc. I, da
CF\88. Na ausência desta aplica-se o art. 35, parágrafo 2°, inciso I do ADCT aos Estados e
Municípios, embora esse dispositivo refira, expressamente, o mandato presidencial; mas, por
simetria é estendido aos demais entes públicos da Federação.
A lei de diretrizes orçamentárias foi introduzida na Constituição
Federal (art. 165, parágrafo 2°, CF/88) servindo como instrumento de planejamento à médio
prazo e como tal deve fixar metas e prioridades da administração pública (incluindo as
despesas de capital) para o exercício financeiro subseqüente, estabelecendo os ditames para
elaboração da lei orçamentária anual. Tal diploma legal deve especificar as políticas sociais a
serem executadas no ano porvir, dispondo, inclusive, sobre eventuais alterações na legislação
tributária, além de estabelecer as políticas de aplicação das agências oficiais de fomento.
A LDO garantirá o equilíbrio orçamentário de modo que a
programação das despesas estime o correlato suporte financeiro, estipulará os critérios e
formas de limitação de empenho e conterá ferramentas de gestão que possibilitarão a
fiscalização da gestão via controle de custos e avaliação dos resultados dos programas sociais.
Ela estabelece as condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e
privadas, no que deve ser regiamente fiscalizada para assegurar sejam destinatárias aquelas
que efetivamente tenham fins sociais.
O Poder Judiciário, o Legislativo, o Tribunal de Contas, o Ministério
Público, a Procuradoria e a Defensoria no exercício de sua autonomia orgânico-administrativa
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e financeira encaminham suas propostas orçamentárias ao Poder Executivo obedecidos os
limites fixados na LDO. Os anexos da lei de diretrizes orçamentárias contém dados de
relevância para o desenvolvimento da gestão financeira, tais como o Anexo de Metas Fiscais
(LFR, § 1°, do art. 4°) que trata das metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas
a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o
exercício a que se referirem e para os dois seguintes.
O planejamento de curto prazo consta no orçamento anual, o qual é
composto por três espécies por três orçamentos e compreenderá (art. 165, § 5º, CF\88): o
orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da
administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.
O orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha
a maioria do capital social com direito a voto e, por fim, o orçamento da seguridade social,
abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta;
bem como, os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público (art. 165, § 5º,
CF\88).
6.2. As receitas públicas vinculadas – a expressão material da priorização constitucional
dos direitos sociais.
As receitas vinculadas visam assegurar a destinação de recursos
públicos aos serviços públicos eleitos como prioritários (art. 167, inc. IV, da CF\88).
A regra é a proibição de vinculação de receita de impostos a órgão,
fundo ou despesa; todavia, existem receitas que são vinculadas a determinados objetivos.
Destacam-se: a repartição das receitas tributárias, também denominada repartição do
produto da arrecadação dos impostos (arts. 158 e 159); os recursos para as ações e serviços
públicos de saúde (art. 198), os recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino (§
2º, art 212), os recursos para realização de atividades da administração tributária (art 37,
XXII), os recursos para a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de
receita (art. 165, § 8º), os recursos de receitas próprias geradas pelos impostos a que se
referem os artigos 155 e 156 , e dos recursos de que tratam os artigos 157, 158, 159, I, a e b,
e II , para prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamentos de débitos para
com esta (§ 4º, artigo 167), todos os dispositivos citados são constitucionais.
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Estas vinculações constitucionais obrigatórias de receita pública
constituem exceções ao princípio constitucional da não afetação da receita e restringem a
atividade financeira do Poder Público.
Os direitos sociais prioritários são contemplados com receitas
vinculadas na Constituição Federal, como forma de assegurar o mínimo de destinação de
recursos públicos para a manutenção e desenvolvimento do ensino, para as ações e serviços da
saúde, para o ensino estadual superior e para o amparo à pesquisa.
A constituição federal estabelece critério numérico correspondente ao
percentual da receita corrente líquida. A esse critério objetivo devem ser agregados outros
elementos inclusive de natureza subjetiva, tudo para que possamos avaliar os aspectos
substanciais do dispêndio e com isto aquilatar a qualidade do gasto público.
Não basta garantir o volume de gasto fixado no texto constitucional é
preciso que seja agregada a esta análise numérico-formal da despesa a avaliação de
efetividade do gasto, ou seja, se o emprego dos recursos logrou o êxito atingindo o fim
proposto e, principalmente, se foi efetivamente beneficiado seu destinatário.
A vinculação da receita tem o objetivo de assegurar a melhoria da
respectiva prestação do direito social e seu atendimento passa pela avaliação do bom emprego
dos recursos públicos, desde a efetividade da arrecadação, pois, o processo começa pela
receita pública.
As despesas decorrentes das receitas vinculadas não são passíveis de
contingenciamento. Tal vinculação tem por objetivo assegurar o emprego dos recursos
mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos primordiais. As leis
orçamentárias devem observar e atender estas prioridades, de modo a reservar os meios
suficientes ao atendimento privilegiado por estas vinculações.
O Programa orçamentário é um conjunto organizado de atividades
que objetivam a realização de uma meta ou prioridade governamental. Na seara do direito
financeiro o termo programa possui duas acepções.
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No âmbito orçamentário, programa é a categoria de programação
orçamentária apropriada para fazer a ligação entre os planos de médio e longo prazo e os
orçamentos anuais. Representa o segundo nível de detalhamento das funções na
classificação funcional programática, utilizada nos orçamentos públicos, destinado a
expressar a magnitude de uma ação, e busca consolidar ações e iniciativas de mesma
natureza, em regra, se divide em subprogramas. A análise da despesa consolidada por
programas permite que se verifiquem as prioridades do Governo.
De outra parte, a luz do planejamento, programa é uma categoria de
estruturação racional de ações planejadas. O artigo 2°, da lei n°. 4320/64 ao definir o
orçamento dispõe que a lei orçamentária conterá a discriminação da receita e despesa de
forma a evidenciar a política econômico-financeira e o programa de trabalho do governo,
obedecidos os princípios da unidade, universalidade e anualidade. Tal conceito legal é
compatível com o orçamento-programa que se caracteriza por conter o programa de
operações de governo e os meios de financiamento deste programa.
As decisões democráticas, expostas nos orçamentos, devem ser
cumpridas pelo administrador na sua forma e fundo e devem responder pela adequada
execução orçamentária: formalmente pela adequação a lei e materialmente pelo respeito aos
objetivos nela contidos.
O orçamento, que dantes era denominado peça de ficção, hoje é visto
como um programa de governo, o qual demonstra a elaboração financeira e a orientação
governamental, do que decorre seu caráter de político.
6.3. A execução orçamentária participativa – a participação popular como elemento
legitimador da gestão financeira.
A execução orçamentária permite que se verifique a adequação das
leis orçamentárias. Quando há excesso de contingenciamento conclui-se que a receita foi
superestimada e quando são abertos sucessivos créditos adicionais geralmente houve uma
estimativa modesta da receita a ser auferida.
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A adoção da política econômico-fiscal distributiva que propicie a
justiça social pode agregar aos tributos a finalidade extrafiscal de redução da desigualdade por
intermédio da aplicação de alíquotas diferenciadas, mormente nos tributos incidentes sobre o
consumo, a renda ou o patrimônio. Desta forma a própria exação servirá para intervir na
ordem econômica via redução ou majoração de alíquota, isenções ou aplicação de crédito
presumido. Ressalta-se que os benefícios de natureza financeira ou de crédito deverão ser
projetados para que seja averiguado o efetivo reflexo no volume da receita pública e, acima de
tudo, deve haver firme atrelamento da receita à despesa, tudo para assegurar a aplicação legal
do recurso arrecadado.
A boa gestão dos recursos públicos parte da efetividade da
arrecadação, pois, o processo começa pela obtenção da integralidade da receita pública
devida. Assim, é indispensável o acompanhamento de todas as fases da arrecadação, desde a
fixação orçamentária, o rito, as ações fiscais administrativas, as autuações, o processo
administrativo tributário, o volume de pagamento voluntário e a efetividade da cobrança
administrativa e judicial do crédito público. A composição de toda a formação da receita
pública deve ser transparecida, porque o volume, o fluxo, as formas de arrecadação, o custo
da máquina arrecadatória – da administração tributária, sua efetividade, são elementos a
serem ponderados para que se possa avaliar a gestão da receita pública.
Impõe-se amplo e claro debate dos critérios e objetivos da
desoneração fiscal, com imposição de rigorosos procedimentos, sujeitos de modo vinculado à
ampla discussão pública antes das desonerações fiscais, das concessões de benefícios e
vantagens e mesmo, anteriormente, a implantação dos programas de parcelamento.
A escolha das despesas públicas, da mesma forma, deve ser
legitimada pela participação popular desde a elaboração até a execução orçamentária. É
preciso verificar o nível de atendimento às necessidades sociais da maioria, averiguar se o
meio empregado é o mais econômico e eficaz para obter o fim desejado, se foram estudadas
outras vias, quais foram os critérios sopesados para embasar a decisão do gasto, quais as
projeções de custo e quantos seriam os efetivos beneficiados. A análise adequar-se-á as
características culturais do local, observadas as prioridades eleitas pela população destinatária.
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Darcy Ribeiro dos Santos18 analisando as finanças públicas gaúchas
no ano de 2004 concluiu que do total da receita corrente arrecadada 80,3% correspondia a
receita corrente líquida (aquela disponível após a repartição das receitas tributárias). O autor
ainda informa que do total da receita corrente liquida vinculada (equivalente a 56%) não foi
totalmente atendida naquele exercício financeiro e conclui que o ERGS aplicou 49,6%
deixando de aplicar o equivalente a 9% da receita corrente líquida vinculada. O economista
avalia que tal situação decorreu do desequilíbrio orçamentário ocasionado pela excessiva
vinculação de receitas, pela higidez da despesa pública e, ainda, em virtude das desonerações
fiscais. Outros Estados da Federação também não conseguiram assegurar o mínimo de
recursos públicos para as áreas prioritárias.
A evolução das finanças públicas, por intermédio do esforço dos
gestores e agentes públicos, garantirá a efetiva participação e controle social servindo a
promoção da Justiça Social.
Transformar a realidade brasileira com a redução das desigualdades
sociais, a eliminação da segregação social e econômica é uma tarefa hercúlia, mas,
indispensável para que possamos buscar um mundo melhor.
Os Procuradores dos Estados devem unir as forças em prol da
transformação dos Estados da Federação atuando junto aos Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário com propósito de garantir a melhor distribuição dos direitos sociais, do bem-estar,
do desenvolvimento econômico-social e da igualdade, tudo para a efetiva concreção dos
propósitos do Estado Democrático de Direito.
18 SANTOS, Darcy Francisco Carvalho dos. A crise das finanças estaduais: causas e alternativas. Uma contribuição para o debate. Porto Alegre: Editora Age Ltda., p.50, 2006..
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7.Conclusão
1°. O Estado no desempenho da atividade orçamentária e financeira
deve propiciar ampla participação popular na elaboração das leis orçamentárias, no processo
legislativo, na execução orçamentária, na gestão da receita pública e na análise prévia do
gasto público, como forma de conferir maior legitimidade à administração pública
orçamentária e financeira e servir como instrumento promotor do desenvolvimento
econômico-social, tudo para a efetiva concreção dos propósitos do Estado Democrático de
Direito.