SOBRE SISTEMAS DE MEDIÇÃO DE
VOLUME DE MADEIRA BASEADOS EM
MAPEAMENTO DE SUPERFÍCIE
Raphael Carlos Santos Machado (Inmetro)
luiz fernando rust da costa carmo (Inmetro)
Boris Gabina Dias (Inmetro)
Renato Ferreira Lazari (Inmetro)
A comercialização de madeira roliça é feita, tradicionalmente,
utilizando medidas de volume derivadas da superfície “externa” da
pilha de madeira, ou seja, um volume que compreende madeira e
matéria residual (ar e outros resíduos). A tradiçção consolidou o uso
da unidade “estéreo” para a referência ao volume, em metros cúbicos,
de uma “pilha” de madeira roliça, compreendendo madeira e matéria
residual. Neste trabalho, discutimos a validade do uso de medidas de
volume derivadas da superfície externa de pilhas de madeira em
transações comerciais aderentes às unidades do Sistema Internacional.
Adicionalmente, apresentamos uma proposta de definição de “volume
de uma pilha” adequada às modernas técnicas de medição
automatizada de madeira empilhada baseadas em mapeamento de
superfície. Finalmente, descrevemos requisitos de segurança da
informação e apresentamos um protocolo para o acompanhamento de
erros em sistemas automatizados de medição de volume de madeira
roliça a partir de mapeamento de superfície de pilhas.
Palavras-chaves: sistemas de medição, volume sólido, estéreo
XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente.
São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.
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1. Introdução
A comercialização de madeira roliça é feita, tradicionalmente, utilizando medidas de volume
derivadas da superfície “externa” da pilha de madeira, ou seja, volume que compreende
madeira e matéria residual (ar e outros resíduos). A tradição consolidou o uso da unidade
estéreo para a referência ao volume, em metros cúbicos, de uma “pilha” de madeira roliça,
compreendendo madeira e matéria residual. De fato, a grande maioria das técnicas de
medição de madeira baseia-se em medidas feitas na “superfície” de pilha de toras de madeira
e em estimativas estatísticas do fator de empilhamento, que é arelação entre o volume da pilha
(madeira sólida mais volume residual) e o volume de madeira. Recentes sistemas automáticos
de medição de baseados em mapeamento a laser de superfície de pilhas de madeira de
reforçaram ainda mais a importância da informação do “volume de superfície” no comércio
de madeira.
Organismos de Metrologia Legal (INMETRO,1999;OIML,2007), por outro lado, já há
algumas décadas sinalizavam a intenção de descontinuar o uso da unidade estéreo no
comércio de madeira. Em 1999, a Portaria Inmetro nº 130 determina a extinção, a partir de 1º
de janeiro de 2010, do uso da unidade “estéreo” nas operações envolvendo produção, colheita,
baldeio, transporte e comercialização da madeira roliça, prestando-se como combustível ou
como matéria prima industrial. Mais precisamente, a Portaria 130 de 1999 determina que, a
partir de 2010, apenas unidades do Sistema Internacional sejam aceitas para as operações com
madeira anteriormente citadas. A proibição do uso da unidade “estéreo” pela Portaria 130 de
1999 determina a necessidade de se adaptar a comercialização de madeira ao novo
regulamento.
Tal cenário coloca em cheque toda a cadeia produtiva associada ao comércio de madeira. Por
um lado, tais cadeias encontram-se fortemente dependentes da eficiência dos processos
automatizados de medição de madeira, que por sua vez são baseados sobre sensores de
superfície. Por outro lado, recomendações nacionais (INMETRO,1999) e internacionais
(BIPM,2006;OIML,2007) apontam para a impossibilidade do uso de medidas de volume de
superfície – e, portanto, de sistemas automatizados de medição – no comércio de madeira.
O presente trabalho apresenta contribuições e esclarecimentos que visam à viabilidade da
comercialização de madeira roliça em um cenário que conjuga a extinção da unidade
“estéreo” e o advento de sistemas automatizados de medição de volume de madeira roliça
baseados no mapeamento da superfície exterior de tais pilhas. Tais contribuições e
esclarecimentos são enumerados a seguir:
a) Consolidação da equivalência entre “metro cúbico” e “estéreo”, a partir da observância a
documentos fundamentais da metrologia, tais como a lei francesa (FRANÇA,1795)
“Décret relatif aux poids et aux measures, 18 germinal an 3”, o documento (OIML,2007)
“D 2 Consolidated Edition 2007 (E)”, e o “Sistema Internacional de Unidades, oitava
edição”(BIPM,2006), dando base legal para a manutenção do comércio de madeira
baseado em medidas de volume de superfície.
b) Determinação de uma definição para o “volume de uma pilha” aderente às atuais técnicas
de medição de volume de madeira baseadas em mapeamento de superfície.
c) Descrição de requisitos de Segurança da Informação para sistemas automatizados de
medição de volume de madeira roliça dotados de processamento e comunicação de dados.
d) Proposta de um protocolo para o acompanhamento do desempenho dos algoritmos de
medição de sistemas automatizados de medição de volume de madeira roliça.
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Na Seção 2, discutimos a importância da manutenção da confiabilidade nas informações de
medições, seja para uma maior confiança nos processos produtivos, seja para uma melhor
inserção internacional das empresas que conduzem estes processos.
2. Confiabilidade dos processos de medição
A confiabilidade na medição como um todo é especialmente necessária onde quer que exista
conflito de interesse, ou onde quer que medições incorretas levem a riscos indesejáveis aos
indivíduos ou à sociedade.
O desenvolvimento tecnológico tem determinado a efetiva implantação do controle
metrológico dos instrumentos de medição. Cobrindo inicialmente apenas as medições com
fins comerciais, as atividades de metrologia legal vêm sendo estendidas, gradualmente, às
demais áreas previstas na legislação.
Para exercer o controle, no âmbito das medições, o Governo expede leis e regulamentos. Os
regulamentos estabelecem métodos de ensaios, erros máximos, rotinas de calibração e a gama
de procedimentos de natureza compulsória a que devem satisfazer os fabricantes,
importadores e detentores dos instrumentos de medição a que se referem.
A elaboração de regulamentos técnicos metrológicos, de caráter compulsório, baseia-se nas
recomendações internacionais da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML),
pois o Brasil é um dos países signatários dessa Organização.
A OIML descreve o termo metrologia legal como “parte da metrologia que trata das unidades
de medida, métodos de medição e instrumentos de medição em relação às exigências técnicas
e legais obrigatórias, as quais têm o objetivo de assegurar uma garantia pública do ponto de
vista da segurança e da exatidão das medições”.
Podemos observar que esse termo caracteriza todos os níveis e setores de uma nação
desenvolvida. As ações governamentais nesse campo objetivam, por um lado, a disseminação
e a manutenção das medidas e unidades harmonizadas e, por outro, a supervisão e avaliação
dos instrumentos e métodos de medição.
O principal objetivo estabelecido legalmente no campo econômico é proteger o consumidor
enquanto comprador de produtos e serviços medidos e, o vendedor, enquanto fornecedor
desses. A exatidão dos instrumentos de medição, especialmente em atividades comerciais,
dificilmente pode ser conferida pelas partes envolvidas por não possuirem os meios técnicos
para fazê-lo.
Figura 1 – Campos de atuação da Metrologia Legal
O controle metrológico legal pode ser entendido como uma expressão que designa a ação
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efetuada pelo Estado sobre os instrumentos de medição e medidas materializadas,
notadamente utilizadas nas atividades comerciais, na saúde, na segurança e no meio ambiente.
Para atender a esse controle são realizadas as apreciações técnicas de modelo, que
correspondem ao “Exame e ensaio sistemático do desempenho de um ou vários exemplares de
um modelo (tipo) identificado de um instrumento de medição, em relação às exigências
documentadas, a fim de determinar se o modelo (tipo) pode ou não ser aprovado, e cujo
resultado está contido no relatório de apreciação técnica.” (VIML, 2007).
Figura 2 – Fluxo da regulamentação
Nos últimos anos, as questões relativas a controle metrológico de elementos de medição têm
sido objeto de crescentes preocupações para as indústrias que atuam em diversas áreas da
cadeia produtiva. O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial
(Inmetro), órgão do Governo Federal, é responsável por todas as ações desenvolvidas no
âmbito da metrologia, no país. Objetivando ao atendimento das exigências da sociedade, a
Diretoria de Metrologia Legal (Dimel) tem a incumbência de desenvolver todas as ações da
Instituição.
Para isso, também realiza as verificações metrológicas, que correspondem ao conjunto de
operações compreendendo o exame, a selagem e a emissão de um certificado que comprove
as condições metrológicas e o adequado funcionamento do instrumento de medição, sistema
de medição ou medida materializada que satisfaça às exigências regulamentares, isto é,
corresponde ao conjunto de operações destinadas a averiguar o desempenho do modelo
aprovado.
Figura 3 – fluxo do controle metrológico
Recentemente a área de medição de volume de madeira está recebendo uma atenção cada vez
maior devido à publicação da Portaria Inmetro n° 130 1999, através da qual foi aprovada a
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abolição do uso da unidade estéreo para medição de madeira, sendo substituída pelo Sistema
Internacional (SI).
Dentro do cenário apresentado, há uma grande necessidade de que as empresas espalhadas por
todo o nosso país mudem seu modelo de atuação e infra-estrutura capaz de medir esse volume
nas unidades do SI e assegurar que os resultados das medições reflitam um sistema de
medição confiável e em consonância com os padrões tecnológicos regulamentares
estabelecidos.
Para atender a essa necessidade de mercado foi verificado que um número muito pequeno de
empresas possui um sistema de medição nessas condições para a área de medição de madeira.
Analisando o porquê dessa dificuldade verificamos que a dificuldade não está na
implementação do sistema e sim, nos requisitos técnicos, referentes à própria medição.
Isso se dá pelo alto investimento necessário, falta de pessoal capacitado e um estudo que
deixe claro os cuidados metrológicos que se deve ter na aquisição dos dados e na
determinação de seus erros.
3. O metro cúbico e o estéreo
O “estéreo” ou “volume estéreo” é uma unidade de medida tradicionalmente utilizada para a
comercialização de madeira. Embora a tradição tenha consolidado o uso de unidade com
nomenclatura específica para a medida de volume de madeira roliça, a unidade “metro
estéreo” é equivalente à unidade metro cúbico. O uso da nomenclatura “estéreo” (algumas
vezes mencionada como “metro estéreo”) em detrimento do “metro cúbico” advém da
conveniência de se deixar explícito que determinada pilha madeira a ser comercializada teve
estimada apenas a sua superfície, e que, portanto, o volume de madeira que poderá
efetivamente ser utilizada como combustível ou como matéria prima industrial irá depender
do fator de empilhamento, o qual, por sua vez, determina a quantidade de “espaço vazio”
entre as toras de madeira. Observe, entretanto, que a equivalência entre o “metro cúbico” e o
“estéreo” é determinada desde a definição original destas unidades no artigo quinto do decreto
francês de 1795 relativo a pesos e medidas (FRANÇA1795):
Décret relatif aux poids et aux mesures.
18 germinal an 3 (7 avril 1795)
[...]
5. Les nouvelles mesures seront distinguées dorénavant par le surnom de
républicaines; leur nomenclature est définitivement adoptée comme il suit:
On appellera: Mètre, la mesure de longueur égale à la dix-millionième partie de
l'arc du méridien terrestre compris entre le pôle boréal et l'équateur.
Are, la mesure de superficie, pour les terrains, égale à un carré de dix mètres de
côté.
Stère la mesure destinée particulièrement aux bois de chauffage, et qui sera égale
au mètre cube.
Litre, la mesure de capacité, tant pour les liquides que pour les matières sèches,
dont la contenance sera celle du cube de la dixièrne partie du mètre.
Gramme, le poids absolu d'un volume d'eau pure égal au cube de la centième
partie du mètre , et à la température de la glace fondante. [...]”
Observe que a lei francesa consolida, também, outras unidades de uso específico, como, por
exemplo, o litro, equivalente a 0,001m3 e utilizado para a medida de volume de fluidos, e o
are, equivalente a 100m3 e utilizado para a medida de área de terras. Observe, ainda, que o
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litro [SI] é considerado uma unidade legal de medida, enquanto o are não o é (OIML,2007).
A Portaria 130 de 1999, que determina a descontinuidade do uso da unidade “estéreo”, baseia-
se no documento D2 da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML,2007), a qual,
por sua vez, reforça, em sua seção B2, a equivalência “1st=1m3”. Portanto, a aderência ao
Sistema Internacional de medidas pode ser alcançado pela simples manutenção das técnicas
de estimativa de volume de pilha, formalizando-se as metodologias de cálculo e expressando-
se o volume final em termos de “metros cúbicos de madeira e matéria residual” – onde, por
matéria residual, entende-se o ar compreendido entre as toras de madeira, além de outros
resíduos porventura presentes neste espaço. Uma alternativa é a determinar o volume sólido
de madeira através do mapeamento da superfície da pilha de madeira e de uma estimativa do
fator de empilhamento, o que, de fato, é feito pelos atuais sistemas automatizados de medição
de volume de madeira, embora seja recomendável que o volume da pilha (compreendendo
madeira e matéria residual) também seja informado. No caso de esta alternativa ser utilizada,
a comercialização se dará em termos de “metros cúbicos de madeira” e deverá ser feito
acompanhamento de forma a verificar se o método de estimativa de volume sólido de madeira
é efetivo e encontra-se dentro de erros máximos aceitáveis.
Uma vez determinadas as bases legais para o comércio de madeira baseado em mapeamento
de superfície de pilhas de madeira, é importante que se proponha uma definição de volume de
superfície aderente ao funcionamento dos sistemas automáticos de medição, o que é feito na
Seção 4, a seguir.
4. Volume de madeira de uma pilha
Embora extensivamente utilizado na comercialização de madeira, o estéreo não encontra
definição precisa na literatura técnica. De fato, os documentos que permitiram comprovar, na
Seção 2, a equivalência entre “metro cúbico” e “estéreo” foram obtidos em legislações e
organismos internacionais. A literatura técnica de engenharia florestal e disciplinas
associadas, ao contrário, tende a apresentar métodos diversos que buscam estimar o volume
de uma superfície associada a uma pilha de troncos. Em todas as definições, no entanto, o que
se verifica é a busca por um “volume de superfície” de uma pilha de toras de madeira. Tais
definições, naturalmente, são determinadas pelo conhecimento e tecnologias disponíveis,
além da precisão desejada para a medição, e deixam evidente a necessidade, por parte da
comunidade ligada à medição de volume de madeira roliça, de definições para o volume da
superfície exterior de uma pilha.
Observe a Figura 4 que apresenta uma pilha genérica de toras de madeiras, e a cujas
dimensões x, y e z nos referiremos ao longo deste texto. Algumas possibilidades de definições
para o volume exterior da são descritas a seguir.
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Figura 4 – Pilha de toras de madeira (retirada da Portaria Inmetro 130 de 1999)
a) Volume do menor paralelepípedo que contém a pilha de toras de madeira
(INMETRO,1999). Tal medida apresenta o inconveniente de que as alturas ao longo da
pilha (dimensão z) podem variar bastante. Além disso, embora se espere que a variação
nos comprimentos dos troncos (dimensão x) seja pequena, tal premissa pode não ser
completamente verdadeira.
b) Volume do menor sólido convexo que contém a pilha de toras de madeira
(INMETRO,1999). Assim como a definição anterior, tal medida apresenta inconveniente
derivados de variações nas dimensões individuais das toras e das alturas em diferentes
pontos da pilha. Ainda assim, apresenta erro não-superior (e, possivelmente, inferior) ao
da definição anterior, já que o próprio paralelepípedo é um sólido convexo.
c) Volume do paralelepípedo de comprimento y, largura x‟ – média dos comprimentos das
toras – e altura z‟ – média das alturas da pilha. Neste caso, os pontos da pilha onde será
medida a altura (de forma a calcular o valor z‟) são determinados pelo protocolo de
medição [BATISTA&COUTO,2002;BERTOLA ET AL,2003;DA SILVA ET AL,2005].
d) Volume de outros sólidos determinados a partir da pilha de toras de madeira.
Em todas as definições anteriores, o que se busca é determinar um sólido cuja forma esteja
relacionada com a disposição dos troncos na pilha e apresente duas características adicionais:
a) seu volume apresente pequena variação quando do reempilhamento das toras; e
b) sua definição seja prática e coerente com os métodos de medição disponíveis.
Apresentamos uma definição de volume exterior de pilha que capta os princípios das técnicas
de mapeamento de superfície atualmente disponíveis nos sistemas de medição de madeira.
Denominamos interior de uma pilha ao conjunto dos pontos (ou posições) P em uma pilha de
madeira tais que toda semi-reta com origem em P intersecta o interior de alguma tora de
madeira, e superfície exterior de uma pilha ao conjunto dos pontos de fronteira
(MUNKRES,2000) do interior desta pilha. O volume exterior de uma pilha de toras de
madeira é o volume de seu interior (que, em geral, será maior que o volume sólido da mesma
pilha. A definição de superfície de uma pilha identifica exatamente os pontos que podem ser
visualizados a partir do exterior desta pilha.
Basicamente, definimos como interior de uma pilha de toras de madeira como o conjunto dos
pontos da superfície de uma tora que não são visíveis do exterior desta tora, e a superfície da
pilha é exatamente a superfície do sólido definido como interior da pilha. Esta é exatamente a
superfície que é identificada pelos sensores dos atuais sistemas de medição, os quais ficam
localizados em um arco externo à pilha. As Figuras 5, 6 e 7 apresentam um exemplo de pilha
de toras e seus respectivos interior e superfície.
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Figura 5 – vista de uma seção reta de uma pilha de toras
Figura 6 – a reta a e as circunferências dos troncos 1 e 3 delimitam uma região não-visível e, portanto,
considerada interna à pilha; da mesma forma, a reta b e as circunferências dos troncos 2 e 3 delimitam uma
região não-visível considerada interna
Figura 7 – interior (cinza) e superfície exterior (cinza) da pilha da Figura 5
Enfatizamos o fato de que definição de volume de uma pilha dá, como unidade, o metro
cúbico. Ou seja, o volume de uma pilha é dado em termos de metros cúbicos de madeira e
matéria residual, não sendo necessária a criação de uma nova unidade para expressar este
volume. De fato, em qualquer possível definição de volume de uma pilha de madeira, é
possível apenas unidades do Sistema Internacional.
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4. Estimativa de volume sólido de madeira a partir do mapeamento da superfície
Nesta seção, investigamos o funcionamento de sistemas de medição de volume de madeira
baseados em mapeamento de superfície. Mais precisamente, são sistemas que medem o
volume exterior de uma pilha de madeira, estimam um fator de empilhamento, e determinam
um valor para volume sólido estimado de madeira.
Dada uma pilha de madeira roliça da qual se conheça as dimensões e a posição exatas de
cada, é possível estimar o valor exato do volume sólido de madeira daquela pilha – que nada
mais será do que a soma dos volumes de cada tora. Soluções para medição de volume de
madeira disponíveis no mercado são capazes de mapear com elevada precisão a disposição
das toras “externas” da pilha – justamente através do mapeamento de sua superfície – mas não
detectam, a priori, as dimensões, as posições ou mesmo a quantidade das toras internas. Nos
termos da nomenclatura aqui adotada, estes sistemas de medição são capazes de determinar
apenas a superfície exterior de uma pilha de madeira roliça. Ainda assim, estas soluções têm
sido capazes de estimar, com boa precisão, o volume sólido de madeira de uma pilha. Tais
soluções são, em regra, dotadas de etapas de processamento por software, responsáveis pela
estimativa do fator de empilhamento – o diagrama da Figura 8 descreve o funcionamento
geral de tais sistemas de medição.
Figura 8 – visão geral de um sistema automatizado de medição de madeira empilhada
Denomina-se “fator de empilhamento” à relação entre o volume de uma pilha de madeira e o
volume sólido de madeira desta pilha. Conhecido o valor do fator de empilhamento, é
possível determinar o volume sólido de madeira a partir do volume da pilha de madeira.
Soluções de medição de madeira baseadas em mapeamento de superfície fazem uma
estimativa do fator de empilhamento a partir das características extraídas dos troncos externos
mapeados, tais como diâmetro máximo, diâmetro mínimo e curvatura dos troncos.
Naturalmente, o simples mapeamento da superfície de uma pilha de madeira roliça não
permite inferir a disposição das toras internas a esta pilha, uma vez que as características dos
troncos externos da pilha não irão, necessariamente, repetir-se nos troncos internos da pilha.
De fato, um evento bastante conhecido na engenharia florestal e na comercialização de
madeira roliça é a chamada gaiola, que é o empilhamento de toras deixando uma proporção
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excessiva de espaços vazios entre as toras. As gaiolas são causadas por toras “mal-
desgalhadas” ou em posição “oblíqua”. Observe, portanto, que uma pilha de madeira poderia
apresentar uma região externa bastante regular – o que levaria a uma estimativa de baixo fator
de empilhamento – e uma região interna provida de gaiolas – e, portanto, com elevado fator
de empilhamento. Tal cenário levaria uma solução de medição de madeira baseada em
mapeamento de superfície a estimar um volume sólido de madeira muito acima do real. De
maneira análoga, é possível construir uma pilha de madeira de forma a “forçar” uma
estimativa de volume sólido muito abaixo do real.
O erro ocasionado por gaiolas na estimativa do fator de empilhamento e do volume sólido de
madeira não é uma novidade na comercialização de madeira, de forma que as partes
envolvidas na transação dispõem de técnicas para identificar o problema e, se for o caso,
rejeitar uma determinada pilha ou lote.
Dessa forma, o uso estimativas de volume sólido a partir do mapeamento da superfície de
pilhas de madeira é perfeitamente aceitável para a comercialização de madeira – na verdade, o
cenário é similar ao tradicional comércio baseado em medidas de superfície. De fato, o que se
tem em tais sistemas é a estimação do volume de uma pilha, em termos de metros cúbicos de
madeira e matéria residual, e a estimação de um fator de empilhamento, adimensional, que
permite o cálculo de uma estimativa de volume sólido de madeira daquela pilha, em metros
cúbicos. Tais informações – volume da pilha, fator de empilhamento estimado, e volume
sólido calculado – devem ser informadas explicitamente nas transações comerciais de madeira
roliça empilhada.
Uma característica das soluções modernas é a presença de etapas de processamento por
softwares dotados de algoritmos capazes de estimar o fator de empilhamento a partir de uma
série de parâmetros, tais como diâmetro máximo, diâmetro mínimo e curvatura dos troncos,
além da própria superfície da pilha de madeira. A presença de processamento e comunicação
de dados torna importante uma validação do sistema considerando os princípios da Segurança
da Informação, conforme detalhamentos apresentados no Anexo 1.
É fundamental, também, efetuar um acompanhamento periódico no sentido de verificar o
comportamento dos algoritmos de estimação de volume sólido, já que as características das
florestas – e, portanto, dos troncos – pode variar de acordo com a região, o clima, e o próprio
curso do tempo. O acompanhamento do comportamento dos algoritmos deverá ser feito em
três instâncias:
a) O detentor do sistema de medição deverá efetuar a comparação entre o volume sólido
estimado pelo sistema de medição de madeira por mapeamento de superfície e o volume
sólido calculado através de métodos mais precisos, como a cubagem, que é a medição
manual dos volumes individuais de cada tronco de uma pilha.
b) Um organismo independente deverá acompanhar e auditar as cubagens/comparações
realizadas pelo detentor do sistema de medição.
c) A Autoridade Metrológica – no caso do Brasil, o Inmetro, através dos IPEM – deverá
auditar, periodicamente, as cubagens/comparações efetuadas pelo detentor do sistema de
medição e, se for o caso, efetuar suas próprias cubagens/comparações.
No Anexo 2 apresentamos um conjunto de critérios para as cubagens/comparações, tais como
critérios de amostragem e erros máximos admissíveis.
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5. Considerações Finais
A obrigatoriedade do uso de unidades do Sistema Internacional nas operações envolvendo
produção, colheita, baldeio, transporte e comercialização da madeira roliça não impede o uso
das técnicas tradicionais de estimação de volume baseadas no volume de pilhas de madeira
roliça. Nesta Nota Técnica, verificamos que tais “volumes de superfície” podem ser expressos
em termos de “metros cúbicos de madeira e matéria residual”. De fato, apresentamos uma
nova proposta para a definição de “interior de uma pilha” unicamente definida pela disposição
de um conjunto de toras, e cujo conteúdo compreende madeira e “espaços vazios”.
Descrevemos, também, o funcionamento dos atuais sistemas de medição de madeira baseados
em mapeamento de superfície. Tais sistemas possuem duas etapas gerais de processamento de
dados. A primeira etapa é a determinação da superfície de uma pilha de madeira roliça a partir
de informações geradas por sensores de superfície (como scanners a laser). A segunda etapa é
a inferência de um valor de volume sólido de madeira a partir de informações obtidas do
mapeamento da superfície da pilha, tais como diâmetros das toras e características de
curvatura. Desta forma, pudemos concluir que, efetivamente, tais sistemas são medidores de
volume de pilhas (tradicionalmente expresso em estéreos). Ainda assim, é possível utilizar
tais sistemas para a comercialização de madeira baseada em volume sólido, desde que o
comportamento dos algoritmos de medição seja acompanhado periodicamente pelas partes
envolvidas e auditado pela Autoridade Metrológica (Anexo 2).
Finalmente, descrevemos os requisitos gerais de Segurança da Informação que devem ser
atendidos por sistemas automatizados de medição de madeira baseados em mapeamento de
superfície (Anexo 1).
Dadas as características de equilíbrio entre as partes envolvidas no comércio de madeira roliça
e considerados os argumentos de aderência das medidas de volume de pilhas de madeira ao
Sistema Internacional, conclui-se que é perfeitamente aceitável o uso de sistemas
automatizados de medição de madeira roliça baseados em mapeamento de superfície, desde
observados os critérios de acompanhamento de desempenho de algoritmos de inferência de
volume sólido, descritos no Anexo 2, e de atendimento aos requisitos de Segurança da
Informação, descritos no Anexo 1.
Referências
BATISTA, J.L.F. & DO COUTO, H.T.Z. O estéreo. Metrvm. Vol. 2, p.1-19, 2002.
BIPMP – BUREAU INTERNATIONAL DES POIDS ET MESURES. The International System of Units
(SI), 8th edition. 2006.
BERTOLA, A.; SOARES C.P.B.; RIBEIRO, J.C.; LEITE H.G. & DE SOUZA A.L. Determinação de
fatores de empilhamento através do software Digitora. Revista Árvore Vol. 27, p.837-844, 2003.
DA SILVA, M.C.; SOARES, V.P.; PINTO A.C.; SOARES C.P.B. & RIBEIRO C.A.A.S. Determinação do
volume de madeira empilhada através de processamento de imagens digitais. Scientia Forestalis. Vol. 69, p.104-
114, 2005.
FRANÇA, LEGISLAÇÃO. Décret relatif aux poids et aux measures. 1795.
INMETRO. Portaria nº 130/1999. 7 de dezembro de 1999.
INMETRO. Portaria nº 11/2009. 13 de janeiro de 2009.
MUNKRES, J.R.. Topology. Prentice-Hall. 2000.
OIML – INTERNATIONAL ORGANIZATION OF LEGAL METROLOGY. Document D 2 Consolidated
12
Edition. 2007.
VIML – Vocabulário Internacional de Metrologia Legal. 2007.
ANEXO 1: Requisitos de Segurança da Informação em sistemas de medição de volume
de madeira
A presença de software e comunicação de dados em sistemas de medição torna necessária a
observância a determinados requisitos de Segurança da Informação, de forma a garantir a
integridade dos dados de medição manipulados por tal sistema. Neste anexo, descrevemos, em
linhas gerais, os conceitos e requisitos que devem ser observados por sistemas de medição de
volume de madeira.
Identificação/Integridade do software. Os softwares legalmente relevantes devem ser
claramente identificados. A identificação do software deve ser indissoluvelmente ligada ao
software e deve ser apresentada (e conferida) sob comando ou automaticamente durante a
operação do sistema/instrumento de medição de volume de madeira.
Cada mudança no software definido como legalmente relevante, entendido como mudanças as
alterações nos parâmetros utilizados pelos algoritmos de estimação de fator de empilhamento,
deverá ser registrada e informada à Autoridade Metrológica, além de possuir um novo
identificador. O identificador de software deve ter uma estrutura que identifica claramente as
versões que necessitam de avaliação e aprovação e aquelas que não precisam.
Exatidão dos algoritmos e funções de medição. Os algoritmos e funções de medição devem
ser adequados e funcionalmente corretos para o sistema/instrumento de medição de volume de
madeira (precisão dos algoritmos, arredondamentos, etc.). Os algoritmos devem ser
analisados através dos ensaios descritos no Anexo 2.
Influência da interface do usuário. Nenhum dos comandos gerados através da(s)
interface(s) de usuário de um sistema/instrumento de medição de volume de madeira deve
influenciar o software legalmente relevante, nem os dados das medições, de forma não
prevista na descrição apresentada no processo de aprovação de modelo. Deve haver uma
atribuição unívoca e não ambígua de cada comando e de sua função ou do procedimento de
mudança de dados. O acionamento de qualquer tipo de interface que não seja explicitamente
declarada e documentada como comando não pode ter qualquer efeito sobre as funções do
sistema/instrumento de medição de volume de madeira ou medições.
Influência da interface de comunicação. Os comandos introduzidos através de interfaces de
comunicação do sistema/instrumento de medição de volume de madeira não devem
influenciar o software legalmente relevante, ou os dados das medições, de forma não prevista
na descrição apresentada no processo de aprovação de modelo. Deve existir uma atribuição
unívoca e não ambígua de cada comando para uma função ou uma alteração de dados. Os
sinais ou códigos que não estão declarados e documentados como comandos não podem ter
qualquer efeito sobre as funções e os dados do sistema.
Proteção contra mudanças acidentais/não-intencionais. O(s) software(s) legalmente
relevante(s) e os dados de medição devem ser protegidos contra modificações acidentais ou
não-intencionais. Os possíveis motivos para modificações acidentais e não-intencionais são:
influências físicas imprevisíveis, efeitos causados por funções de usuário, defeitos residuais
do software.
Proteção contra mudanças intencionais. O(s) software(s) legalmente relevante(s) deve(m)
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ser protegido(s) contra modificações inadmissíveis, cargas remotas não autorizadas e
substituição de memória. Deve-se garantir que o gabinete do sistema/instrumento de medição
de volume de madeira seja seguro (inviolável), e a memória física não possa ser removida
sem autorização.
Proteção dos parâmetros. Os parâmetros que fixam as características legalmente relevantes
do sistema/instrumento de medição de volume de madeira devem ser protegidos contra
modificações não autorizadas. A mudança dos parâmetros deve caracterizar a criação de uma
nova versão de software, a qual deve ser registrada e analisada pela autoridade metrológica.
Detecção de falha. O sistema/instrumento de medição de volume de madeira deve possuir
funções de detecção de falhas. Tanto o processo de detecção, quanto a reação à falha, devem
estar claramente caracterizados.
Validação do software. O software legalmente relevante deve ser validado. Caso o sistema
de medição de madeira estime “volume sólido” de madeira, seus algoritmos devem ser
acompanhados segundo o protocolo descrito no Anexos 2.
Transmissão dos dados através de redes de comunicação. O conjunto de requisitos
técnicos descritos a seguir, se aplica apenas quando o sistema/instrumento de medição de
volume de madeira utiliza internamente uma rede de comunicação para transmitir e receber
dados das medições que são legalmente relevantes. Devem-se empregar os meios necessários
para garantir: completude dos dados transmitidos, integridade dos dados transmitidos,
atenticidade dos dados transmitidos, confidencialidade das chaves criptográficas (e dados
correlatos), detecção e inutilização de dados corrompidos, disponibilidade dos serviços de
transmissão, e resiliência perante atraso de transmissão.
Capacidade de processamento. Todos os elementos constituintes do sistema/instrumento de
medição de volume de madeira que tenham uso compartilhado (concentradores, redes de
comunicação)devem ser dimensionados em função dos instantes de maior carga.
Cópias de segurança (backup). Deve haver um mecanismo que gere cópias periódicas destes
dados legalmente relevantes, tais como os resultados de medição e o „status‟ atual dos
processos, e salve essas cópias em mídia não-volátil. A freqüência de atualização das cópias
de segurança deve ser compatível com os requisitos aplicativos.
ANEXO 2: Proposta para o acompanhamento dos algoritmos de mediçao
O uso de algoritmos especializados para a inferência de volume sólido de madeira roliça
empilhada a partir de informações da superfície de pilhas de madeira torna necessário o
acompanhamento periódico do comportamento e dos erros de tais algoritmos. Neste anexo,
descrevemos um protocolo para o acompanhamento de tais algoritmos. O protocolo é baseado
na execução periódica de cubagens, que é a medição manual do volume de cada uma das toras
presentes em uma pilha, com a posterior soma dos volumes e a determinação do volume
sólido de madeira em uma pilha. Os resultados de tais cubagens – ou seja, os volumes sólidos
de madeira obtidos – devem ser comparados com aqueles obtidos pelo Sistema de Medição,
de forma a permitir um acompanhamento do comportamento de seus algoritmos de medição.
Cubagem pelo detentor do Sistema de Medição. A cubagem deverá ser efetuada pelo
detentor do Sistema de Medição em 5% dos lotes comercializados. As amostras devem ser
escolhidas de forma uniforme ao longo do tempo, evitando a concentração em determinado
período do mês ou do ano, por exemplo. Além disso, deve-se distribuir as amostras entre os
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diversos fornecedores e bases florestais.
A parte não-detentora do Sistema de Medição poderá solicitar a cubagem de um determinado
lote, caso não se tenha atingido a cubagem de pelo menos 5% das amostras comercializadas
por esta parte. A parte não-detentora do Sistema de Medição poderá acompanhar a cubagem.
A verificação de um erro superior a 7% constitui um evento de Erro Máximo Extrapolado.
Mensalmente, os eventos de Erro Máximo Extrapolado devem ser comunicados à Autoridade
Metrológica.
O resultado (volume sólido) de cada cubagem deve ser comparado com aquele obtido pelo
Sistema de Medição, de forma a permitir um acompanhamento dos erros gerados pelo
Sistema de Medição. Os dados devem ser armazenados por no mínimo 5 anos, de forma a
permitir futuras auditorias e um apropriado acompanhamento histórico dos erros de medição.
Cubagem pelo não-detentor do Sistema de Medição. Recomenda-se que a parte não-
detentora do sistema de medição efetue a cubagem a priori de parte de seus lotes
comercializados, de forma a poder acompanhar o comportamento dos algoritmos do Sistema
de Medição.
Auditoria por organismo independente. Anualmente, os dados das cubagens efetuadas pelo
detentor do Sistema de Medição deverão ser auditados por organismo independente. Tal
organismo deverá verificar se os critérios de amostragem foram adequadamente satisfeitos e
se os eventos de Erro Máximo Extrapolado foram comunicados à Autoridade Metrológica. Ao
final da auditoria, deverá ser gerado relatório a ser enviado para avaliação pela Autoridade
Metrológica.
Auditoria pela Autoridade Metrológica. A Autoridade Metrológica poderá, a qualquer
momento, efetuar auditoria sobre os dados de cubagem pelo detentor do Sistema de Medição
e, ainda, efetuar suas próprias cubagens sobre lotes em transação ou lotes de teste.