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RECONHECIMENTO E PERMANNCIA NO ENSINO SUPERIOR: UM DEBATESOBRE A TEORIA CRTICA DO RECONHECIMENTO E O PENSAMENTO
Jos Raimundo J. Santosi (UFRB-CCAAB)
Resumo - O ensaio busca uma aproximao conceitual e metodolgica dos discursos dostericos crticos da luta por reconhecimento e do pensamento bourdieusiano, onde o acesso educao faz com que os sujeitos, que antes estavam margem, possam agora acess-la, aopasso que as elites constituem novos dispositivos sociais e simblicos que impedem ter nodiploma uma moeda de troca para ascender na sociedade. Tal reflexo est no acmulo decapital e na insero em campos especficos dos espaos sociais, como a universidade, estnos processos de reconhecimento.Palavras Chave. Reconhecimento, Universidade, Permanncia
REFLEXES POR ONDE INTRODUZIR
O processo escolar tomado por Bourdieu como um modelo de representao e
reproduo dos valores e conceitos das elites dominantes, para tanto o autor argumenta que os
indivduos despossudos de um dado capitalii no dispem das condies necessrias para
permanecer e ascender, a partir da inscrio no sistema escolar. Este autor, caracteriza que a
disponibilidade e a universalizao no acesso ao ensino fazem com que os sujeitos, que antes
estavam margem, possam agora ter acesso educao, contudo, observa que as elites, ao
perceberem tal movimento de acesso, constituem novos dispositivos sociais e simblicos que
impedem que estes novos atores da educao tenham no diploma uma moeda de troca para
ascender na sociedade. Neste sentido, reinventam as caractersticas para que os sujeitos sejam
aceitos e reconhecidos dentro dos grupos especializados.
Para Nogueira e Nogueira (2006),
preciso notar ainda que o crescimento das taxas de escolarizao esua extenso s novas clientelas fazem acirrar a concorrncia entre osgrupos sociais pela posse do capital escolar cultural. A principalconseqncia disso, no plano das desigualdades, reside no fato de que osantigos detentores desses bens tendero a deslocar suas estratgias escolaresseja em direo a nveis cada vez mais altos do sistema escolar, seja emdireo a estabelecimentos, ramos de ensino ou tipos de escolarizao maisseletivos ou mais raros, dos quais procuram deter a exclusividade. Trata-sede um processo denominado por Bourdieu de translao global dasdistncias (Bourdieu: 1998), por meio do qual as distncias que separam os
diferentes grupos sociais, em termos culturais e escolares, manter-se-iamincessantemente, embora em patamares variados.
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Nesta perspectiva, o pensamento Bourdieusiano demonstra que as elites econmicas no
necessitam de um investimento alto em educao, ao passo que as classes mdias cuja posio
social se deve principalmente a certificao escolar tendem a investir pesado na escolarizao
dos filhos. Assim, observa-se que as famlias que detm algum quantum de capital cultural
transmitem sua prole um ideal que perpassa pela necessidade do diploma e pela conseqente
mobilidade por meio da educao.
Os jovens oriundos da classe mdia so conduzidos para a obteno de um capital
cultural institucionalizadoiii, que mediante o esforo da famlia tendem a freqentar
estabelecimentos privados de educao e/ou centros de ensino federais que fornecem uma
educao compatvel com as grandes e denominadas escolas particulares do pas. Logo,
capitaneiam um quantum de capital cultural escolar que lhes assegura a denominada baseivque o possibilite acessar ao ensino superior e, a partir da, construir uma carreira socialmente
aceita, emergindo para alm das possibilidades econmicas e sociais da famlia.
Porm, Bourdieu observa que as experincias de xito ou fracasso dos grupos sociais
constituem um conhecimento prtico, de forma no plenamente consciente, daquilo que est
ao alcance e do que pode ser alcanado pelos indivduos deste grupo social na realidade em
que esto inseridos. Para este autor, este processo que denominou de causalidade provvelv,
implica na internalizao das chances que os indivduos dispem para alcanar determinadobem, ou seja, a partir da estrutura social em que est inserido o indivduo estabelece um
quantum de auto-estima no enfrentamento daquilo que ou no prprio ou caracterstico do
seu grupo social de origem. Assim, a denominada base ser compreendida como a
causalidade provvel determinada pela origem escolar dos jovens que pretendem e/ou
ingressam na universidade. Que para os jovens oriundos das classes mdia e/ou alta,
estudantes de escolas particulares e/ou de centros de excelncias pblicos ou privados, esta
base ser positiva.J os jovens, cujas famlias esto margem da escolarizao e em classes populares e/ou
empobrecidas, tendem a freqentar os bancos escolares pblicos, cujos esforos de
manuteno e permanncia na escola esto, muitas vezes, condicionados a fatores externos e
objetivamente materiais; ou seja, a existncia de polticas pblicas especficas associadas ao
permanecer na escola bolsa famlia, bolsa escola, etc.; a distribuio da merenda escolar,
como nica refeio balanceada do dia; dentre outras polticas no mbito municipal ou
estadual. A causalidade provvel, segundo Bourdieu que estes jovens no acessem a
universidade e, consequentemente, caso faam o quantum de capital cultural escolar, base
ser negativo.
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Contudo, coexiste uma parcela significativa de famlias, cujo objetivo central assegurar
a permanncia destes jovens na escola. Pois reconhecem no capital cultural escolar um valor
positivo que refora a esperana no futuro da famlia dissociada da escassez de bens materiais
e simblicos com o qual sobrevivem. A este jovem assegurado a possibilidade de emergir
socialmente atravs da escolarizao e, consequentemente, propiciar famlia uma forma de
ascenso associada ao sucesso escolar de um ou mais membros desta. Mas, a origem escolar e
a origem social, redesenham este olhar positivo da famlia sobre o capital cultural escolar
adquirido pelo jovem quando do acesso Universidade. O olhar generalista e estrutural que
classifica o jovem no espao social universitrio, determina sobre ele um fator negativo, no
que tange basenecessria para o acesso aos espaos institucionais de pesquisa e produo
do conhecimento.Acessar e permanecer no ensino superior, um ideal construdo na sociedade e no seio
da famlia e valorizado por seus membros, representa para os jovens oriundos das classes
mdias e alta, a manuteno de um capital socialvi, ou seja, a manuteno de relaes sociais e
da capacidade de interagir e relacionar-se com indivduos, cujo capital cultural escolar so
semelhantes e, cuja origem est na rede privada de educao. Contudo, para o aluno cuja
origem foi escola pblica, isto representa um vcuo com relao s expectativas de
manuteno e valorizao do capital cultural escolar adquirido. Bourdieu, ao apresentar oconceito de causalidade provvel, nos possibilita perceber a existncia de discrepncias na
valorao do capital cultural escolar associado origem escolar dos jovens. O reconhecimento
para dentro dos espaos sociais universitrios no condicionado pelo desempenho
acadmico a partir do acesso ao ensino superior, mas acrescido por um novo conceito, ao
mesmo tempo, estrutural e estruturante, associado origem escolar dos jovens,a base.
O permanecer na Universidade representa um ponto no percurso de vida destes novos
sujeitos, profissionais, polticos ou acadmicos. E neste sentido, tem-se que estar naUniversidade no assegura ao jovem um reconhecimento de seu potencial ou de sua
capacidade de estar ali, representa, antes de qualquer coisa, que no processo seletivo imposto
pelo vestibular ele fora selecionado por seu mrito individual dentre outros do seu grupo e,
que a partir da, dever acumular no seu currculo e na sua trajetria acadmica um quantum
de capital social, poltico e cultural que lhe garanta permanecer e circular para dentro e para
fora da Universidade e, principalmente, se perceber e ser reconhecido pelos pertencentes ao
mundo acadmico e cultural, como parte dele.
Para Bourdieu (1989: 134-135),
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A posio de um determinado agente no espao social pode assim serdefinida pela posio que ele ocupa, nos diferentes campos, quer dizer, nadistribuio dos poderes que actuam em cada um deles, seja, sobretudo, ocapital econmico nas suas diferentes espcies -, o capital cultural e ocapital social e tambm o capital simblico, geralmente chamado, prestgio,reputao, fama, etc. que a forma percebida e reconhecida como legtimadas diferentes espcies de capital.
Assim, percebe-se que o reconhecimento, para Bourdieu, ocorrer na medida em que os
indivduos possam se perceber partilhando habituse elementos especficos dos campos onde
este sujeito est inserido ou pretende-se inscrever. Neste sentido, deve-se, antes de tudo,
apreender a Universidade como um espao social conflitivo e tenso, cujas relaes sociais se
estabelecem de forma seletiva, parametrizada pelo quantum de capital cultural, social,
poltico e econmico -, disponvel por cada sujeito e, pelo quantum de capital que est
disposto a negociar com outro ou com os grupos j institudos.
Axel Honneth (2003) observa que,
A formao do Eu prtico est ligada pressuposio doreconhecimento recproco entre dois sujeitos: s quando dois indivduos sevem confirmados em sua autonomia por seu respectivo defronte, elespodem chegar de maneira complementar a uma compreenso de si mesmoscomo um Eu autonomamente agente e individuado.
Os dois autores referenciados representam perspectivas distintas na teoria social e, por
esta razo, ao conceber a proximidade destes, deve-se promover um recorte espao temporal
que permita ao investigador mergulhar com profundidade nas questes referentes
composio do reconhecimento e auto-reconhecimento, como tambm na constituio e
obteno de distintas formas de capital.
Assim, o espao social, Universidade, o lugar que melhor representa essa possibilidade,
pois ao tempo que se constitui como um espao socialvii, tal qual argumenta Bourdieu, representado pela sociedade como sendo um lugar de empoderamento e reconhecimento para
os que a permanecem e, para os seus egressos, principalmente, se recortarmos este espao,
evidenciando aqueles cursos cujo prestgio social ultrapassa as barreiras do saber acadmico e
passam a ser socialmente reconhecido, remetendo aos seus egressos a idia de doutos, tais
como os cursos de Medicina, Direito, Odontologia, Engenharias e Arquitetura, dentre outros.
Nesta perspectiva, observa-se que as polticas especficas de acesso e permanncia no
ensino superior no Brasil esto associadas ao debate sobre o sujeito coletivo negro e suasnecessidades objetivas e histricas de reparao para objetivamente e de forma equitativa,
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prover a esta parcela da populao as condies de insero e desenvolvimento na sociedade
e, em espaos sociais, como a Universidade.
Contudo, sabe-se ainda que, no bojo do debate sobre as polticas de acesso e permanncia
no ensino superior, est presente a relao do saber enquanto representao de poder, ou seja,
est representao de uma geografia imaginria que caracteriza a Universidade como um
territrio que demanda poder atravs do saber e, que conseqentemente, retira o indivduo do
anonimato dando-lhe visibilidade social, enquanto universitrio. E, que o acesso
Universidade deveria promover uma equidade de condies para obteno do conhecimento
e, uma universalidade no reconhecimento e olhar dos indivduos sobre o que representa o ser
universitrio, como tambm, no possvel que este reconhecimento esteja desassociado de
uma identidade coletiva, enquanto manifestao de um poder para dentro e para fora daUniversidade.
INCURSES
O debate sobre aes afirmativas ganha efervescncia e, autores como Guimares (2003)
e Santos (2003) debatem a insero destes jovens nas Universidades brasileiras, analisando as
causas do nmero reduzido destes em algumas reas do conhecimento, debatendo,principalmente, desde os argumentos que se focam no mrito individual para o acesso, como
tambm naqueles que se focam no desempenho acadmico, para a permanncia, destes
discentes.
Neste sentido, para Gomes (2003), as aes afirmativas tm como objetivo no apenas
coibir a discriminao do presente, mas, sobretudo, eliminar os efeitos persistentes
(psicolgicos, culturais e comportamentais) da discriminao do passado, que tendem a se
perpetuar, principalmente, quando os indivduos agora inseridos dentro da Universidadebuscam assegurar para si o direito de transitar em espaos antes distantes e remotos, tal como
o campo cientfico e acadmico, e at mesmo da docncia universitria.
A inexistncia de um processo histrico de aceitao das diferenas, em contrapartida
pela tentativa de se estabelecer padres de semelhana e homogeneidade no convvio social,
se constitui num mecanismo de credenciamento de determinados valores e normas enquanto
constituintes de um modelo de reciprocidade generalizada, erguendo-se assim, uma barreira
para as trocas simblicas e a confiana mtua no tratar e lidar com o indivduo caracterizado,
ou melhor, estigmatizado como diferente.
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Para Taylor (1997; 1994), os sujeitos so construes dialgicas e por meio das interaes intersubjetivas (sejam elas agonsticas ouamistosas) que eles podem realizar a tarefa de serem verdadeiros com suasprprias originalidades. Em um mundo que construiu uma imagemindividualizada de identidade, pautada pelo princpio de autonomia, "se euno sou [verdadeiro comigo mesmo], eu perco o cerne da minha vida; euperco o que o ser humano significa para mim" (TAYLOR, 1994, p. 30).Essa autonomia s pode ser construda em dilogos em parte, externos e,em parte, internos com os outros.
Partindo da idia de que toda relao social um jogo de poderes, negociados e
reconhecidos, o conflito na formao de intersubjetividades representa o reconhecimento
destes poderes, que por si s, no podem existir seno por meio da emergncia e aceitao da
diferena mtua e dos interesses comuns. Portanto a interao ocorre circunscrita a um campo
especfico aonde atuam os sujeitos e, que, de antemo reconhecem as caractersticas
necessrias para atuarem neste campo. Os sujeitos ainda que, reivindicando uma identidade,
s o fazem quando apropriados das caractersticas do espao social ou instituio onde atuam,
quer dizer que, dentre as diversas formas de busca pela auto-realizao e reconhecimento
ocorre, simultaneamente, um escrutnio dos valores e caractersticas que devem ser expostas
na relao.
Esse escrutnio imperativo para o reconhecimento de si pelo outro, pois os critrios
absorvidos pelo outro so aqueles compartilhados com a coletividade que o reconhece e quefomenta sua identidade. No h identidade do sujeito sem o compartilhar do grupo e a
assuno de caractersticas que o remetam a um lugar ou a distintos espaos sociais, como
tambm o caracterizem como membro ou integrante de um campo especfico de trocas
simblicas. Honneth e Fraser percebem que a luta pelo reconhecimento e pela redistribuio,
no se d dissociada da coletividade que compartilha os mesmos valores. Visto que, a
intersubjetividade tal como descrita por Mead (1993) representa um dilogo entre eu a
cultura e os outros, constituindo assim os valores individuais, que tal como observouDurkheim, trata-se de reproduo da conscincia coletiva, promovendo para o interior do
grupo laos de solidariedade que se expressam de forma mecnica ou orgnica, primria ou
especializada.
Para Honneth (2003), a luta por reconhecimento "so as lutas moralmente motivadas de
grupos sociais, [em] sua tentativa coletiva de estabelecer institucional e culturalmente formas
ampliadas de reconhecimento recproco, aquilo por meio do qual vem a se realizar a
transformao normativamente gerida das sociedades". Deste processo conflitivo, pode-seobservar que os sujeitos aprendem uns com os outros, e isto os torna autnomos, ainda que
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dependentes da legitimao do grupo, conseqentemente, esta luta por reconhecimento gera
uma relao de dependncia/autonomia do sujeito para consigo mesmo, para com o outro,
para com o grupo e, para como o grupo que o reconhece e o legitima. Esta relao de
dependncia s possvel na medida em que os sujeitos da relao renam e compartilhem
valores comuns, enquanto caractersticas de reconhecimento e auto-reconhecimento.
Contudo, quando as relaes ultrapassam o campo primrio, ou seja, perpassam as
instituies, tal como a famlia e a religio, e, conduzem o sujeito a interagir com o outro,
cujos valores diferem do seu, ocorre um jogo de poderes e valores permeados pelos interesses
individuais, que tende a buscar caractersticas especficas dos agentes da relao,
possibilitando-os a estar e permanecer neste espao social e, que, portanto sejam legitimadas
pelos que a interagem.H o exemplo do mundo do trabalho, onde as diferenas de valores individuais, ou at
mesmo as caractersticas identitrias, de gnero, raa ou religio, reivindicadas para si, por
cada um dos atores, no representa relao de dependncia, ao contrrio, neste espao, as
relaes de dependncia so constitudas pelo grau de especializao para o trabalho, inerente
a cada indivduo, portanto o que importa a o capital intelectual e profissional dos sujeitos e,
teoricamente, no as suas reivindicaes identitrias.
Analisando a teoria de Honneth, Mendona (2007) afirma que,
Por meio do direito, os sujeitos reconhecem-se reciprocamente comoseres humanos dotados de igualdade, que partilham as propriedades para aparticipao em uma formao discursiva da vontade. As relaes jurdicasgeram o auto-respeito: "conscincia de poder se respeitar a si prprio,porque ele merece o respeito de todos os outros".
As lutas por reconhecimento, quando conflitivas e posteriormente reconciliveis, buscam
adequar o modelo constante a uma idia mais igualitria e universalizante, logo excludente.
Isto porque, quando os indivduos buscam caracterizar-se de forma homognea, tendem a
constituir certo conjunto de regras e caractersticas que permitir ou no o livre acesso e o
andar despreocupado de seus passantes, logo, aqueles desprovidos de tais caractersticas
passam a ser percebido no transitar e, tm, a todo tempo, de negociar sua passagem e/ou
conseqente permanncia. Neste sentido, o conflito torna-se um instrumento de confeco de
modelos ideais de reconhecimento e, a reconciliao ser regida por estes parmetros. Logo,
no se pode pensar em uma nica forma de reconhecimento, mas sim, nas mltiplas formas de
reconhecer-se e ser reconhecido.
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Nesta lgica, a forma de reconhecimento pode ser referenciada e incorporada pelo
sujeito, numa experincia, onde romper com o conceito valorativo associado basede origem
escolar, representa, ultrapassar as barreiras transcritas pelo habitus, ou seja, o contra
discurso ao modelo hegemnico referendado na idia da causalidade provvel que
determina o valor que o capital cultural escolar dos jovens tem e, que legitimam o estar e o
permanecer na Universidade. Ou, torn-la uma experincia negativa associada ao no
reconhecimento e ao desrespeito das identidades coletivas, tal qual observa, em particular,
Honneth, quando,
(...) associa, respectivamente, trs formas de desrespeito: 1) aquelasque afetam a integridade corporal dos sujeitos e, assim, sua autoconfiana
bsica; 2) a denegao de direitos, que mina a possibilidade de auto-respeito, medida que inflige ao sujeito o sentimento de no possuir ostatusde igualdade; e 3) a referncia negativa ao valor de certos indivduose grupos, que afeta a auto-estima dos sujeitos. Para Honneth, todas essasformas de desrespeito impedem a realizao do indivduo em suaintegridade. (MENDONA, 2007)
De certo, o reconhecimento se d de mltiplas formas, contudo o desrespeito impulsiona
para uma ao cuja tendncia coletivizar e, emerge em lutas sociais para o reforo das
identidades e o reconhecimento das capacidades.
Para Fraser (1997 [1995]),
(...) a justia requer tanto a redistribuiocomo o reconhecimento.(...) [Ela] aponta que essas lutas tm lgicas muito distintas, ainda quesurjam quase sempre imbricadas. A redistribuio buscaria o fim do fatorde diferenciao grupal, enquanto o reconhecimento estaria calcadonaquilo que particular a um grupo.
.Mas, esta paridade s ser alcanada, se no curso do desenvolvimento das interaes e no
processo de valorao das identidades, os sujeitos consigam um quantum de capital simblico
(social, intelectual e poltico) que lhes possibilitem o transitar despreocupado pelos espaos
sociais legitimados socialmente. Conseguintemente, preciso afirmar-se como membro do
conjunto para assim absorver a redistribuio material como conseqncia do auto-
reconhecimento. Este capital simblico reunir caractersticas do grupo de origem (raa,
gnero, religio, opo sexual, etc), como tambm, daqueles grupos em que se pretende
reconhecido. Isto possibilitar dispor de moeda de troca na economia simblica das relaes
sociais.
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Observa-se que os primeiros momentos do reconhecimento se do conforme a natureza
do sexo - masculino ou feminino , mas os demais so frutos das relaes sociais e dos
valores compartilhados nos grupos onde o sujeito interage. Portanto, reivindicar uma
identidade, representa optar por associaes e dissociaes com grupos e indivduos e, acima
de tudo, requer que o indivduo rena as condies, materiais e simblicas, para o
enfrentamento dos conflitos no processo de reconhecimento e auto-reconhecimento no
interior da Universidade, circunscrito aos distintos campos de pesquisa legitimados pela
instituio.
Logo, a definio de uma trajetria acadmica tendo como pauta origem escolar, racial e
de gnero se daria em oposio a uma estrutura predominante na Universidade que prev a
equidade de oportunidades para inscrio e permanncia nos distintos campos cientficos quea integram.
Temos ento, que a compreenso deste processo est no que Crdia (1995) observa,
como sendo a determinao das fronteiras meu direito / seu direito [que] se d como
resultado de uma forte competio entre desiguais por um bem escasso. E, neste sentido, se o
acesso ao ensino superior e a permanncia neste, tornou-se, na nossa sociedade, um bem
escasso, as estratgias de reconhecimento acadmico desenvolvidas pelos estudantes oriundos
da escola pblica, autodeclarados pretos e pardos, enquanto protagonistas da sua permannciaa, tornar-se- a materializao objetivada do mrito acadmico e servir como promotora do
debate sobre as desigualdades existentes na Universidade.
neste sentido que compartilho com Castells (2002) a proposio de que, quem
constri a identidade coletiva, e para qu essa identidade construda, so em grande medida
os determinantes do contedo simblico dessa identidade, bem como de seu significado para
aqueles que com ela se identificam ou dela se excluem.
DESDOBRAMENTOS -GUISA DE UMA CONCLUSO....
Se refletirmos sobre a importncia que a idia dabaseescolar dos jovens ingressos na
Universidade tem nos distintos espaos sociais acadmicos, observamos que esta funciona
como uma categoria estruturante de seleo e, por vezes segregao, de jovens para o ingresso
nas atividades de pesquisa e extenso. E, da podemos inferir que; a causalidade provvel,
tal qual descrita no pensamento bourdieusiano, tornou-se, uma caracterstica marcante
presente nos discursos dos docentes e pesquisadores, ou seja, um habitus quando associado ao
campo cientifico e, em especial, ao campo de treinamento e iniciao cientfica.
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Logo, o no reconhecimento do capital cultural escolar dos jovens que adentraram a
universidade por meio de polticas afirmativas, caracteriza-se como um desrespeito aos
indivduos e suas coletividades, que num processo histrico de luta por reconhecimento e
redistribuio equitativa dos direitos de acesso e permanncia no ensino superior
conquistaram o direito de serem tratados de forma desigual em virtude do que a desigualdade
existente na sociedade e nos espaos sociais legitimados por ela historicamente patrocinaram.
Portanto, para compreendermos como o processo de luta por reconhecimento e
consolidao de uma identidade acadmica dos jovens que adentraram a universidade por
meio da reserva de vagas se faz cotidianamente, torna-se necessrio um mergulho sobre as
causalidades provveis do sucesso ou do insucesso destes jovens no permanecer com
qualidade na Universidade, ou seja, trata-se de desnudar as formas de capital que estesdispem no jogo das relaes sociais e acadmicas. Como tambm, observar como o processo
dialgico de reconhecer, auto-reconhecer e ser reconhecido ocorre para dentro e para fora da
universidade e, desvendar quais os meios e formas de redistribuio associado as demais
identidades que os indivduos trazem.
Assim a idia da base tal qual apresentada nos discursos correntes nas Universidades,
deve ser aprendida como uma categoria estruturante, cujo quantum de capital social e cultural
est associado s condies estruturais de obteno do mesmo e, portanto, representa umacategoria analtica que associa as predisposies incorporadas e presentes nas conscincias
coletivas, estruturadas segundo as identidades coletivas requisitadas pelos sujeitos e, que
servem de parmetro para uma associao causal das suas possibilidades para dentro e para
fora da sociedade.
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iProfessor Assistente CCAAB/UFRB (Universidade Federal do Recncavo da Bahia); Gestor do Ncleo daPr-Reitoria de Aes Afirmativas e Assuntos Estudantis (PROPAE/UFRB) no Campus de Cruz das Almas .ii
O capital que pode existir no estado objectivado, em forma de propriedades materiais, ou, no caso do capitalcultural, no estado incorporado, e que pode ser juridicamente garantido representa um poder sobre um campo(num dado momento) e, mais precisamente, sobre o produto acumulado do trabalho passado (em particular sobreo conjunto dos instrumentos de produo), logo sobre os mecanismos que contribuem para assegurar a produode uma categoria de bens e, deste modo, sobre o conjunto de rendimentos e ganhos. (BOURDIEU, 1989:134).iii(...) no estado institucionalizado, consolidando-se nos ttulos e certificados escolares que, da mesma maneiraque o dinheiro, guardam relativa independncia em relao ao portador do ttulo. (...) Por meio dessa forma decapital cultural possvel colocar a questo das funes sociais do sistema de ensino e apreender as relaes quemantm com o sistema econmico. (CATTANI; NOGUEIRA, 1998:10).ivO uso da expressobaseest associada a um conceito corrente entre os docentes das universidades que alegamque aps a implantao das polticas pblicas de acesso e permanncia no ensino superior, a escolha e seleo deorientando e/ou jovens pesquisadores tornou-se mais difcil, pois a base destes jovens est aqum das demandasda pesquisas.v
A idia de causalidade do provvel representa, para Bourdieu, a relao dialtica entre o habitus(legitimadopela experincia anterior), e as significaes provveis, aquilo que tomado de forma seletiva como umaproposio futura, ou seja, representa a relao entre o mundo experimentado e historicamente vivido pelaexperincia dos indivduos e a possibilidade do mundo que pode vir a ser, a partir do mundo que conhece ereconhece e, que lhe dado conhecer.viCompreende-se como capital social o conjunto de recursos (atuais ou potenciais) que esto ligados posse deuma rede durvel ou de relaes mais ou menos institucionalizadas, em que os agentes se reconhecem comopares ou como vinculados a determinado(s) grupo(s). Tais agentes so dotados de propriedades comuns e,tambm, encontram-se unidos atravs de ligaes permanentes e teis.(cf. CATANI; NOGUEIRA, 1998)vii A Universidade a representao do mundo social, vista como um espao construdo com base empropriedades e princpios, cujas formas de diferenciao so o reflexo do universo social, na qual os indivduospertencentes so definidos pelas suas posies. Assim este espao concebido como um campo conflitivo deforas, imposto a todos que a atuam.
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